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psicopatologia de Foucault.
Dessa forma, de acordo com a sua descrição biográfica, vemos que a infância da
autora foi um período recheado tanto de regras e seriedade, quanto do conforto trazido por
uma estabilidade e acolhimento dos pais. Por ter se desenvolvido em um ambiente quase que
estritamente militar, a dureza imposta no cumprimento daquilo que era considerado correto
fazia parte de sua vida. Portanto, mesmo que corriqueiramente em meio a mudanças advindas
do trabalho de seu pai, o “andar pela linha” e talvez a impressão que o entusiasmo irreverente
de seu pai iria continuar sempre daquele jeito mantinha aquela criança igualmente
entusiasmada e curiosa “sob controle”. Entretanto, logo no início do livro, somos
apresentados à uma das primeiras experiências que quebram essa visão fantasiosa de
estabilidade cristalizada que a vida militar poderia trazer: Kay, ainda criança, presencia a
morte de um piloto militar que sobrevoava nas proximidades do pátio de sua escola, cujo qual
escolheu se sacrificar para preservar as vidas das crianças que ali estavam, incluindo a própria
Kay. Sendo seu pai também um piloto militar, a realidade da autora é perturbada pela
realidade da morte e os perigos que os fascínios da liberdade no céu tão exaltados por seu pai
poderiam trazer. Posteriormente, essa realidade é posta ainda mais em cheque, quando em um
processo de mudança devido à um novo cargo no emprego de seu pai, a família se afasta do
núcleo militar anteriormente estabelecido e se põe em frente a uma realidade mais caótica e
turbulenta na Califórnia.
Desse modo, a primeira crise maníaca de Kay aparece de forma até mesmo leve e
agradável, no sentido de proporcionar um entusiasmo e um sentimento de que tudo pode ser
feito naquele exato momento, um transe diante das próprias divagações e na dificuldade de se
expressar com seus amigos e familiares. Assim, até dado momento, a crise ainda possuía em
sua manifestação um caráter prazeroso. Entretanto, a sua mente, anteriormente uma aliada
para lidar com situações tediosas, passa a se tornar uma inimiga quando sufoca a própria Kay
com esses pensamentos, levando-a para um estado contemplativo da morte que questiona o
sentido da sua própria existência. Nesse sentido, há um deslocamento naquilo que se fazia
ordem anteriormente, o ponto de ruptura que consequentemente leva as primeiras aparições
do transtorno na vida de Kay está representado nesse caos repentino. Assim, de certa forma,
existe uma ameaça de morte para o seu self, no sentido que tudo aquilo que anteriormente foi
construído se vê em risco de desmoronamento.
Diante do que foi exposto, podemos entender como a angústia evidenciada pela
condição maníaco-depressiva de Kay interagem com seu self e a induzem a uma regressão em
seu sentido histórico-individual e evolutivo. Entretanto, do que se trata realmente essa
angústia? Como se organiza a causa de seu sofrimento? Foucault afirma que, além de
aproximar-se dos sentidos de uma psicopatologia pela via das dimensões evolutivas e
histórico-individuais, é necessário entender, através de um exercício fenomenológico, a
essência do sofrimento através dos olhos do doente, em sua dimensão existencial. Nesse
sentido, na mania de Kay, o passado, presente e futuro estão todos interligados e fazem parte
do mesmo momento: agora. Não existem limites nos cartões de crédito, a necessidade de
precaver-se de uma imensa invasão de cobras é iminente, tudo o que precisa ser lido pode e
deve ser lido nesse exato momento, não há tempo para refletir, somente agir. De início, há
uma sensação de onipotência causada pela euforia, a capacidade de perder a timidez, de
cativar outras pessoas, a sensualidade e principalmente um grande aumento na produtividade.
Porém, ao mesmo tempo que a mania a inebria, também carrega um sofrimento e depressão
na medida em que ela percebe a falta de controle que sua condição pode acarretar. Ideias vem
e vão, sentimentos pulsam, caminhos nunca antes imaginados se fazem possíveis. Porém, ao
término desse processo, vêm as dúvidas, as consequências, a preocupação no rosto dos
amigos, um casamento com um homem admirável desmoronando, será que é realmente isso
que ela sempre quis? Dentre essas complicações, vem o lítio como uma maneira eficaz de
tratar seus episódios maníaco-depressivos. Entretanto, mesmo com as alucinações sombrias e
tentativas de suicídio, seguir a prescrição médica e fazer uso do medicamento significaria
abandonar o “lado bom” da mania, ao entrar em um estado de eu "normal", morreria a Kay
alegre, produtiva, expansiva e efervescente.
Em suma, a inquietação e busca por emoção já fazia parte da vida da autora, de forma
que a mesma já se encontrava em um estado dependente daquela sensação. A angústia gerada
a partir disso é justamente ligada a esse sentimento de impotência diante do dilema do qual,
no decorrer de sua vida, o pensamento acelerado e a capacidade produtiva foram elementos
essenciais e sempre presentes em suas vivências, perdê-los ou negar ser levada por eles
significaria negar a própria Kay e lidar com as consequências do mundo sem crises maníacas.
Portanto, “Uma Mente Inquieta” traz inquietações e relatos essenciais para que
possamos compreender as dimensões de uma psicopatologia, além de fazer perceber a
importância de um olhar fenomenológico da doença, não se reduzindo a explicações rasas que
inferiorizam o indivíduo afetado por uma psicopatologia. Ademais, é interessante notar como
todos os aspectos da condição maníaco-depressiva afetam Kay de uma maneira ou outra,
navegando por seus estados mais eufóricos, alucinados, depressivos e desesperados
produzindo significado para suas vivências. Dessa forma, as elucidações trazidas pelas
dimensões Evolutiva, Histórico-Individual e Existencial servem como lentes que fazem
perceber sua patologia de maneiras diferentes, não excludentes, mas sim complementares.