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Em abyil de 1945, cerea de um ano apos vr presa pelos nazistas e enviaa como prisioneta para Auschwsit Lili Jalfe {ajo nome de soteiea eta Lili Stern) fl salva pela Crue Vers melhae levada a Suéca. 1, ela anotou num drio 0 prin pais acontecimentos por que havia passado: a eapeutt pl Slemies, o cotidiano no campo, as teanseréneias para out Jocais de trabalho, mas também a experiencia da libertagio, saudade dos pais ¢ a redescoberca da feminildade. Esse didrio — hoje depositado no Museu do Holocausto em Jerusalém e que, tradurido dretamente do sérvio, tem aqui sua primeira publicagio mundial — foi o ponto de pasta para este livo absolutamente incomum, escrito onganizado por Noetai Jaffe. Em O que os cegos estdo sombandot, tres erage de mulheres da mesma familia se debrugam sobre 0 horror de Anschwit, no impulso — Go imprescindivel quam ta vio — de, como observa Jeanne Marie Gagnebin cet agasalho “contra a brualidade do real”. PS rernopnas “iki* HT) ena = Noemi Jaffe 0 que os cegos estao sonhando? 0m 0 Diério de Liti Jaffe (1944-1945) editoralli34 shoei de il Stern, uma mo svi i dederenove sos gue ore vobrevie tne resem sci read pla Cre ‘ermelha na Sui, die eit tires sdb escrito aor da hrs, vive dee fun ola dd natal: Anes do dvi, ma “uta presenta do reat por fila ase ‘kino Brana eertors cris teria Neem Jaffe Tn Sequtna, ds ets um longo de [Noein out cut de Leds Carum, ks de Noemie neta de i, que remstizam, depois de tina wage em come a Auscbits em 2008, [Ga etn con ern erga sr hae ect de na obese TE ops a mats evemunbos maseo nhecdor da Shoah cetietrofe em hsb), tomo os de Primo Levi onde Ble Wiel, por ‘tenple a anager dene dio erie por Feo odo ug enur compaiso, ao diforam neha era da nerd Noe ano, quan aa lhe ere por que © ‘jreteta mle, viendo hi eps 0 Bras, responder “Para go ve? ks!” A mops gi ‘sravenoa offen csobrevives — ler por ‘ue comet arma coiha do ero, to {rio more de foe nem defo apes da Foe e da fo — no comaavaexcrever ANE Hep tm ft cx coe wx plavess ‘somo oti su fia esin ne, que eabaam ‘omar. Aas responce que sree peo Imperatvo da tranaminso 3 fika por vi co nase cones deanemdo ee at, Ela ct Es stra peice ede me, tas também uma cerens fue sa fla nfo omparsia), a saber: gue pode “agaenar™ fa sa vonade peso for sufsenemene fore, ese 0 "destino" dae Com base asa cores la qurenqccer ecensct medio = ROR Noemi Jaffe O que os cegos estado sonhando? com o Didrio de Lil Jaffe 1944-1945) «texto final de Leda Cartum Tj rernownas “iis editoralli34 eee 0 Que oscEcos ESTAO SONHANDO? Eos 34 12 Ron Hangin 592 Jin aope CHP 0155 000 Soule S Bras Teas 1) 9814677 wwvcedor come iglo, Noemi Jaffe . wb Cony © ora 4 Ld, 2012 (uses et sonando? © Now ai, 2012 ‘iri de Lil Jae (1944-1945). " Liv patina plo rograma eto rh r Mi rom a "a “© que os cegos estdo sonhando? “radagd do isi de ih fe 19441945) Aleksander Juana Imagen caps Detae do memorial em Auschuit onde x costar cole pers ‘em homenazom aos morts (fotografia de Noon Jf, 2009) Capa, peojeo gine eiorasio elec Braker Mats Produio Gnfce Revisio ubricio Corsale Alberto Matin, Cai Boivin 1 Ego 2012 (1 Reimpressto 2013) IPB. Caslogaso-n- Fon [Sindicao Nacional dos Eto de Lio R) Bes) a Ne 185 Sec at anton ig tia Bt) {Skee em "os Vids Venta Meni a. a Foie rea. isis ive Coin decie (O eaguecneno€ tie vnganes ea nso pero ‘Aqui, li, Leda Cartum 190 133 1936 198 209 a7 a6 a 229 Apresentagio Nowmi Jaffe im abril de 1945, cerea ce um ano apos ter sido presa ‘om sua cidade, Stenta, no inerior da atual deter permanecido.como prisioneira cm Ausch wit teem Bergen-telen, minha mse, Lili Jaffe —quando solteira, Lil Stern > oi salva pela Cruz Vermelha elevada i Suéca Tim Malin, onde ela permaneceu em quarentena junto com fis tr pramas, que essiveram com ela darante todo aquele pero, ela escreveu um dito de guerra em que procerou Pepi osacontecimentos que he pareceram mats impor vhnten: desde © momento em que el, su femio e seus pais fuardavam a chegada dos alemies, numa mane Szentay essa por diversas cidade, ata chegad 2 Auscwit 28 Pennferéncias de li para outros campos e locas de trabalho te finalmente, 0 dia da libertacio. Mas alm do relato das Chperignciasegieas da guerra algo que considero especial tue dio so as passagens postriores libertagao: a che- tov dos amercanos, a recepsfo pelos dinamarqueses «sve ets enorme quantidade de comida, a redescoberts da f= tniidade, a preocupagio coma beleza, 0s novos amores,& dade de seus pais, a expectaiva do retomo ¢ de saber se mais alguém da sua familia hava sobrevivido. ‘Decidi manteraspectos particulars da excita de minha nae no ditio, para preservar a espontaneidade ¢ a intensi Tlade com que ele fi escrito, dat o uso peculas, muitas were, das concn de ime its Snengo Sl Gi fle delta ov coeecimenor como ee rer tesa acon a posenoi—como de ato fram ma pars ds ares de gar edo een tra tend vivid lo sen imped | que cane ips au pape cram cles impensvsis rate a pers. Mat desea ‘ta oll eps) mis doptnenes rnin epee ein par vere mores, das Gee aang ¢etecdem consent, algimasinpred ste Eacolhprosrar as peqena confuse pare trl co gas minha ie ve no momen em fom deci Je cere cere par anna fi um hibit, Encanto ela sin en gia ani so eee cape de carpo de concede com dens ¢ Imo mprenioners Quan doy we proces deca de veo, penne la por qe da Gus ano exer el te espnden nanan: “Par gue vor le aaa da existence ro dete ihe ale ctoca,e dete contin como um mit eum more que cnc muni sv ad ped dea aia cen que esou pla fra de mine i pr seu ci iin sn itt eu pu eine rie oat para» port fs Dep de algun tetas acs de pbleo de lgmasrperagenriidas com minha mem te tis ft tats como “Aan Rk balay deine tetiporaciamene. Noma vs ra, onde mora mink rmd x daas ges cr tin pens heat lon ad {Shon «depo alga conrad cola ec the queo prope dio tem una sara neat com Becerra pec ania ade eens 4 stv 19455 ade pda pa gl com a the que cles nunca mais se veriam, minha mie ofereceu joa ele como lembranga de sua amizade. Hingis, ede posse do dirio, meu pai preencheu estantes do caderno com declaragBes de amor a fe conjecturas sobre a vida c a guerra. Mas, um ano ide, “como quis o destino” (Segundo diria minha ela precsou encontré-o na Hungria, para onde parti Airis de documentaglo, que tina se perdido na antiga lu oslivia. © resultado foi que cles acabaeam se casando & Yio para o Brasil, com o dirio na bagager, ‘As fancionstiassérvias do Museu do Holocausto, a0 er f pequeno romance que se trava dentro deste eadermo, fica tm ansiosas por saber qual tinha sido o desenlace daquela Telagio entre os dois jovens. Haviam se casado? Voltaram a se ver? Cerna de que aquele disrio se destacava entre os ob- jetos do muscu, elas entraram em contato com a Fundagio Spielberg e insistiram para que wma equipe flmasse minha mnie esua histria.E, quando souberam que os doi, meu pai feminha mie, haviam se casado,festejaram eufSricas. Minha, fe fo efetivamentefilmada por uma equipe sérvia da Fun- dagio c hoje este fm estécatalogado no museu destinado fa coletar depoimentos de todos o sobreviventes da Segunda Guerra, O dsvio propriamente esti depositado e conservado ho Museu do Holocausto, em Jerusalém. Neste livro, opti jor nto pablcaros trechos excitos por mew pai, porque eles Silo um apéndice ao diério, que é, na realidade, 0 enfoque desta publicago. ‘Em 2008, eu minha filha Leda fomos para a Alemanha ‘epara a Polonia coneluindo a viagem em Auschwitz, duran- te oinverno polons para conhecero lugar onde minha mie tina sido prisioneira, para coletar informagdes e para sent ‘que nto sabiamos. Queriamos algo que nos escapava, Nos- Sas reagdes foram praticamente opostas, como se conta aqui as ambas intensa e pregoantes. jidrio de Lili Jaffe (1944-1945) pene fils Sela, Janye Noemi ec mates soe ge fossa ‘Seenta, 25 de abril de 1944 A minha volta, assim como eu, estamos testes. fo que std acontecendo e também 0 que acontecer. pl ess seneado no sofi, durante a manha toda, calado, itando 0 nada. Por vezes, olha-nos ¢ fecha os hos tists Miniha mae nos consola: nie aceedita no mal, porém ex srrumando as malas, far docesesuspira fundo, sem que ni spud possa ver ‘Me irmio ¢ eu obsecvavamos e, send duas criangas, saimos para chorar. Ninguém nos conta nada, mas saberos ‘que esté acontecendo. Sabfamos que no din seguinre, as pito horas, os alemsfesviriam nos buscar e nos arrancar de fost lr. Seenta, 26 de abril de 1944 Levantamos bem cedo, Tudo estava arrumado. Chega- ram na hora cera! Eram ste ‘Um deles se sent junto mesa e comegou a eserever (0 segundo olhow as nossa coisas e dew uma ordem: Estejam com suas trallas prontas em cinco minutos ‘coisas para das semanas, Levem comida e saiam da si ‘Ex chovendo, Estas juntos, Nossa familia uno com as outras familias jadias. Vao nos levar para a escola judaia. ‘Duas mulheres alemas nos revistam, um por um. & procura ‘de joits. Estamos dormindo no chlo. * sve cdade na provi via cama Vojoina (rome “se Vora, mara do so Ts. (N60) ‘Senta, 27 de abril de 1944 As quatro da manha, ecorrasam-nos de um modo pior ddo que animais sio eatados. Chove sem paar. Lama até os joelhos. Mulheres velbas e criangas pequenas choram. Os “lemes harem em todos e gitam: = Judeus su Nossos pés colam na lama. Chegamos a0 trem de carga com muita dor. Somos sessentae cineo pessoas em cada ca bine. Nao sabemos para onde esto nos levando, Mamle nos abragaeengole as ligrimas. Estamos vajando o dia todo e ‘nem pensamos em comida, Dormimos sentados do jeito que ‘Sceged, 28 de abril de 1944 sgamos 3s onze horas com nossa hagagens nas cos- 1, cansados. Andamos cinco quilémettos denteo da cids de, Horrivelt Velhose crianeas choram, pedem ajuda. Em ‘io. Quem ndo andava, apanhava. Jogamos fora muitas coi sas para 0 peso fiear mais lee. Chegamos, com muita dif caldade, Coloceram-nos, sessenta, num s6 quarto ordenaram: —Voots deve deixar o local impo! Levantar as cinco emia da manhi e dormir As der da noite! Escolham alguém do grupo para ser responsivel pela ondem. Queriam escolher ‘mame. Ela nio acetou, Ficamos ali durante um més. Co- ‘endo ps. Tinhamos ainda comida que haviamos trazido de 2 Suge ater mar cide da Hung, ldo pa rina Aroma com Sei (N60) 4 [19 de maio de 1944 \lamence nos expulsam da escola & meia-noite ‘no ensergamos nada. Gritaria. Pedimos que fs luzes, Por sorte, conseguimos. Fors, esperata- lama earsoga para carregar as nossas malas. Na esta Ade trem, tivemos de far numa fila. Dividiram os pacotes. Novamente dentro de vagdes, Vijamos a noite intra, Baja, 20 de maio de 194° ‘Chegamos pela manhi. Enfiaram-nos numa fibrica de sndveis préxima a estagio. Como éramos muitos, dividiram- sos em dois grupos. Metade Fcow na fibrica. A outra meta: de, da qual faziamos parte, acabou conduzida a um simples chiqueito”, Nbs mesmos vemos de impar © lugar. Forra ram o eho gelado com arcia limps. Ali eamos por nove dias, Papai ficou muito doente, com Febee alta. Minha velha mae também se resfriow, cou ftaca. Mamie se mostra for te, mas percebemos tudo. Ela nos olha © tempo codo ¢ se tsforga para tornas as coisas mais leves para todos n6s. Diz ‘que no the déi nada, nfo sent diiculdade alguma... Hae papai suportariam juntos o dobeo das coisas para que nfo sofréssemos. Baja, 28 ce mato de 1944 Ainda ontem 0s hingaros fcaram 3 nossa volta. Hoje, pela manhi, jf vi um alemio. Depois eles eram mais e mais. {no tinhamos medo, Estévamos prontos para o por. > Raja prosncinse Bi), vatejo na Hania, 156 quienes ssa de Bape, Fea 3 nore da Ponta da Hungiaco a Crs Ca Sei. (NOT “Tivemos de formar uma fla nove horas. Or alemes fizeram wma contagem das pessoas. Enos levaram Na mes- ‘ma noite deixamos “nosso” chiqueico e fomos conduzidas & ‘stag. Setenta dentco de um vagio, com os pacotes, que foram atirdos para dentro depois de termos entrada. Papai ‘mais alguém procuravam cria alguma ordem ali, Arruma- ramos pacotes, Uma fleira em volta. Espago no meio. Cada lum pode se sentar sobre as sas prprias coisas Viajamos durante seis dias. Sem gua, sem comida Pa pai tem febre o tempo too. Masse faz de forte, Mamie nos consola, abraga-nos. Minha velha mie chora. Doem-the as costas. Nem consegue fica sentada mais Auschwits, 4 de jbo de 1944 ‘Mandaram-nos sir dos vagaes sem os pacotes. Separa ram homens e mulheres. Papai com meu irmio, Nés cinco numa outra fleira. Mame, minha priminha de quatro anos, ‘meu primo de oito¢ ev, Fila longa, Ouvimos um alemo gr- tarde long: diteite esquerda.. Quando chegamos mais per to, mamae escondew-me debaixo do easaco dela, que ea ain da possuia, tentando evtar que nos separassem, CChegamos até o primeito alemo, Mandou-nos ir para 4 esquerda, Um outro nos examinowe nos deixou passat: Mas ‘ erceiro ordenou que eu fosse para o lado direto, Eramos muitas joven; entre elas, minha amiga Kétitza Blaier. Cho- ‘ivamos juntas. Fla chegou depois de mim e disse que mame Ihe gritava de longe que romasse conta de mit, ‘A meiasnoite entramos no campo de concentragio. Ca- minhamos muito até chegas a um banhico, Entramies. Den ‘ro estavacheio de alemaesealemis que tiraram de nés tudo ‘que tinhamos ainda. Em seguida, precisamos far nas € entrar num outro lugar. Havia somente mulheres ali, que ‘ortaram os nossos cabelos. Tentei estapar entrando num ‘utr recinto, Mas o mesmo destino me aguardava I, Sent ‘nuito pelo meu eabelo, mas, quando pensava em meus Pay ‘no sentia nenhua outra dor. Depois de teem cortado 08 ‘nossoscabelos,comamos um banho com gua quente. Leva ‘amos, molhadas ainda, para um lugar seco, onde’ Tecebe- ‘mos vestides, Era algo tertivel, mas ainda assim riamos. Uma, ‘mulher de uns teinta anos recebeu urn vestio infantil cuto. ‘Tentou devolves, mas nio trocaram. Algumas $6 recebiam uma saia sem bls, outras «6 blusas sem saias. Sentia fro, nua e molhada, parada em pé ali até que ehegasse a minha ‘vez. Ganhei im vestido preto longo. Disseran-me que tenho Sorte. Puseram-nos novamente em fila diante do banheiro, Estava euro... Era uma da man. Pouco mais tarde, quan= «do os olhos se acostumaram com a escurido, percebi que havia homens ao nosso lado, Procurava por conhecidos & nto vi papai e meu irmio, que me indagavam onde estava ‘mame. No momento.em que tentava Ihes responder, viram, uns alemies € me levaram dal Nao se enxergava nada em volta. Hiavia fogo, chamas, e dava a impressio de que cada ‘vez mais nos aproximavamos do fogo. Tinhamos medo, mas no chordvamos. Havia entre nds quem chorasse e gritasse «esses eram levados para um outro lugar, sei li para onde. ‘Chegamos a uma construsio de madeira que chamavam de “bloco”, Mil de nésfomos enfiados nesse “bloco”. Dentro também estava eseuroe ouvia-se apenas uma vor rude que, srtando, ordenava: — Sente-se onde estiver Sent um cimento imido. Nao me sent, ajoclhei ape nas, De madrugada, acho que por volta das és horas, man- ddaram-nos sait, Mostracam como deviamos ficae paradas e nos leram a8 regras de como deviamos nos comportar. Le- vantar diariamente is trés da madrugada, ir em fila até 0 banheiro, volta em fl, Ficar em fila de cinco, que era cha ‘mada de Zeltappel-t As cinco viria um alemo que faria a contagem de quantos éramos. As ses, seria dstibu‘do um café, e quando ouvissemos um sino, 0 Zeltappel estaria en- cetrido, Feita a revista, de volta 20 pavilhio, em filas. Ao anoitece, is seis da tard, seria distribaidoo jantar: duzentos frais de p2o, sopa e uma colher de margatina Ficar em pé das tés asses er hortivel. Quando perce- biamos que nao havia um alemao por pero, abragavam para nao sentir tanto frio. O pior mesmo era antes do nhecer, quando fazia mas fio. Mal podfamos esperar aque- Ja gus negra e quente —eafé aquilo nfo era, Uma tarde nem consegui morder o pio que nos haviam distribuido, Parecia tum simples pedago de tijolo. De fato, era feito de po de ma deira. No primeico dia, nfo comi nada. Nem no segundo. Mas depois, precisava. Eu tinha fome. E aquilo que reeebia rambeim era pote. ‘Num 9, éramos trinta mil — trina blocos com mil pessoas cada. Campos iguas, um 20 lado do outro, hava uns vintee, mas longe, onde nem a vista chegava, havia mais. O ‘campo tinha um quilémetro de comprimento. No final, ha via uma guarita, O-campo era ceecado por arameeletrifca do, Havin oto rematoros sempre aes polians e s Auschuite, 4 de ulbo de 1944 ‘Ontem chegamos ao campo C. Como ié no escrevo faz tum més, escreverei sobre o passado, No comeso, eu pasava fome ¢ sofria muito. Nosso pavilhio era defeituoso, como todos os outros. Quando chovi, ficivamos molhados como, seestvéssemos fora, debaixo da chuva, As camas —se pos “Revs do pv, em slo ne orignal (N. dT) so cham-las assim, pos eram apenas estrururas de madeira tumas sobre as outas, de tés andares, onde dormiamos doze. Frequentemente aconcevia de desabarmos sobre aoutra ceama, Ew queria sempre fcar no andar mais alto; ali no hhavia pe sentia que havia um pouco mais de az. Dormianios, como sardinka em lata. Quando comegava a doer 0 nosso lado direito, sobre o qual estivamos detadas, precisivamos via para 0 outeo lado, juntas. Em casos como este & que cafamos. E aquelas sobre as quais desahavamos grtavam de dor, claro. No dia seguinte, a punigio: nao recebiamos comi- da alguma. E isso se repetia todos os dias. Uma ver, Alice, ‘minha prima, trouxe uma batata e um pedago de repolho, 0 «que era tm alegria. Dividimos tudo em exatos quatro peda ‘gos © comemos como se Fosse a refeigio mais deiciosa Auschwitz, 1" de agosto de 1944 -Atarde, depois da revista do pavilhdo, apareceu um ho- ‘mem com uma faixa vermelha no brago. Ele era chamado de ‘apo. Era inspetor da cozinha e alemso. Escolheram mu Theres fortes para a cozinha. Minhas ers primas foram eso Thidas com outras quarenta. Eu estava fora dali naquelatar- de, porgue fui ver a Kétia. Quando cheguei, contaram-me; fiqueidesesperadas ndo queria me separardelas. ‘As quarenta escolhidas tiham de iar fora da fla ‘Chovia forte. Eu tha uma blusa fina de véu com saia preta. Deviamos fcar em pé. Nao podiamos sequer erguer 25, dos. Quando terminow a revista, queria me ensugar um ppouco com as méos e, assustads, vi que nao havia mais blue ‘sx em mim: desfer-se com a chuva. Como no podia ica em ali, nua, apanhei o minisculocobertor que jf tinharmos e Fiquei parada assim, Lamentei muito me separar de minhas primas. Chote E penser 0 que poderia fazer? Decidimos nio comer nada rr rnaquele dia. Trocamos a comida e, com isso, artumamos um vest para mim. Bem, depois disso, pensamos que poderia me juntar a las na fila. Mas @ contagem era de exatas quarenta, Deixei para o destino ‘Na manhd seguinte, antes de saiemos para a revista do ppwvilhdo, a chefe do bloco nos disse — Quem nio tver un hom vestido, que pegue um co- bertor, cubra-se fique na fila onde esto as mulheres da cozinha, Diante disso, resolvi que eu também apanharia um co- bertoreficaria na fla com elas, Simos para a revista. Havia muitas de ns com cober totes. Eu estava no fim da fila, no momento ei que nin sguém vu, joguet o cobertor e figuei junto de minhas primas. Conse. Logo depois, vieram fazer a contagem —Havia quarenta quando conte; agora deveria haver ‘quarenta também, mas hé quarenta e uma! Tive medo, tentei me cobri sem que ninguém percebes- A alema estavafarioss Berrava: = Se aquela que nlo havia sido escolhida Senta, todas serio punidas [Nao me apresentei Estava pronta para o pior A furiosaalemi comegou a selecionar de novo, Chegou nossa vez. Sem uma palavra, separou minhas primas. Parow dliante de mim. Todos me consieravam cringe: era pequena seapre «sem cabelos, parecia ter uns quinze anos. —Escolhi voot ontem? Sim, senhora = Mas voe? & pequena ainda e no precisa cozinhar = Certo, Mas no sou pequena. Tenho txts primas ¢ sgostaria de ica com elas. [saya farioss. Mas brincou comigo. Chegou a gostar dle mim, Deixou-meficat e dispensou outra cinco. Fomos. Recebemios roupas. Deramn-me um vestido bo- 1Nio sinha mais medo, Agora sempee ficava a fence das demas, Auschwit, 6 de julbo (2) de 1944 J faz dois das que estou na coznha. Edi Acordar astrselogo it para orabao. Descascar bataas epolo, enoura, quae sempre até As doze e trina ou até termina. ‘Ontem acabou sendo horivel.Tivemos de dscascartezen- tos gulls debatata, dazentos uils de epoh, Terminamos Asecida tarde. Mas durante o dia todo dnbamos de desear- regar um caminhi e levar tudo paca 0 depésito. Saco de farina de centoecnguenta quis para dus levarem, outro tanto de agcae.O mais df eram os fardos de papel, ci- quent gulos pars cada uma. Depos, po. Faziamos entio toma corrente humana eogivamos os pies de mao em mao. ‘Ao termina, estivamos arebentaas. O ior de tudo cra saber que ado conseguiriames termina de limp tudo “Mas éramos obigadasa fazer isso, Pasamos a noite evara- mos até As onze horas do dia seguine ‘i nem conseguiaIevantar as mios. Estavacansada e cot sono, As onze horas fomos para opavilhio. Ext de outo, ‘omparado aos demais. Tinhamos cobercores — dois para ‘ada uma de ns E des. Nas cams, hava ses de nds Fa tistco, Caté adogado. Comida,« quanto aguentissemos. Estivamos satisfies. Mas o eahalho era muito daro. 2 de agosto Passou-se quase um més desde que estou na cozinha. costume a0 fato de que tinhamos tanta comida quanta Drecisisemos. Mas isso nfo nos bastava. Tinkamos muitos ‘comhecidos que passavam fore. Nio podiamosficay, inertes vendo isso, Esgotam-nos de trabalho, mas vamos adiante. E muito perigoso roubar, ainda que de modo organizado. Ci tado daquele que for apanhado por um alemao! Ainda asim, ‘comegamos. Uma vez que os nossos conhecidos nio estavam em nosso campo, e tinha de entogar tudo pela ceres eet ficada. Iso era muito perigoso e apenas eu tina coragem de faz2-o. O primeira alemo que vise atieavia imediacamence. E mais: minha mo nao podia tocar no arame eletrificado, porque isso também era a morte. Mas eu ndo temi, no t- nha medo da morte. Por iso encarava tudo com frieza. Era assim codos os das. Antcontem, Hajnal® trouxe de novo quase um quilo de ‘margarina. Alice escondeu logo entre os repolhos, com a in tenga de trar de Is de noite, antes de voltarmos a0 barra fo, Entdo, uma das garotas pedi que Alive Ihe desse um ‘pouco de margasina, porque ela nio tinha nada. Nio se sen- tia bem, nio conseguia comer o pio seco. Eu ainda havia entrada, mas depois precise’ ir até 0 ourro lado do campo. Portanto, do estava na cozinha. Contaram-me depois. Ali- ce, como todas és, se tivéssemos, no poseria se negara dar tum pouco. Alice respondew-Ihe que prestasse tengo para que nin ‘guém a percebesse enquanto recirasse a margarina. Alice e- trou & margarina, Mas uma alemé aparece ea viv. 0 que voce estéfazendo aqui? * ja (poms Khai) nome hingat. (NE) Alice assustada,respondeu: = Peguci 1m pouco de margarina =Gomo assim? = em, somos quatro mis... como nio estamos nos sentindo bem, jontamos as nossas porgBes os — Esso que voce me responde???! Esbofeteou Alice. —Mostre-me suas iemas! Eu mio estava li Em me lugar apresentou-se uma de te da cozinha até revista, que seré& uma etrinta. Se até ls vocts no confessarem quem de voots roubow a margarina, atirarei as quateo no crematéri!l ‘lice na disse que foi Hajnal. Nem as outrasfalaram. Enguanto elas estavam ai de oelhos etornei. Contaram-me no eaminho o que hava acontecido. Nem cheguei a refltie a respeito do que devia fazer. Cort direto para dizer alema ‘que eueraa culpada. Mas, no fundo, nem sabia bem do que Se tratava de fato, Quando a8 outras garotas viram 0 que cstava disposta a fazer, apanharam-me e no quiseram me largay pois sabiam que aquilo significava a morte. Eu era mais forte que elas, © momento da revista estava préximo, Precisava me apressar Por que quatro devem pagar, se ees ficariam satiseitas com uma s6? E eu nio tina medo da Entei, Bati na porta. Dentro estava a alema, acompa- hada de wm alemio. ‘—Por que vocé veio? O que voc’ quer? Naqueleinstane, eu ndo conseguia responder. Chorava sem meio as ligeimas, dss: — Soltem minhas primas. Els ndo so eulpadas, Eu roubei a margarina. 'Nisso ela corre até mim e me esbofeteou, — E entao voce confesa isso, assim?! De onde voeé pe ‘Bou a margarina? F sabe como voc® vai pagar par isso? —Pendo! Sei Visobre a mesa e peguei, Nao fago nun —E agora ev vou mostrar o que-vacé vai receber por ‘asa disso! Voeé nunca mais vai vera luz do sol! sso eu The eziranto! Tentei implorar cleméncia, mas ela nem queria ouvit. Nisso, 0 aleméo perguntow = Quantos anos voc? tem? Claro que en disse um ano a menos, —Deresscis —Devesseis anos e voeé ainda nao sabe que mio pode faze isso? Olhiou a alema ¢ Ihe sussurou a meia-vor; —Nio seja tio rigida. Vootesté vendo que cla ainda & bem jovem. Aalema, enfurecdas —Por que voct a defende? Ici até o chefe do campo e cle dard um eito nel. E sain, Enquanto isso, cle me conduris para fora, até uum monte detijolos, onde ordenou que me ajoelhasse, E que ‘segurasse um tijolo enorme por cima da eahesa, um tio que ‘eu mal conseguia erguer. Apaneio tjolo, mas logo precisi colocar de volta, porque nio consegui ergué-lo ‘alemio via como eu estava sorend, E disse — Othe: se voe® mio izerforga, la voltard. Ea, sabe 0 que espera por voc Levanteio tijolo até a altura da eabega, com um esfor- {0 enorme, mas nio conseguia seguran. Cait-me see a ca bega. Pensei que desmaiaria. Mas fui forte. Tive a visio de ‘gue todos stavam passando pel revista, minhas primas in- clusive. Ligrimas calam de meus lhos feito chuva, nio por ‘que eu estivessearrependid do que fi, mas de dor mesmo. Figuei ali, de joethos, por duas horas, AC apareceu 0 aero edise = Levantese! Enere na cozinhae contin trabalhandot eps otiolo e tent levantar. Aquele logar duro. em «que fqueiajocthada me machucou tanto os joelhos que ta Ouvi novamente a vor do alemio. Quis levantar, mas no cconsegui. Figuei sentada uns dee minutos. Depois volte para a coginha, onde desmaiei, Minhas primas choravam; puseramn compressasfrias em mim; consolaram-me, até eu melhorat. ‘Anda sobre ontems no tinhamos coragem de pensar «em roubar qualquer coisa. Aquees, porém, que no haviam ‘ofrido, ainda no inham medo. Roubaram carne. A alemd. perecbet, mas ndo sabia quem havia roubado, Declacou que ‘corina toda deveria praticaresporte. Saimos todas as qua- rentae cinco. Primeiro precisamos correr em volta do pio tees veves segurando um tijolo sobre a eabega. Depois salar feito ris e, por fim, arrastar-nos em volta sobre os joelhos. Quando a alema estava sozinha, parecia cil, porque, en- quanto la vigiave a da frente, ates fingamos, e vice-versa, Até que ela no percebesse, no tive problema algum, No entanto, quando vi foi tertivel — Ab! E-vocé, entio?! Ontem, vocé roubou margarinas hoje, carne! comegou a me espancat. Aceetou-me ts vere: ma na cabega, outra, nas cosas, pela terceira vez, no pito. Mas isso ndo Ihe bastou, Seguia-me constantemente, mas nio as ‘outras, Els passeavam e ela nem ligava. N6s cinco, que i sofremos juntas, sim. Amputaram a perna de uma, operaram 4 segunda, a terceiras eu tinha feridas até 08 oss0s, que te: tava cura sozinha, 0 rempo todo, 1" de setembro de 1944 Tive muitas dores na pena. © mais trrvel eta 0 fato dle que ji era o segundo dia assim, sem conseguir tabalhar, No primeiro, pensei que nunca mais seria capaz. Mas ao poodia fazer nada. Aqueles para os quais levava coisas até eto estavam famintos. Een tnha coisas & mado. Nao podia suportar a incapacidade de les levar algo. Um dia eu tra vessava o campo, olhei para o campo masculino que fcava so lado do nosso, Procurava conhecdos, como sempre. Qua- s¢ no iltimo pavilhgo, ouvi dizer que havia alguns recém- -cheyados. Grits eindaguei a respeito de papai e do iemao. Sain um rapaz do bloco que me disse que estevena fabrica junto com meu pai. Quando se aproximow de mim, fiquei ‘muito surpresa, mas reconbeci. Era da aldeia de Petrovo, Kachtiber. le também me reconheceu. E ficou muito conten” te. Pedi-lhe que me falasse sobre papai e ele me disse que ‘tabalharam juntos, parecia estar bem, tinham o que comer « além disso, recebiam cigarros também, = Ecomo eu nao fumava, de-Ihe 0s meus cigaros. Perguntei por que ele estava ali agora. = Porque estou doente. Tenho malitia e,além disso, estou magro. Tenho 32 anos e roceio que me levem ao cre. No mesmo dia, leveithe um pacote de quinino, que con: segui arrumas, plo, agicar. Por sort, consegui passar tudo, Levavasthe, assim, alguma coisa todos os dias, Certo di, faz bbeca aos pés. Em seguida, numa outta sala, um médico nos cxperava, extminou-nos. Aquelas que estavam doentes foram imediatamente encamtinhadas 20 hospital. Limparam-me a 196, Deus da pang. 5 pris plats do iv acon de Seriado) alu ao fra de que o seme moniegico da dina dot Ke adhe fo derbado por Te, qe rolamon a repubics ine "aor repeal nati, com oi da Sunda Goer Mundial (Nido) fa perna nos deram roupas novas. Proatas, limpas, a0 daibus. anudamos muito, até que dssessem que haviamos escemos do énibus, dois a dois, como bons estu- Ficamos othando ao redor como se nunca na vida 10s visto algo bonito. No primeieo andar, apenas vin- {ede nds aum quarto, Limpeza absoluta. Flores nas janela, fms braneas, Ficamos iméveis em pé. Olhamvos uns para, 1 outros; todos tam a-mesma expresio. Um médica esté prado ali adiante e uma de nds o inquire: = Senhos, por favor, diga quantas de nds deveremos dleicar numa eamsa? Pergunta esivel, mas ele no sorriu. Compreendeu-nos, porque sabia o quanto haviamos sofrido até entio, Em vor ‘naa, eem alemo corrente, respondess = Queridas eriangas, vos esto na Suécia, em que ca- da ser humano tem amor igual pelo outro, Nio temos arames A nossa volta, vocés esto lives. Vocés iro se alimentar ¢ descansa, o quanto desejarem. Esse seri o quarto de voc i vintecamas e voots slo vite também, Entrem e duemsaat ema! ‘Malm, 3 de maio As oito da mana, veio a enfermeira —Bom diat Como vocés dormiram, bem? Estio com fome? Trouxe-lhes um bloguiako. Com esses cupoas, voots tere diteito ao café da mani no andar inferior Levantamos, romamos hanko e foros ordeiramente to mar o café. Um aposento pequeno — ses enfermeias. Dit te de cada uma, hi uma panela. Ela distribuem a comida Primero, as colheres, facas e garfos; depois, 0 pio — dois ppedagos com manteiga —, uma xicara de cacau, uma beoa de lite, Depois, com prato quase cheio, locos de avei, 4“ (ilegivel) semolina com compota (que se come junto). quin- ta enfermeiea pds em nossa boca wma pequena colhr de deo dle peine, a outra, dois tabletes de uma vitemina mitida € bana. F dois {ilegvel). Com as mos cheias, entramos no salio e tomamos a refeigio, Mesas muito bem postas, flores diante de cada pessoa Depois do cal, nfo senti que estivesse fata, mas ninguém sentu,.. Havia entre nés quem se aproveitase da bondade dos sueeos ¢ apanhasse com ‘que eles diam ‘Almosamos ao meio-dia. As mesmas enfermeiras nos seviram: pi vein em flocos¢ ma colher de dleo de peixe Para o lanche, cacau com broa de lite, No jantar, 0 ‘mesmo que no café da manhi. dduas vezess nem ouviam 0 Sopa, carne assada, espinafre, barata, bolo, 4 de mai Antes do café da manké, passeamos pelo quintal. Nao slevemos ssirdo quintal. Estamos de quarentena durante das semanas, Suocos em rorno dos muros, Aciram-nos chocolates, oupas, os seus enderegos para que Ihes escrevamos te (Cada uma de nds tinha algo nas mios: tanto chocolate quanto quiséssemos. Nos quatro estivamos sempre juntas Paramos no jardim para le a carta que nos atiraram, ‘Un javem profestog, que tm dua lindas riangas emu Ihes, jogou a carta. Pede que respondamos de onde somos, 0 ‘que necesstamos et. Respondemos. Agradeceu, Foi embora, 6 10 de maio ‘Acada da que passa nos alegia& maior © professor da escola, senor Viking e fata, € nosso hspede disrio. verdade que esto lém do mar, uns cinco mettos de ns. So pessoas amaves. Acad dia nos raze sma cosa dife rente. Bolo, bala, chocolates, vestidos ete Hoje, pela ma- hi, a senhora Viking veiosozinha e nos apresentou wna cura familia, o senor Lindale expos. Enzegaram-nos lo es € uma grande eaixa. Deno da cai, cohers de prs, uma garrafa de chant mais eafépretoe quent, sicaras, Ietequente, com bolo de lets, quate fats pra cada uma ‘Quando comemos tudo, devolvemos a caixs. Como fi se-0 quanto antes, Como nko sei ajudas, no quero atrapa- Thar Permita-me, Lika, que volte de tarde. Posso por volts das cinco? ‘Concordei. Por qué? Apenas porque nio quero criat «aso, Todos sao para passeas eu ficarei? Combinamos Togo algo, poque ele certamentevoltaria ao seu pavilhio eli fcaria. Entio era melhor concordat. “Termine de costurar 0 vestido, de tal modo que tarde jade usi-lo. Saia azul com ornamentos vermelhos,blusa ver- melha ecinto branco. Todos gostam, ee também, declarow (Oar é agradavel, nfo esté muito quente, Caminhamos em dois, Eu estava contente e iso 0 deixava contente. No Jonge do campo, quando encontramos Consul, de bicicleta Parow e me perguntou se Hajnal estava no pavilhito. Sim, respondi efquei contemplando a bicileta xatamente como hé um més, quando vi comida. Ef ‘que’ pensando: seré que conseguira ainda andar de bicicle- ta? Desejel andar de bcicleta to fortemente, longe, como se ‘vous, se soubesse que chegaria junto dos meus; andaria dia ‘noite, sem descanso, mas iso €em vox pelo menos, que eu tente até a esquina, para ve se ainda sei andar. Sinto-me feito crianga que tem todos os desejs satis tos, quandlo ele a entregou. Sentei confortavelmente, esque~ i por completo que ndo esava sozinha, despedi-me. Subi 0 morro nto sent difculdade e fu bastante longe. {Quando percebi que 0 ar no estava tio agradavel, estaya quente. No via ninguém conhecido;ofhava somente para baixo,a natureza, 0 mas que tranquildade,o so, como vivem felizes aqui, € lindo, que sempre deve ter sido assim, {que seria bom fcar aqui para sempre. Nio, tudo é momen. neo, © que me adiantaa linda paisagem, a natuccza roman- rica se estou sozinha, Fstaya voltando de bicclta, descen- Ado. Na metade do camino, encontrei-me com o meu grupo; ‘Hajnal, Consul, Zlati Gizika, Bogdan ¢ Juro, Zisti coria atris de mime gritava: “Pare!” *Quando chegarem rerzeno plano. Deine-me, agora ndo consigo descer de bicilers”. ‘Mas cla ndo me deixava. "DE-me! Ainda ests longe!” E pa rou diante de mim. Fe, embora quisessedescer da bicileta, no pude parar, ca, minha cabega fcow numa valet, Se nie tivestem me levantado, nlo teria conseguido me levantar. ‘Minka perna intcra est sangrando. Acho que jamais pode- fei exquecer a expressio da face de Juro. Eu nao sentia dor, ‘mas que a visio de minha pera era horevel, assim sangran- do, isso era, Colocousme atris na bicicleta,sentou,€ me le vou diretamente a0 médico, Nio encontramos médico no. ‘onsultrio. Sentei no banco eee cortia em desespero; foi a0 pronto atendimento, e também nao havia ninguém. Depois fo até a residéncia do médico, que me contou como Juro lke hhavia pedido que fosse de imediatos pensei que alguém est veste& beira da morte, dsse-me ele. Enfaixou-me a perna Antes lavou a feida, ¢ isso doeu muito. Juro fava de pé tris de mim e segurava a minha cabegs carinhosamente, ‘como se quisesse me acariciar com os olhos. Acompanhava cada suspico meu como uma mic, Tive fortes dores. Mas preciso reconhecer algo para mim mesma: apesar de ter tido ntipatia por ele, agora gosto muito dele. Quando o médico terminou 0 curativo, enfaixou-me a perna (como se fosse 2 Dininuiv ce Zlatan, (do) 2 ‘uma longa meia de baixo para cima), e me pedi que the clssesse com frangueza quem era Juro para mim. Eseu irmio ‘04 marido? Do modo como cle se comportou, exemplos s- milaces ou mais tocantes podem ser vistos apenas em filmes Vosé nao quer nem saber aresposta, mas eu quero da, Ui conselho sincero, que voc’ respite € ame esse rapar, pore ‘que ee a ama de moda sincero¢ isso, como médico, pude petceber. ‘Jaro me perguntou o que © médico havia me dito e the respondi a verdade, 18 de janbo de 1946 Durante cinco das figusi com a perna enfaixada. Nao fiqueientediada nesse periodo, tive companhia 0 tempo todo. Ele também esteve 0 tempo todo a0 meu lado. Contowsme todo 0 seu passado, 0 que esperava do futuro a respeito dos estudos ete Sinto que gosto dele, eee ainda no se declarou;, mas eusinto que gost. Hie passeei com ele um pouc poucos dis, vai passar completamente anco um pouco. Em 20 de julbo E como s¢ a minha pera jamais tivesse doido. Passou completamente, Hoje & noite passeamos de harco no mar; ele dirgia e cantava; eu stave alegre e contente. Eram umas rove e mela, havialuar; os barcos que partem rumo a Esto- colmo a cada cinco minutos, feito uma caravana, podem ser vistos por longo tempo; trés andares, ilaminadose ilegivel} calmo, Deixamos o barco& solea.Juro remou, depois sen- tow ao mea lsdo. Durante um tempo ficou calado; contem- plava-me; eu nfo o olhavs, ¢ owi quando disse: Lilika, hé algo... E deixow de falar ao pereeber que eu nlo reagia.

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