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Sandra Soares Della Fonte

Educação Física, Educação e


Reflexão Filosófica

Universidade Aberta do Brasil Educação Física


Universidade Federal do Espírito Santo Licenciatura
U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S P Í R ITO SANTO
Núcleo de Educação Aberta e a Distância

Educação Física, Educação e


Reflexão Filosófica

Sandra Soares Della Fonte

Vitória
2010
Presidente da República Pró-Reitora de Graduação Coordenação do Curso de Educação Física
Luiz Inácio Lula da Silva Isabel Cristina Novaes EAD/UFES
Fernanda Simone Lopes de Paiva

Sumário
Ministro da Educação Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Fernando Haddad Francisco Guilherme Emmerich Revisora de Conteúdo
Silvana Ventorim
Universidade Aberta do Brasil Pró-Reitor de Extensão
Celso Costa Aparecido José Cirillo Revisora de Linguagem
Alina Bonella
Diretora-Administrativa do Ne@ad
Universidade Federal do Espírito Santo e Coordenadora UAB Design Gráfico Apresentação  5
Maria José Campos Rodrigues LDI - Laboratório de Design Instrucional
Reitor
Rubens Sergio Rasseli Diretor-Pedagógico Ne@ad Introdução  7
Valter Bratch Av. Fernando Ferrari, n.514 -
Vice-Reitor e Diretor-Presidente do Ne@ad CEP 29075-910, Goiabeiras -
Reinaldo Centoducatte Diretor do Centro de Educação Física Vitória - ES Unidade 1
e Desporto (27) 4009 2208 Filosofia: que conhecimento é esse?  11
Valter Bratch

1 Filosofia tem a ver com amor: como assim?  13


2 Filosofia: um conhecimento que nem sempre existiu  17
3 Nosso primeiro texto  19
4 Filosofia como atitude, reflexão e pensamento sistemático  21
5 Filosofia, Arte e Ciência  22
6 Sobre a (in)utilidade da Filosofia  24
7 Podemos ir para a próxima unidade?  25
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) Unidade 2
Educação escolar e o exercício filosófico  27
Della Fonte, Sandra Soares, 1972-
D357e Educação física, educação e reflexão filosófica / Sandra Soares Della 1 Sim, já temos uma noção do que trata esta unidade!  29
Fonte. - Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Educação
Aberta e a Distância, 2010.
2 Escola: um espaço de conflitos sociais  29
48 f. : il. 3 A pedagogia do opressor e a pedagogia do oprimido  33

Inclui bibliografia. 4 Educação Física: entre a educação bancária e a educação libertadora  35
ISBN:

1. Educação física - Filosofia. 2. Educação - Filosofia. I. Título. Unidade 3


Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  37
CDU: 796.01

1 Corpo na tradição filosófica: aspectos gerais do dualismo corpo e alma  39
2 Corpo-máquina: uma perspectiva ainda atual  41
3 Há alguma chance de se conceber o ser humano de outra forma?  43
4 Corpo estático? Não! O corpo no seu movimentar-se!  45
5 Já acabou?  49
LDI Coordenação Editoração
Heliana Pacheco Priscilla Martins Lista de imagens  51
Hugo Cristo
José Otavio Lobo Name Impressão
GM Gráfica e Editora Referências  53
Ilustração
Lucas Toscano

Capa
Priscilla Martins

5
Apresentação

O lá! Muito prazer! Quem sou eu? Sou a Sandra! Uma capixaba de Vila Velha (ES).
Você deve imaginar que existam muitas Sandras de Vila Velha. É verdade! Não é
fácil a tarefa de se apresentar. Poderia acrescentar que sou professora da UFES desde
1997, graduei-me inicialmente em Educação Física e depois em Filosofia, fiz mestrado
e doutorado em Educação, com estudos focados na Filosofia da Educação. É pelas
trilhas do exercício filosófico que tenho orientado meus estudos nos últimos anos. A
Filosofia é uma das minhas paixões... Mas, reconheço, esse acréscimo ainda é pouco
para uma boa apresentação. Para facilitar, poderia aqui listar as muitas tarefas que
gosto de fazer, as lutas políticas com as quais me envolvo, as minhas manias e, mesmo
assim, sei que continuaríamos com informações insuficientes para nos conhecermos.
A escritora Clarice Lispector escreveu: “A única verdade é que vivo. Sinceramente,
eu vivo. Quem sou! Bem, isso já é demais...”. Mas, se formos seguir isso à risca, o nosso
primeiro encontro fica difícil. Talvez este fascículo nos ajude a superar esse impasse.
Afinal, prolongamos muito do que somos no que fazemos! Aqui você encontrará um
pouco do que sou.
Elaborar este fascículo foi uma tarefa desafiadora. Você já entende que muitas indi-
cações do que e como vamos estudar se alteram no próprio curso em função do nosso
encontro com nossos alunos e alunas. Sinto, portanto, que o fascículo está incom-
pleto. Existem frases que apenas você poderá escrever. Em alguns outros momentos,
escreveremos todos juntos: você, eu, os tutores e seus colegas. O fascículo é um texto
aberto para a presença de várias mãos, apesar de conter sempre a intencionalidade de
quem o elaborou.
Além disso, este fascículo pode se tornar um papel morto, como você bem sabe...
Há muitas coisas que necessitam ser feitas, pensadas e sentidas para além dele. Nesse
sentido, precisamos compreendê-lo como uma das mediações dos nossos encontros,
uma espécie de ponto de partida. Será um grande problema caso um de nós o tome
como fim em si mesmo. Ele é apenas um norte para nosso curso. É preciso ir além do
que está aqui, se quisermos qualificar a nossa formação. Este tem que ser o nosso pri-
meiro acordo: o fascículo é um convite!
O poeta Mário Quintana escreveu: “Livro bom, mesmo, é aquele de que às vezes
interrompemos a leitura para seguir — até onde? — uma entrelinha... Leitura interrom-
pida? Não. Esta é a verdadeira leitura continuada”.
Por ora, fica o desejo de que este seja um fascículo bom, que, longe de pensar a for-
mação de professores circunscrita a um mero fazer profissional, remeta sempre para
o horizonte da formação humana plena e contribua para a aliança entre competência
técnica e compromisso político!

Com carinho,

Profa. Sandra Soares Della Fonte

6 7
Introdução

O nosso curso engloba três grandes temas: a Educação Física, a Educação e a Filo-
sofia. Com certeza, você já acumulou certa discussão sobre a Educação Física e
sobre o fenômeno educacional ao longo de sua vida e ao longo do curso. Fica a per-
gunta: o que a Filosofia tem a ver com isso? Em que ela é importante para o professor?
Mais precisamente, o que ela tem a ver com a Educação Física? Você vai filosofar com
seus alunos? Aplicará esse conhecimento em suas aulas? Por que essa disciplina faz
parte do currículo do curso de formação de professores de Educação Física?

Acesse a Plataforma

Antes de apresentarmos a proposta do curso, gostaria que você registrasse no Fórum


da disciplina algumas informações como ponto de partida do nosso trabalho:

Você estudou Filosofia em algum momento do seu processo de escolarização? Caso


sim, quando? Do que se lembra dessa experiência?

O que você já ouviu ou leu de positivo/negativo sobre a Filosofia?

Para você, a Filosofia é...

Qual razão você imagina para a existência de uma disciplina de cunho filosófico na
formação do professor de Educação Física?

As respostas a essas questões servirão de base para a sua autoavaliação ao longo


da disciplina. Vai ser bastante interessante! Durante o curso, você retomará as suas
concepções iniciais e as analisará, de modo rigoroso, a partir do que a disciplina tem
sido capaz de propiciar a você. Será que até o término do curso você terá as mesmas
impressões? Será que você mudará alguma coisa? O que mudará? O que permanecerá?
Por quê? Quais argumentos você já tinha e teve oportunidade de aprofundar? De quais
novos argumentos você conseguiu se apropriar? Essas indagações só poderão ser re-
vistas ao término deste fascículo. Entretanto, é preciso primeiro responder às questões
mencionadas de maneira honesta e sincera. Não receie colocar exatamente o que você
pensa. Se você ainda não respondeu, volte lá.
Nessa tarefa, provavelmente você perceberá alguns elementos que trazem desafios
para quem deseja iniciar sua aproximação com o conhecimento filosófico. Ouso levan-
tar alguns. Primeiro, todos já possuímos alguma noção desse conhecimento (algumas
até mesmo engraçadas, não é?). Segundo, muitos colegas, ou até você mesmo, já tive-
ram contato com a disciplina Filosofia, mas essa experiência foi pontual, sem grande
regularidade. Por que será? Será que isso se deve apenas à escola na qual você estudou?
Se levarmos em consideração a história recente da presença da Filosofia no cur-
rículo escolar brasileiro, perceberemos que a sua experiência particular se vincula a

8  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica 9


questões históricas e sociais mais amplas. Com a ditadura militar pós-1964, a Filosofia me acompanharam durante a minha graduação, como: “O professor de Educação Fí-
saiu do núcleo comum do currículo das escolas brasileiras. No seu lugar, apareceram a sica tem cérebro de ervilha”; “Professor de Educação Física não possui neurônios na
Educação, Moral e Cívica (para o “ginásio”), a Organização Social e Política do Brasil cabeça, só músculo” etc. Para esse imaginário, as preocupações do professor de Edu-
(para o antigo 2º grau) e Estudos dos Problemas Brasileiros (para o ensino superior). cação Física seriam banais. Sabemos que, devido à sua prática e desinteresse, muitos
Essa substituição não foi por acaso. Mais do que contribuir para formar um sujeito professores de Educação Física até reforçam esse imaginário negativo da área. Mas,
capaz de pensar autonomamente, pretendia-se formar um cidadão obediente, patriota, para aqueles comprometidos, a situação é revoltante!
para preservar a ordem nacional. Quem sabe rechear a nossa formação a partir do entrelaçamento entre Educação
Curiosamente o momento de saída da Filosofia do currículo escolar coincidiu com a Física e Filosofia não seja um caminho que contribua para pôr em xeque essa forma
obrigatoriedade da Educação Física em todos os níveis de ensino, inclusive o universi- caricatural de perceber a nossa área?
tário. Caso você retome alguns aspectos da história da Educação Física brasileira com Nesse sentido, proponho que, ao estudar este fascículo, você tenha a chance de:
o livro de Betti (1991), você possivelmente se lembrará de que, no período da ditadura
militar, iniciada em 1964, houve a ascensão do esporte à razão de Estado e a inclusão a) compreender elementos constitutivos do saber filosófico;
do binômio Educação Física e Esporte na política de planificação governamental do Re-
gime Militar. Além da extensão da obrigatoriedade da Educação Física a todos níveis de b) refletir sobre as relações entre o exercício filosófico e a prática educativa,
escolaridade, esse período se caracterizou pela esportivização da Educação Física esco- questionando o que é educar, para que educar, quem educar;
lar pelo modelo piramidal,1 com o objetivo de promover o desenvolvimento da aptidão
física e buscar talentos desportivos; e também pela expansão dos cursos de Educação c) justificar a importância da Filosofia na formação do professor de Educação
Física, em especial na década de 70, sob a égide do currículo esportivizado. Física por meio da discussão filosófica sobre o corpo e o movimento.
Acreditava-se, portanto, que, ao se envolver com o esporte, as pessoas deixariam
de pensar na condução política autoritária do País. Em outras palavras, a Educação O que achou da proposta? Sei que há muitos elementos ainda por compreender,
Física, entendida como iniciação esportiva, afinava-se com os interesses conservado- mas você entendeu de modo correto o nosso itinerário geral. Partiremos do que é a Fi-
res que governavam o Brasil. Por isso, a determinação legal para a ampliação de sua losofia, da sua relação com a Educação até chegarmos finalmente à Educação Física.
presença na escola. Então, enquanto a Filosofia desaparecia do currículo escolar por Espero que você aproveite o curso!
representar uma ameaça aos interesses do momento, a Educação Física era celebrada
por compactuar com esses mesmos interesses.
Apesar do término da ditadura em 1984, o retorno da Filosofia como disciplina es-
colar não foi regularizado de imediato. Somente em 2008, a sua inclusão e a da Socio-
logia nos currículos das escolas públicas e particulares de ensino médio foi garantida
pela Lei no. 11.684/2008.
Se, por um lado, a história recente nos sugere um afastamento entre a Educação
Física e a Filosofia, por outro, há, pelo menos, dois fatos que sinalizam uma situação
contrária, isto é, uma aproximação entre elas. Você já percebeu que, principalmente
no ensino médio, quando o aluno se encontra às vésperas do vestibular, a Educação
Física acaba sendo pouco valorizada? A Educação Física compõe, na verdade, o rol
das disciplinas “pobres” na escola, junto com Artes, Filosofia e Sociologia. Além disso,
quando a Educação Física brasileira passou pela chamada “crise de identidade” na dé-
cada de 1980, muitos intelectuais da nossa área mergulharam nos estudos das ciências
humanas e na discussão filosófica. Talvez, ao término do curso, você perceba por quê.
No momento, cabe observar que a tarefa de nos aproximarmos da Filosofia se apre-
senta desafiante diante das concepções que já trazemos e da história de contato com
esse campo do saber.
Por isso, vamos fazer uma provocação e uma proposta. Vocês já ouviram algumas
frases de desprezo em relação ao professor de Educação Física? Eu já! Algumas frases

1  Na base da pirâmide, encontra-se a Educação Física Escolar, seguida das atividades físicas de lazer e, por fim, no seu cume,
o esporte de alto rendimento. Nesse modelo, a lógica é que o campeão estimula a prática das massas; por sua vez, a Educação
Física Escolar transforma-se em iniciação esportiva e seleção de talentos.

10  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica 11


Unidade 1
Filosofia: que conhecimento é esse?

Nesta unidade, faremos uma aproximação geral com a Filoso-


fia. Afinal, como estabelecer qualquer relação entre Filosofia
e Educação, Filosofia e Educação Física, se não soubermos do
que trata o conhecimento filosófico? Assim, abordaremos: al-
guns aspectos históricos relativos ao nascimento da Filosofia;
a relação entre Filosofia e amor, Filosofia e emancipação; as
exigências do saber filosófico; as suas interfaces com outros
conhecimentos e a sua (in)utilidade.
O nosso estudo tem como base um texto obrigatório (Chauí,
2006) e alguns materiais complementares (filmes, livros, ar-
tigos etc.). Eles serão indicados no momento devido. Por ora,
continue a leitura do fascículo, pois você encontrará a primeira
pista sobre o que é Filosofia.

12  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica


1 “
Filosofia tem a ver
com Amor: como assim?


E que a minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor e a
outra metade... também.
Oswaldo Montenegro

“ Amar: Fechei os olhos para não te ver


e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,


e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...
O amor é quando a gente mora um no outro.
Mário Quintana

E ssa é a minha primeira indicação para você. Isso mesmo, não é possível filosofar sem
amar. O problema é que não avançaremos muito se não soubermos o que é amor. As-
sim, vale a pena nos determos nas indagações presentes nos trechos das músicas a seguir:

“ O que é o amor? Onde vai dar?


Parece não ter fim...


[...] O que é o amor?
Onde vai dar?
Por que me deixa assim?


Danilo Caymmi

“ Quem inventou o amor?


Legião Urbana

O que é o amor? Por que se ama? Como se


diferencia o amor de outros sentimentos? É pos-
sível amar e odiar ao mesmo tempo? Existem Figura 1. Venus e Cupido, de Alessandro Allori, século XVI
amores diferentes e hierarquizados? O amor é
eterno ou não? O amor se transforma em outra coisa? Amar é uma das experiências
elementares e cotidianas da nossa vida. No entanto, diante dessas indagações, parece
que fica difícil qualificar essa faculdade humana.
Santo Agostinho, filósofo muito ligado à Igreja Católica, nasceu em 354 e morreu
em 430. Ele disse algo em relação ao tempo que se assemelha muito com esta situa-
ção: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o qui-
ser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”. Do mesmo modo, se alguém não
pergunta, sabemos o que é amor; mas, quando a pergunta aparece, ficamos tontos e
confusos para falar disso que vivemos.

14  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  15
O esforço de compreender o amor é antigo. Na filosofava-se em locais públicos, em academias (escolas) e também em banquetes. Um
mitologia antiga (greco-romana), existem vários banquete era oferecido por famílias aristocráticas e organizado em dois momentos:
mitos que buscaram explicar a origem do amor o da refeição propriamente dita e o da bebida coletiva (simpósio). Esse segundo mo-
(Eros, em grego). Você conhece algum? Em algu- mento era moderado por um simposista que controlava a bebida. Assim, no livro O
mas versões mitológicas, Eros é uma das primeiras Banquete ou O Simpósio, Platão narra um desses eventos no qual seu mestre Sócrates
divindades que apareceu, responsável pela união estava presente e cujo tema primordial da discussão foi o amor. Todos os convidados
dos seres e coesão do mundo. Visto dessa forma, desse banquete foram incentivados a fazer, no momento do simpósio, um elogio ao
ele era um deus muito importante para os gre- amor. A seguir, destaco o trecho de um artigo no qual explico o que Sócrates, segundo
gos porque teria sido crucial na estruturação do Platão, teria falado.
mundo, ou seja, na passagem do caos (desordem,
pura fragmentação) para o cosmo (mundo orde- Um dos primeiros elementos de destaque do Têmis lhes teria respondido que ele não cresceria
nado e organizado). Em outras versões mitológi- discurso socrático está em sua apresentação do enquanto ela não tivesse outro filho e, portanto,
cas, Eros aparece como filho de Afrodite (também Eros como força cósmica que perpassa todos os se- desse a Eros um irmão; assim, para Eros crescer,
res. O amor remete a algo, é sempre amor de al- Vênus concebeu Anteros (Commelin, 2000). Como
conhecida como Vênus) e irmão de Anteros. Na guma coisa. A relação amorosa se volta para algo carência e desejo, o Eros platônico é impulso que
Figura 1, você pode conferir Eros junto com sua do qual se carece. Portanto, para Sócrates/Platão, o remete a um outro e implica, necessariamente, o
mãe, a deusa do amor. amor é desejo, e o desejo é carência e necessidade reconhecimento do não-eu, da negatividade.
Há, também, uma linda versão mitológica que do que não se tem: ‘[...] o de que se carece; eis, pre- Se, por um lado, Platão preserva o viés contra-
cisamente, o objeto de desejo e do amor’ (Platão, ditório do amor da tradição grega, por outro, ele
conta como Eros se apaixonou por Psique (a alma 1987, §200e). inova em, pelo menos, dois aspectos: ele recria o
humana). Ao lado (Figura 2), você pode conferir O amor atravessa a condição humana à medida mito de nascimento de Eros e retira desse deus sua
uma das formas como essa história foi retratada que ela se apresenta como incompletude e falta; aura divina. Para ele, o amor não é um deus, mas
esse caráter faz do ser humano um ser de desejo. um intermediário entre mortais e imortais, ou seja,
na pintura. Figura 2. O rapto de Psiquê, de William
Desse modo, o amor é um movimento, visto que um gênio, um demônio (em grego, dáimon). Esse
A imagem mais comum que temos de Eros é a Adolphe Bouguereau, 1985 estabelece uma relação que se volta para o não-eu, termo não tem sentido pejorativo. Nesse contexto,
do Cupido (Figura 3), um garotinho alado, travesso, ou seja, para aquilo do qual se necessita e em nós refere-se ao elo entre deuses e mortais. A função
com uma venda nos olhos; em uma mão, possui o não se encontra. Além disso, ele também se dirige demoníaca ‘Interpreta e leva para os deuses o que
para os meios de sua aquisição, para a satisfação vai dos homens, e, para os homens, o que vem dos
arco e a flecha (amor implica esforço, “caça”); na dessa carência. Eros parte da privação e almeja a deuses [...]. Colocado entre ambos, ele preenche
outra, um globo (alcança toda terra e ninguém dele plenitude. Nesse sentido, ele envolve, ao mesmo esse intervalo, permitindo que o Todo se ligue a si
escapa) ou tocha (força intensa/ardente). tempo, a passividade de ser afligido pela carência mesmo. [...]’ (Platão, 1987, §202e-203a).
Apesar de existirem versões distintas sobre a e a atividade desejante de saciar essa privação. Em O caráter mediador de Eros pode ser mais bem
Platão, o sentimento de não-acabamento humano compreendido com o mito de seu nascimento, que
sua origem, Eros possui algumas características re- tem como fonte ‘[...] a incompletude intrínseca à teria sido contado a Sócrates por Diotima. Segundo
correntes em todas elas. Em geral, Eros é uma di- condição de alma decaída’ (Pessanha, 1990, p. 94) a sábia mulher, os deuses realizaram um banquete
vindade, bela, responsável pela coesão e afinidade que, ao encarnar em um corpo, se esquece da con- para comemorar o nascimento de Afrodite. Dentre
templação das coisas existentes na sua forma pura, eles, encontrava-se Poro (representava a riqueza e
do mundo e dos seres. Ele também sempre se vin-
que lhe foi possível no mundo das idéias, mundo o expediente). No entanto, Penia (a pobreza) che-
cula a uma contradição. Às vezes, é fruto de pais no qual se encontrava antes de habitar o corpo. A gou ao final da festa para mendigar e viu Poro em-
contraditórios; outras vezes, ele só se desenvolve perda do conhecimento adquirido na vida anterior briagado e dormindo. Diante da sua falta de recur-
na presença de seu contrário (Anteros, ódio); em à encarnação da alma é sentida como nostalgia de sos, Penia aproveitou a oportunidade e concebeu
um mundo perfeito diante da existência corpórea um filho com Poro – Eros. Sendo filho de Poro e
outras, ele une coisas que, em princípios, seriam na multiplicidade do mundo dos sentidos. Penia, da riqueza e da indigência, Eros herdou ca-
opostas. Outro elemento de grande vigor na reflexão racterísticas de ambos: não é belo nem feio, não é
Muitos filósofos também refletiram sobre o platônica em O Banquete é a natureza contradi- bom nem mau, não é pobre nem rico. Essa condi-
amor. Uma das reflexões mais bonitas que tória e instável de Eros. Na tradição mitológica ção lhe permite trilhar o intervalo de um extremo
grega, como deus da união e da afinidade univer- ao outro. Assim, o Eros platônico é um demônio
existe na história da Filosofia é a de Pla- sal, para se desenvolver, Eros precisa do seu ad- que medeia a relação vertical entre deuses e mor-
tão. Quem foi Platão? Foi um filósofo versário Anteros, deus da antipatia e da aversão. tais. O caráter demoníaco de Eros é ser mediador
grego que viveu entre 428/27 a.C. e Figura 3: Jovem se defende de Eros, de Poetas narram que Vênus se queixou à deusa Têmis entre desiguais e, como tal, cumprir a função de
que seu filho Eros não crescia, permanecia criança. coesão do cosmo (Della Fonte, 2007, p. 330-331).
347 a.C. Sua forma de escrever é por William-Adolphe Bouguereau, 1880
meio de diálogos. Geralmente a perso-
nagem principal desses diálogos é seu mestre, Sócrates. Como nem os sábios (por julgarem tudo saber), nem os ignorantes (porque ignoram
Platão escreveu sobre o amor em vários textos. Porém, um deles se tornou a sua própria condição de ignorância) buscam a sabedoria, Eros se encontra entre uns
Figura 4. Platão clássico. É o livro chamado O Banquete ou O Simpósio. Na época de Platão, e outros e, por isso, pode se dedicar à Filosofia.

16  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  17
Ele não é sábio tampouco um completo ignorante, conhece o que ignora, aquilo
que não sabe. Por ter ciência da sua insciência, ele deseja o saber, ele busca o saber e
isso é uma necessidade, enfim, ele é amante da sabedoria. Reconhecer nossa ignorân-
cia é o ponto de partida para buscar o saber: “só sei que nada sei” e é por isso que amo
o saber, que dele necessito.
Agora você tem condições de compreender a etimologia da palavra Filosofia. Ela
vem de dois termos gregos: philia/philos (amor, amizade) e sophia/sophos (saber, sa-
bedoria). Filosofia é o amor ao saber, amor à sabedoria. Por essa razão, filosofar é sem-
pre uma experiência amorosa.
Aproveitamos para compartilhar com você algumas questões: será que, no fundo,
nós, professores, não precisamos também ser filósofos? O professor não teria o intuito
de, a partir da especificidade de sua área, levar os alunos a amarem o conhecimento?
Mas como ele pode fazer isso, se ele próprio, muitas vezes, não tem uma relação amo-
2
A
Filosofia: um
conhecimento que nem
sempre existiu
Filosofia tem data e local de nascimento. Ela surgiu entre o final do século VII a.
C. e início século VI a. C. nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente na
rosa com o saber? Pense um pouco nessas questões... Jônia), na cidade de Mileto. Confira no mapa a seguir:

EUROPA Mar Negro

Atividade Estagira

GRÉCIA ÁSIA
Explique o conceito de amor de Platão e o relacione com a música Fico assim sem
Atenas Éfeso
você, de Abdullah e Cacá Moraes. Samos
Mileto

“ Avião sem asa


Fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola,
Tô louco pra te ver chegar
Tô louco pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço
Retomar o pedaço
ÁFRICA
Mar Mediterrâneo Jônia
N

0 175 350km O L
Piu-Piu sem Frajola Que falta no meu coração
1cm - 175 km
Sou eu assim sem você S

Eu não existo longe de você Figura 5. Mapa da Grécia Antiga com indicações das cidades de origem dos principais filósofos gregos: Sócrates e
Por que é que tem que ser assim E a solidão é o meu pior castigo Platão (Atenas), Aristóteles (Estagira), Tales (Mileto), Pitágoras (Samos) e Heráclito (Éfeso)

Se o meu desejo não tem fim? Eu conto as horas


Eu te quero a todo instante Pra poder te ver Você deve estar se perguntando. Antes de a Filosofia surgir, o que existia em ter-
Nem mil alto-falantes Mas o relógio tá de mal comigo mos de conhecimento? Ora, o que predominava era a religião e o mito. Era, inclusive,
Vão poder falar por mim Por quê? Por quê? difícil diferenciá-los porque a religião se ligava a elementos míticos.
Mito vem do grego mythos que significa palavra, o que se diz. Assim, o mito é um
Amor sem beijinho Neném sem chupeta tipo de conhecimento que pretende explicar a (dar inteligibilidade à) realidade; ele
Buchecha sem Claudinho Romeu sem Julieta aceita a interferência de seres sobrenaturais, divinos na explicação dos fenômenos.
Sou eu assim sem você Sou eu assim sem você Portanto, ele se apresenta como uma narrativa mágica, cheia de mistério, baseia-se na


Circo sem palhaço, Carro sem estrada tradição e, na Grécia Antiga, era transmitido oralmente e aprendido desde cedo.
Namoro sem amasso Queijo sem goiabada Assim como o mito e a religião, a Filosofia também pretende explicar a reali-
Sou eu assim sem você Sou eu assim sem você dade. Contudo, ela surge como explicação racional da origem e ordem do mundo,
isto é, ela nasce como cosmologia. Essa palavra é composta por dois termos gre-
gos: kósmos, a ordem e organização do mundo, o mundo ordenado e organizado; e
logos, pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Como cosmólogos, os
primeiros filósofos (chamados pré-socráticos) buscavam determinar um princípio ra-
cional que é origem e causa das coisas e de sua ordenação.
Apesar dessa pretensão de apontar o fundamento de toda realidade, houve
desacordos e divergências entre filósofos pré-socráticos. Por exemplo, Tales, Figura 6. Tales

18  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  19
considerado o primeiro filósofo, julgava que o fundamento da
organização do cosmo era a água; Anaxímenes, o ar ou o frio;
Pitágoras, o número; Heráclito, fogo; Empédocles, o úmido, seco,
quente e frio; etc. Assim, em vez de atribuírem o fundamento da re-
alidade a um ser divino ou sobrenatural, eles buscaram elementos
ou aspectos da própria natureza. Por isso, os primeiros filósofos
são também conhecidos como cosmólogos ou físicos.
Várias foram as condições que favoreceram o nascimento Figura7. Pitágoras
da Filosofia: o desenvolvimento do comércio, da navegação,
a criação da moeda, a invenção da escrita alfabética (não mais
baseada em sinais gráficos e mágicos, como os hieróglifos), a
legislação escrita (não mais arbitrária), o modo de produção es-
cravista (que garantia aos aristocratas o ócio para se dedicarem
3
G
Nosso primeiro texto
ostou do texto de Chauí? É impressionante a relação que ela estabelece entre o
filme Matrix I e a Filosofia! Muitos alunos têm relatado que passaram a compre-
ender melhor esse filme depois de ler a comparação de Chauí. Quantas vezes tomamos
como real o que, de fato, é uma ilusão. Para filosofar, é preciso pôr em dúvida o que
todos chamam de verdadeiro e real. Isso implica não se contentar com as opiniões e
preconceitos estabelecidos, não ser mais uma ovelha no meio do rebanho (como co-
loca o documentário).
Nem sempre uma coisa é o que parece ser; por isso, é preciso atentar para a rela-
a outras atividades que não aquelas vinculadas diretamente à ção entre ser e parecer, entre senso comum/crença/opinião (doxa em grego) e verdade.
sobrevivência) e também o surgimento da polis (cidade), isto é, de Acima de tudo, é necessário pôr em xeque ideias e crenças que temos sem questionar.
uma forma de organização não mais baseada na autoridade Esse é um processo difícil, porque muitas vezes não nos damos conta delas; elas são
do patriarca ou do chefe religioso. silenciosas, parecem por demais naturais e óbvias, como explica Chauí.
A formação da polis implica a criação de um espaço público, Em geral, a doxa é tomada como algo natural, normal, que não precisa ser questio-
de participação igual de todos os cidadãos no exercício do poder. nado. Leia esta tirinha da Mafalda e pense na crença silenciosa que Susanita possui.
Nós sabemos que nem todos na Grécia Antiga eram cidadãos, Figura 8. Heráclito
o que torna essa democracia bastante questionável. Mas o
fato novo é que os rumos da cidade deveriam ser tomados por meio
de um debate público entre aqueles considerados cidadãos. É nesse
sentido que Chauí (2006) considera que o nascimento da Filosofia é
simultâneo ao nascimento da política, da polis (cidade). A Filosofia
implica o exercício público e, portanto, dialogal: “Pela palavra
e pela escrita, o filósofo se dirige à cidade toda e, com fre-
qüência, pagará um preço por isso” (Chauí, 2002, p. 42).
Com Sócrates, a discussão cosmológica dos primeiros fi- Figura 10. Quino, 2003, p. 91
lósofos foi substituída pela antropológica. O oráculo gravado
no pórtico do templo de Apolo em Delfos: “Conhece-te a Figura 9. Sócrates Você já pensou quantas vezes se toma a desigualdade social, a pobreza, como um
ti mesmo” era uma evocação não apenas de autoconheci- fenômeno normal, que sempre existiu e sempre existirá? Em uma de suas músicas, o
mento, mas também um apelo para os seres humanos conhecerem a si mesmos e sua grupo Titãs nos alerta para esse fenômeno: “A morte não causa mais espanto”. Já per-
capacidade de conhecer a verdade. A Filosofia se volta para questões humanas, confia cebeu quantas pessoas morrem diariamente em situações trágicas, de fome, assassina-
no ser humano e na capacidade de conhecer a natureza e a si mesmo. Sócrates é con- das, abandonadas, em acidentes de carro etc.
siderado patrono da Filosofia porque o modelo de Filosofia que hoje temos é tributária
dessa mudança que ele empreendeu.
“ A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
Miséria é miséria em qualquer canto


Acesse a Plataforma Riquezas são diferentes
Cores, raças, castas, crenças
Depois de todas essas informações, você agora possui uma base para a leitura do nosso Riquezas são diferenças
primeiro texto: a introdução do livro Convite à Filosofia, de Marilena Chauí (2006). Titãs, Miséria
Para preparar a discussão sobre esse texto, indicamos que você assista a um filme
(Matrix I) e ao documentário sobre Sócrates e o autoconhecimento. Depois disso, você Para começar a filosofar, precisamos desconfiar do que tomamos como certo e des-
poderá fazer a leitura da introdução indicada cujo título é Para que Filosofia? Durante banalizar o que, em geral, é visto como ordinário, como comum. Veja que a Mafalda
a leitura, anote suas dúvidas e seus comentários para discutir no encontro presencial. nos oferece um exemplo disso na Figura 11.

20  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  21
essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por
que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são


nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a
cumprir o que dizia o oráculo de Delfos: ‘Conhece-te a ti mesmo’. E estaria
começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica
Chauí, 2006, p. 17, grifo da autora

O mito da caverna é uma narrativa muito rica e cheia de metáforas. Cada momento
Figura 11. Quino, 2003, p. 36 do mito nos diz algo sobre a experiência do filosofar. Nem sempre sair da caverna é
simples. Na maioria das vezes, envolve um espanto, uma surpresa diante de algo novo
Diante de perguntas simples, em geral nos desconcertamos com a nossa falta de e diante da nossa própria ignorância. Quando a nossa capacidade de espanto está es-
conhecimento. Será que a desigualdade social é normal? Será que sempre existiu? Por vaziada, em geral, consideramos tudo normal, ordinário, aceitável. Nessa situação,
que ela existe? Quando nós a escondemos, ela se resolve ou, na verdade, nós fingimos quando, por exemplo, “A morte não causa mais espanto” (Titãs), é impossível filosofar.
que ela não existe? Em geral, nós resistimos muito a fazer isso; o caminho mais fácil Além disso, sair da caverna envolve esforço, mal-estar e sofrimento. O nosso pri-
é buscar uma resposta rápida para essas questões ou simplesmente ignorá-las, como meiro ímpeto é retornar para o que nos é mais familiar e cômodo. Em geral, para man-
nas situações a seguir: ter os interesses das sociedades dominantes, somos educados não apenas a ficar, mas
também a gostar de nossas prisões, as cavernas contemporâneas. Um outro elemento
crucial é perceber que o filósofo possui um compromisso político e social. Portanto,
ele precisa retornar à caverna, mesmo que tal decisão ameace a sua própria vida. Você

4
se lembra do documentário sobre Sócrates?

Figura 12. Quino, 2003, p. 79


Filosofia como atitude,
reflexão e pensamento
sistemático

Figura 13. Quino, 2003, p. 19 A té o momento, filosofar é...

Se, ao colocar a pergunta, nos apegamos ao que já acreditamos, nunca vamos sentir a) sair da caverna;
necessidade de buscar o saber, nunca nos reconheceremos como ignorantes, amantes
do conhecimento. b) tomar distância da vida cotidiana e das crenças e opiniões costumeiras;
Já pensou que também temos crenças que não questionamos em relação à própria
Educação Física, como a ideia de que a sua prática é sempre algo bom e traz saúde? O c) ultrapassar a aparência e buscar a essência das coisas;
primeiro convite que a Filosofia nos faz é colocar sob suspeita o senso comum:
d) sair da apatia e ir ao encontro do espanto e da admiração diante do mundo e de si

“ Alguém que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida


cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e
os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar
mesmo;

e) amar o saber e levar outras pessoas a amá-lo.

22  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  23
Você saberia explicar cada uma dessas orientações? Aproveite para revisar o con- ficos e artísticos são conhecimentos elaborados e sistematizados, diferentes daqueles
teúdo e tirar suas dúvidas com os tutores. Essas foram ideias gerais acerca do conheci- que produzimos espontaneamente. Eles partem do senso comum, para confirmá-lo,
mento filosófico. Agora cabe perguntar: a interrogação filosófica consiste em qualquer aprofundá-lo ou contestá-lo. Mas em que eles se diferenciam? Nas citações que se
questionamento? Qualquer pensamento? A Filosofia é “eu acho que...?” Será que a seguem, você terá algumas indicações:
pergunta da Susanita, na tirinha a seguir, é filosófica?

“ Com efeito, ao contrário da ciência, a Filosofia não tem um objeto determinado


[...]. Além disso, enquanto a ciência isola o seu aspecto do contexto e o


analisa separadamente, a Filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a
uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a examina em função do
conjunto
Saviani, 1989, p. 24

Figura 14. Quino, 2003, p. 82


“ „
Quando leio um poema, escuto uma sonata ou observo um quadro, posso
dizer, sem precisar de conceitos e de provas lógicas, que são belos ou que
ali está a beleza, e não simplesmente coisas belas
Chauí, 2006, p. 283
Para não cair na armadilha de pensar que qualquer indagação, qualquer pensa-
mento já é Filosofia, precisamos nos centrar no texto de Chauí quando ela explica a
Filosofia como atitude, como reflexão e como pensamento sistemático. Que tal dedi- “ [...] a pintura e a escultura fazem ver a visão, a literatura faz falar a
linguagem, a música faz ouvir a audição, a dança faz sentir o corpo. Ou


carmos parte do nosso encontro presencial a esse aspecto? seja, pintura e escultura nos ensinam o que é ver; a música nos ensina o
Que atitude caracteriza o filosofar? Certo, a indagação! Mas ela precisa ser racional que é ouvir; a dança nos ensina o que é mover-se e possuir um corpo; a
e crítica. Você já sabe explicar esses dois traços da indagação filosófica? Quais são as literatura nos ensina o que é a linguagem; e assim por diante
dimensões da crítica? Cuidado para não cair no senso comum quando você explicar a Chauí, 2006, p. 287
crítica negativa e positiva. Qual a diferença entre atitude e reflexão? Em que consiste

5
o pensamento sistemático? Converse sobre essas questões no encontro com o tutor. A ciência e a Filosofia são necessariamente conceituais. Para serem desenvolvi-
dos, esses conhecimentos envolvem conceitos. Você se lembra de que uma das nos-
sas primeiras discussões neste fascículo foi sobre o amor: o que é amor? Sem esse
conceito, não conseguiríamos entender a Filosofia. Assim também ocorre com al-

Filosofia, Ciência e Arte guns campos do conhecimento científico: precisamos nos apropriar de conceitos. Na
Biologia, temos que compreender o que é tecido, célula, órgãos etc. Na Psicologia, é
fundamental sabermos o que é desenvolvimento, aprendizagem, como esses proces-
sos se relacionam etc.
Por esses exemplos, você pode perceber que cada ramo científico possui um ob-

Q uando Chauí (2006) apresenta a Filosofia como fundamentação teórica e crítica


dos conhecimentos e das práticas, a autora realça que a Filosofia se ocupa com
princípios, causas e condições dos vários tipos de conhecimento; ela analisa, reflete e
jeto de investigação bastante preciso. A Bioquímica, por exemplo, estuda as reações
químicas presentes em processos biológicos que acontecem nos seres vivos. A Socio-
logia examina as sociedades. Já a Filosofia não possui um objeto particular; pode-
critica esses conhecimentos e a si mesma. A Filosofia não é religião, não é ciência, não mos filosofar sobre a política, a linguagem, o amor, a educação entre outros tantos
é arte, mas analisa, reflete e critica os fundamentos da religião, da arte, das ciências, temas; também filosofamos sobre os outros tipos de conhecimento. Assim, existem
da política etc. áreas, no campo filosófico, como a Filosofia da Religião, a Filosofia da Ciência (ou
De certa forma, quando discutimos a origem da Filosofia, já apresentamos algumas epistemologia), a Filosofia da Arte.
características que a distanciam do saber mitológico e religioso. Agora poderíamos es- Por seu turno, quando ouvimos uma música ou assistimos a um filme, o conceito
clarecer alguns aspectos da relação entre Filosofia e alguns conhecimentos elaborados, não é nosso ponto de partida. Na verdade, esses conhecimentos afetam os nossos
como a ciência e a arte. sentidos e as nossas emoções. O escultor pode até ter se fundamentado em conceitos
Com certeza, você já tem noções acerca dessas três formas de conhecimentos. O para construir a sua escultura, mas o que ele criou não foi propriamente um con-
que existe de comum entre o conhecimento filosófico, científico e artístico? O que ceito, mas um objeto artístico que causará alguma impressão na nossa sensibilidade
seria peculiar a cada uma dessas formas de conhecer? Essa é uma discussão longa, e nos nossos afetos. Por essa razão, diz-se que a arte é um conhecimento eminente-
mas podemos dela nos aproximar. Sem dúvida, os conhecimentos científicos, filosó- mente não conceitual ou sensível.

24  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  25
6 P
Sobre a (in)utilidade
da Filosofia
ara que serve a Filosofia? Trata-se de um conhecimento que pode ser “aplicado”
de maneira imediata e eficiente? Vamos retomar e debater o último item do texto
da Chauí.
À semelhança de Sócrates, muitos filósofos também passaram grandes adversida-
des por abraçar a Filosofia. Mesmo assim, fizeram a opção: “É preferível a angústia da
7
C
Podemos ir para a
próxima unidade?
hegamos ao término da nossa primeira unidade. Muitas novidades? Esperamos
que sim. Também esperamos que você aprenda a ter mais cuidado e paciência com
os conceitos. Afinal, como você já sabe, tal como a ciência, a Filosofia é um conheci-
mento conceitual. Mas ela toca em questões da nossa vida. É a tentativa de compre-
ender o nosso viver individual e coletivo que nos impulsiona a filosofar. É necessário
busca à falsa paz da acomodação” (Paiva, 2005, p. 33). proceder de modo sistemático, racional e crítico, caso contrário podemos reforçar nos-
Em muitas situações, filosofar pode representar uma ameaça aos interesses sociais sas crenças costumeiras.
dominantes. Na tirinha a seguir, você encontrará um exemplo. O que tudo isso que vimos até o momento pode nos ajudar como professores? Ah,
você já pode começar a avaliar a visão que tinha da Filosofia no início do curso e
a que você tem agora. O que você pensava? O que mudou? Por quê? Aproveite para
exercitar a argumentação sistemática, racional e crítica.

Figura 15. Quino, 2003, p. 16

Muitas vezes, quem destoa dos valores dominantes é tido como louco, como doido,
enfim, como alguém que, em princípio, não mereceria a nossa atenção. Muitos filó-
sofos foram, inclusive, considerados criminosos. Na capa deste fascículo, encontra-se
uma parte do quadro chamado A morte de Sócrates, pintado por Jacques-Louis David,
em 1787. Nele o pintor retrata o momento em que Sócrates, acusado de corromper a
juventude e não respeitar os deuses da cidade, é condenado a beber a cicuta. Você deve
se lembrar do documentário sobre esse filósofo e da sua posição; ele dizia que uma
vida sem Filosofia não vale a pena ser vivida.
Diante de uma sociedade alienada, que inverteu seus valores, que considera normal a
supervalorização das celebridades, da estupidez, nós deveríamos cantar com Raul Seixas:

“ Enquanto você se esforça pra ser


Um sujeito normal
E fazer tudo igual...
Eu do meu lado
Maluco total
Na loucura real...
Controlando minha maluquez
Misturada com minha lucidez... „
Aprendendo a ser louco Raul Seixas, Maluco Beleza

Por isso, a Filosofia só ganha vida quando nos ajuda a interpretar e a mudar o
mundo. Como dizia Marx (1987, p. 163), “Os filósofos se limitaram a interpretar o
mundo diferentemente, cabe transformá-lo”.

26  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 1  Filosofia: que conhecimento é esse?  27
Unidade 2
Educação escolar e o exercício filosófico

O objetivo desta unidade é estabelecer relações entre a Filoso-


fia e a Educação, em especial, a educação escolar. Em outras
palavras, tomaremos a educação escolar como objeto de nosso
exercício filosófico. Ao término da unidade, teremos condições
de explicitar a importância da Filosofia na formação de profes-
sores e na prática pedagógica.

28  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica


1 Sim, já temos uma
noção do que trata esta
unidade!

N ós já sabemos que a Filosofia representa uma atitude de indagação racional e


crítica e uma reflexão que se organiza de modo sistemático. Você se lembra das
características da indagação? Ser racional e crítica. E as dimensões da crítica, você re-
corda? O que significa refletir? Claro! Por isso, você já possui uma noção do que trata-
remos nesta unidade. Primeiro colocaremos em xeque as noções corriqueiras acerca de
escola e, com isso, teremos a chance de questionar, de modo racional e crítico, o que
é escola, como ela é, por que e para que escola. Além de dirigir essas indagações para
a educação escolar, teremos também que voltar essas questões para nós mesmos, ou
seja, o que pensamos, falamos ou agimos quando se trata da escola? Como pensamos,
falamos ou agimos? Por que e para que pensamos, falamos e agimos dessa determi-
nada maneira? Não só indagaremos este objeto externo – a instituição escolar –, mas
questionaremos as nossas próprias noções quanto a esse tema. Essa é uma tarefa desa-
fiante! É por essa razão que filosofar sempre envolve a nossa vida por inteiro.
Considerando que a Filosofia não é achismo e, portanto, requer uma atitude crítica,
racional, argumentada, sistemática e reflexiva, impõe-se, neste processo, a necessi-
dade de dialogar com a tradição já existente (aceitando-a ou não). Será que outros já
tentaram responder a essa questão? Que respostas deram? Concordo ou não com elas?
Em que concordo e em que discordo? Por quê? Onde se pode inovar? Precisamos, en-
tão, reconhecer que o saber filosófico vem sendo construído a um tempo que extrapola
nossa existência. Por isso, nesta unidade, o nosso diálogo principal será norteado por
um texto clássico de um grande educador brasileiro: Paulo Freire. Você terá a indica-

2
ção do momento preciso para lê-lo.

Escola: um espaço de
conflitos sociais

N em sempre, quando se fala em escola, as reações são muito alegres. Veja como
Filipe, o amigo da Mafalda, exemplifica isso:

30  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 2  Educação escolar e o exercício filosófico  31
Acesse a Plataforma

Para continuar essa conversa, assista a um vídeo disponível na plataforma Moodle de


uma banda de rock inglesa chamada Pink Floyd (verifique também a tradução da mú-
sica). Preste atenção ao sentido atribuído à escola nessa música.

Já conhecia essa música? No que ela fez você pensar? Você está certo: a escola pode
Figura 16. Quino, 2003, p. 69 ser um local de dominação, de aprisionamento... Ela pode nos transformar em mais
um “tijolo na parede”.
Em momentos anteriores, você já deve ter registrado, no seu portifólio, as lembranças A origem da escola já indica esse caráter conservador. Dermeval Saviani explica
da escola que você teve, dos professores que já passaram pela sua vida escolar até o mo- que a gênese da escola ocorre na transição do comunismo primitivo (sociedades pré-
mento. Antes de ir pela primeira vez à escola, Mafalda buscou informações com Filipe: históricas nas quais a riqueza produzida era comum a toda comunidade) para es-
cravismo antigo.1 Nesse processo, ocorreu o surgimento da sociedade de classes. A
riqueza não é mais compartilhada por todos; o escravo produz os meios de subsistên-
cia e o seu senhor vive do trabalho alheio.
No comunismo primitivo, a educação consistia em uma ação espontânea (não di-
ferenciada de outras ações humanas). Com a divisão social de classes, a educação
diferencia-se em educação da classe dominante (realizada de maneira institucional) e
educação da classe dominada (que continuou a ser assistemática).
A palavra escola vem do grego scholé (grego) que significa lugar do ócio. Ora, quem
Figura 17. Quino, 2003, p. 68 tinha ócio? A classe social que vivia do trabalho escravo! Confira a explicação de Sa-
viani (2005, p. 234):
O Filipe parece não ter tido uma boa experiência na escola. Nem sempre nossas
lembranças são boas. Por quê? Às vezes, ao invés de nos ajudar a compreender o
mundo melhor, a escola nos ensina conhecimentos sem sentido. Confira o que aconte-
ceu com a Mafalda quando ela começou a aprender a ler e escrever na escola:
“ Assim, se nas sociedades primitivas, caracterizadas pelo modo coletivo
de produção da existência humana, a educação consistia numa ação
espontânea, não diferenciada das outras formas de ação desenvolvidas
pelo homem, coincidindo inteiramente com o processo de trabalho que era
comum a todos os membros da comunidade, com a divisão dos homens em
classes a educação também resulta dividida: diferencia-se, em conseqüência,
a educação destinada à classe dominante daquela a que tem acesso a classe
dominada. E é aí que se localiza a origem da escola. A palavra ‘escola’,
como se sabe, deriva do grego e significa, etimologicamente, o ‘lugar do


ócio’. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio [...] passa a
ser organizar na forma escolar, contraponde-se à educação da maioria que
Figura 18. Quino, 2003, p. 71 continua a coincidir com o processo de trabalho.

Outras vezes, a escola é um espaço de violência. A experiência narrada por Mano- Percebe-se, então, que a escola já nasce servindo à classe dominante, aos seus in-
lito nos alerta sobre isso: teresses. Contudo, será que essa instituição não pode cumprir outro papel além desse?
Recorde, por exemplo, as boas lembranças que você teve da escola, as experiências
positivas que ela propiciou à sua vida e a de pessoas que você conhece.
O texto a seguir pode ajudar você a pensar nessa outra faceta da educação escolar:

“ A cena se passa no século XIX: o pai sabe muito bem que seu filho será
pedreiro como ele próprio, mas antes (o que é uma novidade nesse meio) irá

1  O autor explica que, apesar de sua origem nessa transição do comunismo antigo para o escravismo, a escola só se tornou a
Figura 19. Quino, 2003, p. 68 forma dominante de educação na época moderna, quando a burguesia em ascensão reivindica escola para todos (Saviani, 2005).

32  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 2  Educação escolar e o exercício filosófico  33
à escola. Um amigo faz a seguinte objeção:
- Você acha que ele subirá mais agilmente na escada quando souber ler
e escrever? Mão destra para a pena não continua boa para a colher de
pedreiro [...]. Ninguém na sua casa nunca soube ler assim como na nossa,
e não foi isso que nos impediu de comer suficiente.
E o pai responde:


- Quem sabe ler e escrever é como se tivesse mais olhos e ouvidos do que
os outros [...]. A questão não é somente comer para matar a fome, e sim
servir-se de sua inteligência para não viver como animais [...]
Snyders, 1996, p. 191-192.

Será que, ao invés de nos deixar na condição de subalternos, a escola também não
pode nos ajudar a compreender o mundo de uma maneira diferente?
3
P
A pedagogia do
opressor e a pedagogia
do oprimido
aulo Freire considerava que o analfabetismo era uma forma de castração dos se-
res humanos. Assim, o seu envolvimento mais direto foi com a alfabetização da-
queles que não puderam ter acesso à escola na idade considerada oportuna. Contudo,
segundo Freire, ser alfabetizado não significa apenas saber ler e desenhar letras e pa-
Atividade lavras, mas saber ler e escrever criticamente o próprio mundo. Para que o processo
de alfabetização efetivasse esse horizonte, ele sabia que necessitava também alterar a
Para prosseguir essa reflexão, assista ao filme Sociedade dos poetas mortos. Preste forma de aprender/ensinar. Assim surgiu o chamado “método Paulo Freire”2 por meio
atenção, pois esse filme sinaliza situações nas quais a mesma escola pode nos escra- do qual Freire buscou alfabetizar tendo como ponto de partida palavras presentes na
vizar ou nos libertar. realidade dos alunos. Aprender a ler e a escrever essas palavras também envolvia apre-


ender e problematizar o seu sentido social.
Peço licença para algumas coisas.
Gostou do filme? É possível falar que a educação escolar só serve para formatar as Busque perceber esse projeto político de
Primeiramente para desfraldar
pessoas? Debate inquietante! Afinal, percebemos que a escola não é boa nem má em Paulo Freire no poema (ao lado) que o amazo-
este canto de amor publicamente.
si mesma. Ela também é perpassada por conflitos e dilemas da sociedade na qual ela nense Thiago de Mello escreveu em sua homenagem.
se encontra. Pode assumir um projeto de dominação, mas também pode se colocar a As primeiras experiências do “método Paulo
Sucede que só sei dizer amor
serviço de um projeto de libertação. Freire” ocorreram em 1962, em Angicos, uma cidade quando reparto o ramo azul de estrelas
no Rio Grande do Norte: 300 trabalhadores foram que em meu peito floresce de menino.
alfabetizados em 45 dias! O presidente João Goulart
Acesse a Plataforma convidou, no ano seguinte, Paulo Freire para coor- Peço licença para soletrar,
denar um grande plano nacional de alfabetização. no alfabeto do sol pernambucano
Agora, sim, você pode ler o texto do Paulo Freire (2005). Trata-se do segundo capítulo Contudo, esse projeto foi interrompido em função a palavra ti-jo-lo, por exemplo,
de seu livro Pedagogia do Oprimido. Leia e anote seus comentários: o que você consi- do Golpe Militar de 1964. Paulo Freire foi acusado
derou importante, as suas dúvidas, no que o texto fez você pensar de novo. Isso será de subversão e foi preso; depois, passou 16 longos e poder ver que dentro dela vivem
importante para o momento presencial. anos no exílio em vários países onde divulgou e paredes, aconchegos e janelas,
prosseguiu seus trabalhos e conquistou reconheci- e descobrir que todos os fonemas
Mas, antes, uma provocação que vale a pena ser colocada: como você gostaria de mento internacional. Ao retornar para o Brasil, de- são mágicos sinais que vão se abrindo
ser lembrado pelos seus alunos e suas alunas? Que tipo de lembrança você quer ser vido à anistia política, o educador brasileiro ainda constelação de girassóis gerando
para eles e elas? trabalhou, no final da década de 1980 e início dos em círculos de amor que de repente
anos 1990, como secretário de Educação da Prefei- estalam como flor no chão da casa.
tura de São Paulo, no governo de Luiza Erundina
(à época, pertencente ao Partido dos Trabalhadores). Às vezes nem há casa: é só o chão.
Você leu um capítulo de um dos livros mais im- Mas sobre o chão quem reina agora é um homem
portantes de Paulo Freire, chamado Pedagogia do diferente, que acaba de nascer:

2  A expressão “método Paulo Freire” está entre aspas, porque a proposta freireana representa uma proposta político-peda-
gógica ampla e não apenas um conjunto de sugestões didático-metodológicas de ensino.

34  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 2  Educação escolar e o exercício filosófico  35
porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,
e acaba por unir a própria vida
no seu peito partida e repartida
quando afinal descobre num clarão
Oprimido, escrito em 1968, quando ele estava exi-
lado no Chile. Nessa obra, Freire apresenta duas
perspectivas antagônicas de educação: a pedagogia
do opressor ou bancária e a pedagogia do oprimido.
Como você pôde perceber dessa leitura, a edu-
cação bancária é uma concepção e uma prática em
que a educação aparece como um ato bancário no
que o mundo é seu também, que o seu trabalho qual o educador deposita conteúdos no educando.
não é a pena paga por ser homem, O centro do processo educativo está no professor;
mas o modo de amar – e de ajudar o aluno é considerado apenas um objeto e, por-
tanto, um ser passivo. O aluno é um espectador
o mundo a ser melhor. Peço licença não um recriador do mundo. Desse modo, a rela-
para avisar que, ao gosto de Jesus, ção professor e aluno é de verticalidade. No fundo,
4
P
Educação Física: entre
a educação bancária e a
educação libertadora
aulo Freire não foi um estudioso da Educação Física. Mas será que ele nos oferece
alguma inspiração para analisar a nossa área? Você já imaginou quantas vezes en-
este homem renascido é um homem novo: ela acaba reproduzindo a opressão que existe so- sinamos a nossos alunos a “memorizar” movimentos, a repeti-los, sem que eles com-
cialmente. É por isso que a concepção/prática ban- preendam o que estão fazendo? Essa postura está muito próxima de uma perspectiva
ele atravessa os campos espalhando cária é uma pedagogia do opressor, é útil para os bancária de Educação Física.
a boa-nova, e chama os companheiros opressores, porque nos faz acreditar que a reali-
a pelejar no limpo, fronte a fronte
dade não está sujeita à transformação.
Por outro lado, Freire acredita que é possível Atividade
contra o bicho de quatrocentos anos,
colocar a educação a serviço do oprimido por meio
mas cujo fel espesso não resiste
de uma pedagogia transformadora, revolucionária, Da mesma forma que os argumentos de Paulo Freire podem nos ajudar a criticar uma
a quarenta horas de total ternura.
libertadora, problematizadora. Nela a relação en- perspectiva tradicional de Educação Física, eles também podem nos impulsionar a
tre educando e educador é horizontal de tal forma imaginar e construir uma Educação Física diferente. Para você refletir sobre isso, esco-
Peço licença para terminar
que ambos sejam, ao mesmo tempo, educadores e lha um conteúdo da Educação Física; estabeleça, pelo menos, três temas a serem pro-
soletrando a canção de rebeldia
educandos: “Desta maneira, o educador já não é o blematizados; sugira atividades (duas no mínimo) para trabalhar cada tema. Justifique
que existe nos fonemas da alegria:
que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é teoricamente a condução da intervenção, a escolha dos temas e atividades a partir da
canção de amor geral que eu vi crescer
nos olhos do homem que aprendeu a ler. „ educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa” (Freire, 2005, p. 79).
A base dessa nova prática e concepção educa-
tiva é a intercomunicação, o diálogo. Assim, nessa perspectiva, a educação é um ato
teoria freireana.

Chegamos ao término desta unidade. Você se lembra daquela pergunta na introdu-


ção deste fascículo: a Filosofia é um conhecimento para ser aplicado e ensinado nas
de conhecer e desvelar a realidade. Nessa experiência cognoscitiva, os educandos são aulas de Educação Física? Agora temos condição de perceber que o importante é fo-
“[...] investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também” mentar a atitude e a reflexão filosófica em nossos educandos, mas, acima de tudo, nós,
(Freire, 2005, p. 80). O professor busca “saber com os educandos” (Freire, 2005, p. 71). professores, temos que assumir o exercício filosófico como um elemento essencial do
O conhecimento é visto na perspectiva da práxis, isto é, “[...] a ação e a reflexão dos nosso fazer-se. Caso contrário, corremos o risco de fazer um discurso político-pedagó-
homens sobre o mundo para transformá-lo” (Freire, 2005, p. 77), e da superação da gico progressista e crítico e continuar, como falava Paulo Freire, usando as armas da
doxa pelo verdadeiro conhecimento, o que está no nível do logos. Como você pode opressão nas nossas aulas.
conferir, a proposta de Freire de transcender a doxa possui muita proximidade com o
que tratamos na primeira unidade.

Acesse a Plataforma

Assista à última entrevista de Paulo Freire disponível na Plataforma.

36  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 2  Educação escolar e o exercício filosófico  37
Unidade 3
Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se

Esta é a última unidade de nosso curso. Nela, buscaremos evi-


denciar a importância da Filosofia para a formação do professor
de Educação Física (para além daquelas já discutidas nas uni-
dades anteriores). O objetivo é construir esse debate tendo como
eixo questões relativas ao corpo e ao movimentar-se humano.
Para começar, aí vai a primeira provocação: tenho ou sou
um corpo? Por quê?

38  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica


1 Corpo na tradição
filosófica: aspectos gerais
do dualismo corpo e alma

P or que será que, em geral, concebemos o ser humano a partir de duas instâncias
distintas: corpo (relacionado com a dimensão física) e alma (também considerada
mente ou espírito)? De onde vem essa compreensão?
Essa concepção tão enraizada que hoje temos do ser humano é uma construção his-
tórica. Em outras palavras, ela nem sempre existiu. Falbel (1995) explica, por exemplo,
que, no período bíblico, o povo judaico não distinguia corpo e alma. Nesse período, o
hebraico bíblico contém expressões como sopro (vento) de vida, coração, carne, pessoa
viva, entre outras, para se referir ao ser humano e as várias dimensões do seu viver. A
partir do Talmud (registro das discussões dos rabinos que se iniciou em 200 d.C.), as
palavras corpo e alma começaram, aos poucos, a ser usadas, ainda que de modo impre-
ciso, e as antigas expressões passaram a ser traduzidas a partir dessas novas palavras.
Podemos, então, perguntar: quando a dicotomia corpo e alma ganhou elaboração
filosófica? Como ela chegou até os dias de hoje? Prepare-se, faremos uma viagem pa-
norâmica sobre esse assunto.
Devemos a Platão a primeira elaboração filosófica do dualismo psicofísico. Na Fi-
losofia platônica, os seres humanos são formados por essas duas realidades: corpo e
alma. Essa divisão corresponde à sua visão de mundo: existiria, para Platão, um mundo
sensível (inferior, mortal, mutável e imperfeito) e o mundo das ideias (eterno, superior,
imutável e perfeito). Segundo Platão, o mundo das coisas/sensível é uma cópia imper-
feita do mundo das ideias; por isso, encontra-se em uma condição de inferioridade.
Nesse sentido, Platão defendia a preexistência e a superioridade da alma em relação
ao corpo: “Quando estão juntos alma e corpo, a este a natureza consigna servidão e
obediência, e à primeira comando e senhorio” (Platão, 1987, p. 84).
Quanto mais se liberta das amarras do corpo (posse de bens, honra-
rias, prazeres e também doenças), mais o ser humano pode se dedicar
à busca da essência das coisas, às atividades tidas como superiores,
relacionadas com o pensar.
Aqui se encontra uma das razões da frase “ginástica para
o corpo e música para a alma”. Para Platão, ao entregar-se
efetivamente à busca da sabedoria, além de renúncias aos
prazeres e às “imundices” do corpo, haveria a necessidade
de um corpo sadio. Dessa forma, as atividades da alma não
seriam entravadas, obstruídas pelos problemas de um corpo
enfermo. Também aqui se encontra a razão da famosa
frase de Juvenal, poeta satírico do século II d. C., que,
influenciado por Platão, rogou mente sã em corpo Figura 20. Corpo X Alma

40  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 3  Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  41
são. Essa saúde do corpo seria conferida pela prática da ginástica, entendida como Segundo esse filósofo, o universo consiste de duas diferentes substâncias: a mente
lutas, danças, corridas, saltos, cuidados higiênicos, controle dietético, abstenção da ou substância pensante (rens cogitans) e a matéria (res extensa). Fisiologicamente,
embriaguez. Descartes colocou o centro da interação entre as duas substâncias na glândula
A Filosofia platônica foi incorporada pelo Cristianismo que acrescentou um ele- pineal, um pequeno corpo localizado centralmente na base do cérebro.
mento novo à dicotomia corpo e alma: a noção de pecado. O corpo passa a ser “proi- Esse filósofo compara o corpo humano a uma máquina. Para Descartes,
bido”, culpado, perverso, a ser dominado/purificado por meio de “técnicas coercitivas”, Deus fabricou o corpo como máquina, um instrumento universal, com suas
como os castigos, abstinências, jejuns, autoflagelo. próprias leis. O motivo dessa comparação é o fato de que, na época de
Para Santo Agostinho (354-430), por exemplo, o ser humano é corpo e alma: a Descartes, as pessoas estavam totalmente fascinadas pelas máquinas e
alma racional se serve do corpo, habita o corpo. O pecado é, segundo Santo Agostinho, pelas engrenagens dos relógios. O mecanicismo consistia em uma analo-
uma transgressão da lei divina, à medida que a alma foi criada por Deus para reger gia para explicar o universo a partir do modelo físico (natureza constitu-
o corpo, e o homem, fazendo mal uso do livre arbítrio, inverte essa relação, subordi- ída de engrenagens que funcionam a partir de uma força externa).
nando a alma ao corpo e caindo na concupiscência e na ignorância. Por que o dualismo tem perdurado por tanto tempo? A divisão social Figura 22. René Descartes.
A dicotomia corpo e alma ganha novos contornos com o advento da era moderna. do trabalho característica de sociedades de classes separa, de um lado, o
Não se pretende mais, nesse momento, um conhecimento meramente especulativo, abs- trabalho manual da produção destinada às classes dominadas, e, de outro, o trabalho
trato, que contempla aquilo que Deus quer revelar ao homem, como ocorreu no período intelectual das classes dominantes. Essa divisão social do trabalho é transportada para
feudal. A burguesia em ascensão pleiteia o esforço individual como critério da riqueza o interior do próprio ser humano; nesse caso, a divisão social entre classes dominan-
(e não mais a hereditariedade da nobreza) e advoga um conhecimento advindo do es- tes/trabalho intelectual e classe dominada/trabalho braçal passa a ter o seguinte cor-
forço da razão humana na compreensão da ordem do mundo; um conhecimento prático, respondente: a existência do corpo versus alma e a superioridade desta em detrimento

2
cujos resultados se convertam em um progresso técnico. Há, nesse contexto, uma des- daquele.
sacralização do corpo: corpo torna-se mais um objeto sujeito à investigação científica.
No século xvii, a Holanda ocupou um lugar de vanguarda nos estudos da Medicina.
Knijnik (2005, p. 2) explica que “A experimentação como método levou à dissecação
dos cadáveres e as aulas de anatomia chamavam a atenção de todos, inclusive mem-
bros da realeza e indivíduos de importância política”. Por essa razão, esse evento che-
gou a ser retratado na pintura da época, como
Corpo-máquina: uma
você pode conferir na Figura 21.
Você acaba de ver um quadro do importante
pintor holandês Rembrandt, encomendado pelo
perspectiva ainda atual
Colégio de Cirurgiões de Haia para homenagear
o médico e cientista Dr. Tulp. Como se pode per-
ceber, consiste em uma aula de Anatomia, na
qual o Dr. Tulp faz uma dissecação pública do
cadáver de um comerciante que fora enforcado.1
V ocê já imaginou quantas vezes lidamos com o corpo como se fosse uma máquina,
um instrumento, uma coisa, um mero objeto de manipulação?
Analise as imagens a seguir e identifique como essa afirmação se torna válida em
Nessa pintura, “[...] Rembrandt não buscou cada uma das situações apresentadas:
meramente destacar um corpo humano qualquer,
mas a investida científica no corpo humano, o
gosto pela aplicação prática do conhecimento
[...]” (Pulici, 2007, p. 62). É uma tentativa de ex-
Figura 21. A lição de anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt, 1632 plicar a estrutura do corpo, seus movimentos,
suas funções e sua interação com a alma.
O filósofo francês René Descartes (1596-1650) também dedicou seus estudos à ana-
tomia e à fisiologia no período em que se instalou na Holanda. Um aspecto importante
da Filosofia de Descartes é sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito.

Figura 23. Nadador olímpico, a máquina de nadar

1  Nesse quadro, há um erro cometido por Rembrandt cuja causa ainda é desconhecida: o músculo braquiorradial foi pintado
em direção à ulna, o que não acontece na anatomia normal do nosso braço. Figura 24. Charles Chaplin em Tempos Modernos

42  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 3  Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  43
Minha gravata e cinto e escova e pente, [...].
Meu copo, minha xícara, Agora sou anúncio
Minha toalha de banho e sabonete, Ora vulgar ora bizarro.
Meu isso, meu aquilo. [...].
Desde a cabeça ao bico dos sapatos, Objeto pulsante mas objeto
São mensagens, Que se oferece como signo dos outros
Letras falantes, Objetos estáticos, tarifados.
Gritos visuais, Por me ostentar assim, tão orgulhoso
Ordens de uso, abuso, reincidências. De ser não eu, mas artigo industrial,
Costume, hábito, permência, Peço que meu nome retifiquem.


Indispensabilidade, Já não me convém o título de homem.
Figura 25. A turbinada Figura 26. Treinamento de ginástica olímpica E fazem de mim homem-anúncio itinerante, Meu nome novo é Coisa.

3
Escravo da matéria anunciada. Eu sou a Coisa, coisamente.
Por que essa relação que estabelecemos entre corpo e máquina é ainda tão forte
nos dias atuais? O filósofo Karl Marx escreveu: “Com a valorização do mundo das
coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens”
(Marx, 2004, p. 80). Com isso, ele alertava para uma inversão que ocorre na socie-
dade capitalista. O ser humano se relaciona com o produto de sua ação como se
fosse uma força independente que o domina. Nessa relação alienada, ele se enxerga
Há alguma chance de se
a si próprio como um objeto e compreende a sua produção como um ser existente
que está acima dele próprio. Não é essa a relação que estabelecemos com o di-
nheiro? Quantas vezes, não atribuímos vida ao dinheiro ao dizer que ele traz feli-
conceber o ser humano
cidade! Esquecemos que o dinheiro é uma criação humana e, nesse esquecimento,
atribuímos a ele o poder de determinar a nossa própria vida (trazer felicidade) e
com ele nos relacionamos na condição de subalternos, escravos, objetos.
de outra forma?
Na alienação, o ser é substituído pelo ter. Em outros termos, o nosso ser é determi-
nado pelo que temos, pelo que acumulamos, pelo que consumimos. Nesse contexto,
o nosso próprio corpo aparece como instrumento, objeto que o ser humano possui
(máquina de trabalho, objeto útil e produtivo) e precisa consumir para sobreviver. “ [...] diante do cadáver da avó, o miúdo perguntou à mãe o que é que estava
a acontecer. A mãe foi-lhe explicando que a avó tinha morrido e que a alma
dela tinha ido para Deus e o corpo ia para a terra. Quando ela própria
morresse, também ia ser assim: a alma iria para Deus e o corpo para o
Atividade cemitério. E continuou, angustiada: ‘Sabes, meu filho, quando tu morreres,


a tua alma vai ter com Deus e o teu corpo fica no cemitério’. Aí, o miúdo
Explique a compreensão de corpo em René Descartes e dê exemplos do prolonga- observou, perplexo: ‘A minha alma vai ter com Deus e o meu corpo vai para
mento dessa concepção no âmbito da Educação Física. o cemitério. E eu?
Borges, 2006, p. 1
Marx nos ajuda a compreender como, na sociedade capitalista, o sentido de ter um
corpo assume um caráter específico. Explique essa afirmação, tendo como pano de
fundo o poema de Carlos Drumond de Andrade que se encontra a seguir: Q uando tenho um objeto e o jogo fora, continuo sendo eu. Contudo, se jogar meu
corpo fora, continuarei sendo eu? Quando se afirma apenas “tenho um corpo”,
está implícita a essa afirmação a não coincidência entre mim e meu corpo, entre a

“ Em minha calça está grudado um nome


Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
identidade do sujeito e a sua existência corporal.
Há algum caminho alternativo para compreender o ser humano? Na verdade, ne-
cessitamos superar esse modo de vida que nos leva a ter uma relação utilitária e ins-
trumental com a nossa existência corporal. Ao lutar contra essa tendência social,
Que jamais pus na boca, nessa vida, De alguma coisa não provada podemos visualizar uma nova forma de nos compreender como seres humanos. Veja o
Em minha camiseta, a marca de cigarro Por este provador de longa idade. que as frases a seguir sugerem:
Que não fumo, até hoje não fumei. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

44  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 3  Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  45

“ „

Meu corpo não é coisa, não é máquina, não é feixe de ossos, músculos e

no mundo, de me relacionar com ele e de ele se relacionar comigo


Chauí, 2006, p. 207

sangue, não é uma rede de causas e efeitos, não é receptáculo para uma
alma ou para uma consciência: é meu modo fundamental de ser e de estar

Eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes sou meu
corpo
Merleau-Ponty, 1994, p. 207

Quando jogo, quando canto ou danço, estou não apenas pondo em


4 Corpo estático?
Não! O corpo no seu
movimentar-se!

„ Q
funcionamento o meu equipamento anatômico e fisiológico, estou vivendo, uando indicamos que o corpo é um tema relevante para a Educação Física, preci-
simultaneamente, o mundo cultural que conformou este jogo, este canto e esta samos abandonar a nossa visão de senso comum de compreendê-lo apenas como
dança e todos os meus projetos existenciais nele estão representados um objeto físico-biológico que serve de receptáculo para algo que lhe é superior (a
Nóbrega, 2000, p. 60 alma, a mente ou o espírito). Como mencionamos, a existência humana é corporal.
Além disso,


O que essas frases fazem você pensar de diferente? Corpo-existência? Corpo-su-
jeito, sujeito-corpo? O que isso significa?
Para iniciar essa reflexão, vamos começar com a seguinte indicação: o ser humano
é e não natureza. O ser humano compartilha com os demais animais os mais primários
“ [...] o corpo está no mundo, não como coisa, objeto ou idéia, mas
como presença viva, em movimento
Nóbrega, 2000, p. 58


instintos. Assim, quando falamos que o ser humano se relaciona com a natureza, isso
implica afirmar que “[...] a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem
é uma parte da natureza” (Marx, 2004, p. 84).
No entanto, Marx sublinha que o ser humano é um ser natural humano. A tessitura
do humano se dá por meio da sua atividade vital – o trabalho. No e pelo trabalho, o
“ [...] o corpo é sensível e se revela na motricidade, nos movimentos
com sentido e significado
Nóbrega, 2000, p. 63

ser humano transforma a natureza e origina algo inédito: a natureza humanizada (o Por isso, insistimos:
mundo da cultura). Ao fazer isso, ele não só transforma a natureza externa a ele, como
transforma a si próprio. Assim, ao produzir os meios para sua sobrevivência, ele tam-
bém gera conhecimentos, hábitos, valores, conceitos, ideias, formas de sentir, modos
de se vestir, práticas corporais, gestos etc. Para se constituir, o ser humano precisa tor-
nar essa produção cultural parte de si mesmo. A assimilação da cultura (resultado do
“ Motricidade e corporeidade entrelaçam-se formando uma unidade que se


torna visível nos movimentos, sejam eles referentes às ações cotidianas ou
aos hábitos motores mais complexos, como a dança, os esportes [...]
Nóbrega, 2000, p. 58
trabalho) é um aspecto fundamental do desenvolvimento humano. Essa assimilação
ocorre por meio da educação (entendida como um processo de transmissão ativa às
novas gerações dos progressos da cultura humana). Atividade
Ora, se o ser humano é e não é natureza, o corpo humano traz a marca dessa con-
dição contraditória. Assim, o corpo não pode ser entendido simplesmente como or- Se isso é verdade, precisamos agora lidar com o desafio de responder: o que é o mo-
ganismo. Ele também é cultura e transcende o aspecto físico e biológico. “O corpo vimento humano? Essa é uma indagação complexa. Que tal, então, começarmos com
expressa a unidade na diversidade, entrelaçando o mundo biológico e o mundo cultural uma tarefa mais simples? A sugestão é assistir ao filme Billy Elliot e responder, a partir
e rompendo com o dualismo entre os níveis físicos e psíquicos” (Nóbrega, 2000, p. 57). do que o filme retrata, o que é a dança.
Além disso, é necessário considerar que a atividade humana vital mobiliza toda a
sua existência humana (sensitiva e intelectual). O pensar e o sentir não são funções O filme Billy Elliot pode ser analisado sob vários prismas, afinal, os temas tratados
da alma, assim como o agir não é atributo do corpo. A existência humana é corporal; são variados e ricos: a vida precária da classe trabalhadora durante a greve dos minei-
somos sujeitos encarnados. Desse modo, não há consciência, pensamento, sentimento ros na Inglaterra, em 1984 (fato real), a repressão do movimento grevista pelo governo
de um lado e estrutura física, orgânica de outro: o corpo sente, pensa, age, fala. da primeira-ministra Margareth Thatcher (conhecida como a “dama de ferro”), as res-
ponsabilidade de um menino de 11 anos de cuidar de sua avó, o preconceito contra o
homossexualismo, as relações sinceras de amizade, o luto de uma família pela morte
de um de seus membros, os conflitos entre pais e filhos, entre outros.

46  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 3  Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  47
Na saga de Billy entre a quase predestinação de se tornar um mineiro (assim como Nós podemos compreender isso tanto em termos de um sujeito ou vários sujeitos
eram seu pai e seu irmão) e a chance de ser uma outra pessoa, aparecem duas práticas em situações imediatas, como na perspectiva de sujeitos históricos cujas ações envol-
corporais: o boxe e a dança. Junto com o rugby e o futebol, o boxe é uma das práti- vem várias gerações. Aqui também podemos imaginar que o movimentar-se possui
cas corporais de mais tradição na Inglaterra. Como podia um garoto inglês não querer um significado para o sujeito em relação a um contexto no qual ele se encontra, mas
fazer boxe? Ou melhor, como ousava trocar o boxe, símbolo nacional vinculado ao também envolve um significado histórico que ultrapassa a situação imediata.
mundo masculino, pela dança clássica? Assim, diante de um atleta de natação em uma competição de alto
Não se trata de qualificar, de imediato, a família de Billy como preconceituosa. nível de nado livre, podemos indagar: quem é esse sujeito?
Você se lembra de que o processo de alienação empobrece a vida nas suas várias di- A que classe social pertence? Que sentido e valores ele
mensões. A vida do trabalhador se limita, em geral, às atividades restritas à sua sobre- atribui a essa prática corporal? Por que ele nada?
vivência. A “grosseria” do pai e do irmão de Billy nada mais faz do que manifestar a Ele sofre pressões de seus patrocinadores? O que o
vida igualmente rude que eles vivem, uma vida limitada. move naquele momento: o simples prazer de nadar
A dança aparece, para Billy, como uma prática corporal com técnicas precisas, mo- ou a vontade de ganhar a competição? As respos-
vimentos refinados, e demanda esforço para ser aprendida. Mas se nós pararmos por tas podem ser variadas, mas algo é certo: esse atleta
aqui, com certeza, não captaremos outras dimensões que constituem essa forma de se envolveu com uma prática corporal que resul-
movimentar-se, em especial, o seu papel de expressividade. O gesto corporal é sempre tou/resulta da ação coletiva de muitas gerações que
expressivo... buscaram/buscam construir uma forma técnica de
Em geral, nós associamos uma concepção instrumental de corpo a uma concepção deslocamento no meio líquido racional e eficiente,
também reducionista de movimento. Quando concebemos o corpo como coisa, descre- uma forma de superar o atrito da água e de se mover
vemos o movimento como um acontecimento espaço-temporal no sentido físico, isto é, o mais rápido possível.
como um deslocamento do corpo ou de partes deste em um tempo e espaço determinado. Por sua vez, o significado do nadar de uma criança
Para estudar o movimento como esse fenômeno físico, recorre-se às Ciências Na- que está na praia e nada “cachorrinho” é bem di-
turais. Sob essa perspectiva, o movimento é facilmente quantificável, comparado, ferente. Ela pode estar disputando com um colega
padronizado. No meio esportivo, o movimento humano é investigado no sentido do quem chega mais rápido a um determinado lu-
rendimento físico e da prontidão do aluno para a aprendizagem de habilidades motoras. gar ou pode estar simplesmente brincando. Ela até Figura 27. Atleta de natação
Superar essa visão de movimento implica compreendê-lo como ação na qual o su- gostaria de nadar os “quatro estilos”, mas sua fa-
jeito, pelo seu “movimentar-se”, se faz no mundo. Em outros termos, o movimentar-se mília não pode matriculá-la em uma escolinha, pois não tem condições econômicas.
torna-se “[...] expressão humana, como função dialógica na relação Homem/Mundo” Talvez ela sonhe com isso enquanto nada e até sinta vergonha de só saber nadar “ca-
(Kunz, 2001, p. 185). chorrinho”. Talvez isso não passe pela sua cabeça e ela só sinta o prazer de se divertir
nesse domingo ensolarado. Para além dessas situações imediatas, temos que reconhe-
cer que o nado “cachorrinho” também é uma das variadas formas que o ser humano
Acesse a Plataforma construiu, ao longo da sua história, para se deslocar no meio líquido. O seu sentido
não é perpassado pela noção de eficiência. Além disso, ao possibilitar que a cabeça fi-
O que significa afirmar que o movimento é uma expressão humana? Que tal aprofun- que fora da água, ele se torna mais atraente para aquelas pessoas que não estão muito
darmos esse assunto? Leia, então, o texto de Elenor Kunz (2000). adaptadas ao meio líquido ao ponto de fazer a imersão sem o desconforto de engolir
água. Apesar de não ser considerado um dos estilos oficiais da instituição esportiva,
Um texto curto, mas fecundo! Kunz considera o movimento humano como o ob- esse meio de locomoção na água também é um nado. Ora, o que nos fez acreditar que
jeto mais importante da Educação Física. O autor precisa a sua afirmação: interessa quem nada “cachorrinho” não sabe nadar? Por que consideramos que esse nado é er-
à Educação Física o movimentar-se de seres humanos no contexto do que ele chama rado? Por que a natação da instituição esportiva se tornou critério de execução correta
cultura de movimento (esporte, ginástica, danças e lutas). Isso significa, portanto, que de deslocamento na água?
o movimento é uma expressão da vida humana e precisa ser compreendido a partir do As indagações são instigantes. O que podemos enfatizar, por ora, é que, em ambas
vasto patrimônio cultural da humanidade. as situações, encontramos sujeitos envolvidos com movimentos relacionados com a
Por isso, apenas indicar a técnica de execução, observar os grupos musculares en- locomoção no meio líquido, com sentidos imediatos e históricos variados. Nos casos
volvidos, a biomecânica do movimento, é insuficiente para nos explicar a expressi- citados, há, inclusive, diferenças na técnica de execução. Também poderíamos imagi-
vidade do mover-se humano. É por isso que, nessa perspectiva, o “se movimentar” se nar situações nas quais os sujeitos realizam técnicas de desempenho semelhantes, mas
refere a três dimensões: o ator (sujeito das ações do movimento); a situação concreta; com significados distintos.
e o significado que orienta as ações. Assim, o movimento sempre envolve a conduta Essa discussão nos desafia. Ao pretender dar um tratamento pedagógico à ampla
de um sujeito em uma situação. gama de práticas corporais existentes e sistematizadas na forma de ginástica, esporte,

48  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 3  Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  49
dança, lutas etc., o professor de Educação Física precisa reconhecer que as descrições
biomecânicas e biológicas de um movimento não ocorrem descoladas da inserção his-
tórica e social dos sujeitos. Por isso, o movimentar-se está carregado de interesses, de
conflitos sociais, de valores e crenças, enfim, está carregado de vida humana! Se isso é
verdade, a tarefa de ensinar/aprender ou pesquisar uma prática corporal se torna bas-
tante complexa e muito mais interessante.
À medida que contribui para evidenciar os fundamentos de nossa prática pedagógica,
a Filosofia pode ser uma grande companheira: ela nos convida a indagar, de modo crí-
tico e sistemático, aquelas noções que temos, muitas vezes, silenciosas, mas fortes o su-
ficiente para direcionar politicamente a nossa intervenção. Que tal aceitar esse convite?

Atividade
5
I
Já acabou?
sso mesmo, chegamos ao término da unidade e do nosso fascículo. Agora você tem a
chance de avaliar o que você pensava sobre a presença de uma disciplina de cunho
filosófico na formação de professores de Educação Física. Você se lembra da sua res-
posta no início do fascículo? Realize essa tarefa filosofando. No fundo, essa é uma
oportunidade para você sistematizar os estudos e as discussões construídas.
Espero ter conseguido contagiar você com um pouco da minha paixão pela Filoso-
fia. Também espero que, no exercício docente, você se deixe tocar pela força de Eros.
Contudo, saiba que, para efetivar o Eros da e na educação, muitas vezes precisamos
evocar o Anteros dirigido, de forma intolerante, contra tudo aquilo que promove a de-
Qual a diferença entre uma abordagem pedagógica que foca o movimento do aluno de gradação do ser humano.
outra que valoriza o aluno no seu movimentar-se? Que você leve com carinho boas lembranças desse nosso encontro! Mas o tempo e


o cansaço podem ser implacáveis. Nesse caso, faço minhas as palavras do poeta:
Analise imagens a seguir. O que elas indicam? Em termos biológicos, são formas de mo-
vimento muito semelhantes, envolvem praticamente as mesmas articulações e grupos
musculares. Mas que sentido possuem? São os mesmos? O que cada corrida comunica,
expressa? Busque subsídios teóricos no texto de Kunz para formular sua explicação.

Até sempre!
Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho
Mário Quintana

Sandra

Figura 28. Fugindo do cão Figura 29. Crianças brincando

Figura 30. Corredores olímpicos

50  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica Unidade 3  Filosofia e Educação Física: o corpo e o movimentar-se  51
Lista de imagens
Capa: A morte de Sócrates, de Jacques-Louis David, 1787. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:David_-_The_Death_of_Socrates.jpg>. Acesso
em: 27 jan. 2010.
Figura 1. Venus e Cupido, de Alessandro Allori, século XVI. Musée Fabre, Montpellier.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Allori_Venus_Cupido.jpg>. Acesso em: 27 jan.
2010.
Figura 2. O rapto de Psiquê, de William Adolphe Bouguereau, 1985.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Psycheabduct.jpg>. Acesso em: 27 jan. 2010.
Figura 3: Jovem se defende de Eros, de William-Adolphe Bouguereau, 1880.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:William-Adolphe_Bouguereau_%281825-
1905%29_-_A_Young_Girl_Defending_Herself_Against_Eros_%281880%29.jpg>. Acesso em: 27 jan.
2010.
Figura 4. Ilustração: Platão.
Figura 5. Ilustração: Mapa da Grécia Antiga.
Figura 6. Ilustração: Tales.
Figura 7. Ilustração: Pitágoras.
Figura 8. Ilustração: Heráclito.
Figura 9. Ilustração: Sócrates.
Figura 10. Mafalda, Quino, 2003, p. 91.
Figura 11. Mafalda, Quino, 2003, p. 36.
Figura 12. Mafalda, Quino, 2003, p. 79.
Figura 13. Mafalda, Quino, 2003, p. 19.
Figura 14. Mafalda, Quino, 2003, p. 82.
Figura 15. Mafalda, Quino, 2003, p. 16.
Figura 16. Mafalda, Quino, 2003, p. 69.
Figura 17. Mafalda, Quino, 2003, p. 68.
Figura 18. Mafalda, Quino, 2003, p. 71.
Figura 19. Mafalda, Quino, 2003, p. 68.
Figura 20. Ilustração: Corpo x Alma.
Figura 21. A lição de anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt, 1632. Royal Picture Gallery Mauritshuis,
Haia. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Anatomy_Lesson.jpg>. Acesso em:
27 jan. 2010.
Figura 22. Ilustração: René Descartes.
Figura 23. Ilustração: Nadador olímpico.
Figura 24. Ilustração: A turbinada.
Figura 25. Ilustração: Charles Chaplin em Tempos Modernos.
Figura 26. Ilustração: Treinamento de ginástica olímpica.
Figura 27. Ilustração: Atleta de natação.
Figura 28. Ilustração: Fugindo do cão.
Figura 29. Ilustração: Crianças brincando.
Figura 30. Ilustração: Corredores olímpicos.

52  Educação Física, Educação e Reflexão Filosófica 53


Referências
Betti, M. Educação física e sociedade: a educação física na escola brasileira de 1º e 2º graus. São
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Chauí, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006.

Chauí, Marilena. Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São Paulo:
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