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EDUCAÇÃO FÍSICA E

QUALIDADE DE VIDA NO
AMBIENTE ESCOLAR

Autoria: Mauren Lúcia de Araújo Bergmann

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Cristiane Lisandra Danna
Norberto Siegel
Camila Roczanski
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Bárbara Pricila Franz
Marcelo Bucci

Revisão de Conteúdo: Bárbara Pricila Franz


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
B499e

Bergmann, Mauren Lúcia de Araújo

Educação física e qualidade de vida no ambiente escolar. / Mauren


Lúcia de Araújo Bergmann – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

115 p.; il.

ISBN 978-85-53158-61-4

1.Educação física – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 613.7
Mauren Lúcia de Araújo Bergmann

Doutoranda no PPGCMH/UFRGS. Graduada


em Educação Física pela Universidade Luterana
do Brasil. Possui especialização em Musculação e
Treinamento de Força pela universidade Gama Filho-
RJ e especialização e mestrado em Saúde Coletiva pela
Universidade Luterana do Brasil. Professora do Curso de
Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal
do Pampa. Pesquisadora coordenadora do Núcleo de
Estudos Pedagógicos em Educação Física (NEPEF) e
Coordenadora de Área do PIBID - Educação Física da
UNIPAMPA. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas
Didática e Metodologia do Ensino da Educação Física
da ESEFID/UFRGS. Atua nas áreas de formação de
professores, Educação Física escolar e atividade
física e saúde.
Sumário

APRESENTAÇÃO...........................................................................07

CAPÍTULO 1
Compreendendo a Saúde e sua Influência na
Educação Física Escolar.............................................................09

CAPÍTULO 2
Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea
e a Educação Física Escolar.......................................................55

CAPÍTULO 3
Educação Física Escolar, Cultura e Saúde..............................83
APRESENTAÇÃO
A disciplina tem como objetivo discutir os atravessamentos da saúde no
saber-fazer da Educação Física escolar a partir do debate sobre o papel da
Educação Física na escola.

A ideia vigente de saúde na sociedade faz referência a estudos e


apontamentos de causa e efeito no entendimento da prática regular de atividade
física e sua relação com a saúde. Essa produção de significações merece uma
análise relacional, entendendo que nada pode ser conhecido se fragmentarmos o
fenômeno da realidade contextual (APPLE, 2000).

Desta forma, torna-se importante reconhecer a função humanizadora


da educação e compreender a função social da escola no complexo papel de
formação de cidadãos que tenham condições de participar criticamente na
sociedade. Especialmente no caso de como a Educação Física assume seu
papel na escola, é fundamental reconhecer a influência das instituições médicas,
militares e esportivas na constituição das diferentes concepções de ensino na
escola, se apresentando, majoritariamente, como responsável pela prática regular
de atividade física e auxiliar no controle da morbimortalidade infantil acarretadas
pelas complicações das doenças cardiovasculares, de acordo com muitas de
nossas produções acadêmicas. Entretanto, ressalta-se aqui que este não é o
papel da Educação Física escolar, como veremos no Capítulo 3.

Neste sentido, propõe-se a conceituação de termos comuns no léxico da


Educação Física, a ampliação de olhares sobre a saúde na escola e, especialmente
no papel da Educação Física ao desenvolver este tema no ambiente escolar.

Mauren Lúcia de Araújo Bergmann.


C APÍTULO 1
Compreendendo a Saúde e sua
Influência na Educação Física
Escolar

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender a formação em Educação Física e o campo da Saúde

� Entender a saúde em uma perspectiva de integralidade e enquanto um direito


de cidadania

� Reconhecer as Influências culturais na produção de conhecimento nesta área


e seus atravessamentos para a compreensão de saúde/atividade física/práticas
corporais na escola

� Reconhecer os atravessamentos dos entendimentos sobre saúde na Educação


Física escolar
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

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Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

1 Contextualização
A intenção deste capítulo é trazer uma perspectiva sobre a formação
em Educação Física no Brasil, com o objetivo de compreender a composição
dessa área de intervenção, abordando entendimentos sobre saúde que foram
sendo admitidos ao longo do tempo, além de reconhecer os movimentos de
mudança e também as resistências que cooperam para a manutenção de certos
entendimentos e concepções sobre saúde na Educação Física.

2 Formação em Educação Física e o


Campo da Saúde
Você concluiu seu curso de graduação e buscou a especialização para
aprofundar os estudos e conhecimentos em Educação Física escolar, é isso?
É importante que a gente inicie esse percurso de estudos compreendendo a
trajetória histórica que constitui as tramas da formação em Educação Física no
contexto brasileiro.

O ensino superior centralizado no Estado surgiu com a chegada da corte


portuguesa e a transferência da sede administrativa para o Brasil, e tinha como
meta atender a uma organização de nação que surgia. De acordo com Neira e
Nunes (2016), com a Constituição de 1891 o ensino superior foi descentralizado e
delegado também aos governos estaduais, permitiu ainda que a organização do
ensino superior fosse realizada por instituições privadas e católicas. Os autores
comentam que, com o reconhecimento das instituições privadas e públicas de
ensino superior, os primeiros presidentes da República permitiram a troca de títulos
de nobreza por títulos acadêmicos e entendem que esse procedimento instituiu
relações assimétricas nas salas de aula, na interação educativa, na imposição de
saberes, nas deliberações curriculares e na legitimação de especialistas.

As normas para a organização do ensino superior foram As normas para


estabelecidas durante o governo Vargas, na década de 1930, pelo a organização do
Decreto nº 19.851/31 (BRASIL, 1931), que ficou vigente até 1961. ensino superior
O decreto permitia a manutenção das universidades pelo Estado e foram estabelecidas
por fundações e associações privadas. Essa organização de origem durante o governo
Vargas, na
localiza as facetas do ensino superior que perduram até os dias de
década de 1930,
hoje. Você consegue perceber quais são essas facetas? pelo Decreto nº
19.851/31

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Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

O início do Ensino Superior no país fortaleceu uma concepção de formação


organizada para a inserção no mercado de trabalho, dando ênfase à prática
profissional, marcando a estrutura administrativa e curricular que organiza as
instituições de Ensino Superior. Assim, historicamente, está na formação superior
o anseio da sociedade como uma oportunidade de compensar as deficiências
da educação básica pública dos jovens oriundos das classes populares,
possibilitando a esses jovens uma ascensão social na expectativa de ocupar
espaços qualificados no mercado de trabalho.

As primeiras escolas As primeiras escolas de formação em Educação Física no


de formação em Brasil surgiram no início do século XX, eram vinculadas às forças
Educação Física no armadas e ofereciam cursos de curta duração apenas para militares.
Brasil surgiram no Dentre as práticas utilizadas para a formação, ganham destaque os
início do século XX, métodos ginásticos francês e alemão, que eram estruturados em
eram vinculadas às
conhecimentos das questões biológicas do corpo e do movimento
forças armadas e
ofereciam cursos humano. Lyra e Mazo (2010) explicam que as práticas do método
de curta duração francês priorizavam conhecimentos de anatomia, da mecânica dos
apenas para movimentos e da fisiologia dos exercícios que pudessem formar
militares. homens mais fortes, patrióticos, disciplinados e ágeis. Numa linha
semelhante, o método alemão entendia que a educação do corpo era uma
boa estratégia para formar cidadãos patriotas que estivessem prontos para
defender a pátria.

Você sabia?

As primeiras escolas de formação em Educação Física no


Brasil são implementadas a partir do início do século XX em cursos
de curta duração direcionados principalmente para a formação de
militares, sendo vinculadas à Marinha, à Força Pública e ao Exército.
Os métodos ginásticos, alemão e francês, primordialmente, foram
utilizados como base para formação nesses momentos iniciais.
A ginástica se destacou entre outras práticas, tanto “no sentido de
estabelecer a necessidade de se fazer exercícios, como de um
profissional que a instrua” (SILVA et al., 2009, p. 8).

De acordo com Souza Neto e colaboradores (2004), é da década de


1930 a primeira escola de Educação Física para civis, chamada Escola de
Educação Física de São Paulo. O objetivo desta escola era formar militares
que pudessem atuar como monitores e instrutores de Educação Física,

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Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

massagistas desportivos e fiscais que orientavam a prática É da década de 1930


desportiva das tropas nas instituições militares. É também na a primeira escola de
década de 1930 que a Educação Física se torna obrigatória nas Educação Física para
escolas (SOUZA NETO et al., 2004), por influência dos médicos civis, chamada Escola
de Educação Física
higienistas que acreditavam que a educação do corpo melhorava a
de São Paulo. O
“raça”, instituía comportamentos favoráveis à saúde, como banhos, objetivo desta escola
higiene diária, relações afetivas, prática de exercícios e condutas era formar militares
alimentares (GOELLNER, 2010). que pudessem atuar
como monitores
O currículo mínimo para a Educação Física na graduação é de e instrutores de
Educação Física,
1937, pois com a presença da Educação Física nas escolas, criou-se
massagistas
a necessidade de formar profissionais para a atuação nestes espaços. desportivos e fiscais
Segundo Goellner (2010), a proposta de currículo fazia parte de um que orientavam a
projeto nacionalista, que buscava construir uma identidade para o povo, prática desportiva
fundamentada no Estado Novo. Assim, os conhecimentos da Educação das tropas nas
Física, articulados com os conhecimentos da Medicina, favoreciam a instituições militares.
É também na década
homogeneização dos corpos, disciplinados para serem ágeis, fortes e
de 1930 que a
limpos. O incentivo à prática de exercícios dava conta de uma formação Educação Física se
moral, garantida pelo fortalecimento da saúde, o desenvolvimento da torna obrigatória nas
virilidade, da coragem e da hombridade. escolas.

É importante destacar que, neste período, as doenças O currículo mínimo


infectocontagiosas eram um problema de saúde pública que poderia para a Educação
ser enfrentado com este projeto médico-higienista de prevenção de Física na graduação
é de 1937, pois
doenças por meio da educação dos corpos e da disciplina dos hábitos
com a presença da
de higiene e, segundo Wachs (2013), é conferida à Educação Física Educação Física nas
escolar uma responsabilidade “sanitária” no combate a estas doenças. escolas, criou-se
a necessidade de
Em 1939 foi criada a Escola Nacional de Educação Física e formar profissionais
Desporto, por meio do decreto-lei no 1.212 (BRASIL, 1939), que para a atuação nestes
espaços.
estabeleceu diretrizes para os cursos de formação profissional. Esta
escola passou a ser a escola padrão na formação em Educação
O currículo mínimo
Física, servindo de referência para todas as outras instituições
para a Educação
formadoras no país, onde a Educação Física seria o instrumento de Física na graduação
transformação da “raça” e preparação física de futuros soldados do é de 1937, pois
país. Outra característica que merece destaque é a dualidade entre com a presença da
teoria e prática, já que as aulas práticas eram ministradas por militares Educação Física nas
e as aulas teóricas e pesquisas sobre exercícios e movimentos escolas, criou-se
a necessidade de
corporais eram realizadas por médicos. Assim, a Educação Física
formar profissionais
ganhava reconhecimento a partir da sustentação biomédica que, além para a atuação nestes
de fundamentar a argumentação científica da área, abria espaço no espaços.
campo universitário.

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Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

A formação em O curso de Educação Física tinha a duração de dois anos e o


Educação Física ingresso nele exigia a conclusão do curso secundário fundamental,
tinha um currículo que corresponde ao atual Ensino Fundamental. A exigência de
estritamente técnico, conclusão da formação do que hoje é o Ensino Médio iniciou a partir
sem disciplinas
de 1953, através da Lei no 1.921 (BRASIL, 1953). Assim, perceba que a
pedagógicas, tinha
nível de exigência formação em Educação Física tinha um currículo estritamente técnico,
de formação de sem disciplinas pedagógicas, tinha nível de exigência de formação de
Ensino Fundamental Ensino Fundamental e duração de dois anos.
e duração de dois
anos. Na década de 1940, mudanças significativas entraram em vigência,
como a obrigatoriedade do diploma de graduação para o exercício profissional
Na década de nos estabelecimentos de ensino e a progressiva saída dos militares da direção
1940, mudanças da Escola Nacional de Educação Física e Desporto e ascensão dos médicos
significativas
para estes cargos. No que diz respeito à formação profissional, de acordo
entraram em
vigência, como a com Betti (1991), o currículo estava organizado em conhecimentos biológicos
obrigatoriedade de bases anatomo-fisiológicas, centrados no aspecto prático funcional, na
do diploma de intenção de se produzir um determinado indivíduo.
graduação para
o exercício Até meados de 1960, a demanda por vagas no Ensino Superior
profissional nos
gerou um aumento desordenado de instituições isoladas (muitas delas
estabelecimentos
de ensino e a subsidiadas pelo financiamento público) e se contrapôs a expectativas
progressiva saída populares de maior oferta de instituições públicas. Em 1961, a Lei de
dos militares Diretrizes e Bases (LDB) normatizou as autorizações e os reconhecimentos
da direção da das instituições de Ensino Superior, mas as demandas não foram atendidas,
Escola Nacional o que gerou uma crise universitária entre 1964 e 1968, fazendo com que o
de Educação
governo implementasse um modelo empresarial (acordo MEC/Usaid), que
Física e Desporto
e ascensão dos foi pensado por um consultor americano para organizar administrativamente
médicos para estes as universidades (CASTELLANI FILHO, 1991). Essa reforma enfatizou o
cargos. vínculo direto entre educação e desenvolvimento econômico, assumindo
um compromisso explícito com o mercado de trabalho e suas diretrizes
Essa expansão da reforçavam uma linguagem tecnicista, destacando palavras como eficiência,
Educação Física eficácia, produtividade, entre outras. Houve ampliação do acesso da classe
neste momento média ao Ensino Superior privado no geral. Especificamente em relação à
político-econômico Educação Física, Betti (1991) destaca que, em relação a 1970, o número de
do país imprimiu licenciados aumentou 445% em 1975 e 346% em 1977.
marcas na formação
do currículo
técnico-instrumental, Essa expansão da Educação Física neste momento político-
período em que econômico do país imprimiu marcas na formação do currículo técnico-
a formação inicial instrumental, período em que a formação inicial fortaleceu a dimensão
fortaleceu a biológica e técnica. É nesta época que a Educação Física se torna
dimensão biológica obrigatória em todos os níveis de ensino, inclusive no superior. O
e técnica.
esporte passou a ser sinônimo de Educação Física, que ganhou
conotação política e tinha a finalidade de impedir qualquer contestação ao sistema

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Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

por parte dos estudantes, pois garantia o controle e a disciplina, tendo em vista a
formação de uma determinada identidade nacional.

Silva Jr. e Sguissardi (2001) comentam que um dos efeitos dessa expansão
do Ensino Superior foi a contratação de professores recém-formados para suprirem
as demandas geradas pelas inúmeras instituições isoladas, cujas turmas eram
cada vez mais numerosas. Os autores entendem que isso pode ter contribuído
para a baixa qualidade da formação no período e que, ainda hoje, esses efeitos
permanecem incorporados no professor multifuncional, que atua em algum
segmento da profissão, frequentemente sem nenhum vínculo com a pesquisa,
reforçando saberes pragmáticos que se alinham com a realidade de mercado.

Para saber mais sobre a formação em Educação Física, leia:


A formação do profissional de educação física no Brasil: uma
história sob a perspectiva da legislação federal no século XX (Souza
Neto et al., 2004). Disponível em: <http://revista.cbce.org.br/index.
php/RBCE/article/viewFile/230/232>.

Em relação ao currículo da formação em Educação Física, Ferreira Na década de 1980 a


(2008) comenta que na década de 1980 a Grã-Bretanha definiu a aptidão Grã-Bretanha definiu
física relacionada à saúde como meta e outros países, como EUA, Canadá a aptidão física
e Austrália, também aderiram a este movimento. Nesse entendimento, relacionada à saúde
como meta e outros
difundiu-se uma formação pautada na perspectiva da aptidão física
países, como EUA,
relacionada à saúde como objetivo para a Educação Física escolar. Esses Canadá e Austrália,
conhecimentos encontravam respaldo em estudos que destacavam os também aderiram a
riscos para as doenças crônico-degenerativas presentes desde a infância. este movimento.

É da década de 1980 outra influência importante para marcar a Década de 1980 outra
saúde na formação em Educação Física, já que a partir da Reforma influência importante
Sanitária brasileira, muitas transformações puderam ser acompanhadas para marcar a saúde
no campo da saúde. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi a na formação em
Educação Física,
mais significativa, juntamente com a ampliação do conceito de saúde, já que a partir da
que passou a considerar outras dimensões da vida – além da biológica Reforma Sanitária
– no processo saúde-doença. Com isso, políticas públicas para a brasileira, muitas
transformações
atenção básica em saúde começaram a ser instituídas, como: ações
puderam ser
de promoção da saúde, de prevenção de agravos e de qualidade de acompanhadas no
vida. É nesse cenário que o profissional de Educação Física passa campo da saúde. A
gradativamente a ser inserido no sistema público de saúde, numa criação do Sistema
Único de Saúde (SUS)
perspectiva de atenção integral e na articulação de práticas de cuidado foi a mais significativa
multiprofissional (FRAGA; CARVALHO; GOMES, 2012).
15
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Buscando se aproximar das novas tendências do cuidar e sinalizar nos


currículos a importância da formação humanística, crítica e reflexiva, em 2004,
as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Educação
Física passaram a prever a “formação de profissionais capazes de avaliar a
realidade social e nela intervir por meio de manifestações e de expressões do
movimento humano”, além de “planejar, prescrever, ensinar, orientar, assessorar,
supervisionar, controlar e avaliar projetos e programas de atividades físicas,
recreativas e esportivas nas perspectivas da prevenção, da promoção, da
proteção e da reabilitação da saúde” (BRASIL, 2004, p. 2).

Apesar de todas as mudanças ocorridas no âmbito legal,


Apesar de todas as
no entendimento, no modo de se pensar e de se fazer saúde, a
mudanças ocorridas
no âmbito legal, no formação para a área da saúde ainda é, em grande parte, pautada
entendimento, no pela valorização da esfera biológica do ser humano, além de
modo de se pensar estar centrada na transmissão técnica e mecanicista. Para Palma
e de se fazer saúde, (2001), parece ingênuo querer embasar a saúde somente pelo seu
a formação para determinante biológico, sem considerar todas as outras causas
a área da saúde
que podem gerar sofrimento ou contribuir para o processo de
ainda é, em grande
parte, pautada adoecimento. No entanto, a Educação Física tem se legitimado,
pela valorização da historicamente, a partir da dimensão biológica, posicionando as
esfera biológica do atividades físicas e os exercícios físicos, num primeiro momento,
ser humano, além como potencializadores das capacidades humanas, do corpo forte e
de estar centrada na saudável e, mais recentemente, como forma de prevenir as doenças
transmissão técnica
crônico-degenerativas, considerando os sujeitos como os grandes
e mecanicista.
responsáveis pela sua condição de saúde ou de doença. Já Fraga,
Carvalho e Gomes (2012) destacam que, com o desenvolvimento das Ciências
da Saúde, as causas de adoecimento passaram ter como base os modos de
levar a vida dos indivíduos e das coletividades, não suportando mais a ideia
de um fator isolado causador de patologias, mas tendo como causa uma rede
complexa de inter-relações e interdependências.

Para Dessbesel e Caballero (2016), houve um movimento de “(trans)


formação” dos profissionais de Educação Física em profissionais da saúde. Os
autores citam três movimentos políticos que permitiram essa (trans)formação:
a Resolução nº 218, do Conselho Nacional de Saúde, de 1997, que coloca a
Educação Física como uma das profissões de saúde de nível superior, o que se
deu após a divisão dos cursos de formação em licenciatura e bacharelado; as DCN
para os cursos de graduação da área da saúde, entre 2001 e 2004, que propõem
ações específicas da Educação Física na saúde (prevenção, promoção, proteção
e reabilitação da saúde); e a publicação da Política Nacional de Promoção da
Saúde, em 2006, trazendo as práticas corporais/atividades físicas como ação
prioritária em saúde.

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Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

Querendo ou não, uma formação com base nos saberes biomédicos Uma formação
acaba enfatizando o diagnóstico, a prescrição, o monitoramento e a com base nos
avaliação das atividades físicas como atribuição principal da Educação saberes biomédicos
Física no campo da saúde, entendendo-as como o “remédio” para tratar acaba enfatizando
o diagnóstico,
as diversas patologias da modernidade. Está bem consolidado que as
a prescrição, o
atividades físicas podem contribuir terapeuticamente nas condições de monitoramento e
saúde-doença das pessoas. Entretanto, o que alguns autores estão a avaliação das
propondo é a ampliação da perspectiva sobre a saúde, considerando atividades físicas
sua determinação social (SANTIAGO; PEDROSA; FERRAZ, 2016) e a como atribuição
atuação dos profissionais da Educação Física voltada para a produção principal da Educação
Física no campo da
de cuidado integral à saúde, visando à produção da autonomia, às
saúde, entendendo-
relações de vínculo e à corresponsabilidade (MENDES; CARVALHO, as como o “remédio”
2016). Pois “o simples efeito orgânico da atividade física é insuficiente para tratar as diversas
para promover saúde quando se pensa nas determinações sociais do patologias da
processo saúde-doença” (NEVES et al., 2015, p. 164). modernidade.

Nesse sentido, esta seção encerra com o destaque de Anjos e Nesse sentido,
Duarte (2009, p. 1140), reconhecendo que a Educação Física, deve esta seção encerra
“extrapolar e ir além do que era proposto pelo modelo hegemônico, com o destaque
médico-centrado de até então”. Assim, a formação em Educação Física de Anjos e Duarte
acaba alinhada a pressupostos do consumo das práticas corporais e (2009, p. 1140),
reconhecendo que
reforça um padrão exposto nos meios de comunicação, assumindo
a Educação Física,
disciplinas relacionadas ao campo da saúde e adotando técnicas deve “extrapolar
corporais hegemônicas, já que o corpo é visto de forma neutra. e ir além do que
Desta forma, o egresso adota a concepção aprendida no currículo era proposto pelo
da formação inicial, que está baseado sob o tema saúde, valorizando modelo hegemônico,
algumas manifestações da cultura corporal (ginásticas, esportes, médico-centrado de
até então”.
danças e lutas), que são mediadas pelos discursos dos benefícios dos
estilos de vida fisicamente ativos na qualidade de vida. Estão dadas as condições
para a circulação dos ideais neoliberais em meio à formação, às práticas e os
conhecimentos que são divulgados como próprios da Educação Física.

Por fim, a Educação Física deve ter sua formação pedagógica calçada em
bases sólidas, já que, segundo Bracht (2008), tem como função o trato pedagógico
do movimento humano e esse advém de um contexto histórico e cultural, no
qual é produzido e vivenciado. Entender esse panorama e as modificações
que ocorreram no decorrer dos anos será de suma importância, uma vez que
conhecendo a história, é possível conhecer o presente e a nós mesmos.

17
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

3 O Campo da Saúde e a Ciência


abordar o modelo A delimitação do que é ou não ciência vem acompanhando
de investigação a ciência moderna desde o seu início. Os debates sobre “o que é
científica conhecimento científico?” alinham esforços para distinguir este dos
hegemônico que demais tipos de conhecimento. Na tentativa de reconhecer as tramas
sustenta o conceito sociais que envolvem um objeto socialmente construído, o objetivo
de saúde.
desta seção é abordar o modelo de investigação científica hegemônico
que sustenta o conceito de saúde. Para isso, parto do conceito de “campo” de
Pierre Bourdieu.

O conceito de campo para Bourdieu (1989) é um “espaço de posições sociais”,


ou de agentes sociais que ocupam posições sociais que, ao se relacionarem, estão
imbricadas umas nas outras. Neste espaço social, as relações sociais podem ocorrer
em qualquer lugar, não sendo geográficas/físicas, mas simbólicas. Por exemplo,
mesmo que a distância física seja pequena, a distância social pode continuar
abissal (não é porque eu viajei no mesmo avião que o presidente do Brasil, que eu
estou “próxima” a ele). Assim, o campo é um espaço de posições sociais, não sendo
definíveis por si só, mas umas em relação às outras. “Uma coisa é o que a outra
coisa não é”. Assim, Bourdieu entende que a vida social é estruturada em torno de
polaridades que só têm significados no que diz respeito ao que se relaciona com
elas (norte e sul, pobre e rico, chefe e subordinado). Dessa forma, em um campo
social, as posições só podem ser definidas umas em relação às outras.

CAMPO: conceito da obra sociológica de Pierre Bourdieu (1989)


que faz referência a um espaço de posições sociais ou de agentes
sociais que ocupam posições que, ao se relacionarem, estão
imbricadas umas nas outras.

Entendendo que as posições sociais estruturam o campo social, é possível


compreender os eixos que sustentam essas posições e essa estrutura ajuda a
explicar o campo. Assim, o campo é, ao mesmo tempo, espaço de disputa e conflito
e espaço de concordância. Entendendo a ciência como campo, questiono: que
tipos de conhecimentos, ao longo da história da humanidade, foram socialmente
reconhecidos?

Boaventura de Sousa Santos (2005) escreveu que, desde o surgimento


da ciência moderna, o paradigma dominante é o da racionalidade científica, que

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Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

aceita apenas uma forma de conhecimento como verdadeiro: a que Desde o surgimento
segue seus preceitos. O autor comenta que, com o intuito de encontrar o da ciência moderna,
conhecimento mais rigoroso da natureza, a ciência moderna empregava o paradigma
como instrumento de análise a matemática. Isso explica porque, no dominante éo
modus operandi da ciência, a quantificação e a redução da complexidade da racionalidade
científica, que aceita
(fragmentação e classificação) assumem a centralidade da análise do
apenas uma forma
objeto de estudo, em detrimento da qualificação dele. Em oposição à de conhecimento
modernidade líquida de Bauman, a ciência moderna pressupõe um como verdadeiro:
mundo sem mudanças, em que prevalece a segurança, a ordem e a a que segue seus
previsibilidade em todos os sentidos da vida. Além disso, o paradigma preceitos.
dominante da “ciência moderna” rejeitava duas formas de conhecimento não
científicos, e, portanto, irracionais: o senso comum e as chamadas humanidades ou
estudos humanísticos, entendidos como potencialmente perturbadores e intrusos,
ameaçando a verdade científica (SANTOS, 2005).

Se por um lado, o cenário social da modernidade era favorável à


A dinâmica dos
pretensa neutralidade científica e o conhecimento científico moderno desdobramentos
se constitui de maneira a afirmar regras e padrões de produção de da ciência ocorre
conhecimento, por outro lado, a dinâmica dos desdobramentos da ciência no sentido de
ocorre no sentido de atender às demandas sociais, históricas, políticas atender às
e econômicas do tempo e lugar dos quais faz parte. Dessa forma, demandas sociais,
históricas, políticas
apesar de sua normatividade, a ciência é permeada de contradições e
e econômicas do
conflitos. De que conhecimentos estamos falando, quando assumimos a tempo e lugar dos
concepção dominante de ciência para compreender a saúde? quais faz parte.

Atividade de Estudos:

1) De que conhecimentos estamos falando, quando assumimos a


concepção dominante de ciência para compreender a saúde?
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Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

A ciência como Entendendo a ciência como uma construção humana e como


uma construção somente uma das diversas formas de construção do conhecimento, é
humana e como possível reconhecer que a ciência moderna se constituiu num tempo
somente uma das histórico em que as organizações sociais eram favoráveis para a lógica
diversas formas
racional e linear com a qual a produção de conhecimento operava.
de construção do
conhecimento. Entretanto, ao retomar a análise sociológica de Bauman (2001),
reconhecendo a “liquidez” da atual sociedade, percebo que não há lugar
para as definições hierárquicas e estratificadas que dominaram a ciência moderna.
A insegurança, a não conformidade às regras, a incerteza e a inquietude não são
mais as vilãs, as causadoras dos males sociais e científicos, mas as grandes
propulsoras das novas descobertas científicas, as quais só são possíveis a partir de
uma ressignificação das leis e das hierarquias que vigeram no passado. No entanto,
é perceptível que nenhuma mudança social se instaura do dia para a noite. Mesmo
que os paradigmas que serviram à modernidade não atendam mais aos anseios
que acompanham a sociedade atual, as verdades, preceitos, princípios, instituições
e valores impregnados do ideário burguês, capitalista e liberal, ainda permeiam
grande parte das práticas institucionais e sociais, de modo que a simples
O modelo biomédico
superação imediata da modernidade é ilusão.
como orientador do
entendimento de
saúde produz um Para o entendimento de saúde não é diferente. O modelo biomédico
discurso hegemônico como orientador do entendimento de saúde produz um discurso hegemônico
do saber científico do saber científico que vem legitimando socialmente o reconhecimento deste
que vem legitimando conhecimento como o “mais verdadeiro”. O paradigma dominante na ciência
socialmente o
está se voltando para a inovação através da recriação contínua de modos
reconhecimento
deste conhecimento de viver, produzir e consumir. Nesse sentido, a produção de conhecimentos
como o “mais está articulada com a produção de modos de vida na medida em que
verdadeiro”. orienta um saber-fazer em saúde que, majoritariamente, vem reduzindo
A produção de a experiência humana à dimensão biológica, ancorando o conhecimento
conhecimentos está em universalizações que acabam produzindo um entendimento de saúde
articulada com a
normatizador dos estilos de vida (a alimentação ideal, o peso ideal, o corpo
produção de modos
de vida. ideal, a roupa ideal, o estilo de vida saudável etc.).

Modelo biomédico: é o modelo predominante de explicar do


processo saúde-doença. De acordo com o modelo biomédico, a saúde
constitui a liberdade de doença, dor, ou defeito, o que torna a condição
humana normal “saudável”. O foco do modelo sobre os processos físicos,
tais como a patologia, a bioquímica e a fisiologia de uma doença, não leva
em conta o papel dos fatores sociais ou subjetividade individual. O modelo
também ignora o fato de que o diagnóstico (que efeito do tratamento do
paciente) é um resultado de negociação entre médico e paciente.

20
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

É comum perceber na divulgação midiática, amplamente difundida na nossa


sociedade, a circulação de termos como “corpo ideal”, “corpo saudável”, “corpo
sarado”. A respeito disso, Mezzaroba e Torri (2016) destacam que as relações
que circulam na mídia em relação ao corpo tendem a aproximar o que é “belo” do
que é “saudável”. Boa parte dessas relações que encaminham entendimentos de
saúde ocorre de forma material, mas há uma grande responsabilidade sobre esses
entendimentos que também é simbólica – o poder simbólico (BOURDIEU, 1989). A
diversidade midiática produz conteúdos e informações que engendram o cotidiano
social dos “produtos culturais” e geram uma produção simbólica de subjetividades.

Sujeitos que produzem e compartilham significados sobre saúde na EF (reconhecida


a partir de um referencial crítico) têm impresso na sua cultura um entendimento
hegemônico? Esse entendimento visa emancipação dos jovens brasileiros?

Atividade de Estudos:

1) Nesse contexto de produção de modos de vida, quais são as


significações sobre saúde que emergem, no percurso social-
histórico, da produção de conhecimento?
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Temos, dessa forma,


Retondar (2016) afirma que reconhecer a influência da história da a possibilidade
sociedade na cultura e aquisição de hábitos de vida do sujeito, não só de um diálogo
não com o sujeito
biológico, mas também sociocultural é fundamental para a pesquisa em ideal, contemplado
Educação Física. Portanto, aprofundar o olhar sobre essas questões, pela biomedicina
comumente negligenciadas, é relevante para compreender questões tradicional, mas com
um sujeito do real,
inerentes ao ser humano. Temos, dessa forma, a possibilidade de
que atribui sentidos
um diálogo não com o sujeito ideal, contemplado pela biomedicina e significados para
tradicional, mas com um sujeito do real, que atribui sentidos e suas práticas, o que
significados para suas práticas, o que interfere em diferentes escolhas, interfere em diferentes
escolhas, muitas
muitas vezes à revelia das normas biomédicas. vezes à revelia das
normas biomédicas.
21
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Conforme argumenta Gomes (2008), o universo acadêmico produz


conhecimentos que possuem pouca diversificação nos conteúdos que dizem respeito
à educação de sujeitos saudáveis, pois estão ancorados em argumentos do discurso
de prevenção, característico do pensamento racional. À medida em que as falas
dos sujeitos sobre suas ações cotidianas são permeadas por recomendações e
orientações científicas ou, minimamente, apresentam elementos do discurso circulante
nesse âmbito, é possível perceber o que se pode considerar como uma cientifização
do cotidiano. As concepções de ciência, pesquisa e métodos, oriundas das Ciências
Naturais, amparadas pelos pressupostos da ciência tradicional (SANTOS, 2005)
diferem daquelas advindas das Ciências Humanas e Sociais, gerando modos
de pensar e de fazer ciência, não melhores ou piores, mas diferentes. Entretanto,
essas diferenças pouco são levadas em consideração, principalmente pelo fato de a
Educação Física, e especialmente a pós-graduação, ter se constituído sob a égide da
área da saúde. A subdivisão do campo da Educação Física (nas linhas de pesquisa
em biodinâmica, sociocultural e pedagógica) e, em especial, as compreensões
diferenciadas sobre as formas de avaliação da produção de conhecimento, até o
momento, privilegiando a biodinâmica em detrimento das outras duas, têm produzido
discussões que vêm fragmentando a área, a partir da promoção da lógica científica
hegemônica vigente na política da pós-graduação da área (BRACHT, 2007).

A dinâmica da Voltando à ideia de que a ciência é um campo, a dinâmica da construção


construção científica, constituída por indivíduos e instituições circunscritos de suas regras
científica, constituída e leis, se dá em permanente diálogo com os fatores históricos, econômicos
por indivíduos e sociais externos. Para Bourdieu (2004, p. 20), o campo científico é “o
e instituições universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,
circunscritos de
reproduzem, ou difundem [...] a ciência”. Portanto, é relevante compreender
suas regras e
leis, se dá em que o campo científico, como qualquer outro campo social, tem a influência
permanente externa mediada por suas próprias leis, ou seja, retraduzida pela lógica do
diálogo com os campo. Assim, convém entender que: quanto mais autônomo for um campo,
fatores históricos, menor será a influência de ordem exógena; quanto mais consolidadas forem
econômicos e suas leis, suas normas e padrões, menor será sua heteronomia. A respeito
sociais externos.
disso, torna-se importante destacar um outro conceito de Bourdieu na tentativa
de compreender a ciência: o poder; sobretudo em sua dimensão simbólica, “esse poder
invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989, p. 7).

Poder:

Bourdieu, em seu livro O poder simbólico (2001), leva em conta


o compromisso de revelar as formas implícitas ou escondidas de
dominação de classes nas sociedades capitalistas, defendendo a tese de

22
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

que a classe dominante não domina por completo e não força os outros a
se condescenderem com a dominação. Portanto, a noção de poder toma
aqui outra forma. Bourdieu demonstra a existência do poder simbólico,
poder esse em que as classes dominantes são favorecidas por um capital
simbólico, disseminado e reproduzido por meio de instituições e práticas
sociais que lhe possibilitam exercer o poder. Segundo o autor, esses
símbolos são instrumentos da integração social e fazem ser possível
obter o consenso acerca do sentido do mundo social, o qual contribui
necessariamente para a reprodução da ordem social. O poder é invisível
e só é exercido quando os seus sujeitos não querem ou não sabem disso.

A forma de existência do campo científico é marcada pela complexidade


daquelas relações estabelecidas entre sua estrutura interna e as pressões
externas. Estas últimas consistem na maneira como o campo da ciência se
relaciona com os demais campos e, mais amplamente, com as conjunturas nas
quais estão situados os seus respectivos sistemas simbólicos. Segundo Bourdieu
(2007, p. 11), “[...] É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua
função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação,
que contribuem para assegurar a dominação [...]”.

Assim, para dialogar com os apontamentos de Bourdieu (2004), retomo o


destaque apontado nos parágrafos acima sobre a fragmentação da área da
Educação Física a partir da organização da produção de conhecimento e das
políticas da pós-graduação na área, que se dá pela estrutura do campo científico,
em que a distribuição de capital científico entre os seus agentes – que podem
ser instituições ou indivíduos – acaba determinando o poder que cada subárea
da Educação Física dispõe para o seu saber-fazer ciência. Ainda neste sentido,
Bourdieu (2004, p. 26) diz que “[...] o capital científico é uma espécie particular do
capital simbólico (o qual, sabe-se, é sempre fundado sobre atos de conhecimento
e reconhecimento) que consiste no reconhecimento (ou no crédito) atribuído pelo
conjunto de pares-concorrentes no interior do campo científico”.

O acúmulo de capital e as posições elevadas hierarquicamente de indivíduos


e instituições têm o poder de organizar o campo científico, determinando o
reconhecimento ou não da produção acadêmica. Ao mesmo tempo que o
reconhecimento estrutura o campo científico, a estrutura também influencia o
reconhecimento de sua produção no campo científico, ou seja, na comunidade
científica, a consagração de certas instituições e cientistas, se por um lado, dão
formas à estrutura da ciência, por outro, tal estrutura exerce pressão sobre a
acumulação de capital científico destes.

23
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Os cientistas devem ser percebidos como agentes do campo científico que,


para serem reconhecidos neste espaço, devem agir de acordo com as regras e as
normas de cientificidade que são ao mesmo tempo estruturadas e estruturantes
da ciência. O campo científico tem um habitus específico. Entendendo o habitus
como operador de distinção, torna-se possível pautar aqui um outro ponto
importante da produção acadêmica que veicula determinados modos de pensar
um fenômeno: a luta pela acumulação de capital científico que determina e é
determinado pela luta por financiamentos de suas pesquisas, que estrutura
a consagração no campo científico daqueles que se distinguem de outros pela
quantidade de material produzido e publicado. Isso oportuniza, inclusive, a
chance de alguns indivíduos e instituições de se tornarem “dominantes temporais”
(BOURDIEU, 2004) e participarem da elaboração e dos processos decisórios que
constituem as políticas que organizam a dinâmica científica.

Habitus:

Na definição clássica de Bourdieu (2005, p.191), o habitus


pode ser pensado como um sistema das disposições socialmente
constituídas que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o
princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias
características de um grupo de agentes.

Assim, habitus pode ser considerado aquilo que está


incorporado. São propensões que permitem aos indivíduos agirem
dentro de uma estrutura social determinada para a manutenção da
dinâmica que a organiza, conservando-a. O habitus tende a orientar
uma ação, entretanto, por ser produto das relações sociais, acaba
reproduzindo essas ações que o organizam. Ou seja, as questões
sociais que se naturalizam, tornam-se o habitus.

No entanto, dependendo da posição ocupada na estrutura do campo


científico, os indivíduos e instituições desenvolvem estratégias que,

[...] orientam-se seja para a conservação da estrutura, seja


para a sua transformação, e pode-se genericamente verificar
que quanto mais as pessoas ocupam uma posição favorecida
na estrutura, mais elas tendem a conservar ao mesmo tempo
a estrutura e a sua posição, nos limites, no entanto, de suas
disposições (isto é, de sua trajetória social, de sua origem
social) que são mais ou menos apropriadas à sua posição
(BOURDIEU, 2004, p. 29).

24
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

Reside na oposição às forças de um campo a possibilidade de Reside na oposição


transformação da realidade. Dependendo da posição ocupada na às forças de um
hierarquia da estrutura do campo, a diferenciação das estratégias de campo a possibilidade
um agente. Portanto, de transformação da
realidade.
O campo científico é sempre o lugar de uma luta, mais ou
menos desigual, entre agentes desigualmente dotados de
capital específico e, portanto, desigualmente capazes de se
apropriarem do produto do trabalho científico que o conjunto
dos concorrentes produz pela sua colaboração objetiva ao
se colocarem em ação o conjunto dos meios de produção
científica disponíveis (BOURDIEU, 2004, p. 136).

Assim, considerar como a modernidade inaugura um pensamento Considerar como


científico racional é importante para compreender como o campo a modernidade
científico tornou possível a circulação de entendimentos que, até agora, inaugura um
permeiam as formas do saber-fazer ciência. No entanto, na sociedade da pensamento
interação, da incerteza e da insegurança (BAUMAN, 2001), em oposição científico racional
é importante para
ao paradigma da racionalidade, um novo entendimento de ciência
compreender como
exige um novo paradigma (SANTOS, 2005), uma vez que seus anseios o campo científico
não são mais atendidos pelos métodos conservadores, hierárquicos tornou possível
e ortodoxos da ciência moderna. Esse paradigma deve ser, além de a circulação de
científico, social, uma vez que, na atualidade, o conhecimento científico entendimentos que,
e não científico está em permanente contato e serve à sociedade a até agora, permeiam
as formas do saber-
fim de torná-la menos desigual e mais democrática. A adoção do novo
fazer ciência.
paradigma é urgente, pois as mudanças sociais a exigem.

4 Conceitos de Saúde
Conceituar saúde constitui-se em um desafio com grande complexidade
envolvida, já que é possível “enxergar” a saúde por diferentes “lentes”.

No percurso do entendimento de como se constitui a hegemonia do


pensamento racional no campo científico, entro nesta seção que tem como
objetivo examinar os conceitos de saúde, relacionando-os com os modelos de
investigação científica hegemônicos para, por fim, discutir a possibilidade de
ampliação do conceito de saúde a partir do reconhecimento das relações com as
condições de vida dos sujeitos.

25
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Hegemonia:

Segundo Gramsci (1979), o conceito de hegemonia é a


capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido
um bloco social, não se restringindo ao aspecto político, mas
compreendendo um fato cultural, moral, de concepção de mundo. No
entendimento gramsciano, a hegemonia é entendida como conquista
através da persuasão, do consenso. As classes dominantes impõem
sua concepção de mundo, de acordo com sua história e aquilo que
atende aos seus interesses, às classes dominadas. Assim, a classe
dominante constrói sua própria influência ideal, a capacidade de
modelar e formar as consciências de toda a coletividade.

“estado de completo Da Antiguidade até meados do século XIX, entendia-se saúde como
bem-estar físico, a ausência de enfermidades, doenças, invalidez ou deficiência. Ter saúde
mental e social, significava estar em harmonia com o ambiente e consigo mesmo. De
e não somente acordo com Scliar (2007), não havia um conceito universalmente aceito
a ausência de sobre o que era saúde. Foi em 7 de abril (atualmente Dia Mundial da
enfermidade ou
Saúde) que a Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo sanitário
invalidez”
internacional que integra a Organização das Nações Unidas, fundado em
1948, definiu saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não somente a ausência de enfermidade ou invalidez” (OMS, 2000, s.p.).

A ampliação do conceito de saúde pela OMS veio numa época em que o foco
da organização era a erradicação de doenças transmissíveis (malária e varíola).
Era uma época em que os países socialistas desempenhavam importantes
funções na Organização e a demanda por desenvolvimento e progresso
Assim, entende-se
que o tema “saúde” social ampliou consideravelmente os seus objetivos, colocando em
não é significado pauta as enormes desigualdades na situação de saúde entre países
da mesma forma desenvolvidos e subdesenvolvidos, a responsabilidade governamental
para todas as na provisão da saúde e a importância da participação de pessoas e
pessoas, estando comunidades no planejamento e implementação dos cuidados à saúde
condicionado ao
(SCLIAR, 2007).
tempo histórico,
local, classe social,
valores individuais, O conceito de saúde tem se transformado com o passar dos
concepções tempos, superando o biologicismo conservador e se ampliando para
científicas, religiosas reconhecer as indissociáveis questões que afetam as condições de
e filosóficas, por saúde, como o ambiente social, político, econômico e cultural dos
exemplo.
sujeitos. Assim, entende-se que o tema “saúde” não é significado da

26
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

mesma forma para todas as pessoas, estando condicionado ao tempo histórico,


local, classe social, valores individuais, concepções científicas, religiosas e
filosóficas, por exemplo.

Bauman (2001, p. 100) comenta que a “saúde refere-se a uma condição


corporal e psíquica que permite a satisfação das demandas do papel socialmente
designado e atribuído – e essas demandas tendem a ser constantes e firmes [...]
ser saudável é ser ‘empregável’”.

Oposto ao conceito médico de saúde como ausência de doenças, saúde está


o conceito ampliado de saúde foi defendido e apresentado na 8ª relacionada,
Conferência Nacional de Saúde, em março de 1986 (BRASIL, 1987): privilegiadamente,
com a capacidade
“saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação,
de ação do indivíduo
educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim,
antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as
quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. [... Por não ser
um conceito abstrato, saúde] define-se no contexto histórico de determinada
sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser
conquistada pela população em suas lutas cotidianas”. Assim, muito mais do que
um objetivo, esse entendimento reforça a ideia de que a saúde diz respeito a uma
percepção/sensação em que os sujeitos dão indícios de como ela se constitui. Ou
seja, saúde está relacionada, privilegiadamente, com a capacidade de ação do
indivíduo (CANGUILHEM, 2010).

Saúde:

“Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação,


educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É,
assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social
da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis
de vida.  [... Por não ser um conceito abstrato, saúde] define-se no
contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento
de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em
suas lutas cotidianas” (BRASIL, 1987).

27
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

As transformações sociais fizeram com que as interpretações do conceito de


saúde sofressem modificações ao longo da história, considerando a necessidade
de se adequar às mudanças. Apesar disso, é comum encontrarmos na produção
de conhecimento científico, entendimentos conservadores de saúde.

A saúde é Na constituição de uma abordagem populacional da saúde, práticas


reconhecida como e conhecimentos da saúde comunitária, da medicina preventiva e da
direito de cidadania epidemiologia social configuraram o surgimento de um campo dentro
e dever do Estado. da saúde pública, a promoção da saúde. Na Constituição brasileira,
a saúde é reconhecida como direito de cidadania e dever do Estado; nesta
perspectiva, a proposta de promoção da saúde considera “saúde” como produção
social, e reconhece que ela engloba um espaço de atuação que extrapola o setor
saúde (BRASIL, 2001).

Amparada pelo discurso científico – que tem o poder de determinar as


necessidades de consumo da população-, a manutenção da saúde vem sendo
incentivada através de mudanças de comportamentos, geralmente relacionados
a hábitos alimentares e de atividade física (NAHAS, 2001), com o intuito de
reorganizar os estilos de vida da população em geral. E os programas de
promoção da saúde são um dos principais veículos de disseminação desses
entendimentos que, através da oferta de informações baseadas em evidências,
encaminham, na modernidade, a liberdade de escolha dos sujeitos para se
alimentarem e exercitarem da forma como desejarem para viverem o máximo de
tempo que conseguirem.

Vivemos em tempos Para dialogar sobre as implicações destes entendimentos na


fluidos, onde contemporaneidade, Bauman (2001), em sua análise sociológica,
tudo é efêmero defende que vivemos em tempos fluidos, onde tudo é efêmero e essa
e essa fluidez
fluidez traz implicações significativas na organização das relações
traz implicações
significativas na sociais, evidenciando os sujeitos como consumidores e não mais como
organização das produtores, como em tempos passados. De acordo com o sociólogo:
relações sociais,
evidenciando os A vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve
sujeitos como se bastar sem normas: ela é e orientada pela sedução, por
consumidores e desejos sempre crescentes e quereres voláteis - não mais por
regulação normativa. [...] uma sociedade de consumidores
não mais como
se baseia na comparação universal - e o céu é o único limite.
produtores, como em (BAUMAN, 2001, p. 99).
tempos passados.

Assim, na liberdade de escolha, os desejos se transformam em necessidades


e a busca pela satisfação dos desejos e novas sensações passa a ser frenética
e ilimitada. Como “o céu é o limite”, configura-se a necessidade de viver o novo,
o incomparável. Em relação a essa necessidade de distinção, Pierre Bourdieu
(2007a) discute, a partir do conceito de habitus, como esquema gerador de

28
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

práticas sociais vai configurando essas práticas e as posições dos indivíduos


(ou das classes) no espaço social e se diferenciam a partir de três critérios: a
quantidade de capital possuído, a composição desse capital (isto é, a proporção
entre o capital material e capital cultural) e a trajetória histórica que leva à formação
de um habitus. São propensões que permitem aos indivíduos agirem dentro de
uma estrutura social determinada para a manutenção da dinâmica que a organiza,
conservando-a. O habitus tende a orientar uma ação, entretanto, por ser produto
das relações sociais, acaba reproduzindo essas ações que o organizam. Bourdieu
(2007a) define habitus como: “[...] um sistema das disposições socialmente
constituídas que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o princípio
gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias características de
um grupo de agentes”.

Com base nessa interação entre condições culturais e materiais, se


desenvolvem as multíplices “afinidades eletivas” entre os gostos, bem como
a reprodução de homologias nas diversas relações de domínio cultural. A
superioridade do gosto da classe dominante decorre, portanto, da distinção de um
estilo de vida livre de privações, que dialoga com o entendimento de satisfação
instantânea dos desejos, característicos da modernidade líquida, abordada na
teoria sociológica de Bauman.

Dessa forma, na busca pela constante satisfação instantânea dos Um estilo de vida é,
desejos, os indivíduos da sociedade líquida também buscam distinguir assim, não apenas
suas práticas sociais dos demais. Assim, segundo Bourdieu (2007a), uma maneira de
se comportar,
as práticas e os julgamentos sobre elas (os gostos) se fecham uns
mas também um
sobre os outros, numa unidade coerente onde uma prática remete a julgamento sobre
um determinado tipo de gosto e um gosto equivale a um determinado o mundo, de se
mundo de práticas. Um estilo de vida é, assim, não apenas uma diferenciar nele,
maneira de se comportar, mas também um julgamento sobre o representando a
mundo, de se diferenciar nele, representando a exclusividade de uma exclusividade de
uma posição social
posição social dominadora, através do contraste com os símbolos da
dominadora, através
mediocridade de uma condição de subordinação. do contraste com
os símbolos da
Portanto, se na sociedade dos produtores, a saúde era entendida mediocridade de
como um padrão a ser atingido, na sociedade dos consumidores o uma condição de
apelo é através da aptidão, do fitness (BAUMAN, 2001). Apesar dos subordinação.
termos “saúde” e “aptidão” fazerem referências a cuidados com o corpo, Bauman
(2001) alerta que eles fazem apelos a preocupações muito diferentes. A saúde é
o estado que pode ser medido, quantificado e demarca os limites entre “norma”
e “anormalidade”, é “seguir normas”; já a “aptidão” é um estado flexível que não
se refere a um padrão particular, mas a um potencial de expansão; é estar pronto
para o novo, é “quebrar as normas e superar padrões”. Dessa forma, Bauman
entende que, ao contrário da saúde, a aptidão é uma experiência subjetiva, pois

29
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

é “vivida” e “sentida”, diferente da saúde, que pode ser observada, verbalizada


e comunicada por quem está “de fora”; ao contrário do cuidado com a saúde, a
busca pela aptidão se funda na satisfação momentânea.

Como o status de Como o status de todas as normas, as regulações sobre saúde


todas as normas, as também se tornaram frágeis na sociedade líquida. Os hábitos,
regulações sobre considerados os organizadores das condições de saúde, não são
saúde também se estáticos. As doenças, que costumavam ser “episódios” em tempos
tornaram frágeis na de doenças transmissíveis, passaram a ser estados permanentes em
sociedade líquida.
tempos de doenças crônico-degenerativas; as orientações alimentares
modificam-se com frequência (alimentos que eram benéficos são denunciados
como vilões), as intervenções médicas são cada vez mais requeridas para
complicações resultantes de outros tratamentos. Por tudo isso, o cuidado com
a saúde fica semelhante à busca pela aptidão: contínua, incerta e sujeita a
insatisfação; e a busca pela aptidão, imita sem sucesso os cuidados com a
saúde, através da ambição pela mensuração (o controle de peso, por exemplo).
Na sociedade de consumidores, a busca obcecada por níveis inalcançáveis
de aptidão e saúde custa caro; significa consumir mais e mais distintamente
(alimentos especiais, roupas com características específicas para cada novo
desafio corporal, equipamentos etc). Assim, ao mesmo tempo que o consumo
oportuniza sensações agradáveis prometidas por objetos atrativos, revela a
busca pela segurança através da tentativa de os consumidores escaparem das
incertezas da sociedade líquida.

A saúde, juntamente com o tema “estilos de vida”, é frequentemente abordada


nos meios de comunicação em massa (livros, revistas, televisão e internet) e fonte
das preocupações das políticas públicas há algumas décadas, que concentram
seus esforços para promover mudanças nos estilos de vida da população, através
do incentivo a determinados estilos de vida.

A saúde deve ser Nas diferentes abordagens de incentivo a determinados estilos de


abordada como um vida, quando se pensa na população infantojuvenil, o foco das políticas
tema transversal públicas engloba, especialmente, a escola. Nesse espaço, de acordo
em todas as áreas com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, s.p.),
do conhecimento. a saúde deve ser abordada como um tema transversal em todas as
os significados
áreas do conhecimento, e acrescenta que as relações entre Educação
sobre estes temas
são produzidos em Física (EF) e saúde são quase que “imediatas e automáticas ao
tempos e contextos considerar-se a proximidade dos objetos de conhecimento envolvidos
socioculturais e relevantes em ambas as abordagens”. Certamente, na relação entre
que dão sentidos saúde e consumo, pautada neste capítulo, há elementos importantes
aos discursos e para serem tensionados, problematizados, refletidos e criticados na
práticas assumidos
escola. Assim como torna-se interessante pensar que neste espaço
socialmente.
temos a possibilidade de reforçar identidades, aprofundar estereótipos

30
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

e produzir conhecimento em relação às temáticas sobre saúde e consumo, pois,


como constructo social, os significados sobre estes temas são produzidos em
tempos e contextos socioculturais que dão sentidos aos discursos e práticas
assumidos socialmente.

Nesse contexto, à EF escolar fica atribuída a responsabilidade de organizar


suas práticas educativas de acordo com os diferentes entendimentos de seu papel
na escola. Mas que tipo de conhecimento é produzido pela Educação Física?

A respeito disso, Manoel e Carvalho (2011) demonstram que, dentro da


produção de conhecimento da Educação Física, há uma hegemonia da área
biodinâmica (60,7%) sobre a sociocultural (22,52%) e a pedagógica (17%).
Assim sendo, o conhecimento compartilhado por este modo predominante de
se fazer pesquisa vai assumindo o status que as ciências têm na sociedade
contemporânea, ou seja, assumindo o poder de determinar as necessidades
de consumo da população. Como exemplo disso, podemos citar o fato de ser
consenso que a atividade física faz bem à saúde.

Nesse sentido, outra questão vem à tona: “como a saúde é tratada na escola
e quais os significados deste tema são compartilhados pela produção científica? ”

Em 2008, Valter Bracht chamou a atenção sobre o fascínio que a visão


científica da Educação Física exercia sobre a comunidade, argumentando
que, ao assumir a retórica da ciência, a Educação Física convertia-se a um
modo hegemônico de fazer ciência, distanciando-se da pesquisa e do campo
pedagógico.

Nos últimos anos, a crescente produção dos trabalhos científicos (MOLINA;


MOLINA NETO, 2015) e debates teóricos contribuem para a construção
do conhecimento e para o constante processo de reflexão, amplitude e
aprimoramento do campo de estudo que envolve a Educação Física, constituindo
assim a “consagração” de entendimentos, expressões e vocabulários amplamente
difundidos pelos atores sociais da Educação Física, que parecem absolutos.
Assim como na dimensão da “ciência”, o campo da EF também conhece relações
de força, de concentração e disputas de poder, relações sociais que implicam na
apropriação dos meios de produção e dominação. Torna-se importante para mediar
estes entendimentos, resgatar alguns conceitos bourdieusianos já apresentados,
como: campo científico e capital político/científico. A estrutura com campo está
organizada pelo estado das relações de força entre pesquisadores e instituições
e pela forma como os capitais estão distribuídos. Assim, aqueles pesquisadores e
instituições que possuem mais capital científico obtêm mais prestígio, dominando
a noção de ciência, métodos validos e temas relevantes socialmente; tendendo
a conservar o poder impondo restrições aos pesquisadores e instituições com

31
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

menos capital ou “novatos” no campo. Estes, por sua vez, tendem a subverter a
“ordem vigente”, assumindo posturas de resistência na luta pela estruturação do
campo.

Nesse sentido, compreender quais são os conhecimentos sobre saúde


compartilhados na Educação Física escolar pode permitir ampliação dos debates
sobre o tema na escola.

A concepção de Para dar conta deste e de outros questionamentos sobre o


saúde que irá tema saúde na escola, a concepção de saúde que irá transversalizar
transversalizar o o conteúdo deste livro destaca-a como uma produção social, fruto
conteúdo deste livro
destaca-a como uma das escolhas pessoais, dos processos coletivos, do contexto social
produção social, e das condições materiais de vida disponíveis para a sua produção.
fruto das escolhas Neste sentido, falar de saúde referenciando o fazer na escola requer
pessoais, dos
um olhar ampliado, que consiga realizar a intersecção necessária ao
processos coletivos,
do contexto social desenvolvimento de ações que contemplem as intencionalidades da
e das condições Educação Física e da escola e tenham como contexto a realidade dos
materiais de vida educandos e suas possibilidades de ressignificar conhecimentos e
disponíveis para a
sua produção. práticas em prol da melhoria das condições de vida.

Considerando o esforço da área acadêmica para desenvolver tais


pesquisas, seu crescente número, com trabalhos produzidos nos programas de
pós-graduação e publicados em diferentes periódicos, no próximo tópico, será
apresentada uma análise de parte da produção sobre o tema nos últimos anos.
A questão que orientou esta busca foi: “como a produção de conhecimento da
Educação Física escolar entende a saúde na escola?”

5 A Produção de Conhecimento
Sobre Saúde na Educação Física
Escolar
No Brasil, a Educação Física sofreu grande influência médica e militar e
os conhecimentos que constituem a área estão pautados, principalmente, em
princípios biomédicos e visão de corpo objetificado. Não obstante, a Educação
Física buscou legitimidade social procurando demonstrar “cientificamente” sua
necessidade de vincular-se à saúde. Assim, o discurso científico que constituiu
a Educação Física, criou um campo que, anos mais tarde, passou a questionar a
visão de homem e sociedade que essa vinculação imprimia nos entendimentos de
Educação Física (BRACHT, 2000).

32
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

Entendo a Educação Física escolar a partir do que fazem A abordagem dos


os professores de Educação Física nas escolas: planejamento, temas da cultura
desenvolvimento e testagem de estratégias de ensino e aprendizagem corporal na escola
dos temas do patrimônio cultural corporal (jogos, brincadeiras, acontece a partir de
sentidos culturais
esportes, lutas, danças...) com propósitos educacionais explícitos
e potencialidades
e implícitos, quer dizer, com intenção de influenciar a formação dos de estimulação do
sujeitos. De acordo com Betti e colaboradores (2011), a abordagem organismo humano
dos temas da cultura corporal na escola acontece a partir de sentidos que se apresentam
culturais e potencialidades de estimulação do organismo humano que nas vastas
se apresentam nas vastas manifestações (brincadeira, jogos...) ligadas manifestações
(brincadeira,
à tradição da Educação Física, tradição esta que se renova (ou deve
jogos...) ligadas
se renovar, sob pena de desatualizar-se) em consonância com os à tradição da
contextos sócio históricos, que são mutáveis. Educação Física,
tradição esta que se
O contexto sócio-histórico influencia mudanças no entendimento renova (ou deve se
dos propósitos e direções dadas aos processos de ensino-aprendizagem renovar, sob pena
de desatualizar-se)
nas escolas, imprimindo mudanças nos entendimentos e interesses
em consonância
envolvidos. Nesse sentido, espera-se que essas mudanças sejam com os contextos
acompanhadas de mudanças nas práticas escolares cotidianas, o que sócio históricos, que
pode acontecer em tempos descompassados ou pode nem acontecer. são mutáveis.

Atividade de Estudos:

1) Quais são os possíveis desafios educacionais na dimensão


do ensinar-aprender sobre saúde na escola, nas aulas de
Educação Física?
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33
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Os desafios, os propósitos e as direções da formação dos alunos e


A Educação Física,
tal como as demais alunas dizem respeito a modos de ser e conviver, de pensar e conhecer,
disciplinas do de apreciar e usufruir, de agir. Assim, a Educação Física, tal como as
currículo escolar, demais disciplinas do currículo escolar, não pode ser analisada como um
não pode ser fenômeno “técnico”, “neutro”, independentemente dos tempos e espaços
analisada como históricos e dos interesses dos sujeitos e grupos sociais envolvidos. No
um fenômeno
entanto, esta seção será apresentada, a partir de uma revisão, como a
“técnico”, “neutro”,
independentemente produção de conhecimento da Educação Física escolar entende a saúde
dos tempos e na escola. Para isso, realizei uma análise no Portal de Periódicos Capes
espaços históricos e utilizando a combinação dos descritores “Educação Física escolar” e
dos interesses dos “saúde”. Quando combinados os descritores, em setembro de 2017, o
sujeitos e grupos Portal de Periódicos Capes resultou, na busca avançada, 622 estudos, e
sociais envolvidos.
na base de dados Scielo, encontramos 15 estudos.

No Portal de periódicos Capes e na base de dados Scielo, foi aplicado o filtro


“periódicos revisados por pares”, para contemplar questões de regularidade e
periodicidade na circulação, formato, qualidade de conteúdo e composição do corpo
editorial e consultores. Com isso, no portal de periódicos Capes foram mapeados 101
estudos, e no Scielo, 15. A seleção dos estudos obedeceu aos seguintes critérios:
estudos sobre/na Educação Física escolar; estudos na Educação Física escolar dos
anos finais do Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio; estudos realizados em contextos
escolares brasileiros, estudos com encaminhamentos que envolvem a EF escolar. Foram
selecionados 14 artigos do portal de periódicos Capes e da base de dados Scielo.

As análises das informações resultantes desta busca foram organizadas a partir das
variadas leituras e permitiram a definição de questões que nortearam este estudo, que
foram: Como o tema saúde tem sido tratado pela/na Educação Física escolar? Quais as
“dimensões” de saúde circulam nos estudos sobre/na Educação Física escolar?

Os estudos selecionados foram reconhecidos pelas diferentes abordagens do


tema “saúde”, diferentes perspectivas teórico-metodológicas, teorias que os sustentam,
análises, resultados e encaminhamentos. A exploração do material possibilitou
identificar unidades de significado, que constituíram as categorias apresentadas aqui.

Foram selecionados 14 artigos do Portal de Periódicos Capes e Scielo de


acordo com o Quadro 1.

QUADRO 1 – ESTUDOS SELECIONADOS NO PORTAL


DE PERIÓDICOS CAPES E SCIELO
Ano Autores Título Revista
Victor José Machado de Projetos e práticas em educação para a Revista de Edu-
2015 Oliveira, Izabella Rodrigues saúde na educação física escolar: pos- cação Física da
Martins, Valter Bracht sibilidades UEM

34
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

Transmissão de ideias sobre o corpo hu-


2012 Carvalho et al. mano pelo professor de Educação Física Motricidade
escolar e reações percebidas nos alunos
Objetivos de ensino da Educação Física
nos fatores de atividade física e saúde e
2016 Sousa et al. Motricidade
formação humana: validação da escala
de percepção discente
Cremonesi, Bankoff e Obesidade: uma tentativa de abordagem na Lúdica Pedagógi-
2014
Zamai Educação Física escolar de 5ª a 8ª séries ca
Análise da percepção dos professores
Ferreira, Oliveira e Sam- de Educação Física acerca da interface Rev. Bras. Ciênc.
2013
paio entre a saúde e a Educação Física esco- Esporte
lar: conceitos e metodologias
Influências da mídia e das relações sociais
Teixeira et al.
2016 na obesidade de escolares e a Educação Cinergis
Física como ferramenta de prevenção
Relation between physical activity level,
2016 Venturini et al. BMI and health concept of High School Motricidade
students of Ipanema city – MG, Brazil
A prevalência de sobrepeso e obesidade Revista Brasileira
em escolares da cidade de Rio Bran- de Obesidade,
2015 Aragão
co-AC e a importância da Educação Nutrição e
Física escolar desta epidemia Emagrecimento
Mapas da aptidão física relacionada
à saúde de crianças e jovens brasileiros
2012 Barbosa et al. de 7 a 17 anos/Brazilian maps of fitness: Motricidade
Study carried out in a representative sam-
ple of children and adolescents
Health-related physical fitness of integral
time public school students/Aptidao fisica Acta Scientiarum.
2010 Fonseca et al.
relacionada a saúde de escolares de Health Sciences
escola pública de tempo integral
O discurso médico e a Educação Física
Rev Bras Educ
2014 Costa, Santos e Júnior nas escolas
Fís Esporte
(Brasil, século XIX)
Prevalence of physical inactivity and
associated factors among adolescents Cadernos de
2013 Bergmann et al.
from public schools in Uruguaiana, Rio saúde pública
Grande do Sul State, Brazil
Efeito da atividade física programada Rev. bras. cin-
2010 Farias et al. sobre a aptidão física em escolares ad- eantropom. de-
olescentes sempenho hum
Prevalência de inatividade física e fatores
Jornal de Pedi-
2009 Ceschini et al, associados em estudantes do ensino mé-
atria
dio de escolas públicas estaduais

FONTE: A autora

As informações iniciais sobre os estudos selecionados dão conta de


apresentar informações sobre o ano de publicação (Gráfico 1), a distribuição de
acordo com o método de estudo (Gráfico 2) e a distribuição dos estudos de acordo
com o periódico que o publicizou (Gráfico 3).

35
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS POR ANO

Ano - 2016 3

Ano - 2015 2

Ano - 2014 2

Ano - 2013 2

Ano - 2012 2

Ano - 2011

Ano - 2010 2

Ano - 2009 1

Total de estudos 14

0 2 4 6 8 10 12 14 16
FONTE: Adaptado do Portal de Periódicos Capes e Base de dados Scielo (2017)

As informações do Gráfico 1 mostram que houve crescimento na produção


de artigos sobre o tema de 2009 para 2016.

GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS ARTIGOS DE ACORDO COM O MÉTODO

Revisão 2

Qualitativo 2

Quantitativo 10

Total de estudos 14

0 2 4 6 8 10 12 14 16
FONTE: Adaptado do Portal de Periódicos Capes e Base de dados Scielo (2017)

O Gráfico 2 mostra que dois terços dos estudos selecionados foram pesquisas
quantitativas (66,6%) em relação aos estudos de revisão e qualitativos. Isso pode
ser explicado pelo domínio dos estudos que têm como pressuposto teórico a
biodinâmica e, majoritariamente, organizam suas pesquisas sob o viés quantificável
dos fenômenos estudados, buscando a universalidade do conhecimento.
Considerando que o método qualitativo foi uma das principais ferramentas das
Ciências Sociais para observar os processos da sociedade, segundo Denzin e
Lincoln (2006), é compreensível que um termo historicamente ligado às Ciências
Naturais esteja mais presente em pesquisas com métodos quantitativos, como
demonstra o gráfico 2. Este gráfico demonstra que a produção de conhecimento
sobre o tema “saúde” na Educação Física escolar é, majoritariamente, expressa em
números, medições e análises causais entre variáveis.

36
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS NAS REVISTAS

Revista Brasileira de Obesidade,... 1

Rev. bras. cineantropom... 1

Rev Bras Educ Fís Esporte 1

Ludica PEdagógica 1

jornal de Pediatria 1

Cinergis 1

Cadernos de Saúde Pública 1

Acta Scientiarum. Health Sciences 1

Revista de Educação Física da UEM 1

Rev. Bras. Ciênc. Esporte 1

Motricidade 4

Total de estudos 14

0 2 4 6 8 10 12 14 16
FONTE: Adaptado do Portal de Periódicos Capes e Base de dados Scielo (2017)

No Gráfico 3 é possível perceber que o periódico que mais abarcou estudos


sobre o tema foi a Revista Motricidade. Dadas as características do escopo da
revista e, somando-se a isso as informações do Gráfico 2, é compreensível que este
seja o periódico que abarque a maior parte dos estudos selecionados nesta revisão.

Ao buscar compreender quais são os significados de saúde É importante


compartilhados pela produção acadêmica na Educação Física considerar que
escolar, é importante considerar que é a partir desses estudos que é a partir desses
se produzem entendimentos sobre o fenômeno na escola, que se estudos que
se produzem
consagram expressões, vocabulários. Com o crescimento do número
entendimentos
de programas de pós-graduação, houve um aumento na produção sobre o fenômeno
acadêmica, localizando grupos de pesquisa e pesquisadores, na escola, que
constituindo-se novas linhas de investigação e compreensões acerca se consagram
da saúde e outras questões que estão implicadas na Educação Física expressões,
escolar (EFE). Desta forma, a exploração do material permitiu que as vocabulários.
informações fossem organizadas nas seguintes categorias: “saúde é movimento”,
“saúde é formação humana, é pedagógica”, “saúde é diagnóstico: a lógica
preventivo-informativa”. Por meio dessas categorias de análise, podemos ilustrar
como o tema “saúde” é entendido nos estudos selecionados para esta revisão.

37
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

5.1 Saúde é Movimento


Educação Física A categoria “Saúde é movimento” prioriza aspectos biológicos e
como promotora individuais, os significados compartilhados dentro deste entendimento
de saúde através de saúde percebem a Educação Física como promotora de saúde
de testes físicos,
através de testes físicos, condicionamento e melhora do desempenho
condicionamento
e melhora do através do movimentar-se nas aulas. Existe uma preocupação com a
desempenho aprendizagem de gestos e técnicas motoras, em detrimento do estímulo
através do à reflexão e à promoção da aptidão física enquanto foco das atividades
movimentar-se nas da EF escolar.
aulas.
A noção de aptidão está presente em propostas incentivadoras de um estilo
de vida saudável pela eterna luta contra os fatores de risco e na determinada
disposição para a atividade física, que são difundidas publicamente como
conselhos privados que profetizam a construção de um corpo saudável.

É possível perceber no estudo de Cremonesi e colaboradores (2014) esta


preocupação com a eficácia da EFE no sentido de promoção da aptidão física,
no trecho onde afirmam que a educação física escolar poderia ser mais eficaz no
sentido de promover conscientização e atividades físicas visando à manutenção
da saúde e perda e peso (BANKOFF, 2012 apud CREMONESI et al., 2014).
Neste estudo, os autores apresentam um gráfico que se propõe a classificar a
participação dos estudantes nas aulas de EF a partir da movimentação em aula
(ativo, parcialmente ativo, apenas assiste...).

Para Fonseca e colaboradores (2010), é notória a necessidade de avaliar


e analisar os componentes motores e antropométricos relacionados à saúde de
escolares, pelo fato de diversos estudos mostrarem a relação existente entre
os baixos níveis de aptidão física relacionada à saúde e sobrepeso/obesidade
com fatores associados a doenças cardiovasculares que podem se instalar
precocemente ou ainda futuramente nessa população, e um meio de minimização
dessa problemática é a prevenção desses fatores desde a infância.

Assim como no estudo de Farias e colaboradores (2010), onde os autores


entendem que as aulas de Educação Física escolar podem priorizar a inclusão
de atividades que desenvolvam a aptidão física dos seus alunos, principalmente,
as relacionadas à saúde, destacando a importância de incentivar os professores
de Educação Física a incluírem os testes de aptidão física relacionados à saúde
como programa nos currículos escolares, como um meio de incentivar e motivar a
prática da atividade física nas aulas de Educação Física escolar.

38
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

Outro estudo que compõe esta categoria é o de Barbosa e colaboradores (2012),


que encontraram alarmantes resultados provenientes de dados antropométricos de
escolares, identificando um grande número de escolares com indicadores de risco à
saúde. Assim, entendem que “intervenções efetivas no âmbito da Educação Física
escolar, que objetivem promover a aptidão física das crianças e jovens se tornam
fundamentais para que esse quadro possa ser revertido”.

Sob as lentes da análise sociológica de Bauman (2001), é possível interpretar


que o caráter legislador numa sociedade pensada na regularidade, na durabilidade
e no aperfeiçoamento de suas estruturas fez com que a educação assumisse
como premissa básica a transmissão de um conhecimento durável e regular.
Assim, a prática educativa organizada a partir deste entendimento de sociedade
parece não dialogar com a liquidez que se apresenta na análise sociológica de
Bauman, que percebe que as políticas do corpo, assim como outras políticas da
vida, passaram da normatização para a desregulamentação do mercado. Assim,
o contexto líquido da sociedade, em que predomina o consumismo, se ampara
nos quereres dos corpos, na busca das plurais sensações que lhes deem prazer
e felicidade. Nas análises de Bauman (2001, 2013), o consumo é entendido
como um eixo que influencia na construção das identidades dos sujeitos, o que
o torna elemento central nas análises contemporâneas sobre educação e suas
articulações com saúde.

Esta categoria abarca entendimentos de saúde numa perspectiva


Ao ajustar os corpos
física, em que os pesquisadores expressam significados de um corpo estudantis para
biológico, controlável e ajustável a sua utilidade. E, desta forma, corresponderem às
entendem que, ao ajustar os corpos estudantis para corresponderem exigências técnicas/
às exigências técnicas/biológicas presentes em funções específicas, biológicas presentes
estarão promovendo saúde. Os autores citados nesta categoria parecem em funções
específicas, estarão
compartilhar de uma visão ainda estreita de saúde, considerada como
promovendo saúde.
a ausência de doenças e que estas são determinadas biologicamente.
De acordo com Palma (2001), esta compreensão leva a alguns desdobramentos. O
primeiro deles é de que o indivíduo que está doente não pode ser sadio. O segundo
é que a doença pode ser evitada de modo determinista-biológico (basta acabar com
a causa, que parece ser a inatividade física). Um terceiro desdobramento refere-se
ao fato de que a doença pode ser evitada, principalmente, pelo próprio indivíduo
(processo de “culpabilização”). Um quarto, mas não menos importante, é a falta de
atenção ao contexto socioeconômico.

39
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Atividade de Estudos:

1) Retomando aqui a humanização que, segundo Freire (2016),


é o fim que justifica a educação, questiona-se: o consumo da
movimentação corporal, sob esta perspectiva, educa para que os
jovens se relacionem criticamente com as imposições sociais?
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A educação torna-se
um instrumento Nesse sentido, a educação torna-se um instrumento essencial
essencial no processo no processo de transformação da sociedade por ser possível,
de transformação
da sociedade por através dela, politizar os indivíduos, permitindo-lhes apropriação
ser possível, através da realidade, inserção nela, tornando-se sujeitos de suas próprias
dela, politizar os histórias e atuando de forma consciente no mundo. A educação
indivíduos, permitindo-
envolve um processo de desvelamento da realidade que, de acordo
lhes apropriação da
realidade, inserção com Freire (1983), evidencia uma de suas tarefas essenciais, que
nela, tornando-se é a conscientização, ou seja, é o processo educativo que permite
sujeitos de suas um vislumbrar de uma proposta de mudança social através da
próprias histórias e
atuando de forma decodificação do mundo e da inserção nele.
consciente no mundo.

5.2 Saúde é Formação Humana, é


Pedagógica
Na categoria “saúde é formação humana, é pedagógica”, o entendimento
de saúde é organizado a partir do contexto social e cultural dos estudantes,
percebendo na EFE a responsabilidade de educar para a saúde também.

Dentre os estudos selecionados nesta categoria, Carvalho e colaboradores


(2012) acreditam que os professores de EF assumem um papel importante num

40
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

contexto que transmite intencionalmente, ou não, ideias sociais sobre Os autores


o corpo humano. Segundo os autores, os professores podem adotar, perceberam que
consciente ou inconscientemente, diferentes discursos que visam o entendimento
do corpo humano
adequar o corpo do seu aluno ao atendimento de objetivos específicos
complexo, integral
compatíveis com as crenças educativas vigentes. Nas informações ou global (corpo
encontradas, os autores perceberam que o entendimento do corpo físico, social e
humano complexo, integral ou global (corpo físico, social e psíquico) é psíquico) é possível
possível e viável dentro da prática pedagógica da EF na escola. e viável dentro da
prática pedagógica
da EF na escola.
Em estudo conduzido por Oliveira, Martins e Bracht (2015), os
professores deslocaram papel da EF para com a saúde na escola, de uma ação
direta sobre a saúde (atividade física e saúde) para uma ação que visa à educação
para a saúde. Destacam que trabalhos desenvolvidos no estudo tiveram relação
com a mudança de comportamentos e atitudes no plano da experiência vivida,
seja nos âmbitos pessoal-individual, social ou ecológico, não estando restrito
ao plano biofisiológico. Nesse sentido, Bauman (2013), ao analisar a educação
para a juventude, entende que a juventude deve ser preparada para conviver
criticamente com as demandas sociais impostas pelo mercado do consumo,
ou seja, “consumirem” as práticas corporais ofertadas dentro e fora da escola
entendendo as implicações deste consumo nas suas maneiras de agir.

Em contrapartida a esses achados, Ferreira, Oliveira e Sampaio (2013), ao


entrevistarem professores acerca de suas concepções de saúde na Educação
Física escolar, encontraram que o conceito de saúde adotado nas aulas não
contemplava o seu sentido ampliado. Nesse sentido, os autores entendem ser
necessário ultrapassar os aspectos individuais e biológicos de suas práticas
educativas.

Contudo, para Bauman (2002), as mudanças sociais Educação


consequentes da modernidade líquida impõem desafios diferentes das permanentemente
crises anteriores, pois o consumismo e o individualismo, impulsionados crítica, que
pela globalização e pelo arranjo político neoliberal, focado na produção ressignifique as
cultural do consumismo, não dialogam com as características de uma tarefas da educação
e que fomente a
educação pensada a longo prazo. Há um crescente enfraquecimento
reflexividade dos
da esfera pública (abandonada, acelerada e privatizada) e da ética na sujeitos.
relação com o Outro, o que esvazia de sentido um projeto de sociedade
para as identidades constituídas na cultura da liquidez da sociedade moderna.
Nesse cenário de desafios, Bauman defende uma educação permanentemente
crítica, que ressignifique as tarefas da educação e que fomente a reflexividade
dos sujeitos. Essa ressignificação não pressupõe a reinvenção dos processos
educativos e das instituições, mas o reconhecimento desses atravessamentos a
partir da capacidade crítico-reflexiva dos sujeitos, repensando a nossa forma de
ser, estar e transformar o mundo.

41
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Considerando que, para transformar o mundo, é preciso reconhecer e


compreender as estruturas sociais e os modos de dominação com que o poder
opera, a conscientização de Freire (1983) parece a ferramenta social de uma
educação capaz de emancipar os indivíduos. Em outras palavras, Bauman (2001)
escreveu que para operar no mundo (por contraste a ser "operado" por ele) é
preciso entender como o mundo opera.

5.3 Saúde é Diagnóstico: A Lógica


Preventivo-Informativa
Entende saúde A categoria “saúde é diagnóstico: a lógica preventivo-informativa”
através de entende saúde através de diagnósticos das condições físicas a partir de
diagnósticos testagens, exames e verificações que buscam enquadrar os achados
das condições num parâmetro de “normalidade”. Nestes estudos, os pesquisadores
físicas a partir de entendem que a escola, especialmente a Educação Física, e a família
testagens, exames
são responsáveis pela manutenção/promoção de um estilo de vida
e verificações que
buscam enquadrar saudável. Como lembra Vaz (2003, p. 7):
os achados num
parâmetro de É importante pensar a educação do corpo nesse contexto mais
amplo em que se estruturam os cuidados com o corpo no mundo
“normalidade”.
contemporâneo; afinal o corpo é educado nas escolas [...] e
entende saúde em muitas outras instituições fechadas, mas também nas ruas,
através de tevês, nas revistas ilustradas [...] Fazem parte dos esforços
diagnósticos pedagógicos contemporâneos o controle e o disciplinamento
das condições desses corpos, por meio dos quais aparece, por exemplo, a
físicas a partir de disciplina escolar Educação física e também os programas de
testagens, exames atividade física relacionados à saúde.
e verificações que
buscam enquadrar No estudo de Sousa e colaboradores (2016), foi realizada a
os achados num adaptação de um instrumento para analisar a percepção dos discentes
parâmetro de
sobre os objetivos da disciplina de EF relacionados à saúde e prática
“normalidade”.
esportiva. Como resultados, encontraram maior nível de concordância
dos discentes do Ensino Médio entendendo que o objetivo da EF está relacionado à
atividade física e saúde. Nos encaminhamentos do estudo, os autores consideram
que o instrumento pode auxiliar professores e gestores na tomada de decisão sobre
as expectativas discentes sobre esse componente curricular na escola.

Em outro estudo selecionado, com o objetivo de investigar a prevalência e


os fatores associados à inatividade física, Bergmann e colaboradores (2013), ao
encontrarem 68% dos estudantes inativos, entendem que estratégias de combate
à inatividade física em adolescentes devem ser elaboradas, tendo a escola e a
família papel de destaque.

42
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

Percebo que, atrelado aos encaminhamentos destes e de outros Encaminham um


estudos desta categoria, são compartilhados significados de saúde entendimento de
enquanto norma a ser atingida, o que remete ao conceito de saúde um sujeito que se
sujeita aos padrões
em Bauman (2001), para quem a saúde é normativa e organiza
de saúde/corpo
os limites entre “norma” e “anormalidade”. O que dialoga com os estabelecidos
encaminhamentos dos estudos desta categoria, como o de Venturini pelas agências
e colaboradores (2016), que investigaram a relação entre níveis de reguladoras e
atividade física, índice de massa corporal e o conceito de saúde em políticas públicas de
estudantes do Ensino Médio. Os autores encontraram que 14,5% dos promoção de saúde
estudantes tinham sobrepeso/obesidade, a maioria da amostra era fisicamente
ativa, sendo que os meninos são mais ativos que meninas, e aqueles alunos que
são fisicamente ativos têm um conceito de saúde mais preventivo, já os alunos
mais sedentários têm um conceito de saúde mais relacionado ao tratamento. Por
fim, argumentam que os estudantes devem ser encorajados ao estilo de vida
ativo na escola, especialmente na EF escolar e que os professores de EF devem
estudar e elaborar aulas criativas incluindo as meninas. Os significados de saúde
compartilhados pelos estudos desta categoria encaminham um entendimento
de um sujeito que se sujeita aos padrões de saúde/corpo estabelecidos pelas
agências reguladoras e políticas públicas de promoção de saúde, que determinam
a classificação entre normal e anormal, onde o “ser normal” é estar em condições
físicas para desempenhar sua função produtiva numa sociedade regulada pelo
mercado. Nesse sentido, o sentido de saúde compartilhado nesta categoria
assume um “corpo instrumental”, que parece não ter história.

No estudo de Teixeira e colaboradores (2016), foi realizada uma revisão


da literatura buscando verificar as influências do estilo de vida, relações sociais
e da mídia na obesidade infantil e entender como as aulas de Educação Física
podem auxiliar na sua prevenção. Os autores encontraram 51 estudos de onde
concluíram que a duração das aulas de EF é insuficiente para que o professor
combata a obesidade infantil. Entretanto, segundo os autores, a mídia faz
uma importante contribuição, na medida em que conscientiza esses alunos
a respeito de hábitos alimentares saudáveis e práticas regulares de atividades
físicas, contribuindo assim para a diminuição dos quadros de obesidade infantil
registrados atualmente.

43
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Atividade de Estudos:

1) Mas o que é saúde para estes autores? O que está por trás dos
diferentes discursos que incentivam um “estilo de vida saudável”?
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A respeito desta observação dos autores em relação à contribuição da


mídia, favorecendo a conscientização sobre hábitos saudáveis, coloca-se uma
reportagem que recentemente foi veiculada num jornal impresso de grande
circulação no RS. Este material, intitulado Infância em movimento: criança
ativa, criança saudável, traz na capa a constatação de que exercícios físicos
são muito importantes para a saúde e o desenvolvimento desde o nascimento,
prometendo indicar quais são as atividades ideais para cada faixa etária, já na
capa da matéria. Os conselheiros são, majoritariamente, médicos vinculados a
sociedades de pediatria e os conselhos são provenientes de um manual do grupo
de trabalho em atividade física da Sociedade Brasileira de Pediatria (WEBER,
2018). Entre os conselhos, destaca-se a preocupação com a prevenção de
doenças crônicas e o aumento da saúde cardiovascular, e o desafio, segundo a
matéria, de manter as crianças ativas. A pediatra consultada reforça que o objetivo
dos exercícios na infância não é a definição muscular, mas evitar o acúmulo de
gordura. As recomendações iniciam para os recém-nascidos até as crianças com
mais de seis anos. Sob que prisma se dá a compreensão de saúde desta matéria?

A veiculação destas orientações pressupõe um entendimento de “corpo


saudável”, de “corpo desejável”, que dialoga com o corpo objeto de consumo e
manipulação da sociedade de consumidores, apontada por Bauman (2001).

Outro estudo desta categoria que corrobora com o exposto aqui é o de


Aragão (2015), que infere que o sobrepeso e a obesidade – identificados em
30% dos escolares participantes do estudo –, devem ser combatidos com a

44
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

implantação de medidas educativas através do currículo escolar, devendo o


professor de Educação Física (como profissional da educação e da saúde) estar
devidamente habilitado para educar a fim de promover a saúde no contexto
escolar. Nessa mesma linha de pensamento, Ceschini e colaboradores (2009)
buscaram descrever a prevalência de inatividade física e os fatores associados
em estudantes do Ensino Médio de escolas públicas estaduais da cidade de São
Paulo (SP). Ao encontrarem 62,5% de prevalência de inatividade física entre os
estudantes que participaram do estudo, entendem que a atuação da escola e dos
órgãos governamentais parece ser uma forma interessante para criar e colocar em
funcionamento programas de intervenção que auxiliem no combate à inatividade
física e ao uso de tabaco e bebidas alcoólicas.

Dialogando com a leitura social da modernidade líquida de Bauman, A domesticação


diferente da modernidade sólida, em que o Estado atuava como dos estilos de
normatizador das políticas do corpo, na modernidade líquida, diversos vida está longe de
agentes sociais concorrem por fatias do mercado, seduzindo e estimulando ser um discurso
o consumo de bens, sensações e prazeres. As políticas públicas acabam sem interesses de
mercado;
atuando em prol de grupos de risco (populações especiais), muitas vezes
atendendo às regras do mercado e cedendo espaço para grandes patrocinadores
para atender às demandas de empresas privadas e estimular a economia interna dos
responsáveis pela organização de eventos (BRACHT, 2011). Corrobora com isso a
lógica da cidadania individual, que impõe ao sujeito grande parte da responsabilidade
ao que ele é as suas opções pessoais que seriam escolhas livres. A domesticação
dos estilos de vida está longe de ser um discurso sem interesses de mercado; é
comum encontrarmos na literatura estudos que fazem alarmantes denúncias da
prevalência de obesidade e inatividade física na população infantil (responsabilizando
os sujeitos por seus comportamentos de vida), sem tratarem do “mercado da
obesidade”, orquestrado por grandes companhias alimentícias e de entretenimentos
eletrônicos que lucram com a promoção de estilos de vida desejáveis – muitas vezes
patrocinando eventos científicos.

Para aprofundamento destas informações, ver Conflitos de


interesse na “guerra” contra a obesidade: é possível servir a dois
senhores? Palma et al. (2014).

Assim, se as políticas do corpo na modernidade líquida incentivam uma maior


liberdade de escolha para os sujeitos usufruírem das diferentes possibilidades da cultura
corporal – encorajando-os a adotarem estilos de vida mais saudáveis e a preocuparem-
se com os cuidados de si –, deveriam também reconhecer a ambivalência gerada

45
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

pelos inúmeros discursos midiáticos-empresariais que concorrem pela atenção dos


consumidores nas diversas dimensões da cultura corporal.

Atividade de Estudos:

1) Considerando o exposto nesta seção, reflita:

Por que ainda justificamos uma abordagem sistematizada voltada


para a promoção da saúde baseada na medicina preventiva (ou
na contenção de custos da atenção médica) na Educação Física
escolar? A fundamentação não deveria ser o entendimento do
acesso à saúde e práticas corporais de lazer enquanto direitos
constitucionais do cidadão?
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Essas e outras questões desafiam a Educação Física, em sua prática


pedagógica, a problematizar os diversos discursos do “estilo de vida saudável”,
estimulando a reflexividade com o intuito de oportunizar uma educação
emancipadora e consciente dos sujeitos sobre as possibilidades de escolha.

Representam os Nesta revisão, a maioria estudos selecionados tratam a saúde na


entendimentos escola de forma quantitativa, publicando seus achados, majoritariamente,
de saúde da área em periódicos de escopo biodinâmico. As categorias produzidas com a
alinhados com
interpretação do que foi produzido pela área sobre o tema, nas bases
um conceito de
saúde restrito, de dados consultadas, representam os entendimentos de saúde da área
responsável por boa alinhados com um conceito de saúde restrito, responsável por boa parte
parte da produção da produção de conhecimento organizada nesta oportunidade. A respeito
de conhecimento disso, Almeida Filho (2000) escreveu em “O conceito de saúde: ponto-
organizada nesta cego da epidemiologia?” sobre o fracasso das propostas metodológicas
oportunidade.
de avaliação direta dos níveis coletivos de saúde através de indicadores

46
Capítulo 1 Compreendendo a Saúde e sua Influência na Educação Física Escolar

unificados alertando sobre dependermos de uma definição clínica de doença para


construção do objeto “saúde”. Em 2011, em seu livro O que é saúde, Almeida
Filho analisa as possibilidades e limites do tratamento quantitativo bioestatístico
do fenômeno saúde no plano individual e singular e denuncia que a produção
acadêmica parece estar “presa” a um conceito de saúde e modelos de promoção
da saúde que enfatizam as análises biomédicas do binômio saúde-doença na
dimensão individual em detrimento da coletiva.

6 Algumas Considerações
Iniciamos este capítulo buscando compreender a trajetória histórica que
constitui as tramas da formação em Educação Física no contexto brasileiro.
Entendendo a influência das instituições militares e médicas na concepção
histórica da Educação Física, é possível compreender as perspectivas curriculares
de formação inicial e como elas engendram a atuação dos professores na escola.

O paradigma dominante da ciência está se voltando para a inovação através


da recriação contínua de modos de viver, produzir e consumir. Nesse sentido,
a produção de conhecimentos está articulada com a produção de modos de
vida na medida em que orienta um saber-fazer em saúde que, majoritariamente,
vem reduzindo a experiência humana à dimensão biológica, ancorando o
conhecimento em universalizações que acabam produzindo um entendimento de
saúde normatizador dos estilos de vida (a alimentação ideal, o peso ideal, o corpo
ideal, a roupa ideal, o estilo de vida saudável etc.).

A partir da discussão sobre o modelo de ciência que é validado


socialmente, os conceitos de saúde e a produção acadêmica sobre saúde na
Educação Física escolar, é de se reconhecer que a Educação Física precisa
extrapolar o que é proposto pelo modelo hegemônico, médico-centrado até
então, valorizando os movimentos de mudança e também as resistências que
cooperam para a manutenção de certos entendimentos e concepções sobre
saúde na Educação Física.

Por fim, torna-se relevante reconhecer a função humanizadora da educação


e compreender a função social da escola no complexo papel de formação
de cidadãos que tenham condições de participar criticamente na sociedade.
Especialmente no caso de como a Educação Física assume seu papel na escola,
como veremos mais adiante.

47
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

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54
C APÍTULO 2
Os Estilos de Vida na Sociedade
Contemporânea e a Educação
Física Escolar

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender os dispositivos sociais na organização dos estilos de vida.

� Reconhecer os aspectos socioculturais no entendimento dos estilos de vida.


Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

56
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

1 Contextualização
A intenção deste capítulo é fazer que com você, leitor, compreenda os
dispositivos sociais na organização dos estilos de vida, reconhecendo os aspectos
socioculturais no entendimento dos estilos de vida. Perceber o estilo de vida ativo,
não mais responsabilizando o indivíduo por sua condição física ou social, e sim
discutindo as possibilidades de garantias de direitos constitucionais, bem como as
formas de organização da sociedade e o impacto destas na saúde coletiva.

2 Os Estilos de Vida
Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2004, s.p.) o estilo de vida

“é o conjunto de hábitos e costumes que são O estilo de vida


influenciados, modificados, encorajados ou inibidos “é o conjunto
pelo prolongado processo de socialização. Esses
de hábitos e
hábitos e costumes incluem o uso de substâncias,
tais como o álcool, fumo, chá ou café, hábitos
costumes que
dietéticos e de exercício. Eles têm importantes são influenciados,
implicações para a saúde e são frequentemente modificados,
objeto de investigações epidemiológicas”. encorajados ou
inibidos pelo
Considerando o conceito de estilo de vida da WHO e sua prolongado
processo de
referência à inibição ou encorajamento de hábitos a partir do processo
socialização.
de socialização, podemos compreender o quanto o espaço escolar é
importante na constituição de costumes e hábitos para a vida.

Segundo Borsa (2007), é na escola que se constrói parte da identidade do ser


e pertencer ao mundo; é nela que o indivíduo entra em contato com modelos de
aprendizagem, princípios éticos e morais que permeiam a sociedade. Cabe aos
responsáveis e aos professores e professoras a responsabilidade de introduzir
a criança ao grupo social, permitindo-lhe acessar um patrimônio cultural que
envolve normas, valores, costumes, atribuições de papéis, linguagem, habilidades
de conteúdos escolares. Desta forma, a socialização é um processo de interação
do sujeito com o seu meio e esse processo depende tanto das características do
sujeito quanto das oportunidades que o meio oferece. Assim, é na escola que se
vive a própria cultura.

57
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Socialização:

Processo de interação do sujeito com o seu meio e esse


processo depende tanto das características do sujeito quanto das
oportunidades que o meio oferece. Assim, é na escola que se vive a
própria cultura.

A nossa forma A nossa forma de pensar e enxergar o mundo é consequência do nosso


de pensar e processo de socialização. Esse processo varia de acordo com as culturas e
enxergar o mundo as épocas históricas que se refazem constantemente na organização social
é consequência e no funcionamento do poder que cada sociedade adota.
do nosso processo
de socialização.
A nossa forma É no processo de socialização que o indivíduo se torna um ser
de pensar e social, atuante, pois assimila, nas relações que desenvolve, as normas,
enxergar o mundo a cultura, os comportamentos e as condutas do grupo social em que
é consequência do está inserido. É na infância que a criança adquire comportamentos
nosso processo de considerados adequados e corretos à sociedade e ao que dela é
socialização.
esperado, é através do controle social que são impostas as regras
de convivência que regem os comportamentos dos indivíduos na intenção de
harmonizar os padrões de convivência social. Assim, os processos de socialização
dos sujeitos nas instituições escolares põem em jogo determinadas concepções e
percepções do espaço e do tempo.

É na infância o período de grande importância para a formação de hábitos e


desenvolvimento. De forma mais acentuada que na infância, estar em processo
de socialização no período da adolescência é estar em uma fase em que diversas
mudanças acontecem e refletem na vida, como: o crescimento somático e o
desenvolvimento em termos de habilidades psicomotoras, as questões hormonais
que se intensificam, levando a mudanças radicais de forma e expressão e a
variação de humor. Surgem dúvidas e questões de várias ordens, desde sobre
como viver a vida, os modos de ser, de estar com os outros, até a construção do
futuro com as escolhas profissionais. No entanto, apesar de a adolescência ser
vigorosamente marcada por processos psico-biológicos, esta fase não deve ser
tomada como um conjunto de fenômenos universais implicados no crescimento
e desenvolvimento somático-mental, uma vez que as transformações pelas quais
passam os adolescentes também resultam de processos inerentes aos contextos
sociais (históricos, políticos e econômicos) nos quais os sujeitos adolescentes
estão imersos (RAMOS, 2001).

58
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

Neste sentido, pensar a saúde da criança e do adolescente implica Pensar a saúde


pensar nos diversos modos de viver a infância e a adolescência e de da criança e
viver a vida. Por sua vez, implica em um movimento de repensar as do adolescente
práticas de saúde e de educação em saúde que se voltam para esta implica pensar nos
parcela significativa da sociedade. diversos modos de
viver a infância e a
adolescência e de
No contexto das políticas socioeconômicas brasileiras, o campo viver a vida.
da saúde e da educação pública ainda deixam a desejar e não
atingem de forma satisfatória a grande massa da população. Grande parte das
pessoas sofre com a carência de bases mínimas que atendam às necessidades
de alimentação, moradia, saneamento básico, emprego formal com salário digno
que garanta condições de vida saudáveis. Segundo Ferreira e colaboradores
(2000), as consequências deste quadro se veem refletidas no ingresso precoce de
adolescentes no mercado de trabalho, muitas vezes em condições de subemprego
com exploração da sua força de trabalho e irregularidades de carga horária, os
quais se submetem por necessidade financeira em virtude das precárias condições
socioeconômicas familiares. Muitos são iniciados na prostituição, excluídos do
sistema formal de ensino, aliciados pelo crime organizado e tráfico de drogas,
sofrem vários tipos de violência e engrossam as estatísticas dos moradores de rua.

Estilo de vida:

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2004,


s.p.) estilo de vida “é o conjunto de hábitos e costumes que são
influenciados, modificados, encorajados ou inibidos pelo prolongado
processo de socialização. Esses hábitos e costumes incluem o uso de
substâncias, tais como o álcool, fumo, chá ou café, hábitos dietéticos
e de exercício. Eles têm importantes implicações para a saúde e são
frequentemente objeto de investigações epidemiológicas”.

Como vimos, o estilo de vida pode ser entendido pela lente


social. De acordo com Pierre Bourdieu (1983, p. 82), “as diferentes
posições no espaço social correspondem estilos de vida,  sistemas
de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de
diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”.

59
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Convido você a olhar para o estilo de vida a partir de uma lente sociológica.
Para isso, retomaremos Pierre Bourdieu, para quem o estilo de vida é determinado
de acordo com as condições de existência (ver Figura 1).

“as diferentes Bourdieu (1983) entende que “as diferentes posições no espaço
posições no social correspondem estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais
espaço social que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas
correspondem estilos nas condições de existência” (BOURDIEU, 1983, p. 82).
de vida, sistemas de
desvios diferenciais
Mas o que isso significa?
que são a retradução
simbólica de
diferenças Podemos entender que as condições de existência, como a
objetivamente posição dentro da estrutura econômica (operário, empresário de
inscritas nas destaque, professor) e os grupos com quais o sujeito se relaciona são
condições de como modelos que, de certa forma, definem os estilos de vida (ou seja,
existência”
as práticas sociais e suas características) de uma dada posição social
que é ocupada por um determinado sujeito.

Essas condições desencadeiam um conjunto de práticas semelhantes (de


uma pessoa ou de um grupo de pessoas), que distinguem/ classificam os grupos
sociais. Para compreender a perspectiva sociológica de Bourdieu, é fundamental
retomarmos aqui um conceito abordado no Capítulo 1, o conceito de habitus. O
habitus é gerador de práticas sociais classificáveis e, ao mesmo tempo, é aquilo
que produz diferenciação ou apreciação por essas práticas (gosto e preferência)
e é justamente a relação entre essas duas capacidades do habitus que constitui
o espaço dos estilos de vida. É um sistema de disposições, portanto, que projeta
práticas, mas, como dito, essas práticas são inculcadas e incorporadas, ou seja,
elas não são criações individuais, mas construções sociais.

O habitus é aquilo que foi estruturado pela realidade exterior e que estrutura
as práticas “interiormente”.

60
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

FIGURA 1 – CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA


atos de percepção e de apreciação
condiciona
sistemas de
esquemas
geradores
de práticas estilo de vida 1
ou de obras como sistema de
condições de existência 1
habitus 1 classificáveis práticas
objetivamente classificáveis
como classificadas
(classes de condicionamento) práticas e obras
estrutura e que determinam
e posição na estrutura das classificáveis
estruturada e a classe, isto é,
condições de existência
estruturante sistemas de sinais distintivos
(como estrutura estruturante)
esquemas de (“os gostos”)
percepção e
de
apreciação
(“o gosto”)

sitema de
esquemas
etc.

condições de existência 2 habitus 2 estilo de vida 2


etc. etc. práticas etc. etc.

sistema de
esquemas
etc.

FONTE: Bourdieu (1989)

Mesmo com o reconhecimento dessa rede de relações que Esta “lente” para
constituem os estilos de vida, no campo biomédico é comum que o estilo compreender os
de vida envolva os aspectos relacionados à saúde estando intimamente estilos de vida
associados à dimensão biológica. Esta “lente” para compreender os acaba orientando
muitas produções
estilos de vida acaba orientando muitas produções acadêmicas quando
acadêmicas
se trata da saúde na infância e adolescência, desconsiderando os quando se trata da
aspectos sociais que constituem os estilos de vida. saúde na infância
e adolescência,
No estudo de Ferreira e colaboradoras (2007), que teve como desconsiderando
objetivo conhecer as concepções dos adolescentes sobre saúde e como os aspectos sociais
que constituem os
estas se articulam com as suas práticas de cuidado, na especificidade
estilos de vida.
do processo de adolescer, as autoras perceberam que a percepção
de saúde dos adolescentes emerge de um modo de viver e estar na vida, que
envolve livre arbítrio sobre o que comer, por exemplo, mesmo reconhecendo que
estas escolhas nem sempre são as “recomendadas” por determinados parâmetros
aprendidos na vida sociofamiliar, orientado por padrões de gênero: “você é moça,
precisa se cuidar”, conforme relato de uma das adolescentes que participaram
do estudo. As experiências relatadas no estudo convergem para uma noção de

61
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

saúde que envolve autonomia. A saúde ganhou sentido retratada nos estilos
de vida e comportamentos legitimados pela maioria dos adolescentes aos seus
modos de viver a vida.

Mulheres, Raça e Classe, de Angela Davis, 2016.

O livro é um clássico da escritora feminista e ativista negra


Angela Davis e  preza por entender as diferentes opressões sem
hierarquizá-las. Esse trabalho da ativista conta com análises sobre
escravidão, encarceramento em massa da população negra, estupro,
aborto, direitos reprodutivos e trabalho doméstico, tendo sempre a
mulher negra no centro das discussões.

Os escritos de Davis são muito ricos em informação, com grande


complexidade teórica, mas a autora tem uma capacidade singular
de expor sua visão e os fatos de maneira bem simples, direta e de
fácil entendimento.  Para quem gostar, a dica é continuar a leitura
com Mulheres, Cultura e Política, da mesma autora (Boitempo, 2017).

Toda ação humana Estas considerações parecem favorecer entendimentos de saúde


é subjetiva e, por que considerem a autonomia, com práticas educativas de estimulem
consequência, a a emancipação dos sujeitos, onde se promova oportunidades de
forma como se vive participação dos adolescentes nos espaços onde os saberes sobre saúde
a vida, os estilos
circulam, se constroem e se reconstroem nas trocas de informações.
de vida não devem
ser descritos e
explicados com Uma reflexão possível para compreender a complexidade do tema
a “lente” apenas saúde pauta-se no entendimento de que toda ação humana é subjetiva
nas características e, por consequência, a forma como se vive a vida, os estilos de vida não
exteriores e devem ser descritos e explicados com a “lente” apenas nas características
objetivas, já que a
exteriores e objetivas, já que a mesma ação pode corresponder a
mesma ação pode
corresponder a diferentes sentidos. Isso exige do professor o esforço de compreender as
diferentes sentidos. ações a partir dos sentidos que os sujeitos conferem às suas ações.

62
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

BOURDIEU, P. Gosto de classe e estilo de vida. In: ORTIZ,


R. Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. p. 82-121. 

No entendimento de Bourdieu (1983, p. 83-84), o estilo de vida O estilo de vida é


é definido como “um conjunto unitário de preferências distintivas que definido como “um
conjunto unitário
exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos,
de preferências
mobília, vestimentas, linguagem corporal a mesma intenção expressiva, distintivas que
princípio da unidade de estilo que entrega diretamente à intuição e que exprimem, na lógica
a análise destrói ao recortá-lo em universos separados”. específica de cada
um dos subespaços
simbólicos, mobília,
Partindo desse conceito, o autor distingue três “espaços de vestimentas,
demarcação” de estilos de vida: as classes dominantes, entendidas pelo linguagem corporal
“sentido da distinção”; as classes médias, definidas pela “boa vontade a mesma intenção
expressiva, princípio
cultural” (desejo de imitar as classes dominantes); e as classes populares, da unidade de
marcadas pelos “gostos da necessidade”, sem posses “culturais”. Mesmo estilo que entrega
com essas distinções, os gostos estão ligados entre si em função das diretamente à intuição
“normas de consumo legítimas”, que as classes dominantes impõem. e que a análise destrói
ao recortá-lo em
universos separados”.
Para Bourdieu (1983) ,o estilo de vida das classes dominantes se
diferencia por serem os que necessitam distinção dos outros a partir de seus O estilo de vida das
gostos legítimos, pois aprendem precocemente a segurança e a familiaridade classes dominantes
do princípio da transformação permanente dos gostos, diferenciando a se diferencia por
serem os que
legitimidade das diferentes práticas e consumos sociais, internalizado pelo
necessitam distinção
habitus de tal forma que estes não conseguem imaginar outra forma de dos outros a partir de
apreciar estas manifestações (polo, tênis, ópera, obras de arte, autores). seus gostos legítimos.
Assim, as classes dominantes têm a capacidade de definir a cultura legítima, os valores
e bens sociais que devem ser respeitados e apreciados por todos e, a partir da distinção,
afirmam uma identidade própria, colocando-se como diferente.

Consumo:

Chamamos de consumo o ato da sociedade de adquirir aquilo que é


necessário à sua subsistência e também aquilo que não é indispensável,
ao ato do consumo de produtos supérfluos, denominamos consumismo.
A “coisificação” dos indivíduos, a valorização do corpo, da estética, em
detrimento de outros valores e qualidades tão importantes nos seres
humanos, é evidente na sociedade em que vivemos.

63
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Caracterizada Caracterizada pela “boa vontade cultural”, para Bourdieu, a classe


pela “boa vontade média tem origem nos setores populares, que detêm um limitado
cultural”, para capital cultural, é caracterizada pelo reconhecimento da cultura legítima
Bourdieu, a classe e opera num esforço sistemático para adquiri-la. Essa “aquisição”
média tem origem envolve uma série de práticas e consumos culturais, como: visitas a
nos setores
museus, exposições de arte, aquisição de livros e obras de arte, praticar
populares, que
detêm um limitado determinados esportes, vestir roupas de grife, consumo de alimentos
capital cultural etc.; e tem como objetivo adquirir capital cultural.

O papel da mídia, assim como de outros aparelhos ideológicos, é


justamente prescrever normas e representar a realidade de forma que
seja oferecida uma dada interpretação da realidade social, de acordo
com os interesses dos produtores da ideologia. Fica claro que quem
controla os principais meios de comunicação, sobretudo os de massa,
faz parte das estruturas de poder nas sociedades. Nesse sentido, a
estrutura não só da nossa sociedade, como de outras se reflete na
linguagem da mídia de forma autoritária, elitista, desprezando a cultura
popular e voltando-se para a construção de cidadão meramente
consumidor, além de promover a apatia política e o descompromisso
com os reais problemas do povo (OLIVEIRA; COSTA, 2005).

O estilo de vida é As classes mais baixas, segundo Bourdieu (1983), ocupam o


entendido como estrato inferior do espaço social e o estilo de vida é entendido como
uma forma de uma forma de adaptação ao lugar que ocupam, estando sempre
adaptação ao estabelecendo alguma relação de reconhecimento dos valores
lugar que ocupam,
dominantes, seja sob a forma de fracasso ou incapacidade ou sob a
estando sempre
estabelecendo forma de indignação cultural. Nos estudos de Pierre Bourdieu, essa
alguma relação de fração da sociedade valoriza práticas sociais que destacam a virilidade
reconhecimento dos e aceitação da dominação. Assim, o estilo de vida das classes populares
valores dominantes é definido tanto pela ausência de bens de consumo de luxo quanto pelo
fato de que esses consumos estão presentes sob a forma de substitutos. Portanto,
nas classes populares, o estilo de vida é orientado pela “escolha do necessário”.

64
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

Você sabia?

Segundo o IBGE, o número de desempregados no Brasil nos três


primeiros meses de 2018 foi de 13,7 milhões de pessoas. É a maior
taxa de desemprego trimestral do país desde maio de 2017 (13,3%).

Na interpretação de Bourdieu, a estrutura social da identidade, O consumo, nesse


expressa em formas de estilo de vida, se constitui das práticas de sentido, é um
consumo e imagens e representações por elas incentivadas. Assim, importante mediador
o estilo de vida e a definição das classes sociais (de consciência de da identidade, pois,
a partir de uma
classe, que fundamenta a identidade de um indivíduo como pertencente
posição econômica,
a um grupo) constituem o eixo fundamental das identidades sociais. O configura a
consumo, nesse sentido, é um importante mediador da identidade, pois, consciência de
a partir de uma posição econômica, configura a consciência de classe. classe.

Filme: O Show de Truman

Especificações Técnicas:  Ano de produção: 1998, Duração: 102


min., Estúdio: Paramount Pictures.

O filme conta a história de Truman, um homem que vive o


tradicional “american way of life” e tem toda a sua vida
gravada, editada e transmitida via emissoras do mundo inteiro.
Entretanto, Truman não sabe que sua vida é uma mercadoria.
O filme permite discutir a influência da mídia na propagação de
“verdades”; as relações existentes entre ideologia e poder; indústria
cultural; crítica à sociedade de consumo e manipulação do real.

Considerando o entendimento de Bourdieu, poderíamos questionar quais as


condições sociais que possibilitam escolhas de determinadas práticas, produtos
e entretenimentos relacionados ao universo das atividades físicas e esportivas?

Para pensar sobre este questionamento, devemos considerar o conceito


de habitus de classe, que se organizam e disputam no espaço social num
determinado momento histórico, para interpretar as práticas e consumos em

65
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

geral. Assim, a pretensão de compreender a distribuição das práticas corporais


entre classes deve analisar outros elementos do contexto, que condicionam essa
disposição. De acordo com González (2010), o tempo disponível (relacionado
também ao capital econômico), o capital econômico (mais ou menos indispensável
de acordo com os esportes) e o capital cultural (dependendo do tipo de prática
corporal) são alguns elementos que devem ser considerados para a compreensão
das práticas corporais e dos estilos de vida nos diferentes estratos econômicos
da estrutura social. Além desses elementos, é fundamental compreender que
existem diferenças nos significados e nas funções que cada grupo atribui às
diferentes práticas corporais no espaço social. Portanto, as práticas corporais
que constituem os estilos de vida devem ser interpretadas no mesmo conjunto de
disposições que estão na base de outras práticas sociais.

Habitus de classe:

As diferentes formas de apreensão do mundo estão diretamente


relacionadas com o distanciamento que se pode ter da realidade.
Com a urgência que a posição social leva o sujeito a perceber e
se relacionar com o mundo, ela o leva a ter uma relação típica com
os bens culturais disponíveis. Então o habitus é aquilo que gera o
gosto de classe, de acordo com a classe social que as condições de
existência do sujeito o permitem.

Os diferentes Considerando as características das classes sociais e os


consumos dispositivos sociais que organizam os elementos para gostos e
esportivos são preferências no que diz respeito às práticas corporais, podemos
capazes de entender que os diferentes consumos esportivos são capazes de
diferenciar seus diferenciar seus praticantes e, consequentemente, fornecer benefícios
praticantes e,
sociais derivados de uma prática distintiva (classes sociais dominantes)
consequentemente,
fornecer benefícios que é percebida desigualmente (BOURDIEU, 1993). Nesse sentido, as
sociais derivados classes dominantes caracterizam-se por ter práticas corporais pautadas
de uma prática pela raridade (no sentido de não serem comuns) e por uma tendência
distintiva (classes em tratar o corpo como um fim, em oposição à classe trabalhadora
sociais dominantes) que o trata como instrumento. Nesse esforço de distinção das classes
que é percebida
dominantes, Bourdieu (1989) destaca práticas corporais como golfe,
desigualmente.
hipismo e esqui, por exemplo. Podemos perceber aqui o quanto as
limitações econômicas definem o campo de possibilidades e impossibilidades de
práticas corporais a um indivíduo.

66
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

Para Bourdieu (1993), não há dúvidas de que o esporte (além de suas


funções higiênicas e estéticas) tem funções sociais. O autor destaca que, de
acordo com a ascensão na hierarquia social, maiores são as preocupações com
a dimensão estética do corpo, destacando que isso é especialmente notável em
relação às mulheres, de quem se exige atingir padrões estéticos não apenas na
dimensão física, mas também na forma de mover-se e portar-se.

Outros estudos mostram que há uma tendência maior de as pessoas


incluírem em seus estilos de vida as práticas regulares de exercícios e/ou
esportes quanto mais alto é o nível social (WARDE, 2006; SCHEERDER et al.,
2005; MARIOVET, 2001; FERRANDO, 2006; STEMPEL, 2005; CONFERENCE
BOARD OF CANADA, 2005).

Nos estudos de Bourdieu (1993), para as classes médias, as práticas


corporais são centradas na dimensão higiênica e servem para distinguirem-
se das classes populares; a relação com o corpo é semelhante à das classes
dominantes, têm um fim em si mesmo. Já nas classes mais baixas o cultivo do
corpo aparece de forma mais elementar, como culto à saúde, empenhando-
se de forma particular em práticas motoras para o desenvolvimento da aptidão
física. Nas classes trabalhadoras, Bourdieu identifica que os limites econômicos
acabam restringindo as possibilidades de práticas corporais. Segundo o autor,
as preferências estão pautadas vinculadas a uma ideia de juventude e por uma
relação instrumental com o próprio corpo. Assim, os esportes populares estão
associados à mocidade, exigem grande demanda física (virilidade), podendo ser
coletivos (handebol, rúgbi, futebol e basquete) ou individuais (lutas e boxe) e são
marcados por características que repeliriam a burguesia: exaltação da competição
e da luta, espírito de sacrifício, obediência tática, propensão para a violência.

Apesar de os estudos apresentados estabelecerem relações entre Não podemos


as práticas corporais e as classes sociais dos indivíduos, não podemos deixar de pontuar
deixar de pontuar aqui que os estilos de vida (e suas práticas sociais) aqui que os estilos
são influenciados por outras dimensões sociais que, de forma isolada de vida (e suas
ou associada, também afetam o padrão de envolvimento da população práticas sociais) são
influenciados por
com as práticas corporais e a preferência por um ou outro tipo de
outras dimensões
prática. Entre outras dimensões sociodemográficas relacionadas estão sociais que, de
a idade, o sexo, a etnia, a cor de pele, a localização geográfica da forma isolada ou
residência, o nível educacional e a renda. associada, também
afetam o padrão
O estudo de Warde (2006), no Reino Unido, envolveu muitas de envolvimento da
população com as
variáveis sociais que lhe permitiram relacionar um conjunto de
práticas corporais
associações com o envolvimento com práticas corporais. Uma das e a preferência por
ideias que este estudo reforça, por exemplo, é a de que a diferença um ou outro tipo de
mais importante entre as preferências pelas práticas esportivas prática.

67
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Diferença mais específicas está vinculada ao gênero. Homens e mulheres têm


importante entre as preferências diferentes: as mulheres preferem o exercício físico como
preferências pelas natação, fitness e caminhada; contrariamente, os homens praticam
práticas esportivas mais esportes como futebol e golfe e mencionam envolvimento com
específicas está uma gama muito maior de práticas. Outro destaque para este estudo
vinculada ao gênero.
está na relação que o autor faz entre o gênero e a classe, quando infere
que mulheres que se ocupam de trabalhos remunerados têm mais probabilidade
de exercitarem-se do que aquelas que não são remuneradas; além disso, aquelas
que ocupam cargos administrativos ou posições de destaque frequentam de forma
mais assídua academias do que mulheres da classe trabalhadora.

Em relação à justificativa sobre o envolvimento com as práticas corporais,


Seippel (2006), na Noruega, identificou diferenças em relação ao gênero, onde
as mulheres mencionam a recreação mental como principal motivo, sendo que
entre os homens o motivo mais importante é a competição. Essas informações
coincidem com as constatações do estudo de Warde (2006), onde os participantes
homens mencionaram mais a competição, o espírito de grupo e a sociabilidade
como motivos para o envolvimento em práticas corporais e as mulheres
mencionaram mais o relaxamento e o “escapar do trabalho e obrigações”.

Essas investigações têm permitido, entre outros objetivos, conhecer a relação


entre as variáveis sociodemográficas da população e o envolvimento regular em
atividades corporais, como também a mudança destes padrões com o passar
do tempo. Para concluir esta seção, é importante destacar a ideia que o próprio
Bourdieu (2004, p. 209) adverte:

[...] é preciso ter cuidado para não estabelecer uma relação


direta [...] entre um esporte e uma posição social [...].
A correspondência, que é uma verdadeira homologia,
estabelece-se entre o espaço das práticas esportivas, ou, mais
precisamente das modalidades finamente analisadas da prática
dos diferentes esportes, e o espaço das posições sociais.

A questão dos estilos de vida também está relacionada à questão do


processo de individualidade na sociedade. Para compreender esse ponto de vista
é importante reconhecer que a expansão do sistema capitalista no século XIX
influenciou sobremaneira as liberdades individuais. A respeito dessa liberdade
individual, o sociólogo alemão Simmel (1998), em seus ensaios, entende que ela
é constituída socialmente, na interação entre os indivíduos, compondo o que ele
chama de cultura subjetiva.

A cultura subjetiva permite o aumento da diferenciação entre cada um dos


indivíduos e seus grupos sociais, se valendo de uma diferenciação individual
predisposta pela liberdade vivenciada pelas pessoas nas trocas, alianças, conflitos,

68
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

constituindo grupos, classes, instituições, estilos e modos de vida como cultura


objetiva. Esta, por sua vez, é o resultado das trocas subjetivas, num permanente
jogo de interesses, tendências, divergências e modos de viver, o que amplia e dá
complexidade a esse processo de individualidade, produzindo um aumento da
cultura subjetiva e fabricando uma produção objetiva de cultura e modos de viver.
Assim, ao mesmo tempo em que a diferenciação produz encontros e novas formas
de inserção individual na sociedade, faz brotar focos de conflito que estimulam uma
maior distinção e novos olhares sobre si mesmo e os outros.

O conflito entre os limites e fronteiras da autonomia individual e a


contenção das subjetividades dos indivíduos com a cultura objetiva conformada
(homogeneizante) é o foco para compreender os diferentes estilos de vida
produzidos pela sociedade contemporânea. Esse confronto entre a objetividade
e a subjetividade, ou entre a cultura objetiva, que busca domar as subjetividades,
e a cultura subjetiva, que procura ampliar as margens da liberdade de expressão
pela diferenciação constante, é o ponto fundamental para compreender a relação
entre o indivíduo e a sociedade.

Torna-se importante, neste ponto, diferenciarmos individualidade diferenciarmos


de individualismo, que está associado ao empobrecimento da cultura individualidade de
subjetiva e ao consumismo, tendo o dinheiro como equivalente único individualismo, que
de sua expressão, dilui as expressões da liberdade em uma guerra está associado ao
por ter. No conflito desses dois processos se organizaria o novo, como empobrecimento
da cultura subjetiva
uma sequência ininterrupta de mudanças e permanências no social e
e ao consumismo,
no individual em uma cultura objetiva regida e contestada pela cultura tendo o dinheiro
subjetiva, no jogo incessante de composição de um societário dado. A como equivalente
esse respeito, Koury (2010, p. 46) escreveu que: único de sua
expressão, dilui
A vida urbana, principalmente nas grandes cidades as expressões da
contemporâneas e não só nas metrópoles, é o local liberdade em uma
propício para essa diferenciação, que se distingue guerra por ter.
ininterrupta e indeterminadamente na constituição de
modos e estilos de vida sempre singulares e que jogam o jogo
interacional dentro de um diálogo diacrítico consigo mesmo e com
os demais. O que complexifica a individualização e a individuação
de indivíduos e grupos em um social dado, ampliando a cultura
subjetiva através da fragmentação de cada novo desempenho,
no interior de um dado estilo ou modo de vida instituído.

Essa tendência à solidão na sociedade moderna pode ser ilustrada pela


popularidade das redes sociais, mostrando como o indivíduo moderno incorporou
a disciplina social, em um processo de autodisciplina que o impede ou o dificulta
de manifestar suas emoções em público, criando uma esfera de distanciamento
em relação ao outro. O que faz desse outro, ao mesmo tempo, objeto de
desconfiança e de curiosidade.

69
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

As novas formas de interação social tornam possível a liberdade da


dissimulação e da exposição de si, ao mesmo tempo em que se prolongam a
solidão e o nonsense e a pobreza emocional da vida cotidiana em que se
encontra. Por outro lado, também mostram uma explosão de criatividade e criam
uma polissemia de estilos de vida que vem modificando os hábitos do cotidiano
social urbano, interferindo nos próprios modos de vida de quem os usa, seja em
formas individuais ou coletivas.

Ao tratar dos Por fim, ao tratar dos conteúdos relacionados aos estilos de vida
conteúdos e aos comportamentos relacionados à saúde, é preciso reconhecer
relacionados aos os elementos que constituem as condições de vida dos indivíduos. A
estilos de vida e aos utilização de práticas ou julgamento “moralistas” devem ser evitadas.
comportamentos Condutas do tipo “não faça isso”, “você vai morrer logo se continuar
relacionados à
sedentário”, “ele é obeso porque é preguiçoso” provêm de discursos
saúde, é preciso
reconhecer os centrados no indivíduo e com fortes traços biologicistas, simplificando
elementos que e reduzindo o processo saúde-doença ao controle de variáveis
constituem as individuais, desconsiderando ou, no mínimo, secundarizando outras
condições de vida influências possíveis nas tomadas de decisões dos indivíduos como,
dos indivíduos. por exemplo, condições socioeconômicas.

3 Sobre Atividade Física e Práticas


Corporais
Historicamente a Educação Física interagiu com o tema saúde de
diferentes formas. Mais recentemente, Knuth e Loch (2014) destacam em seu
ensaio teórico que na década de 1990, a EFE era entendida como espaço de
incentivo à aptidão física e que, a partir dos anos 2000, estudos que propuseram
intervenções no espaço escolar visando à atividade física e a saúde têm
demarcado uma outra fase de interação entre Educação Física, escola e saúde.
Ainda segundo os autores, estudos de Ronque (2007), Silva (2005), Tenório
(2010), Hallal (2010), Kremer (2012), Nahas (2009), Barros (2009) e Souza
(2011) poderiam ser sumarizadas nas seguintes sustentações teóricas, além de
outras características:

a) Estudos que avaliam a prática de atividade física dentro e fora da


escola apontam para baixo envolvimento em atividades físicas, elevada
prevalência de comportamento sedentário e quadros associados a
outros fatores de “risco” à saúde, como sobrepeso, excesso de consumo
de açucares e gorduras, entre outros.

70
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

b) A participação em atividades físicas moderadas/vigorosas dentro


das aulas de educação física é relativamente pequena, contribuindo
pouco para o alcance das recomendações de atividade física e no
desenvolvimento de níveis elevados de aptidão física.

c) Entre 2004 e 2009, a maioria dos estudos de intervenção na escola


focou em alimentação saudável e a atividade física foi incluída apenas
em parte destes estudos. O foco central está em aumentar a prática de
atividade física, por meio de diferentes iniciativas, principalmente de
“educação em saúde”.

Ao longo dos últimos 30 anos, é possível observar algumas É possível


transformações sobre como os pesquisadores do campo acadêmico da perceber essas
Educação Física interpretam os fenômenos com que a área se ocupa. transformações
É possível perceber essas transformações observando as vastas observando as
vastas discussões
discussões conceituais produzidas nesse período, quando comparado
conceituais
com épocas anteriores. produzidas nesse
período, quando
Bracht (2005) entende que uma das consequências dessa comparado com
transformação é a interpretação das práticas corporais para além épocas anteriores.
dos aspectos biológicos, mas ampliando para um entendimento de É possível
perceber essas
um fenômeno cultural, um produto simbólico construído no contexto
transformações
de grupos sociais. O autor percebe isso como uma possibilidade observando as
de superar o naturalismo na forma de compreender os fenômenos, vastas discussões
derivados das Ciências Naturais. Desse movimento, destaca-se conceituais
um conjunto de expressões: cultura de movimento (KUNZ, 1991; produzidas nesse
BRACHT, 1992), cultura corporal (COLETIVO DE AUTORES, 1992; período, quando
comparado com
BRACHT, 1992), cultura física (BETTI, 1992) e cultura corporal de
épocas anteriores.
movimento (BETTI, 1994; 1996). Estudaremos esta temática no
Capítulo 3.

Knuth e Loch (2014) sinalizam, como uma dessas transformações das


últimas décadas, a importância política que o tema “atividade física e saúde”
passou a ter; os autores argumentam destacando as políticas do Ministério
da Saúde que incluem a questão da atividade física, seja em um contexto
mais amplo (Núcleo de Apoio à Saúde da Família, Programa Academia da
Saúde, Política Nacional de Promoção da Saúde, entre outros) ou mesmo
especificamente a escola (Programa Saúde na Escola – PSE - e a Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE, por exemplo), que tem a “atividade
física e saúde” como uma das ações em saúde que devem ser incorporadas
pela escola.

71
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

O olhar a que me As compreensões sobre o fenômeno de dedicação da Educação


proponho aqui diz Física, consequentes dessas transformações das últimas décadas,
respeito aos aspectos impulsionaram o uso destas expressões e conceitos e produziram
da produção de
várias formas de entender o papel da Educação Física na escola.
conhecimento
(acadêmico),
imprimindo marcas Dentre as disputas científicas que envolvem o campo da Educação
nas políticas Física escolar, considera-se importante compreender as noções de
educacionais e
considerando atividade física e práticas corporais, termos frequentemente associados
um saber-fazer ao tema saúde. O olhar a que me proponho aqui diz respeito aos
específico nas aspectos da produção de conhecimento (acadêmico), imprimindo
práticas educativas marcas nas políticas educacionais e considerando um saber-fazer
da Educação Física
escolar. específico nas práticas educativas da Educação Física escolar.

Conhecimento científico:

Refere-se a uma série de características para diferenciar


o conhecimento, qualificado como científico, de outros tipos de
conhecimentos: ele seria um conhecimento crítico, fundamentado,
que visa produzir interpretações de realidade, que permite um
certo grau de generalização ou, dito de outro modo, pretende
produzir certos consensos sobre algo, que é intencional (porque
constitui determinados objetos, pretende fornecer subsídios para
compreendê-los ou produzir instrumentos de intervenção sobre eles),
que é sistematizado e obedece às regras de um determinado campo
e que, por fim, se pretende verdadeiro, para além do tempo e espaço
de sua produção (MEYER, 2006, p. 96).

Torna-se importante O conhecimento científico é uma construção que obedece a


reconhecer as determinadas normas, percepções e sistemas de pensamento que
noções que impõem podem ser validados e compartilhados por determinados grupos e
determinados campos de estudo, vinculando “verdades” sobre os fenômenos a que
sentidos e
pesquisadores e instituições dedicam-se a estudar. Considerando isso,
significados às
práticas educativas questiono: quais verdades são intencionadas pelo conhecimento da
da Educação Física Educação Física sobre saúde na escola?
e se constroem ou
modificam a partir No Capítulo 1 estudamos sobre a formação em Educação
das relações de Física e como a área esteve permanentemente vinculada a coletivos
poder.
que seguiam a lógicas estatais e é nessa medida que o tema saúde
movimenta a Educação Física como um todo, imprimindo marcas no saber-fazer

72
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

escolar. Nesse sentido, torna-se importante reconhecer as noções que impõem


determinados sentidos e significados às práticas educativas da Educação Física e
se constroem ou modificam a partir das relações de poder.

Para isso, foram eleitos dois termos importantes que circulam na Educação
Física, frequentemente relacionados à saúde: “atividade física” e “prática corporal”.

O termo “atividade física” está fortemente presente, geralmente associado


ao incentivo ao chamado estilo de vida ativo, um de seus objetivos fundamentais.
Esse incentivo ocorre principalmente por intermédio da disseminação de
informações sobre os benefícios “intrínsecos” à prática regular de atividade
física. Atrelado a esse movimento de circulação de informações, nota-se, de
maneira implícita ou explícita, um dever ser, na medida em que foca a capacidade
racional do indivíduo na condução de sua própria vida, a partir do contato com as
informações (pretensamente corretas) com as quais se relaciona.

Atividade Física:

Geralmente, quando se fala em atividade física, as pessoas


logo imaginam esportes, gente correndo, andando de bicicleta
ou malhando em uma academia. Imagens que estão fortemente
sedimentadas em nossa memória como atividade física na
sociedade moderna. Conceitualmente, atividade física é definida
como “qualquer movimento corporal com gasto energético acima dos
níveis de repouso”.

Caspersen, Powell e Christenson (1985, p. 32) definem atividade Atividade física


física como “qualquer movimento corporal produzido pela musculatura como “qualquer
esquelética que resulte em gasto energético”. Damico e Knuth (2014) movimento corporal
destacam o crescimento astronômico dos estudos brasileiros tendo a produzido pela
musculatura
atividade física como enfoque. Os autores comentam que a atividade
esquelética que
física é caracterizada, mensurada e explorada em seus quatro resulte em gasto
domínios (deslocamento, lazer, trabalho e atividades domésticas), com energético”.
diferentes populações (trabalhadores de categorias distintas, pessoas
obesas, universitários, escolares, idosos, pessoas com transtornos mentais etc).
Para um aprofundamento sobre a produção acadêmico-científica sobre o tema,
sugiro a leitura do estudo de Hallal e colaboradores (2007), que mostra a evolução
temporal dos estudos brasileiros nessa temática.

73
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Para um aprofundamento sobre a produção acadêmico-científica


sobre o tema, sugere-se a leitura do estudo de Hallal e colaboradores
(2007), Evolução da pesquisa epidemiológica em atividade física
no Brasil: revisão sistemática, que demonstra a evolução temporal
dos estudos brasileiros nessa temática.

O fundamental a ser explorado aqui é que esse aumento significativo na


produção de conhecimento sobre atividade física dá visibilidade e difunde a
noção de atividade física como uma ferramenta salvadora, associada à saúde.
Essa ideia vem sendo ostensivamente difundida em programas comunitários de
saúde, intervenções populacionais, políticas públicas ou experiências, muitas
vezes responsabilizando a Educação Física escolar pela manutenção da saúde
das crianças e jovens.

Damico e Knuth (2014) comentam em seu ensaio teórico que, por mais que a
definição de atividade física seja aplicável e possível na concepção metodológica
de estudos de campo em termo de diagnóstico (aliada a um sentido estritamente
biológico) e que boa parte da produção de conhecimento o expresse assim, os
professores e profissionais da saúde ficam com o complexo desafio de ampliar
esses sentidos para além do gasto calórico e a redução das doenças crônico-
degenerativas para uma articulação firme com a saúde.

Para além do Já o termo “práticas corporais” surge a partir da produção de


movimentar- conhecimento da Educação Física escolar brasileira, na década de
se, as práticas 1980, numa época de intenso debate travado a partir da incorporação
corporais possuem das teorias críticas na educação em geral. O termo ganha eco na
elementos culturais Educação Física escolar na crítica ao individualismo presente nas
que traduzem a
práticas esportivas competitivas ou relativas à reprodução das
identidade de povos
ou de população de desigualdades de classe social e ao seu caráter demasiadamente
determinada região excludente (COLETIVO DE AUTORES, 1992; BETTI, 1996). Para
através das danças, além do movimentar-se, as práticas corporais possuem elementos
nos jogos, nas culturais que traduzem a identidade de povos ou de população de
brincadeiras. determinada região através das danças, nos jogos, nas brincadeiras
etc. Essa diversidade cultural das práticas corporais também faz com que o
Brasil apresente suas regionalidades, destacando as diferenças culturais entre
as regiões brasileiras. E dentro de cada região, a diversidade continua a existir,
conferindo identidade às populações específicas como a ribeirinha, da floresta, do
cerrado, quilombola, indígena, do campo e da cidade.

74
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

Prática corporal:

Para além do movimentar-se, as práticas corporais possuem


elementos culturais que traduzem a identidade de povos ou de
população de determinada região através das danças, nos jogos,
nas brincadeiras etc. Essa diversidade cultural das práticas corporais
também faz com que o Brasil apresente suas regionalidades,
destacando as diferenças culturais entre as regiões brasileiras. E
dentro de cada região, a diversidade continua a existir, conferindo
identidade às populações específicas como a ribeirinha, da floresta,
do cerrado, quilombola, indígena, do campo e da cidade.

Uma das primeiras aproximações com esse termo ocorreu nos estudos de
Marcel Mauss e a noção de técnicas corporais, definidas como sendo "as maneiras
como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem
servir-se de seus corpos" (1974, p. 211). Essa perspectiva, segundo Rodrigues
(2000), instigou a observação do uso do corpo como uma educação das técnicas,
construídas como resultado das relações entre homem e a sociedade. Damico e
Knuth (2014) comentam que essa noção, ao mesmo tempo em que admitia uma
ampliação do olhar para além do biológico, foi sendo paulatinamente deixada de
lado, provavelmente em função do termo 'técnica', por representar, ainda que por
simples associação, uma ligação direta com as técnicas esportivas e com certo
grau de disciplinamento decorrente das mesmas.

Outra teorização que dialoga com a conceituação das práticas Reforçando a


corporais, trazida para o universo da educação física, foi sobre intencionalidade
o processo civilizatório, de Norbert Elias (1992), para quem as relativa à cultura
regulações das atividades esportivas seriam uma espécie de corporal e suas
oportunidade de liberação das emoções impostas em sociedades manifestações,
como as danças,
altamente reguladas. Desse modo, a participação em eventos
os jogos, os
esportivos poderia permitir experimentações em doses controladas esportes, as lutas,
de prazer, dor, tristeza, alegria, agitação, medo, enfim, atividades as diferentes formas
miméticas num curto período de tempo. de ginásticas e de
exercitação corporal.
Com essas bases epistemológicas, a Educação Física passou a enunciar as
práticas corporais de diferentes modos, acentuando o termo práticas em relação
direta com as práticas pedagógicas, ou seja, reforçando a intencionalidade relativa
à cultura corporal e suas manifestações, como as danças, os jogos, os esportes,
as lutas, as diferentes formas de ginásticas e de exercitação corporal.

75
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Atividade de Estudos:

1) Considerando os elementos das condições sociais, quando se


pensa em estilo de vida, que perspectiva pedagógica pode sustentar
ações em uma concepção crítica de Educação Física escolar?
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Para superar a Ao pensar a saúde em sentido integral, considerando os


simples transmissão elementos das condições sociais e buscando superar as compreensões
de informações restritas, assistencialistas ou baseadas apenas na prescrição de
sobre a necessidade comportamentos considerados saudáveis, faz-se necessário refletir
de praticar atividade
sobre que perspectiva pedagógica pode sustentar ações em uma
física com o
chamado hábito concepção crítica de Educação Física? Uma importante contribuição
saudável, lembrando veio de Paulo Freire (2016), com suas proposições de uma educação
que, quando dialógica e problematizadora, que aproxima a escola e a produção de
fazemos isso, conhecimento às vivências do educando, ressaltando a saúde como
estamos apenas prática de desenvolvimento de autonomia e autocuidado. Tratando-
prescrevendo um
se, especificamente, das práticas corporais, Paulo Freire pode
comportamento
que, às vezes, é contribuir para superar a simples transmissão de informações sobre
estranho à realidade a necessidade de praticar atividade física com o chamado hábito
do educando, dadas saudável, lembrando que, quando fazemos isso, estamos apenas
as suas condições prescrevendo um comportamento que, às vezes, é estranho à realidade
de vida. do educando, dadas as suas condições de vida. Paulo Freire (2016)
destaca que prescrição de comportamentos e informações é a imposição de uma
consciência a outra e que ela está na base da relação entre opressores e oprimidos
e isso não constrói processos educativos emancipatórios e de autocuidado.

Quando se trata do tema saúde na escola, é importante compreendermos que


qualquer que seja o termo utilizado, na escola, a abordagem não pode negligenciar

76
Capítulo 2 Os Estilos de Vida na Sociedade Contemporânea e a Educação
Física Escolar

elementos das condições sociais e econômicas dos educandos. O saber científico


subsidia propostas que enfatizam as soluções individuais – principalmente, por
meio da prática de atividades físicas e cuidados nutricionais – para obtenção de
um estilo de vida saudável. Tais conselhos apresentam discursos que almejam
informar o modo correto de viver bem, embora estejam inseridos na liquidez
moderna na qual proliferam os mais diversos conselheiros. Pensar a condição
cidadã do adolescente implica em concebê-lo como sujeito de direitos e deveres.
Delimitando a questão no campo da saúde, para que o exercício da cidadania
seja pleno, faz-se necessário que os sujeitos tenham condições democráticas de
acesso a bens e serviços e possam reivindicar os seus direitos a uma educação
de qualidade, com um entendimento amplo de que saúde não resulta da ausência
de doenças, mas de um conjunto de fatores que os levem à prática de um estilo
de vida saudável.

4 Algumas Considerações
Os temas deste capítulo foram apresentados a partir dos entendimentos sobre
os conceitos de estilo de vida, numa perspectiva ampliada, ou seja, para além
das questões biológicas, de forma a incentivar o reconhecimento dos aspectos
socioculturais no entendimento das condições de existência na constituição dos
estilos de vida.

Para a compreensão sociológica dos estilos de vida, recorreu-se à teoria


sociológica de Pierre Bourdieu, apresentando seus conceitos fundantes,
especialmente o conceito de habitus. Além deste, foram trazidos outros autores
para debater o tema e refletir sobre as práticas sociais e a produção de estilos
de vida. Um ponto-chave para quem estuda os estilos de vida a partir do olhar
da Educação Física é perceber o estilo de vida ativo, não mais responsabilizando
o indivíduo por sua condição física ou social, e sim discutindo as possibilidades
de garantias de direitos constitucionais, bem como as formas de organização da
sociedade e o impacto destas na saúde coletiva.

Pensar estilos de vida e modos de viver na contemporaneidade é elaborar


exercícios metodológicos, amparados teoricamente, que possam dar conta
da complexidade da articulação entre a liberdade individual e grupal enquanto
cultura subjetiva em crescimento contínuo desde o advento do modo de produção
capitalista, considerando os modos de vida urbanos como ponto- chave no
desenvolvimento para a individualização e, logo depois, abarcando as demais
formas da cultura: novas informações e tecnologias que ressignificam as tradições,
memórias que são preservadas, revividas ou reinscritas a partir da inserção no
global, as instituições como produtoras de cultura e modos de viver, e assim por
diante. Ou de um país em relação aos demais: na globalização criando culturas

77
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

híbridas, mas ao mesmo tempo possibilitando modos diversos de inserção da


tradição na modernidade, ou mesmo, através da parte mais perversa de sua
instrumentalização, no individualismo, levando indivíduos e grupos à alienação, à
culpa, à solidão.

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81
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

82
C APÍTULO 3
Educação Física Escolar, Cultura e
Saúde

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender o papel da Educação Física na educação em saúde

� Ampliar o entendimento sobre saúde na escola


Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

84
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

1 Contextualização
A intenção deste capítulo, ao abordar a discussão da saúde na Educação
Física escolar a partir do conceito de cultura, é fomentar a ampliação dos olhares
para a questão do papel da educação física na escola e de como a saúde faz
parte de uma trama social complexa que pressupõe reconhecimento nos debates
e práticas sociais que a envolvem. A cultura, nesta seção, assume a centralidade
do debate porque ela influencia todas as práticas sociais que engendram as
questões dos estilos de vida e comportamentos sociais, incluindo as práticas
corporais. Essa discussão oferece uma contribuição do que é e do que podemos
entender sobre as práticas corporais e a educação física escolar.

2 Cultura, Educação Física e


Cultura Corporal
É possível que, ao iniciar a leitura deste capítulo, você tenha Qual a importância
se questionado: qual a importância da cultura quando se estuda a da cultura quando
Educação Física e a saúde na escola? Por que a cultura é um aspecto se estuda a
importante nessas discussões? Estas questões extrapolam as funções Educação Física e a
saúde na escola?
deste texto, entretanto, buscarei aqui fazer esta exposição voltada
para a escola, particularmente para a educação física, apresentando
O estilo de vida está
possibilidades para que você, leitor, perceba a centralidade da cultura
engendrado pelos
como influenciadora das práticas sociais na escola. comportamentos
humanos,
Entendo que reconhecer essa centralidade seja importante compreender cultura
porque o conceito e a utilização do termo cultura interferem na atuação é um grande passo
dos professores, nas transformações educacionais e sociais e é para a possibilidade
de argumentar sobre
imprescindível para a melhor compreensão do termo cultura corporal,
os comportamentos
reconhecidamente relevante nas discussões sobre educação física humanos.
escolar. Além disso, seguindo o curso de estudos desta disciplina, onde
vimos que o estilo de vida está engendrado pelos comportamentos O elemento
humanos, compreender cultura é um grande passo para a possibilidade diferenciador,
de argumentar sobre os comportamentos humanos. ocupando relevante
papel no que tange
Conceituar cultura é, certamente, uma tarefa complexa, à explicitação das
diferenças entre
especialmente quando se considera que o termo pode ser definido e
as sociedades,
entendido a partir de várias perspectivas. Para o senso comum, cultura sobretudo, no que
pode ser sinônimo de conhecimento e inteligência; vista dessa forma, se refere aos modos
ela ganha matiz individual e pode ser fonte de preconceito e alienação, de pensar, sentir e
tanto para os que “a possuem” quanto para os que “não a possuem”. agir destas.

85
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Entendida a partir de uma perspectiva antropológica, a cultura pode ser vista como
o elemento diferenciador, ocupando relevante papel no que tange à explicitação
das diferenças entre as sociedades, sobretudo, no que se refere aos modos de
pensar, sentir e agir destas.

Laraia (2004), em seu livro Cultura: um conceito antropológico, discute


o conceito de cultura na antropologia, trazendo explicações da ciência para
o processo de evolução biocultural do homem. O autor entende que somente
pela noção de cultura podemos pensar e compreender a humanidade em sua
diversidade, já que a estrutura biológica é a mesma (ossos, músculos, articulações
e sistemas do corpo humano), as diferenças entre as pessoas residem nas opções
culturais e no modo como cada geração encarou historicamente seus dilemas.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

Dessa forma, é na tentativa de aproximação da dimensão biológica com a


imensa diversidade cultural que a humanidade vem sendo interpretada. Assim, os
diversos modos de comportamento constituem a cultura e por ela são constituídos,
posso citar a divisão sexual dos papéis sociais e das tarefas, gestos e posturas,
entre outros. Em relação a essas diferenças, Laraia (2004, p. 67-68) destaca que:

[...] a nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras


gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente
em relação ao comportamento daqueles que agem fora
dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto,
discriminamos o comportamento desviante. Até recentemente,
por exemplo, o homossexual corria o risco de agressões
físicas quando era identificado numa via pública e ainda é
objeto de termos depreciativos. Tal fato representa um tipo
de comportamento padronizado por um sistema cultural. Esta
atitude varia em outras culturas.

Assim, essas diferenças nos comportamentos sociais são produtos de uma


herança cultural, o modo de ver o mundo, os gostos e preferências (conforme
estudamos nos capítulos anteriores), são o resultado de uma determinada cultura.
Desta forma, podemos compreender o fato de que pessoas de diferentes culturas
podem ser facilmente identificadas por suas características, como o modo de
agir, comer, cumprimentar, vestir, agir, além de todas as diferenças linguísticas,
características mais imediatas de percebermos.

86
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

Neira e Nunes (2014) abordam o conceito de cultura esclarecendo que no


senso comum, cultura aparece relacionada à distinção de alguém ou de um grupo
ou classe social, até mesmo nas formas de produção. Os autores comentam que
é comum observarmos falas, como “tal país tem mais cultura que outro”, “o sujeito
não tem cultura”, em um entendimento de que o termo define uma separação
entre pessoas que possuem mais ou menos cultura. Nesse sentido, é feito um
questionamento: “é possível separar a construção dos pensamentos mais
elaborados dos gestos mais comuns dos afazeres diários?”

Interpretar o mundo a partir da própria cultura pode ser fonte de


discriminação, recaindo no equívoco de estigmatizar traços sociais
presentes em outra cultura que não são recorrentes na sua própria.
Esse pode ser o elemento fomentador do nascimento do preconceito
discriminatório; que confere à cultura status de raça, que por sua
vez, está embasada em elementos biológicos. A cultura, por sua vez,
fundamenta-se em elementos étnicos e não biológicos, apontando
para o fato indubitável de que não existe cultura superior.

É nesse ponto que a discussão sobre cultura possibilita uma Pressupõe a


interessante abordagem feita por Laraia (2004) sobre determinismo valoração do
biológico e geográfico, que atribui capacidades específicas inatas a que é próprio a
determinados povos em função da “raça” ou do local onde nasceram, determinado grupo
associando julgamentos pejorativos a grupos como imigrantes, negros, social como verdade
única e soberana
índios, entre outros, e valorizando um etnocentrismo que se expande
e a consequente
para outros povos marcados pelas ações de seus representantes. negação do que
Essa visão de um grupo como superior em relação a outro é entendida é do outro, a
como etnocentrismo, que pressupõe a valoração do que é próprio diferença.
a determinado grupo social como verdade única e soberana e a
consequente negação do que é do outro, a diferença.

Partindo deste prisma, corre-se o sério risco de cair no erro de avaliar as


práticas culturais de outrem, sem, contudo, respeitá-las. Esse, por si só, já é um
bom argumento para que estejamos estudando o conceito de cultura, tendo em
vista que esse pensamento não pode ser considerado superado e, muitas vezes,
é uma forma de exercer o poder em diferentes oportunidades e conflitos.

87
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Etnocentrismo:

A visão superior de um determinado grupo em relação a outro é


entendida como etnocentrismo, que pressupõe a valoração do que é
próprio a determinado grupo social como verdade única e soberana e
a consequente negação do que é do outro, a diferença. Consiste em
julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”,
“feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal”, os comportamentos e as
formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas
práticas e até negando sua humanidade.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 27),


cultura é definida como:

[...] um conjunto de códigos simbólicos reconhecíveis pelo


grupo: neles o indivíduo é formado desde o momento de sua
concepção; nesses mesmos códigos, durante a sua infância,
aprende conhecimentos e valores do grupo; por eles é mais tarde
introduzido nas obrigações da vida adulta, da maneira como cada
grupo social as concebe.

Atividade de Estudos:

1) Contextualize situações ou atitudes onde questões etnocêntricas


mediaram práticas sociais.
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88
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

Para Clifford Geertz (2015), a cultura é uma teia de significados Para Clifford Geertz
tecida pelo homem, na qual ele se encontra amarrado, preso. O autor (2015), a cultura
entende que a cultura é constituída de estruturas de significados é uma teia de
instituídas socialmente. A cultura é entendida como um texto a ser significados tecida
pelo homem, na
lido e interpretado através de um trabalho de campo ou, nas palavras
qual ele se encontra
de Geertz (2015), uma “descrição densa”, apoiada no ponto de vista amarrado, preso. O
daqueles que fazem parte da cultura e do universo simbólico do qual autor entende que a
fazem parte. cultura é constituída
de estruturas
Para Stuart Hall (1997), a cultura é um campo de produção de de significados
instituídas
significados no qual os diferentes grupos sociais, em distintas situações
socialmente.
de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais
ampla. Para ele, as ações sociais não são significativas em si mesmas, elas têm
significados tanto para quem delas participa quanto para quem as observa, nesse
sistema são utilizados vários significados para definir o que as coisas significam
e, a partir destes significados é possível regular e organizar todas as relações
sociais. Nesse ponto de vista, toda ação social é cultural e todas as práticas
sociais expressam ou comunicam um significado.

Considerando o ponto de vista de Hall (1997) e Geertz (2015), se as práticas


sociais expressam significados, cada instituição ou atividade social cria e precisa
de um universo próprio, com seus significados e práticas, sua cultura, conferindo
essa dimensão cultural às práticas sociais, que produzem um efeito no indivíduo.

Atividade de Estudos:

1) Quais marcadores sociais são considerados para estabelecimento


das diferenças de um grupo/indivíduo de outro?
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89
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Torna-se Toma forma, assim, a validação de significados conferidos por


fundamental determinados grupos sociais e essa validação está diretamente
acompanharmos associada ao poder de definir o que é a norma daquilo que é a
os significados diferença. Assim são estabelecidas as identidades e surge a marcação
que estão sendo
das diferenças e das desigualdades (de etnia, classe, gênero, idade,
produzidos nos
diversos segmentos religião, corporais, cognitivas). Nesse sentido, torna-se fundamental
da sociedade, quais acompanharmos os significados que estão sendo produzidos nos
seus efeitos sobre diversos segmentos da sociedade, quais seus efeitos sobre as pessoas
as pessoas e como e como se dão as relações históricas de poder desses grupos sociais.
se dão as relações Nos capítulos anteriores, estudamos como a ciência e os dispositivos
históricas de poder
sociais que a engendram valida suas verdades e propaga “conselhos”,
desses grupos
sociais. especialmente no que tange aos estilos de vida. Quando se trata de
cultura, os grupos com mais capital (econômico, cultural) têm mais
poder na propagação de “verdades”.

Hall (2003) entende que quando se trata de cultura, é preciso reconhecer


também as forças sociais em torno da cultura dos trabalhadores e dos mais pobres,
nas tradições e nas formas de vida, visto que as transformações consequentes da
Revolução Industrial e do pensamento liberal validaram interesses de uma nova ordem
social, num processo contínuo de reeducação. Segundo o autor, as culturas populares
transmitem a ideia de luta e resistência, mas também de apropriação e expropriação.

VAGO, T. M. Pensar a Educação Física na escola: para


uma formação cultural da infância e da juventude. Cadernos de
Formação RBCE, 2009.

E a escola, como Esses assuntos podem trazer um debate mais intenso sobre as
espaço que abriga a relações culturais, as relações de poder e a propagação de um modo
diversidade cultural, de ser, agir e pensar. E a escola, como espaço que abriga a diversidade
é porta-voz de uma
cultural, é porta-voz de uma determinada cultura.
determinada cultura.

Diferentemente do que propagam os projetos de lei vinculados


O conhecimento
nunca é neutro, aos movimentos conservadores – como o Escola Sem Partido –, o
imparcial e conhecimento nunca é neutro, imparcial e desinteressado, subentende-
desinteressado, se que a instituição escolar, como criação do homem, também
subentende-se que não é neutra. A escola visa atender alguma necessidade humana,
a instituição escolar, especialmente do grupo social que a criou. Assim, a escola atua (com
como criação do
seu currículo e componentes, como a Educação Física) em consonância
homem, também
não é neutra. com o processo de valorização de determinados tipos de conhecimentos

90
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

e negação ou silenciamento de outros, muitas vezes dando a ideia de que o que


é popular é inferior. Um exemplo do que estou a dizer pode ser ilustrado nas
comemorações tradicionais da Festa Junina nas escolas, onde o homem e a mulher
rural são representados como aqueles que “falam errado”, vestem-se com roupas
remendadas, possuem uma dentição malcuidada e apreciam música “brega”.

Neira e Nunes (2014) fazem uma interessante discussão a respeito da


forma como a cultura popular é “imortalizada” na escola como algo estático e
tradicional. Os autores comentam a partir de Hobsbawn e Ranger (1997) que as
tradições que parecem ser de origem muito distante, muitas vezes são inventadas
ou de origem recente e que essa “tradição inventada” expressa significados que
pretendem valorizar certas normas de comportamento que por vezes comprovam
uma superioridade dos povos, ou elementos de resistência para outros. Para
exemplificar a discussão, os autores analisam algumas manifestações de cultura
corporal, como as danças de roda, que em outras épocas estavam associadas
ao jogo de sedução e flerte para o namoro e, atualmente, são manifestações
lembradas na cultura infantil. O mesmo pode ser dito em relação às danças
circulares que, pouco a pouco perderam seu caráter sagrado. Outro exemplo é
quando os professores buscam resgatar brincadeiras populares infantis (para
que elas não se percam), conferindo a elas um sentido equivocado de que essa
cultura esteja morrendo. A cultura não morre, ela se ressignifica.

Assim, o conceito de cultura torna-se fundamental para O conceito de


compreendermos como cada grupo social dá sentido ao conjunto cultura torna-se
de acontecimentos que vai estabelecendo suas condições de vida. fundamental para
compreendermos
Podemos retomar aqui o conceito de poder, comentado no capítulo
como cada grupo
1 a partir de Pierre Bourdieu. Para Peter McLaren (1997), o poder social dá sentido
que certos grupos exercem sobre outros está intimamente ligado ao conjunto de
às possibilidades de seus indivíduos expressarem sua cultura. Isso acontecimentos que
justifica o fato de que as culturas marginalizadas, assim como na vai estabelecendo
sociedade em geral, não são reconhecidas nas culturas escolares, suas condições de
vida.
pois existe uma cultura dominante que dá forma àquilo que será
considerado o conhecimento oficial. Como exemplo, cito as práticas corporais que
historicamente fazem parte da cultura escolar, de origens anglo-saxãs, voltada
para brancos, homens (voleibol, handebol, basquetebol, futebol).

91
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Cultura popular:

Considera-se cultura popular tudo aquilo que o povo faz ou


fez; é o modo característico de viver e sobreviver que engloba
toda a produção do povo: moda, música, alimentação, o hábito de
colecionar, frequentar instituições religiosas, reuniões familiares aos
domingos, organizar a casa para datas comemorativas, secar roupas
no varal (NEIRA; NUNES, 2014).

É urgente um É nesse sentido que a escola, enquanto instituição social, é


modelo educacional porta-voz de uma determinada cultura, no nosso caso, de uma cultura
que contemple herdada da colonização portuguesa e que, mesmo com os esforços das
o diferente e políticas educacionais para um entendimento intercultural, muitas vezes
currículos que acaba reproduzindo as desigualdades sociais através da ratificação de
reconheçam a
determinadas noções de mundo nas práticas escolares que representa
diversidade cultural.
grupos específicos, desconsiderando a diversidade. Isto posto, é urgente
um modelo educacional que contemple o diferente e currículos que reconheçam
a diversidade cultural. Esta representatividade nos currículos vai além de datas
comemorativas e desenvolvimento de conteúdos transversais; é preciso reconhecer
o outro por meio de um olhar sociológico e democrático, no qual todas as pessoas,
independentemente de seus costumes, conhecimentos, crenças, valores morais,
etnia ou hábitos, possam ter seus direitos preservados e garantidos.

Você sabia?

As formas culturais se desenvolvem para grupos sociais darem


sentido as suas vidas. São símbolos e práticas sociais pelas quais a
cultura se manifesta e se expressa, por exemplo: a música, a religião,
as vestimentas, as brincadeiras, os esportes e a educação, entre
tantas, são exemplos de formas culturais (NEIRA; NUNES, 2014).

Considerando a cultura como central na constituição do sujeito e enten-


dendo que a identidade social é fruto de um processo de identificação que os
discursos sociais fornecem, Stuart Hall (1997) percebe que a cultura constitui e é
constituída, a todo o instante, na sociedade. E, por estarmos falando de práticas

92
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

sociais que são produtos e produtores de significados elaborados por pessoas e


por grupos sociais, esses elementos mobilizam a consciência. A conscientização
para Paulo Freire (2016) é um processo dialógico capaz de transformar uma ati-
tude passiva numa atitude ativa no que diz respeito às relações sociais, passando
de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.

O processo de conscientização é a condição necessária para a O processo de


compreensão das relações de poder e situações de opressão em que os conscientização é a
grupos oprimidos se encontram e é a única possibilidade de modificação condição necessária
para a compreensão
das estruturas de dominação. E a cultura, como produção histórica, na-
das relações de
sce dessas relações de disputa dos grupos sociais para fazerem valer poder e situações
suas práticas sociais como verdadeiras e originais, num embate históri- de opressão em que
co de distinção que caracteriza as diferenças culturais. É esse jogo de os grupos oprimidos
se encontram e é a
disputas que acentuará ou não o conjunto de diferenças culturais de um
única possibilidade
grupo sobre outro. Nesse sentido, para entendermos a cultura corporal, de modificação
consideraremos que a cultura é campo de luta e disputas entre os difer- das estruturas de
entes grupos sociais em torno da significação de suas práticas. dominação.

Para Pierre Bourdieu (1996), a escola tem um papel importante Formamos pessoas
no processo de produzir cultura restrita à classe social dominante, re- e corpos através
produzindo as relações de dominação cultural, pois a escola é o palco e a serviço do
capitalismo
primário dos confrontos culturais, pois abrange boa parte da população e de suas
em suas relações, produzindo efeitos nas subjetividades dos estu- transformações, que
dantes. Como vimos anteriormente, a Educação Física brasileira tem segue nos tornando
fortes influências europeias pois, num primeiro momento, projetava a dependentes de um
sistema alienado e
formação de uma sociedade patriota. Nesse sentido, formamos pessoas consumista.
e corpos através e a serviço do capitalismo e de suas transformações,
que segue nos tornando dependentes de um sistema alienado e consumista. Por
isso, urge a tomada de consciência daqueles e daquelas que, comprometidos com
uma formação e educação crítica, defendem e fomentam práticas educativas que
questionam o modelo reprodutor vigente e buscam formar cidadãos emancipados.

A cultura escolar, nesse sentido, é constituída por ações cotidianas, va-


lores e saberes que organizam suas características institucionais e, ao mesmo
tempo, caracterizam cada escola. A escola, como vimos no capítulo anterior, é o
espaço secundário de socialização, tornou-se a forma pela qual crianças e jovens
acessam os conhecimentos historicamente acumulados. É importante salientar
aqui que, apesar das sociedades terem assumido a escola como meio de inter-
venção específico de garantir o processo de socialização, a educação não pode
ser atribuída exclusivamente à escola. Neira e Nunes (2014) destacam que a ed-

93
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

ucação acontece mediante processo no qual o sujeito se submete, nas relações


cotidianas, à diferentes referências que são estabelecidas socialmente, essas
referências são provenientes da cultura na qual o indivíduo e seus grupos partici-
pam. Assim, os padrões culturais vão influenciando os comportamentos.

Educação:

Etimologicamente, os significados da palavra educação,


encontram-se ducere, educere + ação. Ducere, do latim, significa
“conduzir”, “levar a determinado fim”, “conservar”. O que pressupõe
a dimensão de manutenção do conhecimento que já existe.
Educere, em latim, significa “extrair”, que está associado à constante
inquietação do ser humano, ligado a uma dimensão que modifica o
conhecimento existente, num permanente refazer daquilo que existe.
Ação diz respeito à dimensão que possibilita a comunicação com
diferentes culturas, ao mesmo tempo que garante a manutenção dos
próprios valores ou promove a transformação consciente.

À escola foram atribuídas várias funções sociais no decorrer dos tempos, tendo
sido idealizada como local de aquisição de conhecimentos e valores promovidos
através da socialização num processo de reprodução cultural e social como meio
de conservar determinados conhecimentos e comportamentos valorizados pelos
grupos dominantes na sociedade. Essa seria uma forma da manutenção da ordem
social e, à medida que as classes dominadas reproduzem os valores e objetivos da
classe dominante, sem estar atenta aos interesses de quem os divulga, é que se
constitui a hegemonia de determinadas práticas sociais sobre outras.

A hegemonia na
A hegemonia na escola atua através dos métodos e abordagens
escola atua através
dos métodos e de ensino adotados, dos conteúdos, dos referenciais teóricos e
abordagens de livros didáticos, dos mecanismos de avaliação, dos usos de recursos
ensino adotados, sem a devida reflexão sobre os interesses que neles subjazem. Nas
dos conteúdos, dos aulas de educação física (EF), a hegemonia cultural ganha forma nas
referenciais teóricos práticas pedagógicas descontextualizadas ou com foco no rendimento
e livros didáticos,
motor. Como comentado anteriormente, as manifestações esportivas
dos mecanismos de
avaliação, dos usos (basquetebol, voleibol, handebol e futebol) que, historicamente, fazem
de recursos sem parte das práticas pedagógicas da EF são conteúdos hegemônicos
a devida reflexão desde o final da Segunda Guerra Mundial, em atendimento aos
sobre os interesses interesses dos países dominantes e, mesmo com os recentes debates
que neles subjazem. críticos sobre currículo (que promoveram a inserção de outras

94
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

manifestações culturais no currículo da EF), essa hegemonia permanece (NEIRA;


NUNES, 2014).

Quando as manifestações da cultura corporal são abordadas de Quando esse


forma a reproduzirem aspectos técnicos, sem, no entanto, promoverem sistema não é
e reconhecerem os sentidos e significados que a ela são atribuídos questionado
(como forma de compreensão de mundo), acabam reproduzindo por parte dos
professores, essa
a lógica do sistema neoliberal, produzindo nos sujeitos, conceitos
forma de proceder
distorcidos do seu lugar na ordem social. Na EF, essas questões ficam em relação à
aparentes nas formas como, costumeiramente, a avaliação é realizada avaliação torna-
na atribuição de participação nas aulas ou de realização correta de se “tradição” e
tarefas motoras. Quando esse sistema não é questionado por parte se legitima como
dos professores, essa forma de proceder em relação à avaliação prática da cultura
escolar da EF.
torna-se “tradição” e se legitima como prática da cultura escolar da EF.
Outro exemplo disso é a seleção de estudantes habilidosos para representarem
a escola em competições escolares, com a justificativa de que a sociedade é
competitiva. Professores comprometidos com uma pedagogia crítica atribuiriam
outros sentidos pedagógicos para esses eventos.

O professor Lino Castellani Filho, em sua obra Educação Física


no Brasil: a história que não se conta, analisa a história da Educação
Física com embasamento histórico teórico de altíssimo nível, onde
clama pela valorização da classe e defende sua função pedagógica
junto à Educação.

Nesse sentido, torna-se urgente a fundamentação das práticas É preciso


educativas em propostas comprometidas com a construção de uma indagarmos
escola democrática e uma educação emancipatória. Entretanto, para as relações de
que isso ocorra, segundo Neira e Nunes (2014), é preciso indagarmos poder presentes
nas relações de
as relações de poder presentes nas relações de gênero, idade,
gênero, idade,
classes, etnias, habilidades motoras e cognitivas. Portanto, não basta a classes, etnias,
abordagem superficial das diferenças, de maneira esporádica. habilidades motoras
e cognitivas.
O respeito à pluralidade e à diversidade e o seu incentivo vêm ganhando
centralidade em políticas públicas de educação e cultura em muitos países,
como podemos perceber no Relatório para a Unesco da Comissão Internacional
sobre educação para o século XXI, de 1996, e na Convenção sobre a proteção
e promoção da diversidade das expressões culturais, adotada pela Unesco em
2005. Nesse sentido, Stuurman e Grever (2007) defendem a necessidade de

95
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

ensinar e aprender narrativas mais inclusivas, que compreendam as migrações,


a história pós-colonial e as experiências de diferentes comunidades étnicas,
linguísticas e religiosas, entre outros, contribuindo, como almeja o citado relatório,
para a “promoção e a integração dos grupos minoritários” e promovendo a
“Educação para uma cidadania consciente e ativa”.

Assim, é possível percebermos que o trabalho pedagógico exige muito do


professor e da professora, e que não podemos, de modo algum, compreender a
função docente como meros transmissores de conteúdos, como já alertava Paulo
Freire (2016), ao cunhar o conceito de “educação bancária” em contraposição à
“educação problematizadora”.

Paulo Freire (2016) faz uma crítica à educação que ele


metaforicamente denomina de “bancária” e, em contrapartida a esta,
descreve a educação libertadora ou problematizadora.

A educação bancária pressupõe uma relação vertical entre


o educador e educando. O educador é o sujeito que detêm o
conhecimento, pensa e prescreve, enquanto o educando é o objeto
que recebe o conhecimento, é pensado e segue a prescrição.
O educador “bancário” faz “depósitos” nos educandos e estes
passivamente as recebe. Tal concepção de educação tem como
propósito, intencional ou não, a formação de indivíduos acomodados,
não questionadores e que se submetem à estrutura de poder vigente.
É o rebanho que como uma massa homogênea, não projeta, não
transforma, não almeja ser mais.

Na educação problematizadora, não existe uma separação rígida


entre educador e educando. Ambos são educadores e educandos no
processo de ensino e aprendizado. “Desta maneira, o educador já não é
o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo
com o educando que, ao ser educado, também educa”. A educação
libertadora abre espaço para o diálogo, a comunicação, o levantamento
de problemas, o questionamento e reflexão sobre o estado atual de
coisas e, acima de tudo, busca a transformação.

96
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

No cenário atual do nosso país, onde emergem políticas No cenário atual do


educacionais que pensam o sujeito como um ser passivo, cujos nosso país, onde
preceitos neoliberais pressupõem docentes como mero executores, emergem políticas
consumidores passivos, urge que sejamos professores e professoras educacionais
que pensam o
comprometidos com uma pedagogia crítica, uma prática educativa
sujeito como um
emancipatória e capaz de formar cidadãos e cidadãs capazes de ser passivo, cujos
reconhecer as permanentes tensões nas relações sociais. preceitos neoliberais
pressupõem
Nesse sentido, a escola, como instituição social que possui docentes como
práticas sistemáticas de regulação e normatização estabelecidas para mero executores,
consumidores
que se mantenha uma organização, imprime marcas na formação dos
passivos, urge que
estudantes através dos métodos de ensino, das formas de avaliação, sejamos professores
das datas comemorativas, dos conteúdos preestabelecidos, do uso e professoras
de recursos midiáticos (e da forma como refletem sobre os interesses comprometidos com
e valores do que divulgam) para cumprir o seu papel social, que é a uma pedagogia
transmissão/acesso aos saberes sociais acumulados. Por sua vez, a crítica, uma
prática educativa
Educação Física assume e incorpora em seu ensino esses "códigos
emancipatória e
e funções" da escola, tendo como função social permitir o acesso, capaz de formar
a reprodução e a transformação do patrimônio corporal cultural da cidadãos e
humanidade – a cultura corporal, através das diversas manifestações cidadãs capazes
de práticas corporais historicamente acumuladas em forma de jogos, de reconhecer
brincadeiras, esportes, lutas e danças, por exemplo. as permanentes
tensões nas
relações sociais.
Quando comentamos sobre a função da escola, acredito que
seja importante destacar aqui que falamos sobre acessar os saberes sociais
acumulados, não estamos considerando apenas aqueles saberes externos
à escola e à cultura escolar. Lançamos aqui um olhar sobre a escola que a
considera não apenas reprodutora de ações determinadas “externamentente”, ou
submissa a elas, mas um lugar de produção de cultura. Antônio Nóvoa (1994, p.
15) também faz essa crítica à escola vista apenas como lugar de transmissão de
conhecimentos:

Historicamente a escola foi vista como um ‘lugar de


cultura’: primeiro numa acepção idealizada de aquisição de
conhecimentos e das normas 'universais', mais tarde numa
perspectiva crítica de inculcação ideológica e de reprodução
social. Num e noutro caso, ignorou-se o trabalho interno de
produção de uma cultura escolar, em relação com o conjunto
das culturas em conflito numa dada sociedade, mas com
especificidades próprias que não podem ser olhadas apenas
pelo prisma das sobredeterminações do mundo exterior.

Isto é, uma escola que possua certa autonomia para produzir a sua cultura,
com seus próprios códigos e critérios e, assim, estabelecer relação com o conjunto
das culturas em conflito numa dada sociedade, como escreve Nóvoa. Da mesma

97
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

forma, uma Educação Física que reconheça outras formas de dançar, jogar, lutar
e compreender a cultura corporal. A diferença fundamental aqui é que se defende
que a escola tem um movimento propositivo de intervenção cultural na sociedade.
Esse outro olhar para a escola é fundamental para a discussão que segue e, por
isso, estará sempre presente.

3 A Saúde na Escola e a Saúde da


Escola
Como podemos perceber, a saúde, como constructo social, faz parte da
cultura e, como parte da cultura, está no contexto escolar. Um dos muitos pontos
trazidos à reflexão ao longo deste livro foi aquele que trata de como a saúde está
articulada com o ensino da Educação Física na escola. Um questionamento sobre
estes temas é se a escola, como instituição social com práticas sociais próprias,
pode produzir uma cultura escolar sobre saúde que tensione as práticas sociais e
não apenas reproduza os preceitos hegemônicos de saúde?

A educação física, pelo menos no Brasil, talvez seja uma das poucas
disciplinas escolares, senão a única, a trabalhar os mesmos conteúdos do 5º
ano do Ensino Fundamental até o último do Ensino Médio, frequentemente sem
abordagem crítica e, geralmente, relacionadas à aquisição ou manutenção da
saúde. Você pode estar achando um exagero, mas tente se lembrar de suas aulas
de Educação Física na escola. Ousaria afirmar que esse componente curricular
ensina, com algumas exceções, técnicas, regras e histórico de alguns desportos,
associando suas intervenções à saúde. Será que é apenas isso o que a educação
física tem a ensinar?

Em Pensar a Educação Física na escola: para uma formação


cultural da infância e da juventude, Tarcísio Mauro Vago aborda
cinco maneiras de pensar a Educação Física na escola, valorizando
a escola como espaço de cultura e a Educação Física como
pertencente ao domínio da educação.

VAGO, T.M. Pensar a Educação Física na escola: para uma


formação cultural da infância e da juventude. Cadernos de formação
RBCE, p. 25-42, set. 2009.

98
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

A saúde, enquanto fenômeno social, tem sido legitimada pelos A saúde, enquanto
conhecimentos e saberes científicos. Muitos estudos mostram que é fenômeno
possível reduzir a incidência de doenças ou aumentar a expectativa social, tem sido
de vida, em populações que praticam regularmente exercícios físicos legitimada pelos
(PAFFENBARGER et al., 1986; PATE et al., 1995), entretanto, como já conhecimentos e
saberes científicos.
falamos aqui, o tema saúde está além da dimensão biológica.

A saúde, enquanto direito do cidadão e cidadã, tem configurado um tema


complexo na sociedade capitalista atual, pois vem passando por um processo
chamado de mercantilização da saúde. Esse processo é reflexo do novo modo
capitalista – neoliberal – de ver o direito à saúde, escondendo uma profunda
modificação de valores que, na prática, denotam um enfraquecimento do conceito
de cidadania e do próprio modelo de Estado de bem-estar. O indivíduo passa
a reconhecer no direito à saúde, não mais um direito social, mas um objeto de
consumo individual que pode ser adquirido. Assim, o estado neoliberal vem
enfraquecendo as políticas sociais, contribuindo para enfraquecer a cidadania,
desfazendo no imaginário social o dever de cumprimento desse direito
fundamental pelo Estado, já que adquire a roupagem de “produto”.

Você sabia?

De 30 países avaliados pela Organização para a Cooperação


e Desenvolvimento Econômico (ODCE), o Brasil ficou em penúltimo
lugar no ranking de mobilidade social, ou seja, a nossa desigualdade
social e econômica é tão grande que é quase impossível alguém que
nasce pobre conseguir sair da pobreza (OXFAM, 2017).

Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/a-distancia-


que-nos-une>. Acesso em: 14 ago. 2018.

Ao abordarmos a saúde na escola, é preciso pensar que o sistema


educacional é organizado e controlado pelo Estado, o que faz da educação uma
questão sempre política, de luta permanente pelos significados. Assim como
para outros temas, o debate sobre saúde na escola não pode ser sustentado
pela valorização do consumo da atividade física, pelas tradicionais modalidades
esportivas (anglo-saxãs, brancas, heterossexuais), pela relação de convênios
com academias (em substituição às aulas de Educação Física), ou com finalidade
racional ao uso do corpo.

99
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Se na era industrial o corpo era disciplinado como instrumento de produção,


na sociedade pós-industrial se percebe que o corpo do cidadão, consumidor,
é atravessado por uma incessante produção de serviços e desejos. O corpo é
hoje, ao mesmo tempo, “consumidor” e “objeto de consumo”. Segundo Glassner
(1995), as estratégias de “venda”, como não poderiam deixar de ser, perpassam
pela criação de novos produtos, de novas “necessidades”. Difundem-se, assim,
variadas estratégias de treinamento físico e um aumento na preocupação com
a estética corporal, utilizando a “saúde” como aspecto legitimador. A lista de
variedades é vasta: “zumba”, “aerodance”, “street dance”, “hitt”, “power ioga”,
“pole dance”, “treinamento funcional”, “aqua dance”, “hidrobike”, “super fit”, “power
step”. O argumento é o movimento, e, “movimento” é saúde. Cabe aqui um
questionamento: sob que prisma se dá a compreensão de saúde?

Um primeiro conceito de saúde, como vimos anteriormente, pode ser descrito


como a ausência de doença. Embora pareça superado, este entendimento parece
permanecer no imaginário não só das pessoas comuns (senso comum), mas
também dos profissionais, como se verá adiante. Retomo aqui um segundo conceito,
da Organização Mundial da Saúde (OMS), é: “um estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Esta
definição, apesar de parecer uma evolução, ainda não ajuda muito, já que se
esbarra com uma dificuldade de se definir o que é “completo bem-estar”. É deste
modo, então, que muitos pesquisadores (alguns citados anteriormente) mostram-se
ligados a uma visão ainda estreita de saúde. Podemos perceber dessa forma que,
ao se tratar de saúde, os autores o fazem considerando dois pontos essenciais: a)
a ausência de doenças, b) o viés biológico na determinação destas doenças. Esta
compreensão leva a alguns desdobramentos. Primeiro, que o indivíduo que está
doente não pode ser sadio. Segundo, que a doença pode ser evitada de modo
determinista-biológico (basta acabar com a causa). Um terceiro refere-se ao fato de
que a doença pode ser evitada, principalmente, pelo próprio indivíduo (processo de
“culpabilização”). Um quarto, mas não menos importante, é a falta de atenção ao
contexto socioeconômico.

Romper com os Romper com os entendimentos conservadores de saúde pode ser


entendimentos um caminho para uma compreensão mais ampla dos aspectos a ela
conservadores de relacionados. Foi o que fez Minayo (1992, p. 10), quando considerou
saúde pode ser um “saúde” um direito de cidadania:
caminho para uma
compreensão mais Saúde é o resultante das condições de alimentação, habitação,
ampla dos aspectos renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
a ela relacionados. liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços
de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas
de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida.

100
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

Como vimos nos capítulos anteriores, conceituar “saúde” não A saúde não é
é tarefa fácil. O filósofo Hans-Georg Gadamer (1997), por exemplo, algo realizado pelo
longe de tentar defini-la, tenta compreendê-la. E a compreende como médico, mas, antes,
um mistério, comentando que a doença está relacionada à história a condição natural
do ser.
do indivíduo e deste com a sociedade, sendo ela uma perturbação
experimentada pelo indivíduo, uma exceção que o afasta das suas relações vitais
em que ele estava habitualmente vivendo. Para ele, a experiência da doença
relaciona-se ao estado anterior da saúde, que estando “esquecida” ou não
chamando a atenção, impõe o estabelecimento de valores padronizados. Assim,
a doença não pode existir sem a saúde. Porém, o mais interessante é que o autor
lembra que a saúde não é algo realizado pelo médico, mas, antes, a condição
natural do ser.

Nesse contexto, devemos repensar sobre o papel da Educação Física na


escola. A Educação Física escolar, em sua origem no Brasil, esteve voltada
para a aquisição ou manutenção da saúde. Assim, em seu primeiro período
conhecido como higienista, a Educação Física escolar tinha como objetivo único
o aprimoramento, ou “melhoramento”, da população dentro de um processo
chamado de eugenia (CASTELLANI FILHO, 2003). Com o passar do tempo, a
Educação Física inserida no contexto escolar foi mudando seus objetivos e suas
práticas de acordo com o contexto histórico (BRACHT, 2007).

Na década de 1980 houve um declínio das pesquisas da área biológica


envolvendo escolares devido ao reconhecimento social, muito maior para a área
do rendimento esportivo (DARIDO, 2003). Segundo Carvalho (2006), esta foi
a maneira encontrada para legitimar a educação física “perante outras áreas e
perante ela mesma”, defendendo a disciplina no campo da saúde. Outro motivo
apontado por Darido (2003) para o desvio da pesquisa biológica na educação
física escolar foi o discurso pedagógico de que não entendiam ou não valorizavam
a dimensão biológica nas suas propostas para a escola.

A década de 1990 foi palco da produção de conhecimento sobre educação


física escolar, propagando ideias de que o papel da Educação Física escolar era
o de promover a saúde através do incentivo à aptidão física. Conforme podemos
perceber nos estratos a seguir: “Uma resposta a essa situação […] tem sido
o desenvolvimento de iniciativas voltadas à redefinição do verdadeiro papel
dos programas de educação física escolar como meio de promoção da saúde”
(GUEDES; GUEDES,1997, p. 50). “[...] Para alguns pesquisadores, como Sleap
(1990), fica difícil imaginar que outros objetivos a educação física possa ter dentro
da escola senão os da saúde” (MIRANDA, 2006, p. 649).

101
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Neste período, os estudos de Nahas (1992), Guedes e Guedes e Barros


(2006), Cunha e Cunha (1997) influenciaram sobremaneira o campo da
Educação Física, ganhando espaços nos currículos de formação inicial, dada
a contemporaneidade com a regulamentação da profissão e estruturação dos
currículos.

Knuth e Loch (2014) destacam que a defesa da aptidão física como objetivo
da EFE estava sustentada por alguns argumentos: 1) o entendimento de que os
hábitos de vida são aprendidos desde cedo e, quanto mais cedo iniciar o incentivo
à adesão às atividades físicas, maiores as chances deste comportamento
refletir na vida adulta. Nesse caso, a Educação Física escolar seria o veículo
incentivador destes hábitos; 2) Como os gastos com a saúde da população adulta
são elevados, os programas de Educação Física escolar poderiam ser uma
importante ferramenta de minimização no impacto dos gastos com as doenças
do “futuro” adulto; 3) A Educação Física não deve apenas promover o movimento
pelo movimento, mas oportunizar compreensão das práticas para que os jovens
incorporem esses conhecimentos fora da escola, incentivando assim, autonomia
para organizar suas práticas corporais no desenvolvimento da aptidão física e da
saúde; 4) A noção de que a promoção da saúde e/ou a educação para a saúde
deve ser priorizada com vigor.
É de
responsabilidade
do próprio A perspectiva de que a educação física deva ser a responsável
escolar tornar-se pelo desenvolvimento da aptidão física defende, como primeiro
fisicamente ativo? momento, que as crianças devam ser fisicamente ativas desde cedo e
A ideia de que que as atividades propostas devem estar adequadas à faixa etária em
depende apenas
questão, além de serem agradáveis durante a prática. Além disso, prevê
da determinação
do indivíduo para o desenvolvimento da aptidão física relacionada à saúde para que o
melhorar seus indivíduo possa selecionar padrões pessoais que possam conduzi-los
hábitos de vida a hábitos ativos por toda a vida, a autodeterminação, a resolução dos
contribui para a problemas pessoais, para que o adolescente, ao fim da escolarização,
disseminação de se torne fisicamente ativo.
uma ideologia
de auto
responsabilização Alguns pontos devem ser discutidos acerca desta abordagem.
das próprias Primeiramente, cabe refletir aqui: é de responsabilidade do próprio
condições de escolar tornar-se fisicamente ativo? A ideia de que depende apenas da
vida, eximindo o determinação do indivíduo para melhorar seus hábitos de vida contribui
Estado de suas para a disseminação de uma ideologia de auto responsabilização
responsabilidades
das próprias condições de vida, eximindo o Estado de suas
no que concerne
à promoção de responsabilidades no que concerne à promoção de políticas públicas
políticas públicas visando ao engajamento em práticas saudáveis (NEVES, 2005).
visando ao Palma e colaboradores (2006) também comentam que outros fatores,
engajamento em juntamente com os intrínsecos, interferem na adesão a atividades
práticas saudáveis físicas, como fatores sociais, econômicos e de gênero, entre outros.

102
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

Como já vimos, outro ponto que merece atenção é a redução do conceito de


saúde a fatores biológicos, visto que a Organização Mundial de Saúde (OMS)
define saúde não apenas como a ausência de doença, mas como uma situação
de perfeito bem-estar físico, mental e social.

Os estudiosos da Educação Física que atribuem à Educação


Os estudiosos da
Física escolar a responsabilidade pelos níveis de atividade física das Educação Física
crianças e jovens buscam legitimá-la na escola a partir da saúde. que atribuem
Como a saúde é legitimada pela sociedade, é exatamente isso que à Educação
garantiria legitimidade para o ensino da educação física na escola no Física escolar a
entendimento desses estudiosos da área. Paradoxalmente, parece que responsabilidade
pelos níveis de
a educação física somente seria legitimada na escola à medida em
atividade física das
que transmitisse (ensinasse) esse elemento da cultura tal como ele se crianças e jovens
realiza nas sociedades modernas (diagnosticando, pesando, medindo, buscam legitimá-la
reproduzindo gestos motores, gastando energia). Será mesmo esse o na escola a partir da
papel da educação física na escola? saúde.
Será mesmo esse o
papel da educação
Pensar a saúde “na escola” é, certamente, menos complexo do
física na escola?
que pensar a saúde “da escola”. Em se tratando da educação física,
muitos estudos realizados na área fazem relações da mesma com a saúde.
Entendendo a educação física a partir do estímulo à prática de exercícios
e atividade física, é comum percebermos associação dela com a saúde. A
atividade física regular é fortemente correlacionada com os efeitos benéficos
para a saúde cardiovascular, metabólica, musculoesquelética e, segundo Andaki
et al. (2013), representa um importante caminho para a prevenção da obesidade
nestas etapas da vida. Bergmann et al. (2013), estudando os fatores associados
à atividade física em crianças e jovens do sul do país, encontraram associação
entre a inatividade física e a não participação nas aulas de Educação Física na
escola e com “não gostar” das aulas de educação física. Bergmann e Bergmann
(2016), ao estudarem o deslocamento de adolescentes no sul do
Embora reconheça
país, concluíram que o número de passos/dia está inversamente a importância
associado ao aumento dos níveis de colesterol total. Em que pese dos estudos que
aqui a consideração de que não devemos fazer associações sem mapeiam aspectos
reservas entre exercícios físicos/atividade física e saúde, reforçando sobre a saúde da
uma relação de causalidade. população jovem,
vemos aqui a
oportunidade de
Embora reconheça a importância dos estudos que mapeiam trazer algumas
aspectos sobre a saúde da população jovem, vemos aqui a contribuições para
oportunidade de trazer algumas contribuições para esse debate, uma esse debate, uma
vez que essas questões não estão isentas de crítica. vez que essas
questões não estão
isentas de crítica.

103
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Estaríamos reduzindo Defender que o papel da educação física está no aumento dos
ao indivíduo a níveis de atividade física da população jovem, no nosso entender,
questão da saúde, reduz sobremaneira a responsabilidade dela no currículo. Em primeiro
atribuindo a ele a lugar porque, aderir ao discurso do movimento pelo movimento,
responsabilidade
estaríamos reduzindo ao indivíduo a questão da saúde, atribuindo
de modificar seus
comportamentos a ele a responsabilidade de modificar seus comportamentos para
para solucionar o solucionar o problema das suas condições de saúde. Acreditar nisso
problema das suas é acreditar que estamos todos imersos numa cultura homogênea,
condições de saúde. que nos dá as mesmas condições de organização dos estilos de vida.
Certamente, defender Como vimos nos capítulos anteriores, as condições de existência, que
uma proposta
organizam e são organizadas pelo habitus, produzem estilos de vida
curricular para a
Educação Física, de muito diferentes uns dos outros. Portanto, é primordial reconhecer as
caráter individual, desigualdades estruturais com raízes políticas, econômicas e sociais
não corresponde à que dificultam a adoção desses estilos de vida. Certamente, defender
realidade social em uma proposta curricular para a Educação Física, de caráter individual,
que vivemos. não corresponde à realidade social em que vivemos.

O conceito de Outro ponto a ser debatido é que, ao defender a prática de


saúde envolve mais
exercícios/atividade física como recurso salvador das condições de
aspectos do que
aqueles da dimensão saúde da população jovem, parece ser uma ideia reducionista do
biológica. – já tão debatido – conceito de saúde. Afinal, já entendemos aqui
Ao individualizar que o conceito de saúde envolve mais aspectos do que aqueles da
o problema, dimensão biológica. Assim, ao afirmarmos que basta ser fisicamente
restringindo-o a ações ativo para ter saúde, estaremos novamente assumindo a condição de
individuais, estamos
causa e efeito em relação à saúde. Basta ser fisicamente ativo para
reduzindo e até
mesmo camuflando ter saúde? Assumir essa premissa é insinuar que a saúde pode ser
os determinantes obtida predominantemente por mudanças no comportamento individual.
socioculturais, Vamos pensar sobre isso. Certamente você já percebeu campanhas de
políticos e incentivo a hábitos ativos que recomendam que você use as escadas ao
econômicos das invés do elevador ou que incentivam deslocamentos ativos (a pé ou de
questões de saúde.
bicicleta) em detrimento do uso de automóveis, por exemplo. Não cabe
aqui condenar essas ideias, entretanto, ao individualizar o problema,
A questão aqui é que restringindo-o a ações individuais, estamos reduzindo e até mesmo
abordagens centradas
camuflando os determinantes socioculturais, políticos e econômicos das
exclusivamente
no estilo de vida questões de saúde.
e em mudanças
comportamentais Não se trata aqui de considerar as pessoas como impotentes em
individuais relação às suas condições de vida, entretanto, como destaca Ferreira
desconsideram a (2001), considerar essas estratégias suficientes para promover a
necessidade da
prática regular do exercício na população é disseminar, mesmo que
luta por mudanças
concorrentes no inadvertidamente, a ideologia da culpabilização da vítima. A questão
ambiente social e aqui é que abordagens centradas exclusivamente no estilo de vida e em
econômico. mudanças comportamentais individuais desconsideram a necessidade

104
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

da luta por mudanças concorrentes no ambiente social e econômico. No tocante


à educação física escolar, limitar o seu papel na escola ao incentivo a estilos de
vida fisicamente ativos seria reduzir a riqueza do patrimônio acumulado sobre a
cultura corporal à legitimação despolitizada do status quo, reforçando uma escola
e uma Educação Física asséptica, acrítica, que prevê a linearidade para superar
realidades sociais adversas, que nega ou invisibiliza o outro.

Numa perspectiva crítica sobre o papel da educação física na Esta perspectiva


escola, devemos discutir não apenas qual é, mas quem determinou não dialoga com
qual é. Questiona-se a quem pertencem os valores veiculados, quem professores
produziu/produz os conhecimentos presentes no currículo, para passivos, que
que e para quem eles servem. Esta perspectiva não dialoga com assumem o discurso
e as práticas
professores passivos, que assumem o discurso e as práticas escolares
escolares de
de homogeneização como características imutáveis do componente homogeneização
curricular. É preciso olhar criticamente para os currículos; tanto os de como características
formação inicial quanto os da educação básica, para não reforçarmos imutáveis do
práticas monoculturais ao reproduzirmos os discursos da saúde de componente
forma ingênua. Afinal, existe uma cultura legítima? Uma verdade curricular.
universal sobre saúde?

Neira e Nunes (2014) comentam que, mesmo com todos os enfrentamentos


para a democratização das instituições de ensino no Brasil, continuamos
dependendo do nível de resistência com que a dominação hierárquica e
oligárquica atua nos diversos campos de luta por poder. Esse processo de
democratização revela a resistência cultural de parcelas das classes sociais
dominantes que, ao conservar seus privilégios e centralizar as tarefas de
organização institucionais, ampliam a desigualdade social e negam a capacidade
de articulação e produção cultural das classes sociais inferiores, impondo-lhes
uma cultura de consumo e ações descontextualizadas da labuta diária. Alinhadas
ao projeto neoliberal, assim também ocorrem as práticas escolares, muitas
vezes descontextualizadas e impostas autoritariamente: cursos de capacitação
desprovidos de conteúdo pedagógico, gincanas “culturais” para motivar a
produção acadêmica, comemoração de datas que estigmatizam culturas (dia do
índio, dia da consciência negra, dia da mulher), eventos que reforçam a cultura
hegemônica (halloween e festas católicas).

Na educação física temos a determinação de modalidades da cultura corporal


de tradição euro-americanas, cristãs, brancas e masculinas (ginástica, futebol,
handebol, basquetebol e voleibol), turmas separadas por sexo, aulas no turno
inverso, dispensa por atestados médicos, substituição de aulas por frequência
em academias etc. Sabe-se que os padrões sociais preconizados para homens e
mulheres ainda se baseiam no binarismo de gênero para definir o que é aceitável
no comportamento de cada um deles. Isto se reflete, por exemplo, na prática de

105
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

esportes, em que as meninas são excluídas de brincadeiras pelos meninos, por


estes não acharem que elas possuem habilidades motoras para participar do jogo
e, ainda hoje, há escolas que realizam aulas de educação física separadas por
sexo, embasadas na falsa ideia de que existem práticas esportivas distintas para
meninos e meninas.

Filme: O sorriso de Monalisa


Especificações Técnicas:
Ano de produção: 2003, Duração: 117 min., Estúdio: Columbia
Pictures.

Perceber o processo de socialização na instituição escolar nos anos 50.


Destaque para os aspectos culturais de gênero, a cultura patriarcal, a escola
como reprodutora das desigualdades sociais e de gênero.

A defesa do Os vários estudos realizados sobre gênero e práticas motoras


movimento pelo subsidiaram a defesa das aulas mistas de educação física, nas quais
movimento, o diálogo sobre a igualdade de gênero na vivência das diversas
entendendo o gasto
práticas corporais, seja o jogo, a ginástica, a dança, faz coro com a
energético como
objetivo das aulas ênfase das semelhanças entre meninos e meninas, não com as
de educação física, diferenças. Há ainda a exclusão pelo rendimento, assim aqueles com
a necessidade do menos habilidades motoras acabam não participando das atividades.
“diagnóstico” de Avançar na superação desses tipos de preconceitos é uma tarefa
alguns aspectos importante. Nessa lógica, a escola (e a educação física), mesmo diante
de saúde (medidas
dos novos rumos e necessidades da sociedade, reproduz a si mesma
antropométricas,
testes físicos) ao institucionalizar a divisão de classe, gênero e etnia que marcam
onde o foco está toda a esfera social. Na perspectiva da saúde, muitas vezes é feita a
em classificar os defesa do movimento pelo movimento, entendendo o gasto energético
estudantes. como objetivo das aulas de educação física, o que resulta em práticas
desprovidas de sentido para os estudantes. Há também a necessidade do
“diagnóstico” de alguns aspectos de saúde (medidas antropométricas, testes
físicos) onde o foco está em classificar os estudantes em relação às suas
condições de saúde como “normal” ou “anormal”, de forma descontextualizada
das suas rotinas diárias de vida.

A saúde na escola Dessa forma, entendemos que a saúde “na escola” vem “de fora”,
vem de uma cultura constitui-se de maneira simbólica a partir de códigos e regulações
produzida por outros que temos sinalizado ao longo das seções deste livro, é validada
“sistemas”. pelas instituições médicas, pelas evidências científicas, regulada pela

106
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

mídia, pelas estratégias de mercado. E esses códigos precisam ser “filtrados”


por um código próprio da escola e da educação física (o que muitas vezes pode
demonstrar a falta de autonomia na determinação dos sentidos das ações no seu
interior). A saúde na escola vem de uma cultura produzida por outros “sistemas”.

Diferentemente da saúde “na escola”, a saúde “da escola” Diferentemente da


reconhece esta como um desses espaços de realização e de saúde “na escola”,
apropriação de práticas culturais, e as práticas da cultura corporal a saúde “da escola”
fazem parte delas. A ideia defendida até aqui é a de que a escola reconhece esta como
um desses espaços
pode produzir uma cultura escolar, ao invés de reproduzir as práticas
de realização e
corporais hegemônicas da sociedade, estabelecendo com elas uma de apropriação de
relação de tensão permanente, intervindo na história cultural da práticas culturais, e
sociedade. as práticas da cultura
corporal fazem parte
É sobre os significados que a Educação Física dá à saúde, delas.
durante suas práticas, o foco do que interessa aqui.

A saúde “da escola” valoriza as diversas produções culturais no Isso significa


tempo e no espaço (família, bairro, comunidade, cidade, estado, contexto repensar o currículo
nacional e internacional) e suas diversas formas de manifestação e, especificamente,
e expressão das culturas, reconhecendo os diversos significados na Educação Física,
trazer para a escola
construídos por essas culturas e permitindo a elaboração de novos
a cultura corporal
significados. Isso significa repensar o currículo e, especificamente, na dos estudantes,
Educação Física, trazer para a escola a cultura corporal dos estudantes, permitindo que
permitindo que se aprofunde a compreensão sobre si mesmos e sobre se aprofunde a
os outros. Isso exclui do currículo a hierarquização de saberes e os compreensão sobre
juízos sobre o que é conhecimento oficial e o que não é, ampliando o si mesmos e sobre
os outros.
acesso a conhecimentos sobre o vasto patrimônio cultural corporal
existente nas diferentes realidades sociais do país.

Nesse sentido, é preciso que a escola, professores e professoras


Freire (2016)
estejam conscientes dos saberes pertinentes para uma ação considera que a
educativa significativa, levando em conta a urgência de um projeto experiência de uma
reflexivo para concretizar mobilizações sociais sem atuar conforme prática pedagógica
os ditames culturais. A escola, como instituição que facilita a democrática
convivência participativa e a inserção dos estudantes nos processos possibilitará uma
formação de
de aprendizagem social, pode oportunizar a todos e todas da
cidadãos e cidadãs
comunidade escolar (pais, estudantes, funcionários) a resolução de democráticos, o
seus problemas, a construção de seus projetos, o debate sobre os que é condição
problemas locais e globais. Freire (2016) considera que a experiência primordial para
de uma prática pedagógica democrática possibilitará uma formação de o exercício da
cidadãos e cidadãs democráticos, o que é condição primordial para o cidadania.
exercício da cidadania.

107
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

É na compreensão Reconhecendo a complexidade de uma sociedade com vasta


de cultura que pluralidade cultural, onde o jogo político de interesses estabelece
poderemos relações de força e determina os contextos, é possível perceber que
reconhecer a saúde os grupos às margens das decisões políticas são segregados de suas
no contexto escolar.
culturas e identidades por aqueles que se julgam superiores ou se
sentem prejudicados nas negociações. Assim, os professores assumem papel
social de destaque na resistência ao pensamento hegemônico e as escolas se
constituem em espaços e tempos para discutir o currículo, repensar as práticas
educativas, métodos e concepções de aprendizagem, promover o diálogo entre
estudantes e questionar as representações que possuem sobre cultura escolar
e cultura estudantil. É na compreensão de cultura que poderemos reconhecer a
saúde no contexto escolar.

A saúde “da escola” A saúde “da escola” deslocaria parte da responsabilidade do


deslocaria parte da indivíduo por sua situação de vida para o conjunto da sociedade,
responsabilidade do ao mesmo tempo em que o habilitaria a lutar por mudanças sociais.
indivíduo por sua O tema, portanto, é de responsabilidade institucional, não cabendo
situação de vida
exclusivamente à Educação Física abarcar o compromisso por
para o conjunto
da sociedade, ao sua abordagem. À Educação Física cabe o acesso ao patrimônio
mesmo tempo em cultural corporal, expressado através dos jogos, dos esportes, das
que o habilitaria a danças, das lutas e das diversas formas de manifestações corporais.
lutar por mudanças O conhecimento relativo a esse patrimônio passa pelo saber fazer,
sociais. pelo movimento, pela linguagem corporal, mas também diz respeito
aos conhecimentos de cunho histórico e social destas manifestações, além de
projetar os conhecimentos de saber para que eles servem. Como já vimos, estes
conhecimentos não devem ser restritos à dimensão biológica, voltada unicamente
para a aptidão física. Segundo Kirk (1988, p. 122), a ênfase exclusiva na aptidão
física pode levar a: “[...] uma visão instrumental da Educação Física que não dá
importância ou menospreza as valiosas experiências educacionais que os alunos
podem ter através das atividades físicas”.

É preciso considerar o caráter multifatorial da saúde e, portanto, da qualidade


de vida. Como disciplina escolar, a Educação Física não deve abandonar sua
preocupação em subsidiar e encorajar as pessoas a compreenderem seus estilos
de vida. Porém, esse papel estará limitado se ela não for capaz de promover
o exame crítico dos determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais
diretamente relacionados a seus conhecimentos, de forma que os estudantes
tenham autonomia para a compreensão das práticas corporais. Entendendo que
as práticas corporais não são fenômenos estritamente biológicos, mas sociais,
políticos, econômicos e culturais.

108
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

A saúde “da escola”, portanto, assume um olhar que enxerga A saúde “da
outras dimensões. A autonomia dos estudantes em relação às práticas escola”, portanto,
corporais não se dá apenas na organização de rotinas delas nas rotinas assume um olhar
de vida, mas na compreensão de questões socioculturais sobre estas. que enxerga outras
dimensões.
Não basta apenas saber correr, reconhecer a importância da aptidão
cardiorrespiratória na saúde vascular, é preciso compreender a falta de tempo da
classe trabalhadora, a restrição de espaços públicos e de segurança para a prática
da corrida. Como tratar dos conhecimentos sobre estilo de vida e comportamento
sem considerar a dimensão sociocultural?

Ferreira (2001, p. 51) indaga a respeito dessa abordagem dos conhecimentos da


Educação Física:

Que pessoas dispõem de tempo para praticar atividade física?


Que pessoas dispõem de dinheiro para frequentar academias?
Que pessoas acabam ficando alijadas da prática regular de
atividade física? A opção por uma vida fisicamente ativa é
exclusivamente individual ou há determinações sociais por
trás dela? O enfoque sociológico pode ir desde a percepção de
que, infelizmente, o acesso à atividade física não é igualitário
em nossa sociedade, e, para os alunos das séries iniciais, até
a compreensão de teorias sociológicas, para os alunos das
últimas séries do Ensino Médio.

Como compreender esses aspectos se não nos remetermos a Essa seria a grande
aspectos sociais, políticos e culturais? Sem realizar essas associações, tarefa da educação
os sujeitos não possuiriam a autonomia para praticar e compreender as física escolar:
práticas corporais e sua relação com a saúde. Essa seria a grande tarefa compreender
da educação física escolar: compreender as diferentes manifestações as diferentes
manifestações da
da cultura corporal, pelo olhar dos determinantes biológicos, políticos e
cultura corporal,
socioculturais. Dessa forma, ela estaria contribuindo para a ampliação pelo olhar dos
do entendimento de saúde, para a consciência sobre os diferentes determinantes
estilos de vida ativa e para uma sociedade mais justa e igualitária. biológicos, políticos
e socioculturais.
Entendendo o papel da educação física na escola, reconhecemos a
centralidade do professor no processo educativo. Partimos do entendimento
de que a docência é uma profissão interativa, é “para” o outro, “sobre” o outro
e “com” o outro; nesse sentido, é fundamental valorizar o saber que emana do
outro, fruto de elaborações advindas das suas experiências concretas de vida.
Esta é condição sine qua non para uma prática educativa que se proponha
construtiva, libertadora, dialógica e promotora da autonomia dos sujeitos. Do
contrário, a prática será instrutiva, unidirecional, no que pese o estabelecimento
de normas e condutas quase sempre não seguidas, por serem, na maioria das
vezes, arbitrárias e de difícil ancoragem.

109
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

É preciso perceber É preciso perceber que a realidade não é linear, mas dialética.
que a realidade Assim, o foco de atenção deve ser desviado do indivíduo para o
não é linear, mas coletivo. Não são os fatores de risco individuais que são as potentes
dialética. Assim, causas de doenças, mas o impacto de inúmeras variáveis, tais como
o foco de atenção salários, educação, moradia, ocupação etc., que, combinadas entre si,
deve ser desviado
com os fatores de risco biológicos e com as condições que geram estes
do indivíduo para
o coletivo. Não são mesmos fatores de risco, engendram as condições de vida (NAVARRO,
os fatores de risco 1998). E a compreensão da sociedade representa um grande
individuais que instrumento para entender o processo saúde doença, pois ao analisar
são as potentes como se dão as relações de exploração, dominação e reprodução,
causas de doenças, talvez seja possível compreender melhor a saúde dos indivíduos. Da
mas o impacto de
mesma forma, na escola.
inúmeras variáveis,
tais como salários,
educação, moradia, Numa sociedade estruturada em moldes capitalistas de produção
ocupação etc., que, como a nossa, a saúde não escapou de um processo de mercantilização
combinadas entre que esse formato de sociedade implica, pois incorpora os valores
si, com os fatores estimulados por este modelo como a classificação, a seleção, a
de risco biológicos
comparação e a performance, por exemplo. Isso caracteriza e explica
e com as condições
que geram estes as diversas associações à saúde na nossa sociedade: alimentos
mesmos fatores de associados à saúde, roupas, calçados, acessórios, celebridades
risco, engendram as que incentivam modos de viver etc., afinal, tudo o que é associado à
condições de vida saúde é mais fácil de ser vendido; é o mercado aproveitando-se da
ideia de que a saúde é um bem acima de qualquer suspeita. É nesse
A escola não ponto que a escola não pode inculcar os entendimentos privados
pode inculcar os
de saúde, reproduzindo na escola uma saúde que vem de fora. Ao
entendimentos
privados de saúde, longo deste texto foram reconhecidas as estruturas sociais para que
reproduzindo na determinadas “verdades” ganhem força sobre outras, especialmente
escola uma saúde dentro da Educação Física, que carrega toda uma bagagem histórica
que vem de fora. de subordinação às ideologias hegemônicas. Neste sentido, a escola
e a educação física, incluída num contexto amplo de educação, são espaços
para análise e crítica da visão hegemônica de saúde como bem de consumo,
contribuindo para o processo de transformação social.

É a possibilidade Ao destacar a saúde “da escola”, reconhecemos aqui espaços


de construir uma que podem ser ocupados e protagonizados por professores, na
relação de tensão possibilidade concreta de um movimento que valorize e produza a sua
permanente entre as cultura escolar para tensionar com a história cultural da sociedade. A
práticas escolares saúde “da escola” é aquela de dentro da escola, analisada criticamente,
e a prática cultural
situada e relacionada com o contexto socioeconômico e político cultural.
hegemônica na
sociedade. É a possibilidade de construir uma relação de tensão permanente entre
as práticas escolares e a prática cultural hegemônica na sociedade.

110
Capítulo 3 Educação Física Escolar, Cultura e Saúde

A luta pela valorização e produção de uma cultura escolar que incentive


outras possibilidades de compreender os fenômenos, no nosso caso a saúde, é o
que deve mobilizar as práticas docentes. Enquanto nós, professores, estivermos
“servindo ao mercado”, à indústria da saúde, nossa autonomia estará ameaçada.

As reflexões registradas aqui, embora tenham sido em torno da saúde e


da produção de uma verdade sobre ela na escola, notadamente também busca
expor uma tensão permanente entre os saberes produzidos socialmente e a
cultura escolar. Certamente as relações entre a saúde e a escola podem assumir
diferentes debates e são tema para muitos diálogos.

4 Algumas Considerações
Olhar para as práticas sociais a partir da cultura pode contribuir de forma
significativa para o conhecimento dos processos que envolvem a sociedade
contemporânea, as práticas e manifestações culturais, bem como as
representações sociais contidas nesse universo multifacetado.

Ao estudarmos o conceito de cultura, ampliamos os olhares para as


questões que dela fazem parte, como estas que são o foco dos nossos estudos
aqui: saúde, estilos de vida e educação física escolar. Entender a cultura e as
relações de poder que nela se estruturam possibilita perceber que as sociedades
contemporâneas são heterogêneas, ou seja, são compostas por diferentes grupos
humanos, classes e identidades culturais  em conflito e estamos vivendo  em
sociedades nas quais os diferentes estão constantemente em contato.

A escola, como instituição social responsável pela escolarização, assume


papel primordial na formação de uma sociedade emancipada e comprometida com
a diminuição das desigualdades que são produzidas por uma sociedade organizada
nos moldes capitalistas. A educação física, como prática da escola, organizada por
professores da escola para intervir na formação das juventudes, é parte desse
lugar de culturas. Assim, pensar a saúde na escola significa considerar que todos
os atores (adultos, crianças e jovens) que fazem parte desse lugar de culturas
são protagonistas e produtores de culturas que são produzidas a partir de seus
lugares no mundo (suas condições de classe, etnias, gêneros). Em seus tempos
compartilhados na escola, esses atores aprendem, reproduzem e inventam seus
modos de ser e estar, de dividir experiências e sentimentos, configurando a escola
como um tempo/espaço para exercerem suas condições de seres de cultura que,
a partir de suas relações uns com os outros, aprendem, problematizam e usufruem
dos saberes tratados na escola, reconhecendo e compartilhando um patrimônio
cultural diversificado.

111
Educação Física e Qualidade de Vida no Ambiente Escolar

Portanto, todo e qualquer tema trabalhado na escola deve fornecer subsídios


para que estes atores acessem, reconheçam, usufruam e ressignifiquem os
conhecimentos produzidos nas relações sociais de forma crítica, incorporando
suas contribuições para a melhoria da experiência humana, contestando e
refutando o que empobrece as relações. Desta maneira, as relações entre as
práticas escolares e as práticas sociais assumem um caráter de permanente
tensão, que não é o de negação, nem tampouco o de reprodução de tudo o que
vem “de fora”.

O desafio colocado pela saúde “da escola” indica a necessidade de


mergulhar no cotidiano das escolas, recuperando a importância das práticas de
professores e estudantes reais não só para o entendimento do que efetivamente
vem acontecendo na educação física e educação brasileiras, mas também para
neles ancorar as possibilidades de transformação da realidade.

A escola é o lugar de estimular a curiosidade, de reinventar, de movimentar,


produzir, transmitir, usufruir e praticar a cultura de forma peculiar (com suas
regras e organizações) sempre em relação a outras culturas produzidas e
compartilhadas. Como diria Tarcísio Mauro Vago (2009), a escola é o lugar para
o direito de todos às culturas. Por isso, é importante que ela seja pública e de
qualidade, pois não há possibilidades de pensar alternativas para a construção de
um país democrático e socialmente justo sem a participação da educação pública.

Referências
ANDAKI, A. C. R. et al. Nível de atividade física como preditor de fatores de risco
cardiovasculares em crianças. Motriz: n. 19, v. 3, p. 8-15, 2013.

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