Você está na página 1de 6

Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 1ª Turma Cível

Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0706455-84.2018.8.07.0018


APELANTE(S) VANIA MARIA RIOS
APELADO(S) GDF e DISTRITO FEDERAL
Relatora Desembargadora SIMONE LUCINDO

Acórdão Nº 1198710

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS.


RECONHECIMENTO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. NÃO
CARACTERIZAÇÃO. REPERCUSSÃO NA ESFERA ÍNTIMA. AUSÊNCIA. MEROS
ABORRECIMENTOS. SENTENÇA MANTIDA.

1. A cobrança de IPTU sobre imóvel em condomínio irregular, em região reconhecida como impassível
de regularização, desacompanhada de fato extraordinário que demonstre ofensa aos direitos da
personalidade, não configura dano moralcompensável, por caracterizar mero dissabor da vida
cotidiana.

2. O dano moralpassível de ser compensado é aquele que adentra a órbita dos direitos da
personalidade, afetando a dignidade da pessoa humana, não ficando caracterizado, portanto, diante de
qualquer dissabor, aborrecimento ou contrariedade.

3. Apelação conhecida e não provida.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, SIMONE LUCINDO - Relatora, CARLOS RODRIGUES - 1º Vogal e
HECTOR VALVERDE SANTANA - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador
CARLOS RODRIGUES, em proferir a seguinte decisão: CONHECER DO RECURSO E
NEGAR-LHE PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.

Brasília (DF), 28 de Agosto de 2019

Desembargadora SIMONE LUCINDO


Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Vânia Maria Rios contra a r. sentença ao ID 8934983, proferida
nos autos da ação de conhecimento c/c indenização por danos morais movida contra o Distrito
Federal, em que o d. juízo sentenciante julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na
petição inicial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, resolvo o mérito da lide, na forma do art. 487, I, do CPC e julgo parcialmente
procedentes os pedidos para:

a)a) declarar a inexistência de obrigação tributária relativa à incidência de IPTU/TLP sob os imóveis
sitos noConjunto Comercial Lote 17 e Lote 29 do Condomínio Privê Morada Sul Etapa C, localizado
no Setor Habitacional São Bartolomeu - SHSB, Jardim Botânico, Lago Sul, Brasília/DF;

b) declarar a inexigibilidade da cobrança de IPTU/TLP incidentes sob os referidos imóveis de


titularidade da autora e

c) condenar o réu à repetição do valor de R$ 7.524,64 pagos a tal título nos anos de 2013 a 2017,
devidamente corrigido pelo INPC, a contar de cada recolhimento indevido (en. 162 da súmula do STJ)
e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado (en. 188 da súmula do STJ),
conforme Lei Complementar Distrital n. 435/2001.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas e honorários, que
fixo em 10% do valor da condenação pecuniária, na proporção de 50% para cada, na forma doart. 85,
§3º, l, do CPC, observada a isenção legal de que a parte ré é beneficiária (1º do Decreto-Lei nº 500/69 e
art. 4º da Lei nº 9.289/86).

Em suas razões recursais, a autora/apelante alega, em suma, que teve sua moral abalada, em razão da
cobrança indevida de imposto sobre imóvel inexistente. Aduz que os reflexos dessa decepção, além de
prejudiciais, são suficientes a ensejar danos morais, pois a apelante não era devedora dos impostos
cobrados, uma vez que o referido imóvel, do qual decorreram os tributos, está totalmente inserido no
Parque das Esculturas, área de impossível regularização. Sustenta tratar-se de cobrança negligente, uma
vez que o próprio Distrito Federal alterou a destinação da área, desalojando todos os proprietários de
terrenos daquele local. Alega que a conduta do apelado causou danos à imagem, à honra e ao bom
nome da apelante que permaneceu sendo lesada, de modo que não há como se eximir da
responsabilidade e da reparação do dano causado.
Requer, nesses termos, o conhecimento e provimento do apelo para condenação do apelado ao
pagamento da compensação, de cunho compensatório e punitivo, pelos danos morais causados (ID
8934988).

Preparo regular ao ID 8934992.

O réu não apresentou contrarrazões (ID 8934995).

É o relatório.

VOTOS

A Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO - Relatora

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

Consoante relatado, a autora requer a reforma da sentença para condenação do Distrito Federal por
danos morais, ao argumento de que a situação vivenciada ultrapassa o mero dissabor, em razão de
todos os transtornos, aborrecimentos, prejuízos e desgastes advindos da conduta negligente do réu.

Em sentença, o d. juiz entendeu que os acontecimentos foram incapazes de ofender direitos da


personalidade da parte.

Tal decisão não comporta reparos.

Isso porque, como já consagrado na doutrina e na jurisprudência, não é o mero dissabor,


aborrecimento ou contrariedade que geram o dever de indenizar ou compensar, uma vez que o fato
ofensivo deve ser de tal monta e capaz de causar desequilíbrio psicológico na vítima, afetando, com
isso, a sua dignidade como pessoa humana.

A respeito do tema, trago à colação os ensinamentos do Professor Sérgio Cavalieri Filho, que bem
discorre acerca do assunto. Confira-se:

Dissemos linhas atrás que dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que
agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz
respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana,
não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico
do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor,
aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano
moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no
trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e
duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender,
acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações
pelos mais triviais aborrecimentos. (In Programa de Responsabilidade Civil, Editora Malheiros, 6ª
edição, p. 105).

No caso em questão, a autora adquiriu a posse de um imóvel em área irregular, cuja possibilidade de
regularização restou frustrada haja vista tratar-se de área destinada a um parque público. Entretanto, a
Fazenda Pública cobrou IPTU do lote em comento, inserido na parcela impassível de regularização de
um condomínio irregular.

Vale pontuar que eventuais dissabores nessa modalidade de negociação são até mesmo previsíveis,
considerando a precariedade de tais assentos, sequer inscritos regularmente em ofícios imobiliários, de
modo que é escusável a conduta do Distrito Federal ao deixar de observar que sobre a área em que foi
criado o Parque de Uso Múltiplo das Esculturas, havia uma parcela de condomínio irregular, cujos
possuidores recolhiam IPTU.

Aliás, impende ressaltar que a obrigação de atualizar o cadastro de tais imóveis não pode ser
considerada como exclusiva do ente público, considerando que a participação dos possuidores e
administradores de condomínios de áreas irregulares é fundamental para o bom andamento dos
procedimentos de regularização, mormente porque a urbanização promovida pelos particulares, à
margem da via oficial, dificulta sobremaneira o controle e organização dos cadastros e registros de
tais imóveis junto aos órgãos oficiais.

Ademais, deve ser pontuado que a aquisição dos direitos de posse pela parte ocorreu em 31/03/2009
(ID 8934868), quando já havia sido publicado o Decreto Distrital nº 28.516/2007, evidenciando a
ciência do particular acerca da situação do imóvel e, assim, dos riscos inerentes do negócio, de modo
que o pedido de compensação por violação aos atributos da personalidade pela cobrança indevida é
uma tese temerária.

Noutro ponto, o caso citado nas razões do apelo, a par de não possuir eficácia vinculante, não guarda
similitude fática com o caso ora tratado, isso porque, ainda que diga respeito a cobrança indevida de
IPTU, houve repercussão negativa advinda da inscrição do nome da parte nos cadastros de
inadimplentes.

Dessa forma, com razão o juízo de primeira instância ao afirmar incabível a compensação por danos
morais, na medida em que o fato narrado não pode ser considerado abalo crítico aos direitos de
personalidade da parte, sob pena de enriquecimento sem causa.

Nesse sentido, mutatis mutandis, confiram-se os seguintes julgados:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. COBRANÇA INDEVIDA. FALHA NA PRESTAÇÃO


DO SERVIÇO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. RESTITUIÇÃO
SIMPLES. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.

1. Incontroversa a cobrança indevida do fornecedor por aluguel de equipamento adicional e taxa de


licenciamento de software, escorreita a repetição do indébito reconhecida na origem.

2. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a repetição do indébito em dobro


exige a demonstração de má-fé. No caso, não ficou configurada a má-fé da prestadora do serviço,
apesar da cobrança indevida reconhecida.

3. Sem que haja demonstração de anotação restritiva, de abalo ao crédito, de prejuízo à imagem
ou de alguma situação vexatória, a simples cobrança indevida não é fato suficiente para causar
ofensa a direito da personalidade. Destarte, a cobrança indevida, por si só, não conduz à
procedência da pretensão reparatória de dano moral. Precedente.

4. Apelação conhecida e provida parcialmente.

(Acórdão n.1166106, 07035748820188070001, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES 7ª Turma


Cível, Data de Julgamento: 22/04/2019, Publicado no DJE: 02/05/2019. Pág.: Sem Página
Cadastrada.) (grifo nosso);

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO


CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRANÇA INDEVIDA DE
FATURA. RESSARCIMENTO EM DOBRO. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

1. O dano moral, passível de ser indenizado, é aquele que, transcendendo à fronteira do mero
aborrecimento cotidiano, a que todos os que vivem em sociedade estão sujeitos, e violando
caracteres inerentes aos direitos da personalidade, impinge ao indivíduo sofrimento
considerável, capaz de fazê-lo sentir-se inferiorizado, não em suas expectativas contratuais, mas
em sua condição de ser humano.

2. Na espécie, não restou configurada a ocorrência de dano moral, uma vez que não houve
demonstração de que a cobrança indevida de fatura de conta telefônica e de serviços de internet tenha
afetado direitos da personalidade, pelo contrário, o que se vê são meros aborrecimentos do cotidiano,
sendo estes decorrentes de negócios jurídicos realizados entre as partes, além do que, os valores
cobrados indevidamente foram pagos em dobro e de forma atualizada e não houve qualquer inclusão
do nome da parte autora em rol de inadimplentes.

3. Recurso conhecido e improvido.

(Acórdão n.1114555, 07292697820178070001, Relator: GISLENE PINHEIRO 7ª Turma Cível, Data


de Julgamento: 08/08/2018, Publicado no PJe: 10/08/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)(grifo
nosso).

Ante o exposto, CONHEÇO da apelação e NEGO-LHE PROVIMENTO mantendo íntegra a r.


sentença recorrida.

Em razão da sucumbência recursal, fixo honorários advocatícios recursais em 5% (cinco por cento)
sobre o valor da condenação, nos termos do § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.

É como voto.

O Senhor Desembargador CARLOS RODRIGUES - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador HECTOR VALVERDE SANTANA - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO

CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME.

Você também pode gostar