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Análise Matemática I

e
Cálculo Diferencial e Integral I

Apontamentos Teóricos
2021/2022

Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

Cursos: Engenharia Biomédica e Biofı́sica


Engenharia Fı́sica
Fı́sica
Matemática
Matemática Aplicada

Conteúdo

Introdução
1. Sucessões e Séries Numéricas
2. Limites e Continuidade
3. Cálculo Diferencial em R
4. Cálculo Integral em R
5. Séries de Potências. Séries de Taylor

1
2
Introdução
Cálculo é uma palavra que deriva da palavra latina calculus que significa pedra. A ideia de
associar pedras e cálculos tem origem no facto de se terem usado pedras para fazer contagens,
antes de haver sistemas numéricos (ou por desconhecimento dos mesmos). Assim, numa disci-
plina de Cálculo,“calcula-se”. Partindo das ideias da matemática elementar (álgebra, geometria,
trigonometria), o Cálculo Diferencial e Integral, parte integrante e fundamental da Análise Ma-
temática, permite obter extensões a situações mais gerais, algumas das quais associadas a taxas
de variação. O quadro que se segue ilustra algumas comparações entre o que é feito com cálculo
elementar e com o cálculo diferencial e integral.

Cálculo Elementar Cálculo Diferencial e Integral

Comprimento de um segmento de recta Comprimento de uma curva

Área de um polı́gono Área de uma região limitada por uma curva

Volume de sólido rectangular Volume de um sólido de revolução

a1 + a2 + . . . + an a1 + a2 + a3 + . . .
Soma de um número finito de parcelas Soma de um número infinito de parcelas

Introdução Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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A invenção do Cálculo, tal como o conhecemos hoje, é atribuı́da a I. Newton (1642-1727)
e a G. Leibniz (1646-1716), que o terão desenvolvido independentemente. Diz-se que Newton
foi o primeiro a criar e Leibniz o primeiro a publicar as ideias. Muitos outros matemáticos
contribuı́ram para o seu desenvolvimento, tendo adquirido rigor com A-L Cauchy (1789-1857)
que formalizou o conceito fundamental que é a pedra basilar do Cálculo - o conceito de limite.
O Cálculo Diferencial decompõe alguma coisa em peças cada vez mais pequenas, até ao
limite, para perceber como é feita a variação.
O Cálculo Integral junta (integra) pequenas peças de um todo, até ao limite, para medir o
todo.
Para descrever/prever fenómenos que envolvam taxas de variação de grandezas, como na
fı́sica, biologia, economia, entre outras, o Cálculo Diferencial e Integral é uma ferramenta essen-
cial.
Este curso faz a introdução ao chamado Cálculo Diferencial e Integral real e está estruturado
em cinco capı́tulos, cada um dos quais relacionados, respectivamente, com: cálculo de limites de
sucessões e de “somas infinitas”, cálculo de limites de funções, cálculo de derivadas, cálculo de
integrais, cálculo de “somas infinitas” envolvendo polinónimos.

Introdução Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

4
1 Sucessões e séries numéricas
O nome deste capı́tulo é relativo aos dois tópicos que nele abordamos. O primeiro é introduzido
no ensino secundário, pelo que assumiremos conhecidos os principais conceitos e resultados.
Ainda assim, faremos uma revisão cuidadosa de alguns deles, nas aulas teóricas e/ou nas aulas
teórico-práticas. Os restantes devem ser alvo de trabalho autónomo do estudante.
“Deus criou os inteiros. O resto é obra do Homem.” Leopold Kronecker
Neste curso trabalhamos com números reais e, no que a conjuntos de números diz respeito,
utilizaremos as seguintes notações:
N = {1, 2, 3 . . .} números naturais;

N0 = {0, 1, 2, 3 . . .} números naturais e o zero;

Np = {p, p + 1, p + 2, . . .} números naturais a partir de um dado p ∈ N0 ;

Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .} números inteiros;


n o
p
Q= q : p, q ∈ Z, q 6= 0 números racionais;

R números reais;

R = R ∪ {−∞, +∞} a recta acabada com a ordenação − ∞ < x < +∞, ∀x ∈ R


e lê-se “erre barra”.

Dado x ∈ R, notamos por [x] a parte inteira de x, ou seja, o maior número inteiro menor
ou igual ao número x.
Exemplos. [4] = 4, [4, 76] = 4, [−4, 76] = −5, [π] = 3.

1.1 Revisão de alguns conceitos básicos


Recordamos que dado um número real x, o módulo ou valor absoluto de x é o número real
dado por (
x, se x ≥ 0
|x| =
−x, se x < 0.
Geometricamente, |x| representa a distância de x à origem.
Proposição 1.1 São válidas as seguintes propriedades:
a) |x| ≥ 0, ∀x ∈ R. Além disso, |x| = 0 se, e só se, x = 0;
b) | − x| = |x|, ∀x ∈ R;
c) |x · y| = |x| · |y|, ∀x, y ∈ R;
d) |x + y| ≤ |x| + |y|, ∀x, y ∈ R (desigualdade triangular);
e) | |x| − |y| | ≤ |x − y|, ∀x, y ∈ R;

f) |x| = x2 , ∀x ∈ R.

Para além das desigualdades listadas em d) e e) na proposição anterior, outras duas que são
importantes e que serão usadas algumas vezes no nosso curso são:
1. 2ab ≤ a2 + b2 , ∀a, b ∈ R;
2. Se x ≥ −1, então (1 + x)n ≥ 1 + nx, ∀n ∈ N. (Desigualdade de Bernoulli)
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Um subconjunto I ⊆ R é um intervalo se, e só se, dados a, b ∈ I com a < b, se a < x < b,
então x ∈ I (isto é, se I contém dois números reais a e b também tem que conter todos os
números reais que estão entre a e b). Dados dois números reais a < b, recordamos que

] a, b [ = {x ∈ R : a < x < b} (intervalo aberto);

[ a, b ] = {x ∈ R : a ≤ x ≤ b} (intervalo fechado);

] a, b ] = {x ∈ R : a < x ≤ b} (intervalo semi-aberto);

[ a, b [ = {x ∈ R : a ≤ x < b} (intervalo semi-aberto).

Os intervalos da forma anterior, com a, b ∈ R, dizem-se intervalos limitados.

Exemplos. Consideremos os conjuntos A1 = [1, 67[, A2 = ] − 9, 0], A3 = {2} ∪ [3, 7[ e


A4 = {7, 8, 9}. A1 e A2 são intervalos; A3 e A4 não são intervalos.

Pergunta 1: A união de dois intervalos é um intervalo?

Seja a ∈ R. Também são intervalos os conjuntos que se seguem

] − ∞, a ] = {x ∈ R : x ≤ a} , ] − ∞, a [ = {x ∈ R : x < a} ,

[ a, +∞[ = {x ∈ R : x ≥ a} , ] a, +∞[ = {x ∈ R : x > a}


e o conjunto dos números reais, que é o intervalo ] − ∞, +∞[ = R.
Os (cinco) intervalos da forma anterior, em que, pelo menos, um dos extremos não é um
número real (é infinito), dizem-se intervalos ilimitados ou intervalos não limitados.

Recordamos ainda que

] − a, a [= {x ∈ R : |x| < a} , [−a, a] = {x ∈ R : |x| ≤ a} ,

] − ∞, −a[ ∪ ]a, +∞[ = {x ∈ R : |x| > a} , ] − ∞, −a] ∪ [a, +∞[ = {x ∈ R : |x| ≥ a} .

Definição 1.2 Um conjunto A de números reais diz-se

i) limitado superiormente ou majorado se, e só se, existe M ∈ R tal que x ≤ M ,


∀x ∈ A; M diz-se um majorante de A;

ii) limitado inferiormente ou minorado se, e só se, existe m ∈ R tal que x ≥ m, ∀x ∈ A;
m diz-se um minorante de A;

iii) limitado se, e só se, for majorado e minorado.

Um conjunto que não é limitado diz-se que é ilimitado. Mais especificamente, diz-se que
um conjunto que não é majorado é um conjunto ilimitado superiormente, e que um conjunto
que não é minorado é um conjunto ilimitado inferiormente.

Observações. Se M é majorante de A, então qualquer elemento de [M, +∞[ também é um


majorante de A. Analogamente, se m é minorante de A, então qualquer elemento de ] − ∞, m]
também é um minorante de A. Da definição anterior resulta também que um conjunto é limitado
se, e só se, está contido num intervalo limitado.

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Exemplos. √
1) Sejam A =]1, 3 + 7] e B = {−12, −π} ∪ [−1, +∞[. O conjunto A é limitado; por exemplo,
−2 é um minorante de A e 6 é um majorante de A. O conjunto B é limitado inferiormente e
−12 é um dos seus minorantes; no entanto, B não é majorado.
√ dos minorantes de A é ]−∞, 1] e o de B é ]−∞, −12]. O conjunto dos majorantes
O conjunto
de A é [3 + 7, +∞[.
2) N é um conjunto ilimitado superiormente, mas limitado inferiormente, sendo ] − ∞, 1] o
conjunto dos seus minorantes.
3) O conjunto C =]−∞, 8] é ilimitado inferiormente, mas limitado superiormente, sendo [8, +∞[
o conjunto dos seus majorantes.
4) Z e (] − ∞, −6[ ∪ N) são conjuntos ilimitados.

Definição 1.3 Se A é um conjunto majorado, ao menor dos majorantes de A, se existir, chama-


se supremo de A, e representa-se por sup A; se o supremo de A for um elemento de A diz-
se máximo de A, e representa-se por max A. Se A é um conjunto minorado, ao maior dos
minorantes de A, se existir, chama-se ı́nfimo de A, e representa-se por inf A; se o ı́nfimo de A
pertencer a A diz-se mı́nimo de A, e representa-se por min A.

Exemplos. Voltando aos√conjuntos dos exemplos anteriores, temos que:


1) sup A = max A = 3 + 7, inf A = 1, A não tem mı́nimo;
inf B = min B = −12, B não é limitado superiormente, logo não tem supremo em R;
2) inf N = min N = 1, N não tem supremo em R;
3) sup C = max C = 8, C não tem ı́nfimo em R.

Proposição 1.4
• (Caracterização do supremo)
Seja A um conjunto de números reais, limitado superiormente. Tem-se:

s = sup A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≤s
e
2) ∀y < s, ∃ x ∈ A : x > y

ou equivalentemente

s = sup A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≤s
e
20 ) ∀ε > 0, ∃ x ∈ A : s − ε < x.

• (Caracterização do ı́nfimo)
Seja A um conjunto de números reais, limitado inferiormente. Tem-se:

m = inf A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≥m
e
2) ∀y > m, ∃ x ∈ A : x < y

ou equivalentemente

m = inf A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≥m
e
20 ) ∀ε > 0, ∃ x ∈ A : x < m + ε.

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Princı́pio do supremo - Princı́pio do ı́nfimo
Seja A um subconjunto não vazio de R.

• Se A é majorado, então A tem supremo em R.

• Se A é minorado, então A tem ı́nfimo em R.

O princı́pio do supremo (resp. ı́nfimo) garante a existência de supremo (resp. ı́nfimo) para um
conjunto majorado (resp. minorado) de números reais, e diz-nos que o supremo (resp. ı́nfimo) é
um número real. Observamos que se estivermos a trabalhar num universo menor , os √ princı́pios

anteriores deixam de ser leis gerais. Por exemplo, se o universo for Q, o conjunto ] − 2, 2[ ∩ Q
não tem supremo nem ı́nfimo em Q.
Observação. Seja A ⊂ R. Diz-se que sup A = +∞, em R, se, e só se, A não for majorado em
R e que inf A = −∞, em R, se, e só se, A não for minorado em R.
Seja D um subconjunto de R. Nesta disciplina trabalhamos com funções reais de variável
real, que representamos por f : D ⊆ R → R, que a cada x ∈ D fazem corresponder o número
real y = f (x) que se designa por imagem de x por meio de f . Dizemos que x é a variável
independente e que y é a variável dependente. O conjunto D é o domı́nio da função f . No
caso em que as imagens da função são obtidas por uma expressão da variável independente, então
o domı́nio é o maior conjunto onde a expressão que define f faz sentido (os valores admissı́veis
para a variável independente), a não ser que se explicite uma restrição deste. O contradomı́nio
de f é o conjunto de todas as imagens f (x) para x ∈ D e representa-se por f (D), ou seja,
n o
f (D) = f (x) : x ∈ D .
As primeiras funções com que vamos trabalhar têm domı́nio Np , com p ∈ N0 . Trata-se de funções
reais de variável natural e são as chamadas sucessões de números reais.

1.2 Revisão e complementos sobre sucessões


Definição 1.5 Chama-se sucessão real a uma função real u cujo domı́nio é Np , com p ∈ N0 ,
u : Np → R,
e que notamos por (un )n∈Np ou simplesmente por (un ).
Denotamos por un = u(n) a imagem do valor n, a que chamamos o termo de ordem n ou
enésimo termo (resp. termo de ı́ndice n) da sucessão, se o domı́nio da sucessão é N (resp.
Np , com p 6= 1).
À expressão algébrica, quando existe, da sucessão, chama-se termo geral da sucessão.
Exemplos.

Sucessão Termo geral Conjunto dos termos

(n + 10)n∈N0 un = n + 10 {10, 11, 12, 13, 14, . . .}


  n o
1 1
n−3 n∈N un = n−3 1, 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , . . .
4

  n o
1 1
n+1 n∈N un = n+1 1, 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , . . .
0

n o
nπ nπ
1, cos π5 , cos 2π 3π 4π
 
cos 5 n∈N0
un = cos 5 5 , cos 5 , cos 5 , −1

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Por uma questão de simplificação de escrita, ao longo do texto, vamos considerar as sucessões
com domı́nio N, observando-se que tudo permanece válido quando se considera uma sucessão
com domı́nio Np , para qualquer p ∈ N0 .

Definição 1.6 Uma sucessão (un ) diz-se limitada (resp. majorada, minorada) se o con-
junto dos seus termos for limitado (resp. majorado, minorado), ou seja, se existirem m, M ∈ R
tais que m ≤ un ≤ M , ∀n ∈ N (resp. se existir M ∈ R tal que un ≤ M , ∀n ∈ N, se existir
m ∈ R tal que m ≤ un , ∀n ∈ N).
Se uma sucessão não for limitada diz-se ilimitada.

Observação. A designação ilimitada para uma sucessão inclui três situações: uma sucessão
majorada mas não minorada, neste caso também dizemos que a sucessão é ilimitada inferior-
mente; uma sucessão minorada mas não majorada, caso em que também dizemos que a sucessão
é ilimitada superiormente; uma sucessão que não é majorada nem minorada. (Cf. Definição
1.2.)

Exemplos.
1. un = 3(−1)n , n ∈ N. Tem-se −3 ≤ un ≤ 3, ∀ n ∈ N, logo (un ) é limitada.
2. un = 4 + cos n, n ∈ N. Tem-se 3 ≤ un ≤ 5, ∀ n ∈ N, logo (un ) é limitada.
3. un = n + 10, n ∈ N. Tem-se 11 ≤ un , ∀ n ∈ N, logo (un ) é limitada inferiormente; (un ) não
é limitada superiormente, pois qualquer que seja M ∈ R, existe n ∈ N tal que n > M − 10,
ou seja, un > M .
4. un = (−2)n , n ∈ N, é ilimitada (superior e inferiormente).
Observação. Segue-se uma outra caracterização de sucessão limitada, equivalente à da de-
finição.
(un ) é limitada se, e só se, existe L > 0 tal que |un | ≤ L, ∀n ∈ N.
Prova. Se (un ) é limitada, então existem m, M ∈ R tais que m ≤ un ≤ M , ∀n ∈ N. Seja
L = max{|m|, |M |}, então |un | ≤ L, ∀n ∈ N.
Reciprocamente, se existe L tal que |un | ≤ L, ∀n ∈ N, então basta considerar m = −L e
M = L. 
Verificar se uma sucessão é limitada usando a definição pode ser uma tarefa difı́cil, no entanto,
com a ajuda de outros conceitos e resultados teóricos podemos concluir mais facilmente. O estudo
da monotonia é uma ajuda preciosa nesse sentido.
Definição 1.7 Uma sucessão (un ) diz-se
i) crescente se, e só se, un ≤ un+1 , ∀n ∈ N;
ii) estritamente crescente se, e só se, un < un+1 , ∀n ∈ N;
iii) decrescente se, e só se, un ≥ un+1 , ∀n ∈ N;
iv) estritamente decrescente se, e só se, un > un+1 , ∀n ∈ N.
Em qualquer dos casos anteriores, a sucessão (un ) diz-se monótona.
Para fazer alusão aos casos i) e ii) usamos a escrita abreviada (un ) %, e para os casos iii)
e iv) usamos a simbologia (un ) &.
Exemplos e observações.
 
1
1) Vejamos que a sucessão 4 + 2n+1 n∈N é estritamente decrescente e é limitada.
1 1 1 −2
Seja un = 4 + 2n+1 , então un+1 − un = 4 + 2n+3 −4− 2n+1 = (2n+3)(2n+1) < 0, logo (un ) &.
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Tratando-se de uma sucessão (estritamente) decrescente, o seu primeiro termo é o máximo
do conjunto dos seus termos, assim
1
un ≤ u1 = 4 + , ∀n ∈ N.
3
Por outro lado, é imediato que un > 0, para qualquer n, temos então
1
0 < un ≤ 4 + , ∀n ∈ N,
3
ou seja, a sucessão dada é limitada.
2) Do exemplo anterior é fácil deduzir que, qualquer sucessão decrescente ou estritamente de-
crescente é limitada superiormente, sendo o seu primeiro termo o máximo do conjunto dos seus
termos. Analogamente, podemos concluir também que qualquer sucessão crescente ou estrita-
mente crescente é limitada inferiormente, sendo o seu primeiro termo o mı́nimo do conjunto dos
seus termos.
3) A sucessão (n5 − 7) é estritamente crescente.
Como n < n + 1, então n5 < (n + 1)5 , logo n5 − 7 < (n + 1)5 − 7, ou seja, un < un+1 , para
todo o n.
4) Se uma sucessão (un ) não muda de sinal (a partir de certa ordem), e un 6= 0, para todo o n,
a monotonia pode ser formulada usando a razão entre um termo e o anterior, isto é,
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos positivos e ≥ 1 (resp. > 1), então (un ) é crescente
un
(resp. estritamente crescente);
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos positivos e ≤ 1 (resp. < 1), então (un ) é decrescente
un
(resp. estritamente decrescente).
Pergunta 2. E se (un ) é uma sucessão de termos negativos, como formalizar a monotonia
usando a razão entre um termo e o anterior?
Definição 1.8 (Cauchy, 1821) Dizemos que o limite de uma dada sucessão (un ) é a(∈ R) e
escrevemos lim un = a ou un → a se, e só se,
∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ |un − a| < δ.
Assim, dizer que lim un = a significa que os termos da sucessão estão tão próximos de a
quanto se queira, desde que se tome n suficientemente grande.
Se o limite de uma sucessão é um número real (limite finito), a sucessão diz-se convergente,
caso contrário diz-se divergente.
Teorema 1.9 (Unicidade de limite) Se lim un = a e lim un = b, então a = b.

Exemplos.
1
1) Provar, por definição, que lim n+4 = 0.

1
Queremos ver que ∀δ > 0 ∃p ∈ N : n ≥ p =⇒
< δ.
n + 4
1
Fixemos δ > 0. Queremos encontrar uma ordem p, a partir da qual n+4 < δ. Ora


1 1 1
n + 4 < δ ⇔ n + 4 < δ ⇔ n > δ − 4.

Se δ > 14 , a desigualdade anterior verifica-se sempre pois 1δ − 4 < 0 e n é um número natural,


logo é sempre maior do que qualquer número negativo. Se δ ≤ 14 , consideramos p = [ 1δ − 4] + 1
(onde [x] representa a parte inteira do número real x).
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2) As sucessões constantes são convergentes e o seu limite é o valor da constante.
x n
 
3) lim 1 + = ex , com x ∈ R.
n
Proposição 1.10 Sejam (un ) e (vn ) duas sucessões de números reais, a, b, λ ∈ R.

1. Se lim un = a e lim vn = b, então lim(un + vn ) = a + b.

2. Se lim un = a, então lim(λun ) = λa.

O teorema anterior traduz o facto do cálculo de limites ser uma operação linear.

Proposição 1.11 Dizer que lim un = a é equivalente a dizer que lim |un − a| = 0.

Teorema 1.12 Toda a sucessão convergente é limitada.

Do teorema anterior resulta que, se uma sucessão é ilimitada, então não é convergente.
Observe-se que há sucessões limitadas que não são convergentes, por exemplo a sucessão de
termo geral un = (−1)n é limitada e divergente.
Algumas sucessões divergentes destacam-se por apresentarem um comportamento com uma
certa regularidade, a saber, aquelas cujos valores se tornam e se mantêm arbitrariamente gran-
des positivamente ou arbitrariamente grandes negativamente. Estas situações são descritas e
nomeadas na próxima definição.

Definição 1.13

i) Dizemos que uma sucessão (un ) tende para +∞ ou que tem limite +∞, e escrevemos
lim un = +∞ ou un → +∞, se, e só se, ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ un > M.
Neste caso (un ) diz-se um infinitamente grande positivo.

ii) Dizemos que uma sucessão (un ) tende para −∞ ou que tem limite −∞, e escrevemos
lim un = −∞ ou un → −∞, se, e só se, ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ un < −M.
Neste caso (un ) diz-se um infinitamente grande negativo.

Em oposição às designações das definições anteriores temos os chamados infinitésimos que
são as sucessões que convergem para zero.

Se uma sucessão é tal que existe lim un = ` ∈ R, dizemos que a sucessão (un ) tende para `.
Assim, a expressão “(un ) converge para” vai sempre referir-se a limites finitos e a expressão
“(un ) tende para” engloba os casos finito e infinito.
Exemplos.
1) Temos que lim n = +∞, ou seja, a sucessão de termo geral un = n é um infinitamente grande
positivo.
2) Vejamos que lim(n2 + 3) = +∞. √
Para cada M > 0, basta tomar k = [ M − 3] + 1, se M ≥ 3, e k = 1 caso contrário. Assim,
para n ≥ k, tem-se
√ √
n ≥ [ M − 3] + 1 =⇒ n > M − 3 ⇔ n2 > M − 3 ⇐⇒ n2 + 3 > M, caso M ≥ 3.

Se M < 3, então M − 3 < 0 e, consequentemente, n2 > M − 3, para todo o n, donde n2 + 3 > M .


Conclui-se assim o pretendido.
3) Se lim un = +∞, então lim(−un ) = −∞.
1 1
4) São infinitésimos as sucessões de termo geral: n , n2 +3 .
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Teorema 1.14 (Teorema da Sucessão Monótona) Toda a sucessão monótona e limitada é
convergente. Mais precisamente, se (un ) é uma sucessão limitada
i) e é uma sucessão crescente, então lim un = sup {un : n ∈ N} ;

ii) e é uma sucessão decrescente, então lim un = inf {un : n ∈ N} .


 n 
1
Exemplo. A sucessão 1+ n é monótona e limitada, logo é uma sucessão convergente.

Observação. Seja (un ) uma sucessão monótona e não limitada. Se (un ) não é limitada su-
periormente, então lim un = +∞ e, se (un ) não é limitada inferiormente, então lim un = −∞
(exercı́cio).
Exemplo. Verdadeiro ou falso?
“Seja (un ) uma sucessão crescente e limitada tal que 3 ≤ un ≤ 10, ∀n ∈ N. Então lim un = 10.”
Falso.
Se (un ) é uma sucessão crescente e limitada, então u1 ≤ un ≤ sup un = lim un .
Dizer que 3 ≤ un ≤ 10, ∀n ∈ N, não é dizer que 10 é o supremo da sucessão. Das desigual-
dades dadas apenas podemos concluir que 10 é um majorante dos termos da sucessão (e que
3 é um minorante).
A sucessão de termo geral un = 5 − n1 , para n ∈ N, satisfaz 3 ≤ un ≤ 10 para todo o n ∈ N
(verifique), é uma sucessão estritamente crescente, pois
1 1 1
un+1 − un = 5 − −5+ = > 0,
n+1 n n(n + 1)
e lim un = 5.

Dizemos que uma sucessão está definida por recorrência quando a determinação do valor
de um termo requer o conhecimento prévio de um ou mais termos anteriores da mesma. Por
exemplo, a sucessão que se segue

u1 = 2, u2 = −1, un+2 = 3un − 2un+1 , n∈N

está definida por recorrência. Se quisermos determinar, por exemplo, u5 precisamos de conhecer
u4 e u3 , já que u5 = 3u3 − 2u4 . Tem-se assim

u3 = 3u1 − 2u2 = 8, u4 = 3u2 − 2u3 = −19 ⇒ u5 = 3u3 − 2u4 = 62.

Para estudar rigorosamente as propriedades de muitas destas sucessões necessitamos do chamado


Princı́pio de Indução Matemática, que enunciamos seguidamente.

Princı́pio de Indução
Seja P (n) uma proposição na variável n ∈ Nm , com m ∈ N0 . Então:
Se
1. P (m) é uma proposição verdadeira

2. P (n) =⇒ P (n + 1),
então a condição P (n) é verdadeira para todo o n ∈ Nm .

Observação. Diz-se que uma proposição P (n), de variável natural, é hereditária, se P (n)
implica P (n + 1), isto é, se o facto de ser verificada por um número natural n implica que
também é verificada por n + 1, qualquer que seja n. O número natural n + 1 diz-se o sucessor
de n.
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Proposição 1.15 Seja (un ) uma sucessão tal que lim un = a ∈ R. Dado c ∈ R tal que c < a
(resp. c > a), então existe uma ordem k ∈ N tal que

un > c (resp. un < c), ∀n ≥ k.

Proposição 1.16 (Passagem ao limite das desigualdades) Dadas duas sucessões (un ) e
(vn ), suponha-se que existe uma ordem k ∈ N tal que

un ≤ vn , ∀n ≥ k.

Então, se ambas as sucessões tiverem limite, tem-se

lim un ≤ lim vn .

Corolário 1.17 Seja (un ) uma sucessão e a ∈ R. Se existe uma ordem k ∈ N tal que

un ≤ a (resp. un ≥ a), ∀n ≥ k,

então, se (un ) tiver limite, tem-se

lim un ≤ a (resp. lim un ≥ a).

Teorema 1.18 (Teorema das Sucessões Enquadradas) Dadas três sucessões (un ), (vn ), (wn ),
suponha-se que existe k ∈ N tal que

un ≤ wn ≤ vn , ∀n ≥ k.

Se lim un = a(∈ R) e lim vn = a, então também lim wn = a.

Muitas vezes referenciamos este teorema de forma abreviada, escrevendo simplesmente TSE.

Corolário 1.19 Se lim un = 0 e (vn ) é uma sucessão limitada, então lim(un · vn ) = 0.

Exemplos.
3 + sin n 1
1) Consideremos a sucessão de termo geral an = 2
. Podemos escrever an = 2 (3+sin n);
n n
1
como 2 → 0 e 2 ≤ 3 + sin n ≤ 4, para todo o n ∈ N, então, pelo corolário do TSE, lim an = 0.
n
2) Mostre que a sucessão de termo geral
1 1
+ ... +
n2 (n + n)2

é decrescente e converge para zero.


Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

13
Designando por an o termo geral da sucessão dada, vem
1 1 1 1
an = 2 + 2
+ ... + 2
+ .
n (n + 1) (n + (n − 1)) (n + n)2
Vejamos que a sucessão é decrescente.
1 1 1 1 1
an+1 − an = 2
+ 2
+ ... + 2
+ 2
+
(n + 1) (n + 2) (n + n) ((n + 1) + n) (n + 1 + n + 1)2
1 1 1 1
− 2− 2
− ... − 2
− ,
n (n + 1) (n + (n − 1)) (n + n)2
donde
1 1 1
an+1 − an = 2
+ 2
− 2.
(2n + 1) (2n + 2) n
1 1 1 1
Observando que 2n + 1 > 2n e que 2n + 2 > 2n, vem 2
< 2
e 2
< ,
(2n + 1) 4n (2n + 2) 4n2
donde
1 1 1 1 1 1
an+1 − an < 2 + 2 − 2 = 2 − 2 = − 2 < 0.
4n 4n n 2n n 2n
Concluimos assim que (an ) é (estritamente) decrescente.
Temos também
1 1 1 1 1
an = 2 + . . . + 2
≥ 2
+ ... + 2
= (n + 1) (1)
n (n + n) (n + n) (n + n) (n + n)2
| {z }
(n + 1) parcelas
e
1 1 1 1 1
an = + ... + ≤ 2 + . . . + 2 = 2 (n + 1).
n2 (n + n)2 n
| {z n } n
(n + 1) parcelas
Como
n+1 n+1 n+1 n+1
lim = 0 = lim e ≤ an ≤ ,
(n + n)2 n2 (n + n)2 n2
pelo Teorema das Sucessões Enquadradas, concluimos que lim an = 0.
Neste caso, temos uma sucessão de termos positivos, pelo que a minoração an > 0, para todo
o n, juntamente com a majoração obtida, é suficiente para obter a conclusão. O procedimento
que usámos em (1) visa ilustrar uma técnica menos elementar que usamos muitas vezes.

Prova do Teorema 1.18. Queremos provar que lim wn = a, ou seja, que


∀δ > 0, ∃p ∈ N : n ≥ p ⇒ |wn − a| < δ
o que é equivalente a dizer que
∀δ > 0, ∃p ∈ N : n ≥ p ⇒ a − δ < wn < a + δ.
Assim, queremos provar que
∀δ > 0, ∃p ∈ N : n ≥ p ⇒ a − δ < wn < a + δ .
Fixemos δ > 0. Como lim un = a, existe uma ordem p1 ∈ N tal que se n ≥ p1 , a − δ < un .
Atendendo agora a que lim vn = a, existe uma ordem p2 ∈ N tal que para n ≥ p2 se tem
vn < a + δ.
Seja p = max{p1 , p2 , k} e n ≥ p, então
a − δ < un , un ≤ wn ≤ vn e vn < a + δ,
logo
a − δ < wn < a + δ.
Atendendo à arbitrariedade de δ, a prova está concluida. 
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14
Observação. Uma adaptação das ideias da prova anterior mostra que TSE é válido no caso
em que lim un = lim vn ∈ {+∞, −∞}.

Teorema 1.20 (Propriedades algébricas dos limites de sucessões) Sejam (un ) e (vn ) duas
sucessões de números reais, a, b, λ ∈ R.

1. Se lim un = a, então lim |un | = |a|.

2. Se lim un = a e lim vn = b, então lim(un + vn ) = a + b.

3. Se lim un = +∞ e (vn ) é minorada, então lim(un + vn ) = +∞.

4. Se lim un = −∞ e (vn ) é majorada, então lim(un + vn ) = −∞.

5. Se lim un = a, então lim(λun ) = λa.

6. Se lim un = a e lim vn = b, então lim(un · vn ) = a · b.


1 1
7. Se lim un = a e a 6= 0, então lim = .
un a
8. Se lim un = ±∞ e lim vn > 0 (resp. < 0), então lim un · vn = ±∞ (resp. ∓∞).
1
9. Se lim |un | = +∞, então lim = 0, e reciprocamente.
un

Observações. 1) As propriedades 2 e 6 anteriores generalizam-se de modo natural à soma e ao


produto de um número finito de sucessões, respectivamente.
Exemplo: !
5n2 + 3 2 8n + 9 5 2
lim 2
+ + = + +8=9
7n + n 7 n−4 7 7
2) Observe-se que o caso 3 inclui a situação em que lim vn = +∞ e o caso 4, a situação
lim vn = −∞.
3) A propriedade 8 é válida nos casos lim vn = +∞ e lim vn = −∞, respectivamente. (Verifique.)
4) O teorema anterior não nos dá indicação sobre a existência e o valor do limite (se este existir)
nos casos que se seguem e que são designados por indeterminações:

• ∞ − ∞: quando queremos determinar lim (un + vn ) e

lim un = +∞ e lim vn = −∞;

• 0 × ∞ quando queremos determinar lim (un · vn ) e

lim un = 0 e lim vn = ±∞;

0 un
• quando queremos determinar lim e
0 vn
lim un = 0 = lim vn ;

∞ un
• quando queremos determinar lim e
∞ vn
lim |un | = +∞ = lim |vn |.

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15
Prova do Teorema 1.20. (Prova resumida.)
1. lim un = a ⇔ ∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ |un − a| < δ.
Ora | |un | − |a| | ≤ |un − a| < δ, logo
∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ | |un | − |a| | < δ,
donde lim |un | = |a|.
2. Observando que |un + vn − (a + b)| = |(un − a) + (vn − b)| ≤ |un − a| + |vn − b|, a Proposição
1.11 e o TSE permitem tirar a conclusão pretendida.
3. lim un = +∞ ⇔ ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ un > M . Como (vn ) é minorada, então
existe m ∈ R, tal que vn ≥ m, para todo o n. Fixando M > 0, existe k ∈ N, tal que
un > M > M −m, logo un +vn > M −m+m = M , para n ≥ k, pelo que lim(un +vn ) = +∞.
4. Prova análoga à anterior.
5. Como |λun − λa| = |λ| · |un − a|, o resultado sai pelo Corolário 1.19.
|{z} | {z }
limitada →0

6. |un vn − ab| = |un vn − un b + un b − ab| = |un (vn − b) + (un − a)b| ≤ |un ||vn − b| + |un − a| |b|,
mais uma vez, pelo Teorema 1.12, pelo Corolário 1.19 e pela Proposição 1.11, obtemos o
resultado pretendido.
7. Como lim un = a e a 6= 0, então lim |un | = |a| > 0, donde existe uma ordem k a partir da
qual |un | > |a|
2 . Assim, pela Prop. 1.15, temos, para n ≥ k
1 |a − un |

1 2 1 1
u − a = |u | · |a| < |a|2 |un − a| =⇒ u → a .

n n n
| {z }
→0

8. Vejamos o caso em que lim un = +∞ e lim vn > 0. Seja M > 0, arbitrariamente fixado.
Pela Proposição 1.15 existe uma ordem k1 , tal que, para n ≥ k1 se tem
lim vn
vn > .
2
Como (un ) tende para +∞, dado um número positivo qualquer, existe uma ordem a partir
da qual todos os termos da sucessão são maiores do que esse número. Assim, existe k2 tal
que, para n ≥ k2 , se tem
2
un > M · .
lim vn
Seja k = max{k1 , k2 } e n ≥ k, então
lim vn 2 lim vn
un · vn > un · >M· · = M =⇒ lim un · vn = +∞.
2 lim vn 2
Os restantes casos são análogos.
9.
lim |un | = +∞ ⇐⇒ ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ |un | > M

1 1
⇐⇒ ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ <
|un | M

1
⇐⇒ ∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ < δ
un

1
⇐⇒ lim = 0.
un
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16
Definição 1.21 Seja (un ) uma sucessão real. Dizemos que (vn ) é uma subsucessão de (un )
se existe uma aplicação ϕ : N → N estritamente crescente tal que vn = uϕ(n) .

Exemplo. Seja un = n, n ∈ N, então vn = 2n, com n ∈ N é uma subsucessão de (un )


(ϕ(n) = 2n, n ∈ N) e wn = n3 + 2, n ∈ N2 é outra subsucessão de (un ) (ϕ(n) = n3 + 2, n ∈ N2 ),

(vn ) : u2 u4 u6 u8 . . .

(wn ) : u10 u29 u66 u127 . . .

Definição 1.22 Seja (un ) uma sucessão real. Chamamos sublimite de (un ) ao limite de uma
qualquer subsucessão de (un ). Ao maior dos sublimites de (un ) chamamos limite superior de
(un ) e ao menor dos sublimites de (un ) chamamos limite inferior de (un ).

Nota. A definição anterior é coerente, pois prova-se que existem sempre, em R, o maior e o
menor dos sublimites de uma sucessão.

Proposição 1.23 Seja (un ) uma sucessão real, tal que lim u2n = a e lim u2n+1 = a, com a ∈ R,
então lim un = a.

Proposição 1.24 Seja (un ) uma sucessão real. Então lim un = a ∈ R se, e só se, qualquer
subsucessão de (un ) tende para a.

Corolário 1.25 lim un = a ∈ R ⇒ lim un+k = a, ∀k ∈ N.

Usando o chamado Princı́pio do Encaixe (ver livro de M. Figueira, referenciado na biblio-


grafia) pode provar-se o seguinte resultado.

Proposição 1.26 (Bolzano-Weierstrass) Se (un ) é uma sucessão limitada, então (un ) ad-
mite uma subsucessão convergente.

Exemplo. A sucessão (un ) = ((−1)n ) é limitada, não é convergente mas admite subsucessões
convergentes, por exemplo, a subsucessão de termo geral u2n = 1 (subsucessão dos termos de
ordem par) e a subsucessão de termo geral u2n−1 = −1 (subsucessão dos termos de ordem
ı́mpar), são convergentes.

Definição 1.27 Sejam (un ), (vn ), (hn ) três sucessões tais que, a partir de uma certa ordem,
se tem un = hn vn e lim hn = 1. Então diz-se que (un ) é assintoticamente igual a (vn ) e
escreve-se un ∼ vn .

O sı́mbolo ∼ diz-se um sı́mbolo de Landau (há outros que teremos oportunidade de ver neste
curso).
Observação. Na definição anterior, se, a partir de certa ordem, (vn ) não se anula, então
un
un ∼ vn equivale a lim = 1.
vn

É fácil ver que, se (un ), (vn ) e (wn ) são três sucessões tais que un ∼ vn e vn ∼ wn , então
un ∼ wn e que se un ∼ vn então também se tem vn ∼ un (exercı́cio).

Exemplos. 1) Sejam un = 1
n e vn = 1
n+1 . Temos lim uvnn = 1, donde un ∼ vn .
2n7 + 6n2 − 8 3 4
 
2) Sejam un = 2n7 + 6n2 − 8 e vn = 2n7 . Como lim 7
= lim 1 + 5 − 7 = 1,
2n n n
então un ∼ vn .
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17
3) Dados p ∈ N, ai ∈ R, com i = 0, . . . , p e ap 6= 0, temos que
ap np + ap−1 np−1 + . . . + a1 n + a0 ∼ ap np .
4) Dados p, q ∈ N, ai ∈ R, com i = 0, . . . , p e ap 6= 0, temos que
q
ap np + ap−1 np−1 + . . . + a1 n + a0 ∼ ap np
q
p
q
(quando as raı́zes estão definidas).

Proposição 1.28 Sejam (un ), (vn ), (an ) e (bn ) sucessões.


1. Seja a ∈ R \ {0}. Se lim un = a, então un ∼ a.
2. Seja a ∈ R. Se un ∼ vn e lim vn = a, então lim un = a.
3. Se un ∼ vn e an ∼ bn , então un an ∼ vn bn e un /an ∼ vn /bn (quando os quocientes fazem
sentido).

−7n5 + 8n2 + 4 −7n5 7


Exemplos. 1) Temos lim 5
= lim 5
= − , pois
3n + n + 8 3n 3
−7n5 + 8n2 + 4 ∼ −7n5 e 3n5 + n + 8 ∼ 3n5 (ver exemplo 3))
Usámos a propriedade do quociente listada no ponto 3 da proposição anterior e a propriedade
do ponto 2.
2) Calcular o limite n √
√ 
(5n3 + n) 1 + n3 5
32n5 + 7
lim √
6
.
n12 + 2n + 1
Temos que
√ √ !
3 √ 3 5n3 + n n
5n + n ∼ 5n , pois lim 3
= lim 1 + 3 = 1,
5n 5n
da propriedade 1 da Proposição 1.28
3 n
n
3
  
1+ ∼ e3 , pois lim 1 + = e3
n n
e do exemplo 4) anterior à referida proposição vem
p √5
p √
6
n12 + 2n + 1 ∼ n12 = n2 .
5 6
32n5 + 7 ∼ 32n5 = 2n e
Usando as duas propriedades apresentadas no ponto 3 da mesma proposição.
√  n √
(5n3 + n) 1 + n3 5
32n5 + 7 5n3 · e3 · 2n
√ ∼ = 10e3 n2 .
6
n12 + 2n + 1 n2
Como lim 10e3 n2 = +∞, então, da propriedade 2 da proposição anterior, concluı́mos que o limite
pedido é +∞.

Observações.
1) A proposição anterior diz-nos que a relação ∼ respeita o produto. O exemplo que se segue
ilustra que a relação ∼ não respeita a soma. Considerem-se as sucessões un = n2 + n, vn = n2 ,
an = bn = −n2 . Tem-se un ∼ vn e an ∼ bn , no entanto un + an = n não é assintoticamente igual
a vn + bn = 0.
2) Se lim un = a ∈ R \ {0}, então é óbvio que un ∼ un+1 . No entanto, se a = 0, o resultado
 n un+1 1
anterior pode não ser válido. Por exemplo, se un = 21 , então = , logo un∼/ un+1 .
un 2
A relação assintoticamente igual permite simplificar o cálculo de limites. A abrangência
deste conceito tornar-se-á mais visı́vel após o capı́tulo 2, com o estudo das funções.
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18
1.3 Séries numéricas
1.3.1 Introdução
Sabemos fazer uma soma de duas parcelas de números reais, tal como sabemos somar um qual-
quer número finito de parcelas. Quando o léxico infinito entra no nosso vocabulário somos
naturalmente conduzidos à pergunta Como somar um número infinito de parcelas? Outra per-
gunta que se coloca de imediato é: Faz sentido falar numa soma de infinitas parcelas? Eis
o mote para esta secção - dar significado à expressão soma de infinitas parcelas e estudar as
consequências e propriedades desse significado.
Exemplo. Podemos somar infinitas parcelas que são alternadamente 1 e −1? Supondo que a
resposta à pergunta anterior é afirmativa, designemos por S o valor dessa soma:

1 − 1 + 1 − 1 + . . . = S.

Como 1 − 1 = −1 + 1 = 0, o que conhecemos das somas finitas leva-nos a escrever

(1 − 1) + (1 − 1) + . . . = 0,

e também
1 + (−1 + 1) + (−1 + 1) + . . . = 1.
Mas ainda podemos escrever
1 − (1 − 1 + 1 + . . .) = S,
ora o que está dentro de parênteses também vale S, assim
1
1 − S = S ⇐⇒ S = .
2
Neste exemplo efectuámos três procedimentos diferentes para calcular a soma de infinitas parce-
las e em cada um deles obtivemos um valor diferente, o que não é concordante com a unicidade
de valor que pretendemos naturalmente obter. Assim, este caso ilustra, mais uma vez, que tra-
balhar com o infinito requer cuidado e que nem sempre podemos aplicar os procedimentos do
caso finito.

1.3.2 Séries numéricas - primeiros conceitos e resultados


Qual é o maior
0,9999 . . . ou 1?
Consideremos a sucessão definida por recorrência
(
9
u1 = 10
un+1 = un10+9 , n ∈ N.

Temos
u1 = 0,9
u2 = 0,99
u3 = 0,999
.. ..
. .
un = 0, 9999999999
| {z . . . 9}
n casas décimais
Nesta sucessão cada termo acrescenta mais uma casa decimal (igual a 9) ao termo anterior.
Assim, no limite temos
0,99999 . . .
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19
Por outro lado, sabendo que (un ) é convergente, usando as técnicas de cálculo de limites
para sucessões definidas por recorrência, obtemos lim un = 1 (cf. Exercı́cio 34 da Ficha 1).
Concluı́mos então que
0,9999 . . . = 1,
ou seja, demos significado à soma de infinitas parcelas
0,9 + 0,09 + 0,009 + 0,0009 + 0,00009 + . . .
através do conceito central da análise - o limite!

A ideia expressa no exemplo anterior é a usada para definir somas de infinitas parcelas a que
chamamos Série.
Definição 1.29 Dada uma sucessão de números reais (an ), com n ∈ N, chamamos sucessão
das somas parciais (Sn ) à sucessão cujo termo geral é
n
X
Sn = a1 + a2 + . . . + an = ak , n ∈ N.
k=1

Chamamos série numérica ao par de sucessões (an , Sn ) e representamos por



X X
an ou an .
n=1 n≥1

À sucessão (an ) chamamos termo geral da série.

Por vezes a sucessão (an ) está definida em Np , com p ∈ N0 , e nesses casos a série é represen-

X X
tada por an ou por an . Muitas vezes, por uma questão de simplificação de linguagem,
n=p n≥p
em vez de série numérica dizemos apenas série, como na frase anterior.

Exemplos.

X 1
1) O termo geral da série é an = n21+3 e a sucessão das somas parciais é
n=1
+ n2
3
1 1 1
Sn = a1 + a2 + . . . + an = + + . . . + 2 , com n ∈ N.
4 7 n +3

(−1)n n
é an = (−1)
X
2) O termo geral da série n 2n e a sucessão das somas parciais é
n=3
2
1 1 (−1)n
Sn = a3 + a4 + . . . + an = − + + ... + , com n ∈ N3 .
8 16 2n
∞ 
1
X 
3) O termo geral da série (−1)n sin(n) + n é an = (−1)n sin(n) + 21n e a sucessão das
n=2
2
1 1 1
somas parciais é Sn = a2 + a3 + . . . + an = sin 2 + − sin 3 + + . . . + (−1)n sin(n) + n , com
4 8 2
n ∈ N2 .
4) (A subsucessão dos termos de ordem par da sucessão das somas parciais de uma série.)

X
Considere-se a série an . O termo geral da sucessão das somas parciais da série é
n=1
Sn = a1 + a2 + . . . + an , n ∈ N.
A sucessão (Sn ) tem os termos: S1 , S2 , S3 , S4 , . . .. A subsucessão dos termos de ordem par
de (Sn ) é a sucessão (S2n ) cujo termo geral é
S2n = a1 + a2 + . . . + a2n , n ∈ N,
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20
e cujos termos são: S2 , S4 , S6 , S8 , . . ..

X
Vejamos um exemplo concreto. Consideremos a série (n + 2). O termo geral desta série
n=1
é an = n + 2, e o termo geral da sucessão das somas parciais é
Sn = a1 + a2 + . . . + an = 3 + 4 + 5 + . . . + (n + 2), n ∈ N.
Atendendo a que a soma anterior é a soma de n termos de uma progressão aritmética vale
3 + (n + 2) n(n + 5)
Sn = n= , n ∈ N.
2 2
Assim, S1 = 3, S2 = 7, S3 = 12, S4 = 18, . . .
Temos também
S2n = a1 + a2 + . . . + an + . . . + a2n = 3 + 4 + 5 + . . . + (n + 2) + . . . + (2n + 2), n ∈ N.
Observe-se que para obter o termo geral de (S2n ), somamos todos os termos de (an ), desde
a1 a a2n . Obtemos então
3 + (2n + 2)
S2n = 3 + 4 + 5 + . . . + (2n + 2) = 2n = (2n + 5)n, n ∈ N.
2
Naturalmente esta expressão coincide com a que se obtém da expressão encontrada para Sn ,
substituı́ndo n por 2n.
X
Definição 1.30 Dizemos que uma série numérica an é convergente se a sucessão das
n≥p
somas parciais (Sn ) é convergente. Neste caso, ao valor real S = lim Sn chamamos soma da
série e escrevemos

X
an = S.
n=p
Caso contrário a série diz-se divergente.
Indicar a natureza de uma série é indicar se a série é convergente ou divergente.

Exemplos.

X
1) A sucessão das somas parciais da série (4 − 2n) é a soma de n termos de uma progressão
n=1
aritmética,
2 + 4 − 2n
Sn = 2 − 2 − 4 − 6 − 8 − 10 − 12 − . . . + (4 − 2n) = n = 3n − n2 , n ∈ N,
2
então Sn → −∞, logo a série é divergente.

X (−1)n
2) Observamos que a sucessão das somas parciais da série é a soma de (n − 2) termos
n=3
2n
 
de uma progressão geométrica, de razão − 12 , pelo que
 n−2
1
1 1 (−1)n 1 1 − −2
Sn = − + + ... + = − ·   , n ∈ N3 .
8 16 2n 8 1 − − 21
1 1
Assim, Sn → − 12 , logo a série é convergente e a sua soma é − 12 .

X
3) Consideremos a série cujo termo geral é a sucessão constante an = 5 (n ∈ N), 5. A
n=1
sucessão das somas parciais é
Sn = |5 + 5 +{z. . . + 5} = 5n → +∞.
n parcelas

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21
Assim a série é divergente. Observamos que o termo geral é convergente (pois an → 5), mas a
série é divergente, dado que Sn → +∞.

Do estudo da álgebra dos limites resulta a próxima proposição a que nos referiremos como
álgebra das séries.

Proposição 1.31 Seja p ∈ N0 .



X ∞
X ∞
X
1. Se an e bn são duas séries convergentes, então a série (an + bn ) também é
n=p n=p n=p
convergente e tem-se

X ∞
X ∞
X
(an + bn ) = an + bn .
n=p n=p n=p


X ∞
X
2. Dado λ ∈ R \ {0}, as séries an e λan têm a mesma natureza e tem-se
n=p n=p


X ∞
X
λan = λ an .
n=p n=p

Observação. A soma de duas séries divergentes pode ser uma série convergente. Como exercı́cio
procure exemplos desta situação. Qual a natureza de uma série que resulta da soma de uma
série convergente com uma divergente? Depende das séries envolvidas?

Prova da Proposição 1.31. Suponhamos que p = 1, por uma questão de simplificação de


escrita. ∞ X
1) Sejam (An ) a sucessão das somas parciais da série an , A = lim An (∈ R), (Bn ) a
n=1

X
sucessão das somas parciais da série bn , B = lim Bn (∈ R) e (Sn ) a sucessão das somas
n=1

X
parciais da série (an + bn ). Assim
n=1

Sn = (a1 + b1 ) + (a2 + b2 ) + . . . + (an + bn ), n ∈ N.

Como temos um número finito de parcelas, podemos usar as propriedades comutativa e associ-
ativa da adição e vem

Sn = (a1 + a2 + . . . + an ) + (b1 + b2 + . . . + bn ) = An + Bn → A + B.

Concluı́mos então que



X ∞
X ∞
X
(an + bn ) = an + bn .
n=1 n=1 n=1

2) Para provar a segunda propriedade basta observar que

(λa1 ) + (λa2 ) + . . . + (λan ) = λ(a1 + a2 + . . . + an ) = λSn , n ∈ N,



X ∞
X
donde se deduz que as sucessões das somas parciais de an e de λan ou são ambas conver-
n=p n=p
gentes ou são ambas divergentes, pelo que as respectivas séries têm a mesma natureza. Também
da observação feita se conclui a propriedade enunciada.
Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

22
Decidir se uma série é ou não convergente é decidir se a sucessão das somas parciais é
convergente. De uma forma geral e directamente, esta decisão é muito difı́cil, já que o termo
geral de (Sn ) tem um número de parcelas que depende de n, e que na maioria das vezes não
conseguimos reduzir a uma expressão simples, o que dificulta o cálculo do limite. Em muitos
casos recorremos a resultados teóricos (critérios) que, com base na estrutura da série, nos dizem
se estamos perante uma série convergente ou divergente. Porém, esses critérios não nos dão
indicação sobre o valor da soma da série. Há, no entanto, dois tipos de séries em que usando
métodos elementares é possı́vel calcular o valor da soma. Usando séries de funções, como as
que vamos aprender no capı́tulo 5, e com outras (conteúdos de Análise Matemática III/Cálculo
Diferencial e Integral III) é possı́vel determinar a soma de uma maior diversidade de séries.
Vejamos então os dois casos simples.

X
Chamamos série geométrica de razão r ∈ R a uma série da forma rn . O nome desta
n=p
série advém do facto do seu termo geral ser uma progressão geométrica (de razão r).

As séries ∞ ∞  ∞ ∞  n
1 n 1

(−1)n
X X X X
3n , − , e
n=2 n=3
5 n=0 n=1
2
1 1
são exemplos de séries geométricas com r respectivamente igual a 3, − , −1 e .
5 2

X
Proposição 1.32 A série geométrica rn é convergente se, e só se, |r| < 1, tendo-se neste
n=p
caso ∞
X rp
rn = .
n=p 1−r

X
Prova. Sejam r ∈ R e (Sn ) a sucessão das somas parciais da série rn .
n=p
Se r = 1 , então Sn = |1 + 1 +{z. . . + 1} = n − p + 1 → +∞, logo a série geométrica de razão 1
n−p+1 parcelas
diverge.
Consideremos agora r 6= 1. Usando a fórmula da soma de n − p + 1 termos consecutivos de
uma progressão geométrica obtemos
1 − rn−p+1
Sn = rp + rp+1 + . . . + rn = rp 1 + r + . . . + rn−p = rp

, n ∈ Np ,
1−r
donde se conclui que (Sn ) converge se, e só se, |r| < 1, tendo-se nesse caso
rp
lim Sn = . 
1−r

X
Da proposição anterior sai que, se |r| ≥ 1, a série geométrica rn é divergente.
n=p

Exemplos.
X 1 1
30 3
1. é uma série geométrica de razão 13 , logo convergente, e a sua soma é 1 = .
n≥0
3n 1− 3
2

X 1 1
52 1
2. é uma série geométrica de razão 15 , logo convergente, e a sua soma é 1 = .
n≥2
5n 1− 5
20

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23
3. Escrever a dı́zima infinita periódica 2, (51) na forma de fracção irredutı́vel.
Temos

2,(51) = 2+0,(51) = 2+0,51+0,0051+0,000051+. . . = 2+51(0,01+0,0001+0,000001+. . .).

Podemos ainda escrever


1 1 1 1 1 1 1
0,01+0,0001+0,000001+. . . = + + +. . . = 2 + 4 + 6 +. . .+ 2n +. . .
100 10000 1000000 10 10 10 10

Ora ∞ ∞ n
1 1 1 1 1 1
X X 
2
+ 4
+ 6
+ . . . + 2n
+ . . . = 2n
= .
10 10 10 10 n=1
10 n=1
102
∞ 
1 n
X 
1
Como é uma série geométrica de razão 102
, é convergente, e a sua soma é
n=1
102
 1
1
102 1
1 = .
1− 102
99
Assim
1
0,01 + 0,0001 + 0,000001 + . . . = ,
99
donde
1 198 + 51 249 83
2,(51) = 2 + 51(0,01 + 0,0001 + 0,000001 + . . .) = 2 + 51 · = = = .
99 99 99 33


X
Chamamos série telescópica ou série de Mengoli a uma série que tem a forma (un −un+1 ),
n=p
onde (un ) é uma sucessão de números reais, com p ∈ N0 e n ∈ Np .

O termo geral da sucessão das somas parciais (Sn ) das séries de Mengoli da forma anterior é
Sn = up − un+1 pelo que a série converge se, e só se, (un ) for convergente, tendo-se, nesse caso,
que a soma da série é S = up − lim un . A prova deste resultado é um exercı́cio simples.

Exemplos.

!
X 2n5 2(n + 1)5 2n5
1) A série − é uma série de Mengoli com un = ,
n=2
n5 + 7n (n + 1)5 + 7n + 7 n5 + 7n
n ∈ N2 , e a sua soma é

26 2(n + 1)5 26 28 14
S = u2 − lim un+1 = − lim = −2=− =− .
25 + 14 (n + 1)5 + 7n + 7 25 + 14 46 23

2) O termo geral de uma série de Mengoli nem sempre aparece escrito na forma un − un+1 .
Nesses casos é necessário fazer uma manipulação algébrica, para que o reconhecimento seja
feito, e 
para que mais facilmente se possa determinar a sua soma. Vejamos um exemplo. A série
X n
log é uma série de Mengoli, pois
n≥2
n + 1

n
X   X
log = [log n − log(n + 1)] .
n≥2
n+1 n≥2

O termo geral da série dada pode então ser escrito como an = log n − log(n + 1) e considerando
un = log n temos an = un − un+1 . Assim
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24
Sn = up − un+1 = log 2 − log(n + 1), n ∈ N2 ,
donde
lim Sn = −∞.
A série dada é divergente (a sucessão (un ) é divergente).
O próximo item exemplifica duas formas de fazer a manipulação para um determinado tipo
de expressões racionais.
1
3) Escrever a expressão racional , com n ∈ N0 , como soma de fracções da forma
(n + 1)(n + 3)
A B
e , onde A e B são números reais.
n+1 n+3
Queremos então que
1 A B
= + . (2)
(n + 1)(n + 3) n+1 n+3
Reduzindo ao mesmo denominador o lado direito de (2) vem
1 A(n + 3) + B(n + 1) (A + B)n + 3A + B
= = .
(n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3)
| {z } | {z }
(∗) (∗∗)

Ora, (*) e (**) são duas fracções com o mesmo denominador, logo são iguais se, e só se, os
numeradores forem iguais, ou seja, se
1 = (A + B)n + 3A + B, ∀n ∈ N0 . (3)
A identidade anterior é uma igualdade entre duas expressões polinomiais (em n), pelo que é
verificada, se, e só se,
A+B =0 (não há termo em n do lado esquerdo de (3))
e
3A + B = 1 (o termo independente do lado esquerdo de (3) é 1).
Concluimos então que B = −A, logo A = 1/2 e B = −1/2. Podemos então escrever
1 1
1 1 1 1
 
= 2 − 2 = − . (4)
(n + 1)(n + 3) n+1 n+3 2 n+1 n+3
Existem várias técnicas para escrever a expressão racional dada na forma (4). Ao procedimento
anterior chamamos o método dos coeficientes indeterminados. Vejamos agora outra forma de
obter (4). Os factores do denominador da fracção dada são (n + 1) e (n + 3). Temos então que
a sua diferença é dois ((n + 3) − (n + 1) = 2). Assim escrevemos
1 1 2 1 (n + 3) − (n + 1) 1 (n + 3) (n + 1)
 
= = = − .
(n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3)
Obtemos então
1 1 (n + 3) (n + 1) 1 1 1
   
= − = − .
(n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3) 2 n+1 n+3
X 1
4) Calcule a soma da série .
n≥1
(3n + 1)(3n + 4)
Temos que (3n+4)−(3n+1) = 3. Aplicando o segundo procedimento descrito no ponto anterior,
vem
1 1 3 1 (3n + 4) − (3n + 1) 1 1 1
 
= = = − .
(3n + 1)(3n + 4) 3 (3n + 1)(3n + 4) 3 (3n + 1)(3n + 4) 3 3n + 1 3n + 4

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25
1 1 1
Seja un = , então un+1 = = , com n ∈ N. Assim
3n + 1 3(n + 1) + 1 3n + 4
1 1X 1 1 1X
X  
= − = (un − un+1 ).
n≥1
(3n + 1)(3n + 4) 3 n≥1 3n + 1 3n + 4 3 n≥1
X
1
A soma da série de Mengoli (un − un+1 ) é u1 − lim un+1 = 3+1 − 0 = 41 , logo a soma da série
n≥1
dada é
1 1 1
S= · = .
3 4 12
5) Vamos calcular a soma da série
X (n + 1)(n + 3)
log .
n≥2
(n + 2)2

Seja n ∈ N2 . Temos que


(n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3) n+1 n+3
an = log 2
= log = log + log ,
(n + 2) (n + 2)(n + 2) n+2 n+2
logo
n+1 n + 2 −1 n+1 n+2
 
an = log + log = log − log .
n+2 n+3 n+2 n+3
n+1
Assim, considerando un = log obtemos que an = un − un+1 , pelo que a série dada é uma
n+2
série de Mengoli (convergente) e a sua soma S é
X 3
S= an = u2 − lim un+1 = log .
n≥2
4

Pergunta 3. Seja (un ) uma sucessão convergente. Dados p, k ∈ N0 , qual é a soma da série

X
(un − un+p )?
n=k

X ∞
X
Proposição 1.33 Seja j ∈ N . Então an converge se, e só se, an converge. No caso em
n=0 n=j

X ∞
X
que há convergência verifica-se que, se an = S, então an = S − (a0 + a1 + . . . + aj−1 ) e
n=0 n=j

X ∞
X
se an = M , então an = M + (a0 + a1 + . . . + aj−1 ).
n=j n=0


X
Prova. Sejam (Sn ), com n ∈ N0 , a sucessão das somas parciais da série an e (Tn ), com
n=0

X
n ∈ Nj , a sucessão das somas parciais da série an . Dado n ∈ N0 tal que n ≥ j tem-se
n=j

Sn = a0 + a1 + . . . + aj−1 + aj + . . . + an = a0 + a1 + . . . + aj−1 +Tn ,


| {z }
é constante
pois Tn = aj + . . . + an . Assim, podemos escrever

Sn = C + Tn ,

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26
onde C é a constante a0 + a1 + . . . + aj−1 . Concluı́mos então que (Sn ) é convergente se, e só se,
(Tn ) é convergente e que em caso de convergência

lim Sn = C + lim Tn

o que conclui a demonstração. 

A propriedade anterior diz-nos que a natureza de uma série não é afectada pelos “primeiros
termos” que se considera da sucessão (an ) e em simultâneo põe em evidência o facto da soma
da série depender de todos os termos, pelo que, quando queremos calcular a soma de uma série
é fundamental indicar onde é que a série começa. Assim, quando estamos apenas a estudar
P
a convergência de uma série, muitas vezes referimo-nos simplesmente à série an , pois a sua
natureza não é afectada pela ordem do termo inicial.
O teorema que se segue dá-nos uma condição necessária (mas não suficiente) para a
convergência de uma série.

Teorema 1.34 (Condição necessária de convergência)



X
Se a série an converge, então lim an = 0.
n=1

Observações.
1) Resulta do teorema anterior que se lim an 6= 0 ou se não existir o limite de (an ), então a série

X
an é divergente.
n=1
2) Se o termo geral de uma série converge para zero,nada se conclui sobre a sua natureza a
X n
partir apenas desse facto. Por exemplo, a série log é uma série divergente e o seu
n≥2
n+1
 
n
termo geral an = log n+1 converge para zero.
3) O teorema anterior está enunciado para uma série cujo primeiro ı́ndice é 1, mas o resultado
não depende do ı́ndice em que a série começa.
Exemplos.
X
1. 5n , temos an = 5n → +∞, logo a série é divergente, pois o termo geral não converge
n≥1
para zero.
n+5
X 7 
7
n+5
2. 1+ , temos an = 1 + n+5 → e7 6= 0, logo a série é divergente.
n≥6
n+5
(
X 3, se n é par,
3. (2 + cos(nπ)), temos an = então (an ) não é convergente, logo a
1, se n é impar,
n≥2
série dada é divergente.

X
Prova do Teorema 1.34. Seja (Sn ), com n ∈ N, a sucessão das somas parciais da série an .
n=1
Como a série é convergente, existe S ∈ R tal que S = lim Sn . Também (Sn−1 ), com n é ∈ N2 ,
uma sucessão convergente e S = lim Sn−1 (recordar que qualquer subsucessão de uma sucessão
convergente é convergente e tem o mesmo limite). Então lim(Sn − Sn−1 ) = 0. Como

Sn − Sn−1 = a1 + . . . + an − (a1 + . . . + an−1 ) = an ,

conclui-se o resultado
0 = lim(Sn − Sn−1 ) = lim an . 
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27
Como já referimos, na maioria dos casos não sabemos calcular a soma de uma série conver-
gente. Podemos então usar o valor de um dado termo da sucessão das somas parciais como valor
aproximado da soma, cometendo um erro que é tanto menor quanto maior for a ordem do termo
da sucessão das somas parciais considerado. Estas ideias estão concretizadas na definição que
se segue.

X
Definição 1.35 Sendo an uma série convergente, para cada m ≥ p chama-se resto de
n=p
ordem m ao número real rm dado por

X
rm = an .
n=m+1

Tem-se então ∞ m
X X
an = an + rm ,
n=p n=p

o que mostra que rm → 0, quando m → +∞, e também que rm é o erro cometido ao aproximar
a soma da série pela soma parcial Sm .

1.3.3 Critérios de convergência para séries de termos não negativos


“Divergent series are the invention of the Devil, and it is shameful to base on them any demons-
tration whatsoever.”
N. H. Abel (1802-1829)

Nesta secção vamos apresentar resultados que só se aplicam a séries cujo termo geral é uma
sucessão de números não negativos.

Teorema 1.36 Sejam p ∈ N e n≥p an uma série de termos não negativos. Então a série
P

converge se, e só se, a sucessão das somas parciais é majorada.


P
Prova. Começamos por mostrar que (Sn ), a sucessão das somas parciais de an , é uma
sucessão monótona crescente, já que a série é de termos não negativos. Ora
Sn+1 − Sn = ap + ap+1 + . . . + an+1 − (ap + ap+1 + . . . + an ) = an+1 ≥ 0, ∀n ≥ p.
Concluimos também que
Sp ≤ Sn , ∀n ≥ p. (5)
P
Se an é convergente, então, por definição, (Sn ) é convergente. Como toda a sucessão
convergente é limitada, então, em particular, (Sn ) é majorada.
Reciprocamente, suponhamos que (Sn ) é majorada. Atendendo a (5), (Sn ) também é mino-
rada. Assim, a sucessão das somas parciais é monótona e limitada, logo é convergente, pelo que
P
a série an é convergente.

Nota. Observe-se que numa série de termos positivos (não negativos) a sucessão das somas
parciais é estritamente crescente (crescente).
X 1
Prova-se que a série , designada por série harmónica, é divergente. Esta série pertence
n
n≥1
à classe das chamadas séries de Dirichlet, que são séries da forma
X 1
,

sendo válido o resultado que se segue.
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28
X 1
Proposição 1.37 A série de Dirichlet é convergente se, e só se, α > 1.

Se α ≤ 0, o resultado anterior sai do Teorema 1.34, já que o termo geral não converge para
zero. Vamos ver resultados que permitem concluir facilmente a prova nos casos 0 < α < 1 e
α ≥ 2. Os casos remanescentes exigem uma análise mais sofisticada.

O conhecimento da natureza das séries de Dirichlet é fundamental no estudo da natureza


das séries numéricas, já que alguns critérios, como vamos ver, decidem a natureza de uma série
por algum tipo de comparação com séries cujo comportamento é conhecido. Assim, estas séries
conjuntamente com as séries geométricas e as séries de Mengoli vão constituir a nossa base de
dados para as comparações que necessitamos de fazer.

Notação. Escrevemos abreviadamente an ∼ bn sempre que an e


P P P P
bn forem duas séries
com a mesma natureza.
Por exemplo
X 1 X 87 X 1 X 12
∼ e − √ ∼ −√ .
n5 n5 3
n 3
n
P P
Teorema 1.38 (Critério de comparação de termos gerais) Sejam an e bn duas séries
de termos não negativos e suponha-se que a partir de certa ordem se tem

an ≤ bn .

Então
P P
1. se bn converge, então também an converge.
P P
2. se an diverge, então também bn diverge.

Prova. Tratando-se de séries de termos não negativos, as sucessões das somas parciais são
convergentes se, e só se, são majoradas (cf. Teorema 1.36).
P P
Designemos por (An ) e (Bn ) as sucessões das somas parciais de an e bn , respectivamente.
Sem perda de generalidade, suponhamos que an ≤ bn , para todo o n (caso contrário basta
considerar as séries que começam no ı́ndice a partir do qual a desigualdade se verifica). Assim,

An ≤ Bn , ∀n. (6)
P
1. Se bn converge, então, pelo Teorema 1.36, (Bn ) é majorada, ou seja, existe M > 0 tal
que Bn ≤ M , para todo o n, logo, por (6), também (An ) é majorada. Novamente pelo
Teorema 1.36 concluimos que (An ) é convergente, portanto, por definição, também a série
P
an é convergente.
P
2. Suponhamos agora que an é divergente. Então, pelo Teorema 1.36, a sucessão (An ) não
é majorada. Temos que (An ) é uma sucessão monótona crescente (An+1 −An = an+1 ≥ 0),
e como não é majorada, então tende para +∞.
De (6) concluimos que também Bn → +∞ e, consequentemente,
P
bn é divergente. 

O critério anterior permite tirar conclusões sobre a natureza de uma série, através da com-
paração do termo geral da série em estudo com o termo geral de uma série cuja natureza é
conhecida, desde que esteja estabelecida uma relação de ordem conveniente entre os dois termos
gerais. Nem sempre essas relações são fáceis de obter. Uma forma alternativa de obter as con-
clusões do critério, consiste no cálculo do limite do quociente entre os termos gerais em causa,
como nos diz o próximo resultado.
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29
P P
Corolário 1.39 (Corolário do critério de comparação) Sejam an e bn duas séries de
an
termos não negativos, com bn 6= 0, e suponha-se que existe lim = L ∈ R. Então
bn
1. se 0 < L < +∞, (em particular tem-se an ∼ Lbn ), as duas séries são da mesma natureza,
isto é, ambas convergem ou ambas divergem.
P P
2. se L = 0 (em particular, an < bn a partir de certa ordem) e bn converge, então an
converge.
P
3. se L = +∞, (em particular tem-se, an > bn a partir de certa ordem), e bn diverge,
P
então an diverge.
Observe-se que, no teorema anterior, apenas no caso 1 as duas séries têm a mesma natureza.
P P
Se L = 0 e bn diverge, nada se conclui quando à natureza da série an e o mesmo se passa
P
quando L = +∞ e bn converge. Exemplos destas situações são trabalhados no exercı́cio 44
da Ficha 1.
De forma análoga à prova do corolário anterior, prova-se que, dadas sucessões (an ) e (bn )
de termos não negativos tais que an ∼ Lbn , com L ∈ R+ , então as séries
P P
an e bn são da
mesma natureza. Quando as séries que pretendemos estudar estão na situação do corolário do
critério de comparação, frequentemente usamos esta última formulação, por ser mais expedita.
Vejamos o exemplo que se segue. Como
5n2 + n 5n2 5
√ ∼ 4 = 2,
8
n + 4n − 1 n n
X 5n2 + n X 5
então as séries √ e são da mesma natureza, como a segunda é convergente
n8 + 4n − 1 n2
(múltipla de uma série de Dirichlet com α = 2) a primeira também o é.
Existem outros critérios de comparação (critério de comparação de razões, por exemplo),
mas como não são estudados neste curso, referir-nos-emos ao critério de comparação de termos
gerais apenas como critério de comparação.

1.3.4 Outros critérios de convergência


Nesta secção vamos considerar séries em que o termo geral é uma sucessão que pode ter termos
positivos e termos negativos, sendo o enfoque naquelas em que o termo geral muda de sinal uma
infinidade de vezes.
Observe-se que, se o termo geral de uma série a partir de certa ordem só assume valores
negativos, então estuda-se a série dos termos simétricos (portanto, uma série de termos positivos),
a partir dessa ordem.
|an | converge, então o mesmo sucede com
P P
Teorema 1.40 Dada uma série an , se a série
P
a série an .
Prova. Sem perda de generalidade, suponhamos que a série dada começa em n = 1. Temos
−|an | ≤ an ≤ |an |, ∀n ∈ N,
somando |an | em cada lado das desigualdades vem
|an | − |an | ≤ |an | + an ≤ |an | + |an | ⇔ 0 ≤ |an | + an ≤ 2|an |, ∀n ∈ N.
Como |an | é convergente, também 2|an | é convergente (Proposição 1.31 2.). Atendendo à
P P

última desigualdade, do critério de comparação sai que (|an | + an ) é convergente.


P

Também do ponto 2. da Proposição 1.31 concluimos que (−|an |) é convergente, e do ponto


P
P
1. da mesma proposição sai que an é convergente, já que resulta da soma de séries convergentes:
X X
(|an | + an + (−|an |)) = an .

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30
|an | é uma série de termos não negativos pelo que a sua
P
Observações. 1) Observe-se que
natureza pode eventualmente ser determinada recorrendo a um dos critérios estudados na secção
anterior.
|an | converge, mas nada nos diz sobre a
P
2) O teorema anterior diz-nos o que acontece se
natureza de an no caso em que |an | é divergente. Tudo pode acontecer.
P P

|an | chamamos a série dos módulos da série


P P
Definição 1.41 À série an .
P
A série an diz-se absolutamente convergente se a série dos módulos for convergente.
Uma série convergente que não seja absolutamente convergente diz-se simplesmente conver-
gente, ou seja, an é simplesmente convergente quando a série |an | diverge e a série an
P P P

converge.

Toda a série absolutamente convergente é convergente, mas há séries convergentes que não são
absolutamente convergentes, como iremos ver.
O quadro que se segue resume as definições anteriores.

|an | é convergente
P P P
Se an convergente então an diz-se absolutamente convergente.

|an | é divergente e
P P P
Se an é convergente então an diz-se simplesmente convergente.

P
q da Raiz ou de Cauchy, 1821) Seja
Teorema 1.42 (Critério an uma série e suponha-se
n
que existe o limite lim |an |.
q
n
|an | < 1, então
P
1. Se lim an é absolutamente convergente.
q
n
|an | > 1, então
P
2. Se lim an é divergente.

Observações.
1) Usamos a notação lim an = 1+ ou an → 1+ quando a sucessão (an ) tem limite 1 e a partir de
certa ordem é maior ou igual a 1, ou seja, simbolicamente

lim an = 1+ ⇔ lim an = 1 e ∃p ∈ N0 : ∀n ∈ Np , an ≥ 1.
q
n
|an | = 1 nada se pode concluir. A série
P
2) Nas condições do critério anterior, se lim an
1+ ,
p
n
pode ser convergente ou divergente. No entanto, se |an | → então pode concluir-se que a
série é divergente.
P
Teorema 1.43 (Critério da Razão ou de D’Alembert) Seja an uma série e suponha-se
an+1
que existe o limite lim .
an

an+1
1. Se lim < 1, então P an converge absolutamente.
an

an+1
2. Se lim
> 1, então P an diverge.
a n

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31
Observações.
1) À semelhança
do critério da
raiz, também o critério da razão é inconclusivo se o limite
an+1 an+1 +
lim a → 1 , pode concluir-se que a série em estudo diverge.
= 1. No entanto se
an
n
an+1 q
2) Mostra-se que se lim = L, então também lim n |an | = L pelo que, se o critério da
an P
razão for inconclusivo para determinar a natureza da série an , o critério da raiz também o é.
3) Os dois critérios anteriores são muito úteis pois podem ser aplicados a séries independente-
mente do sinal do seu termo geral.

Como aplicação do teorema anterior e da sua prova temos as propriedades que se seguem.

an+1
• Se lim < 1, então lim an = 0.
an

an+1
• Se lim > 1, então lim |an | = +∞.
an
Definição 1.44 Chama-se série alternada a uma série da forma (−1)n an onde an > 0,
P

∀n ∈ N. Assim, os termos de uma série deste tipo são alternadamente positivos e negativos.
Exemplo.
X 1 1 1 1 1
(−1)n = − + − + ...
n≥2
n2 4 9 16 25

Proposição 1.45 (Critério de Leibniz, 1682) Seja (an ) uma sucessão decrescente de números
positivos tal que lim an = 0. Então a série (−1)n an é convergente.
P

Observações relativas a séries alternadas.


  n
 1 , se n é par,
 2 n+1
X
n
1. Considere a série alternada (−1) an , onde an = Temos
1
n≥1

3 , se n é impar.
que
 n
1
|an | ≤ , ∀n ∈ N. (7)
2
X  1 n
Como é uma série geométrica de razão 12 , é convergente. Então, de (7), pelo
2
critério de comparação, a série dada é absolutamente convergente.
2. A sucessão (an ) do exemplo anterior não é uma sucessão monótona, pois
a1 < a2 > a3 < a4 > a5 . . .
1 1 1 1 1
(a1 = 9, a2 = 4, a3 = 81 , a4 = 16 , a5 = 729 .)
Assim, temos um exemplo de uma série alternada que é convergente e a sucessão (an )
não é decrescente. Esta situação ilustra que há séries alternadas que não estão nas
condições do Critério de Leibniz ( (−1)n an , com an ≥ 0, (an ) & e lim an = 0) e que
P

são convergentes, ou seja, a condição na Proposição 1.45 que pede que sucessão (an )
seja decrescente, não é uma condição necessária para a convergência da série, é apenas
suficiente.
Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

32
Prova da Proposição 1.45. Para completar a prova deste critério siga os passos que se seguem.
1. Calcule S2n+2 − S2n e conclua que (S2n ) é decrescente.
2. Mostre que −a1 ≤ S2n ≤ 0, para todo o n.
(Sugestão: Observe que ak − ak+1 ≥ 0, para todo o k, e que
S2n + a1 = a2 − a3 + a4 − a5 + . . . + a2n−2 − a2n−1 + a2n .)

3. De 1. e 2. conclua que (S2n ) é convergente.


4. Observando que S2n+1 = S2n + (−1)2n+1 a2n+1 , conclua que também (S2n+1 ) é convergente
e que lim S2n = lim S2n+1 .
(−1)n an é convergente.
P
5. Conclua que (Sn ) é convergente, ou seja, que a série

O último resultado desta secção permite-nos estimar o erro que se comete quando numa série
alternada convergente, de soma S, se usa a soma parcial de ordem m para aproximar S.

X
Proposição 1.46 Dado p ∈ N0 , seja (−1)n an uma série alternada convergente, com (an )
n=p
decrescente, e seja S a sua soma. Então
|rm | = |Sm − S| ≤ am+1 , ∀m ∈ Np .

Prova. Temos ∞
X
rm = (−1)n an .
n=m+1

Ora, o resto de ordem m, rm , é a soma de uma série convergente (por definição). Seja (An ) a
sucessão das somas parciais dessa série, ou seja,
An = (−1)m+1 am+1 + . . . + (−1)n an , n ∈ Nm+1 ,
logo limn→+∞ An = rm .
Multiplicando An por (−1)m+1 vem
(−1)m+1 An = am+1 − am+2 + . . . + (−1)m+1+n an , n ∈ Nm+1 . (8)
Como a sucessão (an ) é decrescente, então am+1 − am+2 ≥ 0, am+3 − am+4 ≥ 0 e assim sucessi-
vamente, logo
(−1)m+1 An ≥ 0
(observe-se que em (8) ou se tem uma soma de parcelas que são todas diferenças da forma
ai − ai+1 ou a última parcela é apenas da forma +aj que é um termo não negativo). Temos
também
(−1)m+1 An − am+1 = −am+2 + am+3 + . . . + (−1)m+1+n an .
Como a sucessão (an ) é decrescente, então −am+2 + am+3 ≤ 0, −am+4 + am+5 ≤ 0 e assim su-
cessivamente, pelo que
(−1)m+1 An − am+1 ≤ 0 ⇒ (−1)m+1 An ≤ am+1 .
Podemos escrever a implicação que se segue, por passagem ao limite em n,
0 ≤ (−1)m+1 An ≤ am+1 ⇒ 0 ≤ (−1)m+1 rm ≤ am+1 .
Concluı́mos que
|(−1)m+1 rm | = |rm | = |Sm − S| ≤ am+1 , ∀m ∈ Np .
Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

33
A escolha do critério - alguns indicadores
Quando se pretende determinar a natureza de uma série o que devemos fazer? O procedimento
genérico é o que se descreve seguidamente.
1. Começar por verificar se o termo geral da série converge para zero, se o cálculo for rela-
tivamente simples. Caso o limite não seja zero ou não exista, sabemos de imediato que
a série é divergente e o estudo termina. Caso seja zero, teremos de usar um dos critérios
estudados.
2. Em seguida, estudar a série dos módulos, caso o termo geral mude de sinal uma infinidade
de vezes, usando um critério adequado. Se esta for convergente, também a série dada será
convergente e o estudo termina. Se a série dos módulos for divergente, o estudo continua.
Perante a descrição anterior surge naturalmente a pergunta “Que critério usar?”. Nalguns casos
a estrutura do termo geral tem indicadores que nos ajudam nessa escolha e que listamos segui-
damente.
1) Se o termo geral (an ) (an ≥ 0) for uma função racional, então devemos usar o corolário 1.39,
escolhendo uma série de Dirichlet cujo termo geral seja assintoticamente igual a (an ).
Exemplo:
4n5 + 7 4
an = 8 ∼ 3.
9n + 2 9n
X 4 4 X 1 X 4n5 + 7
Como a série = é convergente também é convergente.
9n3 9 n3 9n8 + 2
2) Se termo geral for do tipo an = unn , então, em geral, o critério da raiz é o mais indicado.
Exemplo: n
2 + sin n 1 √ 2 + sin n 1

an = 2
+ , n an = 2
+ → 0 < 1,
n n+4 n n+4
P
logo, pelo critério da raiz a série an é convergente.
3) Se termo geral (an ) envolver produtos, em que o número de factores envolvido varie com n,
como por exemplo factoriais ou potências, então a escolha deve recair sobre o critério da razão.
Veja-se o exemplo seguinte.
(2n)! an+1 10n (2n + 2)! (2n + 2)(2n + 1)
an = , = = → +∞
10n an 10n+1 (2n)! 10
P
então, pelo critério de D’Alembert, a série an é divergente.
4) Se (an ) não for uma sucessão de termos positivos, começamos por estudar a série dos módulos.
No caso desta última ser divergente, então teremos de estudar a série dada. O critério de Leibniz
dá resposta a algumas situações. Veja-se o próximo exemplo.
n n 1 X1 X
an = (−1)n , |an | = ∼ e é divergente, então |an | é divergente.
n2 +1 n2 +1 n n
Como n2n+1 → 0 e é uma sucessão decrescente, pelo critério de Leibniz, a série
P
an é conver-
gente. Trata-se, portanto, de uma série simplesmente convergente ( |an | divergente e
P P
an
convergente).

Exemplos. Vamos determinar a natureza das séries que se seguem.


X 5 + (−1)n
1. √ .
n7 + 1 + n
5 + (−1)n
Seja an = √ . Temos que
n7 + 1 + n
Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

34
6 6
0 < an ≤ √ ∼ 7/2 , para todo n ∈ N.
(1) n7 +1+n (2) n
X 6 X 1 X 1
Ora = 6 ∼ , e como esta última série é uma série convergente
n7/2 n7/2 n7/2
7
(série de Dirichlet com α = > 1), de (2), pelo corolário do critério de comparação,
2
X 6
concluı́mos que √ é convergente. Atendendo a (1), o critério de comparação
n7 + 1 + n
permite concluir que a série dada é convergente.
X n4 + 3n2 − 1
2. cos(n6 + 4) .
2n8 + 6n + 4

Como o termo geral muda de sinal uma infinidade de vezes, começamos por estudar a série
dos módulos. Designando por an o termo geral da série vem

n4 + 3n2 − 1 n4 + 3n2 − 1 n4 1
|an | = | cos(n6 + 4)| · 8
≤ 8
∼ 8
= 4. (9)
| {z } 2n + 6n + 4 2n + 6n + 4 2n 2n
≤1

P 1
Ora n4
é uma série convergente (série de Dirichlet com α = 4 > 1), logo de (9), pelo
critério de comparação e pelo seu corolário, concluı́mos que |an | é convergente, ou seja,
P
P
a série an é absolutamente convergente.

Nota. Quando o termo geral de uma série muda de sinal uma infinidade de vezes e a série é
convergente, devemos indicar qual o tipo de convergência: simples ou absoluta.

Respostas às perguntas numeradas


√ √ √
Resposta 1. Nem sempre. [1, 7] ∪ [7, 103] é o intervalo [1, 103], mas [1, 7] ∪ [8, 103]
não é um intervalo (7 e 8 pertencem ao conjunto união, mas nenhum número entre 7 e 8 está
no conjunto).

Resposta 2.
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos negativos e ≥ 1 (resp. > 1), então (un ) é decrescente
un
(resp. estritamente decrescente);
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos negativos e ≤ 1 (resp. < 1), então (un ) é crescente
un
(resp. estritamente crescente).

Resposta 3. A soma é S = uk + uk+1 + . . . + uk+p−1 − p lim un .

Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

35
Sı́ntese da secção

• converge para S se Sn = ap + ap+1 + . . . + an → S;


P
n≥p an

n P∞ n rp
• Série geométrica: converge sse |r| < 1, tendo-se neste caso
P
n≥p r n=p r = 1−r ;

X
• Série de Mengoli: (un − un+1 ), Sn = up − un+1 ;
n=p

• Condição necessária de convergência: Se


P
n≥p an converge, então lim an = 0;
P 1
• (Séries de Dirichlet) nα é convergente se α > 1, e divergente se α ≤ 1;

• Critério de comparação de termos gerais: 0 ≤ an ≤ bn


P P
– se bn converge, então an converge;
P P
– se an diverge, então bn diverge;

• Corolário do Critério de comparação: lim abnn = L ∈ R, an ≥ 0, bn > 0,

– se 0 < L < +∞ (an ∼ Lbn ),


P P
an e bn são da mesma natureza;
P P
– se L = 0 e bn converge, an converge;
P P
– se L = +∞ e bn diverge, an diverge;

• se |an | converge, então


P P
an converge (série absolutamente convergente);

• se |an | diverge e
P P P
an converge, an diz-se simplesmente convergente;

• Critério da Raiz ou de Cauchy:


p
n
|an | < 1, então
P
– se lim an é absolutamente convergente;
p
n
|an | > 1, então
P
– se lim an é divergente;

• Critério da Razão ou de D’Alembert:



an+1 P
– se lim < 1, então an converge absolutamente;
an

an+1 P
– se lim > 1, então an diverge;
a
n

• Critério de Leibniz:
(an ) decrescente, an ≥ 0, lim an = 0, então (−1)n an é convergente.
P


X
• (−1)n an uma série alternada convergente, com (an ) decrescente.
n=p
Então |rm | = |Sm − S| ≤ am+1 , ∀m ∈ Np .

an+1
• Se lim < 1, então lim an = 0.
an

an+1
• Se lim
> 1, então lim |an | = +∞.
a n

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36
2 Limites e continuidade
Neste capı́tulo damos inı́cio ao estudo das funções reais de variável real. Começamos por estudar
as chamadas noções topológicas. Estes conceitos prendem-se com noções de proximidade e estão
fortemente relacionados com o comportamento das ditas funções contı́nuas. Estão integrados
num ramo da matemática chamado Topologia e que é muito importante, nomeadamente quando
precisamos de falar de limites de funções, o conceito central da Análise Matemática.

2.1 Noções topológicas


Definição 2.1 (Vizinhança de um número real) Dados a ∈ R e um número real δ > 0,
chama-se vizinhança de centro em a e raio δ ao conjunto (intervalo)
n o
Vδ (a) = x ∈ R : |x − a| < δ = ]a − δ, a + δ[.

Uma vizinhança do ponto a é qualquer conjunto que contenha uma vizinhança de centro em
a e raio δ, para algum δ > 0.
Exemplos.
1) ]3, 5[=]4 − 1, 4 + 1[ é uma vizinhança de centro em 4 e de raio 1.
2) ]3, 6] é uma vizinhança de 4.
3) [4, 6[ não é uma vizinhança de 4.

Definição 2.2 (Vizinhança do infinito) Seja δ ∈ R. Em R chamamos


vizinhança de +∞ e de raio δ ao intervalo ]δ, +∞] e denotamos por Vδ (+∞);

e vizinhança de −∞ e de raio δ ao intervalo [−∞, δ[ e denotamos por Vδ (−∞).

Definição 2.3 (Noções topológicas) Seja D um conjunto de números reais.


Um ponto a ∈ R diz-se ponto interior a D se existe um número real δ > 0 tal que
Vδ (a) ⊂ D, ou seja, se existe uma vizinhança de a contida em D. Ao conjunto dos pontos
interiores a D chamamos interior de D e escrevemos int D.
Um ponto a ∈ R diz-se ponto exterior a D se existe um número real δ > 0 tal que
Vδ (a) ∩ D = ∅. Ao conjunto dos pontos exteriores a D chamamos exterior de D e escrevemos
ext D.
Um ponto a ∈ R diz-se um ponto fronteiro a D se qualquer vizinhança de a contém pontos
de D e do seu complementar. A fronteira de D, denotada por fr D ou ∂D, é o conjunto dos
pontos fronteiros a D.
Um ponto a ∈ R diz-se um ponto de acumulação de D se existe uma sucessão (xn ) de
pontos de D \ {a} tal que lim xn = a. O conjunto dos pontos de acumulação de D representa-se
por D0 e diz-se o derivado de D. Os pontos de D que não são pontos de acumulação dizem-se
pontos isolados. Dizemos que +∞ (resp. −∞) é um ponto de acumulação de D, em R, se
existe uma sucessão de pontos em D que tenda para +∞ (resp. −∞).

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

37
Dado D ⊆ R tem-se que int D ⊆ D e ext D ⊆ R \ D. Um conjunto diz-se aberto se todos
os seus pontos forem pontos interiores. Um conjunto diz-se fechado se contiver todos os seus
pontos fronteiros. Observe-se que há conjuntos que não são abertos nem fechados.
Exemplos.
1) Todo o intervalo aberto é um conjunto aberto.
2) Todo o intervalo fechado é um conjunto fechado.
3) ]7, 12] não é aberto nem fechado. O mesmo se passa com qualquer intervalo semi-aberto.
4) Vamos determinar o interior, o exterior, a fronteira, o derivado e os pontos isolados dos
conjuntos que se seguem, em R.

1. A =]5, 10[

• Int A =]5, 10[


• Ext A =] − ∞, 5[∪]10, +∞[
• Fr A = {5, 10}
• A0 = [5, 10]
• Pontos isolados - ∅

A é um conjunto aberto.

2. Seja X um conjunto finito.

• Int X = ∅
• Ext X = R \ X
• Fr X = X
• X0 = ∅
• Pontos isolados - X

X é um conjunto fechado.

3. B = {−3}∪]5, 12]

• Int B =]5, 12[


• Ext B =] − ∞, −3[∪] − 3, 5[∪]12, +∞[
• Fr B = {−3, 5, 12}
• B 0 = [5, 12]
• Pontos isolados - {−3}

B não é um conjunto aberto, nem um conjunto fechado.


1
4. C = {5 + , n ∈ N}
n
• Int C = ∅
• Ext C = R \ (C ∪ {5})
• Fr C = C ∪ {5}
• C 0 = {5}
• Pontos isolados - C

C não é um conjunto aberto, nem um conjunto fechado.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

38
Dado um conjunto X ⊂ R, observamos que
·
[ ·
[
R = int X fr X extX,

·
[
onde o sı́mbolo denota a união disjunta.

Os pontos de acumulação dos domı́nios das funções são protagonistas nos limites das mesmas,
pelo que nos interessa compreender bem a sua natureza. A próxima proposição dá-nos uma
caracterização destes pontos.

Proposição 2.4 (Critérios de ponto de acumulação) Dados um conjunto de números re-


ais D e um ponto a ∈ R, são equivalentes as seguintes condições

1. a é ponto de acumulação de D;

2. em toda a vizinhança de a existe uma infinidade de pontos de D;

3. em toda a vizinhança de a existem pontos de D \ {a}.

Definição 2.5 Chamamos aderência ou fecho de A (A ⊂ R), e denotamos por A, ao con-


junto A ∪ fr (A).

Exemplo. [3; 8[ = [3; 8].


Observações.
1) A ⊂ A, pelo que qualquer ponto interior é ponto aderente.
2) Todo o ponto interior de um conjunto é um ponto de acumulação do mesmo.
3) Se x ∈ A é ponto de acumulação de A, então é ponto aderente de A. Há conjuntos que têm
pontos aderentes que não são pontos de acumulação. Procure exemplos.
4) Um conjunto é fechado se, e só se, coincide com o seu fecho. (Exercı́cio).
5) Também se tem A = int A ∪ fr (A)
A diz-se denso em B se A = B, com A e B subconjuntos de R.
Prova-se que

• Q é denso em R, ou seja Q = R;

• R \ Q é denso em R, ou seja R \ Q = R.

Assim, entre dois números racionais existe sempre um número irracional e vice-versa. Temos
que

• Int Q = ∅

• Ext Q = ∅

• Fr Q = R

• Q0 = R.

• Pontos isolados - ∅

Q não é um conjunto aberto, nem um conjunto fechado.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

39
2.2 Limites e suas propriedades
Nesta secção fazemos uma revisão sobre as principais propriedades dos limites das funções reais
de variável real.
Começamos por estabelecer a seguinte nomenclatura. Ao maior conjunto onde a expressão
designatória de uma função real de variável real está definida chamamos domı́nio natural. Por
1
exemplo R \ {2, 3} é o domı́nio natural da função x 7→ (x−2)(x−3) .

Definição 2.6 (Limite segundo Heine) Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ R, b ∈ R, tais que


a ∈ D0 . Dizemos que f tem limite b no ponto a, ou que b é limite de f (x) quando x
tende para a, e escrevemos lim f (x) = b, se, para toda a sucessão (xn ) de pontos de D \ {a}
x→a
tal que lim xn = a, for lim f (xn ) = b.

Da definição anterior resulta que, se existir limite de uma função num ponto ele é
único. Resulta também que a existência e o valor do limite de uma função num ponto só
dependem dos valores que a função toma nalguma vizinhança desse ponto (excluindo o ponto).
Por este motivo diz-se que o conceito de limite tem carácter local.

Definição 2.7 (Limite segundo Cauchy) Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ R, b ∈ R, tais que


a ∈ D0 .
Dizemos que f tem limite b no ponto a, ou que b é limite de f (x) quando x tende
para a, e escrevemos
lim f (x) = b,
x→a
se, e só se,
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Teorema 2.8 As definições de limite de uma função segundo Heine e segundo Cauchy são
equivalentes.

Observações. Na Definição 2.7, se

1) b ∈ R, dizer que lim f (x) = b é dizer que


x→a

∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ |f (x) − b| < δ,

isto significa que a distância entre f (x) e b pode ser arbitrariamente pequena desde que
a distância entre x e a seja adequada (frequentemente, desde que seja suficientemente
pequena mas não nula);

Esquematização do limx→a f (x) = L


(Imagem adaptada de [7])

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

40
2) b = +∞, dizer que lim f (x) = +∞ é dizer que
x→a
∀M > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ f (x) > M,
e isto significa que, dado M > 0 qualquer, desde que a distância entre x e a seja adequada
(frequentemente, desde que seja suficientemente pequena mas não nula), f só assume
valores maiores do que o valor M ;
3) b = −∞, dizer que lim f (x) = −∞ é dizer que
x→a
∀M > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ f (x) < −M,
o que significa que f só assume valores menores do que qualquer −M < 0 que se con-
sidere, desde que a distância entre x e a seja adequada (frequentemente, desde que seja
suficientemente pequena mas não nula).

Exemplos. (
1, se x 6= 2
1) Seja f (x) = , então lim f (x) = 1.
3, se x = 2. x→2

2) Seja f (x) = 2x + 3, x ∈ R.
Usando a definição de limite segundo Cauchy, vejamos que lim f (x) = −1.
x→−2
Queremos provar que
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x+2| < ε ⇒ |2x + 3+1| < δ.
Seja δ > 0, arbitrariamente fixado. Temos que
|2x + 3 + 1| = 2|x + 2|. (10)
δ
Tomando ε = 2 e x tal que 0 < |x + 2| < ε, de (10), vem
δ
|2x + 3 + 1| < 2 · ε = 2 · = δ.
2
Fica então provado o pretendido.
1
3) Vejamos que lim = +∞.
x→0 x2
Seja D o domı́nio natural de f . Queremos provar que:
1
∀M > 0 ∃ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x| < ε ⇒ > M.
x2
Seja M > 0. Observe-se que
1 1 1 1
 
2
>M ⇔ x − <0 ⇔ x ∈ −√ , √ .
x2 M M M
Considando ε = √1 , vem
M
1 1 1
0 < |x| < ε ⇔ 0 < |x| < √ ⇒ x2 < √ ∧ x 6= 0 ⇔ 2 > M ,
M ( M) 2 x
pelo que a prova fica concluı́da.
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

41
Alternativamente podemos usar a definição segundo Heine. Seja (xn ) ⊆ D tal que xn → 0.
1
Então x2n → 0, donde 2 → +∞ (x2n > 0). A arbitrariedade da sucessão permite tirar a
xn
conclusão pretendida.
− 1 ,

se x < 0
4) Seja f (x) = x
4 − x2 , se x ≥ 0.

O limite de f no ponto zero não é +∞ (não existe), pois para valores de M > 0 suficien-
temente grandes, há sempre valores de f abaixo desse valor, quando tomamos x em qualquer
vizinhança de zero, como é ilustrado no gráfico que se segue.

A existência de limite de uma função, num dado ponto, garante que a função goza de algumas
propriedades. Por exemplo, uma função é limitada numa vizinhança de um ponto onde tem
limite, em R, situação enunciada na próxima proposição.

Proposição 2.9 Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ R, b ∈ R, tais que a ∈ D0 e b = limx→a f (x).


Então f é limitada numa vizinhança do ponto a, isto é, existem M > 0 e ε > 0 tais que

∀x ∈ D, 0 < |x − a| < ε ⇒ |f (x)| < M.

Da definição de limite de uma função num ponto segundo Heine conclui-se que, se existirem
duas sucessões que convergem para a por valores diferentes de a e cujas imagens por meio de
f têm limites diferentes, então não existe o limite lim f (x). Temos assim um critério de não
x→a
existência de limite de uma função num ponto, que é ilustrado no exemplo que se segue.
1
Exemplo. Seja f (x) = cos e consideremos as sucessões de termos gerais
x
1 1
xn = →0 e yn = → 0.
2nπ (2n + 1)π

Temos
1 1
f (xn ) = cos 1 = cos(2nπ) = 1 e f (yn ) = cos 1 = cos[(2n + 1)π] = −1,
2nπ (2n+1)π

assim lim f (xn ) = 1 6= −1 = lim f (yn ), logo não existe lim f (x).
x→0

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

42
Seguidamente recordamos o conceito de limite lateral que está na base de um outro critério
de existência/não existência de limite de uma função num dado ponto.

Definição 2.10 Seja f : D ⊆ R → R e suponhamos que existe p > 0 tal que ] a − p, a [ ⊂ D.


Dizemos que b (∈ R) é o limite lateral à esquerda de f no ponto a, e escrevemos

lim f (x) = b ou f (a− ) = b,


x→a−

se, e só se,


∀δ > 0 ∃ ε > 0 : a − ε < x < a ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).
Se existe p > 0 tal que ] a, a + p [ ⊂ D, dizemos que b é o limite lateral à direita de f no ponto
a, e escrevemos
lim f (x) = b ou f (a+ ) = b,
x→a+
se, e só se,
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : a < x < a + ε ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Retomando a função do exemplo 4) da página 42 temos que


1
 
f (0− ) = lim f (x) = lim − = +∞
x→0− x→0− x
e
f (0+ ) = lim f (x) = lim (4 − x2 ) = 4.
x→0+ x→0+

Notas.
1) Por abuso de linguagem, dizemos frequentemente limite à direita/à esquerda de a, omitindo
a palavra “lateral”.
2) As definições anteriores não estão enunciadas na sua forma mais genérica, pois, na noção de
limite lateral à esquerda (resp. à direita) não é necessário que ]a − p, a[ (resp. ]a, a + p[) esteja
contido em D, mas apenas que a ∈ (D ∩ ] − ∞, a[)0 (resp. a ∈ (D ∩ ]a, +∞[)0 ). A D ∩ ] − ∞, a[
(resp. D ∩ ]a, +∞[) chama-se domı́nio de f à esquerda (resp. à direita) de a e representa-se
por Da− (resp. Da+ ).
3) Tal como o conceito de limite de uma função num ponto, o conceito de limite lateral pode
ser dado em termos de vizinhanças (como está enunciado) ou em termos de sucessões (como na
definição de limite segundo Heine), bastando para tal tomar sucessões no domı́nio da função à
esquerda (resp. à direita) do ponto a, quando se pretende determinar o limite lateral à esquerda
(resp. à direita).
4) Se f é monótona em Da− (resp. Da+ ), então existe f (a− ) (resp. f (a+ )). (Ver exercı́cio 12
da Ficha 2.)

Teorema 2.11 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ Da0 + ∩ Da0 − , b ∈ R. Então

lim f (x) = b se, e só se, lim f (x) = lim f (x) = b.


x→a x→a− x→a+

Um teste prático para provar a descontinuidade de certas funções, em certos pontos, está
expresso no próximo corolário.

Corolário 2.12 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ Da0 + ∩ Da0 − .

Se lim f (x) 6= lim f (x), então não existe lim f (x).


x→a− x→a+ x→a

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

43
Exemplos. 1)

Não existe limite da função no ponto x = 1, pois os limites laterais são distintos.

|x − 2|(x2 − x + 3)
2) Seja f (x) = , com x no domı́nio natural de f . Existe lim f (x)? A função
x−2 x→2
f envolve um módulo cujo comportamento à esquerda e à direita de 2 é diferente e temos que
(
2 − x, x < 2
|x − 2| =
x − 2, x ≥ 2.
Assim,
(2 − x)(x2 − x + 3)
lim = lim [−(x2 − x + 3)] = −5 = f (2− )
x→2− x−2 x→2−
e
(x − 2)(x2 − x + 3)
lim = lim (x2 − x + 3) = 5 = f (2+ ).
x→2+ x−2 x→2+
− +
Como f (2 ) 6= f (2 ), então não existe o limite limx→2 f (x).
Definição 2.13 Seja a ∈ R. Consideremos f :] a, +∞ [→ R. Dizemos que o limite de f quando
x tende para +∞ é b ∈ R, e escrevemos
lim f (x) = b,
x→+∞
se, e só se,
∀δ > 0 ∃ M > 0 : x > M ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Seja f :] − ∞, a [→ R, dizemos que o limite de f quando x tende para −∞ é b ∈ R, e escrevemos


lim f (x) = b,
x→−∞
se, e só se,
∀δ > 0 ∃ M > 0 : x < −M ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).
Também esta definição pode ser dada em termos de sucessões, bastando para tal considerar
sucessões a tender para +∞ no primeiro caso  −∞ no segundo.
 e para
1
Exemplo. Vamos calcular o limite lim 1 + usando a definição segundo Heine. Conside-
x→+∞ x
| {z }
f (x)
1
rando (xn ) no domı́nio natural de f e tal que xn → +∞ temos que f (xn ) = 1 + → 1. Assim,
xn
dada a arbitrariedade da sucessão, concluı́mos que
1
 
lim 1 + = 1.
x→+∞ x
Também é fácil provar que o limite anterior é 1 usando a definição segundo Cauchy e seguida-
mente fazemos uma ilustração geométrica da argumentação. Segundo Cauchy tem-se:
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

44
∀δ > 0 ∃ M > 0 : x > M ⇒ f (x) ∈ Vδ (1).

A recta vertical azul, a tracejado na figura, tem equação x = M , sendo M o valor que se obtém
quando se considera o valor δ de tal forma que, para x > M , a função em estudo fica entre as
rectas horizontais, a rosa na figura, com equações y = 1 ± δ.

Nota. Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ D0 (em R), b ∈ R. Dizer que lim f (x) = b é equivalente a


x→a
dizer que
∀δ > 0, ∃ ε > 0 : x ∈ Vε (a) ∩ D \ {a} ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).
Esta forma de escrever engloba de uma vez só todos os casos de limite definidos.

Os próximos resultados estão relacionados com a comparação de limites de funções que são
comparáveis (numa relação de ordem) na vizinhança de um determinado ponto.

Proposição 2.14 Sejam f, g : D ⊆ R → R, a ∈ D0 . Suponhamos que existe δ > 0 tal que

f (x) ≤ g(x), ∀x ∈ Vδ (a) ∩ D \ {a}.

1. Se existirem os limites lim f (x) e lim g(x), então lim f (x) ≤ lim g(x).
x→a x→a x→a x→a

2. Se lim f (x) = +∞, então lim g(x) = +∞.


x→a x→a

3. Se lim g(x) = −∞, então lim f (x) = −∞.


x→a x→a

Exemplos. 1) Analogamente a situações já estudadas com as sucessões, a desigualdade estrita


entre duas funções, na vizinhança de um ponto, onde ambas têm limite finito, não implica a
desigualdade estrita entre os respectivos limites. Por exemplo, para f (x) = 1−x2 e g(x) = 1+x2 ,
tem-se f (x) < g(x), ∀x ∈ R \ {0} e, no entanto, limx→0 f (x) = limx→0 g(x) = 1.
2) Sejam f (x) = x e g(x) = x + sin2 x. Temos que f (x) ≤ g(x), para todo x ∈ R, e
limx→+∞ f (x) = +∞, logo limx→+∞ g(x) = +∞.

Teorema 2.15 (Teorema do Enquadramento) Sejam a, L ∈ R, f, g, h : D ⊆ R → R,


a ∈ D0 , δ > 0, Vδ (a) ⊆ D, e suponhamos que

f (x) ≤ g(x) ≤ h(x), ∀x ∈ Vδ (a) \ {a}.

Se lim f (x) = lim h(x) = L, então lim g(x) = L.


x→a x→a x→a

Observação. O teorema anterior também é válido quando se consideram limites laterais em


vez de limites.
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45
Aplicação. Usando o teorema anterior e as desigualdades
sin x π π sin x
   
cos x < < 1, x ∈ − , 0 ∪ 0, , deduz-se que lim = 1.
x 2 2 x→0 x

sin x
Gráficos de y = 1, de x → x e de x → cos x

Corolário 2.16 Sejam δ > 0, a ∈ R, f e g funções reais definidas em Vδ (a) \ {a} tais que

∃ M > 0 : |f (x)| ≤ M, ∀x ∈ Vδ (a) \ {a} e lim g(x) = 0.


x→a

Então lim [f (x) · g(x)] = 0.


x→a

sin2 (x5 + 3x + 7) − 6 cos x + 15


Exemplo. Para calcular o limite lim basta observar que a
x→+∞ x9 + 1
função que está no numerador é limitada, o que resulta de

| sin2 (x5 + 3x + 7) − 6 cos x + 15| ≤ | sin2 (x5 + 3x + 7)| + |6 cos x| + 15 ≤ 1 + 6 + 15 = 22, ∀x ∈ R,

e que
1
lim = 0.
x9 + 1
x→+∞
Assim, a função em estudo, em +∞, está condições do corolário anterior,
sin2 (x5 + 3x + 7) − 6 cos x + 15 1
9
= (sin2 (x5 + 3x + 7) − 6 cos x + 15) · 9 ,
x +1 | {z } x +1
limitada
| {z }
→0

pelo que o limite em +∞ é zero.

Falta agora analisar a situação em que temos uma desigualdade estrita entre os limites de
duas funções num dado ponto, o que vai ser feito no próximo teorema.

Teorema 2.17 Sejam f, g : D ⊆ R → R, a ∈ D0 . Suponhamos que existem, em R, os limites


lim f (x), lim g(x) e que
x→a x→a
lim f (x) < lim g(x).
x→a x→a
Então existe ε > 0 tal que

f (x) < g(x), ∀x ∈ ] a − ε, a + ε [ ∩ D \ {a}.

O resultado anterior também é válido nos casos em que a é infinito, com as alterações de escrita
óbvias.

O próximo resultado é uma consequência do teorema anterior e traduz uma propriedade


importante dos limites: o sinal do limite de uma função num ponto determina o sinal da função
numa vizinhança do mesmo ponto.
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46
Corolário 2.18 Seja f uma função definida em Vδ (a) \ {a}, δ > 0 e tal que lim f (x) = b.
x→a
Se b > 0 (respectivamente, b < 0), então existe ε > 0 tal que f (x) > 0 (respectivamente,
f (x) < 0) para todo x ∈ ] a − ε, a + ε [ \ {a}.

As chamadas propriedades algébricas dos limites de funções são listadas no teorema que se segue.

Teorema 2.19 (Propriedades algébricas dos limites de funções)


Sejam f, g : D ⊆ R → R, a ∈ D0 , b, c ∈ R. Então

1. lim f (x) = b ⇐⇒ lim (f (x) − b) = 0 ⇐⇒ lim |f (x) − b| = 0.


x→a x→a x→a

2. lim f (x) = b ⇒ lim |f (x)| = |b|;


x→a x→a

3. lim f (x) = b e lim g(x) = c ⇒ lim (f (x) + g(x)) = b + c;


x→a x→a x→a

4. lim f (x) = +∞ e g minorada ⇒ lim (f (x) + g(x)) = +∞;


x→a x→a

5. lim f (x) = −∞ e g majorada ⇒ lim (f (x) + g(x)) = −∞;


x→a x→a

6. lim f (x) = b ⇒ lim (αf (x)) = α b, ∀α ∈ R;


x→a x→a

7. lim f (x) = b e lim g(x) = c ⇒ lim (f (x) · g(x)) = b · c;


x→a x→a x→a

8. lim f (x) = ±∞ e lim g(x) > 0 (resp. < 0) ⇒ lim (f (x) · g(x)) = ±∞ (resp. ∓∞);
x→a x→a x→a

1 1
9. lim f (x) = b ∈ R \ {0} ⇒ lim = ;
x→a x→a f (x) b
1
10. lim |f (x)| = +∞ ⇒ lim = 0 e reciprocamente.
x→a x→a f (x)

Observações.
1) O teorema anterior também é válido quando se considera limites laterais em vez de limites.
2) As propriedades 3 e 7 anteriores generalizam-se de modo natural à soma e ao produto de um
número finito de funções, respectivamente.
3) O teorema anterior é válido nos casos em que a = +∞ e a = −∞.
4) Observe que o caso 4 (resp. 5) inclui a situação em que lim g(x) = +∞ (resp. −∞)
x→a
5) A propriedade 8 é válida nos casos lim g(x) = +∞ e lim g(x) = −∞, respectivamente.
x→a x→a
6) Tal como no caso das sucessões, o teorema anterior não nos dá indicação sobre a existência e o
valor do limite (se este existir) nos casos que se seguem e que são designados por indeterminações:

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47
• ∞ − ∞: quando queremos determinar lim (f (x) + g(x)) e
x→a

lim f (x) = +∞ e lim g(x) = −∞;


x→a x→a

• 0 × ∞ quando queremos determinar lim (f (x) · g(x)) e


x→a

lim f (x) = 0 e lim g(x) = ±∞;


x→a x→a

0 f (x)
• quando queremos determinar lim e lim f (x) = 0 = lim g(x);
0 x→a g(x) x→a x→a

∞ f (x)
• quando queremos determinar lim e lim |f (x)| = +∞ = lim |g(x)|.
∞ x→a g(x) x→a x→a

À semelhança das sucessões, vamos definir a relação assintoticamente igual nas funções.

Definição 2.20 Sejam D ⊂ R, a ∈ D0 e f, g, h : D → R três funções tais que, numa certa


vizinhança de a (excepto eventualmente em a), se tem f (x) = h(x)g(x) e lim h(x) = 1. Então
x→a
diz-se que f é assintoticamente igual a g quando x → a e escreve-se

f (x) ∼ g(x) (x → a).

Observação. Na definição anterior, se g não se anula em Vδ (a) \ {a}, para algum δ > 0, então

f (x)
f (x) ∼ g(x) (x → a) equivale a lim = 1.
x→a g(x)

Exemplos. Temos as seguintes relações assintóticas


1
2x + ∼ 2x, (x → +∞), sin x ∼ x, (x → 0)
x

1
y = 2x + x y = 2x y=x y = sin x

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48
e x + sin x ∼ x, (x → +∞).

Comparando a representação gráfica das três situações exemplificadas observamos que no pri-
meiro caso as funções assintoticamente iguais nunca se intersectam na vizinhança de +∞, no
segundo caso há um ponto de intersecção na vizinhança do ponto zero e no último caso há uma
infinidade de pontos de intersecção na vizinhança de +∞ entre os gráficos das duas funções.

Proposição 2.21 Sejam D ⊆ R, a ∈ D0 , b ∈ R e f, g, f0 , g0 : D → R quatro funções.

1. Seja b ∈ R \ {0}. Se lim f (x) = b, então f (x) ∼ b (x → a).


x→a

2. Se f (x) ∼ g(x) (x → a) e lim g(x) = b, então lim f (x) = b.


x→a x→a

3. Se f (x) ∼ f0 (x) (x → a) e g(x) ∼ g0 (x) (x → a), então

f (x)g(x) ∼ f0 (x)g0 (x) (x → a) e f (x)/g(x) ∼ f0 (x)/g0 (x) (x → a)

(com g e g0 diferentes de zero em Vδ (a) \ {a}, para algum δ > 0, no caso do quociente).

A prova desta proposição segue as ideias da Proposição 1.28 e fica como exercı́cio.
Exemplos.
10x7 + x − 4
1. 10x7 + x − 4 ∼ 10x7 , (x → +∞), pois lim =1e
x→+∞ 10x7
10x7 + x − 4 ∼ −4, (x → 0), pois lim (10x7 + x − 4) = −4.
x→0

2. Dados n ∈ N, ai ∈ R, com i = 0, . . . , n e an 6= 0, temos que

an xn + an−1 xn−1 + . . . + a1 x + a0 ∼ an xn , (x → +∞).

O exemplo 1) pretende alertar para o facto de uma função polinomial, em geral, apenas
ser assintoticamente igual ao termo de maior grau no infinito.
sin x
3. sin x ∼ x, (x → 0), pois lim = 1.
x→0 x
4. sin x ∼
/ x, (x → +∞).

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

49
5. Sejam m e b dois números reais não simultaneamente nulos. Diz-se que a recta y = mx + b
é uma assı́ntota, em +∞, ao gráfico da função f , se limx→+∞ (f (x)−(mx+b)) = 0. Temos
então
f (x) f (x)
 
lim (f (x) − (mx + b)) = lim (mx + b) − 1 = 0 ⇐⇒ lim = 1,
x→+∞ x→+∞ mx + b x→+∞ mx + b
logo
f (x) ∼ mx + b, (x → +∞).

6. Calcular
[(x − 3)2 − 4] sin2 x
lim .
x→0 x2 (x + 7)
Ora

(x − 3)2 − 4 ∼ 5 (x → 0)
sin2 x = sin x · sin x ∼ x · x = x2 (x → 0)
x + 7 ∼7 (x → 0)

então
[(x − 3)2 − 4] sin2 x 5x2 5
lim 2
= lim 2
= .
x→0 x (x + 7) x→0 x · 7 7

2.3 Continuidade
Definição 2.22 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ D. A função f diz-se contı́nua no ponto a se

∀δ > 0 ∃ ε > 0 : ∀x ∈ D |x − a| < ε ⇒ |f (x) − f (a)| < δ.

Caso contrário f diz-se descontı́nua em a.


A função f diz-se contı́nua se for contı́nua em todos os pontos de D.

Só estudamos a continuidade em pontos do domı́nio da função. Repare-se na semelhança


entre a definição anterior e a definição de limite, segundo Cauchy, de uma função num ponto.
Proposição 2.23 Nas condições da definição anterior, f é contı́nua em a se, e só se, para toda
a sucessão (xn ) ⊂ D convergindo para a, implica que a sucessão (f (xn )) convirja para f (a).

(∀(xn ) ⊂ D lim xn = a ⇒ lim f (xn ) = f (a).)

O próximo resultado caracteriza a continuidade de uma função em pontos do domı́nio que são
pontos de acumulação.

Proposição 2.24 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ D ∩ D0 . Então f é contı́nua no ponto a se, e só


se,
lim f (x) = f (a).
x→a

Observações.
1) Uma função é contı́nua nos pontos isolados do seu domı́nio e nos pontos onde o limite da
função nesse ponto é igual ao valor da função no mesmo ponto.
2) Dada f : Z → R, temos que f é contı́nua em todos os pontos, pois o seu domı́nio é um
conjunto de pontos isolados.
3) Da Definição 2.22 resulta que a função identidade (f (x) = x) e a função módulo
(f (x) = |x|) são contı́nuas.
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50
4) Também são contı́nuas, em R, as funções definidas por x 7→ sin x, x 7→ cos x, x 7→ ex e,
em ]0, +∞[, a função x 7→ log x.
Vejamos que a função seno é contı́nua em R. Seja a ∈ R. É sabido que
x−a x+a
sin x − sin a = 2 sin cos , ∀x ∈ R.
2 2
Atendendo a que | sin x| ≤ |x|, para todo o x ∈ R, e a que o cosseno em módulo é menor ou
igual a 1, vem
x−a x − a

x + a
| sin x − sin a| ≤ 2 sin
cos ≤ 2
= |x − a|, ∀x ∈ R.
2 2 2
Como |x − a| → 0, quando x → a, então, do Teorema 2.15, concluı́mos que

lim | sin x − sin a| = 0 ⇔ lim sin x = sin a,


x→a x→a

logo a função seno é contı́nua em a. Como a foi tomado arbitrariamente, esta função trigo-
nométrica é contı́nua em R.
A continuidade da função cossenopode ser provada sabendo que a função seno é contı́nua e
tendo presente que cos x = sin π2 − x .
A menção à prova da continuidade das outras funções referidas será feita no último capı́tulo.
5) Se (xn ) é uma sucessão de pontos do domı́nio de uma função f e (xn ) converge para um ponto
onde f é contı́nua, temos então que

lim f (xn ) = f (lim xn ).

Assim, dada uma sucessão (xn ) convergente, temos, por exemplo,

lim sin xn = sin(lim xn ) e lim exn = elim xn .

Adoptando as convenções
e+∞ = +∞ e e−∞ = 0,
podemos, mais geralmente, escrever

lim exn = elim xn para toda a sucessão (xn ) com limite em R.

Analogamente, com as convenções

log(+∞) = +∞ e log 0 = −∞,

podemos escrever

lim log(xn ) = log(lim xn ) para toda a sucessão (xn ) positiva com limite em R.

Definição 2.25 Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ D0 e a ∈


/ D. Se lim f (x) ∈ R podemos definir uma
x→a
nova função f˜ : D ∪ {a} → R dada por
(
f (x), se x ∈ D
f˜(x) = lim f (x), se x = a.
x→a

Pela Proposição 2.24 a função f˜ assim construı́da é contı́nua em a. Diz-se, por isso, o prolon-
gamento por continuidade de f ao ponto a.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

51
Exemplos.
1
1. A função f (x) = , com x ∈ R \ {0}, não é prolongável por continuidade ao ponto 0 pois
x2
1
lim 2 = +∞.
x→0 x

sin x
2. O prolongamento por continuidade de x 7→ ao ponto 0 é a função f˜ definida por
x
 sin x ,

se x ∈ R \ {0}
f˜(x) = x

1, se x = 0.

Seja (xn ) uma sucessão arbitrária tal que xn → 0, então sin xn = f˜(xn )xn (mesmo se
xn = 0) e como f˜ é contı́nua no ponto 0, temos que lim f˜(xn ) = 1, donde se conclui
sin xn ∼ xn , se xn → 0. (11)
Em particular temos que
2 2 2
sin 3
∼ 3, pois → 0,
n n n3
(
0, se n é par
e, considerando xn = 1
, xn → 0, logo obtemos que sin xn ∼ xn .
n , se n é ı́mpar,

Quando faz sentido falar nos dois limites laterais de uma função num ponto, a continuidade
dessa função nesse ponto relaciona-se com os mesmos da forma que nos diz a proposição que se
segue.
Proposição 2.26 Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ D ∩ Da0 + ∩ Da0 − . Então, f é contı́nua no ponto a
se, e só se,
lim f (x) = f (a) = lim f (x).
x→a− x→a+

Um ponto onde uma função não é contı́nua diz-se um ponto de descontinuidade da função.
Existem descontinuidades com caracterı́sticas diferentes. Vamos atribuir diferentes designações
às diferentes situações.
De acordo com a Proposição 2.24, uma função f pode ser descontı́nua em a ∈ D ∩ D0 se não
existe lim f (x) ou se existe, em R, lim f (x) mas o seu valor é diferente de f (a). No segundo
x→a x→a
caso diz-se que f tem uma descontinuidade removı́vel no ponto a. Assim, se redefinirmos a
função f no ponto a da forma que se segue
(
f (x), se x 6= a
g(x) = lim f (x), se x = a
x→a

obtemos uma função contı́nua no ponto a. Ao mudarmos convenientemente o valor da função


no ponto a, “remove-se” a descontinuidade, como se ilustra no exemplo que se segue.

Representação gráfica de f Representação gráfica de g

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

52
Se os limites laterais de f num ponto a existirem ambos, em R, mas lim f (x) 6= lim f (x)
x→a− x→a+
dizemos que f tem uma descontinuidade por salto no ponto a.

x → [x]
No exemplo representado na figura anterior todos os inteiros são pontos de descontinuidade
por salto.
As descontinuidades removı́veis e as por salto constituem as chamadas descontinuidades de
1.a espécie.
Uma função f pode ainda ser descontı́nua num ponto a ∈ D ∩ D0 pelo facto de pelo menos
um dos limites laterais de f nesse ponto ser infinito ou não existir (em R). Nesse caso dizemos
que temos uma descontinuidade de 2.a espécie.

0 é uma descontinuidade de 2.a espécie, nos dois casos

O próximo teorema diz-nos que efectuando operações aritméticas com funções contı́nuas
obtemos funções contı́nuas no seu domı́nio natural.
Teorema 2.27 Se f e g são funções contı́nuas no ponto a, então as funções f + g e f · g são
f
contı́nuas no ponto a, assim como desde que g(a) 6= 0.
g
Observação. As propriedades anteriores generalizam-se, respectivamente, à soma, ao produto
e ao quociente de um número finito de funções.
Usando a continuidade das funções constantes e da função identidade garantimos que toda
a função polinomial é contı́nua. Logo, também as funções racionais (quocientes de funções
polinomiais) são contı́nuas nos pontos que não anulam os respectivos denominadores, ou seja,
nos seus domı́nios naturais.
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

53
Da continuidade
 das funções
 seno e cosseno deduz-se também a continuidade
 das funções

sin x cos x 1

tangente x → tan x := cos x , cotangente x → cotan x := sin x , secante x → sec x := cos x e
 
1
cossecante x → cossec x := sin x , nos seus domı́nios naturais.

x → tan x x → cotan x

x → sec x x → cossec x

As operações aritméticas entre funções contı́nuas permitem, como já observado, aumentar a
lista de funções contı́nuas. O próximo teorema permite incrementar consideravelmente essa
lista, usando a composição de funções.
Teorema 2.28 Sejam g : A ⊆ R → R e f : B ⊆ R → R funções tais que g(A) ⊆ B e c ∈ A ∩ A0 .
Se g é contı́nua no ponto c e f é contı́nua no ponto g(c), então f ◦ g é contı́nua no ponto c.

Exemplos.
1) Dado a > 0, a função exponencial de base a definida em R por ax = ex log a é contı́nua.
2) Dado α ∈ R, a função potência de expoente α definida em R+ por xα = eα log x é
contı́nua.

Todas as funções que se obtêm por aplicação de um número finito de vezes das operações de
adição, multiplicação, divisão e composição a partir das funções constantes, da função identidade,
da função seno, da função exponencial e da função logarı́tmica são funções contı́nuas nos seus
domı́nios naturais. Estas funções integram as chamadas funções elementares da Análise que,
para além das mencionadas, incluem também as que são obtidas usando a operação de inversão.
A continuidade das funções obtidas por esta última operação será assegurada, em determinadas
condições, no final do capı́tulo. Assim, tendo em conta esta observação, a função logarı́tmica
não necessita de ser referida na lista anterior, já que é a inversa da função exponencial.
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

54
8 1
Assim, a função f (x) = ex + x−3 + cos5 (x7 − 9x) é contı́nua em R \ {3}, pois é uma função
elementar.
A função (
x2 , se x < 1
g(x) =
log x − 3, se x ≥ 1.
não é uma função elementar em R. A função x 7→ x2 é elementar, logo g é contı́nua em ] − ∞, 1[.
Em x = 1 a função g muda de expressão, o que implica que a continuidade tenha de ser estudada
em separado neste ponto. Em ]1, +∞[ a função g também é contı́nua pois é dada por uma função
elementar. Atendendo a que
g(1− ) = lim x2 = 1 6= −3 = lim (log x − 3) = g(1+ ),
x→1− x→1+

g não tem limite no ponto 1, logo é descontı́nua neste ponto, sendo a descontinuidade por salto.
Concluı́mos então que g é contı́nua apenas em R \ {1}.
Teorema 2.29 (Limite da função composta) Sejam g : A ⊆ R → R e f : B ⊆ R → R
funções tais que g(A) ⊆ B e a ∈ A0 . Suponha-se que lim g(x) = b (∈ R) e que existe, em R, o
x→a
limite lim f (x). Se
x→b
1. b ∈ R e f é contı́nua em b,
ou
2. b = +∞ ou b = −∞,
então
lim f (g(x)) = lim f (t).
x→a t→b
(
1, se x 6= 0
Observação. Consideremos as funções f : R → R definida por f (x) = e
0, se x = 0,
g : R → R a função identicamente nula. Tem-se que f ◦ g(x) = f (g(x)) = f (0) = 0, para todo o
x ∈ R, pelo que limx→0 f (g(x)) = 0. Por outro lado,
lim f (t) = 1 6= 0.
t→0

Este exemplo mostra que na situação em que falha a continuidade de f (f não é contı́nua em
0) a conclusão do teorema anterior (ver caso 1) pode não ser verdadeira.
Aplicações.
1) Se lim g(x) existe (em R), tem-se
x→a

lim g(x)
lim eg(x) = ex→a ,
x→a

com as já mencionadas convenções relativas a e±∞ .

2) Se lim g(x) existe (em R+


0 ) e g > 0 numa vizinhança de a, tem-se
x→a

lim log(g(x)) = log( lim g(x)),


x→a x→a

com as já mencionadas convenções log(+∞) = +∞ e log(0) = −∞.


3) Se lim g(x) = 0, tem-se
x→a
sin g(x) ∼ g(x) (x → a).

4) Para calcular um limite do tipo lim f (g(x)) com f contı́nua, pode fazer-se a mudança de
x→a
variável t = g(x). Supondo que lim g(x) = b, o limite a calcular transforma-se em lim f (t).
x→a t→b
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55
Teorema 2.30 Dados a > 1 e α ∈ R tem-se
ax
lim = +∞.
x→+∞ xα

Demonstração. Se α ≤ 0 o resultado é imediato. Consideremos então α > 0.


Como a > 1, existe b > 1 tal que a = b2α . Seja h > 0 tal que b = h + 1. Temos então
 x 2α
ax (b2α )x (bx )2α b
= √ = √ = √ .
xα ( x)2α ( x)2α x
bx
Vejamos que lim √ = +∞.
x→+∞ x
Usando a desigualdade de Bernoulli e tendo em conta que [x] ≤ x, para todo o x ∈ R, vem

bx = (h + 1)x ≥ (h + 1)[x] ≥ 1 + [x]h,

logo, e atendendo a que [x] > x − 1, para todo o x ∈ R, obtemos,

bx (h + 1)x 1 [x]h (x − 1)h


√ = √ ≥√ + √ ≥ √ → +∞, quando x → ∞,
x x x x x
donde
ax
lim = +∞.
x→+∞ xα

Teorema 2.31 Dado α > 0 tem-se



lim = +∞.
x→+∞ log x

A prova deste teorema resulta de uma mudança de variável no limite do Teorema 2.30, tendo
em conta o Teorema 2.29.

O limite anterior permite dizer que, no infinito, o logaritmo cresce mais devagar do que
qualquer potência de x, de expoente positivo.
Da definição de limite segundo Heine, concluı́mos, do Teorema 2.31, que, dado β > 0, se tem
log n
lim = 0.

Este resultado está na base da prova da próxima proposição.
X log n
Proposição 2.32 A série converge se, e só se, α > 1.

Prova. Fixemos α ≤ 1. Se n > 3, então log n > 1. Assim
1 log n
α
< α , n > 3.
n n
X 1
Como é uma série de Dirichlet divergente (α ≤ 1), então, pelo Critério de Comparação,

X log n
também a série é divergente.

log n
Vejamos agora o caso em que α > 1. Seja β > 0 tal que α − β > 1. Como lim β = 0,
n
log n β
existe uma ordem p ∈ N, a partir da qual < 1, ou seja, log n < n , para n ≥ p.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

56
Assim
log n nβ 1
(0 ≤) α
< α
= α−β , n ≥ p.
n n n
X 1
Ora é uma série de Dirichlet convergente (α − β > 1), então, mais uma vez, pelo
nα−β
X log n
Critério de Comparação, também a série é convergente. 

Exemplos.
X log n
1) A série é convergente, pois 7 > 1.
n7
X log n
√ 1
2) A série 3
é divergente, pois 3 < 1.
n
Partindo do conhecimento do limite seguinte
x
1

lim 1+ =e
x→+∞ x
provam-se ainda os resultados que se seguem.

Teorema 2.33 Tem-se


log(1 + x)
lim = 1.
x→0 x
Corolário 2.34 Tem-se
ex − 1
lim = 1.
x→0 x

Aplicações. Conjugando os resultados anteriores com a definição de limite segundo Heine e


também com o Teorema 2.29 obtemos as conclusões que se seguem.
1)
log(1 + xn ) ∼ xn e e xn − 1 ∼ x n se xn → 0.
2) Se lim g(x) = 0, então
x→a

log(1 + g(x)) ∼ g(x) (x → a) e eg(x) − 1 ∼ g(x) (x → a).

3) Se lim f (x) = 1, de 2) (tomando g(x) = f (x) − 1) sai que


x→a

log f (x) ∼ f (x) − 1 (x → a).

Em particular, obtém-se
log xn ∼ xn − 1 se xn → 1.

4) lim xα log x = 0, para todo α > 0.


x→0+
Para provar o valor do limite anterior, consideremos a mudança de variável x = 1t . Obtemos
então
1 1 log t
lim xα log x = lim α log = − lim .
x→0+ t→+∞ t t t→+∞ tα

Do Teorema 2.31 concluı́mos que o limite é zero.


Estes últimos resultados facilitam o cálculo de limites, já que permitem simplificar de alguma
forma as expressões das funções com que se trabalha, situação presente nos próximos exemplos.

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57
Exemplos. Vamos aplicar os resultados anteriores no cálculo de limites e no estudo de séries
numéricas.
ex − e−x
1. Calcular o limite lim .
x→0 sin x
Trata-se de uma indeterminação do tipo 00 . Temos

ex − e−x e−x (e2x − 1) 1 · 2x


lim = lim = lim = 2,
x→0 sin x x→0 sin x x→0 x
já que
e−x ∼ 1 (x → 0), pois lim e−x = 1;
x→0
2x
e − 1 ∼ 2x (x → 0), pois 2x → 0, quando x → 0;
e sin x ∼ x (x → 0).

e3x − esin x
2. Calcular o limite lim .
x→0 2x
Temos novamente uma indeterminação do tipo 00 . Vem então
!
e3x−sin x − 1 3x − sin x 3 1 sin x 3 1
 
sin x
lim e · = lim = lim − = − = 1,
x→0 2x x→0 2x x→0 2 2 x 2 2

já que
esin x → 1, x → 0;
e
e3x−sin x − 1 ∼ 3x − sin x, (x → 0), pois lim (3x − sin x) = 0.
x→0

log x
3. Calcular o limite lim (indeterminação 00 ).
x→1 ex − e
log x 1x−1 1
lim = lim = ,
x→1 e(ex−1 − 1) x→1 e x − 1 e
pois
log x ∼ x − 1, (x → 1) e ex−1 − 1 ∼ x − 1, (x → 1).
X 1
4. Vamos determinar a natureza da série (−1)n sin .
n
Seja an = sin n1 , com n ∈ N. Como

1 π
0< ≤1 e ]0, 1] ⊂]0, [,
n 2
então an > 0, para todo o n ∈ N. Atendendo a que lim an = 0, começamos por estudar a
série dos módulos, |(−1)n an | = sin n1 .
P P

1
Como → 0, de (11) sai que sin n1 ∼ n1 . Então
n
X 1 X1
sin ∼ ,
n n
X 1
donde, sin é uma série divergente (pelo Corolário do Critério de Comparação).
n

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58
Sendo a série dos módulos divergente, é necessário estudar a natureza da série dada.
Temos
1 1 1 1
> , logo sin > sin , ∀n ∈ N,
n n+1 n n+1
já que a função seno é crescente em ]0, π2 [. Assim, an > an+1 , para todo o n, ou seja, (an )
é uma sucessão decrescente. Além disso, lim sin n1 = sin 0 = 0. Nestas condições o critério
de Leibniz permite concluir que a série dada é convergente. Como já sabemos que a série
dos módulos diverge, então podemos afirmar que a série converge simplesmente.

5. Vamos determinar a natureza da série (de termos não negativos)


  n
3
X n3 sin n5 +2n−1 (e n2 +6 − 1)
.
n2 + 6
3 3 3
 
Tem-se 5 → 0, logo sin 5
∼ .
n + 2n − 1 n + 2n − 1 n5 + 2n − 1
3 3 3 3
 
Ora 5 ∼ 5 , então sin 5
∼ .
n + 2n − 1 n n + 2n − 1 n5
Tem-se também
n n 1 n 1
2
→0 e 2
∼ , logo e n2 +6 − 1 ∼ .
n +6 n +6 n n
Por último, temos n2 + 6 ∼ n2 . Aplicando então a Proposição 1.28 vem que
  n
3
n3 sin n5 +2n−1
(e n2 +6 − 1) n3 · 3
· 1
3
n5 n
∼ = . (12)
n2 + 6 n2 n5
X 1
Atendendo a que a série de Dirichlet é convergente (α = 5 > 1), de (12), o Corolário
n5
1.39 permite concluir que a série dada é convergente.

Dadas f, g : D ⊆ R → R duas funções tais que f (x) > 0 para todo o x ∈ D, a função f g fica
bem definida, em D, do seguinte modo

f g (x) := f (x)g(x) = eg(x) log f (x) . (13)

Nas condições anteriores, existindo os limites lim f (x) e lim g(x), com a ∈ D0 , aparecem
x→a x→a
novas indeterminações, a saber
00 quando lim f (x) = 0 = lim g(x),
x→a x→a

∞0 quando lim f (x) = +∞ e lim g(x) = 0,


x→a x→a

1∞ quando lim f (x) = 1 e lim g(x) = ±∞.


x→a x→a

Atendendo a (13), cada uma das situações anteriores advém do facto de termos a indeterminação
0 × ∞ no expoente da exponencial.
Observamos que 0∞ não é indeterminação, pois, se lim f (x) = 0 e lim g(x) = +∞, então
x→a x→a
lim log f (x) = −∞, donde lim g(x) log f (x) = −∞ e atendendo às convenções já estabelecidas
x→a x→a
vem
lim f (x)g(x) = elimx→a g(x) log f (x) = e−∞ = 0.
x→a

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59
Analogamente, se lim f (x) = 0 e lim g(x) = −∞, então lim g(x) log f (x) = +∞ e atendendo
x→a x→a x→a
às convenções já estabelecidas vem

lim f (x)g(x) = elimx→a g(x) log f (x) = e+∞ = +∞.


x→a

Também ∞∞ não é indeterminação. A verificação é um exercı́cio simples.


Nos casos não incluı́dos nos anteriores, sempre que existem lim f (x) e lim g(x), tem-se que
x→a x→a

  lim g(x)
lim f (x)g(x) = lim f (x) x→a .
x→a x→a

Exemplos.
1) Vamos calcular o limite
x+π
x−2

lim .
x→+∞ x+4
Observamos em primeiro lugar que temos uma indeterminação do tipo 1∞ . Escrevemos
x−2
 

x−2
x+π (x + π) log
=e x+4
x+4
e começamos por estudar o limite da função que se encontra no expoente. Temos
x−2 x−2 x−2 6
 
lim = 1, logo log ∼ −1=− , (x → +∞),
x→+∞ x + 4 x+4 x+4 x+4
logo
x−2 6
    
lim (x + π) log = lim − (x + π) = −6.
x→+∞ x+4 x→+∞ x+4
Assim, o limite pedido é
x−2 x−2
   

x−2
x+π (x + π) log lim (x + π) log
lim = lim e x+4 =e x→+∞ x +4 = e−6 .
x→+∞ x+4 x→+∞

2) Sejam (xn ) e (yn ) sucessões tais que xn → +∞, yn → +∞, então


 yn
1 1 yn
   
yn log 1+ x1
1+ =e n e yn log 1 + ∼
xn xn xn
1 yn
   
1 1 1
pois log 1 + ∼
xn xn ,
já que → 0. Assim, nestas condições estudar o limite lim 1 +
xn ,
xn
yn
que é uma indeterminação do tipo 1∞ , é equivalente a estudar o limite lim . Se este último
xn
existe, em R, então
1 yn
 
yn
lim 1 + = elim xn .
xn
n 3
1
 
Qual é o limite da sucessão 1 + 2 ?
n +5
De acordo com o que acabámos de ver, temos que
n3 n3
1

lim
lim 1 + 2
=e n2 +5 = e+∞ = +∞.
n +5

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60
3) Temos uma indeterminação do tipo 00 no limite lim (x − 2)2x−4 .
x→2+
Ora
(x − 2)2x−4 = e(2x−4) log(x−2) , pois estamos em x > 2.
Temos
lim [(2x − 4) log(x − 2)] = lim [2x log x] = 0,
x→2+ x→0+
já que limx→0+ xα log x = 0, quando α > 0. Assim

lim (x − 2)2x−4 = elimx→2+ [(2x−4) log(x−2)] = e0 = 1.


x→2+

4) No exercı́cio 25 da Ficha 2 prova-se que, dadas duas sucessões (un ) e (vn ), de termos positivos,
+
tais que un ∼ vn e lim un = lim vn = ` ∈ R0 \ {1}, então log un ∼ log vn .
+
Registamos que deste resultado sai que, se f (x) ∼ g(x) (x → a) e limx→a g(x) = ` ∈ R0 \ {1}
(a ∈ R), então
log f (x) ∼ log g(x) (x → a).
Em particular log(x6 + 8x2 + 2 sin x) ∼ 6 log x (x → +∞).

5) Em limx→+∞ (5x + 2)−3/x temos uma indeterminação do tipo ∞0 .


Podemos escrever
3
(5x + 2)−3/x = e− x log(5x+2) (estamos numa vizinhança de +∞ onde 5x + 2 > 0).

Tendo em conta a observação em 4) e o Teorema 2.31 vem


3 log(5x + 2) 3 log(5x)
   
lim − = lim − = 0,
x→+∞ x x→+∞ x
Assim
3
lim (5x + 2)−3/x = elimx→+∞ (− x log(5x+2)) = e0 = 1.
x→+∞

3
6) Temos agora uma indeterminação do tipo ∞0 no limite limx→+∞ (x + 7)1/ log x .
Começamos por escrever
1
3 log(x+7)
(x + 7)1/ log x = e log x3 .

Vamos fazer o cálculo do limite da função que está no expoente da exponencial e obtemos
1 log(x + 7) log x 1
 
lim log(x + 7) = lim = lim = ,
x→+∞ log x3 x→+∞ log x3 x→+∞ 3 log x 3
onde usámos as propriedades do logaritmo assim como a observação feita em 4). Temos então
 
1
1/ log x3 limx→+∞ log(x+7)
lim (x + 7) =e log x3
= e1/3 .
x→+∞

1
7) Para calcular o limite lim (sin x) x escrevemos
x→0+
1 1
(sin x) x = e x log sin x (como x → 0+ , sin x > 0).

Assim,
1 1
lim e x log sin x = elimx→0+ x
log sin x
= e+∞·log 0 = e+∞·(−∞) = e−∞ = 0.
x→0+

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61
2.4 Teorema de Bolzano
Recordamos nesta secção o chamado Teorema do Valor Intermédio que foi provado por Bolzano,
um dos teoremas centrais na teoria das funções contı́nuas. Vamos estudar algumas das suas
consequências.

Teorema 2.35 (Teorema de Bolzano ou do Valor Intermédio, 1817) Se f é uma função


contı́nua no intervalo [a, b], com f (a) 6= f (b), e k é um número real compreendido entre f (a) e
f (b), então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que f (c) = k.

Nas condições do teorema anterior, dependendo da função e do valor de k, pode existir mais
do que um c, tal que f (c) = k, como ilustrado nas figuras que se seguem.

Prova do Teorema de Bolzano. Vamos supor que f (a) < f (b) (o outro caso é análogo).
Seja k tal que f (a) < k < f (b). O nosso objectivo é provar que existe c ∈ ]a, b[ tal que
f (c) = k. Consideremos o conjunto

D = {x ∈ [a, b] : f (x) ≤ k} ⊆ [a, b]

(o conjunto dos pontos em que f assume valores menores ou iguais a k). Temos que

• a ∈ D, logo D 6= ∅;

• D é majorado (∀x ∈ D, x ≤ b, logo b é um majorante de D).

Então, pelo Princı́pio do Supremo, existe c ∈ R tal que c = sup D. Assim, sabemos que
(caracterização do supremo - Prop. 1.4 1.)

∀ε > 0 ∃x ∈ D : c − ε < x.

Para cada n ∈ N, consideremos ε = n1 . Podemos então escrever

1
∀n ∈ N ∃xn ∈ D : c− < xn ≤ c (pois c é o supremo de D).
n
Pelo T. S. E. lim xn = c. Como f é uma função contı́nua, f (xn ) → f (c). Atendendo agora a
que (xn ) ⊂ D, vem f (xn ) ≤ k. Logo, da Prop. 1.16 (passagem ao limite de desigualdades),

f (c) ≤ k. (14)

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

62
Podemos calcular limx→c+ f (x) (observe-se que c < b). Se x > c, então x ∈
/ D (pois c é o
supremo de D), logo f (x) > k. Assim, novamente pela Prop. 1.16,
lim f (x) ≥ k.
x→c+
Como f é uma função contı́nua, limx→c+ f (x) = f (c). Da desigualdade anterior sai que
f (c) ≥ k. (15)
De (14) e (15) concluı́mos que f (c) = k.

Nota. O teorema anterior pode ser enunciado da seguinte forma (mais geral).
Seja I um intervalo real e f : I → R uma função contı́nua, não constante. Então, dado k ∈ R
estritamente compreendido entre o ı́nfimo e o supremo da função em I, existe c ∈ I tal que
f (c) = k.

Corolário 2.36 Seja f uma função contı́nua no intervalo [a, b]. Se f (a) · f (b) < 0, então existe
(pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que f (c) = 0.

Corolário 2.37 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função contı́nua. Então f (I) é


um intervalo.
Prova. Se f é constante, f (I) é um conjunto singular, pelo que se trata de um intervalo
degenerado. Vejamos o caso em que f não é constante. O nosso objectivo é provar que f (I) é um
intervalo. Sejam y1 , y2 ∈ f (I), tais que y1 < y2 . Queremos ver que dado k tal que y1 < k < y2 ,
então
k ∈ f (I).
Ora
y1 ∈ f (I) ⇔ ∃a1 ∈ I : y1 = f (a1 )
e
y2 ∈ f (I) ⇔ ∃a2 ∈ I : y2 = f (a2 )
Dois casos se podem dar a1 < a2 ou a2 < a1 . Suponhamos que temos a2 < a1 (o outro caso é
análogo). Como I é um intervalo [a2 , a1 ] ⊆ I. Aplicando o Teorema de Bolzano a f no intervalo
[a2 , a1 ] garantimos a existência de
c ∈ ]a2 , a1 [ : f (c) = k,
já que f (a1 ) = y1 < k < y2 = f (a2 ). Assim k ∈ f (I). 
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

63
Exemplos.
1. Vejamos que as funções que se seguem se anulam nos intervalos indicados.
(a) f (x) = cos x − x, em [0, 1].
A função dada é elementar, logo contı́nua. Como f (0) = 1 > 0 e f (1) = cos 1 − 1 < 0
(observe-se que cos x = 1 se, e só se, x = 2nπ, com n ∈ Z e cos x < 1, caso contrário),
logo f (0) · f (1) < 0. Estão então reunidas as condições do Corolário 2.36 que permite
concluir que existe c ∈ ]0, 1[, tal que f (c) = 0.
(b) f (x) = ex (1 + cos2 x) − log(x2 + 1), em R.
A função f é elementar, logo é contı́nua em R. Para aplicarmos o Corolário 2.36
precisamos de garantir que f assume, pelo menos, um valor positivo e outro negativo,
o que pode ser feito por experimentação de valores e/ou por análise do comportamento
da função nos extremos do intervalo (cálculo dos limites em +∞ e −∞). Neste caso
é fácil ver que f (0) = 2 > 0. Temos também, por 4. do Teorema 2.19,
lim f (x) = lim (|{z} ex (1 + cos2 x) − log(x2 + 1)) = −∞.
x→−∞ x→−∞ | {z }| {z }
→0 →−∞
limitada
Então, da definição de limite no −∞ ser −∞, existe a < 0, tal que f (a) < 0.
Assim, mais uma vez, pelo Corolário 2.36 aplicado ao intervalo [a, 0], garantimos a
existência de c ∈ ]a, 0[, tal que f (c) = 0.
A justificação dada permite escrever f (−∞)·f (0) = −∞ < 0 e concluir directamente,
sem passar pelo intervalo [a, 0], onde f (−∞) := limx→−∞ f (x).
Formalizamos esta ideia no ponto seguinte.
2. Seja f : R → R uma função contı́nua, tal que existem (em R) os limites seguintes
f (−∞) := lim f (x) e f (+∞) := lim f (x).
x→−∞ x→+∞

Se f (−∞) · f (+∞) < 0, então f anula-se.


Os gráficos que se seguem ilustram alguns dos casos possı́veis desta situação.

f (−∞) = +∞, f (+∞) = −∞ f (−∞) = −∞, f (+∞) = +∞

f (−∞) = −∞, f (+∞) ∈ R+ f (−∞) ∈ R− , f (+∞) ∈ R+

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

64
3. Resulta da propriedade anterior que qualquer polinómio de grau ı́mpar tem, pelo menos,
uma raiz real.
4. Seja g(x) = x2 + 20 sin x. O valor 2019 pertence ao contradomı́nio da função g?
A função dada é contı́nua em R, pois é elementar, e verifica limx→+∞ g(x) = +∞, pois
x2 + 20 sin x ≥ x2 − 20 e limx→+∞ (x2 − 20) = +∞ (pela Prop. 2.14). Deste resultado,
garantimos que existe b > 0 tal que g(b) > 2019. Para podermos aplicar o Teorema de
Bolzano (2.35) e garantir que g assume o valor 2019, é preciso encontrar um valor onde a
função seja menor do que 2019. Ora, g(0) = 0, pelo que a resposta à pergunta inicial é
afirmativa.
5. Seja (
−2, se x ∈ [−3, 0[
f (x) =
1, se x ∈ [0, 2].

Temos f (−3) · f (2) < 0, no entanto f não se anula. O que é que falha? A continuidade de
f no intervalo [−3, 2].
6. Seja g(x) = x, com x ∈ [−4, −1] ∪ [2, 4].

À semelhança do exemplo anterior, g(−4) · g(4) < 0 e g não se anula. O que é que falha?
O domı́nio não é um intervalo.

Vamos terminar este capı́tulo com um resultado referente à continuidade da função inversa
de uma dada função. Recordamos que, dada uma função injectiva f : D ⊆ R → f (D) ⊆ R,
chamamos função inversa de f , e representamos por f −1 , à função f −1 : f (D) → D que
verifica
(f −1 ◦ f )(x) = x, ∀x ∈ D e (f ◦ f −1 )(y) = y, ∀y ∈ f (D).

Teorema 2.38 Seja f uma função contı́nua e injectiva definida num intervalo I de R. Então
f −1 é contı́nua no seu domı́nio.

É fundamental que f esteja definida num intervalo pois caso contrário a função inversa pode
apresentar descontinuidades.
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

65
Classificação das Descontinuidades

• 1.a espécie
- descontinuidade removı́vel
(existe, em R, o limite da função no ponto, mas é diferente do valor da função no ponto),

- descontinuidade por salto


(existem, em R, os limites laterais no ponto mas são diferentes entre si).

• 2.a espécie,
Pelo menos um dos limites laterais da função no ponto é infinito ou não existe (em R).

Quadros-resumo dos Limites estudados

sin x log(1 + x) ex − 1
lim =1 lim =1 lim =1
x→0 x x→0 x x→0 x

a>1 α>0 α>0

ax xα
lim = +∞ lim = +∞ lim xα log x = 0
x→+∞ xα x→+∞ log x x→0+

Se lim g(x) = 0, sin g(x) ∼ g(x) (x → a)


x→a

Se lim g(x) = 0, log(1 + g(x)) ∼ g(x) (x → a)


x→a

Se lim g(x) = 0, eg(x) − 1 ∼ g(x) (x → a)


x→a

Se lim g(x) = 1, log g(x) ∼ g(x) − 1 (x → a)


x→a

Indeterminações (são sete)

0 ∞
∞−∞ 0×∞ 00 ∞0 1∞
0 ∞

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

66
3 Cálculo Diferencial em R
Neste capı́tulo recordamos as noções de derivada de uma função num ponto e de função dife-
renciável e estudamos algumas propriedades importantes verificadas por este tipo de funções.

3.1 Noção de derivada, propriedades gerais

Definição 3.1 Seja f : D ⊆ R → R e seja c ∈ D ∩ D0 . Dizemos que f é diferenciável em c


se, e só se, existe e é finito o limite
f (c + h) − f (c)
lim .
h→0 h
Neste caso, o limite anterior, que se denota por f 0 (c), diz-se a derivada de f no ponto c.

Note-se que, fazendo a mudança de variável h = x − c no cálculo do limite anterior, se obtém


f (x) − f (c)
f 0 (c) = lim .
x→c x−c
Ao quociente
f (x) − f (c)
,
x−c
chama-se razão incremental, por ser a razão entre os incrementos ∆y = f (x) − f (c) e
∆x = x − c, este quociente representa o declive da recta secante ao gráfico de f que passa nos
pontos P (c, f (c)) e Q(x, f (x)). Assim, se f for diferenciável em c, define-se a recta tangente
ao gráfico de f no ponto P (c, f (c)) como sendo a recta de declive f 0 (c) que passa no ponto P .
Os pontos de coordenadas (x, y) desta recta satisfazem, pois, a equação y − f (c) = f 0 (c)(x − c).
A figura que se segue ilustra a situação descrita. Nela se representa a recta t, tangente ao
gráfico de f no ponto P (c, f (c)), bem como três rectas secantes, passando nos pontos P (c, f (c))
e Q(x, f (x)), para valores de x que se aproximam do ponto c.

Exemplos. 1) Sendo f (x) = x2 − 3x, calcular f 0 (2).


Tem-se
f (x) − f (2) x2 − 3x − 4 + 6
f 0 (2) = lim = lim
x→2 x−2 x→2 x−2
2
x − 3x + 2 (x − 2)(x − 1)
= lim = lim = lim (x − 1) = 1.
x→2 x−2 x→2 x−2 x→2

2) Para f (x) = e2x , verificar que f 0 (0) = 2.

f (h) − f (0) e2h − 1 2h


f 0 (0) = lim = lim = lim = 2,
h→0 h h→0 h h→0 h

uma vez que e2h − 1 ∼ 2h (h → 0).


Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

67
Recordemos agora as noções de derivadas laterais.
Definição 3.2 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ Dc0 − . A derivada lateral esquerda (ou
derivada à esquerda) de f no ponto c é dada por
f (c + h) − f (c) f (x) − f (c)
f−0 (c) = lim = lim ,
h→0− h x→c − x−c
desde que este limite exista e seja finito. Neste caso f diz-se diferenciável à esquerda em c.
Analogamente, se c ∈ D ∩ Dc0 + , f diz-se diferenciável à direita em c se existir e for finito o
seguinte limite
f (c + h) − f (c) f (x) − f (c)
f+0 (c) = lim = lim ,
h→0+ h x→c+ x−c
a que se dá o nome de derivada lateral direita (ou derivada à direita) de f no ponto c.
Resulta imediatamente das definições anteriores e do Teorema 2.11 o seguinte teorema.
Teorema 3.3 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ Dc0 − ∩ Dc0 + . A função f é diferenciável em
c se, e só se, existirem e forem iguais as suas derivadas laterais no ponto c, tendo-se então
f 0 (c) = f−0 (c) = f+0 (c).
Assim, se f−0 (c) 6= f+0 (c), então f 0 (c) não existe.
A existência da derivada lateral esquerda (respectivamente, direita) de uma função num
ponto c permite definir a recta tangente à esquerda (respectivamente, à direita) ao gráfico de f
no ponto P (c, f (c)) como sendo a recta de declive f−0 (c) (respectivamente, f+0 (c)) que passa em
P.
Exemplo. A função f (x) = |x| não é diferenciável em x = 0 pois
f (x) − f (0) x f (x) − f (0) −x
f+0 (0) = lim = lim = 1 e f−0 (0) = lim = lim = −1.
x→0+ x−0 x→0+ x x→0− x−0 x→0− x

A recta tangente à direita ao gráfico de f no ponto x = 0 é a recta y = x, no mesmo ponto


a recta tangente à esquerda é a recta y = −x.
Vamos agora estender a noção de diferenciabilidade a conjuntos de números reais cujo deri-
vado é não vazio.
Definição 3.4 Seja f : D ⊆ R → R. f é diferenciável no intervalo aberto ]a, b[ ⊆ D
se, e só se, f é diferenciável em todos os pontos de ]a, b[. f é diferenciável no intervalo
fechado [a, b] ⊆ D se, e só se, f é diferenciável em todos os pontos de ]a, b[ e é diferenciável à
esquerda em b e à direita em a, identificando-se, neste caso, a derivada nos pontos a e b com
a derivada lateral correspondente. Analogamente para o caso dos intervalos semi-abertos. Em
geral, f diz-se diferenciável se for diferenciável em todos os pontos (de acumulação) do seu
domı́nio.
Pondo y = f (x), usamos por vezes a chamada notação de Leibniz para indicar a derivada de
f no ponto c, f 0 (c) = y 0 (c):
dy df
(c) ou (c).
dx dx
Se a função f for diferenciável num subconjunto D1 do seu domı́nio, a função derivada de f
é a função f 0 : D1 → R que a cada ponto x ∈ D1 faz corresponder f 0 (x).
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

68
É fácil mostrar, a partir da definição, que as funções constantes são diferenciáveis com
derivada identicamente nula. Do mesmo modo, também se obtêm as conhecidas regras de
derivação:
1
x0 = 1; (ex )0 = ex ; (log x)0 = ; (sin x)0 = cos x; (cos x)0 = − sin x
x
que mostram que as funções identidade, exponencial, logarı́tmica, seno e cosseno são dife-
renciáveis nos seus domı́nios naturais. Provemos a terceira destas igualdades: sendo f (x) = log x,
tem-se para x > 0,
 
h
log(x + h) − log x log 1 + x
h
1
f 0 (x) = lim = lim = lim x
= ,
h→0 h h→0 h h→0 h x
h h
 
onde usámos a relação log 1 + ∼ (h → 0).
x x
O resultado que se segue fornece uma condição necessária e suficiente para a diferenciabili-
dade de uma função num ponto, equivalente à da Definição 3.1.

Teorema 3.5 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ D0 . Então f é diferenciável em c se, e só se,


existem ` ∈ R e ϕ : D ⊆ R → R tais que lim ϕ(x) = 0 e
x→c

f (x) = f (c) + `(x − c) + ϕ(x)(x − c), ∀x ∈ D.


Neste caso o número ` é único e tem-se ` = f 0 (c).

Demonstração. Suponhamos primeiro que existem ` ∈ R e ϕ : D ⊆ R → R tais que


lim ϕ(x) = 0 e f (x) = f (c) + `(x − c) + ϕ(x)(x − c), ∀x ∈ D.
x→c

Então f (x) − f (c) = `(x − c) + ϕ(x)(x − c), pelo que


f (x) − f (c) `(x − c) + ϕ(x)(x − c) 
lim = lim = lim ` + ϕ(x) = `,
x→c x−c x→c x−c x→c

donde se conclui que f é diferenciável no ponto c e que f 0 (c) = `.


Reciprocamente, suponhamos que f é diferenciável em c. Para x 6= c definimos
f (x) − f (c) − f 0 (c)(x − c)
ϕ(x) := ,
x−c
o valor de ϕ no ponto c não intervém no que se segue pelo que pode ser escolhido arbitrariamente.
Tem-se então
f (x) − f (c)
 
lim ϕ(x) = lim − f (c) = f 0 (c) − f 0 (c) = 0,
0
x→c x→c x−c
e, portanto, podemos escrever
f (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + ϕ(x)(x − c), ∀x ∈ D,
onde lim ϕ(x) = 0, como pretendı́amos. 
x→c
Do Teorema 3.5 conclui-se assim que se f é diferenciável em c, então
f (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + ϕ(x)(x − c), ∀x ∈ D, onde lim ϕ(x) = 0.
x→c

Isto significa que uma função diferenciável no ponto c pode ser aproximada, numa vizinhança
desse ponto, pelo polinómio P1 (x) = f (c)+f 0 (c)(x−c), sendo o erro cometido nesta aproximação,
R1 (x) = ϕ(x)(x − c), um infinitésimo de ordem superior a x − c, quando x → c, isto é,
R1 (x)
lim = 0. Voltaremos a este assunto mais tarde.
x→c x − c

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

69
O Teorema 3.5 permite-nos mostrar que a noção de diferenciabilidade é mais forte do que a
noção de continuidade, no sentido expresso no corolário que se segue.

Corolário 3.6 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ D0 . Se f é diferenciável em c, então f é


contı́nua em c.

Demonstração. Pelo Teorema 3.5 temos que

f (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + ϕ(x)(x − c), ∀x ∈ D, onde lim ϕ(x) = 0.


x→c

Daqui resulta que

lim f (x) = lim f (c) + f 0 (c)(x − c) + ϕ(x)(x − c) = f (c),


 
x→c x→c

o que, pela Proposição 2.24, prova a continuidade de f em c. 


Repare-se que o recı́proco do corolário anterior é falso. Por exemplo, a função f (x) = |x| é
contı́nua em c = 0 mas não é aı́ diferenciável uma vez que, como já vimos, as suas derivadas
laterais nesse ponto têm valores distintos.
Existem também funções contı́nuas que nem sequer possuem derivadas laterais em determi-
nados pontos. Por exemplo, a função

x sin 1 ,
 
se x 6= 0

f (x) = x
0, se x = 0

 
1
x sin x
é contı́nua em c = 0 mas não existe f+0 (0) = lim (e analogamente para f−0 (0)).
x→0+ x
Vejamos agora algumas propriedades algébricas da derivação. Estas propriedades, e ou-
tras que veremos na próxima secção, permitem fazer o cálculo das derivadas de certas funções
directamente, sem ser necessário recorrer à definição.

Teorema 3.7 Sejam f, g : D ⊆ R → R funções diferenciáveis no ponto c ∈ D ∩ D0 , então


i) f + g é diferenciável em c e (f + g)0 (c) = f 0 (c) + g 0 (c);

ii) αf é diferenciável em c e (αf )0 (c) = α f 0 (c), ∀α ∈ R;

iii) f · g é diferenciável em c e (f · g)0 (c) = f 0 (c) · g(c) + f (c) · g 0 (c);


 0
f f f 0 (c)g(c) − f (c)g 0 (c)
iv) se g(c) 6= 0, é diferenciável em c e (c) = .
g g g 2 (c)

Demonstração.
i) Tem-se

(f + g)(x) − (f + g)(c) f (x) − f (c) g(x) − g(c)


 
lim = lim + = f 0 (c) + g 0 (c),
x→c x−c x→c x−c x−c
logo f + g é diferenciável em c e (f + g)0 (c) = f 0 (c) + g 0 (c).
ii) Por diferenciabilidade de f no ponto c vem

(αf )(x) − (αf )(c) f (x) − f (c)


lim = α lim = αf 0 (c),
x→c x−c x→c x−c
logo αf é diferenciável em c e (αf )0 (c) = αf 0 (c), ∀α ∈ R.
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

70
iii) Podemos escrever
(f · g)(x) − (f · g)(c) f (x) − f (c) g(x) − g(c)
= g(x) + f (c) . (16)
x−c x−c x−c
Atendendo ao Corolário 3.6, a função g é contı́nua no ponto c donde lim g(x) = g(c). Assim,
x→c
passando ao limite, quando x → c, a igualdade (16) obtemos
(f · g)(x) − (f · g)(c) f (x) − f (c) g(x) − g(c)
 
lim = lim g(x) + f (c) = g(c)f 0 (c) + f (c)g 0 (c),
x→c x−c x→c x−c x−c
o que prova que f · g é diferenciável em c e que (f · g)0 (c) = f 0 (c) · g(c) + f (c) · g 0 (c).
iv) Dado que g(c) 6= 0 e g é contı́nua em c, por ser diferenciável nesse ponto, sabemos que existe
uma vizinhança de c, Vδ (c), onde g nunca se anula (cf. Corolário 2.18). Assim, para x ∈ Vδ (c),
o quociente f (x)/g(x) está definido e podemos escrever
   
f f
g (x) − g (c) f (x)g(c) − f (c)g(x)
lim = lim
x→c x−c x→c (x − c)g(x)g(c)
f (x)g(c) − f (c)g(c) + f (c)g(c) − f (c)g(x)
= lim
x→c (x − c)g(x)g(c)
f 0 (c)g(c) − f (c)g 0 (c)
   
g(c) f (x) − f (c) − f (c) g(x) − g(c)
= lim = .
x→c (x − c)g(x)g(c) g 2 (c)
Daqui se conclui que a função f /g é diferenciável no ponto c e obtemos a fórmula pretendida
para a derivada do quociente. 
Os resultados de i) e de ii) mostram que a operação de derivação é linear. As propriedades
anteriores generalizam-se, por indução, à soma, ao produto e ao quociente de um número finito
de funções. A partir delas podemos mostrar, por exemplo, que (xn )0 = nxn−1 se n ∈ Z (com
1
x 6= 0 se n < 0), que (tan x)0 = sec2 x e que (sec x)0 = sec x tan x, onde sec x = .
cos x
O próximo teorema diz-nos como determinar, nas condições indicadas, as derivadas laterais
para certos tipos de funções, ditas funções definidas por ramos, nos pontos em que a função
muda de expressão.
Proposição 3.8 Sejam g, h funções definidas em ]c − δ1 , c] e em [c, c + δ2 [, respectivamente,
onde δ1 , δ2 > 0, e suponhamos que g, h são diferenciáveis em c. Considere-se a função f dada
por (
g(x), se c − δ1 < x ≤ c
f (x) =
h(x), se c < x < c + δ2 .
Se f for contı́nua em c, tem-se f−0 (c) = g 0 (c) e f+0 (c) = h0 (c).
Nas condições enunciadas, se as derivadas g 0 (c) e h0 (c) puderem ser calculadas usando as
regras de derivação, o cálculo das derivadas laterais de f pode ser feito sem ser necessário
recorrer à definição. Note-se que f não é necessariamente diferenciável em c, isso só acontece
quando g 0 (c) = h0 (c). Convém também frisar que este resultado só é válido no caso de f ser
contı́nua em c, como mostra o exemplo que se segue.
(
−1, se x < 0
Exemplo. Seja f a função definida em R por f (x) =
x, se x ≥ 0.
f tem uma descontinuidade por salto em x = 0. Pondo g(x) = x e h(x) = −1 tem-se g 0 (x) = 1,
h0 (x) = 0, ∀x ∈ R, no entanto
f (x) − f (0) −1
f−0 (0) = lim = lim 6 h0 (0).
= +∞ =
x→0− x x→0− x

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

71
Demonstração da Proposição 3.8. Como f é contı́nua em c tem-se

f (c) = lim f (x) = lim f (x) = lim h(x) = h(c),


x→c x→c+ x→c+

pois h é diferenciável, logo contı́nua, no ponto c. Portanto,


f (x) − f (c) h(x) − h(c)
f+0 (c) = lim = lim = h0+ (c) = h0 (c),
x→c+ x−c x→c + x−c
pois h é diferenciável em c.
Analogamente se conclui que f−0 (c) = g 0 (c). 
Exemplo. Calcular a e b de modo a que a função f : R → R definida por
(
x2 , se x < 2
f (x) =
ax + b, se x ≥ 2

seja diferenciável no ponto x = 2.


Começamos por observar que f é contı́nua em x = 2 se, e só se,

f (2) = lim f (x) = lim f (x) ⇔ 2a + b = 4.


x→2+ x→2−

Se a condição anterior não se verificar, f não será diferenciável em x = 2. Assumindo então que
2a + b = 4, pela Proposição 3.8 com g(x) = x2 e h(x) = ax + b, tem-se f−0 (2) = g 0 (2) = 4 e
f+0 (2) = h0 (2) = a pelo que f é diferenciável em x = 2 se, e só se,
( (
2a + b = 4 a=4

a=4 b = −4.

Voltemos a considerar a razão incremental


f (x + h) − f (x)
. (17)
h
Uma vez que esta representa o quociente entre a variação de f , f (x + h) − f (x), e a variação
de x, (x + h) − x, para h 6= 0, ela dá-nos o que se chama a taxa de variação média de f em
relação a x. Se existir, o limite desta razão incremental, quando h → 0, é a derivada f 0 (x) que
corresponde à chamada taxa de variação (instantânea) de f relativamente a x. Se a função
f representar a posição de um objecto que se move, num único sentido, ao longo de uma recta
e a variável x representar o tempo, o quociente (17) dá-nos a distância que o objecto percorreu
a dividir pelo tempo que levou a percorrê-la, ou seja, o que chamamos a velocidade média do
objecto. O valor da derivada f 0 (x) é a taxa de variação instantânea da posição em relação ao
tempo a que se dá o nome de velocidade (instantânea) do objecto.
Exemplo. O volume de um cilindro circular de altura h e raio da base r é dado por V = πr2 h.
Fixando h, o volume pode ser visto como uma função da variável r: V (r) = πr2 h. Assim, a
dV
taxa de variação de V em relação a r é dada por = 2πrh.
dr
Supondo agora que r e h variam de forma a que V se mantenha fixo, como é que varia h
V V
relativamente a r? Exprimindo h em função de r obtemos h = 2
= r−2 , portanto a taxa
πr π
de variação de h em relação a r é dada por

dh V 2πr2 h 2h
= −2 r−3 = − 3
=− .
dr π πr r

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

72
Foi visto atrás que se f : D ⊆ R → R é diferenciável podemos definir a sua função derivada
através da correspondência x 7→ f 0 (x). Se esta nova função for diferenciável, define-se a segunda
derivada de f por f 00 (x) = (f 0 )0 (x). Desde que as derivadas sucessivas existam, este processo
pode ser iterado de modo a definir a terceira derivada, a quarta, e assim sucessivamente, sendo
a derivada de ordem n (n ∈ N2 ) de f dada por
dn f
(x) = f (n) (x) = (f (n−1) )0 (x).
dxn
Exemplo. Sendo f (x) = x2 + 5x − 2 + cos x, com x ∈ R, calcular f (4) (x).
Derivando sucessivamente temos f 0 (x) = 2x + 5 − sin x, f 00 (x) = 2 − cos x, f 000 (x) = sin x e
f (4) (x) = cos x, para x ∈ R.
Por convenção, f (0) (x) = f (x). Assim, dado n ∈ N, f diz-se n vezes diferenciável no
ponto c se existir a derivada f (n) (c). Dizemos que f é de classe C n (n ∈ N) no ponto c se f for
n vezes diferenciável em c e se f (n) for contı́nua em c. Uma função diz-se de classe C 0 se for
uma função contı́nua. f diz-se de classe C ∞ , ou indefinidamente diferenciável, num ponto
se tiver derivadas de qualquer ordem nesse ponto. Estas noções estendem-se, naturalmente, a
conjuntos contidos no domı́nio de f .
São exemplos de funções de classe C ∞ , em R, as funções polinomiais e as funções definidas
por ex , sin x e cos x, em R+ , a função x 7→ log x e, em R \ {0}, a função definida por x1 .
Repare-se que se f é de classe C n+1 em c, então f é n + 1 vezes diferenciável em c, pelo que
f é de classe C n no ponto c. Em particular, toda a função de classe C 1 é diferenciável mas o
recı́proco é falso. Por exemplo, a função

x2 sin 1 ,
 
se x 6= 0

f (x) = x
0, se x = 0

tem derivada dada por



2x sin 1 − cos 1 ,
   
se x 6= 0

f 0 (x) = x x
0, se x = 0

uma vez que  


1
x2 sin x 1
 
f 0 (0) = lim = lim x sin
= 0.
x→0x x→0 x
No entanto, f não é de classe C 1 (R), dado que f 0 tem uma descontinuidade de 2a espécie em
c = 0 pois não existe lim f 0 (x).
x→0
Se f e g são n vezes diferenciáveis em c, prova-se, por indução, que as funções f + g, f · g e
f
(se g(c) 6= 0) também são n vezes diferenciáveis em c.
g

3.2 Derivação da função composta e da função inversa

O próximo resultado diz respeito à diferenciabilidade de funções que resultam da composição de


funções diferenciáveis.
Teorema 3.9 (Derivação da Função Composta) Sejam
g : D1 ⊆ R → R e f : D2 ⊆ R → R
funções tais que g(D1 ) ⊆ D2 e c ∈ D1 ∩ D10 tal que g(c) ∈ D20 . Se g é diferenciável no ponto c e
f é diferenciável no ponto g(c), então f ◦ g é diferenciável no ponto c e tem-se
(f ◦ g)0 (c) = f 0 (g(c))g 0 (c).
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

73
Pondo y = f (t) e t = g(x), a fórmula anterior escrita na notação de Leibniz toma a forma
dy dy dt
= .
dx dt dx
Demonstração do Teorema 3.9. Uma vez que f é diferenciável no ponto g(c), pelo Teorema
3.5 sabemos que
f (y) − f (g(c)) = (y − g(c))f 0 (g(c)) + (y − g(c))ϕ(y), onde lim ϕ(y) = 0.
y→g(c)

Fazendo y = g(x) tem-se


f (g(x)) − f (g(c)) = (g(x) − g(c))f 0 (g(c)) + (g(x) − g(c))ϕ(g(x))
donde
f (g(x)) − f (g(c)) g(x) − g(c)  0 
= f (g(c)) + ϕ(g(x)) .
x−c x−c
Como g é contı́nua no ponto c, por ser aı́ diferenciável, vem lim g(x) = g(c) e, consequentemente,
x→c
lim ϕ(g(x)) = 0. Assim,
x→c

f (g(x)) − f (g(c)) g(x) − g(c)  0


 
f (g(c)) + ϕ(g(x)) = g 0 (c)f 0 (g(c)),

lim = lim
x→c x−c x→c x−c
pelo que f ◦ g é diferenciável em c e (f ◦ g)0 (c) = g 0 (c)f 0 (g(c)). 

Exemplos. 1) Seja u : D ⊆ R → R uma função diferenciável e considere-se a função h dada


por h(x) = eu(x) , x ∈ D. Uma vez que h é a composição de f (x) = ex , que é diferenciável em R
sendo f 0 (x) = ex , com a função u, resulta do Teorema 3.9 que h é diferenciável em D e que
h0 (x) = (f ◦ u)0 (x) = f 0 (u(x))u0 (x) = eu(x) · u0 (x), x ∈ D.
2) Dado a > 0, conclui-se do exemplo anterior que
d x d x log a
(a ) = (e ) = ex log a · log a = ax · log a,
dx dx
o que mostra que a única função exponencial de base a > 0 que tem derivada igual à própria
função é a exponencial de base e.
3) É ainda consequência do Exemplo 1) que (xα )0 = αxα−1 , ∀x > 0 e ∀α ∈ R. Com efeito,
d α d α log x α
(x ) = (e ) = eα log x · = αxα−1 .
dx dx x
u0 (x)
4) Se u é uma função diferenciável tal que u(x) 6= 0, tem-se (log |u(x)|)0 = . Este facto
u(x)
resulta do Teorema 3.9 aplicado à composição das funções f (x) = log x, diferenciável em R+
com derivada dada por f 0 (x) = x1 , e u. Se u(x) > 0 tem-se
d d 1
log(u(x)) = (f ◦ u)0 (x) = f 0 (u(x)) · u0 (x) = · u0 (x).
 
log |u(x)| =
dx dx u(x)
Se u(x) < 0, tem-se −u(x) > 0, logo conclui-se do caso anterior que
d d 1 u0 (x)
· (−u0 (x)) =
 
log |u(x)| = log(−u(x)) = .
dx dx −u(x) u(x)
5) Seja f uma função definida num domı́nio D com a seguinte propriedade: se x ∈ D também
−x ∈ D. Uma função nestas condições diz-se par se f (−x) = f (x), ∀x ∈ D, e diz-se ı́mpar se
f (−x) = −f (x), ∀x ∈ D. Como aplicação do Teorema 3.9, mostremos que se f : D ⊆ R → R
é uma função diferenciável e par (respectivamente, ı́mpar), então a sua derivada f 0 : D → R é
uma função ı́mpar (respectivamente, par).
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

74
Suponhamos que f : D → R é uma função diferenciável e par, seja g(x) = −x, x ∈ R, e
consideremos a função dada por F (x) = f (g(x)) = f (−x), x ∈ D. Dado que g é diferenciável
em R e que g 0 (x) = −1, ∀x ∈ R, temos

F 0 (x) = f 0 (g(x)) · g 0 (x) = −f 0 (−x), ∀x ∈ D.

Por outro lado, atendendo a que f é par, vem F (x) = f (−x) = f (x), ∀x ∈ D, pelo que F 0 (x) =
f 0 (x). Igualando as duas expressões obtidas para F 0 (x) concluı́mos que f 0 (x) = −f 0 (−x), o que
mostra que f 0 é uma função ı́mpar.
O outro caso é análogo. Veja-se ainda a generalização deste resultado ao caso de derivadas
de ordem superior à primeira de funções pares/ı́mpares, enunciado no Exercı́cio 82 da Ficha 3.
6) Nas condições do Teorema 3.9, se f, g, h são funções tais que h é diferenciável em c, g é
diferenciável em h(c) e f é diferenciável em g(h(c)), então f ◦ g ◦ h é diferenciável em c e tem-se

(f ◦ g ◦ h)0 (c) = f 0 (g(h(c)))g 0 (h(c))h0 (c).

Este resultado generaliza-se à composição de n funções diferenciáveis e pode ser demonstrado


por indução. 
x3 cos 1 , se x 6= 0
 

7) Seja f (x) = x2
0, se x = 0.

Calcule f (x), se x 6= 0 e, se existir, f 0 (0).


0

Para x 6= 0 temos, usando a regra de derivação de um produto e a derivação da função


composta,
1 1
    
0 2
f (x) = 3x cos 2
+ x3 − sin (x−2 )0
x x2
1 1 1 1
       
2 3 −3 2
= 3x cos 2
− x sin 2
(−2)x = 3x cos 2
+ 2 sin .
x x x x2
Recorrendo à definição vem
 
1
f (x) − f (0) x3 cos x2

1

0 2
f (0) = lim = lim = lim x cos = 0,
x→0 x x→0 x x→0 x2
 
uma vez que lim x2 = 0 e que cos 1
x2
é uma função limitada.
x→0
É de salientar que é falso que = lim f 0 (x). Neste caso f 0 (0) = 0 e não existe lim f 0 (x)
f 0 (0)
x→0 x→0
1
 
por não existir lim sin . Veja-se, no entanto, o Teorema 3.23.
x→0 x2

Relativamente à diferenciabilidade da função inversa é válido o seguinte resultado.

Teorema 3.10 (Derivação da Função Inversa) Seja f : D ⊆ R → R uma função injectiva


e seja c ∈ D ∩ D0 . Se f é diferenciável em c, com f 0 (c) 6= 0, e se f −1 é contı́nua em f (c), então
f −1 é diferenciável no ponto f (c) e tem-se
1
(f −1 )0 (f (c)) = .
f 0 (c)

Nota. Observe-se que, se no teorema anterior, o domı́nio de f for um intervalo I de R, a


continuidade de f −1 é assegurada pelo Teorema 2.38.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

75
Pondo y = f (x), x = f −1 (y), a fórmula anterior escrita na notação de Leibniz toma a forma
dx 1
= .
dy dy
dx
Note-se ainda que a hipótese f 0 (c) 6= 0 é fundamental, caso contrário o resultado é falso. Por
exemplo, considerando a bijecção f : R → R definida por f (x) = x3 tem-se
√ f 0 (0) = 0 e a função
√ 3
x
inversa f −1 (x) = 3 x não é diferenciável em x = 0 uma vez que lim = +∞.
x→0 x
Demonstração do Teorema 3.10. Pondo y = f (x), devido à injectividade de f e de f −1
temos y 6= f (c) se, e só se, f −1 (y) 6= c, pelo que
f −1 (y) − f −1 (f (c)) 1 1
lim = lim = lim .
y→f (c) y − f (c) y→f (c) y − f (c) y→f (c) f (f −1 (y)) − f (c)
f −1 (y) − f −1 (f (c)) f −1 (y) − c
Por continuidade de f −1 no ponto f (c), o facto de y → f (c) implica que f −1 (y) → f −1 (f (c)) = c,
donde, atendendo ao Teorema 2.29, obtemos
1 1 1
lim = lim = 0 . 
y→f (c) f (f −1 (y)) − f (c) x→c f (x) − f (c) f (c)
f −1 (y) − c x−c
Exemplo. Considerando a bijecção f : R+ → R+ 2
0 dada por f (x) = x , a função inversa de f
−1 + + −1 √0 + 0
é f : R0 → R0 definida por f (y) = y. Como em R se tem f (x) = 2x 6= 0, concluı́mos
que f −1 é diferenciável em R+ e, dado y > 0 tal que y = f (x), tem-se
1 1 1
(f −1 )0 (y) = 0 = = √ .
f (x) 2x 2 y

3.3 Funções circulares inversas

É bem conhecido que a função f (x) = sin x não é injectiva em R e, portanto, não é invertı́vel.

− π , π , a função resultante
 
No entanto, se considerarmos a restrição desta função ao intervalo
 π π 2 2
já é injectiva. Assim, dado y ∈ [−1, 1], existe um e um só x ∈ − 2 , 2 tal que sin x = y. A este
x damos o nome de arco cujo seno é y e escrevemos x = arcsin y. Podemos assim definir a
função inversa de
π π
 
f: − , → [−1, 1]
2 2
x 7→ sin x,

gráfico de f
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76
por
π π
 
f −1 : [−1, 1] →− ,
2 2
y →
7 arcsin y

e referimo-nos a esta função como função arco seno.

gráfico de f −1
Sendo funções inversas uma da outra, os seus gráficos são a reflexão um do outro relativa-
mente à recta y = x, e tem-se

sin(arcsin y) = y, ∀y ∈ [−1, 1]

e
π π
 
arcsin(sin x) = x, ∀x ∈ − , .
2 2
√ !! √
2 2 π π 13π π π
   
Exemplos. Tem-se sin arcsin − =− ; arcsin sin = . Como ∈
/ − ,
2 2 3 3 6 2 2
obtemos
13π π π π
      
arcsin sin = arcsin sin + 2π = arcsin sin = ,
6 6 6 6
dado que x 7→ sin x é periódica de periodo 2π.
Uma vez que a derivada da função seno, y = cos x, não se anula no intervalo aberto − π2 , π2 ,
 

resulta do Teorema 3.10 que a função arco seno é diferenciável no intervalo aberto ] − 1, 1[,
tendo-se
d 1 1 1
(arcsin y) = d = =p , ∀y ∈ ] − 1, 1 [,
dy dx (sin x)
cos x 1 − y2

pois no intervalo − π2 , π2 tem-se cos x > 0, donde cos x = 1 − sin2 x = 1 − y 2 .
  p

De modo análogo, se considerarmos a restrição da função y = cos x ao intervalo [0, π],

g : [0, π] → [−1, 1]
x 7→ cos x,

gráfico de g
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77
obtemos uma bijecção sobre [−1, 1]. Assim, dado y ∈ [−1, 1], existe um e um só x ∈ [0, π] tal
que cos x = y. A este x damos o nome de arco cujo cosseno é y e escrevemos x = arccos y.
Podemos assim definir a função inversa da função g por
g −1 : [−1, 1] → [0, π]
y 7→ arccos y
e referimo-nos a esta função como função arco cosseno.

gráfico de g −1
Tem-se portanto,
cos(arccos y) = y, ∀y ∈ [−1, 1]
e
arccos(cos x) = x, ∀x ∈ [0, π] .
Uma vez que a derivada da função cosseno, y = − sin x, não se anula no intervalo aberto
]0, π[, resulta do Teorema 3.10 que a função arco cosseno é diferenciável no intervalo aberto
] − 1, 1[, tendo-se
d 1 1 1
(arccos y) = d =− = −p , ∀y ∈ ] − 1, 1 [,
dy dx (cos x)
sin x 1 − y2
√ p
dado que sin x = 1 − cos2 x = 1 − y 2 , pois em ]0, π[ tem-se sin x > 0.
−π, π
 
Embora não seja injectiva no seu domı́nio, a restrição da função tangente ao intervalo
 π π 2 2
é uma bijecção sobre R. Assim, para cada número real y existe um e um só x ∈ − 2 , 2 tal que
tan x = y. A este x damos o nome de arco cuja tangente é y e escrevemos x = arctan y. A
inversa da função
π π
 
h: − , → R
2 2
x 7→ tan x,

gráfico de h
é a função dada por
π π
 
−1
h :R → − ,
2 2
y 7→ arctan y
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

78
a que damos o nome de função arco tangente,

gráfico de h−1
tendo-se
tan(arctan y) = y, ∀y ∈ R
e
π π
 
arctan(tan x) = x, ∀x ∈ − , .
2 2
Como a derivada da função tangente, y = sec2 x, não se anula em R, resulta do Teorema
3.10 que a função arco tangente é diferenciável em R, tendo-se
d 1 1 1 1
(arctan y) = d
= 2
= 2 = , ∀y ∈ R.
dy dx (tan x)
sec x 1 + tan x 1 + y2

No cálculo anterior foi usada a fórmula trigonométrica 1 + tan2 x = sec2 x cuja prova é imediata
a partir da definição de tangente e da fórmula fundamental da trigonometria.
Exemplos. 1) Calcular as derivadas das funções f (x) = arctan(2x2 − 5) e h(x) = arcsin(ex ) de
domı́nios naturais R e R−0 , respectivamente.
Pondo g(x) = 2x − 5 e k(x) = ex , notamos que f (x) = arctan(g(x)) e h(x) = arcsin(k(x)).
2

Assim, pelas fórmulas anteriores e pela regra de derivação da função composta, vem
1 4x
f 0 (x) = 2
· g 0 (x) = , ∀x ∈ R
1 + g (x) 1 + (2x2 − 5)2
e
1 ex
h0 (x) = p · k 0
(x) = √ , ∀x ∈ R− .
1 − k 2 (x) 1 − e2x
(
x3 + arctan (x − 1) , se x ≥ 1
2) Considere a função definida em R por f (x) =
log(2 − x) + x, se x < 1.
a) Verifique que f é diferenciável em R \ {1} e calcule f 0 (0) e f 0 (2).
b) Estude a diferenciabilidade de f no ponto x = 1.
3
a) Fazendo g(x)  = x + arctan (x − 1), h(x) = log(2 − x) + x e usando as regras de derivação,
g 0 (x) = 3x2 + 1
, se x > 1

1 + (x − 1)2

obtemos f 0 (x) =
h0 (x) = −1 + 1,

se x < 1.
2−x

Portanto, f 0 (0) = h0 (0) = − 12 + 1 = 21 e f 0 (2) = g 0 (2) = 12 + 21 = 25


2 .
b) Note-se que f é contı́nua em x = 1 uma vez que
 
lim f (x) = lim x3 + arctan (x − 1) = 1 = f (1)
x→1+ x→1+
e
lim f (x) = lim (log(2 − x) + x) = 1,
x→1− x→1−

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79
pelo que lim f (x) = f (1). Assim, o cálculo das derivadas laterais de f no ponto x = 1 pode ser
x→1
feito recorrendo à Proposição 3.8. Tem-se então

f+0 (1) = g 0 (1) = 3 + 1 = 4 e f−0 (1) = h0 (1) = −1 + 1 = 0.

Como f+0 (1) 6= f−0 (1) conclui-se que f não é diferenciável em x = 1.

3.4 Teoremas de Rolle e do Valor Médio de Lagrange

Nesta secção vamos estudar dois teoremas importantes envolvendo funções diferenciáveis. Co-
meçamos por recordar as noções de extremo local, de extremo absoluto e de função monótona.

Definição 3.11 Seja f : D ⊆ R → R.


i) f diz-se crescente (respectivamente, estritamente crescente) em D se, e só se,
∀x, y ∈ D, x ≤ y ⇒ f (x) ≤ f (y) (respectivamente, ∀x, y ∈ D, x < y ⇒ f (x) < f (y)).

ii) f diz-se decrescente (respectivamente, estritamente decrescente) em D se, e só se,


∀x, y ∈ D, x ≤ y ⇒ f (x) ≥ f (y) (respectivamente, ∀x, y ∈ D, x < y ⇒ f (x) > f (y)).
Em qualquer dos casos anteriores f diz-se monótona em D.

Definição 3.12 Uma função f : D ⊆ R → R tem um máximo local (ou relativo) num ponto
c ∈ D se, e só se, existe δ > 0 tal que f (c) ≥ f (x), ∀x ∈ Vδ (c) ∩ D. f tem um mı́nimo local
(ou relativo) num ponto c ∈ D se, e só se, existe δ > 0 tal que f (c) ≤ f (x), ∀x ∈ Vδ (c) ∩ D.
A estes valores f (c) damos o nome de extremos locais (ou relativos) de f e dizemos que
c é um ponto de extremo local de f (maximizante, no caso em que f (c) é máximo, e
minimizante, no caso em que f (c) é mı́nimo).

Para a função cujo gráfico está representado na figura anterior, f (a), f (c) e f (e) são mı́nimos
locais de f , f (b) e f (d) são máximos locais.

Definição 3.13 Seja f : D ⊆ R → R. Diz-se que f atinge um máximo (absoluto) em D se


existe x0 ∈ D tal que f (x) ≤ f (x0 ), ∀x ∈ D. Diz-se que f atinge um mı́nimo (absoluto) em
D se existe x0 ∈ D tal que f (x) ≥ f (x0 ), ∀x ∈ D. Nas situações anteriores f (x0 ) diz-se um
extremo absoluto (respectivamente, máximo absoluto, mı́nimo absoluto) de f .

No exemplo da figura anterior, f (a) é mı́nimo absoluto e f (d) é máximo absoluto de f em


[a, e].
Note-se que, se f atinge um máximo e um mı́nimo em D, então f é limitada, mas f pode ser
limitada e não ter máximo ou mı́nimo em D. Vamos ver um teorema que estabelece condições
suficientes para que possamos garantir a existência de máximo e de mı́nimo de uma função.
Começamos por enunciar resultados auxiliares que permitem provar esse teorema.
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

80
Definição 3.14 Um conjunto K ⊂ R diz-se compacto se K for limitado e fechado.

Dados a < b ∈ R, o intervalo [a, b] é um conjunto compacto.

Proposição 3.15 (Caracterização de compactos por sucessões) Um conjunto K ⊂ R é


compacto se, e só se, toda a sucessão em K admite uma subsucessão convergente em K.

Proposição 3.16 Uma função contı́nua transforma conjuntos compactos em conjuntos com-
pactos.

Em particular, se I é um intervalo compacto de R e f : I → R é uma função contı́nua, então


f (I) é um intervalo compacto.

Teorema 3.17 (Teorema de Weierstrass) Se f é contı́nua num intervalo compacto [a, b],
então f atinge um máximo e um mı́nimo (absolutos) em [a, b].

Exemplo. A função f (x) = x + 2 é contı́nua em R. f não tem extremos absolutos em R, nem


no intervalo ]0, 5[, mas em [0, 5] o máximo de f é 7 e o mı́nimo é 2.

Definição 3.18 Chamamos pontos crı́ticos de f : D ⊆ R → R aos pontos c ∈ int D para os


quais f 0 (c) = 0.

O resultado que se segue permite caracterizar os pontos do interior do domı́nio onde uma
função diferenciável atinge um extremo local.

Teorema 3.19 (Teorema de Fermat, 1637) Se f : D ⊆ R → R tem um extremo local num


ponto c ∈ int D e f é diferenciável em c, então c é um ponto crı́tico de f .

Observe-se que no teorema anterior é importante que c seja um ponto interior a D. Se c for
ponto fronteiro (e de acumulação) de D, e se existir uma das derivadas laterais de f em c, c pode
ser ponto de extremo local sem que essa derivada lateral se anule. Voltaremos a esta questão na
secção 3.6. Note-se ainda que o recı́proco deste teorema é falso. Por exemplo, para f (x) = x3
tem-se f 0 (0) = 0, no entanto f não tem um extremo local em x = 0 pois é estritamente crescente
em R.

Demonstração do Teorema de Fermat. Comecemos por observar que, como f é diferenciável


em c ∈ int D, existem, e são iguais, as derivadas laterais f+0 (c) e f−0 (c). Suponhamos que f atinge
um máximo local no ponto c ∈ int D. Então existe δ > 0 tal que f (x) ≤ f (c), ∀x ∈ Vδ (c) e,
como c é um ponto interior a D, podemos assumir que δ é suficientemente pequeno de modo
f (x) − f (c)
a que Vδ (c) ⊂ D. Assim, se x ∈ ]c, c + δ[, tem-se x − c > 0 pelo que ≤ 0 donde,
x−c
0
pela Proposição 2.14, vem f+ (c) ≤ 0. Por outro lado, se x ∈ ]c − δ, c[, tem-se x − c < 0 logo
f (x) − f (c)
≥ 0 o que implica, novamente pela Proposição 2.14, que f−0 (c) ≥ 0. Atendendo à
x−c
hipótese de diferenciabilidade de f no ponto c, terá que ser f 0 (c) = f+0 (c) = f−0 (c) = 0, ou seja,
c é um ponto crı́tico de f .
A prova no caso de f atingir um mı́nimo local em c é semelhante. 
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81
Teorema 3.20 (Teorema de Rolle, 1691) Sejam a, b ∈ R tais que a < b e f uma função
diferenciável no intervalo aberto ]a, b[ e contı́nua no intervalo fechado [a, b]. Se f (a) = f (b),
então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que f 0 (c) = 0.

Este resultado diz-nos que, nas condições enunciadas, existe pelo menos um ponto no inter-
valo aberto ]a, b[ onde a recta tangente ao gráfico de f é horizontal.

Nestas condições, se f representar a posição de um ponto em movimento no eixo real, e


se este ocupou a mesma posição nos instantes a e b, então houve um instante em que a sua
velocidade foi nula.
Se as hipóteses de continuidade de f em [a, b] e de existência de derivada de f em ]a, b[ não
se verificarem, não se pode garantir a conclusão do Teorema de Rolle. Com efeito, considerem-se
as funções f , definida em [−1, 1] por f (x) = 1 − |x|, e g, definida em ]0, 1] por g(x) = 1 − x e
g(0) = 0. f é contı́nua em [−1, 1] e f (−1) = f (1) mas não existe c ∈ ] − 1, 1[ tal que f 0 (c) = 0
uma vez que f não é diferenciável em x = 0. No segundo exemplo também não existe um ponto
c ∈ ]0, 1[ tal que g 0 (c) = 0 pois, embora g seja diferenciável em ]0, 1[ e se tenha g(0) = g(1), falha
a hipótese de continuidade de g em [0, 1].
A prova do Teorema de Rolle baseia-se nos Teoremas de Weierstrass e de Fermat.
Demonstração do Teorema de Rolle. Uma vez que f é contı́nua no intervalo compacto [a, b],
pelo Teorema de Weierstrass, f atinge neste intervalo um máximo e um mı́nimo absolutos (e,
portanto, também locais). Se estes extremos são atingidos nos pontos a e b, como f (a) = f (b),
a função f é constante em [a, b] pelo que qualquer ponto c ∈ ]a, b[ satisfaz f 0 (c) = 0. Caso
contrário, pelo menos um dos extremos de f é atingido num ponto c interior a [a, b] donde se
conclui, pelo Teorema de Fermat, que f 0 (c) = 0. 

Corolário 3.21 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função contı́nua. Se f é dife-


renciável em int I e f 0 não se anula, então f não pode ter mais do que um zero em I. Mais
geralmente, se f é k vezes diferenciável em int I e f (k) não se anula, então f não pode ter mais
do que k zeros em I.

Demonstração. Suponhamos, com vista a um absurdo, que existem a, b ∈ I, com a < b, e tais
que f (a) = f (b) = 0. Então, como f é contı́nua em [a, b] ⊆ I e é diferenciável em ]a, b[ ⊆ int I,
pelo Teorema de Rolle, teria que existir c ∈ ]a, b[ tal que f 0 (c) = 0, o que é contrário à hipótese
de que f 0 não se anula. Iterando este raciocı́nio conclui-se a segunda parte do enunciado. 
Resulta ainda do Teorema de Rolle que se f : I → R é diferenciável, entre dois zeros
consecutivos de f 0 não pode haver mais de um zero de f e não pode haver mais do que um zero
de f maior (respectivamente, menor) do que todos os zeros de f 0 .

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82
5
Exemplos. 1) Mostremos que o polinómio x5 + x − 3 tem um zero no intervalo [0, 1] e que
2
não tem mais zeros para além deste.
5 5
Seja p(x) = x5 + x − 3, x ∈ R. Uma vez que p é diferenciável em R e p0 (x) = 5x4 + > 0,
2 2
∀x ∈ R, conclui-se, pelo Teorema de Rolle, que a equação p(x) = 0 tem no máximo uma solução
real. Por outro lado, p(0) = −3 < 0, p(1) = 12 > 0. Como p(0) · p(1) < 0, e uma vez que p é
contı́nua em [0, 1], o Teorema de Bolzano garante a existência de pelo menos um zero de p no
intervalo ]0, 1[. Resulta então que a equação p(x) = 0 tem uma, e uma só, solução real, solução
essa que pertence ao intervalo ]0, 1[.
2) Mostremos que a equação ex − a − bx3 = 0 não pode ter mais de quatro raı́zes reais,
quaisquer que sejam a, b ∈ R.
Seja f (x) = ex − a − bx3 , x ∈ R. f tem derivadas contı́nuas de qualquer ordem por ser a
soma da função x 7→ ex com uma função polinomial. Por outro lado, como o grau do polinómio
−a − bx3 é menor ou igual a 3, a sua derivada de quarta ordem é nula. Assim, f (4) (x) = ex > 0,
∀x ∈ R, pelo que a equação f (4) (x) = 0 não tem soluções em R. Pelo Corolário 3.21 conclui-se
que f tem, no máximo, quatro zeros reais, independentemente dos valores de a, b ∈ R.

Teorema 3.22 (Teorema do Valor Médio de Lagrange, 1797) Sejam a, b ∈ R tais que
a < b e f uma função diferenciável no intervalo aberto ]a, b[ e contı́nua no intervalo fechado
f (b) − f (a)
[a, b]. Então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que f 0 (c) = .
b−a
Geometricamente, este teorema diz-nos que, nas condições enunciadas, existe pelo menos um
ponto no intervalo aberto ]a, b[ onde a recta tangente ao gráfico de f é paralela à recta que passa
nos pontos A = (a, f (a)) e B = (b, f (b)).

Nestas condições, se f representar a posição de um ponto em movimento no eixo real, o


Teorema de Lagrange diz-nos que há um instante c onde a velocidade instantânea do ponto é
igual à sua velocidade média entre os instantes a e b.
Tal como para o Teorema de Rolle, se as hipóteses de continuidade de f em [a, b] e de
existência de derivada de f em ]a, b[ não forem verificadas, a conclusão do Teorema de Lagrange
não pode ser garantida. De facto, em ambos os exemplos apresentados antes da prova do Teorema
3.20, a recta que passa nos pontos (−1, f (−1)) e (1, f (1)), e (0, g(0)) e (1, g(1)), respectivamente,
é o eixo Ox mas em nenhuma das situações existe um ponto c ∈ ] − 1, 1[ (respectivamente,
c ∈ ]0, 1[) onde a recta tangente ao gráfico de f (respectivamente, g) no ponto c seja paralela a
Ox. Como vimos, para a função f falha a condição de diferenciabilidade em ] − 1, 1[ e para g
falha a continuidade em [0, 1].
A ideia geométrica da prova do Teorema de Lagrange é construir uma nova função g tal que
g(a) = g(b), de modo a que se possa aplicar o Teorema de Rolle.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

83
Demonstração do Teorema de Lagrange. Consideremos a função
f (b) − f (a)
g(x) = f (x) − x.
b−a
Note-se que g é contı́nua em [a, b] e diferenciável em ]a, b[ uma vez que, por hipótese, f satisfaz
estas propriedades e o mesmo acontece para as funções polinomiais. Como
f (b) − f (a) f (b) − f (a) 
g(b) = f (b) − b = f (b) − (b − a) + a
b−a b−a
f (b) − f (a)
= f (b) − f (b) + f (a) − a = g(a),
b−a
pelo Teorema de Rolle, podemos garantir a existência de um ponto c ∈ ]a, b[ tal que g 0 (c) = 0.
Dado que g 0 (x) = f 0 (x) − f (b)−f
b−a
(a)
, tem-se

f (b) − f (a)
g 0 (c) = 0 ⇔ f 0 (c) = . 
b−a

O Teorema de Lagrange é muito utilizado na demonstração de desigualdades. Pode, por


exemplo, ser usado para mostrar que sin x ≤ x, ∀x ≥ 0. Com efeito, a função f (t) = sin t é
diferenciável em R, logo é contı́nua, pelo que satisfaz as hipóteses do Teorema de Lagrange em
qualquer intervalo compacto de R. Se x = 0 a desigualdade anterior é trivialmente verificada.
Para x 6= 0 aplicamos o teorema à função f no intervalo [0, x]. Concluı́mos que existe c ∈ ]0, x[
tal que
sin x − sin 0 sin x
= = cos c ≤ 1,
x x
donde, como x > 0, resulta que sin x ≤ x.
Exemplo. Usar o Teorema de Lagrange para provar as seguintes desigualdades:
π
 
a) tan x ≥ x, ∀x ∈ 0, ;
2
b−a b−a
b) < arctan b − arctan a < , para quaisquer 0 < a < b;
1 + b2 1 + a2
c) 0 < x − log(1 + x) < x2 , se x > 0.

a) Começamos por notar que a desigualdade é claramente verificada se x = 0. Seja 0 < x < π2
e consideremos a função f (t) = tan t, com t ∈ [0, x]. f é diferenciável em [0, x] ⊂ [0, π2 [, logo,
pelo Teorema de Lagrange, existe c ∈ ]0, x[ tal que
f (x) − f (0) 1 tan x
f 0 (c) = ⇔ = . (18)
x−0 cos2 c x
1
Como 0 < c < x < π2 , tem-se cos2 c < 1, donde > 1 e, portanto, dado que x > 0, resulta
cos2 c
de (18) que tan x > x.
b) Desta vez aplicamos o Teorema de Lagrange à função f (t) = arctan t, que é diferenciável
em R, no intervalo [a, b] onde 0 < a < b. Garantimos assim a existência de um ponto c ∈ ]a, b[
tal que
f (b) − f (a) arctan b − arctan a 1
= f 0 (c) ⇔ = . (19)
b−a b−a 1 + c2
Uma vez que a função x 7→ x2 é estritamente crescente em R+ e 0 < a < c < b tem-se
a2 < c2 < b2 donde
1 1 1
< < . (20)
1 + b2 1 + c2 1 + a2
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

84
De (19) e de (20) vem então
1 arctan b − arctan a 1 b−a b−a
2
< < 2
⇔ 2
< arctan b − arctan a < ,
1+b b−a 1+a 1+b 1 + a2
pois b − a > 0.
c) Seja f (t) = t − log(1 + t) definida em ] − 1, +∞[. Uma vez que f é diferenciável no seu
1
domı́nio, tendo-se f 0 (t) = 1 − , ∀t > −1, f está nas condições do Teorema de Lagrange em
1+t
qualquer intervalo compacto contido em ] − 1, +∞[. Podemos assim aplicar o referido teorema
a f no intervalo [0, x], com x > 0. Concluı́mos que existe c ∈ ]0, x[ tal que
f (x) − f (0) 1 x − log(1 + x) c x − log(1 + x)
f 0 (c) = ⇔1− = ⇔ = . (21)
x−0 1+c x 1+c x
Ora 0 < c < x pelo que
c
0< < c < x. (22)
1+c
Por (48) e (22) obtemos
x − log(1 + x)
0< < x ⇒ 0 < x − log(1 + x) < x2 ,
x
dado que x > 0.

O Teorema de Lagrange permite ainda provar o próximo resultado, também conhecido por
f (c + h) − f (c)
Teorema do Limite da Derivada. Doravante, usaremos a notação f 0 (c) = lim ,e
h→0 h
0
analogamente para f± (c), mesmo no caso em que estes limites são infinitos.
Teorema 3.23 Sejam I ⊂ R um intervalo com mais do que um ponto, f : I → R uma função
contı́nua e c ∈ int I. Se f é diferenciável em I \ {c} e se existe lim f 0 (x) = ` ∈ R, então existe
x→c+
f+0 (c)
e tem-se f+0 (c)
= `. Analogamente para o limite à esquerda.
Em particular, se existe lim f 0 (x) = ` ∈ R, então existe f 0 (c) e tem-se f 0 (c) = `.
x→c

Demonstração. Seja x ∈ I tal que x > c. Então [c, x] ⊂ I e, portanto, f é contı́nua em [c, x]
e diferenciável em ]c, x]. Pelo Teorema de Lagrange, existe cx ∈ ]c, x[ tal que
f (x) − f (c)
f 0 (cx ) = .
x−c
Por enquadramento, se x → c+ tem-se cx → c+ logo
f (x) − f (c)
f+0 (c) = lim = lim f 0 (cx ) = `.
x→c+ x−c x→c+

Os casos restantes provam-se de modo semelhante. 


Observações. 1) Nas condições do teorema anterior, no caso em que lim f 0 (x) = ` ∈ R,
x→c
conclui-se que f é diferenciável no ponto c e que a função f 0 é contı́nua em c.
2) Se f não
(
for contı́nua no ponto c, o resultado é falso como mostra o exemplo que se segue.
2x, se x ≥ 0
Seja f (x) =
1, se x < 0.
(
2, se x > 0
f é descontı́nua em x = 0 e é diferenciável em R \ {0} tendo-se f 0 (x) =
0, se x < 0.
Tem-se ainda
f (x) − f (0) 1−0
f−0 (0) = lim = lim = −∞
x→0− x x→0 − x
e lim f 0 (x) = 0 6= −∞.
x→0−
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

85
3.5 Regra de Cauchy

Nesta secção estudaremos um resultado muito útil que nos permite levantar algumas indeter-
minações do tipo 00 ou ∞
∞ . Começamos com uma generalização do Teorema do Valor Médio de
Lagrange.

Teorema 3.24 (Teorema do Valor Médio de Cauchy, 1821) Sejam a, b ∈ R, com a < b,
e f e g funções contı́nuas em [a, b], diferenciáveis em ]a, b[ e tais que g 0 (x) 6= 0, ∀x ∈ ]a, b[. Então
existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que

f 0 (c) f (b) − f (a)


0
= .
g (c) g(b) − g(a)

O Teorema de Lagrange é um caso particular do teorema anterior. De facto, fazendo g(x) = x


no Teorema 3.24 obtemos o Teorema 3.22. Repare-se que, nas condições enunciadas, o quociente
anterior faz sentido pois g(b) 6= g(a). Com efeito, se g(b) = g(a), pelo Teorema de Rolle existiria
d ∈ ]a, b[ tal que g 0 (d) = 0, o que seria contrário à hipótese g 0 (x) 6= 0, ∀x ∈ ]a, b[.
Demonstração. Consideremos a função
     
G(x) = g(b) − g(a) f (x) − f (a) − g(x) − g(a) f (b) − f (a) , x ∈ [a, b].

As hipóteses de continuidade e diferenciabilidade de f e g permitem concluir que G é contı́nua


em [a, b] e diferenciável em ]a, b[. Tem-se ainda que G(a) = G(b) = 0. Assim, o Teorema de
Rolle garante a existência de um ponto c ∈ ]a, b[ tal que G0 (c) = 0. Ora,
   
G0 (x) = g(b) − g(a) · f 0 (x) − g 0 (x) · f (b) − f (a) ,

pelo que    
G0 (c) = 0 ⇔ g(b) − g(a) · f 0 (c) = g 0 (c) · f (b) − f (a) . (23)

Dado que g 0 não se anula no intervalo ]a, b[, segue-se que g 0 (c) 6= 0 e, como vimos, g(b) 6= g(a).
Portanto, de (23), resulta que
f 0 (c) f (b) − f (a)
0
= . 
g (c) g(b) − g(a)

Proposição 3.25 (Regra de L’Hôpital) Sejam f, g : D ⊆ R → R funções diferenciáveis


num ponto c ∈ D ∩ D0 e suponhamos que existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0, ∀x ∈ (Vδ (c) \ {c}) ∩ D.
f (x)
Se f (c) = g(c) = 0 e g 0 (c) 6= 0, então existe lim , tendo-se
x→c g(x)

f (x) f 0 (c)
lim = 0 .
x→c g(x) g (c)

O resultado anterior estende-se aos casos em que


f (c + h) − f (c)
• f 0 (c) = lim = ±∞ e g 0 (c) ∈ R,
h→0 h
g(c + h) − g(c)
• f 0 (c) ∈ R e g 0 (c) = lim = ±∞.
h→0 h

f (x)
Se g 0 (c) = 0 e f 0 (c) 6= 0 podemos concluir que lim = +∞.
x→c g(x)

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86
Demonstração. Como g(x) 6= 0, ∀x ∈ (Vδ (c) \ {c}) ∩ D, e f (c) = g(c) = 0, podemos escrever
f (x) − f (c)
f (x) f (x) − f (c) x−c
= = , ∀x ∈ (Vδ (c) \ {c}) ∩ D.
g(x) g(x) − g(c) g(x) − g(c)
x−c
Passando ao limite quando x → c, obtemos
f (x) f 0 (c)
lim = 0 . 
x→c g(x) g (c)

cos π4 + x

Exemplo. Calcular o limite limπ .
x→ 4 cos(2x)
π

Pomos f (x) = cos 4 + x e g(x) = cos(2x). Note-se que f e g são diferenciáveis em R, que
π π π
f 4 = g 4 = cos 2 = 0 e que existe uma vizinhança de π4 onde g não se
  
anula, excepto no
próprio ponto π4 . Mais ainda, g 0 (x) = −2 sin(2x), donde g 0 π4 = −2 sin π2 = −2 6= 0. Assim,


pela proposição anterior temos


cos π4 + x f0 π
− sin π2
  
f (x) 4 1
limπ = limπ = 0 π = = .
x→ 4 cos(2x) x→ 4 g(x) g 4 −2 2

Teorema 3.26 (1.a Regra de Cauchy) Sejam I um intervalo de R, c ∈ I 0 e f, g : I \{c} → R


funções diferenciáveis tais que g 0 não se anula em I \ {c} e
lim f (x) = 0 e lim g(x) = 0.
x→c x→c

f 0 (x) f (x)
Se existe, em R, o limite lim , então também existe lim e tem-se
x→c g 0 (x) x→c g(x)

f (x) f 0 (x)
lim = lim 0 .
x→c g(x) x→c g (x)

Analogamente nos casos em que x → c− , x → c+ , x → +∞ ou x → −∞.

Demonstração. Mostraremos o resultado no caso em que x → c+ , assumindo que f e g são


diferenciáveis num intervalo da forma ]c, c + ε[, para ε > 0. Os restantes casos são análogos.
Como, por hipótese, lim f (x) = lim g(x) = 0, podemos considerar os prolongamentos
x→c+ x→c+
por continuidade das funções f e g ao ponto c, dados, respectivamente, por F : [c, c + ε[→ R,
G : [c, c + ε[→ R, onde
( (
f (x), se x ∈ ]c, c + ε[ g(x), se x ∈ ]c, c + ε[
F (x) = e G(x) =
0, se x = c 0, se x = c.

Assim, se c < x < c + ε, as funções F e G são contı́nuas no intervalo [c, x], diferenciáveis em
]c, x[, tendo-se G0 (t) 6= 0, ∀t ∈ ]c, x[, pois, por hipótese, g 0 (x) 6= 0, ∀x ∈ ]c, c + ε[. Pelo Teorema
do Valor Médio de Cauchy, sabemos, então, que existe um ponto cx ∈ ]c, x[ tal que
F (x) − F (c) F 0 (cx ) F (x) f 0 (cx )
= 0 ⇔ = 0 ,
G(x) − G(c) G (cx ) G(x) g (cx )
atendendo à definição de F e de G. Passando ao limite quando x → c+ , obtemos
f (x) F (x) f 0 (cx )
lim = lim = lim 0 .
x→c+ g(x) x→c+ G(x) x→c+ g (cx )

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

87
Uma vez que c < cx < x, tem-se cx → c+ quando x → c+ , e como, por hipótese, existe o
f 0 (x)
limite lim 0 , concluı́mos que
x→c+ g (x)

f (x) f 0 (x)
lim = lim 0 . 
x→c+ g(x) x→c+ g (x)

0 f 0 (x)
Caso se continue a verificar uma indeterminação do tipo 0 no limite lim, a Regra de
x→c g 0 (x)
Cauchy pode ser aplicada outra vez, desde que as funções f 0 e satisfaçam as condições referidas
g0
no respectivo enunciado. Veja-se o exemplo 3) que se apresenta de seguida.
cos x − 1
Exemplos. 1) Calcular o limite lim √ .
x→0+ x
Neste exemplo temos uma indeterminação do tipo 00 , tendo um quociente entre duas funções
nas condições do Teorema 3.26. Vamos então aplicar a Regra de Cauchy: derivando o numerador
e o denominador do quociente acima obtemos
− sin x √ 
lim = lim − 2 x sin x = 0.
x→0+ 1 x→0 +

2 x
cos x − 1
Da existência deste último limite concluı́mos que lim √ = 0.
x→0+ x

3 + x3 log x
2) Calcular o limite lim .
x→1 sin(πx)
Podemos novamente aplicar a Regra de Cauchy dado que temos uma indeterminação do tipo
0
envolvendo um quociente entre duas funções diferenciáveis nas condições do Teorema 3.26.
0 √
Uma vez que 3 + x3 ∼ 2 (x → 1), temos
√ 2
3 + x3 log x 2 log x x 2
lim = lim = lim =− .
x→1 sin(πx) x→1 sin(πx) x→1 π cos(πx) π
Mais uma vez, a existência do último limite garante a existência do primeiro e a igualdade entre
ambos.
2 − e2x − e−2x
3) Calcular o limite lim .
x→0 1 − cos(4x)
No quociente anterior, quer o numerador, quer o denominador tendem para 0 quando x → 0.
Aplicando a Regra de Cauchy vem

2 − e2x − e−2x −2e2x + 2e−2x −2e2x + 2e−2x


lim = lim = lim ,
x→0 1 − cos(4x) x→0 4 sin(4x) x→0 16x

onde foi usado o facto de que sin(4x) ∼ 4x (x → 0). Como neste último limite ainda estamos
na presença de uma indeterminação do tipo 00 , derivamos novamente e obtemos

−2e2x + 2e−2x −4e2x − 4e−2x 1


lim = lim =− .
x→0 16x x→0 16 2
A existência do limite anterior permite, assim, concluir que

2 − e2x − e−2x 1
lim =− .
x→0 1 − cos(4x) 2

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88
π

4) Considerem-se
 as funções definidas em R por g(x) = cos 2 +x e
 
x2 sin 1 , se x 6= 0
x
f (x) =
0, se x = 0.
f (x)
Pretendemos calcular lim , que conduz a uma indeterminação do tipo 00 . É fácil verificar
x→0 g(x)
    
2x sin 1 − cos 1 , se x 6= 0
que g 0 (x) = − sin π2 + x , ∀x ∈ R, e que f 0 (x) = x x

0, se x = 0.
Pela Regra de L’Hôpital tem-se
f (x) f 0 (0) 0
lim = 0 = = 0.
x→0 g(x) g (0) −1
A Regra de Cauchy não é aplicável a este exemplo uma vez que não existe
   
1 1
f 0 (x) 2x sin x − cos x
lim = lim π ,
g 0 (x)

x→0 x→0 − sin 2 +x
1
 
por não existir lim cos .
x→0 x

Teorema 3.27 (2.a Regra de Cauchy) Sejam I um intervalo de R, c ∈ I 0 , e f, g : I \ {c} →


R funções diferenciáveis tais que g 0 não se anula em I \ {c} e lim g(x) = ±∞. Se existe, em R,
x→c
f 0 (x) f (x)
o limite lim 0 , então também existe lim e tem-se
x→c g (x) x→c g(x)

f (x) f 0 (x)
lim = lim 0 .
x→c g(x) x→c g (x)

Analogamente nos casos em que x → c− , x → c+ , x → +∞ ou x → −∞.

Nas aplicações mais usuais deste resultado tem-se também lim f (x) = ±∞ e a regra usa-se
x→c

para estudar indeterminações do tipo ∞ .
Como foi visto no Capı́tulo 2, há sete tipos de indeterminações: 00 , ∞
∞ , 0 × ∞, ∞ − ∞, e
∞ 0 0
ainda 1 , 0 e ∞ . Para levantarmos indeterminações destes últimos três tipos começamos por
usar as propriedades das funções exponencial e logarı́tmica para fixarmos a base e obtermos no
expoente indeterminações da forma 0 × ∞. Se necessário, estas podem ser manipuladas para as
transformar em indeterminações da forma 00 ou ∞ ∞ e assim podermos usar a Regra de Cauchy.
 
Exemplos. 1) Calcular o limite lim log x log(log x) .
x→1+
Trata-se de uma indeterminação do tipo 0 × ∞, para aplicarmos a Regra de Cauchy come-
çamos por escrever o produto anterior na forma de quociente:
  log(log x)
lim log x log(log x) = lim 1 .
x→1+ x→1+
log x

Temos agora uma indeterminação do tipo ∞ pelo que, derivando o numerador e o denomi-
nador do quociente anterior, vem
1
log(log x) x log x
lim = lim = lim (− log x) = 0.
x→1 + 1 x→1 + −1 1 x→1+
2 ·
log x log x x

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89
2) Calcular o limite lim (sin x)sin(2x) .
x→π −
Neste caso estamos na presença de uma indeterminação do tipo 00 ; pelas propriedades das
funções exponencial e logarı́tmica podemos escrever

(sin x)sin(2x) = esin(2x) log(sin x) .


Assim, pela
 continuidade da função exponencial, para calcularmos o limite inicial basta
calcular lim sin(2x) log(sin x) , que é uma indeterminação do tipo 0 × ∞. Tem-se então,
x→π −
aplicando a Regra de Cauchy e usando as relações cos x ∼ −1, (x → π) e cos(2x) ∼ 1, (x → π),
  log(sin x)
lim sin(2x) log(sin x) = lim
x→π − x→π − 1
sin(2x)
cos x
sin x cos x sin2 (2x)
= lim = lim
x→π − −2 cos(2x) x→π − −2 sin x cos(2x)
2
sin (2x)
(2 sin x cos x)2  
= lim = lim 2 sin x cos2 x = 0.
x→π − 2 sin x x→π −

Portanto,
lim (sin x)sin(2x) = e0 = 1.
x→π −

Nos dois exemplos anteriores, a existência dos últimos limites calculados, obtidos por apli-
cação da Regra de Cauchy, garantem a existência dos limites iniciais e as igualdades indicadas.
f (x) f 0 (x)
3) Nas condições dos Teoremas 3.26 e 3.27, conclui-se que lim = lim 0 , se o segundo
x→c g(x) x→c g (x)
f (x) f 0 (x)
limite existe. Nada se pode concluir acerca de lim , se não existir lim 0 . Por exemplo,
x→c g(x) x→c g (x)
não podemos afirmar que
x + cos x
lim = lim (1 − sin x),
x→+∞x x→+∞

uma vez que o segundo limite não existe. No entanto, neste caso, um cálculo directo conduz a
x + cos x 1
 
lim = lim 1 + cos x = 1.
x→+∞ x x→+∞ x

3.6 Funções monótonas, extremos locais e absolutos

Nesta secção vamos relacionar a monotonia de uma função diferenciável f com o sinal da sua
primeira derivada. Começamos por notar que se f é crescente (respectivamente, decrescente)
e diferenciável no conjunto aberto D, então, pela Proposição 2.14, f 0 (x) ≥ 0 (respectivamente,
f 0 (x) ≤ 0), ∀x ∈ D, uma vez que
f (y) − f (x)
≥ 0, ∀y ∈ D \ {x}
y−x
f (y) − f (x)
(respectivamente, ≤ 0, ∀y ∈ D \ {x}). Observe-se, no entanto, que se f é estrita-
y−x
mente monótona e diferenciável, a sua derivada não é necessáriamente positiva (ou negativa).
Por exemplo, a função f (x) = x3 é estritamente crescente em R, mas f 0 (x) = 3x2 , ∀x ∈ R, pelo
que f 0 (0) = 0.
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

90
O teorema que se segue é uma consequência imediata do Teorema do Valor Médio de La-
grange.

Teorema 3.28 Seja f uma função contı́nua num intervalo I e diferenciável em int I.

i) Se f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ int I (respectivamente, f 0 (x) > 0, ∀x ∈ int I), então f é crescente


(respectivamente, estritamente crescente) em I.

ii) Se f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ int I (respectivamente, f 0 (x) < 0, ∀x ∈ int I), então f é decrescente
(respectivamente, estritamente decrescente) em I.

iii) Se f 0 (x) = 0, ∀x ∈ int I, então f é constante em I.

Demonstração. i) Sejam x1 , x2 ∈ I tais que x1 < x2 e suponhamos que f 0 (x) > 0, ∀x ∈ int I.
Por hipótese, f é contı́nua em [x1 , x2 ] ⊆ I e diferenciável em ]x1 , x2 [ ⊂ int I logo, pelo Teorema
f (x2 ) − f (x1 )
de Lagrange, existe c ∈ ]x1 , x2 [ tal que = f 0 (c). Como f 0 (c) > 0, pois c ∈ int I,
x2 − x1
vem f (x2 ) > f (x1 ) uma vez que x2 > x1 , o que prova que f é estritamente crescente em I.
As propriedades ii) e iii) provam-se de modo análogo. 

É de salientar que o resultado anterior é válido apenas em intervalos. Por exemplo, para
1 1
a função f (x) = , definida em D = R \ {0}, tem-se f 0 (x) = − 2 < 0, ∀x ∈ D, mas f
x x
não é (estritamente) decrescente em D pois, por exemplo, −1 < 1 e f (−1) < f (1). No entanto,
podemos afirmar que f é estritamente decrescente em cada um dos intervalos ] − ∞, 0[ e ]0, +∞[.

(
1, se x > 1
Para a função definida em D = ] − ∞, 0[ ∪ ]1, +∞[ por f (x) = tem-se
−7, se x < 0
f 0 (x) = 0, ∀x ∈ D, no entanto f não é constante em D pois este conjunto não é um intervalo.
Atendendo ao Teorema de Fermat, quando procuramos os extremos locais de uma função
diferenciável f , num aberto onde esteja definida, basta-nos testar os seus pontos crı́ticos. Para
esse efeito estudamos o sinal de f 0 à esquerda e à direita desses pontos, de acordo com o seguinte
teorema.

Teorema 3.29 (Teste da Primeira Derivada) Sejam f : D ⊆ R → R uma função dife-


renciável e c um ponto crı́tico de f . Se existe δ > 0 tal que

i) f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ ]c − δ, c] e f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ [c, c + δ[, então f atinge um máximo local em c;

ii) f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ ]c − δ, c] e f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ [c, c + δ[, então f atinge um mı́nimo local em c;

iii) f 0 (x) não muda de sinal em ]c − δ, c[ ∪ ]c, c + δ[, então c não é um ponto de extremo local
de f .

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

91
Demonstração. No caso i), como f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ ]c − δ, c] e f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ [c, c + δ[, pelo
Teorema 3.28 concluı́mos que f é crescente em ]c − δ, c], pelo que f (x) ≤ f (c), ∀x ∈ ]c − δ, c], e f
é decrescente em [c, c + δ[, pelo que f (x) ≤ f (c), ∀x ∈ [c, c + δ[. Segue-se então que f (x) ≤ f (c),
∀x ∈ ]c − δ, c + δ[, o que prova que f atinge um máximo local no ponto c.
Analogamente se provam os casos ii) e iii). 

Como é claro a partir da demonstração, o Teste da Primeira Derivada estende-se aos casos
em que f 0 (c) não existe, desde que f seja diferenciável numa vizinhança Vδ (c)\{c} e seja contı́nua
em c. Sem a hipótese de continuidade de f em c, o resultado é falso, como mostra o seguinte
exemplo. (
2x2 + 1, se 0 ≤ x < 1
Consideremos a função f (x) = 2
2(x − 2) , se 1 ≤ x ≤ 2.

(
4x, se 0 ≤ x < 1
f é descontı́nua em x = 1, f 0 (x) = , logo f 0 (x) > 0, se 0 < x < 1, e
4(x − 2), se 1 < x ≤ 2
f 0 (x) < 0, se 1 < x < 2, no entanto f não atinge um máximo local em x = 1.

Por vezes pode ser difı́cil determinar o sinal de f 0 à esquerda e à direita de um ponto crı́tico
c. Nesses casos, como veremos mais tarde (veja-se o Teorema 3.44 e o Corolário 3.45), há outro
modo de determinar se c é, ou não, um ponto de extremo de f , que envolve estudar o sinal de
uma derivada de ordem superior à primeira de f no próprio ponto c.
No caso de uma função f estar definida num intervalo fechado ou semi-aberto, ou numa união
de intervalos deste tipo, os extremos locais de f podem ser atingidos em pontos da fronteira
do seu domı́nio. Uma vez que não são pontos interiores, estes não são pontos crı́ticos de f .
Observe-se que se f atinge um extremo local num ponto fronteiro do seu domı́nio a derivada
lateral correspondente não tem que se anular. Para estes casos têm-se os resultados que se
seguem.

Teorema 3.30 Seja f : [a, b] → R.

i) Se f+0 (a) < 0 (respectivamente, f+0 (a) > 0), então f atinge um máximo (respectivamente,
mı́nimo) local em a.

ii) Se f−0 (b) < 0 (respectivamente, f−0 (b) > 0), então f atinge um mı́nimo (respectivamente,
máximo) local em b.

f (x) − f (a)
Demonstração. i) Supondo que se tem f+0 (a) = lim < 0, então existe δ > 0 tal
x→a+ x−a
que f (x) − f (a) < 0, ∀x ∈ ]a, a + δ[, donde f (a) > f (x), ∀x ∈ ]a, a + δ[. Portanto, conclui-se que
f (a) é máximo local de f .
Para provar os outros casos procede-se de modo semelhante. 

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92
Teorema 3.31 Seja f : [a, b] → R.

i) Se lim f (x) = f (a) e f 0 (x) < 0, ∀x ∈ ]a, a+δ[ (respectivamente, f 0 (x) > 0, ∀x ∈ ]a, a+δ[),
x→a+
então f atinge um máximo (respectivamente, mı́nimo) local em a.

ii) Se lim f (x) = f (b) e f 0 (x) < 0, ∀x ∈ ]b − δ, b[ (respectivamente, f 0 (x) > 0, ∀x ∈ ]b − δ, b[),
x→b−
então f atinge um mı́nimo (respectivamente, máximo) local em b.

Demonstração. i) Suponhamos que lim f (x) = f (a) e que f 0 (x) < 0, ∀x ∈ ]a, a + δ[. Então,
x→a+
uma vez que f é contı́nua em [a, a + δ[, pelo Teorema 3.28, f é (estritamente) decrescente em
[a, a + δ[. Assim, f (x) ≤ f (a), ∀x ∈ [a, a + δ[, pelo que f (a) é máximo local de f .
Para provar os outros casos procede-se de modo semelhante. 
Se apenas se souber o sinal de f 0 à direita do ponto a (respectivamente, à esquerda do ponto
b), sem a hipótese de continuidade lateral respectiva, o resultado anterior é falso. Com efeito,
para a função g : [0, 1] → R dada por g(x) = 1 − x, se 0 < x ≤ 1, g(0) = 0, tem-se g 0 (x) < 0,
∀x ∈ ]0, 1[, no entanto g(0) = 0 não é máximo local de g.
O facto de uma função f atingir um extremo local num ponto c ∈ D depende do comporta-
mento de f numa vizinhança de c. No caso dos extremos absolutos temos que ter em consideração
o comportamento de f em todo o seu domı́nio. Nem todas as funções têm extremos absolutos
(nem locais), no entanto, o Teorema de Weierstrass garante-nos que toda a função contı́nua
definida num intervalo compacto atinge nesse intervalo um máximo e um mı́nimo absolutos (cf.
Teorema 3.17). Note-se, por fim, que os extremos absolutos de f , quando existem, são atingidos
em pontos crı́ticos de f , ou em pontos onde f 0 não existe ou, ainda, em pontos da fronteira do
domı́nio.
Exemplos. 1) Determinar os extremos da função f (x) = x5 − 5x + 7 no intervalo I = [0, +∞[.
Comecemos por notar que f é diferenciável em [0, +∞[, já que se trata de uma função
polinomial, e que
f 0 (x) = 5x4 − 5 = 5(x2 − 1)(x2 + 1).
Os pontos crı́ticos de f , em I, são as soluções da equação f 0 (x) = 0, ou seja de x4 = 1, que
pertencem a I; neste caso, apenas x = 1 é ponto crı́tico. Estudando o sinal de f 0 , em I,
observamos que f 0 (x) > 0, se x > 1, e que f 0 (x) < 0, se 0 ≤ x < 1. Os Teoremas 3.29 e 3.31
permitem concluir que f atinge um máximo local em x = 0 e um mı́nimo local (que é absoluto)
em x = 1, sendo f (0) = 7 e f (1) = 3. Por outro lado, lim f (x) = +∞ pelo que f (0) não é
x→+∞
máximo absoluto de f .
2) Determinar os extremos absolutos de f (x) = sin2 x − x no intervalo I = [0, π].
Uma vez que f é diferenciável, logo contı́nua, no intervalo compacto I, o Teorema de Wei-
erstrass garante que f atinge neste intervalo um máximo e um mı́nimo absolutos. Pelo que foi
exposto, estes extremos podem ser atingidos na fronteira de I ou em pontos crı́ticos de f em I.
Comecemos por identificar estes últimos. Como f 0 (x) = 2 sin x cos x − 1 = sin(2x) − 1, a equação
f 0 (x) = 0, isto é, sin(2x) = 1, tem por única solução em I, 2x = π2 ⇔ x = π4 .
Calculando o valor de f nos pontos da fronteira de I, x = 0 e x = π, e ainda no ponto crı́tico
encontrado, x = π4 , temos f (0) = 0, f (π) = −π e f ( π4 ) = 21 − π4 . Assim, o máximo absoluto de
f em I é f (0) = 0 e o mı́nimo absoluto de f em I é f (π) = −π.

O estudo dos extremos de uma função tem inúmeras aplicações práticas em problemas de
optimização onde se pretenda maximizar ou minimizar funções (diferenciáveis). Vejamos um
exemplo.

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93
Exemplo. Pretende-se construir uma caixa com a forma de um paralelepı́pedo de base quadrada
e com volume V = 1250 dm3 . O material para fazer a base custa 35 cêntimos por dm2 , para o
topo da caixa custa 15 cêntimos por dm2 , e o material para os lados da caixa tem o preço de 20
cêntimos por dm2 . Determinar as dimensões da caixa que minimizam o seu custo.
Designando por x a medida do lado da base quadrada da caixa e por y a da sua altura, o
1250
volume V é dado por V = x2 y = 1250, donde y = . Podemos assim exprimir o custo da
x2
base, do topo e dos lados da caixa, em função da variável x, respectivamente por 35x2 , 15x2 e
80 × 1250 105
4 × 20 × xy = = . O custo total c(x) a ser minimizado é, pois,
x x
105 105
c(x) = 35x2 + 15x2 + = 50x2 + , x > 0.
x x
105 102 (x3 − 103 )
Como c0 (x) = 100x − = , ∀x > 0, esta função anula-se apenas em x = 10,
0
x2 0
x2
tendo-se c (x) < 0, se x < 10, e c (x) > 0, se x > 10, donde c atinge um mı́nimo absoluto
em x = 10. Assim, as dimensões da caixa que minimizam o seu custo são x = 10 dm = 1 m,
1250 105
y= = 12, 5 dm = 1, 25 m, sendo o custo mı́nimo dado por c(10) = 50 × 102 + cêntimos,
100 10
ou seja 150 euros.

3.7 Concavidades do gráfico de uma função e pontos de inflexão

Recorde-se que, dada uma função f : D ⊆ R → R, chamamos gráfico de f ao conjunto


n o
(x, f (x)) ∈ R2 : x ∈ D .

Definição 3.32 Seja f : D ⊆ R → R uma função diferenciável num ponto c ∈ D ∩ D0 e seja

yc (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c), x ∈ R

uma equação da recta tangente ao gráfico de f no ponto c. Dizemos que o gráfico de f tem a
concavidade virada para cima (respectivamente, para baixo) em c se, e só se, existe δ > 0
tal que
f (x) ≥ yc (x), ∀x ∈ Vδ (c)
(respectivamente, f (x) ≤ yc (x), ∀x ∈ Vδ (c)).
Dizemos que o gráfico de f tem a concavidade virada para cima (respectivamente, para
baixo) num conjunto C ⊆ D, se tem a concavidade virada para cima (respectivamente, para
baixo) em todos os pontos de C.

Assim, geometricamente, o gráfico de f tem a concavidade virada para cima (respectiva-


mente, para baixo) num ponto c, se o gráfico de f ficar acima (respectivamente, abaixo) da
respectiva recta tangente no ponto c, como se ilustra nas figuras seguintes.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

94
Definição 3.33 Seja f : D ⊆ R → R uma função contı́nua em c ∈ int D. O ponto c diz-se um
ponto de inflexão se, e só se, existe δ > 0 tal que o gráfico de f tem a concavidade virada
para cima em ]c − δ, c[ e virada para baixo em ]c, c + δ[, ou vice-versa.
Se a função f for duas vezes diferenciável, podemos determinar a concavidade do gráfico de
f estudando o sinal da sua segunda derivada.
Teorema 3.34 Seja f uma função duas vezes diferenciável num intervalo de interior não vazio
I.
i) Se f 00 (x) > 0, ∀x ∈ I, então f 0 é estritamente crescente em I e a concavidade do gráfico
de f é virada para cima em I.
ii) Se f 00 (x) < 0, ∀x ∈ I, então f 0 é estritamente decrescente em I e a concavidade do gráfico
de f é virada para baixo em I.
iii) Se f 0 muda o tipo de monotonia no ponto c, então f tem um ponto de inflexão em c.
Observação. Dizer que uma função muda o tipo de monotonia num ponto c significa que numa
vizinhança de c, o tipo de monotonia à esquerda do ponto é diferente da monotonia à direita,
sendo decrescente e passando a crescente, ou vice-versa.
Demonstração. Faremos apenas a prova de i), os outros casos seguem uma argumentação
idêntica.
Suponhamos que f 00 (x) > 0, ∀x ∈ I. O Teorema 3.28 garante que f 0 é estritamente crescente
em I. Seja c ∈ int I e tomemos x ∈ I tal que x > c. Como f é duas vezes diferenciável em I,
f satisfaz as hipóteses do Teorema de Lagrange no intervalo [c, x]. Portanto, existe d ∈ ]c, x[ tal
que f (x) − f (c) = f 0 (d)(x − c) > f 0 (c)(x − c), por f 0 ser estritamente crescente em I e d > c.
Daqui se conclui que
f (x) > f (c) + f 0 (c)(x − c) = yc (x), ∀x > c.
Um raciocı́nio análogo, aplicado ao intervalo [x, c] para x < c, conduz a
f (x) > f (c) + f 0 (c)(x − c) = yc (x), ∀x < c.
Tem-se, pois, f (x) ≥ yc (x), ∀x ∈ I, pelo que o gráfico de f tem a concavidade virada para cima
em I. 
O resultado que se segue permite-nos identificar possı́veis pontos de inflexão.
Teorema 3.35 Se o ponto c ∈ int D é um ponto de inflexão de f : D ⊆ R → R, então f 00 (c) = 0
ou f 00 (c) não existe.
Note-se que o recı́proco do teorema anterior é falso. Por exemplo, para f (x) = x4 tem-se
f 00 (0)
= 0, no entanto x = 0 não é ponto de inflexão uma vez que o gráfico de f tem sempre
a concavidade virada para cima. Com efeito, a recta tangente ao gráfico de f em x = 0 é o
eixo Ox e tem-se f (x) ≥ 0, ∀x ∈ R. Por outro lado, como f 00 (x) = 12x2 > 0, ∀x ∈ R \ {0}, o
Teorema 3.34 garante que o gráfico de f tem a concavidade virada para cima em R+ e em R− .
Neste exemplo, f 0 é uma função estritamente crescente, pelo que não há alteração do seu tipo
de monotonia em x = 0.
Exemplo. Determinar as concavidades apresentadas pelo gráfico da função definida em R por
5
f (x) = 3x 3 − 5x.
2
A função f é contı́nua em R. Derivando duas vezes obtemos f 0 (x) = 5x 3 − 5, para x ∈ R, e
10 1 10
f 00 (x) = x− 3 = √ , se x 6= 0. Portanto f 00 (x) < 0, se x < 0, e f 00 (x) > 0, se x > 0, pelo que
3 33x
o gráfico de f tem a concavidade virada para baixo no intervalo ] − ∞, 0[ e tem a concavidade
virada para cima no intervalo ]0, +∞[. Uma vez que f é contı́nua em x = 0, este ponto é um
ponto de inflexão.
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95
3.8 Fórmula de Taylor

A classe de funções mais simples que conhecemos é a das funções polinomiais. De facto, é muito
simples adicionar e multiplicar polinómios e estes também são muito fáceis de derivar. Para
além disso, qualquer uma destas operações produz novamente um polinómio.
Veremos agora como aproximar uma dada função por polinómios e qual o erro que se comete
quando se faz essa aproximação (em geral, o erro diminui à medida que se aumenta o grau dos
polinómios usados).
Antes de prosseguirmos vamos apresentar uma notação, dita de Landau, que será particu-
larmente útil para o que se segue.

Definição 3.36 Sejam D ⊂ R, c ∈ D0 e f, g, h : D → R três funções tais que, numa certa


vizinhança de c, se tem f (x) = h(x)g(x). Se lim h(x) = 0, diz-se que f (x) é desprezável
x→c
relativamente a g(x), quando x → c, e escreve-se f (x) = o(g(x)) (x → c).

Observação. Na definição anterior, se g não se anula em Vδ (c) \ {c}, para algum δ > 0, então
f (x)
f (x) = o(g(x)) (x → c) equivale a lim = 0.
x→c g(x)

x2
Exemplos. Tem-se x2 = o(x) (x → 0), pois lim = 0, e x7 = o(ex ) (x → +∞), pois
x→0 x
x7
lim = 0.
x→+∞ ex

É um exercı́cio simples provar o resultado que se segue.

Proposição 3.37 Seja c ∈ R.

1. o((x − c)n ) + o((x − c)n ) = o((x − c)n ), (x → c);

2. λ o((x − c)n ) = o((x − c)n ), (x → c), ∀λ ∈ R \ {0};

3. (x − c)p o((x − c)n ) = o((x − c)n+p ), (x → c), ∀n, p ∈ Z.

Consideremos uma função f , diferenciável num intervalo aberto contendo o ponto c, e seja
P1 o polinómio cujo gráfico é a recta tangente ao gráfico de f no ponto c, ou seja,

P1 (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c), x ∈ R.

Repare-se que P1 tem grau menor ou igual a 1 (se f 0 (c) = 0 e f (c) 6= 0, P1 é constante e não
nulo, logo tem grau 0) e satisfaz as condições

P1 (c) = f (c) e P10 (c) = f 0 (c).

Recordemos que, do Teorema 3.5 e usando a notação da Definição 3.36, se tem

f (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + o(x − c) = P1 (x) + o(x − c), (x → c),

ou seja, a função f pode ser aproximada pelo polinómio P1 sendo o erro cometido nesta apro-
ximação um infinitésimo de ordem superior a x − c numa vizinhança do ponto c. Vamos agora
generalizar esta ideia, construindo um polinómio de grau menor ou igual a n, Pn , que seja uma
melhor aproximação de f próximo do ponto c, isto é, de forma a que o erro cometido nessa
aproximação seja um o((x − c)n ), e de tal modo que Pn e f , bem como as suas derivadas até à
ordem n tenham o mesmo valor em c.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

96
Definição 3.38 Seja f : D ⊆ R → R uma função com derivadas até à ordem n num ponto
c ∈ D ∩ D0 . Ao polinómio
n
f (k) (c) f 00 (c) f (n) (c)
(x − c)k = f (c) + f 0 (c)(x − c) +
X
Pn (x) = (x − c)2 + . . . + (x − c)n , x ∈ R
k=0
k! 2! n!

damos o nome de polinómio de Taylor de ordem n, da função f , no ponto c. Os coeficientes


f (k) (c)
ak = designam-se coeficientes de Taylor da função f , no ponto c.
k!
O polinómio dado na definição anterior é o único polinómio de grau menor ou igual a n que
verifica
Pn (c) = f (c), Pn0 (c) = f 0 (c), Pn00 (c) = f 00 (c), . . . , Pn(n) (c) = f (n) (c).

Exemplos. 1) Determinar o polinómio de Taylor de ordem 2, da função f (x) = log x, x > 0,


no ponto c = 2.
1 1
Calculando as derivadas de f até à ordem 2 obtemos f 0 (x) = e f 00 (x) = − 2 , ∀x > 0, pelo
x x
que, no ponto c = 2, vem f (2) = log 2, f 0 (2) = 12 e f 00 (2) = − 14 . Portanto, o polinómio pedido é
1 1
P2 (x) = log 2 + (x − 2) − (x − 2)2 , x ∈ R.
2 8

2) Atendendo a que, para f (x) = ex , x ∈ R, se tem f (k) (x) = ex e f (k) (0) = 1, ∀k ∈ N, o


polinómio de Taylor de ordem n, de f , no ponto c = 0 é
n n
X f (k) (0) k X xk x2 x3 xn
Pn (x) = x = =1+x+ + + ... + , x ∈ R.
k=0
k! k=0
k! 2 3! n!

3) Se f (x) = cos x, x ∈ R, tem-se f 0 (x) = − sin x, f 00 (x) = − cos x, f 000 (x) = sin x e
f (4) (x) = cos x, ∀x ∈ R. Assim, f (0) = 1, f 0 (0) = 0, f 00 (0) = −1, f 000 (0) = 0 e f (4) (0) = 1,
pelo que os polinómios de Taylor de ordens 1, 2, 3 e 4, de f , no ponto c = 0, são dados, em R,
respectivamente, por

P1 (x) = f (0) + f 0 (0) · x = 1


f 00 (0) 2 x2
P2 (x) = f (0) + f 0 (0) · x + ·x =1−
2 2
f 00 (0) f 000 (0) x2
P3 (x) = f (0) + f 0 (0) · x + · x2 + · x3 = 1 −
2 3! 2
f 00 (0) f 000 (0) f (4) (0) x2 x4
P4 (x) = f (0) + f 0 (0) · x + · x2 + · x3 + · x4 = 1 − + .
2 3! 4! 2 4!
Repare-se que nas expressões anteriores só intervêm potências pares de x, o que está relacionado
com o facto da função cosseno ser uma função par (veja-se o exercı́cio 82 da Ficha 3).

Proposição 3.39 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função n vezes diferenciável em


c ∈ I. Se f (c) = f 0 (c) = . . . = f (n) (c) = 0, então
f (x)
lim = 0.
x→c (x − c)n

Demonstração. Faremos a prova por indução em n. Para n = 1 temos


f (x) f (x) − f (c)
lim = lim = f 0 (c) = 0.
x→c x−c x→c x−c

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

97
Suponhamos que o resultado é válido para um certo natural n − 1, com n > 1, e vejamos que
é válido para n. Seja então f uma função tal que f (c) = f 0 (c) = . . . = f (n) (c) = 0. A hipótese
f 0 (x)
de indução, aplicada a f 0 , implica que lim = 0, portanto, pela Regra de Cauchy,
x→c (x − c)n−1
obtemos
f (x) f 0 (x) 1
lim = lim = · 0 = 0.
x→c (x − c)n x→c n(x − c)n−1 n
A propriedade do enunciado é, assim, válida para todo o n ∈ N. 

Teorema 3.40 (Fórmula de Taylor) Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função n


vezes diferenciável no ponto c ∈ I. Então, para qualquer x ∈ I, tem-se

f (x) = Pn (x) + Rn (x),

onde
n
f (k) (c) f 00 (c) f (n) (c)
(x − c)k = f (c) + f 0 (c)(x − c) +
X
Pn (x) = (x − c)2 + . . . + (x − c)n
k=0
k! 2! n!

e Rn (x) = o((x − c)n ), (x → c), isto é,


Rn (x)
lim = 0.
x→c (x − c)n

Demonstração. Queremos provar que f (x) − Pn (x) = o((x − c)n ), (x → c), ou seja, que
f (x) − Pn (x)
lim = 0.
x→c (x − c)n
Atendendo à Proposição 3.39, basta mostrar que

f (c) − Pn (c) = f 0 (c) − Pn0 (c) = . . . = f (n) (c) − Pn(n) (c) = 0,

o que acontece por construção do polinómio de Taylor. 


À função Rn chamamos resto de ordem n e o erro que se comete, quando se aproxima f (x)
por Pn (x) (polinómio de Taylor relativo ao ponto c), é dado por

|f (x) − Pn (x)| = |Rn (x)|.

Note-se que o erro referido depende, em geral, de n e de c.


À Fórmula de Taylor no ponto c = 0,

f 00 (0) 2 f (n) (0) n


f (x) = f (0) + f 0 (0)x + x + ... + x + o(xn ), (x → 0),
2! n!
dá-se o nome de Fórmula de MacLaurin.

Proposição 3.41 (Unicidade do Desenvolvimento de Taylor) Sejam I um intervalo de


R e f : I → R uma função n vezes diferenciável no ponto c ∈ I. Se existem constantes
b0 , b1 , . . . , bn ∈ R tais que

f (x) = b0 + b1 (x − c) + . . . + bn (x − c)n + R
e n (x),

e n (x) = o((x − c)n ), (x → c), então b0 = f (c), b1 = f 0 (c), . . . , bn = f (n) (c)


onde R .
n!

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

98
Demonstração. Suponhamos que existem b0 , b1 , . . . , bn ∈ R tais que

f (x) = b0 + b1 (x − c) + . . . + bn (x − c)n + R
e n (x). (24)

Pela Fórmula de Taylor, tem-se

f (n) (c)
f (x) = Pn (x) + Rn (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + . . . + (x − c)n + Rn (x), (25)
n!
donde, subtraindo (25) de (24), obtemos
!
0 f (n) (c)
0 = (b0 − f (c)) + (b1 − f (c))(x − c) + . . . + bn − (x − c)n + R
e n (x) − Rn (x), (26)
n!

onde
e n (x) − Rn (x)
R
lim = 0.
x→c (x − c)n
Passando a igualdade (26) ao limite, quando x → c, vem b0 = f (c). Deste modo, substituindo
em (26), temos
!
0 f (n) (c)
0 = (b1 − f (c))(x − c) + . . . + bn − (x − c)n + R
e n (x) − Rn (x). (27)
n!

Dividindo por x − c e passando novamente ao limite, quando x → c, vem b1 = f 0 (c). Iterando


este processo conclui-se a igualdade dos restantes coeficientes. 

Proposição 3.42 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função de classe C n (I) e n + 1


vezes diferenciável no interior de I. Dado c ∈ I tem-se

f (x) = Pn (x) + Rn (x), x ∈ I

onde Pn é o polinómio de Taylor de ordem n, de f , no ponto c, e

f (n+1) (ξ)
Rn (x) = (x − c)n+1 , x ∈ I
(n + 1)!
para um certo ponto ξ estritamente compreendido entre c e x, para x 6= c.

A esta expressão de Rn chamamos Resto de Lagrange. Observe-se que para n = 0 se


tem f (x) = f (c) + f 0 (ξ)(x − c) (x ∈ I), que coincide com a expressão do Teorema de Lagrange
aplicado à função f , no intervalo de extremos c e x.

Exemplo 3.43 Registamos aqui alguns desenvolvimentos de MacLaurin que nos serão úteis no
que se segue. Dado n ∈ N0 tem-se
x2 xn
i) ex = 1 + x + + ... + + o(xn ), (x → 0), ∀x ∈ R;
2! n!
x3 x5 x2n+1
ii) sin x = x − + + . . . + (−1)n + o(x2n+1 ), (x → 0), ∀x ∈ R;
3! 5! (2n + 1)!
x2 x4 x2n
iii) cos x = 1 − + + . . . + (−1)n + o(x2n ), (x → 0), ∀x ∈ R;
2! 4! (2n)!
x2 xn
iv) log(1 + x) = x − + . . . + (−1)n−1 + o(xn ), (x → 0), ∀x > −1.
2 n

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

99
As figuras que se seguem representam os gráficos das funções x 7→ ex e x 7→ sin x, bem como
alguns dos seus polinómios de Taylor (denotados por T ) em torno do ponto c = 0.

Exemplos de Aplicação da Fórmula de Taylor. 1) Seja f (x) = sin(log x), x > 0. Deter-
minar o polinómio de Taylor de ordem 1, de f , em torno do ponto x0 = 1, e mostrar que esse
polinómio fornece um valor aproximado de f (1,05), com erro inferior a 0,0025.
Tem-se f (1) = sin(log 1) = 0 e, pela regra de derivação da função composta,
1
f 0 (x) = cos(log x) , f 0 (1) = 1.
x
Assim, o polinómio pedido é

P1 (x) = 0 + 1 · (x − 1) = x − 1,

sendo P1 (1,05) = 1,05 −1 = 0,05. Pela fórmula de Taylor sabemos que |f (x) − P1 (x)| = |R1 (x)|.
Pondo x = 1,05, 00 vamos majorar |R1 (1,05)|. Ora, usando a Fórmula do Resto de Lagrange vem,
f (c)
(1,05 − 1)2 , para algum c verificando 1 < c < 1,05. Uma vez que, pelas

|R1 (1,05)| =
2!
regras de derivação do produto e da função composta, se tem
1 1
f 00 (x) = − sin(log x) 2
− 2 cos(log x), x > 0
x x
resulta que
−1

1 2

|R1 (1,05)| = 2 sin(log c) + cos(log c) (0,05)

c 2
1
< 0,0025 |sin(log c) + cos(log c)|
2
1 
≤ 0,0025 |sin(log c)| + |cos(log c)| ≤ 0,0025,
2
onde usámos o facto de ser c > 1, donde c12 < 1. Podemos então concluir que f (1,05) é
aproximadamente igual a P1 (1,05) = 0,05, com erro inferior a 0,0025.
2) Calcular os seguintes limites, usando desenvolvimentos de Taylor adequados:
log(1 + 2x3 )(1 + x5 )
a) lim ;
x→0 sin x − x
1 1
 
b) lim 2 − 2 ;
x→0 sin x x
x4 ex + 1 − cos(x2 )
c) lim 3 .
x→0 sin(x4 ) − 2x(ex − 1)

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100
a) Atendendo a que log(1 + 2x3 ) ∼ 2x3 (x → 0), 1 + x5 ∼ 1 (x → 0), e usando o desenvolvi-
mento ii) do Exemplo 3.43, temos
log(1 + 2x3 )(1 + x5 ) 2x3
lim = lim
x→0 sin x − x x→0 sin x − x
2x 3 2x3 2
= lim = lim = = −2 · 3! = −12.
x→0 x 3
3 x→0 x 3
3
−1
x− + o(x ) − x − + o(x ) +0
3! 3! 3!
1 − cos(2x)
b) Usando a identidade sin2 x = , a relação sin2 x ∼ x2 (x → 0), o desenvolvi-
2
mento iii) do Exemplo 3.43, e ainda o facto de que o((2x)4 ) = o(x4 ), vem sucessivamente
1 1 x2 − sin2 x
 
lim − = lim
x→0 sin2 x x2 x→0 x2 sin2 x
1 − cos(2x)
x2 − 2x2 − 1 + cos(2x)
= lim 2 = lim
x→0 x4 x→0 2x4
(2x)4
2x2 − 1 + 1 − 2x2 + + o(x4 ) 24 1
= lim 4! = = .
x→0 2x 4 2 · 4! 3
c) Pelos casos i), ii) e iii) do Exemplo 3.43 substituindo, respectivamente, x por x3 , x4 e x2 ,
tem-se
3
ex = 1 + x3 + o(x3 ), (x → 0),
sin(x4 ) = x4 + o(x4 ), (x → 0),
x4
cos(x2 ) = 1 − + o(x4 ), (x → 0),
2
donde
x4
x4 e x
+1− cos(x2 ) + o(x4 )
x4 + 1 − 1 +
lim = lim 4 2
3
x→0 sin(x4 ) − 2x(ex − 1) x→0 x + o(x4 ) − 2x(x3 + o(x3 ))

1 o(x4 ) 1
1+ + 1+
= lim 2 x 4
= 2 = −3,
x→0 o(x )4 1−2 2
1+ 4
−2
x
uma vez que −2x · o(x ) = o(x4 ).
3

Vejamos agora outra aplicação da fórmula de Taylor que se prende com a caracterização dos
pontos crı́ticos de uma função diferenciável.
Como vimos atrás, se uma função real f , definida e diferenciável num intervalo I, atinge
um extremo local num ponto c ∈ int I, então f 0 (c) = 0. No entanto, como já observámos, o
recı́proco é falso. Interessa, assim, ter um critério que permita determinar se num certo ponto
c ∈ int I onde a derivada de f se anula, é atingido, ou não, um extremo local. Tem-se então o
seguinte resultado.
Teorema 3.44 Sejam n ∈ N2 , I um intervalo aberto contendo o ponto c e f : I → R uma
função de classe C n (I) e tal que f 0 (c) = 0. Suponhamos ainda que f (n) (c) é a primeira das
sucessivas derivadas de f que não se anula em c. Então:
i) se n é ı́mpar, f não tem extremo local em c;
ii) se n é par e f (n) (c) > 0, então f tem um mı́nimo local em c;
iii) se n é par e f (n) (c) < 0, então f tem um máximo local em c.
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101
Demonstração. Aplicando a Proposição 3.42, dado x ∈ I com x 6= c, sabemos que existe um
ponto ξ entre x e c tal que
n−1
X f (k) (c) f (n) (ξ) f (n) (ξ)
f (x) = (x − c)k + (x − c)n = f (c) + (x − c)n , ∀x ∈ I (28)
k=0
k! n! n!

pois f 0 (c) = f 00 (c) = . . . = f (n−1) (c) = 0. Como, por hipótese, a função f (n) é contı́nua em I e
não nula no ponto c, podemos tomar x ∈ Vδ (c) \ {c}, com δ suficientemente pequeno de modo
a que f (n) (ξ) tenha o mesmo sinal de f (n) (c).
Assim, se n é par e f (n) (c) > 0, obtemos de (28) que
f (n) (ξ)
f (x) − f (c) = (x − c)n ≥ 0, ∀x ∈ Vδ (c),
n!
pelo que f (c) é mı́nimo local de f .
Se n é par e f (n) (c) < 0, de (28) vem
f (n) (ξ)
f (x) − f (c) = (x − c)n ≤ 0, ∀x ∈ Vδ (c),
n!
logo f (c) é máximo local de f .
Finalmente, se n é ı́mpar, (x − c)n tem sinais diferentes consoante x > c ou x < c, donde
f (x) − f (c) não tem sempre o mesmo sinal numa vizinhança de c e, portanto, f não tem um
extremo local no ponto c. 
Exemplo. Seja f (x) = x6 − x5 − x4 + 2, x ∈ R. Mostrar que f 0 (0) = 0 e verificar se f atinge
um extremo local em x = 0.
Note-se que f ∈ C ∞ (R). Derivando sucessivamente temos
f 0 (x) = 6x5 − 5x4 − 4x3 , f 0 (0) = 0,
f 00 (x) = 30x4 − 20x3 − 12x2 , f 00 (0) = 0,
f 000 (x) = 120x3 − 60x2 − 24x, f 000 (0) = 0 e
f (4) (x) = 360x2 − 120x − 24, f (4) (0) = −24 < 0.
Como a primeira das sucessivas derivadas de f que não se anula no ponto x = 0 é a de ordem 4,
e 4 é um número par, concluı́mos, por aplicação do teorema anterior, que f atinge um extremo
local em x = 0. Dado que f (4) (0) < 0, f (0) = 2 é um máximo local.
Corolário 3.45 (Teste da Segunda Derivada) Sejam I um intervalo de R, f : I → R uma
função de classe C 2 (I) e c um ponto crı́tico de f . Então se f 00 (c) > 0, c é ponto de mı́nimo
local de f , e se f 00 (c) < 0, c é ponto de máximo local de f .
Chama-se a atenção para o facto do corolário anterior não permitir tirar qualquer conclusão
acerca da natureza do ponto crı́tico c, no caso em que f 00 (c) = 0. Com efeito, é fácil ver que
x = 0 é ponto crı́tico de ambas as funções definidas em R por f (x) = x3 e g(x) = x4 e que se
tem f 00 (0) = g 00 (0) = 0. Dado que g(x) ≥ g(0) = 0, g(0) é mı́nimo absoluto de g, no entanto
x = 0 não é ponto de extremo local de f .
3 x3 5
Exemplo. Verificar que x = 1 é ponto crı́tico da função p(x) = x5 + x4 − − x2 − x + 1,
5 3 2
x ∈ R, e determinar se é ponto de extremo local de p.
p é uma função polinomial, logo é de classe C ∞ (R). A sua primeira derivada é dada por
p (x) = 3x4 + 4x3 − x2 − 5x − 1, donde p0 (1) = 0 e, portanto, x = 1 é ponto crı́tico de p. Uma
0

vez que não conhecemos as outras raı́zes do polinómio p0 não é fácil estudar o sinal de p0 numa
vizinhança de x = 1. Assim, em alternativa ao teste da primeira derivada, vamos usar o teste
da segunda derivada para determinar se x = 1 é ponto de extremo local de p. Derivando mais
uma vez obtemos p00 (x) = 12x3 + 12x2 − 2x − 5. Como p00 (1) = 17 > 0 concluı́mos que p atinge
um mı́nimo local em x = 1.
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

102
Tabela de Derivadas
No que se segue, u representa uma função da variável x.

f (x) f 0 (x)

[u(x)]α , α ∈ R αu0 (x)[u(x)]α−1

eu(x) u0 (x)eu(x)

u0 (x)
log(|u(x)|)
u(x)

sin(u(x)) u0 (x) cos(u(x))

cos(u(x)) −u0 (x) sin(u(x))

u0 (x)
tan(u(x)) u0 (x) sec2 (u(x)) =
cos2 (u(x))

−u0 (x)
cotan(u(x)) −u0 (x)cosec2 (u(x)) =
sin2 (u(x))

u0 (x)
arcsin(u(x)) p
1 − u2 (x)

u0 (x)
arccos(u(x)) −p
1 − u2 (x)

u0 (x)
arctan(u(x))
1 + u2 (x)

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

103
104
4 Cálculo Integral em R
4.1 Integral definido de uma função limitada

Usando apenas matemática elementar sabemos calcular áreas de polı́gonos, fazendo, por exem-
plo, a sua decomposição em triângulos e rectângulos. Neste capı́tulo vamos aprender a calcular
áreas de regiões do plano mais gerais, limitadas por gráficos de determinadas funções contı́nuas.
Consideremos então uma função real, contı́nua e não negativa, f , definida no intervalo [a, b],
onde a < b. O nosso objectivo é ver como se pode calcular a área da região Ω do plano, limitada
pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a, x = b e pelo gráfico de f , ou seja, da região dada por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) . (29)

Para definirmos o que se entende por área de Ω, consideramos uma partição P do intervalo
[a, b], isto é, consideramos pontos xi , i = 0, . . . , n, tais que
a = x0 < x1 < x2 < . . . < xn−1 < xn = b.
A localização dos pontos xi , i = 1, . . . , n − 1, é arbitrária, em particular eles não têm que estar
igualmente espaçados. Estes pontos dividem o intervalo [a, b] em n subintervalos [xi−1 , xi ] para
i = 1, . . . , n. Chamamos diâmetro da partição P , e representamos por |P |, ao comprimento
do maior destes subintervalos:
|P | := max {|xi − xi−1 |, i = 1, . . . , n} .
Uma vez que f é contı́nua no intervalo compacto [xi−1 , xi ], pelo Teorema de Weierstrass, f
atinge um máximo e um mı́nimo absolutos em [xi−1 , xi ], que designamos, respectivamente, por
Mi e mi , i = 1, . . . , n.
Consideramos agora os rectângulos que têm por base o segmento de recta de extremos xi−1
e xi , com comprimento (xi − xi−1 ), e com alturas Mi e mi , respectivamente, para i = 1, . . . , n.
Cada um destes rectângulos tem área dada, respectivamente, por (xi − xi−1 )Mi e (xi − xi−1 )mi ,
i = 1, . . . , n, e a soma das áreas destes dois conjuntos de rectângulos, dada por
n
X n
X
(xi − xi−1 )Mi e (xi − xi−1 )mi ,
i=1 i=1
pode ser tomada como uma aproximação por excesso e por defeito, respectivamente, da área
da região Ω. Note-se que a aproximação é tanto melhor quanto menores forem as bases dos
rectângulos considerados, ou seja, quanto menor for o diâmetro da partição considerada.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

105
Estas considerações motivam a definição de integral (definido) que veremos de seguida.

Definição 4.1 Seja f uma função contı́nua em [a, b], onde a < b. Chamamos soma superior
(respectivamente, inferior) de Darboux de f , relativa à partição P do intervalo [a, b], à soma
n
X
S(f, P ) := (xi − xi−1 )Mi
i=1
n
X
(respectivamente, S(f, P ) := (xi − xi−1 )mi ), onde Mi := max f e mi := min f .
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]
i=1

Podemos ainda definir somas superiores (respectivamente, inferiores) de Darboux para fun-
ções f limitadas em [a, b], e não (necessariamente) contı́nuas, substituindo na definição anterior
máximo (respectivamente, mı́nimo) por supremo (respectivamente, ı́nfimo). Usaremos as mes-
mas notações da Definição 4.1 também neste caso.
Assim, se m ≤ f (x) ≤ M , ∀x ∈ [a, b], tem-se

m(b − a) ≤ S(f, P ) ≤ S(f, P ) ≤ M (b − a), (30)

qualquer que seja a partição P de [a, b] que se considere. Portanto, o conjunto de todas as somas
superiores de Darboux de f , e o de todas as somas inferiores, são limitados donde, pelo princı́pio
do supremo e do ı́nfimo existem sup S(f, P ) e inf S(f, P ). Se sup S(f, P ) = inf S(f, P ), a função
P P P P
f diz-se integrável (à Riemann) em [a, b] e ao valor comum do supremo das somas inferiores
e do ı́nfimo das somas superiores chamamos integral (de Riemann) de f , em [a, b].

Definição 4.2 Seja f uma função limitada em [a, b], onde a < b. A função f diz-se integrável
em [a, b] se existir um, e um só, número real I que satisfaz as desigualdades

S(f, P ) ≤ I ≤ S(f, P ),

qualquer que seja a partição P do intervalo [a, b] que se considere. Neste caso, ao número I
damos o nome de integral (definido) de f , no intervalo [a, b] (ou integral, entre a e b, de f ) e
escrevemos Z b
I= f (x) dx.
a
Os números a e b chamam-se limite inferior e limite superior de integração (ou do inte-
gral), respectivamente, e à função f dá-se o nome de função integranda.
Z b
Dizemos que a variável x que aparece em f (x) dx é uma variável aparente ou muda pois
a
pode ser substituı́da por qualquer outra sem que isso altere o valor do integral, temos então, por
exemplo,
Z b Z b Z b
f (x) dx = f (y) dy = f (t) dt.
a a a
Pode-se mostrar que se f é contı́nua em [a, b], então existe um e um só número real I que
satisfaz as desigualdades
S(f, P ) ≤ I ≤ S(f, P ),
qualquer que seja a partição P de [a, b] que se considere. Conclui-se, portanto, que

Teorema 4.3 Sejam a, b ∈ R com a < b. Toda a função contı́nua em [a, b] é integrável em
[a, b].

A prova deste teorema está fora do âmbito desta disciplina.


Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

106
Há também funções que, não sendo contı́nuas, são apesar disso integráveis: se f é limitada,
então f é integrável se não tiver “demasiados” pontos de descontinuidade. Em particular, se f
é limitada em [a, b] e tiver um número finito de pontos de descontinuidade, então f é integrável
em [a, b]. Nas disciplinas de Análise Matemática II/Cálculo Diferencial e Integral II veremos o
que se entende por f não ter “demasiados” pontos de descontinuidade.

Exemplos. 1) Sejam (
a, b ∈ R, a < b, e seja c ∈ [a, b]. Consideremos a função f : [a, b] → R
0, se x 6= c
definida por f (x) =
1, se x = c.
Z b
A função f é descontı́nua no ponto c; vejamos que é integrável em [a, b] e que f (x) dx = 0.
a
Considerando uma particão P de [a, b] determinada pelos pontos xi , i = 0, . . . , n, tem-se
sup f = inf f = 0, se c ∈ / [xi−1 , xi ], e sup f = 1, inf f = 0, se c ∈ [xi−1 , xi ]. Assim,
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]
S(f, P ) = 0 e S(f, P ) = xi − xi−1 . Uma vez que os pontos da partição podem ser escolhidos
arbitrariamente próximos uns dos outros, resulta que sup S(f, P ) = 0 e inf S(f, P ) = 0, pelo que
P P
Z b
f (x) dx = 0.
a (
1, se x ∈ Q
2) Consideremos a chamada função de Dirichlet dada por f (x) =
0, se x ∈ R \ Q.
f é descontı́nua em todos os pontos c de R, uma vez que não existe lim f (x). Com efeito,
x→c
recorrendo à densidade de Q e de R \ Q em R, dado c ∈ R, existem sucessões (xn ) e (yn ),
convergindo ambas para c e tais que xn ∈ Q \ {c}, yn ∈ (R \ Q) \ {c}, ∀n ∈ N, tendo-se f (xn ) = 1
e f (yn ) = 0.
Sejam a, b ∈ R tais que a < b. Para qualquer subintervalo [xi−1 , xi ] de [a, b], tem-se
sup f = 1 e inf f = 0, donde, sendo P uma partição de [a, b] determinada pelos pontos
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]
xi , i = 0, . . . , n,
n
X
S(f, P ) = 0 e S(f, P ) = (xi − xi−1 ) = b − a.
i=1

Portanto, sup S(f, P ) = 0 e inf S(f, P ) = b − a > 0, logo f não é integrável em [a, b].
P P

Seja Ω a região do plano limitada pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a, x = b, onde a < b, e
pelo gráfico de f . Se f for contı́nua e não negativa em [a, b], Ω é a região considerada em (29) e
do tipo representado na figura que se lhe segue. Neste caso, define-se a área de Ω como sendo
o valor do integral de f entre a e b, isto é,
Z b
A(Ω) := f (x) dx.
a

Se f for contı́nua e negativa em [a, b], define-se a área de Ω por


Z b
A(Ω) := −f (x) dx.
a

Resulta imediatamente da Definição 4.2 e das desigualdades (30) que, se m ≤ f (x) ≤ M ,


∀x ∈ [a, b], então
Z b
m(b − a) ≤ f (x) dx ≤ M (b − a).
a
Assim, se f ≥ 0, concluı́mos que a área da região Ω está enquadrada entre as áreas de dois
rectângulos de base com comprimento b − a e de alturas M e m, respectivamente.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

107
Note-se que o integral de uma função integrável nem sempre representa uma área, e o seu
valor pode ser negativo. Com efeito, se uma função integrável f mudar de sinal no intervalo
[a, b], então o integral de f entre a e b corresponde à soma das áreas, entre as rectas x = a e
x = b, limitadas pelo gráfico de f e pelo eixo dos xx, que ficam acima do eixo dos xx, indicadas
com o sinal “+” na figura que se segue, à qual se subtraem as áreas indicadas com o sinal “-”,
que correspondem a regiões onde f ≤ 0.

Outro modo de obter o integral de uma função limitada f : [a, b] → R, equivalente ao


considerado na Definição 4.2, é através das chamadas somas de Riemann.
Definição 4.4 Sejam a, b ∈ R tais que a < b. Seja P uma partição do intervalo [a, b] definida
pelos pontos xi , i = 0, . . . , n, e para cada i = 1, . . . , n seja x∗i um ponto arbitrário do intervalo
[xi−1 , xi ]. Chamamos soma de Riemann de f , relativa à partição P e à escolha dos pontos
ξ = {x∗i : i = 1, . . . , n}, à soma
n
f (x∗i )(xi − xi−1 ).
X
S(f, P, ξ) :=
i=1

A soma de Riemann de f , relativa à partição P e à escolha dos pontos ξ, corresponde assim


à soma das áreas dos rectângulos de base de comprimento (xi − xi−1 ) e altura dada por f (x∗i ),
com i = 1, . . . , n.

Definição 4.5 Sejam a, b ∈ R tais que a < b e f : [a, b] → R uma função limitada. Diz-se que
o número real I é o limite das somas de Riemann S(f, P, ξ), quando o diâmetro da partição
P tende para zero, se I satisfaz a seguinte condição:
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : |S(f, P, ξ) − I| < δ,
para toda a partição P de [a, b] tal que |P | < ε, qualquer que seja a escolha dos pontos
ξ = {x∗i : i = 1, . . . , n}, com x∗i ∈ [xi−1 , xi ], i = 1, . . . , n.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

108
Teorema 4.6 Sejam a, b ∈ R tais que a < b e f : [a, b] → R uma função limitada. Então existe o
limite I ∈ R das somas de Riemann S(f, P, ξ), quando o diâmetro da partição P tende para zero,
qualquer que seja a escolha dos pontos ξ = {x∗i : i = 1, . . . , n}, com x∗i ∈ [xi−1 , xi ], i = 1, . . . , n,
Z b
se, e só se, f é integrável (à Riemann) em [a, b] e, nesse caso, tem-se I = f (x) dx.
a
Z b Z b
Na definição de f (x) dx suposemos que a < b. O significado de f (x) dx quando a ≥ b
a a
é dado pela seguinte definição.
Z a
Definição 4.7 Para qualquer a ∈ R define-se f (x) dx := 0. Se b < a e f é integrável em
a
[b, a], então define-se
Z b Z a
f (x) dx := − f (x) dx.
a b

Proposição 4.8 Sejam a, b ∈ R e J ⊂ R o intervalo de extremidades a e b.


Z b
i) Seja f (x) = k ∈ R, ∀x ∈ J, uma função constante em J. Então f (x) dx = k(b − a).
a
Z b
1
ii) Seja f a função definida em J por f (x) = x. Então f (x) dx = (b2 − a2 ).
a 2
Se k > 0 e a < b, o integral indicado em i) é o valor da área do rectângulo com base no eixo
do xx, com comprimento b − a, e com altura k.

Se 0 < a < b, o integral de ii) é o valor da área do trapézio com base maior de comprimento
1 1
b, base menor de comprimento a e altura b − a: (b + a)(b − a) = (b2 − a2 ).
2 2

Para as duas regiões poligonais consideradas na proposição anterior o conceito de área já era
conhecido da matemática elementar. Verificamos, assim, que a noção de área definida através
do integral conduz ao valor já conhecido.
Demonstração da Proposição 4.8. Atendendo à Definição 4.7, os resultados de ambas as
alı́neas são claramente verificados se a = b. Suponhamos que a < b, donde J = [a, b].
i) Qualquer que seja a partição P = {x0 , . . . , xn } de J que se considere, uma vez que
f (x) = k, ∀x ∈ J, tem-se min f = max f = k, ∀i = 1, . . . , n.
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]

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109
Assim,
n
X n
X
S(f, P ) = S(f, P ) = [(xi − xi−1 )k] = k (xi − xi−1 ) = k(b − a).
i=1 i=1

Dado que f é uma função contı́nua em J, o Teorema 4.3 permite concluir que f é integrável em
J e que
Z b Z b
f (x) dx = k dx = k(b − a).
a a
ii) Seja P uma partição de J determinada pelos pontos x0 , . . . , xn , e em cada subintervalo
xi + xi−1
[xi−1 , xi ] consideremos o respectivo ponto médio x∗i = , i = 1, . . . , n. Denotando por ξ
∗ ∗
2
o conjunto dos pontos x1 , . . . , xn , calculamos a soma de Riemann S(f, P, ξ):
n n n
1X
[f (x∗i )(xi − xi−1 )] = [x∗i (xi − xi−1 )] =
X X
S(f, P, ξ) = [(xi + xi−1 )(xi − xi−1 )]
i=1 i=1
2 i=1
1 2  1 2 
= xn − x20 = b − a2 ,
2 2
atendendo a que a última das somas anteriores é telescópica. O Teorema 4.6 garante, então, que
f é integrável em J e que
Z b Z b
1
f (x) dx = x dx = (b2 − a2 ).
a a 2
A conclusão no caso em que b < a é consequência do exposto, tendo em conta a Definição
4.7. 
Por aplicação da Proposição 4.8 podemos calcular alguns integrais muito simples. Veremos
como os resultados das secções que se seguem nos permitem alargar a classe de funções integráveis
cujos integrais conseguimos calcular.
Exemplos.
Z 5
3 dx = 3 · (5 − (−2)) = 21,
−2
Z 7 √ √ √
− 6 dx = − 6 · (7 − 0) = −7 6,
0
Z −4
π dx = π · (−4 − 1) = −5π,
1
Z 3
1 2  5
3 − 22 = ,
x dx =
2 2 2
Z −6
1 
x dx = (−6)2 − 62 = 0.
6 2

4.2 Propriedades do integral definido, teorema do valor médio

No teorema que se segue, enunciamos algumas propriedades do integral definido. Em particular,


as propriedades ii) e iii) mostram que a operação de integração é linear. Note-se ainda que a
propriedade iii) se generaliza, por indução, a uma soma de n ∈ N funções.

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110
Teorema 4.9 i) Se f é integrável num intervalo I e a, b, c ∈ I, então
Z b Z c Z b
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx.
a a c

ii) Se f é integrável no intervalo de extremos a e b e k ∈ R, então kf é integrável no mesmo


intervalo e Z b Z b
kf (x) dx = k f (x) dx.
a a

iii) Se f e g são integráveis no intervalo de extremos a e b, então f + g é integrável no mesmo


intervalo e Z b Z b Z b
(f + g)(x) dx = f (x) dx + g(x) dx.
a a a

Nas propriedades que se seguem vamos assumir que a < b.


Z b
iv) Se f é integrável em [a, b] e f (x) ≥ 0 em [a, b], então f (x) dx ≥ 0.
a

v) Se f e g são integráveis em [a, b] e f (x) ≤ g(x), ∀x ∈ [a, b], então


Z b Z b
f (x) dx ≤ g(x) dx.
a a

vi) Se f é integrável em [a, b], então |f | é integrável em [a, b] e tem-se


Z Z
b b
f (x) dx ≤ |f (x)| dx.


a a

A figura que se segue ilustra a propriedade i) no caso em que f ≥ 0 e a < c < b.

Repare-se que a recı́proca da propriedade vi) é falsa. Por exemplo, para a função
(
1, se x ∈ Q
f (x) =
−1, se x ∈ R \ Q,

cálculos análogos aos do Exemplo 2) da página 107, permitem concluir que sup S(f, P ) = −1
Z 1 P

e inf S(f, P ) = 1, pelo que f não é integrável em [0, 1]. No entanto |f (x)| dx = 1, pois
P 0
|f (x)| = 1, ∀x ∈ R.

As propriedades do Teorema 4.9, aliadas aos resultados da Proposição 4.8, permitem-nos


calcular o valor de mais alguns integrais.
Z 3 Z 3 Z 3
1 2 
Exemplos. 1) (4 − 2x) dx = 4 dx − 2 x dx = 4(3 − 1) − 2 · 3 − 12 = 8 − 8 = 0.
1 1 1 2
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111
2) Dado que, para x ∈ [0, 1], se tem 0 ≤ x2 ≤ x, por aplicação das propriedades iv) e v) do
Teorema 4.9, obtemos
Z 1 Z 1
1 2  1
0≤ x2 dx ≤ x dx = 1 − 02 = .
0 0 2 2
Z 1
1
Veremos mais adiante que x2 dx = .
0 3

Teorema 4.10 (Teorema do Valor Médio do Cálculo Integral) Sejam a, b ∈ R tais que
a < b e f uma função contı́nua no intervalo [a, b]. Então existe (pelo menos) um ponto c ∈ [a, b]
tal que
Z b
f (x) dx = f (c)(b − a).
a
Z b
1
Ao valor f (c) := f (x) dx damos o nome de valor médio ou média de f em [a, b].
b−a a

Se f ≥ 0 em [a, b], este teorema diz-nos que existe um ponto c ∈ [a, b] para o qual a área da
região do plano limitada pelo gráfico de f , pelas rectas x = a, x = b e pelo eixo dos xx, é igual
à área do rectângulo indicado na figura, com base de comprimento b − a e altura dada por f (c).

Demonstração. Sejam M e m o máximo e o mı́nimo, respectivamente, da função contı́nua f


no intervalo compacto [a, b], cuja existência é assegurada pelo Teorema de Weierstrass. Como
m ≤ f (x) ≤ M , ∀x ∈ [a, b], pelas propriedades i) da Proposição 4.8 e v) do Teorema 4.9, tem-se
Z b Z b Z b
m(b − a) = m dx ≤ f (x) dx ≤ M dx = M (b − a),
a a a
Z b
1
logo, m ≤ f (x) dx ≤ M . Uma vez que f é contı́nua em [a, b] e toma os valores m e M ,
b−a a Z b
1
o Teorema de Bolzano garante que existe um ponto c ∈ [a, b] tal que f (c) = f (x) dx,
b−a a
ou seja, tal que
Z b
f (x) dx = f (c)(b − a). 
a

4.3 Integral indefinido, noção de primitiva, o Teorema Fundamental do Cál-


culo Integral

Mesmo para funções integrandas muito simples, o cálculo de integrais através do estudo das
somas de Darboux ou das somas de Riemann torna-se muito complicado. Veremos nesta secção
um método mais prático para calcular integrais. Começamos com a noção de primitiva.

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112
Definição 4.11 Seja f uma função definida num intervalo I de R. Se existe uma função
diferenciável F : I → R tal que F 0 (x) = f (x), ∀x ∈ I, então a função f diz-se primitivável em
I e chama-se a F uma primitiva de f .
A função definida em R por f (x) = 1 é primitivável em R e F (x) = x é uma primitiva de
f em R. Como a derivada de F (x) = sin x é f (x) = cos x, para todo o x em R, a função f é
primitivável em R e F é uma primitiva de f em R.
Como veremos (cf. Teorema 4.13), se f admite uma primitiva F num intervalo I, então
admite uma infinidade de primitivas em I.
Nem todas as funções são primitiváveis, por exemplo,
(
1, se x ≥ 0
f (x) =
0, se x < 0
não é primitivável em R. Com efeito, se F fosse uma primitiva de f ter-se-ia
(
x + C1 , se x > 0
F (x) =
C2 , se x < 0.
Para que F fosse contı́nua em x = 0 teria que ser C1 = C2 = F (0) mas é impossı́vel atribuir um
valor a F (0) de modo a que F seja diferenciável em x = 0 pois F−0 (0) = 0 e F+0 (0) = 1.
De um modo geral tem-se o seguinte resultado.
Teorema 4.12 Sejam I ⊆ R um intervalo e f : I → R. Se f tiver uma descontinuidade por
salto num ponto c ∈ int I, então f não tem primitiva em I.
Como vimos acima, nem todas as funções são primitiváveis, no entanto, se uma função for
primitivável num intervalo, ela admite um número infinito de primitivas que diferem entre si
por uma constante, como mostra o teorema seguinte.
Teorema 4.13 Seja f : I ⊆ R → R, onde I é um intervalo, e seja F : I ⊆ R → R uma
primitiva de f . Então:
i) todas as funções da forma F + C, com C ∈ R, são primitivas de f ;
ii) qualquer primitiva G de f é da forma G = F + k para um certo k ∈ R.
Demonstração. i) Seja C ∈ R e consideremos a função definida em I por F + C. Dado que F
é uma primitiva de f em I, tem-se F 0 (x) = f (x), ∀x ∈ I, pelo que (F + C)0 (x) = F 0 (x) = f (x),
∀x ∈ I, o que mostra que F + C também é uma primitiva de f em I.
ii) Seja G uma primitiva de f em I. Então (G − F )0 (x) = G0 (x) − F 0 (x) = f (x) − f (x) = 0,
∀x ∈ I. Como I é um intervalo, pelo Teorema 3.28 iii) resulta que G − F é constante em I, logo
existe k ∈ R tal que G − F = k, ou seja, G = F + k. 
Z
Usamos a notação f (x) dx para representar a expressão geral de todas as primitivas da
função f num intervalo contido no seu domı́nio. Assim, se F for uma primitiva de f , tem-se
Z
f (x) dx = F (x) + C, C ∈ R.

Exemplos. Resulta imediatamente das regras de derivação e da definição de primitiva que


Z
2x dx = x2 + C, C ∈ R;
Z
ex dx = ex + C, C ∈ R;
Z
sin x dx = − cos x + C, C ∈ R,

sendo as igualdades anteriores válidas em R.


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113
Definição 4.14 Seja f uma função contı́nua num intervalo I de R e seja x0 ∈ I. Chama-se
integral indefinido de f , com origem em x0 , à função
Z x
x 7→ F (x) := f (t) dt, x ∈ I.
x0

Exemplos. 1) Dado k ∈ R, seja f (x) = k, ∀x ∈ R. Então o integral indefinido de f , com


origem em x0 ∈ R, é a função
Z x
F (x) = k dt = k (x − x0 ) , x ∈ R.
x0

2) Para a função definida por f (x) = x, ∀x ∈ R, o integral indefinido de f , com origem em


x0 ∈ R, é a função Z x
1 2 
F (x) = t dt = x − x20 , x ∈ R.
x0 2

Teorema 4.15 (Teorema Fundamental do Cálculo, Parte 1) Seja f uma função contı́-
nua num intervalo I de R e seja x0 ∈ I. Então o integral indefinido de f , com origem em
x0 , Z x
F (x) = f (t) dt, x ∈ I,
x0

é uma função diferenciável em I e tem-se F 0 (x) = f (x), ∀x ∈ I. Portanto, F é uma primitiva


de f em I.

Demonstração do Teorema 4.15. Seja x ∈ I. Supondo que x é um ponto interior de I vamos


averiguar se existe o limite
F (x + h) − F (x)
lim
h→0 h
(se x for um ponto da fronteira de I estuda-se a existência do limite lateral apropriado). Pela
propriedade i) do Teorema 4.9 sabemos que
Z x+h Z x Z x+h Z x+h
F (x + h) = f (t) dt = f (t) dt + f (t) dt = F (x) + f (t) dt,
x0 x0 x x
Z x+h
portanto F (x + h) − F (x) = f (t) dt. O Teorema 4.10 garante a existência de um ponto
x
ch , entre x e x + h, tal que
Z x+h
f (t) dt = f (ch )(x + h − x) = f (ch )h,
x

F (x + h) − F (x)
donde = f (ch ). Quando h → 0 tem-se ch → x, donde, por continuidade de f ,
h
lim f (ch ) = f (x). Resulta então que
h→0

F (x + h) − F (x)
lim = lim f (ch ) = f (x),
h→0 h h→0

o que mostra que F é diferenciável no ponto x e que F 0 (x) = f (x), ∀x ∈ I. 


Z x
Exemplos. 1) Para F (x) = cos(t2 ) dt, x ∈ R, de acordo com o Teorema Fundamental do
1
Cálculo, tem-se
F 0 (x) = cos(x2 ), ∀x ∈ R.

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114
Z 0 Z x
t2 2
2) Seja G(x) = e dt, x ∈ R. Uma vez que G(x) = − et dt, x ∈ R, o teorema
x 0
anterior permite concluir que
2
G0 (x) = −ex , ∀x ∈ R.
Z √x Z x
3) Considere-se a função H(x) = sin(t2 ) dt, x ≥ 0. Sendo h(x) = sin(t2 ) dt, x ∈ R,
√ 0 0
e g(x) = x, x ≥ 0, observamos que H(x) = h(g(x)) donde, pelo Teorema 4.15 e pela regra de
derivação da função composta, vem
 √   1 sin x
2
H 0 (x) = h0 (g(x)) · g 0 (x) = sin x · √ = √ , x > 0.
2 x 2 x

4) Sendo f uma função contı́nua num intervalo I ⊆ R e g, h funções diferenciáveis em J ⊆ I,


o Teorema 4.15 e a regra de derivação da função composta permitem obter a seguinte expressão
Z h(x)
para a derivada da função definida em I por Ψ(x) := f (t) dt:
g(x)

Z h(x) !
0 d
Ψ (x) = f (t) dt = f (h(x))h0 (x) − f (g(x))g 0 (x), x ∈ J.
dx g(x)

Com efeito, tomando um Z xponto arbitrário x0 ∈ I e considerando o integral indefinido de f , com


origem em x0 , F (x) = f (t) dt, da propriedade i) do Teorema 4.9 obtemos
x0
Z x0 Z h(x) Z g(x) Z h(x)
Ψ(x) = f (t) dt + f (t) dt = − f (t) dt + f (t) dt = −F (g(x)) + F (h(x)).
g(x) x0 x0 x0

Assim, Ψ0 (x) = F 0 (h(x))h0 (x) − F 0 (g(x))g 0 (x) = f (h(x))h0 (x) − f (g(x))g 0 (x).

O corolário que se segue é uma consequência imediata do Teorema 4.15.

Corolário 4.16 Toda a função contı́nua num intervalo I ⊆ R é primitivável em I.

Como já foi referido no Capı́tulo 2, as funções elementares da Análise são todas as funções
que se podem obter a partir das constantes, da função identidade, do seno e da exponencial,
aplicando um número finito de vezes as operações de adição, multiplicação, divisão, composição
e inversão. Atendendo às regras de derivação, verifica-se que a derivada de uma função elementar
é ainda uma função elementar. Existem, no entanto, funções elementares que não são derivadas
de funções elementares, o que implica que as suas primitivas não sejam funções elementares.
Exemplos de funções deste tipo são as definidas por
2 ex sin x cos x 1
ex , sin(x2 ), cos(x2 ), , , e .
x x x log x
Note-se que, sendo contı́nuas, de acordo com o Corolário 4.16, estas funções são primitiváveis.
Deste modo a primitivação, ao contrário da derivação, obriga a sair do âmbito das funções
elementares e a considerar outros tipos de funções como, por exemplo, séries de funções (cf.
Capı́tulo 5).
Dada uma função f contı́nua em I, o Teorema 4.15 diz-nos que qualquer integral indefinido
de f é uma primitiva de f em I. O teorema que se segue dá-nos um método para calcularmos
o integral definido de f , desde que seja conhecida uma sua primitiva.

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115
Teorema 4.17 (Teorema Fundamental do Cálculo Integral, Parte 2) Sejam a, b ∈ R
tais que a < b, f uma função contı́nua no intervalo [a, b] e F uma primitiva de f em [a, b].
Então Z b  b
f (x) dx = F (b) − F (a) = F (x) a
(Fórmula de Barrow).
a

A fórmula anterior é ainda válida no caso em que a ≥ b.


Z x
Demonstração. Pelo Teorema 4.15, sabemos que a função G(x) = f (t) dt, x ∈ [a, b], é
a
uma primitiva de f em [a, b]. Como F é também uma primitiva de f em [a, b], de acordo com o
Teorema 4.13, F e G diferem entre si por uma constante, isto é, existe C ∈ R tal que

G(x) = F (x) + C, ∀x ∈ [a, b].


Z a
Substituindo x por a na igualdade anterior obtemos 0 = f (t) dt = G(a) = F (a) + C, logo
a
C = −F (a). Então, G(x) = F (x) − F (a), ∀x ∈ [a, b], pelo que, substituindo agora x por b, vem
Z b
f (t) dt = G(b) = F (b) − F (a). 
a

" #1
x3
Z 1
2 1 1
Exemplos. 1) x dx = = −0= .
0 3 0
3 3
Se tivéssemos usado outra primitiva da função x 7→ x2 obterı́amos
" #1
x3
Z 1
1 1
 
2
x dx = +C = + C − (0 + C) = ,
0 3 0
3 3

onde C ∈ R. O resultado, como é claro, é independente da primitiva que se escolhe, sendo mais
prático, em geral, trabalhar com a primitiva para a qual C = 0.
π  π4
1 π
Z 
4
2) dx = tan x = tan − tan 0 = 1.
0 cos2 x 0 4
Z 4
1  4
3) dx = log x 2
= log 4 − log 2 = log 2.
2 x
Z 1
1  1 π
4) 2
dx = arctan x 0 = arctan 1 − arctan 0 = .
0 1+x 4

4.4 Cálculo de primitivas, primitivas imediatas

A partir das derivadas das funções elementares temos imediatamente a seguinte lista de primi-
tivas, válidas num intervalo I contido nos respectivos domı́nios:
Z
• se k ∈ R, k dx = kx + C;

xα+1
Z
• se α 6= −1, xα dx = + C;
α+1
1
Z
• se 0 ∈
/ I, dx = log |x| + C;
x
1 kx
Z
• se k 6= 0, ekx dx = e + C;
k
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116
Z
• cos x dx = sin x + C;
Z
• sin x dx = − cos x + C;

1
Z Z
• dx = sec2 x dx = tan x + C;
cos2 x
1
Z Z
• dx = cosec2 x dx = −cotanx + C;
sin2 x
1
Z
• dx = arctan x + C;
1 + x2
1
Z
• se I ⊆ ] − 1, 1 [, √ dx = arcsin x + C;
1 − x2
−1
Z
• se I ⊆ ] − 1, 1 [, √ dx = arccos x + C,
1 − x2
onde C ∈ R.
1
Exemplo. Determinemos as funções F que satisfaçam a condição F 0 (x) = , ∀x 6= 0. Uma vez
x
1
que o domı́nio natural da função x 7→ não é um intervalo, qualquer função F nas condições
x
pedidas é dada por (
log x + C1 , se x > 0
F (x) =
log(−x) + C2 , se x < 0,
onde C1 e C2 são constantes reais, não necessariamente iguais. Este exemplo põe assim em
destaque o facto da operação de primitivação ser efectuada em intervalos.

Resulta imediatamente das regras de derivação o seguinte resultado, que se generaliza, por
indução, ao caso da soma de um número finito de funções primitiváveis.

Proposição 4.18 Se f e g Zsão funções primitiváveis


Z emZ I e se k ∈ R\{0},
Z então kf eZ f +g são
primitiváveis em I e tem-se kf (x) dx = k f (x) dx e (f +g)(x) dx = f (x) dx+ g(x) dx,
ou seja, a operação de primitivação é linear.

1
4 x− 2 +1 √
Z Z
− 12
Exemplos. 1) √ dx = 4 x dx = 4 1 + C = 8 x + C, C ∈ R.
x −2 + 1

2 1 1
Z Z Z
2) √ + e3x dx = 2 √ dx + e3x dx = 2 arcsin x + e3x + C, C ∈ R,
1−x 2 1 − x2 3
ou, alternativamente,
2 −1 1
Z Z Z
3x
√ + e dx = −2 √ dx + e3x dx = −2 arccos x + e3x + C, C ∈ R.
1−x 2 1−x 2 3
1 1 7
Z
3) − + dx = tan x − log |x| + 7 arctan x + C, C ∈ R.
cos x x 1 + x2
2

4) Determinar a função f : R → R, sabendo que f 00 (x) = 2x + 1, ∀x ∈ R, que f 0 (0) = 2 e


que f (0) = −1.
Primitivando a igualdade f 00 (x) = 2x + 1, obtemos f 0 (x) = x2 + x + C1 , x ∈ R, onde C1 ∈ R.
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117
A hipótese f 0 (0) = 2 permite calcular o valor da constante C1 : 2 = 0+0+C1 , logo C1 = 2. Assim,
1 1
f 0 (x) = x2 +x+2, x ∈ R. Primitivando novamente vem f (x) = x3 + x2 +2x+C2 , x ∈ R, onde
3 2
1 1
C2 ∈ R. Como f (0) = −1, temos −1 = 0 + 0 + 0 + C2 e, portanto, f (x) = x3 + x2 + 2x − 1,
3 2
∀x ∈ R.

A próxima proposição resulta da regra de derivação da função composta e permite-nos cal-


cular primitivas de funções com expressões um pouco mais complicadas.
Proposição 4.19 Sejam I e J intervalos de R, u : J → I uma função diferenciável e f : I → R
uma função primitivável. Se y 7→ F (y) for uma primitiva de y 7→ f (y) em I, então x 7→ F (u(x))
é uma primitiva de x 7→ f (u(x)) · u0 (x) em J.
Demonstração. Dado que F é uma primitiva de f em I, F é diferenciável em I e tem-se
F 0 (y) = f (y), ∀y ∈ I. Atendendo à diferenciabilidade da função u obtemos, por aplicação da
regra de derivação da função composta,
d
F (u(x)) = F 0 (u(x)) · u0 (x) = f (u(x)) · u0 (x), x ∈ J,

dx
o que significa que x 7→ F (u(x)) é uma primitiva de x 7→ f (u(x)) · u0 (x) em J. 
1 2
Z  4 5
Exemplos. 1) x2 − 1 · 2x dx =
x − 1 + C, C ∈ R.
5
Com efeito, a função a primitivar pode-se escrever na forma f (u(x)) · u0 (x), sendo as funções
1
f e u definidas por f (y) = y 4 , y ∈ R, e u(x) = x2 − 1, x ∈ R. Como F (y) = y 5 é uma primitiva
5
de f em R, a Proposição 4.19 conduz ao resultado indicado.
3
1 1 1 4 + x3 2 2 3
Z p Z 
2 2 3
2) x 4+ x3 dx = 3x 4+x 2
dx = 3 +C = 4 + x3 2 + C, C ∈ R.
3 3 2
9
Neste caso, usando as notações da Proposição 4.19, temos u(x) = 4 + x3 , u0 (x) = 3x2 , x ∈ R,
√ 2 3
f (y) = y e F (y) = y 2 , y ≥ 0.
3
1 1
Z
3) sin6 x cos x dx = sin7 x + C, C ∈ R, pois f (y) = y 6 , F (y) = y 7 , y ∈ R, u(x) = sin x
7 7
e u0 (x) = cos x, x ∈ R.

Como consequência da Proposição 4.19 e das fórmulas que já conhecemos, obtemos uma
nova lista de primitivas. No que se segue u : J → I é uma função diferenciável e C ∈ R.
(u(x))α+1
Z
• se α 6= −1, (u(x))α · u0 (x) dx = + C;
α+1
u0 (x)
Z
• se u(x) 6= 0 em J, dx = log |u(x)| + C;
u(x)
Z
• eu(x) · u0 (x) dx = eu(x) + C;
Z
• cos(u(x)) · u0 (x) dx = sin(u(x)) + C;
Z
• sin(u(x)) · u0 (x) dx = − cos(u(x)) + C;

u0 (x)
Z Z
• dx = sec2 (u(x)) · u0 (x) dx = tan(u(x)) + C;
cos2 (u(x))

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

118
u0 (x)
Z Z
• dx = cosec2 (u(x)) · u0 (x) dx = −cotan(u(x)) + C;
sin2 (u(x))
u0 (x)
Z
• dx = arctan(u(x)) + C;
1 + u2 (x)
u0 (x)
Z
• se |u(x)| < 1 em J, p dx = arcsin(u(x)) + C;
1 − u2 (x)
−u0 (x)
Z
• se |u(x)| < 1 em J, p dx = arccos(u(x)) + C.
1 − u2 (x)

Exemplos.
ex
Z
1) dx = log(ex + 2) + C, C ∈ R.
ex + 2
1 1
Z   Z    
3 4
2) x cos x + 1 dx = 4x3 cos x4 + 1 dx = sin x4 + 1 + C, C ∈ R.
4 4
1
Z Z
3) sec5 x tan x dx = sec4 x (sec x tan x) dx = sec5 x + C, C ∈ R.
5
1 1
Z
4) √ arcsin x dx = (arcsin x)2 + C, C ∈ R.
1−x 2 2

5) Neste exemplo, é necessário fazer alguma manipulação algébrica de modo a escrever a


função a primitivar numa forma que permita aplicar uma das primitivas da lista anterior.
3 2
x2 1 x2 1 x2 1 2x
Z Z Z Z
dx = dx = 2 dx = dx
6
x +4 4 x6 4 3×2 3 2
  
4 +1 x3
+1 x
+1
2 2
!
1 x3
= arctan + C, C ∈ R.
6 2

1
Z Z
5 cos x
6) sin xe dx = − (−5 sin x)e5 cos x dx = e5 cos x + C, C ∈ R.
5
1 1
Z   Z Z
7) 1 + tan2 (3x) dx = sec2 (3x) dx = 3 sec2 (3x) dx = tan(3x) + C, C ∈ R.
3 3
6x 2x
Z Z
8) √ dx = 3 p
2 2
dx = 3 arcsin(x2 ) + C = −3 arccos(x2 ) + C 0 , C, C 0 ∈ R.
1 − x4 1 − (x )

1 − cos(2x)
9) Usando a igualdade sin2 x = , x ∈ R, podemos calcular
2
1 − cos(2x) 1 1 x sin(2x)
Z Z Z
sin2 x dx = dx = − 2 cos(2x) dx = − + C, C ∈ R.
2 2 4 2 4
10) Do exemplo anterior e da fórmula fundamental da trigonometria resulta que
x sin(2x) x sin(2x)
Z Z
cos x dx = (1 − sin2 x) dx = x − +
2
+C = + + C, C ∈ R.
2 4 2 4
1 + cos(2x)
Em alternativa, também se podia ter usado a igualdade cos2 x = , x ∈ R.
2
sin x
Z Z
11) tan x dx = dx = log(| cos x|) + C, C ∈ R.
cos x
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119
4.5 Primitivação por partes

Como vimos na Proposição 4.19, há produtos de funções que têm uma primitiva imediata,
nomeadamente aqueles que resultam da derivação de uma função composta. No entanto, há
outros produtos que não são a derivada (directa) de uma função composta. Vamos agora estudar
um método que nos permite primitivar alguns desses produtos como, por exemplo, produtos de
funções polinomiais por funções exponenciais, logarı́tmicas ou trigonométricas.
Dado que a derivada de um produto não é igual ao produto das derivadas de cada um dos
factores, também a primitiva de um produto não é igual ao produto das primitivas das funções
envolvidas. A fórmula para a primitiva de um produto que vamos obter, fórmula de primitivação
por partes, resulta da fórmula da derivação de um produto.
Proposição 4.20 (Primitivação por Partes) Sejam I um intervalo de R e u, v : I → R
funções diferenciáveis. Então o produto u0 · v é primitivável se, e só se, o produto u · v 0 o for e
tem-se Z Z
u0 (x) · v(x) dx = u(x) · v(x) − u(x) · v 0 (x) dx.

Demonstração. Uma vez que u e v são diferenciáveis sabemos que u · v também é diferenciável
e, da fórmula para a derivada de um produto, temos (u · v)0 (x) = u0 (x) · v(x) + u(x) · v 0 (x),
∀x ∈ I. Primitivando esta igualdade vem
Z Z
0
u(x) · v(x) = u (x) · v(x) dx + u(x) · v 0 (x) dx,

donde Z Z
u0 (x) · v(x) dx = u(x) · v(x) − u(x) · v 0 (x) dx. 

Quando queremos primitivar um produto de duas funções, usando a fórmula de primitivação


por partes, temos que encarar um dos factores como a derivada de uma função, esse será o factor
a que chamamos u0 , e o outro como uma função v a derivar. Em geral, a fórmula da primitivação
por partes só é útil para calcularmos a primitiva do produto u0 · v se soubermos determinar u
a partir de u0 e se a primitiva do produto u · v 0 for mais fácil de calcular do que a do produto
u0 · v. Para este efeito, a escolha que fazemos para as funções u e v, em geral, não é arbitrária.
Assim, para primitivar o produto de uma função polinomial p por uma função cujas primitivas
são simples de determinar (por exemplo, as funções y = sin x, y = cos x ou y = ex ) deve-se
escolher na fórmula anterior v = p de forma a reduzir o grau do polinómio p.
Exemplos. 1) A função definida por f (x) = 4x cos x, x ∈ R, é o produto da função polinomial
p(x) = 4x pela função trigonométrica g(x) = cos x, ambas definidas em R. Uma vez que sabemos
primitivar a função g, para calcularmos as primitivas de f aplicamos a Proposição 4.20 com a
escolha u0 (x) = cos x e v(x) = p(x). Como u(x) = sin x é uma primitiva de u0 (x) = cos x e
v 0 (x) = 4, ∀x ∈ R, tem-se
Z Z
4x cos x dx = 4x sin x − 4 sin x dx = 4x sin x + 4 cos x + C, C ∈ R.

Repare-se que, se tivéssemos escolhido u0 (x) = 4x e v(x) = cos x, obterı́amos u(x) = 2x2 e
v 0 (x) = − sin x, donde a fórmula de primitivação por partes conduziria a
Z Z
4x cos x dx = 2x2 cos x + 2x2 sin x dx,

sendo esta primitiva mais difı́cil de calcular do que a inicial pois envolve um polinómio de grau
mais elevado.
2) A função definida por f (x) = 8x log x, x > 0, é o produto da função polinomial x 7→ 8x,
x ∈ R, pela função x 7→ log x, x > 0. Dado que ainda não aprendemos a calcular uma primitiva
da função logaritmo, vamos aplicar a fórmula de primitivação por partes com a escolha u0 (x) = 8x
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

120
e v(x) = log x. Obtemos então
1
Z Z
8x log x dx = 4x2 log x − 4x2 · dx
Z x
2
= 4x log x − 4x dx = 4x2 log x − 2x2 + C, se x > 0,

onde C ∈ R.
3) Vejamos então uma forma de primitivar a função g(x) = log x, x > 0. Escrevendo
log x = 1 · log x, ∀x > 0, a fórmula de primitivação por partes permite calcular
1
Z Z Z
log x dx = 1 · log x dx = x log x − x· dx = x log x − x + C, se x > 0,
x
onde C ∈ R.
Este é também um argumento usado para primitivar as funções circulares inversas, como se
ilustra nos dois exemplos que se seguem.
4) Uma vez que arcsin x = 1 · arcsin x, ∀x ∈ [−1, 1], tem-se
Z Z
arcsin x dx = 1 · arcsin x dx
1
Z
= x arcsin x − x√ dx
1 − x2
1
Z
1 p
= x arcsin x + −2x(1 − x2 )− 2 dx = x arcsin x + 1 − x2 + C, C ∈ R.
2

5) Pretendemos primitivar a função x 7→ arctan(x + 1), x ∈ R. Usando o argumento exposto


nos dois exemplos anteriores temos
Z Z
arctan(x + 1) dx = 1 · arctan(x + 1) dx
1
Z
= x arctan(x + 1) − x dx
1 + (x + 1)2
x+1−1
Z
= x arctan(x + 1) − dx
1 + (x + 1)2
1 2(x + 1) 1
Z Z
= x arctan(x + 1) − 2
dx + dx
2 1 + (x + 1) 1 + (x + 1)2
1  
= x arctan(x + 1) − log 1 + (x + 1)2 + arctan(x + 1) + C
2
1  
= (x + 1) arctan(x + 1) − log 1 + (x + 1)2 + C, C ∈ R.
2
Para efectuarmos os cálculos anteriores tomámos para primitiva da função constante u0 (x) = 1,
a função u(x) = x, ∀x ∈ R. Escolhendo, em vez dessa, u(x) = x + 1, x ∈ R, vem
Z Z
arctan(x + 1) dx = 1 · arctan(x + 1) dx
x+1
Z
= (x + 1) arctan(x + 1) − dx
1 + (x + 1)2
1 2(x + 1)
Z
= (x + 1) arctan(x + 1) − dx
2 1 + (x + 1)2
1  
= (x + 1) arctan(x + 1) − log 1 + (x + 1)2 + C, C ∈ R,
2
o que permite chegar ao resultado de um modo mais simples.
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121
Nalguns casos pode ser necessário usar a fórmula de primitivação por partes mais do que
uma vez. Isto é o que acontece, por exemplo, quando pretendemos primitivar o produto da
função y = ex , x ∈ R, por um polinómio de grau superior a 1.
Exemplos. 1) Aplicando a Proposição 4.20 três vezes, escolhendo em cada caso a função
x 7→ ex , x ∈ R, como função a primitivar e as funções polinomiais como funções a derivar,
obtemos sucessivamente
Z Z
(x3 + 2x)ex dx =(x3 + 2x)ex − (3x2 + 2)ex dx
Z
x x
3
= (x + 2x)e − (3x + 2)e + 2
6xex dx
Z
= (x3 − 3x2 + 2x − 2)ex + 6xex − 6ex dx

= (x3 − 3x2 + 8x − 2)ex − 6ex + C = (x3 − 3x2 + 8x − 8)ex + C, C ∈ R.

2) Este exemplo, onde se aplica a fórmula de primitivação por partes duas vezes, diz respeito
ao cálculo de primitivas envolvendo as funções trigonométricas seno e cosseno.
Pretendemos primitivar a função y = ex cos(2x), x ∈ R. Aplicamos a Proposição 4.20 com a
escolha u0 (x) = ex e v(x) = cos(2x); em alternativa, também poderı́amos considerar v(x) = ex
e u0 (x) = cos(2x) uma vez que, neste caso, ambas as opções conduzem a cálculos de grau de
dificuldade semelhante. Vem então
Z Z Z
x x x x
e cos(2x) dx = e cos(2x) − e (−2 sin(2x)) dx = e cos(2x) + 2 ex sin(2x) dx. (31)

A função que resta primitivar, y = ex sin(2x) é, tal como a função inicial, o produto de y = ex por
uma função trigonométrica, neste caso y = sin(2x). Assim, aplicamos novamente a Proposição
4.20, mantendo a escolha u0 (x) = ex , e obtemos
Z Z
x x
e sin(2x) dx = e sin(2x) − 2 ex cos(2x) dx. (32)

A segunda aplicação da fórmula de primitivação por partes levou-nos de volta à primitiva


inicial pelo que, aparentemente, não resolveu o problema. No entanto, substituindo (32) em
(31), vem
Z Z
ex cos(2x) dx = ex cos(2x) + 2 ex sin(2x) dx
 Z 
x x x
= e cos(2x) + 2 e sin(2x) − 2 e cos(2x) dx
Z
= ex cos(2x) + 2 sin(2x) − 4 ex cos(2x) dx,


donde se conclui que,


Z
ex cos(2x) dx = ex cos(2x) + 2 sin(2x) + C, C ∈ R

5

o que dá, finalmente,


1
Z
ex cos(2x) dx = ex cos(2x) + 2 sin(2x) + C, C ∈ R.

5
Como mencionámos, neste exemplo, é indiferente escolher a função y = ex para u0 ou para v.
No entanto, o método de resolução apresentado funciona apenas se se fizer a mesma escolha em
ambas as aplicações da fórmula de primitivação por partes.
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122
4.6 Primitivação de funções racionais

Nesta secção veremos como primitivar funções racionais, isto é, funções que são quociente de
P (x)
funções polinomiais. Consideremos então uma função racional da forma x 7→ , definida em
Q(x)
R \ {x ∈ R : Q(x) = 0}, onde P e Q são polinómios em x tais que o grau de Q é maior ou igual
a 1 (ou seja, Q não é uma constante) e o grau de P é menor do que o grau de Q.
No caso em que o grau de P é maior ou igual ao grau de Q, começamos por dividir os
polinómios de modo a obter
P (x) R(x)
= S(x) + ,
Q(x) Q(x)
para todo o x tal que Q(x) 6= 0, onde S e R são polinómios, sendo o grau de R menor do que
P (x)
o grau de Q. Dado que já sabemos primitivar S, reduzimos a primitivação de x 7→ à
Q(x)
R(x)
primitivação de x 7→ , que está nas condições mencionadas acima. Por exemplo,
Q(x)
2x3 + x2 + 4 x2
= 2 + .
x3 + 2 x3 + 2
De acordo com a factorização do polinómio Q, vamos considerar três casos distintos e analisar
separadamente cada um deles.

Caso 1.
Suponhamos que o polinómio Q se escreve como produto de k ∈ N factores de grau 1
distintos, isto é, Q é um produto de polinómios de grau 1 que não têm raı́zes em comum. Assim,
bi bj
existem números reais ai , bi , com ai 6= 0, i = 1, . . . , k e 6= se i 6= j, tais que
ai aj
Q(x) = (a1 x + b1 )(a2 x + b2 ) . . . (ak x + bk ), ∀x ∈ R.
Neste caso, pode-se provar que existem constantes reais Ai , i = 1, . . . , k, tais que
P (x) A1 A2 Ak
= + + ... + , sempre que Q(x) 6= 0. (33)
Q(x) a1 x + b1 a2 x + b2 ak x + bk
A primitivação de cada uma das parcelas anteriores, chamadas fracções simples ou fracções
parciais, é imediata tendo-se, em cada intervalo contido no respectivo domı́nio,
Ai Ai ai Ai
Z Z
dx = dx = log |ai x + bi | + Ci , Ci ∈ R, i = 1, . . . , k.
ai x + bi ai ai x + bi ai
P (x)
Assim, para calcularmos uma primitiva de x 7→ basta determinarmos os valores das
Q(x)
constantes Ai o que se pode fazer reduzindo ao mesmo denominador a expressão do lado direito
de (33) e tendo em conta que dois polinómios são iguais se, e só se, os coeficientes dos termos
do mesmo grau forem iguais.
x−1
Z
Exemplo. Calcular dx.
x2 + x
Pelo que foi exposto, sabemos que, para x ∈ R \ {−1, 0}, é possı́vel escrever
x−1 x−1 A B
2
= = + ,
x +x x(x + 1) x+1 x
onde A e B são duas constantes reais a determinar. Reduzindo ao mesmo denominador, preten-
demos calcular A, B ∈ R tais que
Ax + B(x + 1) x−1
2
= 2 , ∀x ∈ R \ {−1, 0},
x +x x +x
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

123
ou seja, tais que
Ax + B(x + 1) = x − 1, ∀x ∈ R \ {−1, 0}. (34)
Um polinómio de grau n da forma an xn +. . .+a1 x+a0 , com an 6= 0, é univocamente determinado
pelos seus n + 1 coeficientes a0 , . . . , an . Então, para que dois polinómios de grau n sejam iguais,
basta que coincidam em n + 1 pontos. Assim, se a igualdade (34) se verificar para todo o
x ∈ R \ {−1, 0}, também será válida para todo o x ∈ R. Portanto, para determinarmos os
valores de A e B, podemos substituir x por −1 em (34) e obtemos −A = −2, donde A = 2.
Fazendo x = 0 em (34), vem B = −1.
Outro processo para encontrar as constantes A e B que satisfazem (34) é igualar os coeficien-
tes dos termos em x, e os termos constantes, dos dois polinómios intervenientes nessa igualdade
(cf. o método dos coeficientes indeterminados, já utilizado no Capı́tulo 1). Obtém-se
( (
A+B =1 A=2

B = −1 B = −1.

Portanto,
x−1 2 1
Z Z
dx = − dx = 2 log |x + 1| − log |x| + C, C ∈ R.
x2 + x x+1 x

Caso 2.
Suponhamos agora que o polinómio Q se escreve como produto de k ∈ N factores de grau
1, alguns dos quais repetidos, isto é, existem números reais ai , bi , com ai 6= 0, i = 1, . . . , k e
existem constantes ni ∈ N, i = 1, . . . , k, tais que

Q(x) = (a1 x + b1 )n1 (a2 x + b2 )n2 . . . (ak x + bk )nk , x ∈ R.


P
Neste caso, pode-se provar que no quociente , cada factor da forma (ax + b)n de Q dá origem
Q
a uma expressão do tipo
A1 A2 An
+ + ... + ,
ax + b (ax + b)2 (ax + b)n
para certas constantes reais Ai , i = 1, . . . , n. Uma vez que a primitivação de cada uma das
parcelas anteriores é imediata, obtendo-se logaritmos ou potências, para calcularmos uma pri-
P (x)
mitiva de x 7→ , x ∈ R \ {x ∈ R : Q(x) = 0}, basta determinarmos os valores de todas as
Q(x)
constantes envolvidas, o que pode ser feito pelos métodos descritos no caso anterior.

x2 + 4
Z
Exemplo. Calcular dx.
x3 (x + 2)
Neste caso, existem constantes A, B, C, D ∈ R tais que
x2 + 4 A B C D
3
= + 2+ 3+ , ∀x ∈ R \ {−2, 0}.
x (x + 2) x x x x+2
Reduzindo ao mesmo denominador, procuramos constantes A, B, C, D ∈ R tais que
x2 + 4 Ax2 (x + 2) + Bx(x + 2) + C(x + 2) + Dx3
= , ∀x ∈ R \ {−2, 0},
x3 (x + 2) x3 (x + 2)
ou seja, tais que

Ax2 (x + 2) + Bx(x + 2) + C(x + 2) + Dx3 = x2 + 4, ∀x ∈ R, (35)

(vejam-se os comentários feitos a propósito do exemplo anterior).


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124
Igualando os coeficientes dos termos em x3 , em x2 , em x, e os termos constantes, dos dois
polinómios intervenientes na igualdade (35), obtemos
 

 A+D =0 
 A=1

 2A + B = 1 
 B = −1


 2B + C = 0 
 C=2
 

2C = 4 
D = −1.

Assim,
x2 + 4 1 1 2 1 1 1
Z Z
dx = − + − dx = log |x| + − 2 − log |x + 2| + C, C ∈ R.
x3 (x + 2) x x2 x3 x + 2 x x

Caso 3.
Vejamos finalmente o caso em que o polinómio Q tem factores quadráticos irredutı́veis (isto
é, polinómios de segundo grau sem raı́zes reais) distintos. Neste caso, pode-se provar que cada
factor irredutı́vel de Q, do tipo ax2 + bx + c com b2 − 4ac < 0, dá origem a um termo da forma
Ax + B
,
ax2 + bx + c
P
no quociente , para determinadas constantes reais A e B. A primitivação destes termos,
Q
designados por fracções simples, conduzem-nos a expressões envolvendo logaritmos e arcos tan-
P (x)
gente. Portanto, tal como nos casos anteriores, para calcularmos uma primitiva de x 7→ ,
Q(x)
x ∈ R \ {x ∈ R : Q(x) = 0}, basta determinarmos os valores das constantes que nos surgem nas
fracções simples.

Exemplos. 1) De acordo com o que vimos, a decomposição em fracções simples da função


3x4 − 5x2 + 7x + 1
racional f (x) = 5 , x ∈ R \ {−2, 0}, é dada por
x (x + 2)2 (x2 + 4)(x2 + 1)
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 x + A9 A10 x + A11
+ 2 + 3 + 4 + 5 + + 2
+ + ,
x x x x x x + 2 (x + 2) x2 + 4 x2 + 1
onde A1 , . . . , A11 são constantes reais.
1
Z
2) Calcular 2
dx.
x(x + x + 1)
O polinómio x 7→ x2 + x + 1, x ∈ R, não tem raı́zes reais, é, portanto, irredutı́vel (em R).
Assim, é possı́vel escrever
1 A Bx + C
= + 2 , ∀x ∈ R \ {0},
x(x2 + x + 1) x x +x+1
para certas constantes A, B, C ∈ R. Reduzindo ao mesmo denominador, queremos determinar
A, B, C ∈ R de tal modo que
1 A(x2 + x + 1) + x(Bx + C)
= , ∀x ∈ R \ {0},
x(x2 + x + 1) x(x2 + x + 1)
isto é, de forma a que
A(x2 + x + 1) + x(Bx + C) = 1, ∀x ∈ R.
Igualando, nos dois polinómios da igualdade anterior, os coeficientes dos termos do mesmo grau,
vem
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125
 
 A+B =0
  A=1

A+C =0 ⇔ B = −1

 A=1  C = −1,

donde
1 1 x+1
Z Z
2
dx = − 2 dx
x(x + x + 1) x x +x+1

1 2x + 2
Z
= log |x| − dx
2 x2 + x + 1

1 2x + 1 1 1
Z Z
= log |x| − dx − 2 dx
2 x2 + x + 1 2

1 3
x+ 2 + 4
1 1 1
Z
= log |x| − log(x2 + x + 1) −   2  dx
2 2 3 4 1
4 3 x+ 2 +1
1 2 1
Z
= log |x| − log(x2 + x + 1) − i2 dx
2 3
h 
√2 x+ 1
+1
3 2
√2
1 1
Z
3
= log |x| − log(x2 + x + 1) − √ 2 dx
2

3 √2 x + √1 +1
3 3
1 1 2 1
 
= log |x| − log(x2 + x + 1) − √ arctan √ x + √ + C, C ∈ R.
2 3 3 3

4.7 Primitivação por substituição

O método de primitivação por substituição, também dito por mudança de variável, é uma
aplicação da Proposição 4.19 e, por isso, é uma consequência da regra de derivação da função
composta.
Sendo I e J intervalos de R, u : J → I uma bijecção diferenciável e f : I → R uma função
primitivável, a Proposição 4.19 diz-nos que, se F é uma primitiva de f em I, então F ◦ u é
uma primitiva de (f ◦ u) · u0 em I. Já usámos esta proposição no cálculo de primitivas da forma
(f ◦ u) · u0 , sendo conhecida F .
Vamos agora aplicar a mesma proposição, mas no sentido contrário. O nosso objectivo é
determinar uma primitiva F de f supondo que é (relativamente) fácil determinar uma primitiva
G de (f ◦ u) · u0 .

Teorema 4.21 (Primitivação por Substituição) Sejam I e J dois intervalos de R,


f : I → R e u : J → I uma bijecção diferenciável. Se f for primitivável em I, então
Z Z 
f (x) dx = f (u(t)) · u0 (t) dt ◦ u−1 (x).

Demonstração. Sejam F uma primitiva de f e G uma primitiva de (f ◦ u) · u0 em I. Pela


Proposição 4.19, F ◦ u é uma primitiva de (f ◦ u) · u0 em I. Atendendo ao Teorema 4.13, dado
que F ◦ u e G são ambas primitivas de (f ◦ u) · u0 no intervalo I, sabemos que existe C ∈ R tal
que F ◦ u − G = C, ∀x ∈ I. Daqui se conclui que F − G ◦ u−1 = C, ∀x ∈ I, o que mostra que
G ◦ u−1 é uma primitiva de f em I. 
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

126
Este método permite-nos então determinar uma primitiva de f (que será G ◦ u−1 ) quando é
conhecida uma primitiva de (f ◦ u) · u0 (a função G).
Portanto, para calcularmos
Z uma primitiva por meio da mudança de variável x = u(t),
começamos por calcular f (u(t)) · u0 (t) dt que, usando a notação de Leibniz, pode ser escrita na
dx
Z
forma dt. Obtemos uma função da variável auxiliar t. Substituindo t por u−1 (x)
f (u(t)) ·
dt
na expressão obtida, regressamos à variável original x para obtermos a primitiva pretendida,
isto é, Z
f (x) dx.
Z √
x
Exemplo. Calcular e dx.
√ √
Para o cálculo da primitiva de f (x) = e x é conveniente fazer a mudança de variável x = t,
pelo que consideramos a bijecção diferenciável u : R+ → R+ dada por u(t) = t2 . Tem-se

u−1 (x) = x, x > 0, e u0 (t) = 2t, pelo que o Teorema 4.21 nos conduz ao cálculo da primitiva
da função f (u(t)) · u0 (t) = et · 2t, t > 0. Primitivando por partes esta última função vem
Z Z
t t
et · 2 dt = et 2t − 2 + C, C ∈ R,

e · 2t dt = e · 2t −

portanto, substituindo t = x na expressão anterior, conclui-se que
Z √
x

x √ 
e dx = e 2 x − 2 + C, C ∈ R.

Veremos agora algumas mudanças de variável que são adequadas para calcularmos determi-
nados tipos de primitivas. Começamos com uma definição.

Definição 4.22 Seja n ∈ N. Chamamos função racional de n variáveis x1 , x2 , . . . , xn , e


representamos por R(x1 , x2 , . . . , xn ), a uma função que se pode escrever como quociente de
somas finitas de parcelas do tipo αxs11 xs22 . . . xsnn (ou seja, de polinómios nas indeterminadas
x1 , . . . , xn ), onde α ∈ R e s1 , s2 , . . . , sn ∈ N0 .

Compondo funções racionais com outras funções obtemos funções dadas por quocientes. Por
x2 + 2xy
exemplo, considerando R(x, y) = 3 obtemos
y − 5x

sin2 x + 2 sin x cos x


R(sin x, cos x) =
cos3 x − 5 sin x
x+y−1
e dizemos que esta é uma função racional de sin x e de cos x. Para R(x, y) = obtemos
x3
√ √
x+ 3x−1 √ √
√ R( x, 3 x) =
x x
√ √
e dizemos que esta é uma função racional de x e de 3 x.

Vamos ver como se primitivam algumas destas funções, fazendo substituições apropriadas
que conduzem a primitivas de funções racionais de uma só variável como as que foram estudadas
na secção anterior.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

127
1 1 1
• Primitivação de uma função da forma R(x, x n1 , x n2 , . . . , x nk ), n1 , . . . , nk ∈ N:
neste caso pode-se considerar a mudança de variável
1
t = x p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk ),

o que possibilita o cálculo da primitiva através das técnicas já estudadas, uma vez que
os expoentes fraccionários presentes na função da variável x, passam a expoentes inteiros
quando se efectua a mudança para a variável t.

1 1
Z Z
Exemplo. Calcular √ √ dx = 1 dx. 1
x+ 4x x + x4 2
1
Atendendo a que m.m.c.(2, 4) = 4, fazemos a substituição t = x 4 , x > 0, isto é, x = u(t) = t4 ,
√ 4t3
t > 0. Como u0 (t) = 4t3 e x = t2 , de acordo com o Teorema 4.21, vamos primitivar 2 :
t +t
4t3 4t2
Z Z
dt = dt
t2 + t t+1
Z 2
t −1+1 (t − 1)(t + 1) + 1
Z
=4 dt = 4 dt
t+1 t+1 !
1 t2
Z
=4 t−1+ dt = 4 − t + log |t + 1| + C, C ∈ R.
t+1 2
1 √
Substituindo, na expressão anterior, t por x 4 (donde t2 = x), vem
Z
1 √ √ √
√ √
4
dx = 2 x − 4 4 x + 4 log( 4 x + 1) + C, C ∈ R.
x+ x

x x x
• Primitivação de uma função da forma R(e n1 , e n2 , . . . , e nk ), n1 , . . . , nk ∈ N:
nesta situação pode-se considerar a mudança de variável
x
t = e p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk ).

e3x
Z
Exemplo. Calcular 3x x dx.
e 2 + e2
x
Dado x ∈ R, consideramos e 2 = t. Assim, x = u(t) = 2 log t, com t > 0, tendo-se u0 (t) = 2t ,
3x
e3x = t6 e e 2 = t3 . Aplicando o Teorema 4.21 começamos por calcular

t6 2 t4
Z Z
3
· dt = 2 dt
t +t t t2 + 1
Z 4
t −1+1 (t2 − 1)(t2 + 1) + 1
Z
=2 2+1
dt = 2 2+1
dt
t t
1 2
Z
= 2 t2 − 1 + 2 dt = t3 − 2t + 2 arctan t + C, C ∈ R.
t +1 3
Voltando à variável inicial, obtemos

e3x 2 3x
Z
x
 x
3x dx = e 2 − 2e 2 + 2 arctan e 2 + C, C ∈ R.
x
e 2 +e 2 3

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128
• Primitivação de uma função da forma R(sin x, cos x):
se se puder pôr em evidência sin x, podemos fazer t = cos x, se se puder pôr em evidência
cos x, podemos fazer t = sin x.
Em geral, a mudança de variável
x x π π
   
t = tan , ou seja, = arctan t ∈ − , ,
2 2 2 2
permite determinar este tipo de primitivas. Trata-se, assim, de considerar a bijecção
diferenciável u : R → ] − π, π[ dada por u(t) = 2 arctan t. Neste caso, a partir de certas
fórmulas trigonométricas, podemos deduzir que
1 − t2 2t
cos x = e sin x = .
1 + t2 1 + t2
x 1 t
e sin x2 = √
 
Comecemos por mostrar que se tem cos 2 = √ . Ora, da
1 + t 2 1 + t2
x x x
igualdade 1 + tan2 = sec2 resulta que sec2 2
 
2 2 2 = 1 + t , donde

x 1
 
2
cos = , (36)
2 1 + t2
e, da fórmula fundamental da trigonometria, vem
x x 1 t2
   
2 2
sin = 1 − cos =1− = . (37)
2 2 1 + t2 1 + t2
Como x2 ∈ − π2 , π2 , cos x x x
    
2 > 0 e sin 2 tem o mesmo sinal que tan 2 = t. Assim, de
(36) e (37) segue-se que
x 1 x t
   
cos =√ e sin =√ .
2 1 + t2 2 1 + t2

Assim, obtemos as seguintes expressões para sin x e cos x em função de t:


x x 1 t2 1 − t2
   
2
cos x = cos − sin2 = − = ,
2 2 1 + t2 1 + t2 1 + t2
x x t 1 2t
   
sin x = 2 sin cos = 2√ √ = .
2 2 2
1+t 1+t 2 1 + t2

cos x
Z
Exemplos. 1) Calcular dx.
(sin x + 1)2
Esta primitiva pode ser calculada fazendo a mudança de variável sin x = t, mas é muito mais
simples verificar que se trata de uma primitiva imediata. Com efeito,
cos x 1
Z Z
dx = cos x(sin x + 1)−2 dx = −(sin x + 1)−1 + C = − + C, C ∈ R.
(sin x + 1)2 sin x + 1

sin x
Z
2) Calcular dx.
4 − cos2 x
Fazemos a mudança de variável cos x = t, ou seja, consideramos a bijecção diferenciável
1
u :] − 1, 1[ → ]0, π[ dada por u(t) = arccos t, sendo u0 (t) = − √ , ∀t ∈ ] − 1, 1[. Como em
1 − t2
]0, π[ se tem sin x > 0, da fórmula fundamental da trigonometria vem,
p p
sin x = | sin x| = 1 − cos2 x = 1 − t2 .

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129
Somos assim conduzidos ao cálculo da primitiva
Z √
1 − t2 1 1
  Z
−√ dt = dt
4 − t2 1 − t2 t2 − 4
1 1 1 1
Z Z
= dt = − dt
(t − 2)(t + 2) 4 t−2 t+2
t − 2

1 1 1
= log |t − 2| − log |t + 2| + C = log
+ C, C ∈ R.
4 4 4 t + 2
Substituindo na última expressão t por cos x, vem finalmente
cos x − 2
+ C = 1 log 2 − cos x

sin x 1
Z  
2
dx = log + C, C ∈ R.
4 − cos x 4 cos x + 2 4 cos x + 2
1
Z
3) Calcular dx.
1 + cos x − sin x
x
 
Neste caso fazemos a substituição t = tan , ou seja, temos x = u(t) = 2 arctan t, onde
2
u : R → ] − π, π[ é uma bijecção diferenciável. Como já foi provado, tem-se
1 − t2 2t
cos x = e sin x = ,
1 + t2 1 + t2
2
e u0 (t) = , ∀t ∈ R. Vamos então calcular
1 + t2
1 2 2
Z Z
1−t2 2t 1 + t2
dt = 2 + 1 − t2 − 2t
dt
1+ 2 − 2
1 + t
1+t 1+t
2 1
Z Z
= dt = dt = − log |1 − t| + C, C ∈ R.
2 − 2t 1−t
Portanto,
1 x
Z  

dx = − log 1 − tan + C, C ∈ R.
1 + cos x − sin x 2
4) Vejamos agora como primitivar a função y = sec x. A primitiva pode ser obtida através
da mesma mudança de variável usada no exemplo anterior, mas um pequeno artifı́cio de cálculo
permite concluir de forma mais simples. Com efeito, tem-se
sec x(sec x + tan x)
Z Z
sec x dx = dx
sec x + tan x
sec x tan x + sec2 x
Z
= dx = log | sec x + tan x| + C, C ∈ R,
sec x + tan x
d d
onde usámos o facto de se ter (sec x) = sec x tan x e (tan x) = sec2 x.
dx dx
1
Z
5) Calcular dx.
cos x sin x
Fazendo uso da fórmula fundamental da trigonometria, podemos escrever
1 cos2 x + sin2 x
Z Z
dx = dx
cos x sin x cos x sin x
cos x sin x
Z
= + dx = log | sin x| − log | cos x| + C = log | tan x| + C, C ∈ R.
sin x cos x

Como os dois últimos exemplos mostram, em certos casos, na primitivação de funções en-
volvendo funções trigonométricas, o recurso a certas fórmulas trigonométricas pode facilitar o
cálculo e evitar fazer mudanças de variável que conduzam a contas mais elaboradas.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

130

• Primitivação de uma função da forma R(x, a2 − x2 ):
neste caso podemos fazer
x = a sin t ou x = a cos t,
e√ usamos a fórmula fundamental da trigonometria, sin2 t + cos2 t = 1, para escrever
a2 − x2 em função de t.
x
Z
Exemplos. 1) Calcular √ dx.
9 − x2
O cálculo pode ser feito recorrendo às mudanças de variável x = 3 sin t ou x = 3 cos t mas é
mais simples observar que a primitiva pedida é imediata.
x
Z Z
1
√ dx = x(9 − x2 )− 2 dx
9−x 2
1
Z
1 p
=− −2x(9 − x2 )− 2 dx = − 9 − x2 + C, C ∈ R.
2
Z √
4 − x2
2) Calcular dx.
x2
Os cálculos que se seguem são válidos num intervalo I contido em [−2, 2] \ {0} pois este
último é o domı́nio natural da função que pretendemos primitivar. Fazemos a substituição
x = u(t) = 2 sin t, ou seja, consideramos a bijecção diferenciável u : J → I, onde J é um
0 −1
 π π x

intervalo contido em − 2 , 2 \ {0}. Tem-se u (t) = 2 cos t e t = u (x) = arcsin 2 ∈ J. Assim,
p p √
4 − x2 = 4 − 4 sin2 t = 2 cos2 t = 2| cos t| = 2 cos t,
uma vez que no intervalo considerado se tem cos t ≥ 0. Vamos então calcular
2 cos t cos2 t
Z Z
2 cos t dt = dt
4 sin2 t sin2 t
1
Z Z
2
= cotan t dt = − 1 dt = −cotan t − t + C, C ∈ R.
sin2 t
√ √
cos t 4 − x2 2 4 − x2
Como cotan t = = · = , resulta que
sin t 2 x x
Z √ √
4 − x2 4 − x2 x
 
2
dx = − − arcsin + C, C ∈ R.
x x 2


• Primitivação de uma função da forma R(x, a2 + x2 ):
podemos pôr
x = a tan t,

e usamos o facto de que 1 + tan2 t = sec2 t para escrever a2 + x2 em função de t.

1
Z
Exemplo. Calcular √ dx.
4x2 + 9
√ p
Dado x ∈ R, como 4x2 + 9 = (2x)2 + 32 , fazemos a mudança de variável 2x = 3 tan t,
isto é, x = 32 tan t = u(t), sendo u0 (t) = 32 sec2 t. Tem-se t = u−1 (x) = arctan( 32 x) ∈ − π2 , π2 ,
donde, p p √
4x2 + 9 = 9 tan2 t + 9 = 3 sec2 t = 3| sec t| = 3 sec t,
atendendo a que cos t > 0 no intervalo − π2 , π2 . Somos então conduzidos ao cálculo da primitiva
 

1 3 1 1
Z Z
· sec2 t dt = sec t dt = log | sec t + tan t| + C, C ∈ R,
3 sec t 2 2 2
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

131
pelo exemplo 4) da página 130. Conclui-se, pois, que
√ !
1 1 4x2 + 9 2
Z
√ dx = log + x + C, C ∈ R.
4x2 + 9 2 3 3


• Primitivação de uma função da forma R(x, x2 − a2 ):
neste caso podemos fazer a substituição
a
x = a sec t = ,
cos t

e usamos o facto de que 1 + tan2 t = sec2 t para escrever x2 − a2 em função de t.

1
Z
Exemplo. Calcular √ dx, para x < −2.
x x2 − 4
π 
Para este cálculo consideramos a bijecção diferenciável u : 2,π →] − ∞, −2[ dada por
x = u(t) = 2 sec t. Então u0 (t) = 2 sec t tan t e
p √
x2 − 4 = 2 tan2 t = 2| tan t|.
 
Uma vez que t = u−1 (x) = arccos 2
π 
x ∈ 2,π , e neste intervalo tan t < 0, vem
p
x2 − 4 = 2| tan t| = −2 tan t.

A mudança de variável efectuada leva-nos a calcular


1 1 t
Z Z
· 2 sec t tan t dt = − dt = − + C, C ∈ R,
2 sec t(−2 tan t) 2 2
e, consequentemente,
1 1 2
Z  
√ dx = − arccos + C, C ∈ R,
2
x x −4 2 x

supondo que x < −2.

Estudámos neste capı́tulo vários métodos que permitem primitivar diversas classes de fun-
ções. Nalguns casos, é possı́vel obter primitivas de uma mesma função por aplicação de mais de
uma das técnicas aprendidas, conduzindo cada uma delas a expressões aparentemente diferentes
(vejam-se, por exemplo, os exercı́cios 32. c) e 34. c) da Ficha 4). Devemos ter em conta, porém,
que se as técnicas tiverem sido correctamente aplicadas, os resultados finais, embora possam
estar escritos de forma diferente, correspondem a funções que diferem entre si apenas por uma
constante (por vezes, essa evidência só se torna aparente após alguma manipulação algébrica
nas expressões obtidas).

4.8 Integração por partes e por substituição

Como consequência das fórmulas de primitivação por partes e por susbtituição obtemos resul-
tados semelhantes para integrais. Temos então os seguintes teoremas.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

132
Teorema 4.23 (Integração por Partes) Sejam a, b ∈ R tais que a < b e u, v duas funções
de classe C 1 ([a, b]). Então
Z b Z b
b
u0 (x) · v(x) dx = u(x) · v(x) u(x) · v 0 (x) dx.

a

a a

Demonstração. Sendo contı́nuas, as funções u0


· v e u · v 0 são primitiváveis em [a, b], sejam
0 0
então F e G primitivas de u · v e u · v , respectivamente. Da fórmula de primitivação por partes
vem F = u · v − G + C, C ∈ R, donde, pela Fórmula de Barrow obtemos
Z b h ib h ib
u0 (x) · v(x) dx = F (x) = u(x) · v(x) − G(x)
a a a
h ib h ib h ib Z b
= u(x) · v(x) − G(x) = u(x) · v(x) − u(x) · v 0 (x) dx. 
a a a a
Z 2
Exemplo. Calcular x3 log x dx.
1
Aplicando o teorema anterior, escolhendo u0 (x) = x3 e v(x) = log x, obtemos
" #2
x4
Z 2 Z 2 4
3 x 1
x log x dx = log x − · dx
1 4 1 1 4 x
" #2
x4 1 15
 
= 4 log 2 − = 4 log 2 − 1 − = 4 log 2 − .
16 1
16 16

Teorema 4.24 (Integração por Substituição) Sejam a, b ∈ R tais que a < b, I um inter-
valo de R, f : I → R uma função contı́nua e u : [a, b] → I uma função de classe C 1 ([a, b]).
Então Z Z u(b) b
f (x) dx = f (u(t)) · u0 (t) dt.
u(a) a

Demonstração. Nas condições enunciadas, a Proposição 4.19 garante que, sendo F uma pri-
mitiva de f em I, então F ◦ u é uma primitiva de (f ◦ u) · u0 em [a, b]. Portanto,
Z b h ib
f (u(t)) · u0 (t) dt = (F ◦ u)(t) = F (u(b)) − F (u(a))
a a
h iu(b) Z u(b)
= F (x) = f (x) dx. 
u(a) u(a)

Note-se que, contrariamente ao que sucede quando se calculam primitivas por mudança de
variável, no cálculo do integral por este processo não é preciso voltar à variável original x, o que
está relacionado com o facto de se fazer a alteração nos limites de integração como indicado.
Os dois teoremas anteriores permanecem válidos no caso em que a ≥ b.
Z 1
1
Exemplo. Calcular 2 2
dx.
0 (x + 1)
Fazemos a mudança de variável x = u(t) = tan t, tendo-se u0 (t) = sec2 t. Como 0 = u(0) e
1 = u( π4 ), resulta do teorema anterior que
Z 1 π
1 1
Z
4
dx = · sec2 t dt
0 (x + 1)2
2
0 sec4 t
π Z π
1
Z
4 4
= dt = cos2 t dt
0 sec2 t 0
π π
1 + cos(2t) t sin(2t) 4 π 1
Z 
4
= dt = + = + .
0 2 2 4 0 8 4

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

133
Como aplicação do Teorema 4.24 é fácil mostrar a seguinte proposição (cf. exercı́cio 39 da
Ficha 4).
Proposição 4.25 Seja a > 0 e seja f uma função contı́nua no intervalo [−a, a].
Z a
i) Se f é uma função ı́mpar, f (x) dx = 0.
−a
Z a Z a
ii) Se f é uma função par, f (x) dx = 2 f (x) dx.
−a 0

A figura que se segue ilustra o resultado anterior, para uma função que verifica f (x) ≥ 0,
∀x ∈ [0, a].

No primeiro caso, como f é ı́mpar, os integrais em [−a, 0] e em [0, a] são simétricos pelo
que o integral de f no intervalo [−a, a] é nulo. No segundo caso, uma vez que f é par, as duas
regiões indicadas a azul claro e a azul escuro na figura do lado direito têm áreas iguais.

4.9 Cálculo de áreas planas

Nesta secção vamos estudar uma aplicação do cálculo integral ao cálculo de áreas planas.
Vimos no inı́cio deste capı́tulo que se f é uma função contı́nua e positiva, então a área da
região Ω do plano, limitada pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a, x = b e pelo gráfico de f , ou
seja, a área do conjunto
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f (x) ,
Z b
é dada pelo valor do integral f (x) dx. A região Ω encontra-se representada na primeira figura
a
da página 105.
Vamos agora ver como calcular áreas de regiões mais gerais usando integrais definidos. Co-
meçamos por supor que f e g são funções contı́nuas em [a, b] e tais que
f (x) ≥ g(x) ≥ 0, ∀x ∈ [a, b],
e consideramos a região Ω definida por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, g(x) ≤ y ≤ f (x) . (38)

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

134
Designando por Ω1 a região do plano limitada pelo gráfico de f , pelo eixo dos xx e pelas
rectas x = a e x = b,
n o
Ω1 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f (x) ,

e por Ω2 a região do plano limitada pelo gráfico de g, pelo eixo dos xx e pelas rectas x = a e
x = b, n o
Ω2 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ g(x) ,
definimos a área de Ω como sendo a diferença entre as áreas de Ω1 e de Ω2 donde, pelo exposto
acima, e pelas propriedades dos integrais,
Z b Z b Z b
A(Ω) = A(Ω1 ) − A(Ω2 ) = f (x) dx − g(x) dx = f (x) − g(x) dx.
a a a

Mais geralmente, se f e g forem funções contı́nuas em [a, b], podendo eventualmente tomar
valores negativos, e tais que f (x) ≥ g(x), ∀x ∈ [a, b], a área da região Ω considerada em (38) é
dada por
Z b
A(Ω) = f (x) − g(x) dx. (39)
a
Com efeito, seja C ∈ R tal que g(x) + C ≥ 0, ∀x ∈ [a, b], e considere-se o conjunto
n o
Ω0 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, g(x) + C ≤ y ≤ f (x) + C .

Pelo caso anterior vem


Z b Z b
0  
A(Ω ) = f (x) + C − g(x) + C dx = f (x) − g(x) dx.
a a

Dado que a região Ω0 é a translacção de Ω associada ao vector (0, C), as áreas destes dois
conjuntos coincidem, donde se conclui a fórmula (39).
Se f e g forem duas funções contı́nuas em [a, b] cujos gráficos se intersectam num número
finito de pontos do intervalo [a, b], a região Ω do plano, limitada pelas rectas x = a e x = b e
pelos gráficos de f e de g, pode ser escrita como uma união finita de conjuntos do tipo (38).
Assim, define-se a área de Ω como a soma do número finito de áreas de regiões desse tipo que
resultam da união de conjuntos considerada. A área de Ω pode assim ser calculada somando
um número finito de áreas de regiões do tipo (38). Este processo é ilustrado na figura seguinte,
tendo-se A(Ω) = A(S1 ) + A(S2 ) + A(S3 ).

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

135
Exemplo. Calcular a área da região do plano limitada pelos gráficos das funções y = sin x e
y = cos x, para 0 ≤ x ≤ π2 .

A área pedida pode ser calculada somando as áreas das regiões indicadas por A1 e A2 na
figura. Assim,
Z π Z π
4 2
A= cos x − sin x dx + sin x − cos x dx
π
0 4
  π4   π2
= sin x + cos x + − cos x − sin x
π
0 4
√ √ √ √
2 2 2 2 √
= + −1−1+ + = 2 2 − 2.
2 2 2 2

Se o conjunto Ω for dado por


n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : c ≤ y ≤ d, G(y) ≤ x ≤ F (y) ,

onde F e G são funções contı́nuas no intervalo [c, d] tais que F (y) ≥ G(y), ∀y ∈ [c, d], a sua área
é definida por
Z d
A(Ω) = F (y) − G(y) dy.
c
Um conjunto do tipo do de Ω está representado na figura que se segue.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

136
Exemplo. Calcular a área da região do plano limitada pelas curvas x = y 2 − 4y e x = 2y − y 2 .

É fácil verificar que as referidas curvas se intersectam nos pontos (0, 0) e (−3, 3). Assim, a
região do plano cuja área pretendemos determinar pode ser escrita na forma
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : 0 ≤ y ≤ 3, y 2 − 4y ≤ x ≤ 2y − y 2 ,
pelo que a sua área é dada por
Z 3 Z 3
2 2
A(Ω) = (2y − y ) − (y − 4y) dy = 6y − 2y 2 dy
0 0
3
2

= 3y 2 − y 3 = 27 − 18 = 9.
3 0

4.10 Integrais impróprios


O conceito de integral (integral de Riemann) que introduzimos no inı́cio deste capı́tulo foi dado
para funções limitadas em intervalos compactos. No entanto, a noção de integral pode-se estender
ao caso em que os intervalos de integração são ilimitados e também ao caso em que a função
integranda é ilimitada ou não está definida num número finito de pontos de um intervalo limitado.
Esses integrais, que passamos a definir, dizem-se integrais impróprios.
Observação. Em rigor, a função integranda pode não estar definida num número infinito
de pontos, desde que esses pontos constituam um conjunto que seja suficientemente pequeno.
Esta extensão não será considerada nesta disciplina mas será abordada em Análise Matemática
II/Cálculo Diferencial e Integral II. No que se segue assume-se que a função integranda é contı́nua
mas, na verdade, os conceitos e resultados enunciados admitem versões mais gerais.
Definição 4.26 Sejam a ∈ R e f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua. Definimos o integral
impróprio Z +∞
f (x) dx
a
como sendo Z L
lim f (x) dx,
L→+∞ a
se este limite existir e for finito. Neste caso, o integral impróprio diz-se convergente. Se o
limite anterior for infinito, ou não existir, o integral impróprio diz-se divergente.
Analogamente, se f : ] − ∞, a] → R for uma função contı́nua define-se
Z a Z a
f (x) dx = lim f (x) dx,
−∞ L→−∞ L

se este limite existir e for finito e, neste caso, o integral impróprio diz-se convergente, caso
contrário diz-se divergente.
Os integrais considerados na definição anterior dizem-se integrais impróprios de 1.a
espécie.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

137
Determinar a natureza de um integral impróprio é determinar se o referido integral é con-
vergente ou divergente. Note-se a semelhança com os conceitos e a nomenclatura usada nas
séries numéricas.
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios:
Z +∞ Z +∞
1
1) e−2x dx; 3) dx, a > 0;
0 a x2
Z +∞ Z 1
1
2) dx, a > 0; 4) cos x dx.
a x −∞

Z +∞ Z L L
1 1 1 1
  
−2x −2x
1) e dx = lim e dx = lim − e−2x = lim − e−2L + = ,
0 L→+∞ 0 L→+∞ 2 0 L→+∞ 2 2 2
portanto este integral impróprio é convergente.
Z +∞ Z L L
1 1

2) dx = lim dx = lim log x = lim (log L − log a) = +∞,
a x L→+∞ a x L→+∞ a L→+∞
pelo que este integral impróprio é divergente.
1 L
Z +∞ Z L
1 1 1 1 1
   
3) 2
dx = lim 2
dx = lim − = lim − + = ,
a x L→+∞ a x L→+∞ x a L→+∞ L a a
donde o integral impróprio dado é convergente.
Z 1  1
4) Seja L < 1. Tem-se cos x dx = sin x = sin 1 − sin L.
L L
Z 1
Como não existe o limite de sin L quando L → −∞, então o integral impróprio cos x dx
−∞
é divergente.
Z +∞
No caso da função integranda ser não negativa, se o integral impróprio f (x) dx for
a
convergente, este pode ser interpretado como sendo a área da região ilimitada do plano dada
por n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : x ≥ a, 0 ≤ y ≤ f (x) .
Com efeito, uma vez que f é contı́nua em cada intervalo compacto da forma [a, L], sabemos que
a área da região limitada definida por
n o
ΩL = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ L, 0 ≤ y ≤ f (x)
Z L
é dada por A(ΩL ) = f (x) dx. Assim, é natural definir a área de Ω como o limite lim A(ΩL ),
a L→+∞
Z +∞
caso este exista. No caso em que f (x) dx = +∞ dizemos que a área de Ω é +∞, fazendo-se
a Z a
assim a extensão do conceito. Analogamente para o caso f (x) dx.
−∞

Definição
Z +∞ 4.27 Chamamos integrais de Dirichlet de 1.a espécie aos integrais da forma
1
dx, onde p ∈ R e a > 0.
a xp
1
Como f (x) = > 0, ∀p ∈ R, ∀x > 0, os integrais anteriores representam a área da região
xp
(ilimitada) do plano dada por
1
 
2
Ω = (x, y) ∈ R : x ≥ a, 0 ≤ y ≤ p .
x

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

138
A figura que se segue representa o conjunto Ω no caso em que a = 1.

a1−p
É fácil ver que a área de Ω é um número real (positivo) e é dada por se, e só se, p > 1,
p−1
logo os integrais de Dirichlet de 1.a espécie convergem se, e só se, p > 1.
Com efeito, verificámos no exemplo 2) da página anterior que se p = 1 o integral de Dirichlet
é divergente. Supondo que p 6= 1 tem-se (para a > 0),
" #L " #
x1−p L1−p a1−p
Z +∞ Z L
1 1
dx = lim dx = lim = lim − .
a xp L→+∞ a xp L→+∞ 1−p a
L→+∞ 1−p 1−p
Se 1 − p > 0, ou seja, se p < 1, o limite anterior é +∞ e o integral diverge. Se 1 − p < 0, ou
a1−p
seja, se p > 1, o limite anterior é e, neste caso, o integral impróprio é convergente.
p−1
Sendo a ∈ R e f : ] − ∞, a] → R uma função contı́nua, notemos que a mudança de variável
x = −t conduz a Z a Z L
lim f (x) dx = lim f (−t) dt,
M →−∞ M L→+∞ −a
Z a
onde L = −M , o que permite reduzir o estudo dos integrais impróprios do tipo f (x) dx
Z +∞ −∞

ao caso dos integrais do tipo f (x) dx. Assim, os resultados que se seguem são apenas
a
enunciados para o caso de integrais definidos em [a, +∞[ embora eles permaneçam válidos, com
as modificações óbvias, para o caso dos integrais definidos em ] − ∞, a].
Listamos de seguida algumas propriedades dos integrais impróprios, semelhantes às que
referimos no Teorema 4.9.

Teorema 4.28 Sejam a, k ∈ R e f, g : [a, +∞[→ R funções contı́nuas.


Z +∞ Z +∞
i) Se f (x) dx converge, então kf (x) dx também converge e tem-se
a a
Z +∞ Z +∞
kf (x) dx = k f (x) dx,
a a
Z +∞ Z +∞
assim, se k ∈ R \ {0}, os integrais f (x) dx e kf (x) dx têm a mesma natureza.
a a
Z +∞ Z +∞ Z +∞
ii) Se f (x) dx e g(x) dx forem ambos convergentes, então (f +g)(x) dx também
a a a
converge e tem-se
Z +∞ Z +∞ Z +∞
(f + g)(x) dx = f (x) dx + g(x) dx.
a a a

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

139
A demonstração do teorema anterior é imediata a partir da linearidade do integral de Rie-
mann e das propriedades algébricas dos limites. No caso ii), uma vez que os integrais impróprios
de f e g são ambos convergentes por hipótese, nunca iremos obter uma indeterminação do tipo
∞ − ∞ quando efectuamos a soma referida.

Teorema 4.29 Sejam a ∈ R, f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua e c ∈ [a, +∞[. Então
Z +∞ Z +∞
os integrais f (x) dx e f (x) dx têm a mesma natureza e, em caso de convergência, é
a c
válida a igualdade Z +∞ Z c Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx.
a a c

Demonstração. Por aplicação da propriedade i) do Teorema 4.9 temos


Z +∞ Z L Z c Z L !
f (x) dx = lim f (x) dx = lim f (x) dx + f (x) dx
a L→+∞ a L→+∞ a c
Z c Z L
= f (x) dx + lim f (x) dx
a L→+∞ c

Z L Z L
donde se conclui que lim f (x) dx existe e é finito, se, e só se, lim f (x) dx existe e é
L→+∞ a L→+∞ c
finito, tendo-se, nesse caso,
Z +∞ Z c Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx. 
a a c

O teorema que se segue é uma consequência imediata da propriedade v) do Teorema 4.9 e


da Proposição 2.14.

Teorema 4.30 Sejam a ∈ R, f, g : [a, +∞[→ R funções contı́nuas tais que f (x) ≤ g(x), ∀x ≥ a.
Z +∞ Z +∞
Se os integrais f (x) dx e g(x) dx forem convergentes, então
a a
Z +∞ Z +∞
f (x) dx ≤ g(x) dx.
a a

Os próximos critérios permitem determinar a natureza de certos integrais impróprios nos


casos em que não é possı́vel, ou se torna muito complicado, primitivar a função integranda.
Note-se que estes critérios se aplicam apenas a funções não negativas e são semelhantes aos
critérios de comparação já estudados para séries numéricas de termos não negativos.

Teorema 4.31 (Critério de Comparação) Sejam a ∈ R, f, g : [a, +∞[→ R+


0 funções contı́-
nuas. Suponhamos que existe c ∈ [a, +∞[ tal que f (x) ≤ g(x), ∀x ≥ c.
Z +∞ Z +∞
i) Se g(x) dx converge, então f (x) dx também converge.
a a
Z +∞ Z +∞
ii) Se f (x) dx diverge, então g(x) dx também diverge.
a a

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

140
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios:
7ex
Z +∞ Z +∞
cos x + 2
1) dx; 2) dx.
2 x3 5 x−2
cos x + 2 3 +∞ 1 Z
1) Uma vez que 0 ≤ ≤ , ∀x ∈ [2, +∞[, e o integral impróprio dx é
x3 x3 2 x3
convergente (por ser um integral de Dirichlet com p = 3 > 1), concluı́mos, pelo Critério de
Comparação, que o integral impróprio dado também converge.
7ex 7
2) Para x ≥ 5 tem-se > > 0. Portanto o integral impróprio dado é divergente, por
Z +∞ x−2 x
1
ser divergente dx (integral de Dirichlet com p = 1).
5 x

Corolário 4.32 (Corolário do Critério de Comparação) Sejam f, g : [a, +∞[→ R+


0 , onde
a ∈ R, funções contı́nuas tais que g(x) 6= 0, ∀x ∈ [a, +∞[. Suponhamos que existe
f (x)
lim = `.
x→+∞ g(x)
Z +∞
i) Se 0 < ` < +∞ (ou seja, se f (x) ∼ `g(x) (x → +∞)), então os integrais f (x) dx e
Z +∞ a

g(x) dx são da mesma natureza.


a
Z +∞ Z +∞
ii) Se ` = 0 (isto é, se f = o(g) (x → +∞)) e g(x) dx converge, então f (x) dx
a a
também converge.
Z +∞ Z +∞
iii) Se ` = +∞ (ou seja, se g = o(f ) (x → +∞)) e g(x) dx diverge, então f (x) dx
a a
também diverge.
Z +∞
Note-se que, no teorema anterior, se ` = 0 e g(x) dx diverge, ou se ` = +∞ e
Z +∞ a Z +∞
g(x) dx converge, nada se pode concluir acerca da natureza do integral f (x) dx.
a a

Uma vez que a natureza dos integrais de Dirichlet é conhecida, estes podem ser usados, em
conjunto com o Critério de Comparação e o seu corolário, para estudar a natureza de outros
integrais impróprios. Mais uma vez, sublinhe-se a semelhança com as séries.
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios:
ex
Z +∞
2x2 − x + 1
Z +∞
1) dx; 2) dx.
3 x4 + x3 + 5x2 − 2 1 x7 +2

2x2 − x + 1 2
1) Sabemos que 4 3 2
∼ 2 (x → +∞) pelo que os integrais impróprios
x + x + 5x − 2 x
2x2 − x + 1
Z +∞ Z +∞
1
dx e dx têm a mesma natureza. Dado que este último é um
3 x4 + x3 + 5x2 − 2 3 x2
integral de Dirichlet convergente (p = 2), segue-se que são ambos convergentes.
2) Usando o facto de que x7 + 2 ∼ x7 (x → +∞), e o Teorema 2.30, tem-se
ex
7 xex ex
` = lim x + 2 = lim 7 = lim 6 = +∞.
x→+∞ 1 x→+∞ x + 2 x→+∞ x
x

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

141
Z +∞
1
Atendendo a que ` = +∞ e dx diverge, o integral impróprio dado também diverge.
1 x

À semelhança do que mostrámos para séries numéricas, é válido o seguinte resultado.

Teorema 4.33 Sejam a ∈ R e f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua. Se o integral impróprio
Z +∞ Z +∞
|f (x)| dx for convergente, então f (x) dx também converge.
a a

Definição
Z +∞
4.34 Sejam a ∈ R e f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua.
Z +∞
O integral impróprio
f (x) dx diz-se absolutamente convergente se o integral |f (x)| dx for convergente.
a Z +∞ Z +∞ a

Se f (x) dx for convergente mas |f (x)| dx for divergente, então o integral impróprio
Z +∞a a

f (x) dx diz-se simplesmente convergente.


a

Z +∞
cos x
Exemplo. O integral impróprio dx é absolutamente convergente uma vez que a
2 x2
1
Z+∞ 1
função integranda, em módulo, é majorada por 2
e dx converge. O Critério de Com-
Z +∞ x 2 x2
| cos x|
paração garante assim a convergência de dx.
2 x2
O Teorema 4.33 diz-nos que todo o integral absolutamente convergente é convergente, o
recı́proco, porém, é falso. Por exemplo, integrando
Z +∞ por partes e invocando o Critério de Com-
sin x
paração, não é difı́cil mostrar que o integral dx é convergente, no entanto é possı́vel
Z +∞ 1 x
Z +∞
sin x sin x
mostrar que x dx diverge. O integral dx é, portanto, simplesmente con-

1 1 x
vergente.

Definição 4.35 Seja f : R → R uma função contı́nua. Definimos o integral impróprio


Z +∞
f (x) dx (40)
−∞

através da relação Z +∞ Z 0 Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx, (41)
−∞ −∞ 0
se ambos os integrais no segundo membro de (41) forem convergentes. Neste caso, o integral
impróprio (40) diz-se convergente. Se, pelo menos, um dos integrais no segundo membro de
(41) for divergente, o integral impróprio (40) diz-se divergente.

Observe-se que a definição anterior não é equivalente a definir


Z +∞ Z L
f (x) dx = lim f (x) dx.
−∞ L→+∞ −L

Com efeito, existem funções para as quaisZ o limite anterior existe, em R, mas tais que, pelo
Z 0 +∞
menos, um dos integrais f (x) dx ou f (x) dx diverge. Por exemplo, para f (x) = x,
−∞ 0
x ∈ R, tem-se
" #L
x2 L2
Z +∞
f (x) dx = lim = lim = +∞
0 L→+∞ 2 0
L→+∞ 2

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

142
Z +∞ Z L
pelo que o integral f (x) dx diverge. No entanto, lim f (x) dx = 0 uma vez que a
−∞ L→+∞ −L
função f é ı́mpar (cf. Proposição 4.25).
Z +∞
1
Exemplo. Mostrar que dx = π.
−∞ 1 + x2
Atendendo à definição anterior tem-se
Z +∞ Z 0 +∞
1 1 1
Z
dx = dx + dx
−∞ 1 + x2 −∞ 1 + x
2
0 1 + x2
Z 0 Z L
1 1
= lim 2
dx + lim dx
L→−∞ L 1 + x L→+∞ 0 1 + x2
0 L
π π
   
= lim arctan x + lim arctan x =0− − + − 0 = π.
L→−∞ L L→+∞ 0 2 2
Z +∞
O resultado que se segue mostra que, na definição do integral f (x) dx, se poderia ter
−∞
considerado, em vez de 0, qualquer outro número real a uma vez que o valor do integral impróprio
não depende do ponto a ∈ R escolhido.
Z +∞
Teorema 4.36 Sejam a ∈ R e f : R → R uma função contı́nua. Então f (x) dx é con-
Z a Z−∞
+∞
vergente se, e só se, forem convergentes ambos os integrais f (x) dx e f (x) dx sendo,
−∞ a
neste caso, válida a igualdade
Z +∞ Z a Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx.
−∞ −∞ a
Z +∞
Demonstração. Suponhamos que o integral impróprio f (x) dx é convergente. Então,
−∞
dado a ∈ R podemos escrever, usando a propriedade i) do Teorema 4.9,
Z +∞ Z 0 Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx
−∞ −∞ 0
Z 0 Z L
= lim f (x) dx + lim f (x) dx
M →−∞ M L→+∞ 0
Z 0 Z a Z a Z L
= lim f (x) dx + f (x) dx − f (x) dx + lim f (x) dx
M →−∞ M 0 0 L→+∞ 0
Z 0 Z a Z L !
 Z 0
= lim f (x) dx + f (x) dx + lim f (x) dx + f (x) dx
M →−∞ M 0 L→+∞ a 0
Z a Z L Z a Z +∞
= lim f (x) dx + lim f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx,
M →−∞ M L→+∞ a −∞ a
Z a Z +∞
o que mostra que os integrais f (x) dx e f (x) dx são convergentes e a igualdade pre-
−∞ a
tendida.
Os cálculos anteriores feitos na ordem inversa justificam a implicação contrária. 

Terminamos este capı́tulo com uma breve menção aos chamados integrais impróprios de 2.a
espécie.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

143
Definição 4.37 Sejam a, b ∈ R e f : [a, b[→ R uma função contı́nua. Definimos o integral
Z b
impróprio f (x) dx como sendo
a
Z L
lim f (x) dx,
L→b− a

se o limite anterior existir e for finito. Neste caso, o integral impróprio diz-se convergente.
Se o limite anterior for infinito, ou não existir, o integral impróprio diz-se divergente.
Analogamente, se f : ]a, b] → R for uma função contı́nua define-se
Z b Z b
f (x) dx = lim f (x) dx,
a L→a+ L

se este limite existir e for finito e, neste caso, o integral impróprio diz-se convergente, caso
contrário diz-se divergente.

Os integrais considerados na definição anterior dizem-se integrais impróprios de 2.a


espécie. É claro que, se f for contı́nua em [a, b], f é integrável neste intervalo donde, por
continuidade do integral indefinido, os limites dados na definição anterior existem sempre. As-
sim, os casos novos que estamos agora a estudar são aqueles para os quais a função integranda f
não é limitada numa vizinhança dos pontos b ou a, respectivamente, ou não tem limite quando
x → b− ou x → a+ , respectivamente.
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios de 2.a espécie:
Z 1 Z 2
1 1
1) 2 dx; 2) dx.
0 (1 − x) 3 0 x

Z 1 Z L
1 2
1) 2 dx = lim (1 − x)− 3 dx
0 (1 − x) 3 L→1− 0
 L
1 1
 
= lim − 3(1 − x) 3 = lim −3(1 − L) 3 + 3 = 3,
L→1− 0 L→1−

logo o integral impróprio é convergente.


Z 2 Z 2 2
1 1

2) dx = lim dx = lim log x = lim (log 2 − log L) = +∞,
0 x L→0+ L x L→0+ L L→0+

pelo que o integral impróprio dado é divergente.

Tal como para os integrais impróprios de 1.a espécie, se a função integranda for não negativa,
os integrais impróprios de 2.a espécie definem a área da região do plano dada por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x < b, 0 ≤ y ≤ f (x)
ou n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a < x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f (x) ,
área essa que pode ser um número real (positivo) ou +∞.

Definição 4.38 Chamamos integrais de Dirichlet de 2.a espécie aos integrais impróprios
da forma Z a
1
p
dx
0 x
onde p ∈ R e a > 0.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

144
É fácil mostrar que os integrais de Dirichlet de 2.a espécie convergem se, e só se, p < 1.
Os resultados dos Teoremas 4.28 a 4.33 permanecem válidos para integrais impróprios de
2.a espécie, substituindo nos respectivos enunciados o intervalo [a, +∞[ pelo intervalo [a, b[ (ou
]a, b]) e a condição L → +∞ por L → b− (ou L → a+ ).
Finalmente, se a função f for contı́nua no intervalo [a, b] excepto num ponto interior c tal
Z b
que f tenha uma descontinuidade de 2.a espécie em c, o integral impróprio f (x) dx diz-se
Z c Z ab
convergente se, e só se, forem convergentes ambos os integrais f (x) dx e f (x) dx tendo-
a c
se, por definição,
Z b Z c Z b
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx;
a a c
e diz-se divergente se, pelo menos, um dos integrais impróprios anteriores for divergente. Esta
definição generaliza-se ao caso em que f tem um número finito de pontos de descontinuidade de
2.a espécie no intervalo [a, b]. Por exemplo, para o integral impróprio
Z 5
1
√ dx
0 x(x − 2)(x − 4)

ser convergente teriam que convergir todos os integrais impróprios que se seguem
Z 1 Z 2 Z 3
1 1 1
√ dx, √ dx, √ dx,
0 x(x − 2)(x − 4) 1 x(x − 2)(x − 4) 2 x(x − 2)(x − 4)
Z 4 Z 5
1 1
√ dx, √ dx
3 x(x − 2)(x − 4) 4 x(x − 2)(x − 4)
o que não acontece, pois, à excepção do primeiro integral, os restantes são todos divergentes.
Z 4
1
Exemplo. Estudar a natureza do integral dx.
1 (x − 2)2
O integral anterior é um integral impróprio de 2.a espécie pois a função integranda é ilimitada
numa vizinhança de x = 2. Assim temos,
Z 4 Z 2 Z 4
1 1 1
dx = dx + dx,
1 (x − 2)2 1 (x − 2)2 2 (x − 2)2

e o integral dado converge se, e só se, forem convergentes os dois integrais do segundo membro
da igualdade anterior. Ora,
Z 2 Z L L
1 1 1
  
−2
dx = lim (x − 2) dx = lim − = lim − − 1 = +∞,
1 (x − 2)2 L→2− 1 L→2− x−2 1 L→2− L−2
Z 4
1
portanto o integral dx é divergente.
1 (x − 2)2

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

145
Tabela de Primitivas
No que se segue, I e J são intervalos de R, u : J → I é uma função diferenciável da variável
x e C é uma constante real, arbitrária. As expressões dadas são válidas num intervalo contido
no domı́nio de f .

Z
f (x) f (x) dx

(u(x))α+1
u(x)α u0 (x), α ∈ R \ {−1} +C
α+1

eu(x) u0 (x) eu(x) + C

u0 (x)
, u(x) 6= 0 em J log(|u(x)|) + C
u(x)

cos(u(x))u0 (x) sin(u(x)) + C

sin(u(x))u0 (x) − cos(u(x)) + C

u0 (x)
sec2 (u(x))u0 (x) = tan(u(x)) + C
cos2 (u(x))

u0 (x)
cosec2 (u(x))u0 (x) = −cotan(u(x)) + C
sin2 (u(x))

u0 (x)
p , |u(x)| < 1 em J arcsin(u(x)) + C
1 − u2 (x)
ou

− arccos(u(x)) + C

u0 (x)
arctan(u(x)) + C
1 + u2 (x)

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

146
Quadro Resumo de Mudanças de Variável

função a primitivar mudança de variável

1 1 1 1
R(x, x n1 , x n2 , . . . , x nk ) t = x p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk )

x x x x
R(e n1 , e n2 , . . . , e nk ) t = e p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk )

x

R(sin x, cos x) t = sin x ou t = cos x ou t = tan 2


R(x, a2 − x2 ) x = a sin t ou x = a cos t


R(x, a2 + x2 ) x = a tan t

√ a
R(x, x2 − a2 ) x = a sec t =
cos t

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

147
148
5 Séries de Potências. Séries de Taylor
Terminamos o nosso programa com este pequeno capı́tulo que envolve uma das mais em-
blemáticas e importantes ideias da matemática, as chamadas Séries de Taylor. Com estes
objectos matemáticos construı́mos novas funções que não se encontram entre as elementares e
cujo conhecimento é muito relevante no estudo de vários problemas e para os quais estas últimas
não dão resposta. Além disso, permitem ter um conhecimento mais profundo sobre algumas das
funções elementares.
As Séries de Taylor têm inúmeras aplicações, embora num primeiro curso de Análise/Cálculo
não seja possı́vel mostrar e compreender toda a sua abrangência. No entanto, ainda veremos
algumas situações interessantes. Por exemplo, sabemos que toda a função contı́nua é primitivável
(cf. Capı́tulo 4), mas foi referido que nem sempre é possı́vel expressar as primitivas de tais funções
2
em termos das funções elementares. Que função é uma primitiva de f (x) = ex ? No final deste
capı́tulo estaremos aptos a responder a esta questão.

5.1 Motivação às Séries de Taylor


Uma função f com derivadas até uma ordem n ∈ N, num ponto x0 do seu domı́nio pode ser
aproximada, numa vizinhança desse ponto, pelo polinómio (de Taylor)
n
X f (k) (x0 ) f (2) (x0 ) f (n) (x0 )
Pn (x) = (x−x0 )k = f (x0 )+f (1) (x0 )(x−x0 )+ (x−x0 )2 +. . .+ (x−x0 )n .
k=0
k! 2! n!

Recordamos que à diferença entre a função f e este polinómio chamamos o resto de ordem n.
Quando nos aproximamos do ponto x0 , o resto Rn tende a ser desprezável quando comparado
com a potência (x − x0 )n . Por esta razão usamos, tal como referido no Capı́tulo 3, a notação de
Landau,
Rn (x) = f (x) − Pn (x) = o((x − x0 )n ), (x → x0 ) (42)
e que se lê ó-pequeno de (x − x0 )n , com o significado seguinte

o((x − x0 )n )
lim = 0.
x→x0 (x − x0 )n

No caso da função exponencial foi provado que, dado n ∈ N0 ,


n
X xk
ex = + Rn (x), tendo-se Rn (x) = o(xn ), (x → 0).
k=0
k!

Usando a Fórmula de Lagrange para o resto de ordem n, ou seja,

f (n+1) (ξ) n+1


Rn (x) = x , com ξ entre 0 e x,
(n + 1)!

vem (para f (x) = ex )


xn+1
Rn (x) = eξ , com ξ entre 0 e x.
(n + 1)!
Assim, para cada x ∈ R fixo, temos que
n
x
X xk xn+1
e = + eξ , com ξ entre 0 e x. (43)
k=0
k! (n + 1)!

O valor de ξ que aparece na fórmula anterior depende de n, mas é sempre um valor estritamente
compreendido entre 0 e x. Assim, uma vez fixado x, 0 < eξ < max{1, ex }, para todo o n ∈ N0 .
Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

149
an
Além disso, lim = 0, para todo o a ∈ R. Conjugando estes dois últimos factos, podemos
n!
concluir que limn→+∞ Rn (x) = 0. Então, de (43), por passagem ao limite em n, vem
n
X xk
ex = lim .
n→+∞
k=0
k!

Escrevemos
+∞
X xn
ex = , ∀x ∈ R. (44)
n=0
n!
A extraordinária identidade anterior diz-nos que a função exponencial é igual a um novo objecto
matemático, que pertence às chamadas séries de funções. Neste caso, dizemos que é a Série de
Taylor da função x 7→ ex .

Na figura acima, a vermelho (linha a cheio) está representado parte do gráfico de x 7→ ex , a


amarelo (tracejado maior) o de P1 , a azul (tracejado menor) o de P2 , a lilás (ponteado) o de
P3 e a verde (− · − ·) o de P4 , onde (Pn (x)) é a sucessão das somas parciais da série em (44)
(observe-se que para cada n ∈ N, Pn (x) é o polinómio de Taylor, de ordem n, de f , referente
ao ponto 0). Na próxima figura estão representados parte do gráfico de P40 a laranja (tracejado
menor), de P49 a azul (a cheio), de P53 a lilás (− · − ·), de P60 a rosa (tracejado maior), de P71
a cinzento (ponteado) e de x 7→ ex a vermelho (a cheio).

Da análise geométrica das figuras antecendentes observamos que a convergência, em n, de (Pn (x))
para ex (∀x ∈ R) é mais lenta nos casos em que x < 0. Se x > 0, os gráficos de (Pn (x))
aproximam-se rapidamente do gráfico da função exponencial.
Analogamente, partindo dos polinómios de MacLaurin das funções seno e cosseno, usando a
fórmula do Resto de Lagrange, obtemos, respectivamente,
+∞
X x2n+1 x3 x5
sin x = (−1)n =x− + + ..., ∀x ∈ R (45)
n=0
(2n + 1)! 3! 5!

Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

150
e
+∞
X x2n x2 x4
cos x = (−1)n =1− + + ..., ∀x ∈ R. (46)
n=0
(2n)! 2! 4!
A prova das fórmulas anteriores fica como exercı́cio.
Nos três exemplos vistos, partindo da fórmula de Taylor, em torno do ponto 0, de ordem n
(n ∈ N), de funções f de classe C ∞ , considerando a fórmula do Resto de Lagrange, obtivemos
a identidade seguinte
+∞
X f (n) (0)
f (x) = xn , ∀x ∈ R.
n=0
n!
Genericamente, dada uma função f com derivadas de todas as ordens num ponto x0 do seu
domı́nio natural D, será que vamos ter
+∞
X f (n) (x0 )
f (x) = (x − x0 )n , ∀x ∈ D?
n=0
n!

Para responder à pergunta efectuada e a outras que com ela se relacionam, vamos começar por
estudar a classe das chamadas séries de potências, das quais a anterior faz parte.

5.2 Séries de Potências: definição, propriedades e operações


Definição 5.1 Seja x ∈ R. Chamamos série de potências a toda a série de funções da forma
+∞
X
an (x − x0 )n , (47)
n=0

em que x0 é um número real e (an ) é uma sucessão numérica cujos termos se dizem os coefi-
cientes da série. A este tipo de série também chamamos série de potências de (x − x0 ).

Nota. Na definição anterior convenciona-se que 00 = 1, de modo a que a0 + +∞n=1 an (x − x0 )


n P
P+∞
possa ser escrita na forma abreviada n=0 an (x − x0 )n , já que no caso em que x = x0 , nesta
segunda forma, o primeiro termo da série é a0 · 00 .

Exemplos. Se em (47) considerarmos:


n+5
1) x0 = −1 e an = , ∀n ∈ N0 , obtemos a série de potências de (x + 1) seguinte
n + log(n2 + 8)
+∞
X n+5
2 + 8)
(x + 1)n .
n=0
n + log(n

+∞
X
2) x0 = 3 e an = 2n , ∀n ∈ N0 , obtemos a série de potências de (x−3), 2n (x−3)n . Substituindo
n=0
8
agora x por 3 obtemos
+∞ n +∞ n
8 2
X  X
2n · −3 = − ,
n=0
3 n=0
3
 
que é uma série numérica convergente (série geométrica de razão − 23 ). Considerando agora
x = 4 na série de potências dada obtemos
+∞
X +∞
X
2n · (4 − 3)n = 2n
n=0 n=0

que é uma série numérica divergente (série geométrica de razão 2).


Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

151
+∞
3n X 3n
3) x0 = 0 e an = , ∀n ∈ N0 , obtemos a série de potências de x, xn . Fazendo x igual a
n! n=0
n!
+∞
X 30n
10 obtemos . Atendendo a que
n=0
n!

30n+1
(n + 1)! 30
lim n = lim = 0 < 1,
30 n+1
n!
o critério da razão permite concluir que a série numérica é convergente.

Numa série de potências, para cada concretização da variável x, obtemos uma série numérica,
cuja natureza pode ser estudada por métodos que incluem os estudados no Capı́tulo 1, como
acabámos de ver no exemplo 3). Assim, nalgumas situações, como ilustrado no exemplo 2),
vamos obter uma série convergente e noutras uma série divergente. Dizemos que a série de
potências (47) é convergente em c, se é convergente a série numérica +∞ n
n=0 an (c − x0 ) , caso
P

contrário, dizemos que é divergente. Analogamente para a convergência simples e absoluta.


Dizemos que (47) é convergente (resp. divergente) num conjunto D, se para cada concre-
tização da variável x por todos os elementos de D a respectiva série numérica é convergente
(resp. divergente).

Exemplos.
1) Se x 6= 0, a sucessão ((nx)n ) não tem limite zero, pelo que a série de potências (de x)
+∞
X
nn xn diverge em R \ {0}. Se x = 0, obtemos uma série cujos termos são todos nulos, pelo
n=0
que é trivialmente convergente.
+∞
Xxn
2) A série de potências converge para todas as concretizações reais de x, pois vimos em
n=0
n!
(44) que a soma desta série é ex .
+∞
X
3) A série geométrica de razão x, xn , é uma série de potências de x. Sobre este tipo de série
n=0
temos um conhecimento global, isto é, sabemos identificar a sua natureza para todos os valores
de x e sabemos determinar a sua soma. Recordamos então que a série em causa é convergente
1
se, e só se, |x| < 1 e, nestes casos, a sua soma é dada por . Podemos então escrever
1−x
+∞
X 1
xn = , se − 1 < x < 1.
n=0
1−x

1
Constatamos que a função f (x) = é igual à soma de uma série de potências no intervalo
1−x
] − 1, 1[, no entanto, o domı́nio natural de f é R \ {1}, um conjunto maior do que aquele onde
se tem a igualdade.

No caso em que uma série de potências é convergente num conjunto D, podemos definir em
D uma função que a cada c (∈ D) associa a soma da série quando consideramos x = c, como
nos exemplos 2) e 3), que acabámos de ver, e a que chamamos função soma. Interessa-nos
então saber como determinar o maior conjunto onde uma série de potências é convergente e
como estudar estas funções, definidas através de séries de potências, por exemplo, no que à
continuidade, diferenciabilidade e integrabilidade diz respeito.
Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

152
O último exemplo traz à luz uma outra situação com que teremos de lidar - saber quando
(e onde) é que uma função de classe C ∞ é soma de uma série de potências. Vamos começar por
responder à que primeiro se colocou. Dada uma série de potências, o próximo resultado diz-nos
qual a natureza da série numérica obtida, para quase todas as concretizações da variável x.
Recordamos que o limite superior de uma sucessão (un ) (cf. Definição 1.22) é o maior dos
seus sublimites (limites das subsucessões) e usamos a notação lim. Observamos ainda que no
caso das sucessões convergentes lim un = lim un .
+∞
X
Teorema 5.2 (Raio de Convergência) Dada uma série de potências an (x − x0 )n existe
n=0
R ∈ [0, +∞] tal que
1. se R 6= 0 e se |x − x0 | < R, então a série é absolutamente convergente;
2. se |x − x0 | > R, a série é divergente;
3. se R = 0, a série só converge se x = x0 ;
4. se R = +∞, a série converge absolutamente em R.
R diz-se o raio de convergência da série de potências e o seu valor é dado por
1
R= p
n
lim |an |

an
(e ainda por R = lim , se este último limite existir).
a n+1

Observações.
1
1) A relação R = p
n
é conhecida por fórmula de Hadamard (1892) e nela estão implı́citas
lim |an |
as convenções
1 1
= +∞ e = 0.
0 ∞

an+1
2) Já foi referido (no Capı́tulo 1) que, se existe, em R, o limite lim
= `, então também
p an

n
existe o limite lim |an | e o seu valor é igualmente `. Fica assim justificada a última frase do
teorema anterior.
3) O domı́nio de convergência de uma série de potências é o conjunto de todos os valores de
x para os quais a série converge e é sempre um intervalo. Por esta razão, referimo-nos a este
conjunto como o intervalo de convergência da série de potências.
No caso em que R = 0, o intervalo de convergência é degenerado, já que neste caso a série só
converge se x = x0 . Se R = +∞, o intervalo de convergência é R =] − ∞, +∞[. Nas restantes
situações, i.e., se R ∈ R+ , a série converge num intervalo de extremos x0 − R e x0 + R.

O teorema anterior diz-nos que a série de potências diverge no exterior do intervalo com esses
extremos, mas nada nos diz sobre o que se passa nesses pontos (x = x0 ± R). Assim, se
|x − x0 | = R, o estudo da natureza da série que se obtém tem de ser feito recorrendo a algum
dos critérios para as séries numéricas, que não seja o da raiz ou o da razão, já que nestes pontos
os limites envolvidos nestes critérios têm valor 1. Assim quatro situações ocorrem, podendo o
intervalo de convergência ser de um dos tipos que se segue: ]x0 − R, x0 + R[, ]x0 − R, x0 + R],
[x0 − R, x0 + R[ ou [x0 − R, x0 + R].
Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

153
4) Por uma questão de simplificação de linguagem, e sempre que não houver risco de ambigui-
dade, referimo-nos às séries de potências apenas como séries.

Atendendo ao que já vimos na página 152, podemos agora dizer que o raio de convergência
+∞
X +∞
X xn +∞
X
da série nn xn é R = 0, que o da série é R = +∞ e que o da série xn é R = 1.
n=0 n=0
n! n=0

O facto do domı́nio de convergência de uma série de potências ser um intervalo permite tirar
conclusões quanto ao comportamento de determinadas séries numéricas. Por exemplo, sabendo
+∞
X +∞
X
que a série an 6n é convergente, podemos deduzir que a série an (−2)n é convergente.
n=0 n=0
+∞
X
Ora, se a série de potências an xn converge quando x = 6, isso significa que o seu raio de
n=0
convergência R é não nulo e que R ≥ 6, pelo que a série converge para qualquer valor de x no
intervalo ]−6, 6], em particular converge (absolutamente) se x = −2. Apenas com as informações
+∞
X
dadas, nada se pode concluir sobre a natureza da série an (−6)n .
n=0
No que se segue exemplificamos o cálculo do raio de convergência em várias situações, assim
como o do intervalo de convergência das séries em estudo.

Exemplos. Para as séries de potências que se seguem, qual é o respectivo intervalo de con-
vergência?
+∞
X 1
1. n
(x + 1)n . Neste caso temos an = (−4)
1
n e x0 = −1 e vamos determinar o raio de
n=0
(−4)
convergência calculando o limite que se segue
1 1
lim r = lim 1 = 4.
n 1 4
(−4)n

O raio de convergência é, portanto, 4, pelo que, se |x + 1| < 4, ou seja, se x ∈ ] − 5, 3[ a


série converge absolutamente, e se |x + 1| > 4, isto é, se x ∈ ] − ∞, −5[ ∪ ]3, +∞[, a série
diverge. Falta dar resposta ao que se passa nos casos x = −5 e x = 3. Ora, se x = −5,
obtemos a série
+∞ +∞
X 1 n
X
(−4) = 1, que é uma série divergente (o termo geral não converge para zero).
n=0
(−4)n n=0

Se x = 3, obtemos
+∞ +∞
X 1 n
X
n
4 = (−1)n , que também é uma série divergente, pela razão da anterior.
n=0
(−4) n=0

O intervalo de convergência da série dada é ] − 5, 3[.


+∞
X 3n 3n
2. (x − 1)n . Temos an = e x0 = 1 e o raio de convergência vai ser calculado através
n=0
n! n!
do limite seguinte

an
n
= lim an = lim 3 (n + 1)! = lim n + 1 = +∞.

lim
a
n+1
an+1 3n+1 n! 3
Neste caso o raio de convergência é +∞, o que significa que a série de potências converge
absolutamente em todo o R.
Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

154
+∞
X(3x − 1)n
3. A série não está escrita como uma série de potências de (x − x0 ), para algum
n=0
2n + 1
x0 . Assim, começamos por manipular algebricamente a expressão dada para fazermos o
reconhecimento de an e de x0 , de acordo com a Definição 5.1. Vem então
+∞ +∞ +∞ n
(3x − 1)n X (3(x − 1/3))n X 3n 1
X 
= = x− .
n=0
2n + 1 n=0
2n + 1 n=0
2n + 1 3
3n
Obtemos an = , x0 = 31 , donde
2n + 1
an 3n (2n + 3) 1
R = lim = lim n+1 = .
an+1 3 (2n + 1) 3
an
Observamos que não há necessidade de pôr o módulo na razão an+1 , pois an > 0, para
todo o n ∈ N0 .
Se |x − 31 | < 13 , ou seja, se x ∈ ]0, 32 [, a série converge absolutamente, e se |x − 13 | > 13 , a
série diverge. Vejamos o que se passa nos casos x = 0 e x = 23 . No primeiro caso obtemos
+∞
X (−1)n +∞
X (−1)n
+∞ +∞
X 1 X 1
a série . Como = ∼ (∼ entre séries significa que
n=0
2n + 1 n=0
2n + 1
n=0
2n + 1 n=0
n
têm a mesma natureza), a série em estudo não converge absolutamente em x = 0. Temos
1
então de a estudar directamente. Como se trata de uma série alternada e a sucessão ( 2n+1 )
é decrescente e converge para zero, o critério de Leibniz garante que a série é convergente.
Finalmente, analisando o comportamento da série de potências em x = 32 , obtemos a série
+∞
X 1
, que, como já vimos, é divergente. Assim, o intervalo de convergência da série
n=0
2n + 1
dada é [0, 32 [.

Alternativamente, podemos fazer a mudança de variável y = 3x − 1 e estudar a série


+∞
X yn
, cujo raio de convergência é 1 (exercı́cio), tendo-se que o intervalo de con-
n=0
2n + 1
vergência desta série de potências de y é [−1, 1[ (exercı́cio). Daqui se conclui que a série
+∞
X (3x − 1)n
converge se, e só se,
n=0
2n + 1
2
3x − 1 ∈ [−1, 1[ ⇔ −1 ≤ 3x − 1 < 1 ⇔ 0 ≤ x < .
3
Podemos ainda efectuar uma terceira abordagem. Encarando a série de potências como
uma série numérica, calculamos o limite da razão do termo geral. Se 3x − 1 6= 0 (no caso
em que 3x − 1 = 0, a série de potências é trivialmente convergente, por ser a série com
termo geral zero), vem

(3x − 1)n+1 2n + 1
lim · = |3x − 1|.

2n + 3 (3x − 1)n

Pelo critério da razão concluı́mos que, se |3x − 1| < 1, ou seja, se x ∈ ]0, 23 [, a série converge
absolutamente; se |3x − 1| > 1, a série diverge. Se |3x − 1| = 1 é necessário fazer o estudo
+∞
X 1
directamente. Caso 3x − 1 = 1 obtemos a série divergente e caso 3x − 1 = −1
n=0
2n +1
+∞
X (−1)n
obtemos a série convergente .
n=0
2n + 1

Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

155
Concluı́mos então que a série de potências converge se, e só se, x ∈ [0, 23 [.
Os três métodos apresentados são equivalentes e a escolha para o estudo da série que temos
em mãos recai no gosto de cada um, já que, de uma forma geral, nenhum deles tem um
carácter de aplicação mais simples, relativamente aos outros.
+∞
X x2n+1
4. Na série (−1)n apenas os coeficientes de ordem ı́mpar são não nulos, já que
n=0
4n log n
apenas figuram as potências de x com expoente ı́mpar. Podemos então escrever a série
dada na forma
+∞ +∞
X x2n+1 X (x2 )n
(−1)n n =x (−1)n n ,
n=0
4 log n n=0
4 log n
e considerando x2 = y, estudamos a série de potências de y
+∞
X yn
(−1)n .
n=0
4n log n

(−1)n
Para esta nova série temos an = , donde
4n log n

an
n+1 log(n + 1) log n
= lim 4

R = lim n log n
= 4 lim = 4,
a n+1
4 log n
já que log(n + 1) ∼ log n, pois n + 1 ∼ n e n → +∞ (cf. Exercı́cio 25.(a) da Ficha 2).
Assim, se |y| < 4, a série de potências de y converge absolutamente, e se |y| > 4, diverge.
Consequentemente, a série inicial converge se x2 < 4, e diverge se x2 > 4. Se x2 = 4,
+∞ +∞
X
n 4n X (−1)n
obtemos as séries ±2 (−1) n = ±2 , (as constantes antes da série são
n=0
4 log n n=0
log n
referentes aos valores x = 2 e x = −2) que são séries simplesmente convergentes (exercı́cio).
Concluı́mos então que o intervalo de convergência da série de potências de x é [−2, 2].
A justificação do procedimento realizado (mudança de variável) encontra-se na fórmula de
Hadamard. Seja (un ) a sucessão dos coeficientes da série de potências de x, temos que
u2n = 0, para todo o n ∈ N, logo
q q q  q 1/2
n 2n+1 2n+1
1 1
· n n
lim |un | = lim |u2n+1 | = lim |an | = lim|an | 2n+1 = lim|an | n 2n+1 = lim |an |

(an = u2n+1 ), e, neste exemplo, o último limite é dado por lim an+1
an .

+∞
X xn
5. . Nesta série temos
n=0
[4 + (−1)n ]2n

1

 25n

 , se n é par,
1
an = = e x0 = 0.
[4 + (−1)n ]2n  1
, se n é ı́mpar,


9n
Nesta situação determinamos o raio de convergência usando a fórmula de Hadamard.

1


 25
, se n é par,


1 1 1
Como n
an = = então R = = 1 = 9.
[4 + (−1)n ]2 
p
n
lim |an |
 1, 9

se n é ı́mpar,

9

Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

156
Assim, se x ∈ ] − 9, 9[, a série converge absolutamente, se x ∈ ] − ∞, −9[ ∪ ]9, +∞[, a série
diverge. Nos casos x = −9 e x = 9 obtemos, respectivamente, as séries
  n
9

 , se n é par,
25
X X 
(−1)n bn e bn , com bn =


1, se n é ı́mpar,

que são divergentes, pois bn→


/ 0. O intervalo de convergência é, portanto, ] − 9, 9[.

Em suma, o procedimento para o cálculo do intervalo de convergência de uma série de potências


segue os passos que descrevemos seguidamente.
1. Determinar o intervalo aberto de convergência, o que pode ser feito:
(a) determinando o raio de convergência, ou
(b) fazendo o estudo directo da série, através do critério da razão ou do critério da raiz;
2. de acordo com a opção feita no passo anterior,
(a) estudar a série nos pontos x0 ± R, ou
(b) estudar nos casos em que o critério usado é inconclusivo;
3. concluir, indicando o intervalo de convergência.
Apresentamos seguidamente uma demonstração do Teorema 5.2.

Prova do Teorema 5.2. Começamos por referir que o critério da raiz p (cf. Teorema 1.42) é
válido quando se substitui lim por lim. Assim, dado x ∈ R, seja ` = lim n |an (x − x0 )n | (este
limite existe sempre em R). Pelo critério da raiz, se ` < 1, a série converge absolutamente, e se
` > 1, a série
p diverge.
n
Se lim |an | ∈ R,
q q 1
` < 1 ⇔ lim n |an (x − x0 )n | < 1 ⇔ |x − x0 | lim n |an | < 1 ⇔ |x − x0 | < p
n
,
lim |an |
e analogamente,
1
` > 1 ⇔ |x − x0 | > p .
lim n |an |
p
Se lim n |an | = +∞, então
` < 1 ⇔ |x − x0 | = 0 ⇔ x = x0 ,
e q
` > 1 ⇔ |x − x0 | lim n |an | > 1 ⇔ x ∈ R \ {x0 }.
1
Assim, considerando que R = p
n
, obtemos as asserções do teorema. 
lim |an |
p
Observação. Na prova anterior, o caso lim n |an | = 0 está naturalmente incluı́do na primeira
situação tratada, tendo-se ` = 0 (< 1), para todo o x ∈ R, sendo que esta conclusão está contida
1
na equivalência provada, já que qualquer x ∈ R verifica |x − x0 | < √
n
= 10 = +∞.
lim |an |

No intervalo de convergência, tal como já referimos, a soma de uma série de potências define
uma função f dada por
+∞
X n
X
f (x) = an (x − x0 )n = lim ak (x − x0 )k = lim (a0 + a1 (x − x0 ) + . . . + an (x − x0 )n ),
n→+∞ n→+∞
n=0 k=0

a que chamamos a soma da série de potências ou a função soma (da série de potências).
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157
Operações algébricas com séries de potências
Uma simples aplicação da Proposição 1.31 permite provar a propriedade referente às operações
algébricas entre séries de potências e que é estabelecida no enunciado da proposição que se segue.
+∞
X +∞
X
Proposição 5.3 Consideremos as séries de potências an (x − x0 )n e bn (x − x0 )n , com
n=0 n=0
raios de convergência R1 e R2 , respectivamente, e cujas funções soma são, respectivamente, f
e g. Então, para quaisquer α, β ∈ R e para R = min{R1 , R2 }, tem-se
+∞
X
(αan + βbn )(x − x0 )n = αf (x) + βg(x),
n=0

para todo o x tal que |x − x0 | < R.

Exemplo. Sejam
X 1 X 1 1
f (x) = xn = , se |x| < 1, e g(x) = (−3)n xn = , se |x| < ,
n≥0
1−x n≥0
1 + 3x 3

então
2(1 + x) 1 1
X  
n n
f (x) + g(x) = (1 + (−3) )x = , se |x| < = min 1, .
n≥0
(1 − x)(1 + 3x) 3 3

O resultado anterior generaliza-se à combinação linear de um número finito de séries de


potências de (x − x0 ).

Operações analı́ticas com séries de potências


A função soma de uma série de potências é contı́nua no interior do intervalo de convergência. A
ferramenta que permite fazer esta prova não está no âmbito deste curso e prende-se com o tipo
de convergência que as séries de potências exibem em intervalos compactos contidos no intervalo
de convergência, e que se chama convergência uniforme. Assim, se
+∞
X
f (x) = an (x − x0 )n , x ∈ I,
n=0

onde I é um intervalo contido no interior do intervalo de convergência, então f é contı́nua em I.


O próximo resultado completa esta informação. A sua prova também faz uso da referida
convergência uniforme.
+∞
X
Teorema 5.4 (Abel (1826)) Sejam α, β ∈ R (α < β) e f (x) = an (x−x0 )n , com x ∈]α, β[.
n=0
Se a série converge quando x = α (resp. quando x = β), então a função soma f está definida e
é contı́nua em α (resp. em β), tendo-se
+∞ +∞
!
X X
n n
f (α) = an (α − x0 ) resp. f (β) = an (β − x0 ) .
n=0 n=0

O Teorema de Abel diz-nos assim que função soma f de uma série de potências é sempre uma
função contı́nua no intervalo de convregência (no intervalo aberto já sabı́amos). Se
+∞
(
X
n f (x), x ∈]α, β[
an (x − x0 ) =
n=0 S ∈ R, x = α,
então limx→α+ f (x) = S, e analogamente no outro extremo do intervalo.
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158
O próximo resultado diz respeito à forma como podemos derivar e primitivar (ou integrar)
uma série de potências.
+∞
X
Teorema 5.5 Sejam R ∈ ]0, +∞] e f (x) = an (x − x0 )n , com x em ]x0 − R, x0 + R[ (se
n=0
R = +∞, então ]x0 − R, x0 + R[= R).

1. A função f é diferenciável em ]x0 − R, x0 + R[ e tem-se


+∞
f 0 (x) =
X
nan (x − x0 )n−1 , ∀x ∈ ]x0 − R, x0 + R[.
n=1

A série anterior diz-se a série das derivadas da série inicial.

2. A função f é primitivável em ]x0 − R, x0 + R[ e tem-se


+∞
(x − x0 )n+1
Z X
f (x) dx = C + an , C ∈ R.
n=0
n+1

A série da expressão anterior diz-se a série das primitivas da série dada.

Observação. O resultado anterior traduz-se dizendo que toda a série de potências, com raio de
convergência em ]0, +∞], pode ser derivada e primitivada termo a termo, no interior do intervalo
de convergência, obtendo-se, respectivamente, a derivada e uma primitiva da função soma da
série de potências.

Exemplos.
X 3n − 1
1) Seja f (x) = (x − 2)n , com x ∈ ]1, 3[. Temos que
n≥0
n+2

3n − 1 X 3n2 − n
f 0 (x) =
X
n (x − 2)n−1 = (x − 2)n−1 , x ∈ ]1, 3[.
n≥1
n+2 n≥1
n + 2

2) Consideremos agora
X 4n 42
f (x) = (x + 5)2n+1 = (x + 5) + 2(x + 5)3 + (x + 5)5 + . . . , com x ∈ R.
n≥0
(2n)! 4!

Derivando termo a termo, obtemos

4n 42
f 0 (x) =
X
(2n + 1) (x + 5)2n = 1 + 6(x + 5)2 + 5 (x + 5)4 + . . . , x ∈ R.
n≥0
(2n)! 4!

Observamos que neste caso a série das derivadas começa no ı́ndice zero, pois o primeiro termo
da série inicial não é uma constante.
3) Sabemos que
1 X
= (−1)n xn , |x| < 1.
x + 1 n≥0

Do teorema anterior vem


1 xn+1
Z X
dx = C + (−1)n , |x| < 1, C ∈ R.
x+1 n≥0
n+1

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159
Então
X xn+1
log(x + 1) = C + (−1)n , |x| < 1, C ∈ R.
n≥0
n+1

Tomando x = 0 na expressão anterior obtemos C = 0, vem então


X xn+1 X xn
log(x + 1) = (−1)n = (−1)n−1 , |x| < 1. (48)
n≥0
n + 1 n≥1 n

Sabemos que a igualdade anterior é válida em ] − 1, 1[, pois o Teorema 5.5 que garante as
igualdades entre as séries obtidas por derivação e por integração termo a termo e a derivada e
as primitivas, respectivamente, da função soma, no interior do intervalo de convergência. Por
outro lado, como a série anterior é convergente em 1 (simétrica da série harmónica alternada),
pelo Teorema de Abel (Teorema 5.4) a função soma está definida e é contı́nua em 1, sendo o
seu valor dado por limx→1− log(x + 1). Como 1 pertence ao domı́nio natural da função contı́nua
x 7→ log(x + 1), também vamos ter a igualdade (48) neste ponto. Em −1 a série diverge. Temos
então a igualdade (48) em ] − 1, 1], tendo-se em particular
X 1
log 2 = (−1)n−1 .
n≥1
n

+∞
X
Corolário 5.6 Considere-se a função f (x) = an (x − x0 )n com x ∈ ]x0 − R, x0 + R[ onde
n=0
R ∈ ]0, +∞]. Então f admite derivadas de todas as ordens no interior do respectivo intervalo
de convergência e tem-se, para cada inteiro m ≥ 1,
+∞
X
f (m) (x) = n(n − 1) · . . . · (n − m + 1)an (x − x0 )n−m .
n=m

Prova. Pelo Teorema 5.5, f é diferenciável em ]x0 − R, x0 + R[ e


+∞
f 0 (x) =
X
nan (x − x0 )n−1 , ∀x ∈ ]x0 − R, x0 + R[.
n=1

Ora f 0 é ainda a soma de uma série de potências que, por mudança de ı́ndice, se escreve na
forma
+∞
f 0 (x) =
X
(n + 1)an+1 (x − x0 )n , ∀x ∈ ]x0 − R, x0 + R[.
n=0

Aplicando agora o Teorema 5.5 a f 0 vem


+∞
f 00 (x) = (f 0 )0 (x) =
X
(n + 1)nan+1 (x − x0 )n−1 , ∀x ∈ ]x0 − R, x0 + R[.
n=1

Fazendo mudança de ı́ndice no somatório anterior vem:


+∞
f 00 (x) =
X
n(n − 1)an (x − x0 )n−2 , ∀x ∈ ]x0 − R, x0 + R[.
n=2

Continuando com este procedimento indutivo, obtém-se o resultado pretendido.


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160
5.3 Série de Taylor
Num exemplo anterior vimos que
+∞
1 X
= xn , x ∈ ] − 1, 1[, (49)
1 − x n=0

1
ou seja, f (x) = é, no intervalo ] − 1, 1[, soma de uma série de potências de x. Dizemos,
1−x
por esse facto, que f é analı́tica em x0 = 0.

Definição 5.7 (Função analı́tica) Dizemos que uma função f é analı́tica num ponto x0 se
é soma de uma série de potências de (x − x0 ), convergente num intervalo |x − x0 | < R, isto
é, se existe uma série de potências +∞ n
n=0 an (x − x0 ) , com raio de convergência R não nulo e
P
P+∞ n
tal que f (x) = n=0 an (x − x0 ) , para todo o x tal que |x − x0 | < R. f diz-se analı́tica num
intervalo aberto I se f é analı́tica em cada ponto de I.

Voltando ao nosso exemplo, observamos o seguinte


1 1 1 1
= = =2 .
1−x 1 − (x − 1/2 + 1/2) 1/2 − (x − 1/2) 1 − 2(x − 1/2)
1
Ora, a fracção anterior é da forma , com r = 2(x − 1/2), assim, se |2(x − 1/2)| < 1, isto é,
1−r
se |x − 1/2| < 1/2, temos
n n
1 1 1 1
X   X 
=2 =2 2 x− = 2n+1 x − .
1−x 1 − 2(x − 1/2) n≥0
2 n≥0
2

Então, f é analı́tica em 12 . O procedimento anterior pode ser reproduzido para qualquer ponto do
intervalo ] − 1, 1[, donde se conclui que f é analı́tica no intervalo ] − 1, 1[. A próxima proposição
descreve a situação acabada de ilustrar.

Proposição 5.8 Se f é analı́tica em x0 , f é analı́tica em qualquer ponto do intervalo onde f é


soma de uma série de potências de (x − x0 ).

Exemplos. 1) As funções soma de séries de potências com raio de convergência não nulo são
funções analı́ticas, por inerência (pelo menos, no seu intervalo aberto de convergência).
2) As funções x 7→ ex , x 7→ cos x e x 7→ sin x são analı́ticas em R.

Definição 5.9 (Série de Taylor) Dada uma função real de variável real f de classe C ∞ num
ponto x0 ∈ R, chamamos série de Taylor de f , em torno do ponto x0 , à série
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!

Trata-se duma série de potências de (x − x0 ) cujos coeficientes são designados por coeficientes
de Taylor de f em x0 . No caso particular em que x0 = 0 à série anterior damos, por vezes, o
nome de série de MacLaurin de f .

Em (44), (45), (46), (48) e (49) temos séries de Taylor, em torno do ponto 0, das funções,
1
respectivamente, exponencial, seno, cosseno, x 7→ log(x + 1) e de x 7→ 1−x .

O que vimos sobre séries de potências (cf. Corolário 5.6) garante que uma função analı́tica é
de classe C ∞ no intervalo aberto de convergência. Vamos ver que existe uma única forma de
escrever estas funções como soma de uma série de potências de (x − x0 ).
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161
Teorema 5.10 (Unicidade da representação em série de potências - Taylor (1715))
Sejam I um intervalo real, x0 um ponto no interior de I e f : I → R. Se f é soma de uma
série de potências de (x − x0 ) numa vizinhança de x0 (ou seja, se f é analı́tica em x0 ), então
f é necessariamente de classe C ∞ nessa vizinhança e a série tem a forma
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!

Prova. Sejam (an ) uma sucessão real e R > 0, tais que


+∞
X
f (x) = an (x − x0 )n , ∀x ∈ I0 :=]x0 − R, x0 + R[. (50)
n=0

Pelo Corolário 5.6, f admite derivadas de todas as ordens em I0 e para cada inteiro m ∈ N,
+∞
X
f (m) (x) = n(n − 1) · . . . · (n − m + 1)an (x − x0 )n−m .
n=m

Então
f (m) (x0 )
f (m) (x0 ) = m(m − 1) · . . . · 2 · 1 · am ⇔ am = , m ∈ N.
m!
Atendendo a que temos a0 = f (x0 ), concluı́mos então que em (50) temos a série de Taylor de
f , em torno do ponto x0 , ou seja,
+∞ +∞
X X f (n) (x0 )
f (x) = an (x − x0 )n = (x − x0 )n . 
n=0 n=0
n!
Deste teorema concluı́mos que qualquer série de potências, com raio de convergência não nulo,
é uma série da Taylor, a série de Taylor da sua função soma, no intervalo de convergência. No
entanto, uma função real de variável real pode ser de classe C ∞ e não ser analı́tica. Por exemplo,
a função (exemplo dado por Cauchy em 1823)
( 2
e−1/x , x 6= 0,
f (x) =
0, x=0

é de classe C ∞ no ponto 0, tendo-se f (n) (0) = 0, para todo n ∈ N0 .

Porções dos gráficos de f e de f (n) /n! (n = 1, 2, 3)


Assim, a sua série de Taylor em torno do ponto 0 é a série nula ( +∞ n
n=0 0 · x = 0, para todo o
P

x ∈ R), pelo que f não é analı́tica, uma vez que apenas no ponto zero a função coincide com a
soma da série de Taylor.
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162
Este exemplo ilustra uma das propriedades que permite distinguir as funções analı́ticas das
funções de classe C ∞ que não são analı́ticas e que é formalizada no resultado que se segue.

Propriedade. Sejam I um intervalo real e f : I → R uma função analı́tica em I. Se existe


um ponto a ∈ I onde f e todas as suas derivadas se anulam, então f anula-se em todos os
pontos de I.

Como obter a série de Taylor de uma função em geral? Como obter a soma de uma
série de Taylor?
A série de Taylor de uma dada função f em torno do ponto x0 é
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!

Assim, escrever a série de Taylor de uma função, em torno de um dado ponto x0 , passa por
conhecer f (n) (x0 ), para todo o n ∈ N0 . Genericamente, o procedimento implica determinar a
expressão geral da derivada de ordem n de f e provar a sua validade (por indução). Esta tarefa
pode ser algebricamente árdua. Para funções que se obtêm por soma, por produto por uma
constante, por derivação, por primitivação e/ou por composição com um polinómio a partir de
desenvolvimentos dados, o procedimento é fácil.
Exemplos.

1. (Exponencial) Seja f (x) = 5e2x . Vejamos como obter o desenvolvimento de Taylor, de f ,


em torno de 6. Podemos escrever

e2x = e2(x−6+6) = e12 · e2(x−6) , ∀x ∈ R.

+∞
x
X xn
Como e = , ∀x ∈ R, então
n=0
n!

+∞ +∞
2(x−6)
X (2(x − 6))n X 2n (x − 6)n
e = = ,
n=0
n! n=0
n!

donde
+∞ +∞
2n (x − 6)n
X X 5e12 2n
f (x) = 5e 2x
= 5e 12
= (x − 6)n , ∀x ∈ R.
n=0
n! n=0
n!
Atendendo ao Teorema 5.10 a série anterior é o desenvolvimento de Taylor pedido.
1
2. (Função racional) Seja f (x) = . Vejamos como obter o desenvolvimento de
(x + 2)(x − 3)
Taylor, de f , em torno de −1.
Vamos começar por decompôr a função racional dada na soma de fracções simples. Recor-
damos detalhadamente uma das técnicas de o fazer. Observando que (x + 2) − (x − 3) = 5
vem
1 1 5 1 (x + 2) − (x − 3)
 
= =
(x + 2)(x − 3) 5 (x + 2)(x − 3) 5 (x + 2)(x − 3)
donde
1 1 (x + 2) (x − 3) 1 1 1
   
= − = − .
(x + 2)(x − 3) 5 (x + 2)(x − 3) (x + 2)(x − 3) 5 x−3 x+2

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163
Agora trabalhamos cada uma das fracções separadamente, tendo em mente que o que nos
interessa é escrever cada uma delas como soma de uma série geométrica de razão r, com
1
r adequado ( 1−r ). Genericamente, interessa-nos escrever cada fracção na seguinte forma
1
c1 , com c1 , c2 ∈ R, m ∈ N,
1 − c2 (x − x0 )m
onde x0 é o ponto em torno do qual se pretende o desenvolvimento de Taylor. Temos então
1 1 1 1 1 1 1
= = = = =− · ,
x−3 −3 + x −3 + (x+1 − 1) −3−1 + (x+1) −4 + (x + 1) 4 1 − (x+1)
4

pelo que já temos a fracção escrita na forma pretendida. Assim, se | x+1 4 | < 1, a fracção
da última expressão é a soma da série geométrica de razão x+1
4 , que tem inı́cio em n = 0,
podemos então escrever
n
1 1 X x+1 1
 X
=− = − (x + 1)n , se |x + 1| < 4. (51)
x−3 4 n≥0 4 n≥0
4n+1

Analogamente, mostra-se que


1 X
= (−1)n (x + 1)n , se |x + 1| < 1. (52)
x + 2 n≥0

Atendendo ao Teorema 5.3, de (51) e (52), vem


X1 1

f (x) = (−1)n+1 − (x + 1)n , se |x + 1| < min{1, 4} = 1.
n≥0
5 4n+1

Este é um procedimento genérico, embora haja situações particulares que possam ser
resolvidas de outras formas (cf. Exercı́cio 12(f) da Ficha 5).
3. (Produto de um polinómio por uma exponencial) Vamos agora obter os desenvolvimentos
2−x
de Taylor da função f (x) = x−2 , em torno dos pontos 2 e 5.
e
Começamos por escrever a função dada na seguinte forma f (x) = (2 − x)e2−x .
+∞ +∞
x xn X
2−x
X (2 − x)n
Como e = , ∀x ∈ R, vem e = , pelo que o desenvolvimento em
n=0
n! n=0
n!
torno do ponto 2 é dado por
+∞ +∞ +∞
X(2 − x)n X (2 − x)n+1 X (−1)n+1
(2 − x)e 2−x
= (2 − x) = = (x − 2)n+1 , ∀x ∈ R.
n=0
n! n=0
n! n=0
n!

Observando agora que 2 − x = 5 − x − 3 vem

(2 − x)e2−x = [(5 − x) − 3]e(5−x)−3 = e−3 [(5 − x) − 3]e5−x = e−3 [(5 − x)e5−x − 3e5−x ]. (∗)

Analogamente ao caso anterior temos

+∞
X 3(−1)n
3e5−x = (x − 5)n , ∀x ∈ R, (53)
n=0
n!
e
+∞ +∞
X (−1)n+1 X (−1)n
(5 − x)e5−x = (x − 5)n+1 = (x − 5)n , ∀x ∈ R. (54)
n=0
n! n=1
(n − 1)!

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164
+∞
3(−1)nX
Podemos escrever a série em (53) na forma 3 + (x − 5)n (deixamos de “fora” a
n=1
n!
primeira parcela do somatório para que as séries em (53) e em (54) comecem no mesmo
ı́ndice e assim as possamos somar). De (∗) vem então
" +∞  #
(−1)n 3(−1)n

−3
X
(2 − x)e2−x = e − (x − 5)n − 3
n=1
(n − 1)! n!
+∞
(−1)n 3
 
−3 −3
X
= −3e +e 1− (x − 5)n
n=1
(n − 1)! n
+∞
(−1)n e−3 (n − 3)
= −3e−3 +
X
(x − 5)n ,
n=1
n!
+∞
X (−1)n e−3 (n − 3)
= (x − 5)n , ∀x ∈ R,
n=0
n!

sendo este o desenvolvimento pedido, em torno de 5.

4. (Arco cotangente) Na figura que se segue está representada parte do gráfico da função
cos x
x 7→ cotg x = , com x ∈ {x ∈ R : x 6= kπ, k ∈ Z}.
sin x

Parte do gráfico da função x 7→ cotg x

Recordamos que cotg (]0, π[) = R e que a função cotangente é invertı́vel em ]0, π[.
À função inversa da restrição da função cotangente ao intervalo ]0, π[ chama-se arco co-
tangente e representa-se por arccotg ou por arccotan, que é, portanto, uma função cujo
domı́no natural é R.

Parte do gráfico da função x 7→ arccotg x

Prova-se que esta função é diferenciável e que (ver Teorema 3.10)


1
(arccotg x)0 = − , ∀x ∈ R.
1 + x2

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165
Vamos agora obter o desenvolvimento em série de Taylor de f (x) = arccotg x, com x ∈ R,
em torno do ponto zero, a partir do desenvolvimento de Taylor de f 0 , no mesmo ponto.
Se |x| < 1 (também x2 < 1), temos que
+∞ +∞ +∞
1 1 X
2 n
X
n 2n
X
− 2
= − 2
= − (−x ) = − (−1) x = (−1)n+1 x2n .
1+x 1 − (−x ) n=0 n=0 n=0

Primitivando de ambos os lados a expressão anterior (ver Teorema 5.5 e a observação que
se lhe segue), obtemos, em ] − 1, 1[,
+∞ +∞
1 (−1)n+1 2n+1
Z X  Z  X
arccotg x = − 2
dx = (−1)n+1 x2n dx = x + C, C ∈ R.
1+x n=0 n=0
2n + 1

Calculando agora a identidade anterior em x = 0 vem


π
arccotg 0 = 0 + C ⇔ C = .
2
α∈ ]0,π[
(Observar que arccotg 0 = α ⇔ cotg α = 0 ⇐⇒ α = π2 .) Podemos então escrever

π +∞
X (−1)n+1
arccotg x = + x2n+1 , com x ∈ ] − 1, 1[. (55)
2 n=0 2n + 1
+∞
(−1)n
X
Se x = −1, obtemos a série numérica , que é simplesmente convergente (esta
n=0
2n + 1
série já foi estudada no exemplo 3, da página 155). Dado que a função arco cotangente
é contı́nua em R, o Teorema de Abel garante que a igualdade em (55) também é válida
em −1. Analogamente se conclui a igualdade em 1, pelo que o desenvolvimento obtido é
válido no intervalo [−1, 1].
Vejamos que a partir de (55) se obtém
+∞
X (−1)n π
= .
n=0
2n + 1 4
π
Como cotg 4 = 1, então arccotg 1 = π4 . Assim, substituindo x por 1 em (55), obtemos

π +∞
X (−1)n+1 π π +∞
X (−1)n (−1) π +∞
X (−1)n
arccotg 1 = + ⇔ − = ⇔− =− ,
2 n=0 2n + 1 4 2 n=0 2n + 1 4 n=0
2n + 1

donde sai a conclusão pretendida.


O exemplo acabado de ver evidencia como podemos obter a soma de certas séries numéricas
através das séries de Taylor, mostrando, portanto, uma das suas aplicações.

Dedicamos o final desta secção a alguns aspectos teóricos, começando com o chamado
critério geral de desenvolvimento em série de Taylor.
Proposição 5.11 Sejam x0 ∈ R e f uma função de classe C ∞ , numa vizinhança V de x0 . É
condição necessária e suficiente para que f seja, em V , a soma da sua série de Taylor
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n ,
n=0
n!

que Rn (x) → 0, quando n → +∞ (cf. (42)), para todo o x ∈ V.

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166
Prova. Sejam x ∈ V e (Sn (x)) a sucessão das somas parciais da série de Taylor de f , em torno
de x0 . Ora, esta sucessão é, para cada n ∈ N0 , o polinómio de Taylor, de ordem n, de f , relativo
ao ponto x0 . Assim,
Rn (x) = f (x) − Sn (x), n ∈ N0 ,
pelo que
+∞
X f (n) (x0 )
f (x) = (x − x0 )n = lim Sn (x) se, e só se, lim Rn (x) = 0,
n=0
n! n→+∞ n→+∞

o que conclui a prova.

Um exemplo da situação descrita na proposição anterior foi trabalhado na página 149 e


seguinte. Nesse caso foi muito fácil mostrar que Rn (x) → 0, quando n → +∞, mas nem sempre
assim é. Uma condição suficiente para que uma função seja analı́tica é fornecida na proposição
que se segue.

Proposição 5.12 Sejam I um intervalo real, f : I → R uma função de classe C ∞ em I, x0 um


ponto no interior de I e V uma vizinhança de x0 . Se existem constantes M, K ≥ 0 tais que,

∃p ∈ N : ∀n > p ∀x ∈ V |f (n) (x)| ≤ M K n , (56)

então f é analı́tica em x0 (ou seja, f é soma da sua série de Taylor em torno de x0 ).

Prova. Sejam n > p e Rn o resto de Lagrange de f , de ordem n, relativo ao ponto x0 . Temos


assim
f (n+1) (ξ)
Rn (x) = (x − x0 )n+1 , com ξ entre x e x0 ,
(n + 1)!
logo
M K n+1 M |K(x − x0 )|n+1
|Rn (x)| ≤ |(x − x0 )|n+1 = , ∀x ∈ V. (57)
(n + 1)! (n + 1)!
!
M |K(x − x0 )|n+1
Com K e x fixos, observamos que é o termo geral de uma série numérica
(n + 1)!
P an
convergente (é um exercı́cio simples mostrar que, dado a ∈ R, a série n! é absolutamente
convergente, usando o critério da razão), logo

M |K(x − x0 )|n+1
lim = 0, (o termo geral de uma série convergente tem limite zero).
n→+∞ (n + 1)!
Então, de (57), concluı́mos que Rn (x) → 0, quando n → +∞, para qualquer x ∈ V . O critério
geral de desenvolvimento em série de Taylor (Proposição 5.11) permite agora concluir que f é
analı́tica em x0 .

Como acabámos de ver, a condição do resultado anterior permite concluir, usando o resto de
Lagrange, que Rn (x) → 0, quando n → +∞, para cada x na vizinhança V . Donde, partindo da
fórmula de Taylor em torno de x0 , obtemos a série de Taylor, em torno de x0 , para as funções
que se encontram nas condições anteriores.
Corolário 5.13 Sejam I um intervalo real, f : I → R uma função de classe C ∞ em I, x0 ∈ I
e V uma vizinhança de x0 . Se existe uma constante M ≥ 0 tal que

∃p ∈ N : ∀n > p ∀x ∈ V |f (n) (x)| ≤ M,

então f é analı́tica em x0 (ou seja, f é soma da sua série de Taylor em torno de x0 ).

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167
5.4 Séries de Taylor de referência
Seguem-se séries de Taylor, em torno do ponto zero, assim como parte dos gráficos das funções
soma (a vermelho e rotuladas) e de alguns dos respectivos polinómios de Taylor.

1. Exponencial
+∞
X xn x2 x3
ex = =1+x+ + + . . . , ∀x ∈ R. (58)
n=0
n! 2 3!

Em particular,
+∞
X 1
e= .
n=0
n!

2. Seno
+∞
X x2n+1 x3 x5 x7
sin x = (−1)n =x− + − + . . . , ∀x ∈ R. (59)
n=0
(2n + 1)! 3! 5! 7!

Em particular,
+∞
X (−1)n
sin 1 = .
n=0
(2n + 1)!

3. Cosseno
+∞
X x2n x2 x4 x6
cos x = (−1)n =1− + − + . . . , ∀x ∈ R. (60)
n=0
(2n)! 2! 4! 6!

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168
4. Série geométrica
+∞
1 X
= xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1[. (61)
1 − x n=0

5. Logaritmo (Mercator)
+∞
X xn x2 x3 x4
log(1 + x) = (−1)n−1 =x− + − + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1]. (62)
n=1
n 2 3 4

Em particular
+∞
X 1
log 2 = (−1)n−1 .
n=1
n

6. Arco Tangente (Gregory-Leibniz)


+∞
X (−1)n 2n+1 x3 x5 x7
arctan x = x =x− + − + . . . , ∀x ∈ [−1, 1]. (63)
n=0
2n + 1 3 5 7

Em particular
+∞
X (−1)n
π
= .
4 n=0 2n + 1

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169
7. Binomial (Newton)
Dado α ∈ R
+∞
!
α
X α α · (α − 1) 2 α · (α − 1)(α − 2) 3
(1 + x) = xn = 1 + αx + x + x + . . . , ∀x ∈ ]−1, 1[,
n=0
n 2 3!

! ! (64)
α α α · (α − 1) · . . . · (α − n + 1)
onde =1e = , n ≥ 1.
0 n n!

Observamos que no caso em que α ∈ N a soma em (64) tem um número finito de parcelas, já
que (1 + x)α é um polinómio, e a identidade é o Binómio de Newton. Nos restantes casos este
desenvolvimento generaliza a referida fórmula e também foi obtido por Newton.
As identidades em (58), (61) e (62) já foram provadas. O Corolário 5.13 permite justificar as
somas em (59) e em (60). Com as devidas adaptações, o procedimento elaborado nas páginad 165
e 166 para o desenvolvimento do arco cotangente permite justificar a soma em (63). No caso da
Binomial a demonstração da convergência para zero do resto de ordem n é delicada. Prova-se que
a função verifica (56) com ferramentas que não foram abordadas neste curso. Referimos ainda
que o comportamento desta série nos extremos do intervalo, ou seja, nos pontos ±1 depende do
valor de α, sendo a análise feita com base num critério não abordado no nosso curso, pelo que,
nesta disciplina, as situações que se relacionem com o desenvolvimento (64) não vão incluir o
estudo nos extremos do intervalo de convergência. Por uma questão de completude, enunciamos
os resultados conhecidos, tendo-se então que: o intervalo de convergência é ] − 1, 1[ se α ≤ −1,
] − 1, 1] se −1 < α < 0 e [−1, 1] se α ≥ 0.
Terminamos esta secção com dois exemplos de aplicação do desenvolvimento (64).

Exemplos. 1) Qual é a série de Taylor da função f (x) = arccos x em torno do ponto zero?
Considerando f (x) = arccos x, com x ∈ ] − 1, 1[, observamos que
1
f 0 (x) = − √ = −(1 − x2 )−1/2 , x ∈ ] − 1, 1[.
1−x 2

Assim, vamos usar o desenvolvimento da Binomial (64) para obter a série de Taylor de f 0 , em
torno do ponto zero, e depois, por primitivação desta, e recorrendo ao Teorema 5.5, obteremos
a série pedida.
Considerando α = − 21 em (64) e tomando x tal que | − x2 | < 1, ou seja, x ∈ ] − 1, 1[, vem
+∞
"
− 12 · (− 12 − 1) · . . . · (− 12 − n + 1)
#
2 −1/2
X
−(1 − x ) = − 1+ (−x2 )n
n=1
n!
+∞
X − 21 · (− 32 ) · . . . · (− 2n−1
2 ) 2n
= −1 − (−1)n x
n=1
n!
+∞
X (−1)n 1·3·...·(2n−1)
2n
= −1 − (−1)n x2n
n=1
n!
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) 2n
= −1 − x , x ∈ ] − 1, 1[.
n=1
2n n!

Primitivando de ambos os lados a identidade anterior e recordando que as séries de potências


podem ser primitivadas termo a termo, no interior do seu intervalo de convergência, vem, para
x ∈ ] − 1, 1[,
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) x2n+1
arccos x = −x − n n!
+ C, C ∈ R.
n=1
2 2n + 1

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170
Vamos determinar o valor da constante C calculando a identidade anterior no ponto x = 0
(ponto onde sabemos calcular a soma da série). Vem então
π
arccos 0 = 0 + C ⇔ C = .
2
Assim
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) x2n+1
π
arccos x = −x− , x ∈ ] − 1, 1[. (65)
2 n=1
2n n! 2n + 1
Como já referimos, está fora do âmbito desta disciplina o estudo nos extremos do intervalo
de convergência das séries de potências que se relacionam com a Binomial, pelo que a resposta
à pergunta feita, termina aqui.
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)
2) Qual é a soma da série ?
n=1
23n+1 n!(2n + 1)
Atendendo a que
+∞
1 · 3 · . . . · (2n − 1) +∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)  2n+1
X 1
= ,
n=1
23n+1 n!(2n + 1) n=1
2n n!(2n + 1) 2

observamos que a soma da série anterior pode ser obtida a partir de (65), quando consideramos
x = 12 . Vem então

π 1 +∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)  2n+1
1 1
arccos = − − ,
2 2 2 n=1 2n (2n + 1)n! 2

logo
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)  2n+1
π π 1 1
− + =− ,
3 2 2 n=1
2n (2n + 1)n! 2
pelo que,
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) π 1
3n+1
= − .
n=1
2 n!(2n + 1) 6 2

5.5 Aplicações das Séries de Taylor


No que se segue exemplificamos algumas aplicações das séries de Taylor.
1. Cálculo de derivadas

1.1) Como calcular a derivada de ordem 2018, no ponto x0 = 0, da função f (x) = log(x+2)?
Observando que
x x
    
log(x + 2) = log 2 1 + = log 2 + log 1 + ,
2 2
e usando o desenvolvimento de Taylor (62), é possı́vel obter informação sobre todas as
derivadas da função e concluir. Se −1 < x2 ≤ 1, ou seja, se −2 < x ≤ 2, temos que
+∞  n +∞
x n−1 1 x xn
  X X
log 1 + = (−1) = (−1)n−1 .
2 n=1
n 2 n=1
n2n

Assim, para x ∈] − 2, 2],


+∞
X (−1)n−1 n
log(x + 2) = log 2 + x .
n=1
n2n

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171
Atendendo à unicidade do desenvolvimento de uma função como soma de uma série de
potências (cf. Teorema 5.10) temos que
+∞
X (−1)n−1 n +∞
X f (n) (0)
log 2 + n
x = xn .
n=1
n2 n=0
n!

Daqui concluı́mos que

f (n) (0) (−1)n−1


f (0) = log 2 e = , ∀n ∈ N,
n! n2n
em particular, temos

f (2018) (0) (−1)2017 (2017)!


= ⇔ f (2018) (0) = − .
2018! 2018 × 22018 22018
X 5n + 1
1.2) Consideremos a função g(x) = (3x − 1)n . Vamos ver que
n≥0
2n

• o domı́nio natural de g é I =] − 13 , 1[;


• g é de classe C ∞ em I
 
1
e vamos calcular g (100) 3 .
Determinar o domı́nio natural de uma função que é soma de uma série de potências é
determinar o intervalo de convergência da série. Seja y = 3x − 1. O raio de convergência
X 5n + 1
da série n
y n é dado por
n≥0
2

an 5n + 1
R = lim , com an = > 0.
an+1 2n

Assim, !
5n + 1 2n+1
R = lim · = 2,
2n 5n + 6
pelo que a série dada converge absolutamente se |y| = |3x − 1| < 2, ou seja, se
1
−2 < 3x − 1 < 2 ⇔ −1 < 3x < 3 ⇔ − < x < 1,
3
e diverge se |y| = |3x−1| > 2, ou seja, se x < − 13 ou x > 1. Voltamos agora à série original,
para estudar o comportamento nos extremos do intervalo. (Este estudo também pode ser
X 5n + 1 X
n
feito na série em y.) Se x = − 31 , obtemos a série n
(−2) = (−1)n (5n + 1)
n≥0
2 n≥0
que é uma série divergente, pois o seu termo geral não converge para zero. Se x = 1,
X 5n + 1 X
obtemos a série n
2n = (5n + 1) que também é divergente, pela mesma razão.
n≥0
2 n≥0
Concluı́mos então que o domı́nio natural de g é I =] − 31 , 1[.
Escrevendo
X 5n + 1   n  n  n
1 X 3 1
g(x) = 3 x− = (5n + 1) x− ,
n≥0
2n 3 n≥0
2 3

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172
 
obtemos g como soma de uma série de potências de x − 31 , convergente em I, que é um
intervalo não degenerado (ou seja, um intervalo com interior não vazio), logo g é analı́tica
em I, e, consequentemente, de classe C ∞ , em I. Além disso, a série assim obtida é a série
de Taylor de g, em torno do ponto 13 (cf. Teorema 5.10), pelo que
 
X  n 
3 1
n X g (n) 13  1
n
(5n + 1) x− = x− .
n≥0
2 3 n≥0
n! 3

Daqui concluı́mos que


 
1
g (n) 3
 n
3 1
   n
3
= (5n + 1) ⇔ g (n) = (5n + 1) n!,
n! 2 3 2
para cada n ∈ N0 .
Sai agora que
 100
1 3 501 · 100! · 3100
 
(100)
g = (5 · 100 + 1) 100! = .
3 2 2100
1.3) Seja
+∞
X 9n
h(x) = (x − 1)2n .
n=0
2n + 1

(a) Qual é o intervalo de convergência da série de potências anterior?


(b) Qual o valor das derivadas h(200) (1) e h(1715) (1)?
(c) Mostre que 1 é um ponto de mı́nimo local de h.

(a) Como
9n
2n+1 1
lim 9n+1
=
2n+3
9

a série converge absolutamente se (x − 1)2 < 91 , ou seja, se 23 < x < 34 e diverge se


(x−1)2 > 19 . Vejamos o que se passa se x = 23 e se x = 43 . Nestes dois pontos obtemos
a série numérica +∞ 1 2 4
P
n=0 2n+1 que é divergente. Assim, o intervalo pedido é I :=] 3 , 3 [.
(b) Como h é a soma de uma série de potências de (x − 1), esta é a série de Taylor de h,
em torno do ponto x = 1 (cf. Teorema 5.10), donde
+∞ +∞
X 9n X h(n) (1)
(x − 1)2n = (x − 1)n .
n=0
2n + 1 n=0
n!

Concluı́mos então que

h(2n) (1) 9n h(2n+1) (1)


= e = 0, ∀n ∈ N0 .
(2n)! 2n + 1 (2n + 1)!
(Observamos que apenas figuram potências de (x − 1) com expoente par na série
anterior, daı́ que todas as derivadas de ordem ı́mpar, em 1, sejam nulas.) Temos
então
h(200) (1) h(2·100) (1) 9100 9100 · 200!
= = ⇔ h(200) (1) =
(200)! (2 · 100)! 2 · 100 + 1 201

e h(1715) (1) = 0.
Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

173
(c) Atendendo ao que foi visto em (b), temos que
h(2) (1) h(2·1) (1) 91 18
h0 (1) = 0 e = = ⇔ h(2) (1) = = 6 (> 0).
2! (2 · 1)! 2·1+1 3
Assim, 1 é um ponto crı́tico de h e o valor da segunda derivada em 1 é positivo, então,
pelo Teste da 2.a derivada (cf. Corolário 3.45), 1 é um ponto de mı́nimo local de h.

2. Soma de séries de potências


+∞
X (3x)n
2.1) Qual é a função soma de ?
n=2
n!
Observando que
+∞ +∞
X (3x)n X (3x)n
= − 1 − 3x,
n=2
n! n=0
n!
e tendo presente o desenvolvimento em série de Taylor da função exponencial em torno do
ponto zero (58), vem
+∞
X (3x)n
= e3x − 1 − 3x.
n=2
n!
+∞
X xn+2
2.2) Qual a função soma da série ?
n=0
n+2

Seja
+∞
X xn+2 x2 x3 x4
f (x) = = + + + ....
n=0
n+2 2 3 4
É fácil ver que o intervalo de convergência da série de potências anterior é [−1, 1[. Podemos
então derivá-la em ] − 1, 1[ e obtemos
!0 +∞
x2 x3 x4
f 0 (x) =
X
+ + + ... = x + x2 + x3 + . . . = xn , x ∈ ] − 1, 1[.
2 3 4 n=1
Da fórmula da soma de uma série geométrica (1.32) vem
+∞
X x
xn = , se x ∈ ] − 1, 1[.
n=1
1−x
Concluı́mos então que
x 1
f 0 (x) = = −1 + , x ∈ ] − 1, 1[.
1−x 1−x
Primitivando a função anterior obtemos
1
Z Z
0
f (x) = f (x) dx = −1 + dx = −x − log |1 − x| + C = −x − log(1 − x) + C,
1−x
se x ∈ ] − 1, 1[ e com C ∈ R. Temos então
+∞
X xn+2
= −x − log(1 − x) + C, x ∈ ] − 1, 1[.
n=0
n+2
Calculando a identidade anterior em x = 0 vem 0 = 0 + C, logo
+∞
X xn+2
= −x − log(1 − x), x ∈ ] − 1, 1[. (66)
n=0
n+2
A série anterior é convergente em x = −1 (pelo Critério de Leibniz) e a função do lado
direito de (66) é contı́nua em x = −1, então, pelo Teorema de Abel, a identidade em (66)
é válida em [−1, 1[. A série diverge se x = 1.
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174
3. Determinação da primitiva de funções elementares sem primitiva elementar
Vimos que as séries de potências são primitiváveis termo a termo no interior do seu inter-
valo de convergência, assim, a partir do desenvolvimento de Taylor, em torno de um ponto
adequado no domı́nio dessas funções, é possı́vel expressar as suas primitivas em termos de
uma série de potências.
Já foi observado que há funções elementares cuja primitiva não é uma função elementar
(cf. Capı́tulo 4), por exemplo, a função f (x) = cos(x3 ), x ∈ R, é uma delas. Como
+∞ +∞
X x2n n
X x6n
cos x = (−1) , x ∈ R, vem cos(x ) = 3
(−1)n , x ∈ R.
n=0
(2n)! n=0
(2n)!

Primitivando de ambos os lados a última identidade vem


+∞
x6n+1
Z X
cos(x3 ) dx = (−1)n + C, x ∈ R, C ∈ R.
n=0
(6n + 1)(2n)!
Z 1
Podemos então calcular um valor aproximado para cos(x3 ) dx usando a série anterior.
0
Vamos determinar um valor para esse integral com erro menor ou igual a 0,005.
Atendendo ao que já vimos, temos
+∞
" #1 +∞
x6n+1
Z 1 X
n
X 1
3
cos(x ) dx = (−1) = (−1)n .
0 n=0
(6n + 1)(2n)! 0 n=0
(6n + 1)(2n)!

Assim, o valor do integral é a soma de uma série alternada, nas condições do critério
de Leibniz, pelo que sabemos que um valor aproximado pode ser dado pelo valor do
termo de ordem n da sucessão das somas parciais, com erro inferior a an+1 , considerando
1
an = . Ora
(6n + 1)(2n)!
1 1
a0 = 1, a1 = = 0,0714 . . . > 0,005, a2 = = 0,003205 . . . < 0,005,
14 312
então
1 13
= S1 = 1 −
14 14
é um valor aproximado para o integral dado, com erro inferior a 0,005.
4. Classe C ∞
 sin x ,

x 6= 0
Como mostrar que a função f (x) = x é de classe C ∞ em R?

1, x=0
Usando o desenvolvimento (59), obtemos em ] − ∞, 0[∪]0, +∞[,

sin x 1 +∞
X x2n+1 +∞
X x2n
= (−1)n = (−1)n .
x x n=0 (2n + 1)! n=0 (2n + 1)!

A série anterior converge em x = 0, logo, pelo Teorema de Abel, a sua soma é uma função
sin x
contı́nua em ] − ∞, 0] e o seu valor em zero é limx→0− = f (0) (e analogamente em
x
[0, +∞[). Concluı́mos assim que
+∞
X x2n
(−1)n = f (x), ∀x ∈ R,
n=0
(2n + 1)!

ou seja, f é analı́tica em R, pelo que é uma função de classe C ∞ , em R.


Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

175
5. Outras
Para esta aplicação precisamos de um resultado que não integra o nosso programa (de
2021 − 2022) e que diz respeito à forma como podemos obter a majoração do resto de uma
série convergente, que pode ser estudada pelo critério da razão. Começamos por enunciar
essa propriedade de modo a tornar a leitura autocontida.
X
Propriedade. Seja an uma série de termos positivos convergente e suponha-se que,
n≥k
dado um inteiro m ≥ k, existe uma constante 0 < λ < 1 tal que
an+1
≤ λ, ∀n ≥ m + 1.
an
Então o resto rm (cf. Definição 1.35) da série verifica as desigualdades seguintes
am+1
am+1 < rm ≤ .
1−λ

Como mostrar que e é um número irracional?

Do desenvolvimento em série de Taylor da função exponencial em torno do ponto zero,


+∞
X 1
concluı́mos que e = .
n=0
n!
Temos que e = Sp + Rp , com Sp o termo de ordem p da sucessão das somas parcias e Rp
o respectivo resto. Suponhamos que e é um número racional. Então existe um p0 ∈ N tal
que, para p ≥ p0 , p!e ∈ N. Assim, considerando p ≥ p0 , temos
1 1 1
e=1+1+ + + . . . + + Rp ,
2 3! p!
donde
p! p! p! p!
 
p!e = 2p! + + + . . . + 1 + p!Rp ⇔ p!Rp = p!e − 2p! + + + . . . + 1 ∈ N0 .
2 3! 2 3!
1 an+1 1
Aplicando a propriedade precedente com an = n! , vem an = n+1 , pelo que,
an+1 1
≤ < 1, para n ≥ p + 1.
an p+2
1
Basta considerar na propriedade enunciada λ = p+2 e conclui-se que,
1
1 (p+1)!
< Rp < 1
(p + 1)! 1 − p+2
e multiplicando as desigualdades anteriores por p! vem
p!
p! (p+1)!
< p!Rp < p+1
(p + 1)! p+2

1 1 p+2
< Rp .p! < .
p+1 p+1p+1
1 p+2
Tomando p adequado garantimos que p+1 p+1 < 1 e, consequentemente, temos que
0 < Rp .p! < 1,
o que é absurdo, já que, por hipótese, Rp .p! é um número natural (ou zero)! Assim, e é
um número irracional.
Séries de Potências. Séries de Taylor Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

176
5.6 Complementos
Como já referimos, as séries de funções são muito importantes e dentro destas destaca-se o de-
sempenho das séries de potências, pelo facto de serem séries de Taylor. Na base do estudo destas
últimas, estão, como vimos, as séries numéricas. Abordámos alguns critérios de convergência,
mas muitos outros existem (cf. [3],[6]). Por razões patrióticas, vamos referir mais um, que foi
obtido por um matemático português - Anastácio da Cunha (1744-1787), embora seja referido
na literatura como o critério de Cauchy (1789-1857), e que envolve uma importante noção em
análise - as chamadas sucessões de Cauchy.

Definição 5.14 Uma sucessão (un ) diz-se uma sucessão de Cauchy se

∀δ > 0 ∃p ∈ N : m, n ≥ p ⇒ |um − un | < δ.

Proposição 5.15 (Critério de convergência de Anastácio da Cunha, 1790) Uma série


an é convergente se, e só se, para cada δ > 0 existe p ∈ N tal que, para qualquer n ≥ p e para
P

qualquer k ∈ N se tem
|an+1 + an+2 + . . . + an+k | < δ,
ou seja, se a sucessão das somas parciais da série é uma sucessão de Cauchy.

E terminamos esta secção com um exemplo que envolve uma série de funções que não é uma
série de potências. Durante muito tempo pensou-se que as funções contı́nuas eram diferenciáveis
em quase todos os pontos, no entanto, em 1872, Weierstrass mostrou que existe uma função
contı́nua que não tem derivada em nenhum ponto. Essa função é dada pela seguinte série de
funções
+∞
X  1 n
f (x) = cos(2n x).
n=1
2

Parte do gráfico de x 7→ Sn (x) (suc. das somas parciais da série anterior), para algum n ∈ N

Não é difı́cil (usando a ferramenta adequada, mas não estudada neste curso) mostrar que,
para todo o x ∈ R, existe o limite
1 1 1
 
lim cos(2x) + 2 cos(22 x) + . . . + n cos(2n x) ,
n→+∞ 2 2 2
e que é uma função contı́nua. No entanto, a prova em como não é diferenciável em nenhum
ponto é muito árdua. Em 1916 G. Hardy mostrou que qualquer função soma de uma série da
forma
+∞
X
f (x) = an cos(bn x)
n=1

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177
é contı́nua em R e não tem derivada em nenhum ponto, desde que 0 < a < 1, b > 1 e ab ≥ 1.
Estes exemplos alertam-nos para o facto da nossa intuição estar associada às funções ele-
mentares e de estas apenas representarem uma pequena parcela do universo das funções. Assim,
as séries de potências abrem uma janela sobre o muito que a análise tem para ensinar...

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178
Sı́ntese do capı́tulo
+∞
X
• Série de potências: an (x − x0 )n .
n=0

P+∞ n 1
an
• Raio de convergência de n=0 an (x − x0 ) : R =

n
ou R = lim , se este
lim |an | an+1
limite existir.

• Operações analı́ticas com séries de potências: no interior do intervalo de con-


+∞
X
vergência de f (x) = an (x − x0 )n
n=0
P+∞
– f é diferenciável e f 0 (x) = n=1 nan (x − x0 )n−1 (série das derivadas);
R P+∞ (x−x0 )n+1
– f é primitivável e f (x) dx = C + n=0 an n+1 (série das primitivas).
+∞
X
• Teorema de Abel: Sejam α, β ∈ R (α < β) e f (x) = an (x − x0 )n , com x ∈]α, β[. Se
n=0
a série converge em x = α (resp. em β), então a função soma f está definida e é contı́nua
em α (resp. em β), tendo-se
+∞ +∞
!
X X
f (α) = an (α − x0 )n resp. f (β) = an (β − x0 )n .
n=0 n=0

+∞
X f (n) (x0 )
• Série de Taylor de f , em torno do ponto x0 : (x − x0 )n .
n=0
n!

+∞
X xn x2 x3
• ex = =1+x+ + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
n! 2 3!

+∞
X x2n+1 x3 x5
• sin x = (−1)n =x− + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
(2n + 1)! 3! 5!

+∞
X x2n x2 x4
• cos x = (−1)n =1− + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
(2n)! 2! 4!

+∞
1 X
• = xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1 [;
1 − x n=0

+∞
X xn x2 x3 x4
• log(1 + x) = (−1)n−1 =x− + − + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1 ];
n=1
n 2 3 4

+∞
!
α
X α α · (α − 1) 2 α · (α − 1)(α − 2) 3
• (1 + x) = xn = 1 + αx + x + x + ... ,
n=0
n 2 3!
! !
α α α · (α − 1) · . . . · (α − n + 1)
∀x ∈ ] − 1, 1[, onde α ∈ R, =1e = , n ≥ 1.
0 n n!

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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Referências
[1] Apostol, T., Cálculo, Blaisdell Publishing Company

[2] Courant, R., John, F., Introduction to Calculus and Analysis,

[3] Figueira, M., Fundamentos de Análise Infinitesimal, Colecção “Textos de Matemática”,


volume 5, Dep. de Mat., 1996.
(https://ciencias.ulisboa.pt/sites/default/files/fcul/dep/dm/05-MFigueira.pdf)

[4] Lima, E.L., Curso de Análise, Vol. 1, Projeto Euclides, IMPA.

[5] Salas, Hille, Etgen, Calculus, One and Several Variables, John Wiley and Sons

[6] Sarrico, C., Análise Matemática, Gradiva, 1997.

[7] Stewart, J., Calculus, Brooks/Cole

Análise Mat. I e Cálculo Dif. e Int. I Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

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