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INTERVENÇÃO FAMILIAR:

CUIDADO E INTERAÇÃO

Autoria: Brenda Rodrigues da Costa Neves

1ª Edição
Indaial - 2020

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2020


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

N518i

Neves, Brenda Rodrigues da Costa

Intervenção familiar: cuidado e interação. / Brenda Rodrigues


da Costa Neves. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.

132 p.; il.

ISBN 978-65-5646-109-0
ISBN Digital 978-65-5646-110-6
1. Mediação familiar. – Brasil. Centro Universitário Leonardo
Da Vinci.

CDD 158.24
Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA..........7

CAPÍTULO 2
A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS
INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO........................................................51

CAPÍTULO 3
O AUTOCUIDADO FAMILIAR.........................................................93
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo à disciplina de Intervenção familiar: cuidado
e interação. Nesta disciplina, teremos a oportunidade de conhecer um pouco a
respeito de como podemos trabalhar com as famílias que tem um(a) filho(a) com
TEA (Transtorno do Espectro Autista), sobre como é importante não negligenciar
que essas famílias também precisam ser cuidadas durante o percurso de
tratamento e de inclusão escolar de seus filhos. Este livro didático foi organizado
e pensado de forma a expor temas que estejam diretamente ligados à intervenção
familiar. Sendo assim, o livro foi dividido em três capítulos, com subitens em cada
um, sobre os quais faremos uma breve descrição.

O Capítulo 1 (Orientação familiar junto aos filhos com TEA) pretende


abordar um panorama em torno dos impasses e impactos que um diagnóstico
de TEA em uma criança pode interferir no contexto familiar. Por isso, foi pensado
em deixar exposto como acontece o processo do diagnóstico de uma criança
com suspeita de TEA; falamos sobre a “intervenção precoce” mostrando a sua
importância para o desenvolvimento da criança que apresenta esse diagnóstico e
como o quanto mais cedo for realizada essas intervenções, maiores e melhores
serão os ganhos para essas crianças. Veremos, ainda, subtemas a respeito do
Plano Terapêutico Singular, que é organizado com as famílias para a realização
do tratamento, falamos sobre como as atividades diárias da família podem ser
revistas, sobre o uso de algumas técnicas no manejo com a criança, dizemos o
quão significativo é a orientação dos pais, a psicoeducação, os grupos de pais e
como eles têm mostrado eficácia, sendo, hoje, recursos essenciais ao tratamento
das crianças com TEA. Esses têm sido alguns dos recursos utilizados na clínica
como meio de guiar os pais na compreensão de seu filho autista e seu modo
único de se comportar, aprendendo a manejar o comportamento dessas crianças,
reorganizando-se com qualidade frente ao cotidiano. Alguns cases foram expostos
para que possamos compreender melhor, na prática, o que foi dito no âmbito
teórico.

O Capítulo 2 (A criança com TEA, a família e a escola: parcerias inclusivas)


traz um rico conteúdo a respeito da história da Educação Inclusiva, como
ela tem acontecido em nosso país e como tem sido essencial a participação
das famílias nesse processo. Este capítulo aborda sobre como a Educação
Inclusiva pode resultar em ganhos tanto para as crianças consideradas típicas,
como para as crianças com autismo. Encontraremos, neste capítulo, como a
perspectiva inclusiva tem promovido uma torção no ensino clássico e tradicional,
nos provocando a pensar em novas maneiras de pensar o processo educativo.
Conferiremos, também, uma discussão reflexiva em torno do processo de educar
como uma perspectiva de tratar, quer dizer, a educação infantil como essencial
ao tempo de desenvolvimento das crianças. E, ao final do capítulo, veremos
exemplos de como é possível estabelecer um trabalho de parceria entre a escola
e a família, e como novos saberes poderão ser criados.

Para concluir este livro, conferiremos no Capítulo 3 um importante tema:


o autocuidado familiar. Refletiremos sobre as dificuldades do exercício da
maternidade e paternidade com o filho autista. Sendo assim, trouxemos conceitos
relativos à função materna e à função materna e sobre como podemos pensar no
cuidado e mesmo no autocuidado das famílias e suas crianças com TEA. E, para
finalizar, encontraremos o tema a respeito de quem cuida dos cuidados principais,
os pais, e sobre como é valiosa a escuta como recurso de cuidado com as famílias
de crianças com autismo para propor novas e inventivas saídas.

Este livro foi construído com a intenção de contribuir com a formação de


você, acadêmico, com o objetivo de agregar e ampliar o conhecimento de forma
reflexiva e crítica. Optamos por utilizar o termo “autismo” ao longo do texto,
referindo-se aos transtornos do espectro autista (TEA).

Esperamos que goste do livro e que ele possa fazer diferença na vida pessoal
e profissional. Bons estudos!

Prof.ª Brenda Rodrigues da Costa Neves


C APÍTULO 1
A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS
FILHOS COM TEA

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Discutir sobre os impasses e impactos diagnósticos do TEA no contexto familiar.


• Apresentar a importância da intervenção precoce.
• Mostrar técnicas e orientações no manejo com as crianças com autismo no
ambiente familiar.
• Analisar as relações familiares e a leitura dos pais sobre seus filhos autistas.
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A mãe de uma criança autista, Barnett (2013, p. 49), nos descreve de forma
delicada e sensível como percebia seu filho:

Ele ficava brincando sozinho, parecia profundamente envolvido.


Para os outros, podia parecer que ele estava simplesmente
ausente, mas eu não via seu foco como vazio. Quando girava
uma bola na mão, ou desenhava incansavelmente formas
geométricas, ou revirava uma daquelas caixas de cereal no
chão, ele me parecia completamente tomado. Sua atenção não
soava aleatória ou impensada. Ele parecia alguém perdido em
algum trabalho muito importante, muito sério. Infelizmente não
podia dizer qual era.

Neste breve relato, podemos entender a dor dessa mãe que se coaduna a
outras tantas mães. Como poderemos ajudar as famílias a compreenderem o que
é ter um filho autista para poderem ajudar seus próprios filhos?

O processo psicodiagnóstico de uma criança com suspeita de autismo


envolve muitos especialistas, como: neuropediatras, psiquiatras infantis,
psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos; e, ainda, outros fatores,
como: a aplicação de escalas de avaliação, entrevistas com os pais, e, sobretudo,
a observação clínica para a conclusão do diagnóstico.

Podemos considerar os principais comportamentos típicos de uma criança


autista: a recusa de estabelecimento de contato tátil ou visual com outras crianças
ou pessoas, a não interação e a falta de compartilhamento nas brincadeiras com
as demais crianças, o desinteresse do mundo que está a sua volta, fixação e
regressão sensorial, ficando inerte somente em toques e movimentos vinculados
ao próprio corpo, tapando os ouvidos, se autoagredindo, ou apresentando
tendências à flap com as mãos quando contrariada ou irritada, ausência de fala ou
fala monossilábica, início precoce.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 1 – CRIANÇA MORDENDO-SE DIANTE DE UMA SITUAÇÃO CONFLITUOSA

FONTE: <https://www.tebfix.com/image/catalog/articles/
kids/ST5.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

O tempo entre identificar e diagnosticar uma criança com autismo pode ser
muito angustiante para as famílias. Alguns escritos atuais de autistas adultos e
de seus pais (GRANDIM; SCARIANO, 1999; NOTHOMB, 2003) nos atestam ao
sofrimento das famílias até que fosse iniciado um tratamento e, mesmo durante a
sua execução, um espaço de tempo até que pudessem colher os efeitos clínicos
das terapêuticas empreendidas.

A psicanalista Marie-Christine Laznik (2013a) tem realizado pesquisa há


mais de trinta anos com bebês e crianças com sinais de autismo, chega a supor
que, diante da recusa dessas crianças em responderem à convocação dos
pais, esses pais podem acabar apresentando estados depressivos, devido ao
cansaço e ao desânimo, de não obterem respostas diante do investimento para
com o filho. O que a autora quer nos dizer? Os pais ou mães podem se sentir
impotentes e frustrados com o filho que está apresentando sinais de autismo,
devido à peculiaridade das suas características, como aquelas que dissemos
anteriormente (como a recusa de interagir, não se atentando ao mundo ao seu
entorno, a fixação ou regressão sensorial, dentre outros). Por isso, a importância
de terem um suporte de profissionais especialistas em autismo, e dispostos a
ajudarem, contribuindo com o crescimento das crianças autistas e suas famílias.

Por outro lado, alguns pesquisadores (BERNARDINO, 2013; BALBO, 2009)


sublinham que o estado emocional da mãe, enquanto cuidadora principal do bebê,
pode afetá-lo. Caso a mãe esteja deprimida, seu humor rebaixado e o pouco
investimento de vida ao bebê pode conduzi-lo a um estado de menor energia
vital, desencadeando reações sintomáticas semelhantes a uma psicopatologia
autística, como o evitamento do contato, desvio de olhar, dada à condição frágil
da mãe e de seu escasso investimento no filho.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

Nesse sentido, os teóricos Rogers, Dawson e Vismara (2015) e Gaiato


(2018) apontam que as intervenções e as estratégias simples, como sugerir que
os pais assistam a filmes que ilustram casos bem-sucedidos, podem desangustiar
os pais, ajudando-os a cuidar de seus filhos de forma mais leve, promovendo
o desenvolvimento da criança e respeitando sua maneira única de ser.

A ideia, portanto, é de não deixarmos que o desejo dos pais de cuidar do filho
autista se perca. Dessa premissa, buscaremos neste livro apresentar informações,
reflexões, cases, teorias, ferramentas e estratégias que poderão contribuir com
todos os que estão cuidando das famílias que têm filhos autistas. Esperamos
permitir que o material disponível contribua com o seu crescimento!

2 A FAMÍLIA E SEU CONHECIMENTO


SOBRE O FILHO AUTISTA: A
INTERVENÇÃO PRECOCE
A dificuldade em reconhecer que um filho está com problemas é algo
pelo qual muitos pais passam. Por isso, ver que um filho apresenta uma forma
diferente de comportamentos de outros bebês, ou mesmo diferente de outro filho,
gera um sentimento de tristeza e inaptidão. Em geral, as mães são as primeiras
a identificarem que o seu bebê apresenta movimentos aquém ao que ela espera,
que não se aconchega em seu seio para mamar, e que faz poucas ou nenhuma
troca de olhar. Esses são alguns dos sinais importantes observados pelas mães e
pelos pais, que carecem de uma escuta e um olhar aguçado dos profissionais que
receberão essas famílias.

Quando recebemos as famílias na clínica e pedimos para que nos contem a


história de seu filho(a) autista desde o tempo de bebê, algumas famílias relatam
como insistiram com os pediatras ou neurologistas de que seu filho parecia não
estar bem, porque a coordenação e as funções motoras pareciam não funcionar
como o esperado, demonstrando um corpinho rígido ou muito “molinho”, ou a falta
de engajamento e a ausência de interação, bem como pela não resposta do olhar
quando convocado ou pela ausência do balbucio nas brincadeiras e nas conversas
de protoconversação entre as mães e seus filhos. Esses são hoje alguns dos
sinais de marcadores para autismo reconhecidos pelos profissionais especialistas
atuais (ROGERS; DAWSON, 2010), mas também já foram apontados pelos
principiantes pesquisadores na descoberta do autismo: Leo Kanner (1997) e
Asperger (1991).

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

“A protoconversação é um tipo primário de conversa realizada entre a mãe


e o bebê, o manhês, que se caracteriza pelo ritmo, altura (agudo) e entonação,
com incidência de picos prosódicos, em sintaxe simplificada, valorizada pelas
vogais às consonantais, diminutivos e repetições silábicas” (JERUSALINSKY,
2011, p. 67). Antes mesmo de o bebê entrar na linguagem formal ele anuncia sua
habilidade social e de intenção comunicativa ao responder à convocação materna
com os seus balbucios, gestos faciais e olhar direcionado. Pesquisas apontam
que crianças que evoluíram para o quadro de autismo não chegaram a iniciar
ou concluir esta protoconversação esperada como prévia ao desenvolvimento
posterior da linguagem formal (LAZNIK, 2013c).

FIGURA 2 – MÃE CONVERSANDO COM SEU BEBÊ

FONTE: <https://st2.depositphotos.com/3065183/8661/i/950/depositphotos_86610744-
stock-photo-family-woman-with-a-child.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

Pela escuta de alguns pais (GAIATO; TEIXEIRA, 2018), alguns relatam que
profissionais da área de saúde podem não ter conferido atenção devido ao que
os pais diziam sobre seus bebês apresentarem sinais de sofrimento psíquico
ou mesmo sinais de autismo. Neste tempo, entre o que fazer diante do que
observavam e o diagnóstico do especialista, os pais comumente relatam um
período de muita angústia, medo, sentimento de culpa e ansiedade culminando no
atraso de intervenções pontuais que já poderiam ter sido realizadas precocemente.

Escutar e buscar compreender uma família em sua angústia diante do filho


que não responde as suas insistentes tentativas de interação é condição primária
para que se possa iniciar uma observação clínica, que, a partir dos relatos dos
pais, pode ser realizada uma hipótese diagnóstica. Considerar a fala dos pais
significa acolher e respeitar o sofrimento pelo qual estão passando. Não são
poucos os casos em que as famílias são taxadas de ansiosas, que devem esperar
o tempo da criança, e, neste intervalo, pode-se perder um precioso tempo relativo
ao desenvolvimento da criança para intervir.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

Em contrapartida, é verdade que nenhum pai e mãe está preparado para


receber um diagnóstico de que seu filho é autista. Nesse sentido, ao receber uma
família que se encontra nesse momento de angústia, é preciso delicadeza em
noticiar para a família a hipótese de autismo.

Quando uma família fica grávida, ela espera o nascimento do bebê ideal,
imaginado como das propagandas da TV. As mães e os pais pensam muitas
coisas sobre como será seu filho, com quem ele irá parecer, até mesmo qual
profissão terá no futuro, antecipando o que o filho virá a ser antes mesmo que ele
responda a este desejo. Esse movimento antecipatório é prévio e primordial para
que a criança exista em sua condição de sujeito. No entanto, nem sempre elas
responderão a tudo o que os pais desejam, gerando um descompasso entre a
mensagem imaginária dos pais e a resposta singular dos filhos.

Cabe salientar que a realidade da suspeita de que o filho tenha autismo em


muito se distingue de que ele possa sofrer de déficit de atenção ou atraso na fala
e linguagem. A confirmação diagnóstica para o autismo provocará na família um
processo de luto da perda daqueles ideais imaginados que tinham antes mesmo
da criança nascer. Pode-se verificar esse movimento também com as famílias que
têm filhos sindrômicos ou com alguma malformação. A psicanalista Maud Mannoni
(1999), a partir de sua prática clínica, pode observar muitos destes casos. No
Capítulo 2, falaremos mais a respeito desta autora e de suas experiências em
uma escola para “crianças especiais”, crianças com diagnósticos de retardo
mental ou com síndromes.

Você pode conferir casos clínicos de crianças diagnosticadas


com síndromes no livro A criança retardada e sua mãe, da psicanalista
Maud Mannoni.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 3 – BEBÊ EM INTERVENÇÃO PRECOCE

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcSEk9GtIhLHdD-
krtp74gtw0YzBI-Vb2kNF_2zjlS3mQEUqnx5O&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020.

O diagnóstico de autismo para uma criança poderá provocar nas famílias


um sentimento de negação até a sua aceitação. Muitas famílias podem passar
pelo processo impactante do diagnóstico. O sentimento de negação de que o filho
tenha autismo pode ser visto pela fala e comportamento dos pais. O sentimento
de culpa, a raiva e soluções fantásticas caracterizam o negacionismo pelos quais
podem passar algumas famílias. Alguns pais podem reagir de forma irritativa ou
mesmo agressiva aos profissionais, podem questionar a própria fé, a Deus e ao
mundo e, ao mesmo tempo, podem demonstrar um grande sentimento de culpa
de que possam ter transmitido “genes ruins” aos filhos, ou de que não sabem ser
“bons pais”, de que não consumiram vitaminas e alimentos suficientes, e, com
isso, muito tempo e energia são gastos sem resultar em soluções aos problemas
identificados (GAIATO, 2018).

Nesse momento, os profissionais que receberem essas famílias precisarão


ser pacientes, acolhedores e explicar sobre a importância do trabalho da equipe
multidisciplinar, de como as terapêuticas têm sido eficazes, lembrando da
importância da intervenção precoce nos casos de crianças menores de três anos,
a qual busca, dentre vários fatores, prevenir problemas futuros no desenvolvimento
da criança.

A dor dos pais com a perda dos ideais imaginados em relação ao filho(a)
pode e deve ser trabalhada em conjunto durante as sessões das terapêuticas.
Os profissionais poderão explicar como acontecerá o tratamento e, com seu
início, logo os pais poderão ver efeitos clínicos benéficos às crianças e, assim,
a aceitação do diagnóstico poderá acontecer de forma conjunta, quer dizer, ao
longo do processo de tratamento. É de extrema importância o acolhimento e a
explicação dos profissionais especialistas, especialmente para os casos de
crianças entre zero a três anos, quando se considera, atualmente, um tempo
oportuno de realização de intervenções devido à neuroplasticidade cerebral e das
janelas de oportunidade. Falaremos melhor sobre isso na próxima seção.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

FIGURA 4 – FAMÍLIA EM CONFLITO

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcTpSqU1YB4wXz
BZENLwdI-zR4EwegjjKnTqn72I-wNf6-BEhhqQ&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020.

Sendo assim, os profissionais precisarão conceder suporte e ajuda aos


pais conduzindo-os a compreender e aceitar a hipótese diagnóstica de autismo
apresentando boas, criativas e construtivas saídas. Isto não significa que
estejamos recusando a dor das famílias, pelo contrário, estaremos apresentando
à elas que seus filhos são capazes e tem habilidades únicas que poderão ser
estimuladas, promovidas e remodeladas.

2.1 SINAIS PRECOCES DE


SOFRIMENTO OU DE AUTISMO EM
BEBÊS
Na atualidade das pesquisas (APA, 1994; LAZNIK, 2013a; MALEVAL, 2017,
GAIATO, 2018), é uníssono que identificar precocemente sinais de autismo
em bebês pode ser determinante para o curso do desenvolvimento da criança
na aquisição das suas habilidades neuropsicomotoras, subjetivas e sociais.
Sabe-se que existe uma variação individual entre as crianças autistas devido
a sua condição multifatorial. Junto disso, estudos apontam que a realização da
intervenção precoce em conjunto com programas intensivos pode muito promover
o desenvolvimento das crianças em suas áreas prejudicadas. Desse modo,
é indispensável a realização de uma avaliação e possível hipótese diagnóstica
precoce para que medidas de intervenção possam ser tomadas prevenindo
prejuízos no desenvolvimento da criança no que se refere aos campos cognitivo,
social e subjetivo.

Todavia, como iniciar esse trabalho?

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Primeiro é interessante falarmos um pouco sobre como identificar a


presença de sinais de sofrimento em bebês de sinais específicos de autismo
e, posteriormente, o que vem a ser a intervenção precoce. Sugerimos que as
questões seguintes possam ser refletidas e discutidas com o seu tutor.

• É possível fazer intervenções com bebês?


• Como identificar algum problema ou sofrimento em um bebê
que ainda não fala?
• Como posso ver sinais de autismo em bebês?

Pode-se considerar como uma demanda para tratamento em intervenção


precoce distintos fatores. Tentaremos apresentar o que seriam esses sinais de
sofrimento em bebês distinguindo-os dos sinais de marcadores para o autismo.

FIGURA 5 – MÃE ACALENTANDO SEU BEBÊ CHORANDO

FONTE: <https://images.prismic.io/
netmums/9399814cc6114f2a572ef59cff22512c820de1ab_colic.
jpg?auto=compress,format>. Acesso em: 22 maio 2020.

Diversas formas de alterações no comportamento do bebê e suas funções


corporais podem nos conduzir a um olhar mais atento. Embora o bebê não fale
como nós, podemos fazer leituras dos seus movimentos corporais. Porém, como?
Podemos considerar alguns comportamentos dignos de nossa atenção, como:

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

• Quando o bebê se alimenta em excesso ou passa a recusar o alimento.


• Quando o seu choro parece inconsolável e desmedido para situações
consideradas comuns.
• O ciclo do sono parece desregulado, apresentando-se em excesso ou
interrompido por terrores noturnos.
• A presença da recusa ou desvio da troca de olhar com seus principais
cuidadores, parecendo preferir objetos a pessoas (esse momento
pode ser observado e sentido pela mãe especialmente quando está
amamentando).
• A não oferta do corpo aos seus cuidadores (pais, avós), não se deixando
ser cuidado – esse bebê parece ter o corpinho rígido e não se aconchega
ao corpo de seus cuidadores.
• A ausência do balbucio, esperado entre cinco a oito meses, elemento
prévio à fala, nos sinaliza de que algo na aquisição da habilidade de fala,
imitação e linguagem não caminha bem.
• Grande dificuldade com o desfralde e o controle dos esfíncteres.
• Demonstração de insensibilidade à dor, ou hipersensibilidade a sons,
ruídos, o contato físico e alimentos.

Esses são alguns dos sinais importantes a serem observados em um bebê


que justifique o seu encaminhamento a profissionais para uma avaliação mais
acurada, o que não destitui outros pontos que os pais possam indicar. Todavia,
salientamos que os itens d, e, f e h seriam sinais concernentes a uma evolução
para autismo, uma vez que são características próprias dessa estrutura psíquica.
Isso faria uma diferenciação entre um bebê com sinais de sofrimento psíquico ao
de um bebê com sinais de autismo.

FIGURA 6 – BEBÊS EM DESENVOLVIMENTO NO BERÇÁRIO

FONTE: <https://lh3.googleusercontent.com/93JZAmlD7drnD_
WPPYYMuvPSlJesFnk2EesbI5KmTzXQXg8x8vK_
JLs1EWN8fyCEiABUStA=s113>. Acesso em: 22 maio 2020.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Traremos exemplos que você certamente poderá visualizar. O nascimento


de um bebê em condições adversas, como o sofrimento fetal agudo (a falta de
oxigênio, quando o parto demora a acontecer passando do tempo esperado), ou
a descoberta de uma síndrome, logo após o parto (como a síndrome de Down)
podem justificar, de antemão, antes mesmo que a criança apresente qualquer
disfunção, desregulação ou atraso neuropsicomotor, o encaminhamento a uma
equipe especializada em intervenção precoce para que o acompanhamento deste
bebê seja feito. Nessas situações, é importante a estimulação precoce para o
desenvolvimento dessas crianças devido aos fatores fisiológicos e/ou genéticos
encontrados e que estes interferirão no desenvolvimento dessas crianças.

Os estudos das neurociências e da epigenética (COUCHERNESE;


ANSERMET; MAGISTRATTI apud WANDERLEY, 2013) salientam que no autismo
há um componente genético, mas que ele só vem a ser ativado dependendo
da relação com o ambiente (epigenética), quer dizer, se caracteriza como um
transtorno com caráter multifatorial em que fatores genéticos combinados aos
fatores ambientais podem resultar no desenvolvimento do autismo afetando
áreas específicas, como as habilidades sociais (interação), de comunicação
de da linguagem, e na presença de comportamentos restritos, repetitivos e
estereotipados.

Neurociência é uma área da ciência que busca pesquisar o sistema nervoso,


suas funcionalidades e estruturas, os mecanismos de suas células nervosas, sua
fisiologia e os processos de doenças. A neurociência abrange várias áreas do
conhecimento como a neurociência cognitiva, comportamental, neuroanatomia
e neurofisiologia. Suas pesquisas em muito tem contribuído com avanços nas
terapêuticas para os autistas.

FONTE: <https://neurosaber.com.br/o-que-e-neurociencia/>. Acesso em: 22 maio 2020.

Você deve se lembrar ou já ouviu falar da teoria do desenvolvimento humano,


principalmente de autores reconhecidos desta área científica, como Jean Piaget.

Jean Piaget foi um biólogo que se dedicou aos estudos da


epistemologia. Ele nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 1896, e
dedicou grande parte da sua vida aos estudos sobre a aquisição do
conhecimento, mais precisamente sobre a epistemologia genética,
uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento da criança.
A sua grande influência e contribuição à ciência foi principalmente
aos campos da psicologia e pedagogia, pois descreveu os estágios

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

do desenvolvimento, de bebê até a adolescência, dentro de um


tempo cronológico, o que nos permite ainda hoje “esperar” que
certas aquisições neuropsicomotoras, cognitivas e de habilidades
sociais sejam adquiridas e desenvolvidas dentro do tempo
esperado. O que não significa que a criança aprende sozinha, ao
contrário, ele salienta que o aprendizado é construído pela criança
a partir das estimulações que lhe são ofertadas. Piaget morreu em
1980 em Genebra, na Suíça. Você pode conferir os estágios do
desenvolvimento humano em: https://neurosaber.com.br/quais-os-
estagios-do-desenvolvimento-cognitivo/.

A abordagem construtivista proposta por Piaget (COLE; COLE, 2003) é a


que busca demonstrar como as crianças representam mentalmente o que viram e
perceberam e como podem atuar neste mundo. Para o autor, as crianças realizam
essas atuações de forma ativa, assimilando e acomodando as suas experiências
aos seus esquemas mentais preexistentes. Piaget descreve quatro estágios
principais de desenvolvimento cognitivo em uma cronologia: estágio sensório-
motor (0-2 anos), estágio pré-operatório (2-7 anos), estágio operatório concreto
(7-11 anos) e estágio operatório formal (11 anos em diante).

O estágio sensório-motor é considerada a fase do bebê. Piaget a definiu, a


partir de suas pesquisas, ao entender que acontece neste tempo uma relação
íntima entre a percepção do bebê diante do mundo, ou seja, seu aspecto sensorial,
e a reação do bebê a este mundo, com o aspecto motor.

QUADRO 1 – SUBESTÁGIOS DO ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR


DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE PIAGET
Subestágio Idade (meses) Características do subestágio sensório-motor
Esquemas reflexos: movimentos reflexos de agarrar, sucção,
1 0–1½
involuntários movimentos.
2 1½-4 Reações circulares primárias: repetição de ações agradáveis.
Reações circulares secundárias: foco da atenção ao campo
3 4–8
externo, ações estendidas produzindo mudanças no ambiente.
Coordenação das reações circulares secundárias: emergência
4 8 – 12 da capacidade intencional e coordenação de esquemas para
alcançar algo que deseja, fase do apego.
Reações circulares terciárias: experimentação para verificar as
5 12 – 18 consequências de seus atos, variando a resolução de proble-
mas.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Início da representação simbólica: o bebê busca um objeto


escondido certo de que ele existe e está em algum lugar,
6 18 – 24
representação de objetos e imagens familiares, combinações
simbólicas na resolução de problemas.
FONTE: Adaptado de Cole e Cole (2003)

FIGURA 7 – JEAN PIAGET (1896-1980)

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/67/
Jean_Piaget_in_Ann_Arbor.png>. Acesso em: 22 maio 2020.

Junto da teoria de Piaget acerca do desenvolvimento humano, temos também


a teoria de Vygostky (COLE; COLE, 2003) que discorreu acerca da importância da
interação social criança-adulto, sobre as capacidades das crianças em realizar algo
independentemente dos adultos ou com o apoio deles. A neurociência (MOURÃO-
JUNIOR; OLIVEIRA; FARIA, 2017) e a descoberta da neuroplasticidade cerebral
tem contribuído para corroborar estas teorias e para acrescentar que em todo
momento da vida podemos aprender novas competências. Sabe-se que entre
zero a três anos acontece de forma mais intensa a produção de células neuronais,
por isso a intervenção precoce mostra-se muito efetiva, mas crianças maiores,
adolescentes e os adultos também podem responder de formas diversas a
estimulações, demonstrando novo aprendizado, por causa da nossa capacidade
cerebral da neuroplasticidade. Isso significa que nosso cérebro é maleável,
plástico, permeável a novas modelagens mediante o aprendizado. Ele é capaz
de se reorganizar mudando as estruturas e assimilando novas aprendizagens.
Desse modo, o conhecimento passará pelo processo de aprendizado, por meio
das interações sociais e dos objetos do conhecimento.

Um ramo da neurociência busca de certo modo correlacionar maturação


de funções cognitivas com um estágio do desenvolvimento, tal como descrito

20
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

por Piaget, em que a aquisição de conhecimento acontece dentro de um


tempo histórico em uma gradação do menor para estados mais avançados de
conhecimento. Podemos considerar que um bebê não tem a mesma coordenação
motora de um adulto, certo?

No entanto, a neurociência vem apontar que as atividades mentais como


percepção, memória, linguagem e consciência podem em qualquer tempo serem
modificados, mas a “primeiríssima” infância se constitui como um tempo especial
de aquisição de funções mentais e motoras, pois é quando as crianças respondem
mais rapidamente às intervenções do que em outra fase. É por isso que os
pesquisadores salientam a relevância da intervenção precoce. Considerando
todas essas informações, e as de Piaget de que algumas aquisições são
esperadas para acontecer dentro de um espaço cronológico do desenvolvimento,
aquelas que não estão sendo vistas se instaurar devem acionar um alerta aos
seus cuidadores.

O reconhecido e pioneiro cientista de estudos sobre o autismo, Leo Kanner,


psiquiatra austríaco radicado no Estados Unidos que pesquisava as psicoses
infantis na John Hopkins University, publicou Os distúrbios autísticos do contato
afetivo (1943), em que descreveu um estudo longitudinal realizado com 11
crianças que apresentavam sintomas semelhantes. Ele veio a descobrir inéditos
sintomas que se distinguiam das psicoses infantis, denominando-a como uma
categoria nosológica diferenciada: autismo infantil precoce. Kanner identificou
que, no caso do autismo, seus sintomas não irrompiam em certo momento da vida
como nas psicoses, mas se iniciavam precocemente na infância evoluindo até
a vida adulta, gerando incapacidades nos campos da linguagem e da interação
social, necessitando de apoio por longo período. Desde então, muitos atuais
especialistas corroboraram seus estudos e concordam que alguns traços podem
ser verificados logo em crianças bem pequenas.

FIGURA 8 – LEO KANNER

FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/67/28/49/672849c5327769e50de0457d38a167ec.
jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Acadêmico, indicamos o capítulo Os distúrbios autísticos do


contato afetivo de Kanner, que aparece no livro Autismos de Rocha
(1997, p. 111-170).

Com a ajuda da pesquisadora Marie-Christine Laznik (2013c), situamos


alguns sinais em bebês de que algo podem indicar um encaminhamento ao
autismo, tais como:

• Incapacidade ou grande dificuldade de as crianças estabelecerem


relações com pessoas e situações desde o princípio de suas vidas.
• Agindo como se os outros não estivessem perto de si (solidão).
• Recusa ou desvio da troca de olhar com seus principais cuidadores.
• Não se acomodam bem no corpo de seus cuidadores, evidenciando uma
hipersensibilidade ao contato táctil, olfativo, a ruídos.
• Como se estivessem presas ao próprio corpo e fechadas ao contato,
não estabelecem conexões de olhar e nem trocas de fala, não chegam a
balbuciar, ficando em profundo isolamento.
• Não realiza trocas simbólicas e brincar compartilhado.
• Não ofertam seus corpinhos para serem cuidadas pelos pais, como
oferecer a barriguinha ou pezinho para serem beijados.
• Não realizam a imitação.
• Parecem bebês muito bonzinhos, quase nunca choram, podem passar
horas no berço sozinhos sem reclamar, e sem realizar qualquer demanda.

FIGURA 9 – INTERVENÇÃO PRECOCE

FONTE: <https://madreshoy.com/wp-content/uploads/2015/09/
canguro-jugar.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

22
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

Todos esses sinais nos dão mostras de que algo em relação ao


desenvolvimento do bebê está com dificuldades de se instaurar e de que pode
estar em sofrimento e encaminhando para o autismo. Ao não haver o completo
estabelecimento de suas funções cognitivas e subjetivas apresenta um laço frágil
ao campo social. Tudo isso justifica uma avaliação de especialistas e a condução
para a intervenção precoce.

1 Quais são os sinais de autismo que podem ser vistos em bebês?


Classifique V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as
FALSAS.
( ) Incapacidade ou dificuldade de estabelecer relações com pessoas
desde o princípio da vida.
( ) Recusa ou desvio de troca de olhar com seus cuidadores.
( ) Realiza a imitação.
( ) Não realiza trocas simbólicas e brincar compartilhado.

2.1 SOBRE A INTERVENÇÃO


PRECOCE E A JANELA DE
OPORTUNIDADE
Ainda que não se recomende concluir o diagnóstico de autismo antes dos
três anos (APA, 1994), pois a criança ainda está em período de maturação
e desenvolvimento de suas funções, devemos, contudo, aproveitar a
neuroplasticidade cerebral. Antes dos três anos contamos com o período chamado
de janela de oportunidades de sinapses: momento em que acontece, em nosso
cérebro, o estabelecimento de muitas conexões as quais estimulam novas vias,
fortalecendo-as, estabelecendo aquisições de habilidades específicas (como a
visão) e prevenindo prejuízos no desenvolvimento da criança (BARTOSZECK,
2007).

Desde que o bebê nasce, espera-se que aconteça a interação com o


ambiente, com outras pessoas e os objetos. Nesses momentos, em nosso cérebro
acontecem as estimulações de novas vias neuronais, de modo que, ao ocorrer
mais sinapses entre os neurônios, resulta-se na criação e fortalecimento de novas
vias neuronais. Sob um aspecto econômico, o cérebro realiza um mecanismo

23
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

chamado de poda neuronal em que vias sinápticas inutilizadas são podadas,


descartadas, permitindo ao cérebro se especializar e trabalhar de forma mais
eficiente. Tudo isso acontece neste tempo cronológico da janela de oportunidade,
quando o cérebro, em sua neuroplasticidade, está em franco desenvolvimento de
suas funções e mais aberto a estimulações.

As sinapses acontecem entre duas células nervosas, células específicas de


nosso cérebro, entre um neurônio e outro local em que os neurotransmissores
fazem sua ação, realizando a transmissão de um impulso nervoso, como uma
informação transmitida de uma célula a outra.

FIGURA 10 – TRANSMISSÃO NERVOSA

FONTE: <https://conhecimentocientifico.r7.com/wp-content/uploads/2019/09/sinapse-
o-que-e-onde-como-e-por-que-acontece-1-1024x402.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

Com a entrada das intervenções, em tempo precoce, pode-se permitir


saídas construtivas e felizes às crianças pequenas com sinais de autismo, e as
suas famílias, ao conceder novas possibilidades de se desenvolver, tornando-as
capazes e com condições de construção de sua autonomia.

Na atualidade, os diversos e distintos espaços da ciência, as mídias e os


diferentes campos das ciências, como a medicina, a neurociências, a educação
e a psicologia têm demarcado que a intervenção precoce permite a promoção do
desenvolvimento dos bebês de forma a prevenir problemas quando já pode-se
identificar existir algo que não vai bem.

A intervenção precoce é uma modalidade de intervenção que se propõe


a apoiar o desenvolvimento da criança pequena (0 a 3 anos), quanto ao seu
aspecto instrumental (funcionamento) e estrutural (subjetivação), diante de algum
problema ou mesmo uma patologia oferecendo recursos a sua recuperação, com
terapêuticas diversas, objetos e técnicas, que cobertos de sentido, quer dizer,

24
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

ancorados no simbólico, ajudam a criança a se desenvolver, situando-a no mundo


quanto ao seu aspecto neuropsicomotor, social e subjetivo.

Como estratégia interventiva, trabalhamos com os vínculos: família-


terapeutas. Os terapeutas – aqui estamos nos referindo aos profissionais
da equipe, médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos – que se colocam em posição de sustentar e fortalecer as famílias
reativando o saber dos pais sobre o seu bebê e ofertando novas formas de
promover a interação e estimulação do que se encontra em prejuízo.

O processo de interação e aprendizagem faz com que nosso cérebro se


reorganize, elimine e fortaleça novas conexões. Assim, a multiplicidade dos
estímulos poderá determinar a complexificação entre as células o que não
significa que um bebê irá aprender a ler e escrever por receber muita estimulação.
Nascemos prematuros e o cérebro termina de amadurecer até a adolescência,
quanto as suas funções e o seu aspecto morfológico. As janelas de oportunidade,
tal como o nome diz, se abrem e se fecham dentro de um tempo, neste sentido,
competências podem ser desenvolvidas ou não, dependendo da estimulação.
A competência visual, por exemplo, poderá não acontecer ou ficar seriamente
comprometida caso não haja estimulação visual.

O trabalho de intervenção precoce poderá ser realizado em clínicas


especializadas, consultórios dos terapeutas, em casa, mas sempre precisará
que os profissionais se comuniquem entre si, procurando saber das intervenções
dos colegas de modo a produzir e a realizar intervenções assertivas e acertadas.
É condição indispensável àqueles que se colocam em posição de realizar
intervenção precoce atuarem de forma interdisciplinar, quer dizer, que todos
tenham conhecimento mínimo ao que o outro colega profissional realiza.

FIGURA 11 – SALA DE INTERVENÇÃO PRECOCE

FONTE: <https://www.colegiodomus.com.br/files/noticias/0000001-0000500/431/9b3
64db7662965afebfba2aa7d0c23df.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Outro ponto de suma importância é que os pais sejam protagonistas e


convocados a estarem presentes de forma ativa. Isso já faz parte do momento
de “treinamento dos pais”. Por isso, consideramos que os profissionais precisam
estar abertos para discutir e incluir os pais a participarem da construção do Plano
Terapêutico Singular de seus filhos, isso significa que eles têm o direito de saber
e compreender quais são os pontos ou marcadores do desenvolvimento que se
encontram aquém do esperado para a idade e que precisarão de intervenções
para serem alcançados.

FIGURA 12 – MÃE REALIZANDO A INTERVENÇÃO PRECOCE POR MEIO DO BRINCAR

FONTE: <https://atusaludenlinea.com/wp-content/uploads/2015/06/
Estimulaci%C3%B3n.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

Sobre os instrumentos de triagem e avaliação a serem utilizados pela equipe


interdisciplinar de intervenção precoce, recomenda-se que sejam utilizados
aqueles que são validados cientificamente, como: o CARS (Childhood Autism
Rating Scale); o M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) e o PREAUT
(CULLERE-CRESPIN; OLIVEIRA, 2015) que propõe a avaliação nos quatro e
nove meses.

A partir das competências avaliadas, constroem-se objetivos de intervenção,


que deverão ser manejados dentro de um período, em torno de 12 semanas,
conferindo um tempo de cerca de três em três meses de intervenções para
reavaliação. O Modelo Denver de intervenção precoce com crianças com
autismo, para a promoção da linguagem, aprendizagem e da socialização (2010)
se configura como um excelente material de avaliação e acompanhamento de
crianças até os seus cinco anos e nos serve de inspiração na construção do
Plano Terapêutico Singular, pois, por meio dele, podemos ver as áreas que se
encontram deficitárias e que carecem de estimulação.

A intervenção precoce para crianças com sinais de autismo precisará

26
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

acontecer de forma sensível, clara e objetiva. Incluindo os pais durante as


sessões, propomos que os terapeutas utilizem de objetos e brinquedos que sejam
familiares e próximos das crianças, contextualizadas a sua realidade, de forma a
que os pais possam dar continuidade ao que foi realizado no ambiente controlado
do consultório para a extensão da sua realidade em casa na rotina diária.

FIGURA 13 – CAPA DO LIVRO MODELO DENVER

FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/51ASAvvZvFL._
SX342_BO1,204,203,200_.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

FIGURA 14 – EXEMPLO FICHA DO M-CHAT

FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/protocoloteasp2014-170630030352/95/protoco-
lo-tea-sp2014-66-638.jpg?cb=1498791895>. Acesso em: 22 maio 2020.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Acadêmico, sugerimos a leitura do livro Compreender a agir em


família (ROGERS; DAWSON; VISMARA, 2015).

FÓRUM DE DISCUSSÃO

Considerando o estudo até esse ponto, propomos uma questão


para refletir e discutir. Sob orientação do seu tutor, escreva suas
conclusões no caderno de anotações.

• Você concorda que a intervenção precoce se justifica? Explique


baseando-se em casos já vivenciados por você, ou de leituras,
buscando contrapor com casos de intervenções com crianças que
não tiveram intervenção precoce. O que pode vir a acarretar ao
desenvolvimento da criança caso não haja a intervenção precoce? E
o que essa intervenção propõe a alcançar?

3 A FAMÍLIA NO TRATAMENTO
CASE

O livro da psicanalista Rosine Lefort, escrito em contribuição de seu marido


Robert Lefort, O nascimento do Outro, apresenta de forma detalhada e descritiva
o atendimento inédito em intervenção precoce de duas crianças pequenas:
Nádia, 11 meses e Marie-Françoise, 30 meses. A intervenção aconteceu em uma
instituição pública francesa de assistência social, Fundação Parent de Rosan,
no período do pós-Segunda Guerra Mundial (1951-1953), destinado a crianças
em situação de abandono ou de afastamento de seus pais. Rosine Lefort
participava de uma pesquisa junto com o do Dr. René Spitz e Jenny Aubry sobre
o “hospitalismo”, termo utilizado por ele para se referir à observação de crianças
pequenas que ao permanecerem privadas dos cuidados particularizados dos
pais, devido à longa internação em hospitais ou orfanatos, passaram a regredir

28
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

ou estagnar seu desenvolvimento global, apresentando sintomas semelhantes


ao autismo. Na Parent de Rosan foram identificados que alguns bebês estavam
apresentando comportamento regredido, como retraimento, melancolia com
choro constante, catatonia, estereotipias como o balanceio do corpo e mãos,
recusa em interagir, em brincar e se alimentar. Ao não se constatar a presença
de causas orgânicas, a equipe hipotetizou que crianças privadas de cuidados
primários de um cuidador específico podem apresentar sinais de atraso global
do desenvolvimento, demostrando uma espécie de abandono subjetivo. Essa
pesquisa nos sinaliza que a privação de cuidados particularizados, ou seja,
a falta de implicação e engajamento dos cuidadores primários (como os pais
ou substitutos paternos) com as crianças pequenas pode resultar, dentre
várias coisas, no atraso do desenvolvimento destas crianças. Diante disso, a
psicanalista Rosine Lefort, se propôs a atender Nádia e Marie Françoise, que
apresentavam traços e sinais de atraso global. Rosine utilizava de objetos do
meio da criança, como: a mamadeira, o bico, o prato de mingau, os brinquedos,
as fraldas, e ofertava sua presença falada ou recuada na cena interventiva, de
forma a não invadir o espaço das crianças que demonstravam hipersensibilidade
táctil, intencionando convocar às crianças à vida, e promover o desenvolvimento
através do uso desses objetos e do vínculo estabelecido entre ela e as crianças.
Retirando-as do limbo da ausência de desejo e do abandono subjetivo,
a terapeuta estabeleceu esse vínculo particularizado com os pequenos
pacientes e estes passaram a apresentar respostas distintas evidenciando
os efeitos clínicos das intervenções, ainda que com limitações. Com Nádia a
resposta foi a de apresentar engajamento e interação social, começou a falar,
a fazer demandas, a brincar compartilhado, interagindo e trocando objetos,
cessando os comportamentos de repetição e estereotipias com as mãos, não
mais apresentava crises de angústia e foi indicada para o jardim de infância.
Já Marie-Françoise mesmo apresentando melhorias quanto ao contato social,
ainda permaneceu com abertura limitada às intervenções, mantinha-se em
posição de preferir certo afastamento da interação social e, resistente em sair
do comportamento autodirigido e fechado, não suportava longas intervenções,
demonstrando hipersensibilidade ao som e ao contato táctil, não conseguindo
se fazer entender diante de situações que lhe pareciam difíceis, gritava. Marie
indicava um encaminhamento para o autismo, com todos esses sinais, precisando
permanecer em tratamento, e Nádia demonstrou sua saída dele. Mesmo com
todas as restrições da época, Rosine Lefort pode nos demonstrar a importância
tanto da família e o papel dos cuidadores, quanto à efetividade da intervenção
precoce. Interessante notar que Nádia era mais nova que Marie Françoise, será
que podemos supor que o início mais precoce com Nádia pode ter promovido o
seu melhor desempenho que com Marie? Ou o autismo também nos indica um
modo único de ser e estar no mundo, independente das intervenções?

29
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

O caso apresentado muito pode nos colocar a refletir sobre o papel da família
nos cuidados com bebês e crianças. Um ambiente rico em estimulação e permeado
de vínculo afetivo promove o crescimento e desenvolvimento global das crianças,
enquanto um ambiente asséptico e com escassez de estímulos pode causar o
atraso global no desenvolvimento das crianças. Podemos pensar, sobretudo, que
a intervenção precoce permite uma considerável melhora dos sintomas autísticos
em crianças pequenas de forma mais ligeira, mas a intervenção terapêutica
também o faz com crianças maiores e adolescentes.

Após o recebimento do diagnóstico e a aceitação do tratamento é muito


importante que possamos iniciar o processo de suporte à família. É fundamental
que os pais possam participar de forma ativa no tratamento, incluindo-se e
responsabilizando-se, no sentido de entender que somente as sessões de terapia
psicológica no consultório, de integração sensorial da terapia ocupacional ou da
fonoterapia, não resultarão em efeitos mágicos, caso em casa as crianças não
recebam e percebam mudanças que as ajudem a se desenvolver. Portanto, eles
precisam fazer parte do Plano Terapêutico Singular das crianças.

Atualmente, muitas famílias têm em sua estruturação o pai e a mãe com


horários muito restritos para estarem com os filhos devido à rotina de trabalho.
No entanto, ainda assim pensamos ser possível aplicar mudanças na rotina que
possam promover um ambiente saudável e feliz. Os momentos que a família está
unida, como a hora do café da manhã, do almoço, do jantar ou mesmo o horário
que antecede o dormir, com a leitura de um livro, e, quando a organização da
casa se dirige ao silêncio, podem ser feitos com qualidade se os pais entenderem
que caso se disponham, sem desistir, e valorizem o tempo em família, podem
colher bons e proveitosos frutos.

A família constitui-se como o primeiro lugar em que a criança se situará no


mundo, podendo se reconhecer a partir do reconhecimento dos outros membros
da família. Ela é uma instituição carregada de elementos simbólicos, éticos,
morais, culturais e tem a função primária de inserir o humano no campo social
transmitindo aqueles valores. A criança irá responder à própria família com a sua
subjetividade única e através do que aprendeu nessa socialização primária, irá
demonstrar na socialização secundária, quando, por exemplo, for para a escola,
tudo o que aprendeu. Por isso, ressaltamos a importância da família na clínica
com crianças.

Bom, para começarmos, acreditamos ser importante que os terapeutas


busquem saber da rotina diária da família, desde o amanhecer até o momento
de dormir, para que se possa identificar os momentos de angústia, birras, de
comportamentos disruptivos, de crises, todos que podem gerar cansaço e
discussões infindáveis entre os pais. Todavia, também podemos identificar os

30
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

bons momentos e o que eles já puderam alcançar. As rotinas da vida diária devem
e podem ser bons momentos de estimulação e interação entre as crianças e seus
pais. Entendendo isso, muitos comportamentos que terminam por gerar brigas
poderão ser prevenidos.

3.1 COMO INICIAR O PLANO


TERAPÊUTICO SINGULAR
O trabalho terapêutico acontecerá no consultório, clínicas, em visitas à
escola e, em alguns casos, em domicílio. Após ser realizada a avaliação inicial
com entrevista e aplicação de escalas de avaliação, pode-se demarcar com os
pais quais são os pontos principais que precisarão ser trabalhados. Aquilo que
a criança apresenta, o modo como se situa no mundo, com as pessoas, com os
objetos, com a linguagem, como se comporta, como realiza, ou não, as atividades
nos indicam como cada criança é única e como podemos intervir a partir do que
ela se mostra.

Podemos constatar como características únicas das crianças autistas


apresentarem pouca habilidade em se comunicar, rigidez ou inflexibilidade mental,
insistindo ou buscando manter tudo no mesmo lugar, dificuldade em realizar
abstrações ou compreender os meandros de uma conversa e seus aspectos
subjetivos, portar-se de modo literal nas colóquios e situações, apresentando
dificuldade em ceder, dificuldade para manter um diálogo ou conversas com
os familiares e amigos. Por isso, pode acontecer de as crianças apresentarem
comportamentos vistos como inadequados ou inapropriados a determinadas
ocasiões. Dizemos isso pois sabemos que pessoas não autistas também podem
se apresentar inadequadas nas situações sociais.

Temos visto que as técnicas terapêuticas que propõem intervenções de cunho


educativo e com foco na aprendizagem têm tido grandes efeitos no tratamento
dessas crianças o que não significa que há o esquecimento da singularidade
subjetiva delas e de suas famílias. Salientamos que as propostas terapêuticas
não podem servir para comprovarmos nossas teses, mas para, de fato, podermos
ajudar as famílias e as crianças com autismo nos pontos em que se localiza
dificuldades ou impasses que culminaram no atraso do desenvolvimento.

As intervenções que propõem o desenvolvimento de habilidades e mudança


de comportamento por meio do aprendizado parecem ser interessantes propostas,
pois estabelecem de forma clara e objetiva o processo que deverá ser realizado.
Para a criança autista, quanto mais objetivo e claro um estímulo e uma proposta,

31
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

sem demandar demais, efeitos benéficos poderão advir. Asperger, em seu trabalho
com os autistas, observou que, para se fazer escutar, deveríamos não nos
ocupar demais dessas crianças, no sentido de não insistir de forma inadvertida
forçando uma intervenção, seu conselho era o de a falar “sem se aproximar deles
pessoalmente, não exprimindo muito os sentimentos, mas, ‘fingindo uma paixão
desbotada’” (ASPERGER, 1998, p. 69).

O tempo de trabalho com as crianças com autismo pode variar conforme o


grau de severidade, mas, com todas, a literatura científica sugere dedicar muitas
horas semanais para que ela possa expandir e estimular novas áreas e conexões
neuronais com o aprendizado, através do estabelecimento do vínculo terapêutico,
assimilar e adaptar funções expandindo as que não estavam em execução,
resultando em melhorias ao seu desenvolvimento de uma forma ampla. Então,
pode ser que seja proposto que os encontros com os terapeutas aconteçam de
duas a três vezes por semana, em cada especialidade. Contudo, a escola e os
momentos com os pais também são contados como momentos terapêuticos.

A escola é um ambiente rico de aprendizado, promove a interação e


habilidades sociais, culturais, reproduzindo as regras e costumes da sociedade,
permitindo o conhecimento e aquisição de distintas habilidades, estimula as
funções executivas e permite o ensaio das crianças sobre como portar-se
socialmente, resolver problemas e buscar soluções, mantendo sua individualidade
e particularidade enquanto sujeito. No entanto, é importante que a escola possa
entender a peculiaridade da criança com autismo. Buscar saber quem é essa
criança que está recebendo, conhecendo suas habilidades e dificuldades para
que possa respeitá-la, ajudando-a e a incluindo-a no processo escolar. Falaremos
melhor disso no próximo capítulo, mas adiantamos que a escola é considerada
um terreno fértil para promover o desenvolvimento da criança autista e pode
lançar mão de vários artifícios neste processo.

FIGURA 15 – CRIANÇAS EM MOMENTO DE INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLA

FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-a4lxM-DBXDo/Wbe0g3ZwcvI/
AAAAAAAAGxw/378cueNfzicQdNXh_7UB-M1YI8S92ne1ACEwYBhgL/
s1600/brincar.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.
32
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

1 Sobre a participação da família no tratamento da criança autista,


classifique V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as
FALSAS:

( ) É fundamental a participação da família na construção do Plano


Terapêutico Singular.
( ) Os momentos das atividades da vida diária não são propícios a
mudanças e na promoção de um ambiente saudável.
( ) É importante realizar uma entrevista inicial com os pais da
criança autista buscando entender as características da criança,
suas habilidades e dificuldades, como se comporta, como eles
intervém e como é a rotina diária.
( ) Os momentos em que a criança autista tem com sua família e
com a escola são contados como tempo terapêutico.

3.2 REVENDO AS ATIVIDADES DA


VIDA DIÁRIA
Sabemos que as crianças autistas podem ter mais dificuldade para se
expressar que as outras pessoas, que a sua capacidade de compreender o outro,
colocando-se em seu lugar (empatia), pode ser para elas algo muito complicado.
Sendo assim, as regras sociais são com frequência tidas como algo que resultam
em imensos conflitos. Buscar compreender como uma criança com autismo
funciona pode ser o caminho inicial para que as famílias se situem quanto aos
seus filhos, entendendo e discernindo os momentos de angústia aos de birras.

Bom, para podermos ajudar as famílias com seus filhos com autismo,
podemos solicitar de antemão, como dissemos anteriormente, que nos informem
da rotina diária da família e como descrevem cada momento do dia. Como um
“Plano de Ação Inicial”, podemos fazer com a família dois quadros de rotinas: o
atual (antes da intervenção terapêutica) e o quadro a ser aplicado. Solicitamos
aos pais que coloquem no quadro diário tudo o que acontece em cada dia da
semana e em certa hora e momento específico do dia, por exemplo: “manhã de
segunda-feira: acorda com dificuldade da cama, em horário variado, não se veste
sozinho, café da manhã confuso (descrever como acontece tudo), o banho, vestir
roupas, saída para escola, o percurso; tarde: horário de almoço”, e assim por
diante, até o momento de ir dormir. Em um outro quadro, refazer a rotina de forma
clara, ilustrada e objetiva, salientando a reorganização familiar no processo.
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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Cabe frisar à família sobre a tomada de consciência de que essa rotina


não significará somente uma intervenção em prol do filho(a) com autismo, como
se ele(a) fosse o rei da casa. Essa proposta serve como um dos meios de
reorganização da rotina diária, prevenindo problemas (crises de ansiedade, birra
e choro) para a promoção da qualidade no relacionamento familiar.

Sendo assim, voltando ao quadro de rotina, é interessante dispor frases


curtas com uma imagem em conjunto, de forma que a criança possa compreender
de forma objetiva o que está sendo proposto para aquele momento, por exemplo:

FIGURA 16 – EXEMPLO DE IMAGEM E FRASE SIMPLES PARA QUADRO DE ROTINA

FONTE: <https://img.elo7.com.br/product/main/22D657E/quadro-
de-rotina-tea-pecs-tdah.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

Após a manufatura dos quadros, é interessante dispô-los, mostrando os


quadros atuais e o proposto, feito em conjunto com o terapeuta, permitindo à
própria família verificar os pontos de conflito, os momentos benéficos e propor
mudanças, adequando cada coisa em seu tempo.

Essa técnica se mostra muito eficaz aos pais e principalmente para as


crianças, pois elas são incluídas a participar da agenda da semana da família,
podendo assim organizar-se mentalmente sobre tudo o que virá a acontecer.
Desse modo, permitimos à criança com autismo ser incluída ao ser tratada
enquanto sujeito ativo.

Ao fazer e colocar em prática esse quadro de rotina, é dado à criança a


oportunidade de iniciar sua compreensão da ordem das coisas, o que diminui a
angústia e os momentos de birras e discussões entre a família, momentos esses
que podem deixar a criança ainda mais desorganizada. Já dissemos que para
a criança com autismo é mais difícil compreender as mudanças, devido a sua
inflexibilidade mental. O quadro de rotina permite a ela entender o processo diário,
podendo até mesmo que em um segundo tempo, ela possa se incluir interferindo
na rotina, propondo novos momentos, como um sujeito autista adolescente.

O quadro tem a função de orientar a criança no seu dia a dia, sendo assim,
ele deve ser uma ferramenta de uso diário em que os pais devem estar atentos à
atualidade das mudanças, colocando-as no quadro, como quando algo da rotina
que irá mudar, por exemplo, se um dia da semana ela irá almoçar com sua avó
ao invés de ser em casa com os pais. Isso permite à criança ir trabalhando a
flexibilização mental e emocional, podendo aprender em como lidar com as
frustrações e os imprevistos, os quais podem acontecer a qualquer momento em
nossas vidas, você não concorda?

Desse modo, muitas famílias compartilham que o quadro abre possibilidades


para a família, promovendo diminuição da ansiedade na criança, permitindo sua
aceitação diante de mudanças da rotina e melhorando o relacionamento entre os
seus membros, incluindo os irmãos de crianças com autismo, que muitas vezes
ficam recuados, precisando ceder e tentando se adaptar ao irmão com autismo.

Importante dizer, ainda, que haverá um momento em que o quadro de rotina


poderá ser retirado, quando a criança crescida, ou já adolescente apresentar uma
autonomia em suas atividades da vida diária. Em nossa experiência, algumas
famílias relatam que essa ferramenta serviu para que elas pudessem realizar até
uma organização financeira da casa, quando puderam incluir tudo o que se referia
à família no quadro.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Descreva a aplicabilidade do quadro de rotina para a criança


autista e sua família:

4 SER CUIDADOSO NAS


INTERVENÇÕES COM A CRIANÇA E
SUA FAMÍLIA
Um dos momentos que os pais relatam grandes conflitos é quando algo da
rotina da criança mudará, seja porque algo diferente do percurso ou do dia será
retirado ou incluído. Nesse sentido, vemos a importância de falarmos sobre como
lidar com a tolerância à frustração, mesmo que saibamos da inflexibilidade mental
e vontade de imutabilidade da criança com autismo.

Talvez já tenha ouvido ou visto algumas crianças autistas estabelecerem


uma relação especial com alguns objetos, como se os acoplassem aos seus
corpos, andam para todos os lugares com esse objeto em mãos e não permitem
a sua retirada. Pode ser um brinquedo, um caderno com caneta, um ursinho, um
pano. Podemos denominar como “objetos empíricos mediadores”, ou “objetos
autísticos”, esses objetos escolhidos pelos autistas que se distinguem dos “objetos
transicionais”.

O objeto transicional foi cunhado pelo pediatra e psicanalista Donald Winnicott


(1975) para evidenciar uma área simbólica intermediária entre um objeto e o bebê,
entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, denotando
que o bebê já consegue distinguir de forma mínima ele (ego), quer dizer, que ele é
um e o objeto é outro (“ego/não ego”) localizando o objeto na fronteira ou fora de
si, e estabelecendo uma relação afetuosa e de apego com o objeto escolhido. Isso
pode acontecer no primeiro ano de vida da criança funcionando como substituto
simbólico da separação que pressente com seu cuidador primário (mãe/pai).

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

FIGURA 17 – O PEDIATRA INGLÊS DONALD WINNICOTT

FONTE: <https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/puN6C
mwCcZzgfJCFMtvezW9VNPngzC6geCYkvwDvBgtpkPwSEKtVzUJ
ABEPn/218-winnicott-01.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

Você pode constatar esse momento de angústia de separação quando o


bebê, mesmo em sua tenra idade por volta oito meses passa a “estranhar” outras
pessoas diferentes de sua mãe ou pai, e chora quando eles se separam, como
quando os pais saem para trabalhar. Diante disso, a criança precisa lidar com esse
sentimento de angústia de separação. Ao eleger um objeto de seu entorno, fralda,
pelúcia, bico ela realiza uma operação mental primária importante de flexibilização
e tolerância à frustração ao criar, imaginar, inventar um substituto simbólico do
cuidador primário, com o qual obtém satisfação. Essa fase de eleição de um
objeto transicional é curta e, é esperado que passe logo que a criança comece
a se interessar por outros objetos de seu entorno, fazendo uso funcional deles.
Desse modo, ela amplia o seu repertório de comunicação e de interação social.
Ela alcança satisfação nesses momentos, repletos de aprendizagem por meio do
brincar e do fantasiar. A criança ensaia a imitação imaginária e os jogos simbólicos
quando reproduz o que já vivenciou em um primeiro tempo com sua família, nas
relações com outras pessoas ou mesmo sozinha. Você pode constatar quando
uma criança pequena utiliza de um brinquedo imaginando que está comendo
algo e diz, “humm... que papá gostoso!”. Ela dá mostras de ter introjetado o que
apreendeu dos outros, imitando-os por meio do brincar.

Por outro lado, o “objeto autístico” além de persistir por mais tempo que o
transicional, se caracteriza como uma criação da criança com a finalidade não de
operar como substituto simbólico, mas funcionando como um objeto real e literal
que realizaria certa borda protetiva entre a criança autista e o mundo. Podemos
observar que as crianças com autismo que elegeram objetos específicos com os
quais não deixa de levar para todos os lugares, caso haja a insistência em retirá-

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

los, ele entra em crise e sem poder se comunicar, pode chorar muito levando
tempo para ser acalmado.

Maleval (2017) explica que ambos os processos, objeto transicional e objeto


autístico, apaziguam a criança, mas para o indivíduo autista é como se o objeto
autístico passasse a fazer parte de seu corpo, animando-o, podendo inclusive
retirá-lo de um autocentramento, para estabelecer um laço social quando é
permitida a sua permanência. O objeto transicional, em contrapartida, faria certa
regulação da relação das crianças com os outros, intermediando-as. Para as
crianças com autismo, o seu sistema perceptivo e sensorial pode se encontrar
desregulado, de modo que não distingue sua posição e imagem corporal das
outras pessoas, apresentando por vezes certa desintegração. Por isso, muitas
dessas crianças quando começam a falar repetem de forma ecolálica o que
escutam, não realizando enunciados em primeira pessoa, não se distinguem dos
outros, mas parece com eles se misturar.

Kanner (1997, p. 132) observou, em seus atendimentos, que as crianças


autistas, “tem uma boa relação com os objetos; se interessa por eles, pode brincar
com eles, alegremente, durante horas [...]. Quando está com eles, experimenta
uma sensação prazerosa de poder e de domínio incontestáveis”. Kanner sublinha
que os autistas estabelecem e mantêm uma excelente, expressiva e inteligente
relação com os objetos, ao que podemos acrescentar que seria por meio desses
objetos que a criança autista faria uma espécie de proteção contra as pessoas,
delas se defendendo, ao manterem-se restrita à relação com o objeto?

O emprego conferido aos objetos por essas crianças pode ser o de duplicação
de seu corpo, tratando-os como pedaços que se integram a ele. Esses “objetos
autísticos” podem fazer parte da construção de sua imagem, e, por isso, têm
fundamental importância, funcionando como extensões de seus corpos, ainda que
possam parecer estranhos e inadequados à primeira vista. Tentaremos explicar
com o recorte de um caso:

CASE

Ian é um menino autista com a idade de sete anos. Sua mãe sinaliza que
ele é muito rígido para mudar a rotina e anda para todos os lugares com uma
bolinha em mãos. Sendo aficionado pelas bolinhas, em todo local que vê uma
máquina de bolinhas, exige que sua mãe compre mais bolinhas, senão chora e
se joga ao chão fazendo birra. Ele ainda fala pouco e quando o faz, gagueja, mas
aponta e segura as pessoas próximas pelo braço ao que deseja. Se insistimos
com ele em deixar a bolinha, ele grita e faz birra. A terapeuta, então, propõe
brincar com ele por meio do seu “objeto autístico”, a sua “inha”, como diz ao se

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

referir à bolinha. Ao suportar manter esse objeto, não retirando-o, no primeiro


momento, de suas mãos, ao contrário, agregando-o em um jogo de trocas, a
criança se permitiu brincar e começou a tentar se expressar melhor, ainda que
de modo simples, pode iniciar a expressão de suas intenções. Parece ter havido
a concessão desse descolamento, a partir da manutenção do objeto predileto.
Ao produzir um espaço e tempo à criança, respeitando suas particularidades,
de modo sensível e delicado, a criança pode ir cedendo e adequando-se às
distintas situações. Então, a terapeuta propôs jogar bola, vôlei, futebol, tênis,
até que em outro tempo, pode propor outros jogos, desde que a bolinha fosse
guardada em local que a criança se sentisse confortável, como na estante,
numa caixa ou em seu bolso da calça. Do mutismo num silêncio aterrador, e da
angústia que o fazia cavar furos em seu corpo, Ian pode iniciar a língua falada
com a presença da cuidadosa da terapeuta, sem ter que deixar uma parte sua,
materializada no objeto “bolinha”. Talvez a extensão do laço ordinário do autista
com um objeto empírico possa propiciar uma trama simbolizante por meio da
qual as funções desse objeto possam ganhar outro estatuto (NEVES, 2018). A
família foi orientada a fazer combinados claros e objetivos com Ian, tratando-o
como alguém capaz de entender a ordem das coisas, e não ceder as suas
birras diante dos combinados para que pudesse aprender novos modos de se
comunicar e suportar a frustração. Os pais passaram a fazer acordos com Ian
antes de sair para escola bem como para outros lugares e aos poucos passou a
entender e a suportar os combinados e as frustrações.

Esse caso pode parecer uma intervenção pequena, no entanto, ele nos
ilustra um trabalho sensível de respeito à criança quanto ao que ela apresenta
como importante para si, o objeto predileto sendo gradualmente adequado às
situações e regras sociais, conferindo diminuição da angústia e início da emissão
da fala com intenções.

4.1 ORIENTAÇÕES AOS PAIS


A efetividade do tratamento contará especialmente com a contrapartida e
engajamento dos pais. A participação dos pais no tratamento será muito efetiva
caso eles se disponham a estarem atentos diariamente à rotina de seu filho.
Sabemos que os tratamentos visam a extinção de comportamentos considerados
inadequados para fomentar as habilidades existentes, tornando-as funcionais de
modo a culminar na autonomia e independência em todas as atividades da vida
diária.
Consideramos importante que os pais possam buscar entender o filho com
autismo, conhecendo-o em suas competências, habilidades e no que precisa

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

extinguir ou aprimorar. Assim que o terapeuta for mostrando as propostas de


intervenções a serem realizadas com a criança, explicando o que precisa ser
alcançado, os pais precisam buscar entender o que os terapeutas estão dizendo
nas sessões para poderem repeti-las em casa.

Esse caminho é fundamental para o processo terapêutico de modo que o que


foi realizado em consultório possa ser generalizado no ambiente de casa, escola
ou outros lugares. Se os pais não concordam e não buscam compreender o que
está sendo proposto, precisam ser francos com o terapeuta para que por meio da
conversa possam cessar as dúvidas e questões podendo criar novas propostas
de intervenções.

Os pais não precisam concordar com tudo o que os terapeutas propõem e


devem ter a liberdade de exprimir seus sentimentos e dificuldades. Quando os
terapeutas acolhem as famílias e escutam o processo de suspeita até o impacto
do diagnóstico, o campo emocional em que os pais se encontram pode estar muito
frágil, apresentando fadiga mental e tristeza. Como dissemos no início do capítulo,
o filho sonhado e idealizado se distingue do real. Nesse sentido, cabe respeitar
a dor dos pais e ajudá-los a superar os percalços, superando-os e tornando-se
fortes. Contudo, os pais, por vezes, sentem-se pequenos diante do saber dos
médicos e terapeutas. Permitir o estabelecimento de um vínculo de confiança é
necessário. Sendo assim, as propostas interventivas podem ser questionadas e
revistas, mas um problema que vemos acontecer é o de os pais fazerem o oposto
ao que foi proposto e acordado com os terapeutas.

A possibilidade de uma terapêutica ser efetiva dependerá de a família


se engajar e acreditar que pode dar certo. Orientações e sugestões feitas em
consultório devem ser levadas para casa e apresentadas aos seus membros.
De nada valerá que o terapeuta explique que a sobremesa só poderá ser dada
após as principais refeições se os avós ou babás não são comunicados disso e
cedem às birras e vontades das crianças. Esses momentos podem acontecer com
crianças típicas ou com autismo.

Com a estimulação diária, as crianças podem apresentar grandes evoluções.


É preciso que os pais saibam que precisarão despender tempo de qualidade com
seus filhos. Sabemos que na atualidade das tecnologias são vários os casos de
crianças que são permitidas a passar horas e horas em frente às telas de tablets
e celulares. Quando pedimos aos pais para nos dizerem o que as crianças estão
assistindo, alguns não sabem dizer, outros informam que os filhos não assistem
a tudo, mas ficam deslizando o dedo nas telas, ou repetindo reiteradamente
o mesmo minuto de um só episódio de um desenho. Esse tempo pode ser
considerado perdido e poderia ser bem utilizado, caso os pais se dispusessem a
estarem mais atentos ao que o filho está assistindo.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

Algumas crianças com autismo demonstram grande dependência dos


celulares e preferência por esses objetos a brinquedos, e, muitas vezes, porque
não tiveram a oportunidade de terem momentos de brincar com os pais.

Um tempo de qualidade que os pais podem realizar em casa pode ser o do


brincar. Os pais, ou um deles, podem reservar um tempo, ainda que pouco, a
brincar com quebra-cabeças (começando por peças grandes), leitura de livros com
imagens e contação de histórias simples, massinha, jogar bola, estabelecendo
troca com a criança em jogos simbolizantes de presença-ausência, em ir e vir
estabelecendo ritmo e no embalo temporal entre a expectativa e a satisfação,
brincar de faz de conta, de casinha, dentre vários outros.

Algumas crianças dão evidência de estarem pouco animadas, apenas com a


restrição ao uso do celular, que inclusive mantém a criança afastada das pessoas
e da interação, uma vez que não há troca intersubjetiva. Desse modo, propomos o
brincar. No consultório podemos ver que logo as crianças pequenas com autismo
respondem e passam a nos solicitar por mais tempo de jogo e brincadeira. Assim
também pode acontecer com os pais.

O brincar se constitui como meio privilegiado de intervenção na infância.


Donald Winnicott (1975, p. 70) assevera, “em outros termos, é a brincadeira que
é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto,
a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma
forma de comunicação na psicoterapia”.

O brincar livre, aquele em que é permitido à criança escolher com o que


brincar, e o brincar funcional, em que se realiza de forma orientada visando
alcançar o aprendizado de alguma função (como as professoras propõem no
jardim de infância), favorece o crescimento e desenvolvimento de habilidades da
criança, e propicia o estreitamento do vínculo familiar.

Os jogos e suas regras propiciarão um ensaio para a criança realizar a


compreensão da ordem das coisas, aprendendo a respeitá-las, generalizando-
as no campo social. É importante que durante esses momentos os pais fiquem
atentos em levar a sério as brincadeiras, de modo que as regras não sejam
negligenciadas. Se a criança tem o costume de atirar objetos quando contrariada,
por exemplo, quando ficar maior poderá atirar objetos maiores. Portanto, é
importante que ela possa aprender a suportar ser contrariada quando perde,
ajudando-a a compreender o processo do jogo e sua finalidade.

Muitas podem ser as situações em que as crianças se veem em conflitos


sobre como reagir diante de algo que para pessoas típicas podem ser banais.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Até que a criança com autismo tenha aprendido a como lidar nas situações, ela
pode entrar em uma crise de angústia reagindo de distintas maneiras. Importante
que os pais façam a distinção de uma crise de angústia ao de uma birra, e não
generalizem as duas situações. Porém, faz-se importante buscar acalmar a
criança em ambas.

Se a criança começa a apresentar um comportamento disruptivo, como:


birras, autoagressão ou agressividade aos outros, fuga ou esquiva é preciso e
possível manejar as intervenções. Os pais às vezes ficam receosos de fazer
intervenções com seus filhos com autismo, crendo que eles não são capazes
de entender, ou que sentem dó do filho, por considerá-lo como alguém que se
encontra em sofrimento, e, por isso, eles devem permitir que ele seja satisfeito em
todo tempo.

Esse modo de agir além de não ajudar a criança com autismo pode provocar
a piora de seus sintomas, pois um atraso no manejo dos comportamentos vai
acontecer. O sentimento de culpa dos pais não tratado, de pensarem que
provocaram algo ao filho, de terem transmitido alguma coisa que culminou
no autismo, denotam a necessidade de se trabalhar com o terapeuta esses
sentimentos e concepções acerca do filho para que o quanto antes as intervenções
possam acontecer.

Buscar falar firme, na altura da criança, buscando acalmá-la pode ser um


dos meios de intervir nas situações de disrupção. Nunca entregar o celular, pois
reforçará o comportamento disruptivo.

5 O QUE AS CRIANÇAS COM


AUTISMO PODEM ENSINAR AOS
SEUS PAIS
Os pais de crianças com autismo relatam, comumente, das habilidades
únicas observadas em seus filhos. Ao perguntarmos a eles sobre o que identificam
como pontos positivos e boas capacidades de seus filhos, eles logo se animam
e sentem-se valorizados ao concedermos interesse não somente pelo que há
de problema, ou de “deficitário”, mas, sobretudo, ao que há de capacidade a ser
valorizada.

Podemos conferir com muitas famílias que seus filhos com TEA são dotados
de boa capacidade quanto à memorização de palavras, lugares e imagens. Alguns
pais falam do modo como os filhos conseguem decorar longos percursos, números

42
Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

de ônibus, nomes de ruas pelas quais passam todos os dias como quando vão
para a escola. Sugerimos ofertar livros, mapas, aproveitar para construir juntos o
mapa de sua região fomentando à criança suas habilidades.

FIGURA 18 – CRIANÇA BRINCANDO COM JOGO DA MEMÓRIA

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3
AANd9GcRzYoWH1cMQNJq6nzEgw9ErD7LNsnuB_0F75PmX-
Ao4B7LECaQM&usqp=CAU>. Acesso em: 22 maio 2020.

Quando as crianças saem do mutismo e da solidão, acedendo à fala e


começando a se comunicar, muitas dão mostras de uma verbalização com
vocabulário extenso e incrível, com excelente aquisição de leitura e escrita.
Embora muitas apresentem literalidade de entendimento das coisas, e, por vezes,
uma fala monótona e automatizada, os aspectos subjetivos da comunicação
podem e devem ser traduzidos para que essas crianças consigam compreender
o sentido do que lhe é transmitido, situando-se. Sugerimos leitura de livros
infantis com histórias que sejam inicialmente de fácil entendimento, que tenham
correspondência com ilustrações, e, progressivamente, poder ir avançando em
sua complexidade.

CASE

Quando Fernandinho começou a falar, aos cinco anos, seus pais animaram-
se e contaram aos terapeutas da alegria de vê-lo falando por horas. Em certos
momentos, chegava a parecer não escutar o que os outros diziam, tamanho era
o seu desejo em falar chegando a ser verborrágico. Logo depois começou a
desenvolver com certa presteza a leitura e escrita, o que lhe permitiu ler livros.
Eles observaram que ele passou a se interessar por assuntos específicos,
como dinossauros, os quais ele memorizou nomes, idade geológica, tamanho,
habilidades, chegando a se tornar um expert no assunto, o que lhe permitia
ter assunto para conversar com outras pessoas. Todavia, mesmo diante dessa

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

habilidade ter se desenvolvido, a mãe de Fernandinho se incomodava com o fato


de ele ser “indiscreto e inconveniente”, assim ela dizia, diante de outras pessoas,
pois dizia “coisas inapropriadas”. A terapeuta pediu que eles explicassem melhor,
Fernandinho já estava com nove anos, e a mãe disse que tudo o que pensava
falava. Como se não houvesse um filtro no pensamento, para selecionar como
e o que dizer, Fernandinho dizia o que lhe vinha à mente, de forma literal. Certo
dia disse a um homem no ônibus que ele parecia ter engolido uma melancia,
tamanha era sua barriga. A mãe ficou constrangida, pediu desculpas ao homem
e colocou Fernandinho de castigo. Durante as sessões de terapia pudemos
conversar melhor sobre como nos comportamos no campo social, e que nem
sempre dizer o que pensamos pode ser bom, pois podemos magoar as pessoas.
Fernandinho, por fim, passou a dizer que tomava muito “chá da sinceridade”,
tentando relativizar os ocorridos, mas demonstrando seu entendimento deles,
diminuindo o modo de se dirigir às pessoas de forma literal.

Acadêmico, indicamos as séries The Good Doctor e Atypical,


ambos da plataforma Netflix.

SÉRIES SOBRE JOVENS AUTISTAS


DE ALTO FUNCIONAMENTO

FONTE: <https://upload. FONTE: <https://


wikimedia.org/wikipedia/pt/8/8e/ br.web.img3.acsta.net/
The_Good_Doctor_temporada_2. pictures/19/10/21/14/58/4891368.
jpg>. Acesso em: 22 maio 2020. jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

É comum escutarmos os relatos dos pais a respeito do desejo obsessivo de


seus filhos pela manutenção da ordem e controle. Organizam seus brinquedos
e material escolar por tamanho, cor e tipo. Os pais observam que esse modo de
funcionar os deixa mais tranquilos e seguros, como se fosse uma tentativa de se
organizar, diante do mundo que para eles é percebido como desorganizado, de
difícil apreensão e entendimento com as inúmeras estimulações e contingências.
Como um modo de tratar essa espécie de falha no sistema perceptivo, a criança
com autismo pode realizar a construção de uma organização de esquemas,
que, mesmo com certa rigidez no pensamento, pode realizar equiparações entre
imagens e palavras como modo de circular no campo social o que os possibilita
interagir com outras pessoas.

Temple Grandim, doutora em Zootecnia, reconhecida mundialmente pela


criação da “máquina do abraço para gado”, no qual propunha um manejo mais
humanizado do gado antes de seu abate, se autodenomina como uma pessoa
com autismo, realiza palestras para contar sua vida e sobre como encontrou
saídas possíveis para se desenvolver mesmo com o TEA. Em uma de suas
palestras, Temple nos relata que seu pensamento funciona como a operação de
um computador, em que o banco de dados do sistema de busca da Google. É
como se pensasse por imagens, e ao procurar por um banheiro feminino logo
pensa em imagens que correspondam a este local, como uma boneca rosa de
saia identificando: “banheiro feminino”.

Acadêmico, no link a seguir você pode encontrar a palestra


Temple Grandin: o mundo necessita de todos os tipos de mentes:
https://www.ted.com/talks/temple_grandin_the_world_needs_all_
kinds_of_minds?language=pt-br.

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FIGURA 19 – CENA DO FILME TEMPLE GRANDIN, QUANDO


TEMPLE CONSTRÓI A MÁQUINA DO ABRAÇO

FONTE: <https://particionando.files.wordpress.
com/2015/07/123.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

Sugerimos que você assista ao filme sobre esta autora, Temple


Grandin, que conta sua história pessoal desde a infância até a vida
adulta, a presença e o apoio de sua mãe e seu insistente desejo em
ajudá-la, e a construção de autonomia de forma criativa e bela de
Temple culminando em sua escolha profissional de forma brilhante.

FILME TEMPLE GRANDIM

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/f/fd/
Templegrandin.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

Tudo isso que os pais nos contam de seus filhos autistas nos indicam sobre
como podemos realizar intervenções criativas e eficazes com essas crianças.

A dificuldade do autista em generalizar ou compreender


o campo emocional é recorrente. Por isso, sua constante
necessidade de intelectualizar tudo, como os autistas
de alto funcionamento o fazem, construindo ilhas de
competência a fim de ordenar e apreender o mundo
caótico por meio das imagens e palavras coladas às
coisas. A memorização de listas enormes, nomes de
animais, placas de rua, calendários, músicas, podem
permitir o acesso do sujeito autista à leitura e escrita
antes da fala. Quando começam a falar, podem fazer
uso de frases espontâneas, em holófrases, ou numa
fala ecolálica em frases escutadas de outros lugares,
como de um comercial da TV que não assumem uma
enunciação, mas o enunciado (NEVES, 2018, p. 154).

FIGURA 20 – CRIANÇA AUTISTA CONSIDERADA DE ALTO FUNCIONAMENTO

FONTE: <https://i0.wp.com/akos.ba/wp-content/uploads/2017/09/kako-motivirati-
dijete-za-ucenje.jpg?fit=2551%2C1417&ssl=1>. Acesso em: 22 maio 2020.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Bom, até o momento pudemos fazer o início de nosso percurso e começamos
com a pretensão em dizer um pouco sobre o conhecimento da família com criança
autista. Portanto, neste capítulo, vimos:

• Os impasses do diagnóstico de autismo e os impactos na família.


• A importância da detecção de sinais de sofrimento ou sinais de autismo
em bebês e o início da intervenção precoce mesmo sem haver o
fechamento diagnóstico.
• A intervenção precoce aproveitando as janelas de oportunidade
neuronais, configurando um tempo de ouro para estimulação e criação

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

de novas vias sinápticas, fortalecendo-as e permitindo a poda neuronal


das vias subutilizadas.
• Para a criação do Plano Terapêutico Singular propõem-se acolher e
convocar a família, incluindo-a no planejamento, aplicar escalas de
avaliação como o M-CHAT, CARS, PREAUT e fazer uso do Modelo
Denver de intervenção precoce, para crianças até cinco anos.
• A orientação de pais se inclui no Plano Terapêutico, a psicoeducação, o
encaminhamento para grupos de pais, treinamento, conferindo suporte
quanto a informações relevantes sobre o autismo, explicando como a
criança com autismo pode funcionar nos relacionamentos interpessoais e
em situações sociais, acolhendo suas angústias, dúvidas e ansiedades.
• Os pais podem aprender muito com a singularidade de seus filhos
com autismo, podendo estimular suas habilidades, reconhecendo suas
qualidades e incentivando-as.

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Capítulo 1 A ORIENTAÇÃO FAMILIAR JUNTO AOS FILHOS COM TEA

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50
C APÍTULO 2
A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A
ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA
EDUCAÇÃO

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Entender o que é e como se dá a comunicação com o público interno.


• Conhecer mecanismos de compreensão da cultura e do clima organizacionais.
• Conhecer formas de influenciar positivamente cultura e clima por meio do
endomarketing.
• Usar de maneira eficiente as principais ferramentas de endomarketing no
manejo da cultura e do clima organizacional, principalmente na gestão de
conflitos.
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

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Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Caro acadêmico, falar sobre a relação entre a família e a escola no processo
de inclusão escolar de crianças autistas é necessário. Essa é uma temática
importante de ser refletida e articulada. Trouxemos, para você, neste capítulo,
um conteúdo que perpassa pela história da Educação Especial à Educação
Inclusiva, com uma reflexão inversa ao usual, a de que o tratamento contribui com
a educação, mas, sobretudo, que o ato de educar pode ser uma possibilidade
fundamental ao tratamento da criança autista. Será trabalhado, nessa temática,
como a escola e a família podem ser parceiras na inclusão de crianças autistas.

Para iniciarmos os estudos, é importante que você possa compreender a


Educação Inclusiva no nosso país. Ainda nos encontramos, no Brasil, em processo
de implementação da Educação Inclusiva e ela tem como suporte legal algumas
leis, que talvez você já conheça ou tenha escutado, por isso, podemos dizer que
já tivemos alguns avanços, embora ainda tenhamos uma grande caminhada à
frente.

Dessa forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDBN) nº 9.394 de 1996, que conceitua a Educação Especial a ser ofertada
preferencialmente no ensino regular aos educandos portadores de necessidades
especiais, e, posteriormente, a Lei Brasileira de Inclusão – Lei n° 13.146 de 2015
que institui a Inclusão da Pessoa com Deficiência – e a Lei n° 12.764 de 2012,
que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Autismo
alterada pela Lei n° 13.977 de 2020, que cria a Carteira de Identificação da
Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). A escolha de nosso país em
propor e adotar uma educação que possa ser para todas as pessoas (Constituição
Brasileira de 1988) levanta inúmeras discussões e de todas as partes.

Acadêmico, essas leis estão disponíveis em páginas


governamentais na internet para que você possa livremente
consultar, tais como: www.planalto.gov.br e www.todospelaeducacao.
org.br.

É de conhecimento de todos nós que o processo educacional no Brasil é


repleto de questões, discordâncias, discussões e vivências dada a diversidade de
nosso povo, suas diferenças de classe, políticas, gênero, raça, e, ainda, o extenso

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

território geográfico brasileiro. Considerando esses fatores, a política educacional


de inclusão de pessoas com deficiência e/ou autismo precisará, ainda, de um
longo percurso em sua instauração de uma forma mais adequada contemplando
toda nossa diversidade. Dado isso, pensamos que, durante este caminho, várias
serão as mãos no processo de construção da Educação Inclusiva, quer dizer, a
sua implementação contará com a participação de diversos atores sociais, como
as famílias, os educadores, os profissionais da saúde, a sociedade civil e os
próprios indivíduos com autismo, quer dizer, de forma democrática, como prevê
nossa Constituição.

A Educação Inclusiva propõe que pessoas com deficiência e/ou autismo


possam ter o direto de acessar a educação regular, sendo respeitada a sua
presença única de ser, ou seja, no modo de se estabelecer com a linguagem
e de se relacionar com os outros, e que a escola possa contribuir com seu
desenvolvimento. Podemos entender que os traços autísticos que demarcam sua
singularidade e, ao mesmo tempo, a diferença de outras estruturas psíquicas, não
precisam ser palco de discordâncias e segregação, e, sim, objeto de agregação
entre as pessoas, promovendo o respeito com a heterogeneidade, ou seja, o que
há de diferente entre as pessoas, o que faz delas pessoas únicas, pode ser um
acréscimo às relações interpessoais e ao processo de aprendizagem.

Nos acostumamos, na história e no decorrer dos anos, com o fazer de


uma educação segregativa e homogeneizante (ARIÈS, 1981). Sabemos que
a educação no Brasil e no mundo passou longo período fazendo separação e
distinção de pessoas, em um discurso respaldado pela ciência psicométrica, seja
pelos testes de medidas de inteligência, seja pelas concepções da medicina em
torno do normal e do patológico.

Sendo assim, a educação passou por um processo longo de segregação


escolar, de forma que alguns alunos eram rotulados pelos seus resultados, como
“fracassados escolares”, “irregulares”, “incapazes”, “débeis e/ou deficientes”
(CORDIÈ, 1996). A necessidade de realizar testes psicológicos exigido pela
pedagogia foi nada mais que um modo de justificar a inclusão de alguns alunos
em classes especiais, levando alguns pesquisadores, como Anny Cordiè (1996),
a dizer que “os atrasados não existem”, e que esse diagnóstico seria o resultado
da criação da escolaridade obrigatória. Neste caminho, as crianças com autismo
sequer acessavam o sistema de ensino e, quando o faziam, só podiam utilizar as
escolas especiais, que, em conjunto de outras crianças avaliadas como deficientes,
ficavam relegadas à margem da sociedade: fora do discurso estabelecido, fora
das relações sociais, fora do acesso à educação regular e formal.

Bom, vamos juntos iniciar os estudos!

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Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

2 A EDUCAÇÃO COMO PERSPECTIVA


INCLUSIVA ÀS CRIANÇAS COM
AUTISMO: UMA TORÇÃO NO ENSINO
CLÁSSICO
Se pensarmos em incluir crianças com autismo, algumas perguntas podem
vir a nossa cabeça, como: “a criança com autismo deve estudar na mesma escola
que as outras crianças consideradas típicas?”; “mas, como os professores poderão
transmitir o ensino se a criança com autismo ainda não fala e nem se comunica?”;
“como faremos essa inclusão se os professores, pais, e mesmo as outras crianças
não estão preparadas e nem têm o suporte especializado?”; “como chegamos à
ideia de Educação Inclusiva?”. Essas e outras questões deverão estar conosco
ao longo dos estudos deste capítulo, e espera-se que elas sejam respondidas ao
longo do texto.

2.1 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À


EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE CRIANÇAS
COM AUTISMO: ESTABELECENDO E
CONSTRUINDO LAÇOS
A escolarização de crianças no século XX (ARIÈS, 1981), diferente dos
séculos anteriores, tornou-se um fundamento no qual as famílias e a sociedade
passaram a se ancorar para transmitir leis, estabelecer regras sociais e a
formalizar um ensino que pudesse desenvolver conhecimentos e técnicas
pragmáticas. A problemática em torno da “educação para crianças deficientes”
suscitou debates e questões ao longo do século XX culminando no nascimento da
Educação Especial.

Espaços educacionais anteriormente destinados a atender ao público de


“crianças especiais” foram criados com a ideia de que, para realizar a transmissão
de regras sociais, culturais e outros saberes práticos, os indivíduos com
deficiências precisariam de um olhar especial, por isso, separá-los do ambiente
comum, distanciando-os em campos distintos das pessoas “normais”, seria
necessário. A Educação Especial, assim, instituiu-se como um campo de saber
sobre as “deficiências”, na medida em que se apropriou deste tema destacando
um objeto de estudo e estabelecendo técnicas e método a serem utilizados à
categoria estabelecida (RHAME, 2010).

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

A incipiência de instituições públicas para abarcar os alunos sem deficiência


ou síndromes e os alunos com deficiência fez com que novas e especializadas
instituições de educação pudessem ser criadas a partir do século XIX, sob
influência dos estudos de natureza pedagógica e psicométrica de Jean-Marc
Itard (1774-1838) e Edouard Seguin (1812-1880), embora houvesse dificuldade
em discernir o que seria de ordem psíquica a cognitiva. A Psicometria buscava
estabelecer um critério de medida para o desenvolvimento intelectual objetivando
avaliar o coeficiente de inteligência por meio de um teste, destacando as crianças
consideradas com deficiências das sem deficiência, em uma mesma faixa etária.

FIGURA 1 – EDOUARD SEGUIN E JEAN-MARC ITARD

FONTE: <https://static.wixstatic.com/
media/744ba7_79d8757c573d47f3a9cedead6c72ec4c~mv2.
png>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Psicometria é uma área de estudo científico da Psicologia que pretende


matematizar o empírico, por meio do uso de testes e avaliações quantitativas,
fazendo uso de métricas e da estatística buscando mensurar variáveis e construtos
de ordem psicológica, quer dizer, os processos mentais.

FONTE: <www.ibpad.com.br/blog/comunicacao-digital/o-que-epsicometria/>. Acesso em:


23 jun. 2020.

A escola, nesse sentido, destacava-se como instituição social que separava


crianças que poderiam acessá-la das que deveriam ir para a escola especial.
Legitimados pelos discursos médico e pedagógico, a representação social
das “crianças deficientes” marcou um tempo em que elas eram tratadas como
indivíduos a serem enquadrados e normalizados no discurso social por meio da
escola especial. A ideia de criança livre para brincar e aprender ficava restrita às
“crianças normais”, já que as crianças com deficiências eram consideradas como
incapazes.

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Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

Itard foi médico especialista na educação de “pessoas surdas-


mudas” e ficou reconhecido pelos seus métodos educativos com
essas crianças. Aconteceu que naquela época, na França, em 1779,
um menino foi encontrado nu uivando na floresta e andando de
quatro como os lobos. Reconhecido como o “Selvagem de Aveyron”,
por não se apresentar como um humano civilizado, o menino ganhou
nome de Victor e parecia ter cerca de 12 anos. Itard se dispôs a
acolher Victor em Paris, e pretendia demonstrar que a condição
da criança deu-se pela privação de cuidados e de educação, mas
acreditava que, ao ser cuidado e educado, a partir da medida de
sua inteligência, seria possível restabelecer sua humanidade por
meio da educação, do convívio com outras pessoas e com o uso
do treinamento de habilidades. Pode-se verificar os resultados
decorrentes de sua insistente intervenção, mas não um retorno
à “normalidade”, como acreditava. Itard não pensava, como seus
contemporâneos, que Victor era “idiota” e incapaz de aprender, mas
pelo fato de ter sido abandonado, constituía-se de forma diferente e
merecia a atenção dos cuidadores (educadores). Hoje poderíamos
supor que Victor apresentava comportamentos semelhantes ao de
uma criança com autismo clássico, pelo não estabelecimento da
fala, comportamentos estereotipados, ausência de comunicação e
dificuldade na interação social.

FONTE: RHAME, M. Laço social e educação: um estudo sobre os efeitos do encontro com
o outro no contexto escolar. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://www.teses.usp.br/
teses/disponiveis/48/48134/tde-17012011-143132/publico/MONICA_MARIA_FARID_
RAHME.pdf. Acesso em: 23 jun. 2020. p. 80.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 2 – CAPA DO FILME O MENINO SELVAGEM

FONTE: <https://www.diarioliberdade.org/archivos/Administradores/diego/2013-
07/040713_o_menino_selvagem_cartaz.jpg>. Acesso em: 22 jun. 2020.

Acadêmico, indicamos o filme já mencionado, O garoto


selvagem, de François Truffaut, França,1970, filme premiado pela
Sociedade de críticos de cinema pelo melhor roteiro, que conta a
história do menino Victor que foi cuidado pelo médico especialista
em educação, Itard, após ser encontrado em uma floresta, correndo
como os lobos, nu e sem falar.

Data de 1968 uma solicitação da UNESCO a um grupo de especialistas a


realizar um estudo sobre as pessoas com deficiência, culminando na elaboração
de um relatório. Esse documento apontou que as políticas precisavam assegurar
o acesso de forma igualitária das pessoas com deficiência à educação, à vida
social e à econômica, e que a Educação Especial deveria ser semelhante ao da
educação regular de forma a permitir o desenvolvimento intelectual, o aprendizado
e as relações sociais.

Em 1970, institui-se em muitos países a Educação Especial. Em 1981,


promulgou-se o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes pela ONU”
(Organização das Nações Unidas); em 1983 surgiu o Programa Mundial de Ação
Relativo às Pessoas com Deficiência e, em 1994, promulgou-se as “Normas sobre
a Equiparação de Oportunidades para pessoas com deficiência” (ONU). Nesse
mesmo ano produziu-se, também pela ONU, a “Declaração de Salamanca” (1994)
demarcando um importante documento que dispôs princípios, política e prática em

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Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

Educação Especial, provocando discussões em torno do que seria a integração


escolar de forma distinta à inclusão escolar (RHAME, 2010).

A noção de “integração” de crianças com autismo no sistema de educação


em muito se diferencia ao da proposta da Educação Inclusiva. A Educação
Inclusiva vem demarcar uma posição discursiva distinta ao do preconizado pela
Educação Especial. Enquanto a Educação Especial demarcou o lugar do déficit,
promovendo a diferenciação entre sujeitos por sua condição cognitiva e psíquica,
a Educação Inclusiva nasceu com posição crítica, fomentando o favorecimento
de uma sociedade mais solidária por meio do processo de aprendizagem,
entendendo a diferença como valor de agregação às relações intersubjetivas,
destacando a condição única de cada sujeito.

Buscando contemplar a diversidade na escola, a Educação Inclusiva se


propõe em ocupar uma modalidade de trabalho que rejeita a homogeneização do
saber. Transpondo a ideia de que o papel da educação se limitaria em ensinar os
alunos um uniforme conteúdo pedagógico, a Educação Inclusiva vai além e coloca
para a escola o desafio próprio do educar, questionando a teoria e o método que
não abarcam a todos os estudantes em suas diferenças.

A Educação Inclusiva é a proposta da educação para todos, constituindo-se,


para muitos, como uma provocação a todo o sistema de ensino tradicional que
conhecemos (RHAME, 2010). Entende-se que cada criança tem uma maneira
particular de lidar com o saber e que nem sempre corresponde ao que a escola
preconiza. E isso pode acontecer com qualquer sujeito. Tentaremos ilustrar o que
vemos discutindo por meio de um case.

CASE

Joana é uma criança com autismo, tem 8 anos e estuda em escola regular. A
escola tem conhecimento sobre isso. Certo dia, sua família levou à psicóloga que
acompanha a criança um relatório da escola, o qual demandava à profissional
orientações que pudessem ajudar a escola no seu exercício educativo para com
a aluna. No relatório, vieram descritas queixas referentes ao comportamento
da criança, descritos como: “não quer aprender e se mostra desinteressada”, e
“transgride as regras da escola”. Quanto a este comportamento, “transgressor”,
a escola se queixava de que não conseguia compreender a menina que batia,
chutava, dava rasteira na coordenadora, gritava, quando contrariada. O relatório
provocou um mal-estar na psicóloga com relação ao seu conteúdo, que,
configurado como um diário, datado, descrevia em quase oito páginas, de forma
detalhada, os atos da criança dentro da sala de aula e fora dela como se ela
fosse uma “transgressora”, cuja única resposta para solucionar o caso estaria

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

por meio de um laudo psicológico. Tal descrição da escola não foi, a priori,
reconhecida pela família da criança, que não conseguia ver a filha dentro do
quadro que diziam. Contudo, e mediante o envio de outros relatórios, a família
sentiu-se inibida em questionar a escola. Diante disso, e do que o caso evocou,
a psicóloga questionou com a família essas marcações da escola a respeito da
criança. Foi proposto como princípio de um trabalho interdisciplinar, uma reunião
com a escola, em que buscou-se saber da proposta de trabalho com a criança,
se ela contava com o Apoio Escolar, se tinha acesso ao AEE (Atendimento
Educacional Especializado), e em que circunstâncias ocorriam os problemas.
Nesse sentido, a psicóloga buscou compreender e saber sobre a criança,
como a viam, como funcionava e se localizava na escola, como aconteciam as
relações com outras crianças, invertendo a lógica, procurou-se instigar a escola
a ver e a olhar para a criança para além de seu comportamento dado como
“transgressor” e se eles poderiam ser lidos, ou seja, se queriam dizer alguma
coisa, se poderiam ser entendidos e compreendidos além dessa forma. Isso
permitiu, também, que a família pudesse expor e explicar as particularidades
da filha, o que ainda não havia sido feito. Assim, puderam informar que Joana
era uma menina muito metódica, gostava de seriações, não suportava muitos
ruídos ou barulhos, apresentava inflexibilidade diante de mudanças, tinha
uma excelente memória e para todos lugares levava seu caderno e caneta em
mãos, entrando em crise se fosse forçada a ceder por sua retirada. A psicóloga
aproveitou e esclareceu como as crianças autistas têm um funcionamento
diferenciado ao de outras crianças, e que, às vezes, o modo dela reagir pode
parecer uma transgressão à norma, quando se deveria buscar distinguir uma
crise de angústia diante da frustração ao de uma birra. A escola pode repensar
o seu fazer e compreendeu as dificuldades da criança, propondo remodelar o
plano pedagógico, o AEE e o Apoio Escolar (falaremos deles adiante), de modo a
permitirem o uso do caderno durante as aulas, por exemplo, aproveitando-o para
que Joana realizasse suas atividades de escrita. A família logo noticiou que as
queixas diminuíram, que houve maior aproximação entre eles e as professoras,
e que Joana estava se comportando de modo distinto, inclusive permitindo a
aproximação de outras crianças, mudando seu comportamento. Parece que
um novo olhar foi lançado sobre a criança. De certa maneira, ainda que a ela
permaneça se colocando em muitos momentos em posição de recusa de querer
saber, e tenha respondido como “transgressora” da norma, como criança que
parecia impossível de se educar, um novo olhar foi lançado sobre ela, um que
não a obrigue a fazer todo o prescrito do processo de ensino, mas que a acolha.
Não reduzindo a criança ao seu diagnóstico de autismo, mas supondo haver
nela um saber próprio, parece ter permitido a construção de um novo sentido,
de modo que ela agora aparece menos ansiosa e suporta brincar com jogos e
atividades que lhe exijam um esforço a mais em pensar, em suportar a relação
intersubjetiva, para chegar a algum fim.

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Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

Podemos ver, nesse caso, que o processo de inclusão não se faz com um
saber maciço sobre o outro, mas do encontro entre eles. O psicólogo e a escola,
ao suporem na criança com autismo a presença de uma subjetividade e um saber
únicos, podem permitir um tratamento dessas crianças, antecipando-as como
sujeito. Por meio dessa suposição faz-se uma leitura que articula, distingue e
confere direção ao que a criança apresenta.

Ao destacar signos antes colados numa só posição, com o despejamento de


uma leitura banhada do Simbólico, a criança autista pode se permitir encaixar em
outro enquadre, diferente ao do inicialmente dado, podendo passar a responder,
assim, de distintos modos. Usufruindo o que alcança dos campos simbólico
e imaginário ofertados pelo social, pode-se circunscrever o que aparecia como
estranho, inadequado, inadaptado, e até impossível, às vezes, de dizer. A criança
pode passar a se comportar de maneira mais maleável, podendo aguardar
e suportar a espera, o contato com os outros, permitindo a aproximação de
educadores que desejam transmitir o ensino formal. Queremos mostrar, nesse
fragmento de caso, que um trabalho interdisciplinar no campo da educação com
crianças autistas e suas famílias é possível, mesmo em uma escola regular.

FIGURA 3 – CRIANÇA APRENDENDO

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/
images?q=tbn%3AANd9GcRBfLiC0nAYIc99lCoBhLsADGg0Lr0ZsIeBBg&usqp=CAU>.
Acesso em: 22 jun. 2020.

Acadêmico, indicamos os sites a seguir: www.educabrasil.com.


br/declaracao-de-salamanca/ e https://unesdoc.unesco.org/.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

2.2 A INCLUSÃO DE CRIANÇAS


COM AUTISMO NA ESCOLA: COMO
FAZER?
Com a Lei nº 9.394 de 1996, que discorre sobre Educação Especial (LDBN),
já podemos ver a tentativa de um trabalho de integração escolar ao discorrer
sobre a presença do Apoio Escolar na educação regular para aqueles casos em
que a criança teria dificuldade moderada a severa de ter autonomia na escola.
Esse apoio pode ser recorrentemente encontrado na figura do professor auxiliar,
cuja função é a de mediar a relação da criança autista entre o professor e os
outros alunos. Não significa que ele fará adaptações das atividades para a criança
autista, mas promoverá a interação social dela com a escola e seus participantes.

Quanto ao Atendimento Escolar Especializado (AEE), este destina-se para a


particularidade dos casos em que não acontece toda a possibilidade de integração
das crianças e/ou adolescentes com autismo no ensino regular. Esse atendimento
não é clínico, ao contrário, faz parte do processo educacional, e já estava previsto
em nossa Constituição Brasileira de 1988.

O processo de integração da criança com deficiência e/ou com autismo sofreu


críticas, porque via-se que a “criança de inclusão” se destacava das demais pela
sua diferente presença que gerava estranhamentos. O Apoio Escolar e o AEE
eram usados não como mediadores escolares na promoção da interação entre os
indivíduos da escola, mas como anexos apartados da comunidade escolar. Assim,
as atividades e investimentos pedagógicos se realizavam sem que a criança
autista ou a criança com deficiência pudessem delas participar.

Mantoan (1998, p. 50) nos aponta esta discussão,

Outra opção de inserção é a inclusão, que questiona não


somente as políticas e a organização da educação especial e
regular, mas também o conceito de integração – mainstreaming.
A noção de inclusão não é incompatível com a de integração,
porém institui a inserção de uma forma mais radical, completa
e sistemática [...]. O vocábulo integração é abandonado, uma
vez que [...] a meta primordial da inclusão é a de não deixar
ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo.

Essas ideias postas provocaram muitas discussões no Brasil, nas áreas


da educação e saúde, no campo social e com as famílias das pessoas com
deficiências. Todo esse movimento tem feito as discussões avançarem buscando
alcançar, de fato, a Educação Inclusiva. O processo de sua implementação
mostra-se constante e mutável, e não deve deixar de questionar a todo tempo

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Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

as relações intersubjetivas e institucionais que se estabelecem entre: os sujeitos


e a escola. Cabe salientar que, neste livro, não deixamos explícita a inclusão de
crianças com outros Transtornos Globais do Desenvolvimento, mas elas também
não devem ser negligenciadas (JERUSALINSKY, 1997; KUPFER, 2000).

A Educação Inclusiva exige de nós abertura para pensarmos sobre as


diferenças. Vamos lá! Permita-se!

Confira em www.autismolegal.com.br, informações sobre os


direitos da pessoa com autismo.

Ainda que se tenha incluído o autismo no campo das deficiências, a Lei n°


12.764 de 2012, alterada pela Lei n° 13.977 de 2020, discorre sobre o acesso
da pessoa com autismo à saúde, educação, transporte e lazer, lugares antes
não acessados por ela, a criança com autismo ficou durante muito tempo em
um limbo, indiferenciado entre outros transtornos globais do desenvolvimento,
como as psicoses e as debilidades. As leis vêm destacar uma diferença de uma
pessoa com autismo ao de pessoas com outras deficiências ou transtornos. Com
o avanço das pesquisas científicas, abriu-se a perspectiva de que as pessoas
autistas são pessoas únicas, com qualidades sensacionais, possuindo traços
particulares e que merecem ser tratadas com respeito à sua condição. Nesse
caminho, as políticas são essenciais na criação e execução de leis e resoluções
que permitam aos cidadãos usufruírem dos diversos espaços da sociedade sem
que sejam segregados.

A segregação, palavra que você deve ter observado que temos usado muito,
existe em nossa sociedade e na contemporaneidade como um traço quase
que inerente às relações. As pessoas vivem em comunidades, como prédios
e condomínios, mas podemos ver que, muitas vezes, neles não se pratica a
agregação, quer dizer, as pessoas vivem juntas, mas não estabelecem relações,
mantém-se afastadas umas das outras, protegendo suas individualidades. Esse
processo atual pode ser um problema, principalmente quando consideramos o
contexto escolar com a proposta de incluir pessoas consideradas diferentes. A
pesquisa da tese de Mitsumori (2005) demonstrou, por meio de entrevistas com
professoras universitárias que ministravam disciplinas em Educação Inclusiva,
que efeitos inclusivos, ou seja, não segregativos, podem surgir quando se pode
salientar e atentar para a particularidade dos alunos.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

O processo de reconhecimento do outro passa pela identificação da


diferença. Podemos recorrer à Freud (1925) em seu ensaio sobre A negativa, uma
distinção importante que o psicanalista faz entre o que viria a ser o eu e o outro. O
movimento de uma primária identificação acontece quando eu realizo a negação
daquilo que eu não reconheço como sendo meu. Nesse movimento, primeiro eu
expulso a ideia do que eu não reconheço como meu, para reter somente o que
reconheço como sendo eu. Ao demarcar negando o que aparece como “não eu”,
realiza-se uma afirmação do “eu”. Nesse sentido, eu acolho aquilo que reconheço
como semelhante e expulso o diferente. Quando alguém me nota, seja pelo que
tenho de diferente ou de semelhante, sou reconhecido. Todavia, o que o outro diz
de mim é o que sou?

FIGURA 4 – CRIANÇA RECONHECENDO-SE NO ESPELHO

FONTE: <https://lh3.googleusercontent.com/N5ezz_
hOH1KfN8wk4Rn5iIw9eVJHmyqrpNI95E0AY0n219axzsg2H_
qStUrprusclXDkUQ=s128>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Para se estabelecer relações contidas de elementos simbólicos significativos,


renuncia-se, em alguma medida, de elementos individuais para partilhar,
quer dizer, nós aceitamos as regras sociais, realizamos trocas nas relações
interpessoais, e, com isso, saímos de um lugar restrito só a nós mesmos. Esse
processo civilizatório de educar e de promover a inserção dos indivíduos no
campo social, implicará nas relações intersubjetivas que não existem sem a
diferença entre seus participantes e ele acontecerá primeiro na família.

Como vimos com o caso do “Menino selvagem”, tratado por Itard, a busca
desse educador foi tanto por tentar expulsar a “selvageria” do menino, quanto
em reconhecer algo do qual ele não ainda sabia. Ao assistir ao filme, você verá
que Itard não teve problemas quanto aos instrumentos que criou e que tinha
disponíveis para realizar os treinamentos e a integração da criança ao processo
civilizatório, mas esbarrou na singularidade dela, entre o que ela demonstrava

64
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

querer ou não fazer, ou entre o que ela conseguia assimilar ou não. Victor
demonstrou aprender, em certa medida, o que lhe foi transmitido, de acordo com
suas condições, mas Itard queria que ele respondesse exatamente da forma que
ele esperava. Será que não é o que vemos acontecer em muitas salas de aula?

Com as crianças autistas vemos como a reprodução estereotipada e


o interesse especial por objetos parecem materializar o insabido, por seus
próprios movimentos reiterados e repetitivos, evocando naqueles que com elas
trabalham, muitas questões. Afinal, “por que essa criança fica repetindo um
mesmo movimento com as mãos? Ou só fica com o mesmo objeto para todos os
lugares?”, alguns questionam.

FIGURA 5 – CRIANÇA AUTISTA COM ESTEREOTIPIAS TIPO “FLAPPING”

FONTE: <https://www.revide.com.br/media/
cache/8d/32/8d320f13a485568da4631a056740d5e4.jpg>. Acesso em: 22 jun. 2020.

A criança autista pode consentir ao campo simbólico, ou seja, ao campo


social com suas regras e leis que conferem organização e limites para todos,
realizando uma diferenciação mínima entre si, o outro e os “objetos autísticos”,
mediadores, chegando até mesmo a produzir o ato de fala e de escrita. Dessa
maneira, as suas estereotipias e a insistência pela imutabilidade podem ser, por
ela, tratadas para além dos automatismos. Ao supor que seus atos podem ser
lidos, ou seja, compreendidos, os professores e a família podem comparecer,
oferecendo inéditas distinções aos elementos com que a criança já apresenta,
ofertando às crianças meios para que possa se exprimir e construir o seu
aprendizado (NEVES, 2018).

Lajonquière (2001) sublinha que o processo de educar significa “transmitir


marcas simbólicas”, essas que a própria família o faz. Para que a criança se torne
um sujeito, ela primeiro precisará ser adotada e reconhecida por sua própria
família como um familiar e não como uma estrangeira. Para as famílias que têm
crianças com autismo, esse processo poderá ser mais complexo, e elas podem
precisar do apoio de terapeutas e da escola neste caminho de inclusão da criança
em seus distintos âmbitos.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Neste ponto, você pode questionar: “mas, como é o processo de aprendizado


para crianças com autismo? Como de fato podemos realizar uma Educação
Inclusiva?”.

FIGURA 6 – CRIANÇAS EM AULA DE MUSICALIZAÇÃO

FONTE: <https://lh3.googleusercontent.com/p/AF1QipMMCwmQvFTpu9Un9aKm3-
SV-nz1aGRzvYSM8PZ8=s1280-p-no-v1>.

2.3 O AEE E O APOIO ESCOLAR


Retomaremos de forma mais acurada os conceitos do AEE e de Apoio
Escolar.

A escola, junto às famílias, poderá participar de maneiras diversas e com


seus recursos no reconhecimento das crianças com autismo, a partir do que elas
apresentam, no modo como são, contribuindo para promover suas habilidades. O
processo de aprendizado das crianças autistas pode ser diferenciado ao de outras
crianças, devido as suas específicas características, quais sejam:

• compreende o mundo e as coisas em sua forma literal, tem dificuldade


com o que é subjetivo e metafórico,
• às vezes não compreende as emoções e expressões faciais;
• prefere realizar pareamentos entre imagens e palavras (signos);
• é muito bom em realizar seriações e memorização de assuntos
específicos, principalmente de seu interesse;
• pode ser hipersensível ao toque e a sons (por isso o mediador escolar
deverá ficar atento aos momentos em que a criança se sentir angustiada,
intervindo, ajudando-a);

66
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

• pode ter certa dificuldade em ceder aos seus objetos prediletos e a


realizar trocas, algo que a escola poderá promover de forma muito
criativa, principalmente por contar a presença de outras crianças que
podem ajudar nesta mediação.

É importante considerar, portanto, que recursos como o AEE e o Apoio


Escolar não são benefícios à criança autista, mas, são, sobretudo, um direito
previsto em Lei, como vimos. Sendo assim, falamos de direitos que a criança
autista tem e dos deveres que a escola precisa cumprir.

Falaremos um pouco mais sobre esses dois recursos, lembrando que foram
pensados como recursos educacionais e não clínicos.

FIGURA 7 – PROFESSORA FAZENDO USO DE COMUNICAÇÃO


ALTERNATIVA COM ALUNO NO AEE

FONTE: <https://institutoitard.com.br/wp-content/uploads/2018/06/comunicacao-alternati-
va-1-800x400.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Com Batista e Mantoan (2006, p. 9), consideramos que o AEE:

• Deverá acontecer em contraturno escolar, como complemento da


educação regular.
• Tem que adotar objetivos e metas educacionais distintos e que atendam
às necessidades dos alunos.
• Precisa estar disponível em todos os níveis de ensino e nas unidades
escolares.
• As ações deverão se definir em conformidade com a condição da criança,
então, os professores poderão utilizar de recursos como o TEACCH,
PEC’s para estabelecer uma rotina e um meio de comunicação com a
criança.
• Utilizar recursos tecnológicos, como a informática, tablets, notebooks
etc.

67
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

• Os professores deverão ter formação em pedagogia com formação


específica para atender a criança autista, mantendo educação
continuada.
• Importante ter uma sala de recursos.
• Os pais precisarão compreender a finalidade do AEE como recurso
educacional ao desenvolvimento da criança autista, aceitando-o e
incentivando-o.

O AEE se destina aos alunos com deficiência física, intelectual, visual,


auditiva, múltiplas, transtornos do espectro autista (TEA) e também a alunos com
altas habilidades/superdotação. É interessante que os educadores mantenham
contato com as famílias dos alunos autistas, em reuniões, por exemplo, para que
possam realizar trocas, conversando sobre a evolução na aprendizagem destes
alunos.

Acadêmico, indicamos o vídeo Entrevista Maria Teresa Mantoan/


Revista Educação, a pesquisadora em Educação faz uma fala a
respeito da Educação Inclusiva, publicado em 16 de abril de 2015, no
link: https://www.youtube.com/watch?v=d_gLi-JIviA.

A respeito do Apoio Escolar, podemos configurá-lo como um recurso relevante


na promoção da inclusão da criança autista na escola. A solicitação para o Apoio
Escolar é feita pelo médico que acompanha a criança, identificando, justificando
e explicando a sua necessidade, qual seja, quando a criança não mostra ainda
condições de realizar e participar das atividades escolares de forma autônoma. A
escola, sendo pública ou privada, deverá conceder esse direito. Será o mediador
responsável por acompanhar a criança em todos os ambientes da escola, fazendo
suporte desde a sua em sala, durante as aulas e na saída, buscando promover o
seu desenvolvimento com autonomia.

Sendo assim, o professor mediador deverá realizar um trabalho de forma


que a criança possa ir ficando independente dele para realizar suas atividades
escolares. Certamente, com cuidado, manejando as situações com a criança, de
forma que ela possa aprender a responder de forma segura às diversas situações.

Para a realização das atividades, é interessante que a escola venha ofertar


ao mediador acesso ao projeto pedagógico, ao que foi planejado para o ano

68
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

escolar, e que ele possa ser apresentado à família em uma reunião, em que ele
poderá saber dos pais como é a criança, suas preferências, dificuldades, o que e
como pode-se agir em momentos de crises. Os pais poderão fazer parceria com o
mediador escolar o processo de adaptação até que a criança se sinta segura em
estar com aquele novo professor.

Importante salientar que não existe um único e finalizado manual sobre


como fazer um trabalho com a criança autista. Estamos apresentando recursos
que possam ampliar o trabalho escolar com as crianças autistas, mas é sempre
importante ressaltar que cada criança é única, mesmo que tenham características
marcantes, semelhantes e específicas ao autismo. A própria criança indicará
aos professores, aos pais e profissionais especialistas em como lidar com ela. O
seu modo de aprender poderá ser alcançado de muitas maneiras, como através
da comunicação alternativa, de imagens por palavras, pela escrita, leitura de
livros com assuntos claros, com sentido objetivo, ligados ao seu contexto, uso
de fichas de números às aulas de matemática, enfim, a sala de recursos para o
AEE e o Apoio escolar são instrumentos ofertados à criança autista como meios
alternativos para seu processo de aprendizagem.

FIGURA 8 – SALA DE RECURSOS COM ALUNOS DO AEE

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcTE489FX
mXsI4F8D0OI9hwx48zvADWe4Jq-yg&usqp=CAU>. Acesso em: 22 jun. 2020.

O profissional que atua como Apoio Escolar participará de forma ativa no


processo de inclusão da criança em sala de aula, mediando as relações com os
professores e os colegas, permitindo que a criança possa estabelecer interação
com os pares e os adultos. Cabe salientar que seu trabalho não é o de substituição
do professor, nem somente de adaptação de atividades escolares à criança,
mas contribui para a comunicação entre as partes, auxiliando nas interações e
aplicações didáticas.

69
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 9 – PROFISSIONAL COMO APOIO ESCOLAR À CRIANÇA AUTISTA

FONTE: <https://pacs.ou.edu/media/filer_public/fc/9e/fc9ef24d-d68d-4d77-b0ec-
55802f60113e/registered-behavior-technician.jpg>. Acesso em: 22 jun. 2020.

Conforme Mantoan (2003), a escola precisa ser um lugar em que os alunos


tenham condições e oportunidades de aprender segundo a sua capacidade.
Ensinar é dar conta de uma escola (os seus representantes, professores, pais,
alunos) que faz com que o aluno aprenda na sua medida e segundo as suas
capacidades.

Para conferir mais informações sobre a Educação Inclusiva e


outros artigos interessantes sobre educação, confira no site www.
revistaeducacao.uol.com.br.

Junto da criança, o trabalho com os pais nesse processo será imprescindível,


e poderá, principalmente, contribuir com o restabelecimento do saber deles sobre
o filho. Ao permitir a inclusão da criança no processo educacional, a escola pode
restaurar o narcisismo perdido dos pais, quer dizer, recuperar sonhos e ideias
muitas vezes perdidas com o impacto do diagnóstico de autismo. Não são poucos
os pais que temem que seus filhos com autismo ficarão dependentes por toda a
vida, ou de que não conseguirão aprender e acompanhar as atividades regulares
da escola. Todavia, hoje, podemos contar com leis que protegem essas crianças
e, como vimos, com recursos para a inclusão das crianças.

70
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

Esperamos que até este ponto você possa ter entendido que a Educação
Inclusiva se propõe a ser uma quebra de paradigmas em nosso modo usual
de pensar o processo do educar. Não se propõe uma integração da criança
às normas de forma a torná-la uma criança dita normal. A Educação Inclusiva
indica uma mudança de pensamento provocando em nós repensar o modo como
tratávamos a educação, como se ela só fosse possível entre iguais e não entre os
diferentes, sendo estes não somente as crianças com deficiências e/ou autismo,
mas também aquelas crianças que passam por outras diversas dificuldades.

Desse modo, exigem-se das instituições escolares mudanças, precisando


adaptarem-se à nova proposta de forma a acolher estas crianças, senão o
processo se tornará impossível. A Educação Inclusiva pode tornar as relações
intersubjetivas mais igualitárias e menos discriminatórias, ao se estabelecer de
forma mais aberta no acolhimento das diferenças. Novas ideias e perspectivas
podem ser criadas e concretizadas.

1 De acordo com o que você aprendeu até aqui, assinale a alternativa


CORRETA sobre o processo de implementação da Educação
Inclusiva:
a) ( ) A Educação Inclusiva no Brasil define que a criança autista
tem direito na escola a utilizar a sala de recursos para realização
do AEE e ter a mediação de um professor como Apoio Escolar
durante as atividades regulares.
b) ( ) Os pais não precisam conversar com os educadores no
processo de inclusão da criança na escola regular.
c) ( ) O mediador escolar nada mais é que um substituto do
professor em sala de aula.
d) ( ) As crianças autistas não têm condições de estudar em escola
regular e o melhor seria a Educação Especial.

71
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

4 EDUCAR TAMBÉM É TRATAR?


REFLEXÕES ACERCA DA
PARTICIPAÇÃO DA ESCOLA NO
PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO
PSÍQUICA E DESENVOLVIMENTO DE
CRIANÇAS COM AUTISMO
Estamos vendo, neste capítulo, que a Educação Inclusiva vem permitir a
constituição dos laços sociais e uma vivência escolar das crianças autistas ao
propor uma não segregação de pessoas. Desse modo, pode permitir a assunção
de subjetividades. Todavia, o que seria isso?

A psicologia do desenvolvimento pode nos ajudar. Essa linha de pesquisa da


Psicologia afirma que a interação social é a base da construção do indivíduo, e é
no contexto das relações sociais que a linguagem, o desenvolvimento cognitivo
e o reconhecimento de si e do outro advém (BERNARDINO, 2007). Tendo
esse entendimento, a criança com distúrbios psíquicos, com deficiência ou com
autismo pode muito se beneficiar da inclusão escolar. A escola emerge como um
instrumento que pode operar de forma terapêutica, uma vez que oferta um novo
lugar de estabelecimento de laços entre indivíduos.

Tentaremos explicar! Na medida em que as crianças autistas e/ou com


deficiência são convocadas a comparecer, a ser e a estar enquanto alunos,
seus comportamentos e atos poderão ser remodelados, através das interações
sociais estabelecidas. Podemos dizer, neste rumo, que a inclusão poderá
ensejar efeitos subjetivantes nas crianças: pela convocação ao enlace social e
por considerar sua presença marcante em seu modo único de ser elas podem
comparecer comportando-se de modos diferentes e mais adaptados. A Educação
Inclusiva ao fazer a proposta e aposta de que as crianças autistas são sujeitos
com possibilidades de serem ativos e capazes, pode ver por seus efeitos um
avanço quanto ao desenvolvimento neuropsicomotor dessas crianças. As suas
famílias certamente poderão nos atestar disso, principalmente às que puderam
ser inseridas na escola desde a educação infantil, nos ditos “jardins de infância”.

72
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

4.1 EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS


ENTRE O EDUCAR E O TRATAR
Maud Mannoni (1923-1998) foi uma psiquiatra francesa reconhecida pelo seu
trabalho na Escola Experimental Bonneuil-sur-manne com crianças consideradas
“inclassificáveis” ou apresentando psicopatologias graves. Em seu livro, A criança
retardada e a mãe (1964), Mannoni descreve como é complexa a relação das
mães com seus filhos com algum diagnóstico de psicopatologia, síndromes ou
comprometimentos mentais.

A partir da experiência no trabalho e acompanhamento dessas crianças e


adolescentes considerados “inclassificáveis”, e suas famílias, Mannoni notou que
alguns desses alunos não apresentavam grandes evoluções no desenvolvimento
e no aprendizado, não pela sua condição de pessoa com deficiência motora ou
síndrome mental, mas por certa alienação subjetiva de dependência dos pais.

A alienação subjetiva significa uma aderência ou alheamento a uma outra


pessoa, no caso do que estamos estudando, a alienação aos pais acontece em
um primeiro momento com o bebê, total dependente do cuidado dos pais. Estes
concedem cuidado e oferta de um saber sobre a existência da criança, definindo
e nomeando seus movimentos, como quando a criança vai se alimentar, o que
vestir, coordenam seu sono. A criança virá a demonstrar essa alienação, quando
acaba por se aderir ao que eles dizem, respondendo a partir do lugar subjetivo em
que é colocada.

Mannoni (1999) alertava para a importância da escuta e do cuidado para


com as famílias, no processo de tratamento e de inclusão escolar dos filhos. Não
se pode desconsiderar que as crianças são partícipes de uma história familiar
enquanto sujeitos, e que uma criança, para existir enquanto sujeito social,
precisará existir primeiro nas ideias, sonhos e expectativas da mãe e do pai (dos
cuidadores primários) e, independentemente de qualquer diagnóstico prévio, a
criança ocupará um lugar no desejo e nas fantasias dos pais.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 10 – MAUD MANNONI

FONTE: <https://media.gettyimages.com/photos/maud-mannoni-writer-in-france-
on-january-21-1988-picture-id110148892>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Aqui na América do Sul, contamos com a experiência de importantes


trabalhos. Em Buenos Aires, com a neuropediatra Dra. Lydia Coriat e, em São
Paulo, com a Pré-escola terapêutica Lugar de Vida, coordenado pela psicóloga
Dra. Maria Cristina Kupfer.

FIGURA 11 – DRA. LYDIA CORIAT

FONTE: <http://www.lydiacoriat.com.ar/libro/img/g005.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

A Dra. Lydia Coriat atendia crianças com problemas no Hospital de Niños e


deu início a um trabalho com equipe interdisciplinar, entendendo que apenas os

74
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

conhecimentos médicos da neurologia não seriam suficientes para o tratamento


das crianças com deficiência mental. Seus estudos a respeito da clínica com
crianças tiveram início com a psicologia genética de Piaget até chegar à
psicanálise. Com o aumento do interesse e a demanda pelos atendimentos, o
Centro Lydia Coriat foi criado. Há mais de trinta anos essa instituição se dedica
ao tratamento de crianças com problemas de desenvolvimento e participa da
formação de profissionais da saúde e educação neste trabalho em equipe
interdisciplinar, tendo como eixo a psicanálise.

Para conferir mais informações dessa instituição, confira em


www.fepi.org.ar e http://www.lydiacoriat.com.ar/libro/galeria.html.

Os trabalhos da Dra. Maria Cristina Kupfer com o Lugar de Vida (hoje


denominado Centro de Educação Terapêutica Lugar de Vida) se iniciaram
no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) em 1990,
enquanto um serviço do Departamento de Psicologia. Diante da crescente
demanda de tratamento e orientação educacional às crianças com problemas
no desenvolvimento, de aprendizagem e com Transtornos globais do
desenvolvimento, criou-se após cinco anos de trabalho, a Pré-escola terapêutica
Lugar de Vida. Kupfer (2000) e os profissionais do Lugar de Vida entendem que
se pode estabelecer um trabalho com essas crianças em que o educar pode
tratar, e o tratar pode educar, atrelando psicanálise e educação em conjunto no
acolhimento, reabilitação e promoção do desenvolvimento e constituição psíquica
de crianças e adolescentes com autismo, síndromes ou deficiências.

O trabalho do Lugar de Vida inclui atendimentos individuais, em grupo, da


primeira infância à adolescência, mantendo constante o olhar curioso e aguçado
às pesquisas em psicanálise e educação em equipe multidisciplinar. Hoje
o trabalho se estendeu para além da USP, cresceu e ampliou suas atividades
abarcando inclusive diferentes classes socioeconômicas, mas prossegue com as
pesquisas na USP, contando com publicações científicas na Revista Estilos da
Clínica, junto ao LEPSI (Laboratório de Estudos e Pesquisas Educacionais sobre
a infância – Instituto de Psicologia e Faculdade de Educação/USP).

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 12 – PROFª. DRA. MARIA CRISTINA KUPFER

FONTE: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/
foto/0,,55627414,00.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Para conferir mais informações dessa instituição, confira em


www.lugardevida.com.br.

Pode-se dizer que as duas experiências compreendem a criança como


sujeito em desenvolvimento e constituição de suas funções, estabelecendo-se
enquanto ser de desejo. Bernardino (2007, p. 52-53) salienta que,

Desde os testes aplicados às técnicas de reeducação, aos


aparelhos mais sofisticados, o indivíduo é dividido em partes
e atendido por vários profissionais que se ocupam cada qual
de sua especialidade, visando ao distúrbio em si. A dimensão
de sujeito da criança com alguma deficiência é parcial ou
totalmente ignorada. Sua história, as particularidades de sua
vida, seu desejo, não são levadas em conta. Ela se transforma,
ao contrário, em objeto de cuidados: é de sua inteligência que
se trata, de seus movimentos, de sua audição, de sua fala. Não
lhe perguntam o que ela quer, com o que sonha, o que sente,
qual é sua história, quais poderiam ser seus projetos de vida
[...]. Como se inserem esses processos de reabilitação na vida
de alguém que não sabe de si, que ocupa o lugar de objeto de
cuidados e só tem lugar através de sua deficiência? O desejo
que conta é sempre o do outro, suposto o único desejante
na relação: são os pais que querem que ele aprenda a ler e
a escrever, é a professora que quer que ele se comporte na
sala de aula, é a sociedade que quer que ele se adapte. Que
espaço há para trabalhar o desejo da criança, do adolescente
com deficiência, diante desses chamados que recebe? Como
se reabilitar, quando se tem, por exemplo, como único lugar
de identificação o do deficiente, daquele que nada sabe, nada
quer, nada pode?
76
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

A autora nos estimula a refletir sobre a criança com autismo e/ou deficiência,
em qual lugar devemos colocá-la, se como objeto de cuidados somente para ser
treinado ou como indivíduo capaz de aprender e se desenvolver a partir do que
deseja e do que assimila. Faz-se urgente pensar quais crianças e adolescentes
queremos formar como cidadãos adultos no futuro, como autônomos e
independentes ou como eternos incapazes e alienados?

Maud Mannoni (1999) sublinha que as diferentes formas de reeducação,


quando não aplicadas, não tem sentido caso a criança dela não se beneficie
apresentando-se como indivíduo autônomo e responsável. A autora nos sinaliza
que, muitas vezes, o nosso olhar fica restrito à realidade do quadro clínico e do
que a criança não conseguirá fazer, de suas incapacidades, mas que ao nos
mirarmos em suas qualidades e características poderemos ajudá-la, incluindo-a e
promovendo suas habilidades.

Os profissionais da educação e da saúde poderão permitir aos pais


retomarem os sonhos perdidos com o diagnóstico e todas as dificuldades
encontradas no caminho. Sendo assim, esse processo de inclusão da criança na
educação promoverá a reinclusão dos sonhos e ideais imaginados pelos pais, ao
vê-la caminhando com possibilidades reais de desenvolvimento.

A educação e suas insígnias podem ter um papel significativo que


reverberará no tratamento das crianças autistas. A proposta escolar de inseri-
las em uma rotina, com regras, concedendo limites, poderá conferir organização
às suas manifestações, promovendo a inclusão destas crianças no discurso
social, tratando-as. Nesse sentido, a educação pelos seus próprios meios poderá
promover o “tratamento” dessas crianças, ao retirá-las do lugar de incapazes,
fomenta e participa do processo de desenvolvimento psicomotor e de constituição
psíquica destas.

FIGURA 13 – CRIANÇA APRENDENDO

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcSV1931FdH-
fE_8aoDZNvUru4DmpZcNNbpmAFg&usqp=CAU>. Acesso em: 23 jun. 2020.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Com vimos no Capítulo 1, a atualidade da neurociência nos informa que todos


somos capazes de aprender. Nossas conexões neuronais se estendem diante
das estimulações e intervenções terapêuticas e educacionais. A neuroplasticidade
cerebral que permite isso. Essas intervenções, quando aplicadas em um
contexto repleto de significações e, ao despertar o interesse da criança, quer
dizer, convocar a sua atenção, novas conexões podem se estabelecer e assim
promover a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades. Sabe-se que, em
certos casos, as intervenções terapêuticas podem ser eficazes de modo a até
mesmo redefinir estruturas cerebrais antes lesionadas.

Confira a palestra da Profa. Dra. Leonor Guerra, pesquisadora


da UFMG, que realiza uma importante discussão muito atual
sobre Neurociência e educação, no link: https://www.youtube.com/
watch?v=zpC0bldPx0k.

Para complementar seus estudos, leia o artigo, Neurociência


e o déficit intelectual: aportes para a ação pedagógica, de Marlene
Cabral de Souza e Cláudia Gomes, na Revista Psicopedagogia, v.
32, nº 97, São Paulo, 2015, no link: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862015000100011.

A partir do que foi estudado até o momento, discuta, com


seu tutor: como a educação pode conferir efeitos de tratamento e
promoção ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança com
autismo?

78
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

5 COMO TRABALHAR EM
PARCERIA: A ESCOLA E A FAMÍLIA
ALCANÇANDO NOVOS SABERES,
NOVAS POSSIBILIDADES
Esperamos que, até este ponto, você tenha aproveitado um pouco do
que trouxemos a respeito da Educação Inclusiva para crianças com autismo.
Entendemos que este trabalho só acontecerá com a participação de todos os
principais atores do processo de inclusão escolar: a escola, a família, a sociedade
civil e os próprios indivíduos com autismo. Será que podemos retomar como ponto
de partida a reflexão acerca de concepções prévias que temos sobre: o educar e
o aprender? O que seria educar e aprender?

Educar significa transmitir saberes e valores a alguém, não restringindo-se a


um conteúdo programático, como comumente se poderia pensar, principalmente,
na pedagogia. O ato de educar inclui a transmissão de saberes éticos, morais,
sociais, os quais se conjugam para a formação humana do aluno/aprendiz.
Quando ensinamos algo, instruímos a pessoa a seguir um caminho. Todavia, qual
seria a diferença entre educar e cuidar?

Cuidar de alguém certamente envolve a transmissão simbólica de algum


saber. Se pensarmos em um bebê, ele carece de cuidados essenciais vindos
de uma pessoa adulta para que sobreviva, pois não tem ainda maturação para
cuidar de si. Não somos como as plantas que ao brotarem só necessitam da
luz solar, terra e água para seu crescimento espontâneo. Os seres humanos,
ao contrário, nascem prematuros e precisam de cuidados básicos até que
alcancem maturidade e autonomia para poderem cuidar de si mesmos. Espera-
se que nossa dependência primária de cuidados básicos acarrete um segundo
momento de assimilação da criança. Ela demonstrará o que aprendeu com os
cuidados dos seus pais, por exemplo, demonstrando conhecimento das funções
de seu corpo, coordenando-o, ou quando tentará tomar banho sozinha, se vestir,
ou mesmo quando a criança simula dar comida para suas bonecas. A criança
repete o que aprendeu, demonstrando autonomia e estabelecimento de funções,
mas a sua maneira única de ser. No entanto, cuidar de alguém não envolverá
fundamentalmente estabelecer um processo educativo de ensino formal, tal como
o escolar, embora exista a transmissão de saberes simbólicos.

79
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 14 – CRIANÇA BRINCANDO COM UMA BONECA

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcTaoNEk7a
ZHwns9QBBI6ooxBT4YChDh-QAd0Q&usqp=CAU>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Freire (2000, p. 12, grifo do original) nos ajuda a compreender que:

ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as


possibilidades para a sua produção ou a sua construção [...].
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. Por
isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é
um verbo transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto direto
– alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém [...]. Ao
ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes
foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por
outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o
conhecimento existente quanto saber que estamos abertos
e aptos à produção do conhecimento ainda não existente.
Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos
do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o
conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção
do conhecimento ainda não existente.

Nesse sentido, podemos analisar que o ato de educar tem em seu seio o ato
de ensinar, contido de cuidado, e que provoca a produção de um saber único no
aprendiz.

80
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

FIGURA 15 – PAULO FREIRE

FONTE: <https://cdn.brasildefato.com.br/media/86670680141b115f3518b6f8b9530870.
jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Sobre o aprender, podemos situar como um processo em que habilidades,


valores e competências são adquiridos, a partir de um conhecimento e um saber
que foi transmitido (COLE; COLE, 2003). Sabe-se que nossa condição humana,
cerebral, está apta e capaz para adquirir conhecimento. Podemos aprender de
diversas maneiras, como raciocinando, observando, criando hábitos de estudo ou
mesmo através da vida prática. Considerando tudo isso, nossa capacidade de
aprender está além da capacidade intelectual.

Precisamos estar motivados e estimulados a aprender algo novo, e o ambiente


em que estivermos será fundamental neste processo. Recorrendo à Piaget, que
discorre sobre o processo de aprendizagem construtivista, o pesquisador
acreditava que as crianças são ativas e capazes de aprender (COLE; COLE,
2003). Para ele, as crianças buscam assimilar suas experiências que vivenciaram
em seu ambiente para se adequarem aos seus esquemas mentais existentes,
quer dizer, às formas em que o conhecimento se estruturou. A criança faz uma
espécie de conformação das experiências, ajustando-as aos seus esquemas
mentais. Essas experiências precisarão ser acomodadas mentalmente sobre os
esquemas estabelecidos, para que a criança se adeque melhor ao ambiente em
que se encontra. Nesse interjogo entre assimilação e acomodação, as crianças
poderão construir de forma ativa maiores e melhores níveis de desenvolvimento
cognitivo. Este movimento pode acontecer durante toda a nossa vida.

Os processos cognitivos são “processos psicológicos através dos quais as


crianças adquirem, armazenam e usam conhecimento sobre o mundo” (COLE;
COLE, 2003, p. 206). Esses processos se desenvolverão junto do tipo de apoio
bem específico dos adultos às crianças. É o que Vygotsky (COLE; COLE, 2003)
denominou de zona de desenvolvimento proximal, uma espécie de lacuna

81
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

existente entre a criança e os adultos, entre o que elas conseguem realizar


independentemente deles e quando realizam com o apoio dos adultos. O termo
proximal nos informa de alguém próximo que proporciona uma ajuda além do que
a criança poderia alcançar em sua atual competência, o que não significa ensinar
à criança um comportamento de forma direta. O adulto precisará estar atento e
sensível às habilidades e capacidades da criança e ao que ela estiver tentando
operar.

FIGURA 16 – LEV VYGOTSKY

FONTE: <https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/
bEfDZ4fKF4EzWjTxYmCfnAQj65PpJ7hSXxgTaVrJRyGwg4tK6W2ScKdxX2yM/
lev-vygotsky.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Partindo do que estudamos até o momento, responda de forma


reflexiva as seguintes questões e depois as discuta com seu tutor:
• Será que podemos inferir e trazer estas teorias à nossa prática
com as crianças com autismo na escola?
• Se sim, como a escola poderia fazer parceria com a família?

82
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

6 COMO REALIZAR A EDUCAÇÃO


INCLUSIVA EM PARCERIA COM A
FAMÍLIA?
Figueira (2017, s.p.) nos adverte:

A integração entre pais e profissionais é fundamental


porque ninguém, além deles, conhece melhor o seu filho.
São os pais que convivem 24 horas por dia e aglomeram
informações valiosas para o aperfeiçoamento do processo.
Esta colaboração traduz-se num incentivo muito grande aos
profissionais, estimulando-os a lidar com estas crianças. Este
entrosamento é primordial para que ambas as partes (pais e
professores) encontrem a melhor maneira de tratamento para
a educação da criança. Esta, por sua vez, observando a união
entre eles, vai se sentir melhor e terá maior confiança naqueles
profissionais que a assistem.

Emílio Figueira é um conhecido psicólogo educacional no Brasil, autor de


diversos livros a respeito da Educação Inclusiva e a importância da participação
ativa das famílias. O seu histórico de vida em muito nos toca, pois ele mesmo
vivenciou o que significa ser um aluno de inclusão escolar. Emílio sofreu asfixia
durante o parto e teve como sequela uma paralisia cerebral, que comprometeu o
aspecto motor de sua fala e movimentos. Durante a década de 1970 entrou para
uma instituição de ensino especial para reabilitação a pessoas com deficiência,
mas aos 11 anos foi transferido para o ensino regular, o que gerou um divisor de
águas em sua vida. Ele foi muito além do esperado e hoje conta em seu currículo
com dois doutorados, é psicólogo e psicanalista, jornalista, professor universitário
autor de diversos artigos científicos e livros.

A respeito da parceria entre escola e família, Emílio Figueira (2014) salienta


que a integração entre os pais e os profissionais é fundamental, pois os pais
conhecem seus filhos. Com a chegada da escola, esse entrosamento precisa
acontecer para conferir segurança à criança quanto à escola e tudo o que ela
abarca e tem a lhe oferecer.

Acadêmico, indicamos o vídeo Sementes da minha inclusão –


um documentário de Emílio Figueira, no link: https://www.youtube.
com/watch?v=6PILogQWiWU.

83
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Como dissemos anteriormente, as crianças com autismo possuem ótimas


habilidades que podem e devem ser reconhecidas e valorizadas. Figueira (2014)
considera que cada alcance da criança com autismo ou com alguma deficiência
deve ser valorizado, pois essas pequenas conquistas ensejarão conquistas
futuras maiores. Ele aponta que as atividades diárias escolares podem ser muito
proveitosas suscitando o desenvolvimento das habilidades individuais das crianças
ao desenvolvimento de suas capacidades intelectuais. O autor lembra de Howard
Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard, que pesquisou a visão tradicional
do conceito de inteligência e defendeu que todas as pessoas são capazes de
aprender, pois temos inteligências múltiplas. Ele defendeu em seus estudos a
existência de pelo menos sete diferentes inteligências: inteligência linguística,
musical, lógico-matemática, espacial, cinestésica, interpessoal, intrapessoal. Para
o pesquisador, utilizamos das múltiplas inteligências e realizamos combinações e
organizações entre elas, utilizando-as de forma a resolver problemas, aprender
ou inventar novas coisas.

FIGURA 17 – HOWARD GARDNER

FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/wp-content/uploads/2019/07/
howard-gardner-750x430.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Podemos refletir, partindo dessa teoria, que as pessoas podem aprender um


mesmo tema de distintas maneiras, por exemplo, para uma criança o processo
de aprender as operações de soma e subtração podem ser rápidas, o que não
significa que seu colega que ainda não aprendeu, tão rápido quanto ela, não irá
aprender, mas que poderá utilizar outros recursos a partir de outra inteligência.
Figueira (2014), considera que:

• A criança pode aprender por meio de uma abordagem distinta.


• Pode ter habilidades grandes em outras áreas.
• Pode estar pensando e apreendendo o estudo de forma distinta, mais
reflexiva e analítica, e mesmo pensando além do exposto.

Esses autores nos ajudam a considerar que as pessoas aprendem de formas

84
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

distintas e variáveis. Somos diferentes não somente em nossa aparência, mas


temos perfis cognitivos e neurobiológicos distintos, processamos informações
de maneira única e as manifestamos de acordo com a nossa subjetividade.
Considerando isso, um estilo tradicional de educação pode impedir que diferentes
e maravilhosas habilidades emerjam, não estamos falando somente das crianças
com autismo, mas de outras crianças de um modo em geral.

Examinar a possibilidade de adaptar as atividades, adequando-as ao aluno


com autismo poderá ser uma das alternativas a ser executada com a parceria
da família. É essencial que a família compreenda que a escola, tal como os
tratamentos, não resolverá todas as questões concernentes ao processo de
aprendizagem das crianças autistas. Além do mais, as atividades escolares
se estendem ao ambiente familiar, precisando que os pais se responsabilizem
no acompanhamento e execução dessas atividades, indo até além do proposto,
podendo mesmo propor ou comunicar os educadores dos avanços e dos impasses
encontrados.

Outro ponto fundamental na parceria escola-família é de realizar tarefas


concernentes ao ambiente, vida social e comunitária das crianças. As reuniões
de pais poderão ser momentos de grandes ideias e de trocas de informações
e de aprendizado familiar. Outro momento essencial, poderão ser as datas
comemorativas do calendário escolar, que fazem interlocução com a vida social
e cultural, em que a criança está inserida. É interessante que a escola busque
incluir a criança autista nesses momentos, como as festas juninas, o dia dos pais,
dia das mães, festas de fim de ano, e outras datas consideradas importantes em
nossa cultura e que podem ser momentos oportunos de aprendizado a todos os
partícipes, mas principalmente para as crianças.

Pode-se, ainda, sugerir aos pais a realização de atividades


extracurriculares e educacionais em casa. Importante que a escola busque
grupos e rede de apoio a ela e às famílias, e que os profissionais de saúde
possam estar abertos em atender a família e a escola no processo educacional
das crianças e que, em contrapartida, a escola também esteja aberta ao diálogo e
apoio às famílias.

85
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 18 – CRIANÇA ESTUDANDO

FONTE: <https://fatherly.com/wp-content/uploads/2016/04/980x-209.
jpg>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Será que poderia haver projetos inclusivos que a escola poderia propor junto
à comunidade escolar (famílias, rede de apoio, educadores, alunos)? Mantoan
(2003, p. 33) salienta:

Não se pode encaixar um projeto novo, como é o caso da


inclusão, em uma velha matriz de concepção escolar – daí
a necessidade de se recriar o modelo educacional vigente.
As escolas que reconhecem e valorizam as diferenças têm
projetos inclusivos de educação e o ensino que ministram difere
radicalmente do proposto para atender às especificidades dos
educandos que não conseguem acompanhar seus colegas de
turma, por problemas que vão desde as deficiências até outras
dificuldades de natureza relacional, motivacional ou cultural
dos alunos. Nesse sentido, elas contestam e não adotam o
que é tradicionalmente utilizado para dar conta das diferenças
nas escolas: as adaptações de currículos, a facilitação das
atividades e os programas para reforçar aprendizagens, ou
mesmo para acelerá-las, em casos de defasagem idade/série
escolar.

A escola pode se tornar um ambiente motivador e realmente educativo no


estabelecimento das relações mais humanitárias, que valoriza os tropeços e erros,
entendendo que ela é um apoio ao desenvolvimento das crianças com autismo e
a todas.

Talvez você esteja se perguntando: isso tudo não é utopia? Sonhos de uma
escola ideal? Acreditamos que a escola real trata de alunos reais e a discussão da
Educação Inclusiva se amplia para além das crianças com deficiência e/ou com
autismo, pois propõe lidar com crianças reais, não forçando-as a se adequarem
a métodos prévios a todos, mas talvez temos nas mãos momento de recriar e
repensar o fazer da educação, o que não significa que seja fácil.

86
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

A construção do projeto pedagógico poderá ser um rico momento de


criar a partir de um breve diagnóstico de trabalhos anteriores realizados,
analisando e buscando encontrar pontos positivos e pontos fracos de trabalhos
desenvolvidos, compreendendo-os, definindo prioridades sobre onde atuar
a partir do estabelecimento de objetivos. Assim, a escola poderá propor novas
ações, com metas claras e responsáveis. Esse plano deverá ser exposto a toda
a comunidade escolar, ou seja, diretor, professores, coordenadores, funcionários
e pais, cumprindo com a proposta de incluir todos no fazer educativo e nas ações
da escola. Esses momentos poderão esclarecer, inclusive, sobre os recursos
humanos e materiais de que a escola dispõe, abrindo oportunidades de inovadoras
propostas.

Podemos pensar em muitas intervenções e criações inventivas no fazer


educativo com as famílias, educadores e crianças com autismo. As relações em
sala de aula poderão ser muito profícuas, como salienta Mantoan (2003, p. 37),

experiências de trabalho coletivo, em grupos pequenos e


diversificados, mudam esse cenário educativo, exercitando:
a capacidade de decisão dos alunos diante da escolha de
tarefas; a divisão e o compartilhamento das responsabilidades
com seus pares; o desenvolvimento da cooperação; o sentido
e a riqueza da produção em grupo; e o reconhecimento da
diversidade dos talentos humanos, bem como a valorização
do trabalho de cada pessoa para a consecução de metas que
lhes são comuns.

A autora pontua sobre como se pode aproveitar as relações entre as


crianças, tornando as atividades comuns momentos de compartilhar em que os
alunos poderão apoiar uns aos outros na realização das atividades propostas.
Os pais podem informar à escola como elas realizam as atividades em casa,
suas dificuldades e suas descobertas, sugerindo ações ou aprendendo com os
educadores.

Na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, a sala de aula poderá


ser repensada quanto à disposição das carteiras, como dispô-las em duplas ou
grupos, deixar painéis afixados com palavras e imagens correspondentes, como
o Quadro de Rotina e Cronogramas, a respeito do que será trabalhado durante
cada dia da semana, ou do mês, para que a criança autista possa se situar,
incluindo-se.

Você deve se lembrar do Capítulo 1, que foi dito sobre como muitas
crianças autistas têm boa capacidade de memorizar imagens e palavras, fazendo
pareamento mental entre palavra e coisa, desse modo, deixar exposto o que será
realizado promove segurança à criança, prevenindo momentos de crise. Sabemos
que podem acontecer contingências ao longo do ano escolar, e é importante

87
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

que a família e escola possam conversar, de modo que os educadores possam


readaptar as situações informando à criança com novas possibilidades sem que
ela se desoriente.

As escolas e salas de aula podem se tornar ambientes polissêmicos, plurais,


sendo favorecidos por temáticas de estudo concernentes à realidade das crianças,
que tenha ligação com a identidade sociocultural.

Outro ponto importante que escola e a família precisão alinhar quanto ao


modo da criança ser e estar nos diferentes lugares em que circula, para que o
bullying possa ser tratado ou prevenido, se pudermos assim dizer. O professor
pode aproveitar para tratar temas ligados às diferenças e sobre como lidar com
os sentimentos, desenvolvendo habilidades ou competências socioemocionais.
Atos agressivos contra alguém tentando diminuir a sua autoestima, identidade e
condição é o que podemos denominar como bullying. A escola deve compreender
que ela participa não somente do ensino de competências circunscritas a teorias
e disciplinas, mas como foi dito no início deste capítulo, educar passa por uma
extensa transmissão simbólica de valores, ética e moral.

Desse modo, buscar contemplar e compreender que o aluno é singular e


tem sua dimensão emocional pode ser aproveitado como momentos profícuos de
abertura para fala. Exercitando a escuta de uns com os outros, pode-se praticar
a empatia, algo que muitas vezes não é algo concernente somente ao sujeito
autista. Vemos correntemente atitudes não empáticas de umas pessoas para com
as outras, de forma que não se exerce o reconhecimento do aspecto emocional do
outro. Portanto, a falta de empatia pode existir mesmo em pessoas não autistas,
mas é algo que todos precisamos estar atentos.

Pletsch e Lima (2014, p. 8) nos advertem de forma contundente que:

Ao nos indagarmos sobre a constituição simbólica da criança


com autismo, deparamo-nos com um sujeito que apresenta
especificidades caracterizadas frequentemente pelo corpo
desorganizado, impulsivo, que apresenta movimentos
estereotipados e repetitivos; por uma fala ausente ou sem
sentido e com repetição de palavras; e com peculiaridades nas
interações sociais e simbolização. Parece-nos que a aparente
falta de sentidos dos gestos, das ações, da fala e das interações
tornou-se uma marca do autismo, desconsiderando-se que há
um sujeito singular e único para além desse transtorno. Portanto,
no processo de significação e inserção cultural da criança
com autismo, chamam-nos a atenção o desenvolvimento e
a aquisição da linguagem em sua função reguladora para a
organização e estruturação dessa criança. Nesse processo de
significação, torna-se fundamental observar pistas e indícios
de formas de agir dessa criança sobre o mundo, a partir de
uma linguagem que não é apenas verbal, mas é também

88
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

uma linguagem do corpo que ganha sentido, se organiza e


se constitui como um corpo simbólico, na medida em que se
apropria dos instrumentos e signos culturais e os utiliza.

Precisa ser entendido que a criança com autismo não está reduzida às
explicações e às características dos manuais médicos classificatórios, mas ela
é uma criança que tem direitos e que depende da socialização e da escola para
que seu desenvolvimento, mesmo tendo suas especificidades, possa ocorrer de
forma saudável. Se nos congelarmos ao fato de que os autistas têm dificuldades
na interação social, nós podemos correr o risco de os tratarmos com frieza
distanciando-os da relação interpessoal.

A escola e a família juntos podem fomentar a construção da amabilidade, do


reconhecimento e respeito de uns com os outros

Acadêmico, para finalizar essa seção, indicamos estes links:


https://www.autistologos.com/copia-escola-3 e https://lunetas.com.br/
educacao-inclusiva-acolhendo-criancas-com-deficiencia-na-escola/.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, você viu como a Educação Inclusiva se apresenta como
uma proposta que busca permitir novos aprendizados e estimula o respeito às
diferenças e à capacidade de sermos mais solidários. Vimos que as pessoas com
autismo têm o direto de acessar a Educação Regular, e que suas famílias poderão
participar de formas efetivas no processo da inclusão escolar, resultando na
construção de novas possibilidades e novos saberes junto com a escola. Pudemos
ver que o processo educativo pode contribuir muito com o desenvolvimento da
criança com autismo, nas habilidades sociais, na compreensão de regras e limites,
de modo que o processo de educar pode também ser uma via de acréscimo ao
tratamento da criança. Nesse caminho, a presença efetiva das famílias destas
crianças na escola será essencial à construção da inclusão, uma vez que os pais
apresentarão as dificuldades do(a) filho(a), mas, sobretudo, as desenvolturas
dele(a), contribuindo para a construção de um plano pedagógico adaptado à
criança e as suas particularidades. Nesse sentido, novas perspectivas se abrem
às crianças autistas no fazer diário da interação familiar com a escola.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Relembrando:

• Educação Especial evoluiu para a Educação Inclusiva.


• As crianças autistas têm um modo específico de aprender, e a escola
pode ser palco para promover o seu aprendizado e desenvolvimento.
• O processo de educar carrega em si aspectos do cuidar, participa do
desenvolvimento de crianças autistas, tratando-as com os instrumentos
e recursos escolares.
• A família participa de forma ativa no processo de inclusão do filho(a)
autista contribuindo com a construção do projeto pedagógico,
apresentando quem é seu filho(a), suas habilidades e dificuldades.
• Família e escola são parceiras no processo de inclusão da criança autista
e podem construir juntos novos saberes.

REFERÊNCIAS
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Guanabara, 1981.

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educação especial. Revista Estilos da Clínica, v., 7, n. 22, p. 48-67, 2007.

COLE, M.; COLE, S. O desenvolvimento da criança e do adolescente. 4. ed.


Porto Alegre: Artmed, 2003.

CORDIÈ, A. Os atrasados não existem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

FACULDADE METROPOLITANA. Estude sem fronteiras. A importância da


família no processo de educação inclusiva. 2017. Disponível em: https://www.
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São Paulo: Paz e Terra, Coleção Leitura, 2000.

90
Capítulo 2 A CRIANÇA AUTISTA, A FAMÍLIA E A ESCOLA: PARCERIAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO

FREUD, S. A negação. Tradução Marilene Carone. São Paulo: Cosac Naif


Editora, 2014.

JERUSALINSKY, A. Psicanálise do autismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

KUPFER, M. C. Educação para o futuro: Psicanálise e Educação. São Paulo:


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MANNONI, M. A criança retardada e a mãe. 5. ed. Trad. Maria Raquel Gomes


Duarte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MANTOAN, M. T. Educação para todos. Revista Pátio, Porto Alegre, v. 2, n. 5,


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NEVES, B. Os autismos na clínica nodal. Tese (Doutorado em Psicologia) –


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
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RHAME, M. Laço social e educação: um estudo sobre os efeitos do encontro


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www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-17012011-143132/publico/
MONICA_MARIA_FARID_RAHME.pdf. Acesso em: 23 jun. 2020

91
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

92
C APÍTULO 3
O AUTOCUIDADO FAMILIAR

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Compreender os conceitos de função materna e paterna.


• Refletir sobre as dificuldades do exercício da maternidade e paternidade com
filho “atípico”.
• Buscar compreender como os desafios enfrentados pelas famílias com crianças
autistas.
• Pensar o cuidado com as famílias com crianças com autismo.
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

94
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Caro acadêmico, chegamos ao último capítulo de nossa jornada. Esperamos
que até este momento você possa ter aproveitado do conteúdo que foi ofertado como
suporte e orientação à disciplina sobre intervenção na família com crianças autistas.

Neste capítulo, abordaremos um tema ainda não muito trabalhado em


pesquisas e mesmo no meio social e mídias, que é relativo ao autocuidado das
famílias com filhos(as) com autismo. Temos constatado grandes avanços em
pesquisas sobre o autismo, como vimos nos capítulos anteriores, quanto ao
diagnóstico e tratamentos, sabemos da importância da detecção precoce de
sinais de autismo e dos efeitos benéficos da intervenção precoce, temos visto
avanços no processo da inclusão escolar, seus efeitos na sociedade e para as
próprias crianças com e sem autismo, mas pensamos ser de suma importância
dirigir um olhar de cuidado às famílias destas crianças.

Pensando nisso, faremos o seguinte caminho neste capítulo. Você


já sabe, nos estudos anteriores, que o diagnóstico de autismo pode gerar
impactos e impasses às famílias, pois elas poderão se sentir além de tristes e
decepcionadas, inaptas ou incapazes de exercer plenamente suas funções de:
suporte, transmissão de valores e encaminhamento de seu(ua) filho(a) para a vida
de uma forma autônoma. Por isso, faremos uma incursão quanto aos conceitos
da função materna e da função paterna com a intenção de refletirmos sobre como
é possível reativar ou restabelecer nas mães e nos pais suas funções, que em
muitos casos podem ter ficado abaladas. Muitas famílias ficam desequilibradas e
desorientadas, de modo que o cuidado do(a) filho(a) autista pode sobrecarregar,
principalmente, as mães, conforme aponta a literatura.

Outro ponto merecedor de nossos estudos diz respeito ao processo de


tratamento e sobre como a família pode sofrer altos níveis de estresse, ansiedades
e angústias, e sobre como podem ter um suporte formal e informal para não perder
suas funções familiares primordiais, compreendendo que o processo de cuidados
e o exercício da paternidade e da maternidade com uma criança autista não é
algo simples. Significa compreender que a família não precisa atuar de forma
substitutiva aos terapeutas, ou seja, no lugar dos terapeutas, mas que possa
permanecer enquanto lugar de referência primária para a criança, de segurança
e afeto, ainda que seja necessário algum remanejamento na organização familiar.

Por fim, trouxemos a vocês uma exposição a respeito do cuidado com as


famílias, sobre como uma rede de apoio pode de fato conceder suporte e auxílio,
enfatizando que o cuidado com as famílias é essencial não somente para a evolução
do tratamento dos filhos, mas também para que se mantenham bem, sem se
desagregarem, e possam aproveitar de todo o percurso da vida com o filho(a) autista.
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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

2 REVISITANDO OS CONCEITOS DE
FUNÇÃO MATERNA E PATERNA
A família se constitui como uma estrutura organizada com função de inserir
o indivíduo na cultura, transmitindo saberes, valores, uma ética e moral. Faremos
uma breve incursão histórica a respeito do conceito de família para que você
possa compreender o sentido desta instituição no tempo, para depois esclarecer o
que vem a ser as funções materna e paterna na atualidade.

2.1 A FAMÍLIA NA HISTÓRIA


Em A história social da criança e da família (1981), Ariés relata que o conceito
e entendimento de uma família se modificou profundamente na história a partir do
momento que houve uma transformação da sua relação com a criança. A condição
de uma criança ficou durante muito tempo entendida como aquele indivíduo que
não compreende, ou que não tem razão e capacidade de se emocionar. Somente
a partir do Iluminismo que a compreensão da criança enquanto um indivíduo
dotado de emoções e de uma condição própria, diferente do adulto, passou a
existir, demarcando mudanças não só no modo de tratar e cuidar da criança,
como também no modo da família se configurar.

Iluminismo: Foi um movimento cultural que se desenvolveu


em alguns países da Europa, nos séculos XVII e XVIII. Nessa
época, o desenvolvimento intelectual, que vinha ocorrendo desde o
Renascimento, deu origem a ideias de liberdade política e econômica,
defendidas pela burguesia. Os pensadores defendiam o uso da razão
(luz) contra o antigo regime (trevas) (MUNDO VESTIBULAR, 2020).

A psicanalista Ângela Vorcaro (1997) nos situa quanto a


conceituação das palavras infância e criança. Em sua origem
latina, infans, infantis, refere-se aos que não falam. Infantia é falta de
eloqüência, dificuldade em explicar-se; é condição, estado(ia) em que
não(in) fala (fans, fantis, o que fala; fari - fala; fandus - que se pode
falar, permitido, justo, legítimo). Já a palavra criança, tem sua origem
96
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

em creantia, particípio presente de creare, referente ao animal que


se está criando, e deriva do radical indo-europeu Ker-. Deste verbo,
criar, temos além do particípio passado criado (crescido, educado),
o substantivo homônimo significando servo, empregado. Sob este
verbo, inscreveram-se as implicações de tirar do nada, transformar,
cultivar, inventar, produção, escolha, nomeação. Esse caráter da
criança enquanto processamento do ato criativo de outrem que a
inventa, estabelece, funda ou institui, permite a acepção da criança
enquanto única, singular, feita existir, trazida à luz (VORCARO,
1999).

Nos séculos XV e XVI, o entendimento familiar era de que as crianças


deveriam ser educadas por meio do trabalho doméstico, mas na casa de outras
pessoas, e com fins de aprender um ofício. Isto deveria acontecer logo após o
desmame (ARIÈS, 1981).

No séculos XVII e XVIII, houve uma mudança na compreensão da ideia de


criança, e sob influência dos pensadores iluministas e dos avanços da medicina,
passou-se a conferir à criança o reconhecimento de que ela seria dotada de uma
consciência, em conformidade com a particularidade infantil, que a distingue do
adulto (ARIÈS, 1981). Tal mudança foi importante por conceder valor à condição
da criança, tornando o tratamento de forma mais sensível a elas, dessa forma, as
crianças não eram mais considerados como seres irracionais ou não dotados de
falta de consciência, mas que efetivamente deveriam ser instruídas no decorrer
do seu crescimento, cumprindo assim a disciplina e a moral cristã.

Destacando a função materna desta época, Kamers (2006, p. 112) nos situa
que:

Foi no século XVIII que a Filosofia das Luzes questionou todas


as tradições e hierarquias. A mulher, que estava subordinada
ao homem, passou a ser valorizada em função do filho a
partir de um novo discurso relativo à maternidade. Através
dos ideais de Rousseau, o amor materno se converteu tanto
em ideal valorizado socialmente, quanto em código de boa
conduta para a mulher: a boa mãe. O amor materno passou
a ser exaltado como um valor, ao mesmo tempo “natural” e
social. Assim, deslocou-se o valor dado à autoridade paterna
para o amor materno, entendido, a partir desse momento,
como condição para a sobrevivência e a educação da criança.
E muitas mulheres encontraram, desse modo, uma forma de
reconhecimento de sua importância no discurso. A influência
materna foi colocada como decisiva para a criança e valorizada

97
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

mais ainda após a Revolução Francesa, que promulgou a


limitação do poder paterno.

Nesse tempo, o papel da mãe foi muito valorizado, conferindo naturalização


ao amor materno. Foi a partir do Iluminismo que foi instituído a idealização da
maternidade conferindo certa sacralização do feminino enquanto condição
essencial e apropriada para o exercício da maternagem.

Sob a influência religiosa, foram criadas concepções de que as crianças


eram frágeis e inocentes, e ainda seres da criação divina que precisavam ser
cuidadas, encaminhadas e preservadas (ARIÈS, 1981). Nesse momento é que
foram instituídos os internatos, justificados pelo discurso religioso de que a criança
ao ser considerada um instrumento divino, concedia-se a confiança da família na
educação dos(as) filhos(as) aos clérigos.

A família moderna, no século XIX, surge ao lado da criação formal da


escola. Reconhecido como lugar de iniciação social, a escola passou a ser
instrumentalizada não somente mais pelos padres, mas surgiu para cumprir com o
ideal de formação e instrumentalização que pudesse equipar e formar as crianças
para “futuros adultos”, prontos a cumprir com os ideais sociais (ARIÈS, 1981). Os
pais desejavam formalizar a educação e acompanhá-los de forma mais próxima,
de modo a imprimir um sentimento e desejo peculiar deles aos filhos, transmitindo
valores. Configurou-se nesse período a iconografia da família nuclear com a
composição de pai, mãe, filhos, avós.

Iconografia: vocábulo usado para designar o significado


simbólico de imagens ou formas representadas em obras de arte.
Também nomeia uma disciplina da História da Arte, dedicada
a identificar, descrever, classificar e interpretar a temática das
artes figurativas. Até fins do século XVI, a iconografia referia-se
especialmente ao significado simbólico de imagens inseridas num
contexto religioso. Atualmente o termo refere-se ao estudo da história
e da significação de qualquer grupo temático.

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo101/iconografia>. Acesso em: 19 jul.


2020.

98
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

FIGURA 1 – FAMÍLIA IMPERIAL NO RIO DE JANEIRO EM 1887

FONTE: <http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/
bitstream/handle/20.500.12156.1/1794/P005DJ0456.jpg.
jpg?sequence=2&isAllowed=y>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Os tratados de educação em fins do século XIX (ARIÈS, 1981) apresentavam


uma insistência de que os pais acompanhassem as lições dos filhos, para que
pudessem coordenar o processo educativo. É a instauração de uma lógica
substitutiva da educação do internato para o externato, da Igreja para a escola
formal, e, por conseguinte, a responsabilidade de que os cuidados primários
deveriam ser essencialmente da família, carecendo de a escola fazer um papel
na socialização e educação secundária. Nesse âmbito, o espaço privado e
de intimidade de cada família foi estabelecido. A partir de então, criou-se uma
idealização e romantização da família, delimitando e distinguindo o espaço privado
como lugar sagrado, que deveria ser protegido do espaço público.

Toda essa nova configuração familiar (ARIÈS, 1981) estabeleceu novas


funções para cada membro da família, como: o pai, provedor; a mãe, do amor
materno, cuidadora e mantenedora dos afazeres domésticos. A presença
marcante e ativa da mãe em casa fez com que as crianças permanecessem em
casa junto à vida doméstica. A alimentação também foi algo determinante neste
processo de montagem da família nuclear, quando as amas de leite passaram a ir
para as casas das parturientes para que as crianças não precisassem sair e nem
se separar dos pais. As crianças foram colocadas a cumprir com um ideal de que
desabrochassem e viessem a manifestar no futuro o desejo dos pais, mas, para
isso, deveriam ser dominadas, instruídas e adestradas.

99
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 2 – FAMÍLIA NO BRASIL DO SÉCULO XIX

FONTE: <https://i1.wp.com/www.historiadealagoas.com.br/wp-content/uploads/2018/06/
Fotografia-de-M.-Phillipsen-fam%C3%ADlia-em-Macei%C3%B3-final-do-s%C3%A9culo-
XIX.-e1534985741896.jpg?fit=1500%2C750&ssl=1>. Acesso em: 19 jul. 2020.

No século XX, a família, analisada sob o viés da psicanálise (LACAN, 2003),


institui-se como um campo social em que a função seria a de estabelecer a
educação precoce, conferindo limites aos impulsos, transmitindo e fomentando
a aquisição da língua materna, regendo os processos fundamentais do
desenvolvimento humano, conferindo organização às emoções e transmitindo uma
estrutura de comportamento e de representação cujo funcionamento ultrapassaria
os limites da consciência. A família, portanto, estabeleceu-se como uma instituição
de transmissão simbólica da cultura que organiza o desenvolvimento psíquico
de seus membros. Sobre isso, Kamers (2006, p. 110) salienta sobre o papel da
mulher na família:

Nessa nova ordem, as mulheres passaram a ser consideradas


guardiãs da moral e a influência materna passou a ser um
recurso contra os problemas de ordem pública e privada. A
crescente privatização do espaço público produziu um novo
ideal doméstico, primeiramente utilizado pelas mulheres como
uma tentativa de afirmação de sua própria autoridade através
de sua influência materna. Elas passaram a ter como aliados
os especialistas, principalmente os médicos – tributários de
um “suposto” saber sobre a vida doméstica. Entretanto, foi
justamente essa aliança que produziu uma desautorização da
mulher e uma crescente dependência em relação aos médicos
e terapeutas.

Na atualidade do início do século XXI, a configuração familiar também


tem sofrido mudanças. A modernidade e o avanço tecnológico têm promovido
transformações nas relações sociais, no estabelecimento de novas normativas, no
campo do trabalho, repercutindo nos modos como as famílias irão se estabelecer.
A mercantilização do sistema e a exigência de respostas rápidas tem interferido
nas relações sociais, não sem deixar de provocar seus efeitos na singularidade

100
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

das pessoas. Pode-se constatar, ainda, novas configurações familiares em que


famílias nucleares, ou tradicionais, foram modificadas (KHEL, 2003).

O sistema patriarcal conferia um sentido de organização, pois havia uma


continuidade do seu saber ratificado no âmbito público. Em contrapartida, as atuais
configurações familiares, como pais separados, casais homoafetivos adotando
filhos, exigem que nova organização familiar seja feita, e que as funções parentais
ainda que não sejam as tradicionais, possam se efetivar, quer dizer, que as
funções paterna e materna possam ser adotadas por aqueles que se colocam em
lugar de pais das crianças, independentemente de seu gênero. Hoje muitos pais,
mães, padrastos e/ou madrastas, se queixam de que não conseguem estabelecer
uma relação de autoridade às crianças. Segundo Khel (2003), temos visto uma
crise ética em torno da família e do âmbito privado resultando em um discurso de
que as famílias precisam reaprender a exercer suas funções com profissionais
especializados para que possam conduzir bem a educação das crianças. Para as
famílias da atualidade que tem filho(a) autista, as dificuldades e conflitos familiares
podem ser ainda maiores.

Nesse ponto, uma questão surge: como será que as famílias da


contemporaneidade que tem crianças que carecem de cuidados específicos,
como as crianças com deficiência, síndrome ou autismo, tem conseguido fazer
para sustentar suas funções de parentalidade?

2.2 AS FUNÇÕES PATERNA E


MATERNA
Serão as funções parentais que introduzirão a criança no universo simbólico,
de modo a estabelecê-la na cultura, no campo social. Podemos localizar nos
pais duas principais posições: as funções paterna e materna que terão papel
primordial no desenvolvimento e estruturação do psiquismo do bebê. Essas
funções não se tratam, propriamente, de o pai, gênero masculino, exercer a
função paterna e a mãe, mulher, a função materna. As funções materna e paterna
podem ser exercidas por quaisquer indivíduos que decidem tomar uma criança
sob seus cuidados primordiais. Vamos explicar o que queremos dizer.

Com o aporte da teoria psicanalítica (GRINFELD, 2018), podemos localizar


que a principal função do agente materno é a posição de reconhecimento.
É necessário que alguém, mesmo que não seja a mãe, adote uma posição
de maternagem, reconhecendo e adotando o bebê em sua subjetividade e
afetividade. Será papel do agente da função materna conferir certo imaginário que
se sustenta da fala, animando e concedendo vida ao corpo do bebê, nomeando

101
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

seus movimentos, os contornando e os limitando, permitindo que ele venha a se


tornar um sujeito. É esse agente materno que diz primeiro quem é o bebê (“Tu
és...”), e só depois ele adotará uma postura de reconhecimento de si (“Eu sou...”),
diferenciando-se da mãe e respondendo por si mesmo.

É denominada preocupação materna primária pelo pediatra e psicanalista


Donald Winnicott (1956) aquela sensibilidade que permite à mãe identificar-se
com o desamparo inicial do bebê, tornando-se assim capaz de realizar suposições
sobre como ele pode estar se sentindo. Balbo e Bergès (2003) denominam este
movimento do agente da função materna como transitivismo. O transitivismo
maternante faz uma aposta que supõe e antecipa um sujeito. O que isso significa?

O agente da função materna funciona como um órgão extracorpóreo


da criança, pois responde as suas urgências vitais com o que decide por ela,
implantando uma ordem simbólica que regula os movimentos corporais.
Ele passa a obedecer aos signos pressupostos pela mãe, constituindo uma
subjetividade, pois antecipa um sujeito. Será o agente da função materna, por
meio do manhês, que primeiro falará pelo seu bebê: “ô mamãe, tô com fome!
Me dá leitinho”, tentando traduzir os movimentos da criança, “Pedrinho não gosta
disso”, “está chorando porque quer dormir”. Ao supor que nas manifestações do
filho existem intencionalidades, o agente materno humaniza o bebê. Supondo
isso, tenta responder a ele em suas necessidades, com mensagens cobertas de
significações as quais recobrem a condição fisiológica para um sentido.

Você deve se lembrar que no primeiro capítulo falamos da importância desses


momentos de conversas entre a mãe e o bebê, chamado de protoconversação,
para o estabelecimento do laço social, da interação e da linguagem, e quando
o bebê não responde, denota um dos sinais de marcador para o autismo. O
profissional que acolhe a família de uma criança menor de três anos, com a
suspeita de autismo, será importante que observe como se encontra o estado
emocional dessa mãe, se ela está cansada, se ela apresenta o humor deprimido,
se ela perdeu as esperanças em realizar a maternagem e conversar em manhês,
para que, assim, o profissional possa pensar em como intervir. Importante
observar de que forma ela realiza o contato com a criança, e caso demonstre
desânimo e descrença de que o(a) filho(a) não irá responder, verificar como o pai
reage a este momento e se consegue exercer esta função maternante. Falamos
como pode ser árduo este trabalho, mas poderá ser muito profícuo estimular os
pais em se apoiarem e não desistirem de estimular a criança.

102
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

FIGURA 3 – MÃE COM FILHO

FONTE: <https://cds.radio1.be/sites/default/files/styles/1200x630_scale_and_crop/
public/article/2017_11/adoptie_0709_0.jpg?itok=9J3xErMl>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Sobre a função paterna, significa que alguém precisará fazer a função de


mediação entre o desejo da mãe com o filho, interditando a relação por meio
da lei simbólica. O que isso significa? O agente da função paterna é aquele
que direciona o desejo da mãe para outros objetos que não somente ao filho.
Isso permite que em certo momento do “idílio amoroso” entre mãe e bebê será
mediado. A mãe retornará ao trabalho ou sentirá vontade de fazer outras coisas
além de cuidar do filho, por exemplo.

A competência do agente da função paterna caracteriza-se especialmente


pelo estabelecimento de um interdito, de uma lei simbólica que confere ordenação
e limites à criança (LACAN, 2003). Espera-se que esse agente paterno possa
exercer desde o momento da gestação o suporte e o cuidado ao agente materno,
para que ela se sinta segura e habilitada em exercer a maternagem desde o
primeiro momento. A presença do agente da função paterna será importante ao
intermediar a relação entre agente materno e criança, concedendo uma ponte
ao trazer a criança para a realidade externa. E, ao mesmo tempo, suportando
aguardar as suas entradas nesta relação. Ao se afastar por alguns instantes,
do agente materno com a intervenção paterna, a criança poderá desenvolver
habilidades de exploração e de responsividade social (SARAIVA; REINHARD;
SOUZA, 2012).

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 4 – PAI COM FILHO

FONTE: <https://s3.amazonaws.com/thumbnails.osvigaristas.
com.br/805x0/17634.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

No exercício dessas funções, características, vivências e as condições


emocionais dos pais entrarão em jogo diante do(a) filho(a), bem como suas
capacidades de elaboração e de suporte às frustrações.

FIGURA 5 – FAMÍLIA

FONTE: <https://i.ytimg.com/vi/fGxgAa2dcNY/maxresdefault.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Diante do nascimento de uma “criança especial”, ao ser concedido um


diagnóstico à criança de uma patologia, síndrome ou transtorno, pode-se dizer que
o agente da função materna terá em lugar de uma preocupação materna primária
uma “preocupação especial”. É nesse momento que os profissionais deverão
conceder suporte aos pais, de modo que eles possam continuar a exercer as suas
funções materna e paterna tão essenciais para o desenvolvimento e estruturação
subjetiva da criança. É importante que os profissionais fiquem atentos aos pais
para que não haja comprometimento da instauração das funções materna e
paterna.

104
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

Perguntamos: como poderemos conferir suporte aos pais diante do


diagnóstico e do tratamento ao filho(a) autista? Gostaríamos que você se lembrasse
do primeiro capítulo quando dissemos sobre alguns recursos que podemos ofertar
aos pais no manejo com a criança autista, tais como: psicoeducação, orientação
de pais, grupos de apoio, reorganização das atividades da vida diária, uso de
quadros de rotina, fichas e placas de comunicação, dentre outros. Podemos dizer
que esses recursos se tornam mais efetivos se buscarmos compreender qual é
a dinâmica familiar, como os pais se posicionam diante do(as) filho(as), e qual
o papel que cada um tem exercido no manejo com a criança. Pode-se verificar
como estão sendo exercidas as funções materna e paterna e ajudar os pais a se
reestruturarem, dividindo as tarefas diárias sem que pese mais para um do que
para o outro.

Não são poucos os casos das famílias cujas divisões entre as funções
paterna e materna encontram-se dissonantes. Conforme Gomes et al. (2015), a
sobrecarga emocional entre pais e mães é um dos principais desafios encontrados
por famílias com crianças com diagnóstico de autismo, sendo que o alto nível de
tensão física e emocional com a criança recaem, principalmente, às mães, e há
alta autocobrança dos pais quanto à responsabilidade financeira e ocupacional.

Como o diagnóstico de autismo pode abalar o contexto familiar, os pais


vivenciam rupturas com a interrupção de suas atividades sociais normais, de modo
que o clima emocional no qual viviam se transforma. As limitações da criança
afetam os relacionamentos entre todos os membros da família (MATSUKURA;
MENECHELI, 2011). Ao iniciar um trabalho de escuta, acolhimento, e intervenções
sugestivas, o par parental pode se ressituar em relação ao filho(a) autista. Assim,
pode-se vislumbrar novas possibilidades de saídas com o tratamento, de modo a
fortalecer os pais, renovando seus ideais e sonhos tão essenciais para qualquer
criança.

1 Analise as sentenças a seguir e classifique V para as


VERDADEIRAS e F para as FALSAS.

a) ( ) As funções materna e paterna deverão ser exercidas somente


pelos pais biológicos.
b) ( ) O manhês, o transitivismo e a preocupação materna são
características da função materna.
c) ( ) A função paterna significa que alguém fará transmissão e
interdição à criança por meio da lei simbólica.

105
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

d) ( ) Afastando-se do agente materno com a intervenção paterna,


a criança poderá desenvolver habilidades de exploração e de
responsividade social.

2.3 OS DESAFIOS ENFRENTADOS


PELAS FAMÍLIAS COM CRIANÇAS
AUTISTAS
Como a família pode funcionar como coterapeuta ao filho(a) autista sem deixar
de exercer as funções concernentes à dinâmica familiar? Vimos anteriormente que
a dinâmica familiar se adaptou ao longo das mudanças na história, que vivemos
na atualidade configurações familiares diversas, contudo, para as famílias com
crianças autistas uma reconfiguração entre o que fora sonhado e idealizado à
realidade precisará ser realizada. Nesse processo, muito estresse e sofrimento
podem abalar física e emocionalmente a dinâmica familiar.

2.4 PRINCIPAIS MOTIVOS


ESTRESSORES ÀS FAMÍLIAS COM
CRIANÇAS AUTISTAS
Estudos recentes (MATSUKURA; MENECHELI, 2011; GOMES et al.,
2015) têm apontado alguns marcadores como principais motivos de obstáculos
encontrados pelas famílias com crianças autistas. Descreveremos alguns deles:

Um dos primeiros problemas geradores de estresse às famílias de crianças


autistas se refere à postergação de uma conclusão diagnóstica (GOMES
et al., 2015). Como você deve se lembrar, no Capítulo 1, dissemos sobre as
atuais descobertas de pesquisas de estudiosos em autismo (das neurociências,
a psicologia, medicina, e outras áreas) a respeito da importância da detecção
precoce dos sinais de autismo e o quão logo promover intervenções em equipe
interdisciplinar é benéfico.

A demora em concluir um diagnóstico pode gerar ansiedade à família. Em


contrapartida, se os profissionais já identificaram a presença de sinais de autismo
e atraso no desenvolvimento da criança, eles logo precisam encaminhar a

106
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

família aos especialistas, para que intervenções possam ser realizadas às áreas
identificadas como prejudicadas.

Você pode conferir que o Ministério da Saúde desenvolveu uma cartilha,


Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com transtorno do espectro autista
(BRASIL, 2013), que auxilia os profissionais na detecção precoce de sinais de
autismo. A postergação diagnóstica provoca nos pais um estado de ansiedade
e estresse, além de gerar sentimento de impotência e desesperança, conforme
apontam estudos na literatura (BOSA, 2006; BRAGA; AVILA, 2004; FAVERO-
NUNES; SANTOS, 2010).

FIGURA 6 – CONSULTA MÉDICA DE CRIANÇA COM AUTISMO

FONTE: <https://supermoderna.com/wp-content/uploads/2019/04/
autismo-diagnostico-psiquiatra.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Outro fator de estresse e desorientação familiar se refere ao comportamento


específico da criança com autismo e seu caráter crônico. A criança autista,
nesse quadro, pode apresentar sérias dificuldades tangentes à realização
de tarefas comuns, dificuldades na interação social e com a linguagem, na
manifestação de estereotipias e comportamentos repetitivos, até não ser
independente nas atividades da vida diária. A família, mediante condição da
criança, pode se ver perplexa e desorientada ao identificar a necessidade do que
terá que enfrentar, com os desafios impostos por estes aspectos específicos do
autismo.

Sendo assim, a condição da criança autista exigirá de seus pais um ajuste


nos planos e expectativas. A família precisará prestar horas de cuidado ao filho(a)
com autismo, exigindo que os pais se adaptem à intensa rotina de cuidados frente
às necessidades do(a) filho(a) com as suas peculiares dificuldades, tais como: a
exigente rotina de tratamentos, a mudança no manejo e orientação da família em
casa, a entrada na escola, enfim, a intensidade do convívio diário e os cuidados

107
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

contínuos prestados ao filho(a) com autismo na família são fatores potenciais de


estresse.

O processo de adaptação familiar frente à realidade dos cuidados com o(a)


filho(a) autista é repleto de diferenças individuais, das relações e dos atributos
existentes na família (MATSUKURA; MENECHELI, 2011). Portanto, o impacto das
dificuldades próprias do autismo sobre a família vai depender também de uma
complexa interação entre a severidade destas características, da personalidade
dos pais, e do suporte disponível na rede comunitária.

FIGURA 7 – MENINA AUTISTA COM ESTEREOTIPIAS

FONTE: <https://clubematerno.files.wordpress.com/2015/11/2015-
11-03_23-18-45.jpg?w=300>. Acesso em: 19 jul. 2020.

A respeito deste suporte externo, este é um outro elemento que pode se


configurar como ponto estressor, pela sua ausência. Por outro lado, a presença de
suporte da rede externa pode em muito contribuir com a cessação da ansiedade
e estresse das famílias. Essa rede deveria se instituir como apoio fundamental de
suporte e cuidado com as famílias. Sabe-se que há ainda um deficiente acesso ao
serviço de saúde e apoio social às crianças com diagnóstico de autismo (GOMES
et al., 2015). Certamente isso contribui para o aumento do estresse e a diminuição
da qualidade de vida de seus pais e cuidadores.

108
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

FIGURA 8 – GRUPO DE APOIO FAMILIAR

FONTE: <https://www.juicysantos.com.br/wp-content/uploads/2018/03/
mulheres-unidas.gif>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Outro importante ponto de abalo familiar refere-se à falta de informações


e orientações realizadas pelos especialistas. Assim que o diagnóstico é
apenas hipotetizado, os pais logo se adiantam em buscar nas mídias e nos
meios tecnológicos informações que venham responder aos seus anseios.
As informações corretas a respeito do autismo devem ser, preferencialmente,
esclarecidas pelos especialistas que, posteriormente, deverão sugerir o tratamento
da criança. Isto poderá diminuir a preocupação e ansiedade dos pais.

A escassez de informações e orientações pode ser motivo de grande estresse


e mesmo de abalo emocional nos pais, podendo acarretar estados de depressão.
Quando recebem uma profusão de informações, sugerindo variadas sugestões de
intervenções, os pais podem correr o risco de acreditar em soluções milagrosas
e em falsas informações sem embasamento científico e sem orientação de um
especialista.

As informações corretas a respeito do que é o autismo, como acontece, quais


são as atuais pesquisas, o que já foi descoberto, quais tratamentos são sugeridos,
podem orientar os pais fazendo com que compreendam o filho(a) autista em suas
qualidades e limitações e vislumbrem um futuro. Contudo, essas orientações e
informações deverão ser atualizadas ao longo do tratamento e do desenvolvimento
da criança. Por isso, é importante manter aberto o espaço do diálogo com a
família. Mostra-se relevante buscar aprofundar como as informações podem ser
transmitidas de forma efetiva para entendimento e compreensão das famílias de
crianças autistas, e em diferentes fases do seu desenvolvimento.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 9 – EM 2 DE ABRIL DIA DE CONSCIENTIZAÇÃO DO AUTISMO

FONTE: <https://www.olhovivocan.com.br/wp-content/uploads/2020/04/dia-mundial-
de-conscientizacao-do-autismo-696x522.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

A escassez de atividades de lazer e educacionais também aparece


como comprometedores na qualidade de vida da criança com autismo e de seus
familiares. Diante disso, muitas famílias se restringem em atividades de lazer
restritas ao lar ou em casa de familiares, locais que se sentem mais seguros para
manejar qualquer possível crise de birra ou de angústia que a criança tiver, por
exemplo.

Sabe-se que a Lei n° 13.146/2015 dispõe que a pessoa com autismo tem o
direito de ter acesso ao lazer, cabendo ao Estado e à família assegurar isso. Mas,
aos pais ainda cabe o provimento de boa parte da responsabilidade em realizar
as atividades de lazer. As famílias poderão ter acesso aos parques e praças,
passeios ao ar livre podem ser boas atividades de serem realizadas com crianças
autistas. Brincar nos “parquinhos” públicos ou nos prédios ajuda a criança a fazer
uma integração sensorial de seu corpo, coordenando seus movimentos e ainda
possibilita a interação social.

Quanto às atividades educacionais, vimos que a inclusão escolar se encontra


em pleno processo de implementação, carecendo de que a família efetivamente
participe efetivamente disto.

110
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

Acadêmico, para complementar os estudos, indicamos


a leitura do texto Autismo: lazer e experiências sensoriais, no
link: https://www.opopular.com.br/noticias/ludovica/blogs/viva-a-
diferen%C3%A7a/viva-a-diferen%C3%A7a-1.925289/autismo-
lazer-e-experi%C3%AAncias-sensoriais-1.1028152. E, indicamos o
site (https://www.telavita.com.br/blog/atividades-criancas-autistas/)
que contém sugestão de atividades, brinquedos e brincadeiras
com crianças autistas. Outras práticas de esporte e lazer também
é possível encontrar no link: https://roraimaemfoco.com/esporte-e-
lazer-ajudam-na-socializacao-de-criancas-com-autismo/.

Como meio de enfrentar o percurso de tratamento, atividades extraescolares,


de lazer e cultura para seus filhos(as), os pais das crianças autistas passam
por exigentes necessidades financeiras. Assim, observa-se que muitas famílias
precisam aumentar suas jornadas de trabalho. Muitas famílias decidem que os
pais se mantenham no trabalho formal e as mães abdicam de seus trabalhos para
se dedicarem exclusivamente aos filhos.

A equoterapia e atividades de esporte tem sido divulgado como recursos


efetivos no tratamento da pessoa com autismo. No entanto, essas atividades
também são dispendiosas.

No site a seguir, podemos encontrar um importante estudo


realizado pela fonoaudióloga Paloma Navarro, da Unicamp,
que concluiu que o cavalo pode exercer um papel de agente
transformador para os pacientes autistas, contribuindo não somente
para a aquisição da linguagem, mas também para o desenvolvimento
da percepção e reconhecimento do próprio corpo. Link: https://www.
unicamp.br/unicamp/ju/678/equoterapia-estimula-criancas-com-
autismo.
No site do jornal da USP, um artigo de terapeutas ocupacionais
apresenta os benefícios da equoterapia no tratamento de crianças
autistas:
https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/terapia-com-
cavalos-auxilia-na-socializacao-de-criancas-autistas/.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Um último ponto que identificamos como estressor aos pais de crianças


autistas é a preocupação com o futuro. Assim que o diagnóstico e o plano
terapêutico são estabelecidos, muitas famílias se sentem reconfortadas e
tranquilizadas com a desmistificação de ideias equivocadas que porventura
tenham escutado. O plano terapêutico precisa ser bem desenvolvido, de forma
que o diagnóstico seja bem elaborado, mas que inclua as necessidades atuais
da criança e as condições socioeconômicas da família. Na teoria, como vimos
no Capítulo 1, as orientações são de que a criança autista possa realizar muitas
horas de terapia, tenha acompanhamento na escola e faça atividades extensas
em casa com os pais.

Todos os dispositivos que deveriam ser alcançados pelas famílias requerem


recursos e com o não alcance no âmbito público (saúde, educação, social e de
lazer) as famílias temem pelo futuro de seus filhos(as) autistas. Temem que o
filho(a) não alcance marcadores do seu desenvolvimento, como a linguagem e
a comunicação, que os aspectos motor e sensorial não se desenvolvam, que
se mantenha com dificuldades na interação social e, especialmente, há enorme
receio de que o aspecto cognitivo se torne deficitário, caso não conte com
intervenções precoces ou ao longo de seu desenvolvimento e estruturação. Os
pais se preocupam, enfim, se o seu(ua) filho(a) autista terá independência e
autonomia, podendo ser incluído futuramente no campo de trabalho, que consiga
realizar cursos técnicos e mesmo chegue à universidade.

FIGURA 10 – FAMÍLIA COM CRIANÇA AUTISTA

FONTE: <https://jadeautism.com/wp-content/uploads/2020/02/
autismo-768x513.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

1 Escolha um motivo estressor à família com a criança autista e o


descreva. Após, discuta com seu tutor de forma analítica.

112
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

3 QUEM CUIDA DOS CUIDADORES?


O CUIDADO COM OS PAIS DE
CRIANÇAS AUTISTAS
Rearranjos familiares precisam ser feitos para o convívio com o filho(a) com
diagnóstico de autismo. Como dissemos anteriormente, os membros da família
podem ficar sobrecarregados emocionalmente e fisicamente, especialmente a
mãe, que em muitos casos abdica do trabalho formal para se dedicar integralmente
à criança. Sendo assim, os cuidadores podem ficar acometidos de muito cansaço
e correm o risco de adquirir estados emocionais de ansiedade e depressão, caso
não recebam suporte e apoio durante o caminho de cuidado com o filho(a) autista.
Sabendo disso, como pensar na qualidade de vida dos pais das crianças autistas?

O suporte às famílias com crianças autistas pode ser pela via formal, como
a rede de apoio psicossocial, grupos de pais, saúde, educação, ou pela via
informal, com a ajuda dos familiares, como avós, tios(as) e amigos. Pretende-se
apresentar neste último item de nossos estudos estas duas vias de acolhimento
e suporte que poderão promover qualidade de vida às famílias com crianças
autistas.

Pela via formal, pode-se localizar como um dos meios de conferir


apaziguamento aos anseios dos pais um oportuno diagnóstico. Realizado por
um especialista da área, um diagnóstico feito de modo cuidadoso e responsável,
de forma explicativa e esclarecedora, pode contribuir muito com a diminuição da
ansiedade e do sentimento de incerteza quanto ao como agir e fazer para ajudar
o filho(a). Assim que o diagnóstico se conclui, é importante que o especialista
informe os recursos e instrumentos que a família poderá acessar, quais
profissionais poderá recorrer, como poderá se reorganizar na nova dinâmica diária
com o filho(a) com autismo.

Após este momento, os pais poderão ser convidados a participar de forma


ativa do Plano Terapêutico Singular, junto à equipe multiprofissional. Desse modo,
o estresse familiar pode ser amenizado, pois os pais poderão vislumbrar com a
construção compartilhada do plano de cuidados sua efetividade, especialmente
ao considerar o saber deles sobre o(a) filho(a). Os profissionais e os pais poderão
pensar juntos em estratégias viáveis de rearranjo da rotina, quer dizer, dentro das
possibilidades sociais, emocionais e econômicas da família.

No que se refere aos profissionais da saúde ao longo do tratamento, as


famílias deverão ser sensibilizadas quanto à evolução clínica, considerando os
aspectos do desenvolvimento e subjetivos do sujeito autista.

113
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Por outro lado, é importante que os profissionais (médicos pediatra, psiquiatra,


neuropediatra, profissionais da psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional,
educadores etc.) se mantenham em constante atualização da temática.

No que se refere aos instrumentos do serviço público, o SUS tem apresentado


avanços, mas ainda carece de maior extensão e alcance de sua rede de
assistência psicossocial. A publicação das Diretrizes de atenção à reabilitação da
pessoa com transtorno do espectro autista (BRASIL, 2013) tem sido fundamental
para a atuação dos profissionais com os pacientes autistas. Além disso, o material
tem conteúdo informativo para os pais e familiares abordando o transtorno como
pertencente ao campo das deficiências, propondo o tratamento pela via da
reabilitação. Sobre a “resiliência familiar”, o Manual considera que:

tem como premissa básica a noção de que a família pode se


desenvolver mesmo na presença de um contexto estressante,
como no caso dos problemas de saúde e/ou de desenvolvimento
dos filhos (YUNES, 2003). O desenvolvimento familiar depende
da qualidade dos serviços de saúde, da rede de apoio, dos
recursos econômicos, das características da própria família
e do evento “estressor”, entre outros fatores. Há evidências
sobre alguns dos focos de trabalho, na área da Saúde Mental,
que podem acarretar o desenvolvimento dos processos de
resiliência em famílias de pessoas com TEA (SEMENSATO;
SCHMIDT; BOSA, 2010; SEMENSATO; BOSA 2013) e
que podem subsidiar, por exemplo, os serviços voltados a
grupos de pais com ênfase na percepção da família sobre as
capacidades da pessoa com TEA e não somente sobre os
déficits nas diferentes etapas do desenvolvimento da pessoa
com TEA (BRASIL, 2013, p. 67).

Isso nos indica que realizar um trabalho visando não somente os aspectos
considerados deficitários da criança com autismo, mas procurar considerar as
capacidades desta criança e, por outro lado, ficar atento sobre como a família
compreende o próprio filho, como estabelece as relações dele com a escola,
com amigos e familiares, se há tentativa de incluí-lo em atividades de esporte
e lazer na comunidade. Enfim, é interessante partir da busca de entendimento
sobre como a família se estabelece na sociedade com a criança autista, o que
tem realizado, quais são suas dificuldades e impasses encontrados, o que mais
lhe causa estresse, o que deixou de fazer em prol do filho(a) autista, como cuida
dos(as) outros(as) filhos(as), dentre outros aspectos.

O documento Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos


do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial
do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2015) reconhece o autismo como um
transtorno mental, pertencente ao campo de cuidados da atenção psicossocial.
Um dos instrumentos da Rede Atenção Psicossocial que tem em seu escopo de

114
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

trabalho o cuidado com as famílias de crianças autistas são os NASF, compostos


por equipes multiprofissionais de diferentes áreas do conhecimento que atuam
em conjunto com os profissionais das equipes de saúde da família (ESF), nos
territórios sob responsabilidade das ESF nos quais os NASF estão cadastrados.

FIGURA 11 – NASF

FONTE: <https://www.saobentodouna.pe.gov.br/wp-content/
uploads/2020/05/Nasf.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Sobre o NASF (BRASIL, 2015, p. 96), o trabalho pode realizar:

• Atendimento compartilhado para uma intervenção interdisciplinar,


com troca de saberes, capacitação e responsabilidades mútuas,
gerando experiência para ambos os profissionais envolvidos
(visitas domiciliares, atendimentos em grupos, intervenções).
• Estudo e discussão de casos e situações por meio de reuniões
de equipe ou a distância.
• Apoio à elaboração de projeto terapêutico singular ou
desenvolvimento de projeto de saúde no território (trabalhos
educativos, de inclusão social, enfrentamento da violência,
ações perante os equipamentos públicos).

Outro importante instrumento de atenção às crianças autistas e suas famílias


é o CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial infantil). O CAPS (BRASIL, 2015, p.
98):

é um dos serviços de referência para o cuidado às pessoas


com transtornos do espectro do autismo, independentemente
de sua idade. Também é função do CAPS ofertar apoio
matricial às equipes de saúde da família e aos pontos de
atenção às urgências, apoiando e subsidiando o processo
diagnóstico, o acompanhamento direto das situações graves e
se corresponsabilizando pela atenção às urgências.

115
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 12 – CAPSi INFANTIL

FONTE: <https://www.ascbeneditafernandes.com.br/
fotos/9fed084b87cc1708bf5235b44b32b374.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

A implementação desses recursos públicos depende da atuação efetiva


dos atores que o compõem, quer dizer, dos profissionais, das famílias e dos
educadores. Tem sido importante a implementação destes instrumentos no apoio
às crianças e suas famílias tanto quanto aos atendimentos de equipe médica e
multidisciplinar, na realização de reuniões e grupos de apoio às famílias, quanto
com a interlocução com outros instrumentos da rede, como a educação e a
assistência social.

No entanto, ainda precisa de maior apoio do poder público na sua


implementação para não prejudicar seu potencial de apoio às pessoas com
autismo e seus pais, o que pode dificultar o convívio familiar e a superação dos
impasses e desafios. Assim, é imprescindível que os profissionais se impliquem
no trabalho com as famílias promovendo o engajamento destas no tratamento,
fomentando estratégias de apoio social, contribuindo para a inclusão social e ao
acesso a atividades de lazer e entretenimento das crianças e suas famílias.

Muitas variáveis podem atuar durante o processo de rearranjo e readaptação


familiar ao estresse e aos impasses com o cuidado com o(a) filho(a) autista.
Dentre as variáveis, como as condições socioeconômicas da família, o suporte
social destaca-se como fundamental para que a família possa alcançar qualidade
de vida durante todo o percurso de cuidados com a criança autista.

Sobre a rede de apoio, Matsukura e Menecheli (2011), coloca em evidência


a importância do suporte externo por meio da fala de uma mãe de criança autista:

Ai, eles ensinam ela bastante, a disciplina, ela ficou bem


disciplinadinha depois que entrou na escola [...]. Ela queria,

116
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

queria, queria, fazia birra, acabou não tem mais essas birras,
essas coisas [...]. Ah ajuda! Ajuda porque às vezes tem alguma
coisa nova que elas começam lá, ela me liga, ou pede pra mim
ir lá, escreve na agenda porque a gente se comunica pela
agenda todo dia né? [...] é bem explicadinho, bem mesmo.
Então se eu tenho alguma dúvida eu peço pra ela e ela já
me responde ou ela pede pra eu ir lá e eu vou... a gente,
sempre que eu vou também ela também me atende nunca
teve problema nenhum... Ah, mais é informação mesmo, né?
Orientação. Sobre o comportamento dele, como que funciona,
como que está funcionando, o que seria legal estar fazendo...
Tem muita criança que é agressiva, então eu acho assim que
os profissionais devem orientar bem a família, a mãe como agir
né? Se acontecer tal coisa como deve agir, a maneira correta
[...]. Então seria isso, orientar bem as mães, a família em geral,
da maneira como agir. E falar claramente, né? Não esconder
nada do que pode ocorrer.

Por meio do relato dessa mãe, veja como o papel da escola é importante
e efetivo na inclusão social e educacional, promovendo bem-estar inclusivo no
ambiente familiar a educação escolar promoveu um outro olhar da mãe com a
criança, identificando mudanças em seu comportamento, sinalizando o aspecto
da comunicação dos educadores com ela, e como isso fez diferença para que
pudesse mudar seu modo de agir com a filha de modo a distinguir as birras.

FIGURA 13 – CRIANÇA AUTISTA NA ESCOLA

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/
images?q=tbn%3AANd9GcTXqmyCu4rSerLsNTuDwKfKm0FYTfZ9QClgoQ&usqp=CAU>.
Acesso em: 19 jul. 2020.

Ainda neste estudo (MATSUKURA; MENECHELI, 2011), foi verificado que a


atenção dos profissionais voltada à família, e não só à criança, foi registrada como
positiva pelos pais que ressaltaram, inclusive, melhoras de qualidade de vida dos
pais. Um interessante recurso apontado nesta pesquisa foi poder constatar que
visitas domiciliares realizadas por profissionais desvinculados à instituição de
tratamento da criança proporcionavam espaços em que a família podia falar sobre

117
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

preocupações pessoais para além da criança em tratamento. Visitas domiciliares


não são ainda práticas usuais na rede de atenção psicossocial à saúde da família
com criança autista. Todavia, podemos inferir que elas podem ser positivas e
efetivas para as famílias, algo a ser pesquisado e pensado sobre como realizar
essas intervenções.

Verifica-se, portanto, que as intervenções em sua maioria parecem estar


focadas principalmente nas crianças, restando a participação da família de
forma restrita ao recebimento de informações e orientações, que conotam que
elas atuem como coterapeutas. A aspiração dos pais por encontrar um espaço
que converta no acolhimento, no suporte terapêutico e educativo, e no cuidado
dedicado a eles, com a finalidade de permitir troca de experiências e vivências
buscando evitar a repetição de erros, e compartilhar dificuldades ou problemas,
com os filhos(as) autistas, bem como poder contar com um espaço em que
possam exprimir seus sentimentos e anseios pessoais.

Acadêmico, leia o artigo No autismo, cuidar da mãe faz parte do


tratamento da criança, do Instituto Priorit, que fala a respeito do peso
do estresse que recai sobre as mães de crianças autistas e como é
importante conferir suporte a elas, no link: https://www.institutopriorit.
com.br/no-autismo-cuidar-da-mae-faz-parte-do-tratamento-da-
crianca/.

Sobre o suporte social de grupos de pais, Matsukura e Menecheli (2011)


assinalam que o grupo de pais proporciona suporte emocional, informacional
e instrumental e ainda favorece suas relações familiares/interpessoais e os
cuidados com o filho. Os grupos terapêuticos e de promoção da saúde certamente
também aparecem como ferramentas muito eficazes no cuidado com as famílias.
Nesses grupos, as mães e os pais poderão avaliar como tem exercido suas
funções materna e paterna podendo dizer e refletir sobre suas vidas, favorecendo
momentos de catarse e consequente bem-estar, despendendo de um espaço/
tempo para falarem de seus problemas, conflitos, anseios, questões individuais e,
sobretudo, para serem ouvidos.

118
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

FIGURA 14 – GRUPO TERAPÊUTICO PARA FAMÍLIAS COM CRIANÇAS AUTISTAS

FONTE: <https://www.ibross.org.br/wp-content/uploads/2019/02/
IMG_2065-1.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Considera-se que uma maior compreensão sobre as reais necessidades


dessas famílias em obter suporte de profissionais ou apoio de serviços de saúde
e da própria comunidade parece ser fundamental para que proposições de ações
terapêuticas mais efetivas possam ser realizadas.

FIGURA 15 – SUPORTE INSTITUCIONAL À FAMÍLIA

FONTE: <http://abraca.autismobrasil.org/novo/wp-content/uploads/2015/03/
BANERABRACA2015-TODOS-720x380.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Matsukura e Menecheli (2011) salientam que o suporte social confere o maior


impacto no ajustamento familiar. Os autores relatam um estudo realizado por
Matsukura, Marturano e Oishi (2007) com mães de crianças com necessidades
especiais e identificou que essas mães são mais estressadas que mães de
crianças com desenvolvimento típico. Quanto ao suporte social e sua relação
com o estresse, demonstrou que a satisfação com o nível de suporte social
percebido está associada a baixos níveis de estresse apresentados por mães
de crianças com necessidades especiais. Nesse estudo, as mães referiram que
além do suporte social das instituições, o suporte da família confere diferença na
superação das adversidades e construção de estratégias no enfrentamento ao
processo de tratamento do(a) filho(a).
119
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Isso nos sinaliza que possivelmente as famílias esperam receber suporte


emocional de seus amigos e parentes, para além da equipe multiprofissional e das
instituições. Desse modo, a necessidade de atenção direcionada a essas famílias
aparece como importante ação que deve ser considerada durante o processo de
tratamento e/ou de escolaridade de crianças autistas.

Podemos localizar, portanto, o suporte informal às famílias por meio de seus


amigos e familiares. Um importante estudo realizado por Matsukura e Menecheli
(2011) observou por meio de coleta de relatos de mães de crianças autistas,
em grupos direcionados às famílias, que muitas delas restringem-se apenas em
comentar sobre suas preocupações e problemas referentes às crianças, e não
sobre suas necessidades pessoais ou de suas famílias. Além de conversarem com
os profissionais somente sobre preocupações relacionadas à criança, quando as
mães são questionadas sobre o que elas pensam e o que estão precisando para
si mesmas, elas voltam a apresentar demandas referentes às suas crianças.

Leia a interessante reportagem, Terapia de mães: grupo de


WhatsApp vira rede de apoio para mães de crianças com autismo,
que conta como as mães têm buscado meios de trocar experiências
em grupo através do WhatsApp, e, com isso, conseguem construir
uma rede de apoio, em: http://www.vilasmagazine.com.br/noticia-
detalhe.php?idConteudo=00000004381.

O cuidado aos pais e mães que tem filho(a) autista se faz necessário, para
que não percam a individualidade, seus desejos e sonhos para a vida, além do
exercício das funções paterna e materna. Então, vamos observar o relato de uma
mãe acerca dessa temática:

Quando você me pergunta se me sinto atendida em minhas


demandas, a resposta é não. Tenho certeza que não entrei em
depressão porque a minha rede de apoio familiar é muito forte.
Acho que ainda temos muito o que caminhar e é maravilhoso
ver essa mobilização, perceber esse cenário com tantas
mulheres lutando por seus filhos, e agora eu me incluo entre
elas (VILAS MAGAZINE, 2019, s.p.).

Ainda sobre o mesmo estudo de Matsukura e Menecheli (2011), estes


pesquisadores observaram que em relação às demandas apresentadas pelas
120
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

mães, foi percebido que as queixas recorrentes foram em torno da dependência


da criança, principalmente no que se refere ao comprometimento da comunicação,
a dependência na alimentação e a dependência nas situações que envolvem
higiene e controle dos esfíncteres. Pode-se inferir que as características clínicas
do autismo acabam por aumentar a demanda por cuidados e, por conseguinte, o
nível de dependência dos pais ou cuidadores.

FIGURA 16 – PAIS BRINCANDO COM OS FILHOS

FONTE: <https://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/19162358.jpg?w=1200&h=630&a=c&ver-
sion=1575255600>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Além das principais dificuldades inerentes à pessoa com autismo, as quais


as famílias precisam enfrentar, como a comunicação, dificuldades nas atividades
de vida diária, comportamento e atrasos do desenvolvimento, mães relatam que a
principal dificuldade encontrada por elas, é quando estão em ambientes externos
(MATSUKURA; MENECHELI, 2011). Sendo assim, os comportamentos da criança
podem dificultar muito as atividades da família, principalmente as relacionadas ao
lazer.

Algumas crianças possuem sérios problemas de distúrbios de sono (dormindo


poucas horas por noite) e durante o dia são hiperativos. Isso tudo acarreta
sintomas de estresse nos pais, tais como: exaustão, depressão, ansiedade,
experiências de falta de controle sobre as situações, intolerância a frustrações e
situações repetitivas, refletindo esse estresse não somente no ambiente familiar,
mas também no trabalho, com familiares e amigos.

121
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

Acadêmico, indicamos a reportagem Autismo severo: ‘um dos


nossos maiores desafios é proteger a nossa filha dela mesma’, por
Vinícius Lemos de Cuiabá para a BBC News Brasil em 20 de outubro
de 2019, no link: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49965706.
Nessa reportagem você encontrará o relato de uma família e os
desafios encontrados para cuidar da filha com autismo severo, mas
como tem conseguido superar as dificuldades.

FIGURA 17 – MENINA COM AUTISMO SEVERO JUNTO DE SEUS PAIS

FONTE: <https://ichef.bbci.co.uk/news/320/cpsprodpb/0130/
production/_109140300_carola0.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Sobre as atividades de lazer e esporte, estes artifícios aparecem como de


extrema importância ao desenvolvimento da pessoa com autismo, pois contribui
para a socialização, desenvolvimento motor, espaço de construção de habilidades
sociais e estimulação sensorial, especialmente para as crianças com déficit no
processamento sensorial.

122
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

FIGURA 18 – ATIVIDADE DE LAZER COM CRIANÇAS AUTISTAS

FONTE: <https://arapiraca.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/2018/04/
IMG_7184-1024x682.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Leia o interessante artigo Importância da educação física para


inserção escolar de crianças com transtorno do espectro do autismo
(TEA). Os autores salientam a importância das atividades de lazer
e esporte para o desenvolvimento das crianças com autismo,
sublinham como ainda é escasso na sociedade de ambientes
adaptados para estas pessoas e das dificuldades encontradas pelas
famílias. Você pode encontrá-lo disponível na página: https://www.
nucleodoconhecimento.com.br/educacao/espectro-do-autismo.

Recentemente, temos visto alguns avanços sociais no sentido de promoção


de espaços de lazer e esporte para pessoas com autismo. Em especial durante
a semana de todo 2 de abril, quando ficou instituído o Dia de Conscientização do
Autismo. Vemos, sobretudo, a participação ativa e efetiva dos pais das crianças
autistas no fomento destas atividades de lazer e esporte, requerendo que os
diversos ambientes, como shoppings, teatros, restaurantes que são ambientes
aparentemente comuns a todas as pessoas, possam também ser e estar de modo
acessível à criança com autismo.

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INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

FIGURA 19 – ATIVIDADES DE DANÇA COM MENINA AUTISTA

FONTE: <https://www.roraima1.com.br/wp-content/uploads/2019/04/Emilly-Carvalho-
Aluna-Jazz-Foto-Eduardo-Andrade-21-696x440.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Uma proposta muito legal é a “sessão azul”. Essa sessão de cinema surgiu
como uma proposta de que as crianças autistas pudessem acessar salas de
cinema, sem que lhes causasse sofrimento, mas alegria. As sessões de cinema
acontecem em horários e dias determinados e a sala é adaptada para as crianças
com autismo, ou mesmo com outros problemas de desenvolvimento, que tenham
hipersensibilidade (como, a auditiva, táctil). As salas são adaptadas em ambiente
meia luz, com volume mais baixo e permite às crianças circularem para se
sentirem mais à vontade. Essa ótima iniciativa tem se disseminado pelo Brasil e
pelo mundo.

Você pode conferir informações sobre a sessão de cinema


destinada a crianças com autismo ou outras dificuldades sensoriais
e de desenvolvimento, no link: https://www.sessaoazul.com.br/sobre.

FIGURA 20 – SESSÃO AZUL

FONTE: <https://www.pagina3.com.br/imagens/materia/txtmateria/
politica20199267.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.
124
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

No site a seguir, você poderá conferir a entrevista da mãe de um


autista dizendo sobre a sessão azul de cinema e como tem sido suas
experiências:
http://tudosobreminhamae.com/blog/2016/2/18/7-perguntas-
para-as-criadoras-da-sesso-azul-cinema-para-o-pblico-autista.

No próximo site, você confere uma reportagem sobre a sessão


azul de cinema em uma cidade de Minas:
https://g1.globo.com/mg/grande-minas/noticia/2019/02/15/
sessao-azul-leva-inclusao-para-cinema-em-montes-claros-que-tera-
exibicao-gratuita-de-filme.ghtml.

Neste site, você poderá ler informações a respeito da importância


das atividades de lazer para o desenvolvimento sensorial da criança
com autismo:
https://www.opopular.com.br/noticias/ludovica/blogs/viva-a-
diferen%C3%A7a/viva-a-diferen%C3%A7a-1.925289/autismo-lazer-
e-experi%C3%AAncias-sensoriais-1.1028152.

No último site indicado, você verá uma boa prática de atividades


de lazer realizada para crianças autistas:
https://www.acritica.com/channels/manaus/news/criancas-autistas-
participam-da-manha-de-lazer-com-atividades-esportivas-e-ludicas.

1 Após este percurso de estudos, discuta com seu tutor de


forma crítica e reflexiva a respeito da rede de assistência à família
do paciente autista, descrevendo os recursos públicos existentes, e
sobre como eles atuam de forma a conferir suporte e cuidado com as
famílias.

125
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

3.1 PARA CONCLUIR


Temos visto avanços na implementação de políticas públicas com fins de
inclusão escolar e social de pessoas com autismo. Boas iniciativas e práticas tem
contribuído com maior respeito e visibilidade destas pessoas, mas vemos que
ainda precisamos avançar. A demanda por parte das famílias por maior facilidade
de acesso ao sistema de saúde, educação e de assistência social certamente
fariam com que pudessem ter melhor qualidade de vida e amenização de seus
anseios.

Torna-se imprescindível que a assistência à criança com autismo seja


realizada em todos os níveis do sistema de saúde, contando com profissionais
capacitados na identificação e avaliação precoce de sintomas apresentados pela
criança autista. Isso certamente diminuiria gastos maiores de recursos públicos,
uma vez que a intervenção precoce poderia ser feita, e o estresse familiar poderia
ser diminuído, aumentando a qualidade de vida das famílias.

Dissemos, neste capítulo, e nos anteriores, da importância de uma equipe


capacitada no suporte às famílias, conferindo segurança e credibilidade, efetuando
intervenções mais acertadas. Quanto aos recursos humanos do poder público,
carecem de capacitação e sensibilização, especialmente aos profissionais da
saúde, como enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,
médicos especializados e demais profissionais, todos esses dispostos em equipes
interdisciplinares.

Entendemos da necessária organização de grupos sociais de amparo e


suporte aos pais, coordenados por profissionais psicólogos capacitados para
realizar um trabalho de escuta de problemas, ajudando os pais a encontrar
soluções, e encontrando no grupo um espaço de compartilhamento de
experiências semelhantes. Importante que estes grupos possam acolher outras
demandas “esquecidas” dos pais e mães quanto às suas vidas pessoais, para
além do exercício das funções paterna e materna.

A atualidade das novas configurações familiares de famílias (como pais


separados, ou que se casaram novamente, filhos de outros relacionamentos etc.)
poderão contribuir com o manejo de flexibilização mental com as crianças autistas,
caso os pais tenham suporte dos profissionais especialistas na assistência
familiar. Ajudando na reorganização da rotina sem que a criança se perca ou fique
sem referências primárias de quem exerce as funções materna e paterna.

126
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

FIGURA 21 – FAMÍLIA

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcRwNIFnhvaYb
DoM8oMOO7gP8Epw2AZVLi2JHg&usqp=CAU>. Acesso em: 19 jul. 2020.

Podemos localizar que outro instrumento de suporte às famílias é o papel


da escola e da educação. O processo de implementação da lei da inclusão e o
fomento à formação de professores faz-se necessário.

Investimentos em pesquisas e a criação de instrumentos diagnósticos e


de intervenção também aparecem como muito importantes para conferir maior
qualidade de vida às crianças e as suas famílias.

Conforme as necessidades e os próprios anseios dos pais ou dos parentes da


criança com autismo, seria ideal ofertar o apoio emocional e social, apoio aos pais
quanto aos seus papéis de cuidadores principais (incluindo tempo para descanso
e lazer), planejamento de ações e intervenções futuras, espaços de transmissão
de informações e aconselhamento, oferta de grupos de apoio.

No Brasil, vimos que existem instrumentos e recursos estabelecidos


e previstos em lei na oferta de opções terapêuticas em pontos de atenção da
Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, e Rede de Atenção
Psicossocial. Essas redes de cuidados ofertam atendimentos individualizados de
reabilitação/habilitação com acompanhamento em equipe multidisciplinar (médico,
odontológico e intervenção nas dimensões de linguagens com fonoaudiólogo,
comportamental e emocional com psicólogos e atividades de vida prática com
terapeutas ocupacionais). Esses espaços devem ofertar aos pais e cuidadores
espaços de escuta e acolhimento, de orientação e de cuidados, pois já se sabe da
condição de enorme estresse em que vivem.

Faz-se essencial que os profissionais de saúde, educação e assistência


social auxiliem as famílias com apoio e orientação para a convivência diária com
o(a) filho(a) autista, que estejam abertos e dispostos a compreender as famílias

127
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

e a ajudá-las, intervindo sempre que necessário. Sugestões de práticas “extra


consultórios” poderão ser feitos, instigando as famílias a terem momentos de lazer
e descanso, de forma que o exercício da paternidade e maternidade possam se
tornar mais leves, uma vez que os extensos e permanentes turnos de dedicação
exclusiva que são exigidos da família para com essas crianças, em muitos casos,
procedem na diminuição das atividades de lazer, culminando até em negligência
quanto ao autocuidado da saúde física e mental dos demais membros da família.

FIGURA 22 – PROFISSIONAIS DE SAÚDE

FONTE: <https://i.ytimg.com/vi/crpOPpaIw9s/maxresdefault.jpg>. Acesso em: 19 jul. 2020.

A atuação integrada de profissionais como psicólogos, enfermeiros, médicos,


fonoaudiólogos e professores na dinâmica familiar proporciona uma melhoria
na qualidade de vida e na capacidade dos cuidadores em lidar com os filho(as)
autistas e seus sintomas. Assim, a articulação em rede, a integralidade e a
continuidade dos serviços de saúde poderão estabelecer pontos de referências
no acolhimento das crianças e suas famílias.

Podemos concordar com Gomes et al. (2015, s.p.) que:

maior investimento e oferta de serviços dedicados à melhoria


dos espaços físicos que a criança com TEA frequenta,
como a disponibilidade de dispositivos de comunicação
computadorizados exclusivo para autistas e criação de espaços
de recreação, como playground e piscinas nas escolas para
maior interação com outras crianças, também podem ser úteis
no alívio do estresse observado entre as famílias das crianças
com TEA. Segundo o National Institute for Health and Care
Excellence (Nice), melhorar o ambiente físico que a criança
com TEA frequenta, fornecer apoios visuais agradáveis, como
imagens, palavras ou símbolos, e fazer adaptações no espaço,
considerando sensibilidades sensoriais individuais para
iluminação, níveis de ruído e cor das paredes e móveis, podem
minimizar impactos negativos na criança com TEA e melhorar
sua qualidade de vida.

128
Capítulo 3 O AUTOCUIDADO FAMILIAR

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A partir do que vimos neste capítulo, podemos concluir que:

• Ansiedade e depressão podem ser muito prevalentes em pais de pessoas


com autismo.
• Os sintomas próprios do autismo e a necessidade de tratamento contínuo
e a longo prazo podem contribuir com o aumento de estresse dos pais e
cuidadores.
• O suporte formal através de profissionais especializados e da rede
pública em muito contribuem para a diminuição do estresse dos pais.
• O suporte informal exercido pelos amigos e familiares dos pais de
crianças autistas também contribuem com a melhoria da qualidade de
vida das famílias.
• Grupos de apoio de pais conferem suporte emocional permitindo um
espaço para compartilhar experiências com a temática de cuidado com
as crianças autistas, mas também para permitir a abertura de partilha de
anseios pessoais.
• Atividades de esporte e lazer ainda são parcas para as crianças autistas,
mas são de grande importância para o desenvolvimento das crianças e
da qualidade de vida familiar.
• Quanto às principais necessidades das famílias, a carência de
informações e orientações estão principalmente relacionadas ao
entendimento do problema da criança e ao prognóstico.
• Quanto às orientações, há grande demanda de maior esclarecimento
sobre como agir com a criança em determinadas situações, como
manejar comportamentos característicos das crianças autistas, e a
estimulação da criança em casa.
• A demanda por informações pode ser infindável, o que pode apontar para
a angústia dos pais diante do filho e de suas características próprias do
autismo. Assim, conferir espaço para que os pais possam dizer de suas
angústias, com suporte psicológico, pode muito contribuir para diminuir
seus anseios e preocupações, vislumbrando novas saídas.

Conforme Gomes et al. (2015, s.p.): No Reino Unido, as


crianças com diagnóstico de TEA são acompanhadas desde
a infância até a vida adulta. À criança e ao adolescente é
assegurado acesso pleno aos serviços de saúde e assistência
social, que é composto por profissionais capacitados para
lidar especificamente com as crianças diagnosticadas com
TEA. Segundo o Nice, o tratamento ideal a ser fornecido
a essas crianças leva em consideração as necessidades
individuais delas, bem como de seus parentes. Nesse sentido,
dentre outros aspectos, o tratamento envolve: intervenções
psicossociais e desenvolvimento das habilidades, com vistas

129
INTErVENÇÃo FAmiLiAr: CuiDADo E iNTErAÇÃo

a expandir a habilidade de comunicação social e o ingresso da


criança com diagnóstico de TEA na comunidade; prevenção
de comportamentos e situações que os intimidem, isto é,
avaliar fatores que podem causar desconforto ao paciente e
tratamento de outros problemas de saúde.

1 Faça uma reflexão do conteúdo ofertado nesta disciplina e escolha


um dos temas a seguir para discorrer em poucas linhas a sua
compreensão do que estudamos. Depois apresente e discuta
com seu tutor tirando suas dúvidas.
a) Intervenção precoce.
b) Inclusão escolar de crianças autistas.
c) Acolhimento e suporte às famílias com crianças autistas.

REFERÊNCIAS
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1981.

BALBO, G.; BERGÈS, J. Psicose, autismo e falha cognitiva na criança. Porto


Alegre: CMC, 2003.

BOSA, C. A. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Rev Bras Psiquiatria, v.


28, p. 47-53, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a07v28s1.
pdf. Acesso em: 19 jul. 2020.

BRAGA, M. R.; ÁVILA, L. A. Detecção dos transtornos invasivos na criança:


perspectiva das mães. Rev. Lat. Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 12, n. 6,
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