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BIIS MULHERES CONSTRUINDO UM SENTIDO AFRICANO
PARA OS DISCURSOS OCIDENTAIS DE GÊNERO
' , , " ' ,

OYf ROftlKf OYf WUIVII •


(RE)CONSTITUINDO ACOSMOLOGIA EAS INSTITUIÇÕES
SOCIOCULTURAIS OYÓ-IORUBÁS

ARTICULANDO ACOSMDPERCEPÇÃD IDRUBÁ


Indiscutivelmente, o gênero tern sido um princípio organizador funda-
mental nas sociedades ocidentais. Intrínseca à conceituação de gênero está
uma dicotomia na qual macho e fêmea, homem e mulher, são constante-
mente classificados em relação de uns contra os outros. Está bem docu-
mentado que as categorias de macho e fêmea na prática social ocidental
não estão livres de associações hierárquicas e oposições binárias nas quais
o macho implica privilégio e a fêmea, subordinação. É uma dualidade
baseada na percepção do dimorfismo sexual humano inerente à definição
de gênero. A sociedade iorubá, como muitas outras sociedades em todo
o mundo, foi analisada com conceitos ocidentais de gênero, assumindo
que o gênero é uma categoria atemporal e universal. Mas, como Serge
Tcherkézoff adverte: "Uma análise que parta de um casal macho/fêmea
simplesmente produz mais dicotomias" . 1 Portanto, não é de surpreender
que quem pesquisa, quando o procura, sempre encontre o gênero.
Neste contexto, mostrarei que, apesar da volumosa pesquisa em con-
trário, o gênero não era um princípio organizador na sociedade iorubá
antes da colonização pelo Ocidente. As categorias sociais "homens)' e
"mulheres'' eram inexistentes e, portanto, nenhum sistema de gênero 2
esteve em vigor. Em vez disso, o princípio básico da organização so-
cial era a senioridade, definida pela idade relativa. As categorias sociais
"mulheres" e "homens'' são construções sociais derivadas da suposição
ocidental de que "corpos fisicos são corpos sociais", 3 suposição que, no
capítulo anterior, nomeei como "raciocínio corporal" e uma interpre-
tação "bio-lógica" do mundo social. O impulso original de aplicar essa
suposição transculturalmente está enraizado na noção simplista de que

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gênero é uma maneira natural e universal de organizar a sociedade e que COLl!CAI\IDD AMULHER EM :
o privilégio masculino é sua manifestação derradeira. Mas o gênero é so-
O gênero é um discurso dic
cialmente construído: é histórico e ligado à cultura. Consequentemente,
mente opostas e hicrárquiCé
a suposição de que um sistema de gênero existiu na sociedade Oyó antes
assinalar, desde já, que o h
da colonização ocidental é ainda outro caso de domínio ocidental na
e pkUnrin, respectivamente,
documentação e interpretação do mundo, que é facilitado pelo domínio
um erro de tradução. Esse
material global do Ocidente.
ao pensamento, ocidentais 1
O objetivo deste capítulo é articular a cosmopercepção ou a lógica
e111 reconhecer que, na prá
cultural iorubá e (re)mapear essa ordem social. Ele problematiza a pre-
não são opostas nem hicrar,
missa aceita de que gênero foi um princípio organizador fundamental na
gicamente de çikUnrin, como
velha sociedade Oyó. 4 Para este efeito, haverá um exame sobre como os
mem"]. Rin, o sufixo comm
papéis sociais fora111 articulados em um número de instituições, incluindo
comum; os prefixos obin e p,
língua, linhage1n, casamento e mercado. As categorias sociais de !Já (mãe),
bàbá (pai), amo, aya, oko, àbúrà (veja abaixo a tradução desses termos), egbón há concepção aqui de um
(prole de mais idade nascida do mesmo casal de pai e mãe em relação a variedade tenha que ser mt
uma determinada pessoa), aláwo (quem pratica a divinação), àgb~ (quem cífica para hmnanidade. Ei
trabalha nas fazendas) e onísàwà (comerciante) serão apresentadas e anali- em inglês, rotula humanos
sadas. Reconhecendo os perigos de erro de tradução dos conceitos-chave, e fêmeas, na verdade privil
usarei a terminologia iorubá o máximo possível. Usando os vocabulários no Ocidente, mulheres/fêIY
da cultura iorubá - meu conhecimento da sociedade iorubá adquirido homenshnachos, que repre
através da experiência e da pesquisa - interrogarei uma série de litera- Frye capta a essência desse
turas feministas, antropológicas, sociológicas e históricas e, no processo, creve: ''A palavra 'mulher' e
avaliarei criticamente a noção de que o gênero é uma categoria aten1poral da espécie era 'home1n'." 1'
e universal. Na concepção iorubá
A língua e as tradições orais iorubás representam as principais fontes essência da humanidade, e
de informação que constituem a cosmopercepção, mapeando as mudan- rin uma categoria de priv
ças históricas e interpretando a estrutura social. Os relatos documentados a çikUnrin; não tem conote
a que me referirei inclue1n os escritos do reverendo Samueljohnson, um de poder e, acima de tud
pioneiro historiador e etnógrafo iorubá, e as memórias e diários de viajan- eia!. Outra razão pela qu,
tes e missionários europeus do século XIX. Finalmente, ao conceituar o para o inglês como "male'·
passado, o presente não é irrelevante. Todas as instituições que descrevo categorias iorubás se apli1
não são arcaicas - são tradições vivas. malmente não são usadas

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de organizar a sociedade e que COLOCANDO AMULHER EM SEU DEVIDO LUGAR
derradeira. Mas o gênero é so-
O gênero é um discurso dicotômico sobre duas categorias sociais binaria-
à cultura. Consequentemente,
mente opostas e hierárquicas - homens e mulheres. Em função disso, devo
existiu na sociedade Oyó antes
assinalar, desde já, que o habitual destaque das categorias iorubás obinn'n
caso de domínio ocidental na
e pkúnrin, respectivamente, como "fêmea/mulher" e "macho/homem" é
J que é facilitado pelo domínio
um erro de tradução. Esse erro ocorre porque muitas pessoas dedicadas
a cosmopercepção ou a lógica ao pensamento, ocidentais e iorubás, influenciadas pelo Ocidente, falham
social. Ele problematiza a pre- em reconhecer que, na prática e no pensamento iorubás, essas categorias
io organizador fundamental na não são opostas nem hierarquizadas. A palavra obinrin não deriva etimolo-
verá um exame sobre como os gicarnente de pkúnrin, como "woman'' ["mulher''] deriva de "man" ["ho-
tmero de instituições, incluindo mem"]. Rin, o sufixo comum de pkllnrin e obinrin, sugere uma humanidade
s categorias sociais de fyá (mãe), comum; os prefixos obin e pkUn especificam a variedade da anatomia. Não
1 tradução desses termos), fgb[Jn há concepção aqui de um tipo humano original contra o qual a outra
1sal de pai e mãe em relação a variedade tenha que ser medida. Eniyàn é uma palavra sem gênero, espe-
rntica a divinação), àgbf (quem cífica para humanidade. Em contraste, "man" ["homem))], palavra que,
1te) serão apresentadas e anali- em inglês, rotula humanos em geral, supostamente abrangendo machos
: tradução dos conceitos-chave, e fêmeas, na verdade privilegia os machos. Está bem documentado que,
)ssível. Usando os vocabulários no Ocidente, mulheres/fêmeas são o Outro, sendo definidas cm antítese a
la sociedade iorubá adquirido homens/machos, que representam a norma. 5 A filósofa feminista Marilyn
terrogarei uma série de litera- Frye capta a essência desse privilégio no pensamento ocidental quando es-
_:as e históricas e, no processo, creve: "A. palavra 'mulher' deveria significar fêmea da espécie, mas o nome
1cro é rnna categoria atemporal da espécie era 'homem'." 6
Na concepção iorubá, ekllnrin não é postulado como a norma, a
:presentam as principais fontes essência da humanidade, contra a qual o obinrin é o Outro. Nem é 9kUn-
rcepção, mapeando as mudan- rin uma categoria de privílégio. Obinrin não é classificada em relação
xial. Os relatos documentados a pkúnrin; não tem conotações negativas de subordinação e ausência
·everendo Samuel Johnson, um de poder e, acima de tudo, não constitui cm si uma classificação so-
LS memórias e diários de viajan- cial. Outra razão pela qual pkilnrin e obinrin não podem ser traduzidos
C Finalmente, ao conceituar o para o inglês como "male" ["macho"] e "female" ["fêmea"] é que essas
las as instituições que descrevo categorias iorubás se aplicam apenas a seres humanos adultos e nor-
malmente não são usadas para omodé (crianças) ou eranko (animais). Os

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termos akp e aba são usados para animais machos e fêmeas, respectiva- 1. Quem não tem pêi
mente. Eles também são aplicados a algumas árvores frutíferas, corno o decorre dessa noçà1
mamão, e à ideia abstrata de um período no tempo, corno o ano. Assim, mento social ociden
akp ibép~ é um mamoeiro que não dá frutos; e odún t'ó ya 'bo é um ano 2. Quem não tem pod
frutífero (bom). "Que seu ano seja frutífero (yabo)" 7 é uma oração e sau- 3. Quem não pode pa
dação normal no início do ano novo iorubá, sinalizado pela chegada Portanto, o que as fêmec1
do "inha1ne novo". o macho é considerado a nc
Como akp e aba não são construídas de maneira oposta, o oposto de periência ocidental e não es1
um ano bom (abo) não é um ano akp. Um ano improdutivo é um ano que a linguagem conceituai das
não é abo. Não há concepção de um ano akp. Um mamoeiro sem frutos é necessário considerar essas t,
uma árvore akp. Um mamoeiro frutífero não é descrito corno abo; em vez dem explicar. Diferentemen1
disso) uma árvore frutífera é considerada a norma; portanto, é apenas re- tegorias de obinrin e (lklinrin sã
ferida como mamoeiro. Eu cito estes exemplos para mostrar que esses con-
sugerindo suposições subjac
ceitos iorubás, assim como pkilnrin e obinrin, que são usados para humanos,
que derivem delas. Porque r
não são equivalentes ao inglês "male" ["macho"] e "female" ["fêmeall],
ção uma à outra, elas não sã
respectivamente. Assim, neste estudo, os termos básicos pkUnrin e obinrin são
generificadas. Na Velha Oyé
melhor traduzidos como referindo-se ao macho anatômico e à fêmea ana-
nem expressavam masculini,
tômica, respectivamente; referem-se apenas a diferenças fisiologicamen-
não existiam na vida ou no l
te marcadas e não têm conotações hierárquicas como os termos ingleses
"male/mcn" e "fcmale/women". As distinções que esses termos iorubás
DISTINÇÕES NECESSÁRIAS SI
significam são superficiais. Para facilitar o desdobramento, "anatômico"
foi encurtado para "ana" e acrescentado às palavras "macho", "fêmea" e Os termos iorubás obinrin e 9.
"sexo" para ressaltar o fato de que, na cosmopcrcepção iorubá, é possível é, obviamente, a base da ex
reconhecer essas distinções fisiológicas sem projetar inerentemente uma a primazia do tipo de corpo
hierarquia das duas categorias sociais. Assim, proponho os novos concei- iorubá descreva os dois tipo
tos anamacho, anofêmea e anassexo. A necessidade de um novo conjunto de entanto, apenas indicam as (
construtos surgiu do reconhecimento de que, no pensamento ocidental, mna vez que elas se relacio1
mesmo os chamados conceitos biológicos como macho, fêmea e sexo não referem, então, às diferença~
estão livres de conotações hierárquicas. P, rentes entre as duas anatam:
De fato, o termo iorubá obinrin não é equivalente a "mulher" porque que denotam privilégios e de
o conceito de 1nulher ou fêmea evoca uma série de imagens, incluindo as dimorfismo sexual 10 porque;
seguintes: tões da reprodução. Para co1

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machos e fêmeas, respectiva-
l, Quem não tem pênis (o conceito freudiano de inveja do pênis
nas árvores frutíferas, como o
decorre dessa noção e foi elucidado em profundidade no pensa-
10 tempo, como o ano. Assim,
mento social ocidental e nos estudos de gênero); 9
os; e odún t'ó ya 'bo é um ano
2. Quem não tem poder; e
o (yabo)" 7 é mna oração e sau-
3. Quem não pode participar da arena pública.
ubá, sinalizado pela chegada
Portanto 1 o que as fêmeas não são as definem como mulheres, enquanto
o macho é considerado a norma. As imagens acima são derivadas da ex-
~ maneira oposta, o oposto de
periência ocidental e não estão associadas à palavra iorubá obinrin. Como
no improdutivo é um ano que
a linguagem conceitua! das teorias de gênero é derivada do Ocidente 1 é
·p. Um mamoeiro sem frutos é
necessário considerar essas teorias como vetores da questão que elas preten-
o é descrito como aba; em vez
dem explicar. Diferentemente de "rriacho" e "'fêmea)' no Ocidente, as ca-
norma; portanto, é apenas re-
tegorias de obinrin e pkünrin são primariamente categorias de anatomia, não
os para mostrar que esses con-
sugerindo suposições subjacentes sobre as personalidades ou psicologias
::i_ue são usados para humanos,
que derivem delas. Porque não são elaboradas cm uma relação de oposi-
acho"] e "fcmale" ["fêmea"],
ção uma à outra, elas não são sexualmente dimórficas e, portanto, não são
nos básicos pklinrz'n e obi'nrzll são
generificadas. Na Velha Oyó, elas não indicavam uma classificação social;
cho anatómico e à fêmea ana-
nem expressavam masculinidade ou feminilidade, porque essas categorias
s a diferenças fisiologicamen-
1icas como os termos ingleses não existiam na vida ou no pensamento iorubás.

;ões que esses termos iorubás


desdobramento, "anatômico)} DISTINÇÕES NECESSÁRIAS SEM DIFERENÇA
palavras "macho", "fêmea" e Os termos iorubás obinrin e ~kUnrin expressam uma distinção. A reprodução
.opercepçào iorubá, é possível é, obviamente, a base da existência humana e, dada a sua importância, e
projetar inerentemente uma a primazia do tipo de corpo das anaíemeas, não surpreende que a língua
n 1 proponho os novos concci- iorubá descreva os dois tipos de anatomia. Os termos pkirnrin e obinrin, no
ade de un1 novo conjunto de entanto, apenas indicam as diferenças fisiológicas entre as duas anatomias,
1e1 no pensa1nento ocidental, uma vez que elas se relacionam com procriação e relação sexual. Eles se
1mo macho, l'emea e sexo não referem, então, às diferenças fisicamente marcadas e fisiologicamente apa-
rentes entre as duas anatomias. Eles não se referem a categorias de gênero
1uivalente a "mulher') porque
que denotam privilégios e desvantagens sociais. Além disso) não expressam
:érie de Ünagens 1 incluindo as
dimorfismo sexuaP 0 porque a distinção que indicam é específica para ques-
tões da reprodução. Para compreender este ponto, seria necessário voltar à

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diferença fundamental entre a concepção de mundo social iorubá e a das o fato de as mulheres dare
sociedades ocidentais. vez disso, ele está localiza
No capítulo anterio1~ argumentei que o determinismo biológico em de gênero". A isso é dado,
grande parte do pensamento ocidental advém da aplicação de explicações mulheres terem menos pel
biológicas na consideração das hierarquias sociais. Isso, por sua vez, levou Ílnplacável ataque feminis
à construção do mundo social com tijolos biológicos. Assim, o social e o construcionismo feminista
biológico estão completamente entrelaçados. Essa cosmovísão se manifesta enfrentar. Como os tradici
nos discursos de gênero de dominância masculina, discursos nos quais as minismo não cogita a poss
diferenças biológicas femininas são usadas para explicar as desvantagens mais fundamentais que ouí
sociopolíticas da fêmea. A concepção de biologia como estando "em toda liação distinta. Se os discrn
parte" torna possível usá-la como uma explicação cm qualquer esfera, es- social na biologia, vendo
11
teja ela diretamente implicada ou nào. Se a questão é por que as mulhe- mulheres como naturais, o
res não deveriam votar ou por que amamentam bebês, a explicação é uma social e o biológico ao hor
e a mesma: elas são biologicamente predispostas a isso. todas as diferenças observ,
O resultado dessa lógica cultural é que hmncns e mulheres são vistos Indubitavelmente, em
como criaturas essencialmente diferentes. Cada categoria é definida por em que se diz que os genes
sua própria essência. Diana Fuss descreve a noção de que as coisas têm cía é a fonte inatacável de :
uma "essência verdadeira ... como uma crença no real, as propriedades que a aceitação de papéis
1
invariáveis e fixas que definem a quididade de uma entidade" . ~ Conse- não levaria a uma criação e
quentemente, se as mulheres estão na sala de parto ou na sala de reuniões, ion1bá apresenta é um mu:
sua essência é utilizada para determinar seu comportamento. Em ambas corpo. Isso mostra que é p
as arenas, então, o comportamento das mulheres é, por definição, diferen- tos para obimin e ~kUnrin sei
te do dos homens. O essencialismo torna impossível confinar a biologia a lógica cultural iorubá, a bic
um único domínio. O mundo social, portanto, não pode, verdadeiramente, dizem respeito diretamente
ser construído socialmente. ciedade iorubá é que a obin
A reação das feministas ao discurso conservador e dominante do sexo obz'nrúz porque elas perman
masculino foi rejeitá-lo totalmente como um veículo de opressão. As fe- são humanos também) nur
ministas, em seguida, passaram a mostrar que a existência de dois sexos, Assim, a distinção ent
que tem sido considerada como um "fato irredutível", 13 é na verdade uma não de sexualidade ou gêr
construção social. No processo de problematizar o essencialismo dos dis- rias desempenham papéis ,
cursos predominantemente masculinos, muitos escritos feministas trata- não se estende além de qu
11
ram todas as distinções entre homens e mulheres como invenções. Assim, · não transborda para outrc

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, mundo social iorubá e a das o fato de as mulheres darem à luz não recebe a atenção que merece; em
vez disso, ele está localizado em um continuum das chamadas "diferenças
) detenninismo biológico em de gênero". A isso é dado o mesmo grau de importância que ao fato de as
m da aplicação de explicações mulheres terem menos pelos corporais que os homens. Assim, apesar do
ociais. Isso, por sua vez, levou implacável ataque feminista à abordagem principal do esscncialismo, o
>iológicos. Assim, o social e o construcionismo feminista contém em si o próprio problema que procura
. Essa cosmovisão se manifesta enfrentar. Como os tradicionais discursos de dominância masculina, o fe-
;culina, discursos nos quais as minismo não cogita a possibilidade de que determinadas diferenças sejam
?ara explicar as desvantagens mais fundamentais que outras. Que as mulheres deem à luz exige urna ava-
>logia c01no estando "em toda liação distinta. Se os discursos conservadores ocidentais esgotam o mundo
cação em qualquer esfera, es- social na biologia, vendo todas as diferenças observadas entre homens e
a questão é por que as mulhe- mulheres como naturais, o feminismo manteve essa falta de limite entre o
:a1n bebês, a explicação é uma social e o biológico ao homogeneizar homens e mulheres e insistindo que
)stas a isso. todas as diferenças observadas são construções sociais. Este é o problema.
homens e mulheres são vistos Indubitavelmente, em um mundo pós-cromossômico e pós-hormonal
~ada categoria é definida por em que se diz que os genes determinam o comportamento, e no qual a ciên-
a noção de que as coisas têm cia é a fonte inatacável de sabedoria sobre todas as coisas, é difícil imaginar
:".nça no real, as propriedades que a aceitação de papéis reprodutivos distintos para homens e mulheres
:". de uma entidade 1
' •
12
Conse- não levaria a uma criac,:ão de hierarquias sociais. O desafio que a concepção
c parto ou na sala de reuniões, iorubá apresenta é um mundo social baseado nas relações sociais, e não no
u comportamento. Em ambas corpo. Isso mostra que é possível reconhecer os papéis reprodutivos distin-
heres é, por definição, diferen- tos para oblnrin e 9kilnrin sem usá-los para criar uma classificação social. Na
npossível confinar a biologia a lógica cultural iorubá, a biologia é limitada a questões como a gravidez, que
o, não pode, verdadeiramente, dizem respeito diretamente à reprodução. O fato biológico essencial na so-
ciedade iorubá é que a obz'nrin procria. Não conduz a uma essencialização de
1servador e dominante do sexo obinrin porque elas permanecem infyàn (seres humanos), assim como 9kUnrin
rn veículo de opressão. As fe- são humanos também, num sentido não generificado.
::iuc a existência de dois sexos, Assim, a distinção entre obinrin e 9kilnrin é, na verdade, reprodutiva, e
reduúvel", 13 é na verdade uma não de sexualidade ou gênero, com ênfase no fato de que as duas catego-
atizar o essencialismo dos dis- rias desempenham papéis distintos no processo reprodutivo. Essa distinção
uitos escritos feministas trata- não se estende além de questões diretamente relacionadas à reprodução e
heres como invenções. 14
Assim, não transborda para outros domínios, como a agricultura ou o palácio de

75
oba (governante). Chamei a isso de uma distinção sem diferença social. A Eu observei obinrin se pros1
distinção, na lorubalândia, entre a maneira como as fêmeas anatômicas disso, uma postura comurr
devem obediência aos seus superiores e a maneira como os machos ana- pendentemente do tipo an
tômicos o fazem é útil na elaboração da consideração distinta, mas não da prostração é desnecess2
generificadai da gravidez. Quem quer que observasse casualmente notaria do ajoelhar-se é injustifica,
que, no período contemporâneo, obinrin geralmente kúnlf (ajoelha-se, com Na cosmologia ion1bá:
os dois joelhos tocando o chão) ao saudar um superior. Os 9kUnrin realizam elhar-se para escolher" - p
o dàbálf (prostram-se, deitados no chão, depois levantando seus torsos com Elêdá (Divindade Criadora)
os braços, segurando-os em uma pose de flexão). Alguém pode supor que do. Em um exame mais d(
essas duas formas distintas de saudação são construções de gênero, produ- posição usada não tanto pa
zindo valorizações e diferenças sociais. Entretanto, uma simples associação soa superior. Todas as pess<
de fêmeas anatômicas com o ajoelhar-se e de machos anatômicos com o seja 9ki1nrin ou obinrin, nece
prostrar-se não elucidará os significados culturais desses atos. É necessário de entender, uma vez que
um exame abrangente de todos os outros modos de saudação e reverência, nas posições íyíz'ká ou idàbá!,
assim como de sua representação em uma multiplicidade de âmbitos e (alguém que argumente cor
como eles se relacionam entre si. de joelhos) alude a esse fatc
Quando fêmeas anatômicas prestam reverência a 9ba (governante), que aláàjin (governante) de
elas fazem o yíz'ká - nesse caso, elas deitam de lado, apoiando-se com um apenas uma pessoa - uma e
cotovelo de cada vez. Na prática, íyíiká parece uma abreviação do idàbále. reza desse posto e deveres i

No passado, parece que íyíiká era o principal modo de reverência feminina que reside na habitação pa
às pessoas superiores. Mas, com o tempo, ajoelhar-se tornou-se dominan- Sua função é cultuar os e
te. Assim, parece que a posição preferida por todas as pessoas para prestar em uma sala em seus apos
reverência, seja obinrin ou 9ki1nrin, é a pessoa "reverenciante" prostrar-se como para seu pai, e se di
diante da pessoa "reverenciada". Eu afirmaria que as contingências da ancestrais. Ele se ajoelha ao ,1
da em seu cotovelo, como é rost,
gravidez levaram à modificação do íyíiká em função da anatomia de obinrin.
para ninguém além dela,
É óbvio que até mesmo as obinrin grávidas podem realizar o yíiká, mas não
possuídas pela divindzide,
podem se prostrar facilmente. Johnson oferece um pano de fundo histórico
para essa interpretação. No final do século XIX, ele observou que o modo As propiciações e ofe
de saudar uma pessoa superior envolvia que "os homens se prostrassem no gem durante os dois prim
chão e as mulheres sentassem no chão e se reclinassem sobre o cotovelo ração dos antepassados) sã
esquerdo" . 15 O predomínio do ajoelhar-se das obinrin é um desenvolvimen- posição preferida para o p
to mais recente. De fato, a prostração feminina pode ser vista até hoje. construção da maternidad

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lnçào sem diferença social. A Eu observei obinrin se prostrando no palácio de oba em àgb9m9s9. Além
como as fêmeas anatômicas disso, uma postura comum de adoração das divindades é o idôbálf, inde-
aneira como os machos ana- pendentemente do tipo anatômico. 16 Portanto, a desvinculação da obinrin
nsideração distinta, mas não da prostração é desnecessária. Da mesma forma, a dissociação de pkilnrin
)servasse casualmente notaria do ajoelhar-se é injustificada. 17
!mente kúnle (ajoelha-se, com Na cosmologia iorubá, há a concepção de àkúnlgyàn, literalmente "ajo-
l superior. Os pkilnrin realizam elhar-se para escolher" posição que todas as pessoas assumem diante de
is levantando seus torsos com Ele"dá (Divindade Criadora) ao escolher seu destino antes de nascer no mun-
,ão). Alguém pode supor que do. Em um exame mais detalhado, fica explícito que o ajoelhar-se é uma
onstruções de gênero, produ- posição usada não tanto para homenagear como para se dirigir a uma pes-
:anto, uma simples associação soa superior. T'odas as pessoas que escolherem dirigir-se a pba, por exemplo,
le machos anatômicos com o seja pkUnrin ou obinrin, necessariamente ficarão de joelhos. Isso não é difícil
1rais desses atos. É necessário de entender, uma vez que é impraticável envolver-se em longas conversas
dos de saudação e reverência, nas posições íyíiká ou idàbá[e. De fato, o ditado eni b'óbajíyàn ôyíô pê lórí ikunle
multiplicidade de âmbitos e (alguém que argumente com a pba deve se preparar para passar muito tempo
de joelhos) alude a esse fato. Além disso, sabemos pelos escritos de Johnson
~verência a pba (governante), que aláàfin (governante) de Oyó tradicionalmente teve que se ajoelhar para
le lado, apoiando-se com um apenas uma pessoa - uma obimin funcionária do palácio. Ao explicar a natu-
:e uma abreviação do idàbále. reza desse posto e deveres dessa funcionária - fyámpdf (uma alta autoridade
modo de reverência feminina que reside na habitação palaciana) - Johnson escreve:
)elhar-se tornou-se dominan- Sua função é cultuar os espíritos dos reis que partiram, chamando seus Egúngúns
todas as pessoas para prestar em urna sala em seus aposentos reservada para esse propósito. . O rei olha para ela
a "reverenciante" prostrar-se como para seu pai, e se dirige a ela como tal, sendo a adoradora do espírito de seus
iria que as contingências da ancestrais. Ele se ajoelha ao saudá-la, e ela também retribui a saudação, ajoelhada, nunca reclina-

Unção da anatomia de obinrin. da em seu cotovela, como é costume das mulheres ao saudar seus superiores. O rei não se ajoelha
para ninguém além dela, e se prostra diante do deus Xangó e diante das pessoas
idem realizar o yüká, mas não
possuídas pela divindade, chamando-as de "pai". 13
e um pano de fundo histórico
IX, ele observou que o modo As propiciações e ofertas de agradecimento aos ancestrais da linha-
'os homens se prostrassem no gem durante os dois primeiros dias do Egúngún (festival anual de vene-
reclinassem sobre o cotovelo ração dos antepassados) são chamadas de z'kúnlf. 19 Finalmente) z'kúnlf era a
s obinrin é um desenvolvimen- posição preferida para o parto na sociedade tradicional e é central para a
nina pode ser vista até hoje. construção da maternidade. Esta posição, ikúnle abiyamo (o ajoelhar-se de

77
uma mãe em trabalho de parto), representa o momento culminante da Quando Afi.\\vàpÇ chego

submissão humana à vontade divina. Talvez o fato de que o modo e o esti- Ele começou a negociar.

lo de reverenciar uma pessoa superior não dependam de ser wn anamacho E ele fez muito lucro.
ou uma anafêmea indique a estrutura cultural não generificada. Uma pes-
Quando Oriseeku e
soa superior assim o é, independentemente do tipo de corpo.
e disseram o seguinte:
É significativo que, na cosmologia iorubá, quando uma parte do cor-
"Não sabemos onde pes
po é destacada, é o orí (cabeça), que é entendida como a sede do destino
individual (orz'). A palavra orí tem, assim, dois significados intimamente en- Teríamos ido lá para CS(

trelaçados -·- destino e cabeça. Orí não tem gênero. A preocupação com a Não sabemo~ onde Afú 1

escolha de um orí (destino, sina) antes de alguém nascer no mundo é para Teríamos ido lá para es,

escolher um bom orf. No discurso de Ifá,2° há um mito sobre três amigos .Afll\vàpf; respondet
que foram a Ajalá, o oleiro, o criador de cabeças, para escolher seus orí colhai:nos nossas cabeça
(destino, cabeças) antes de realizarem sua jornada para a terra. O anassexo Rowland Abiodun elabc
desses três amigos não é a questão deste mito, e não se relaciona com quem destino) e orí fisico (cabe,
fez uma boa escolha e quem não fez. O que é importante é que, devido à indivíduo, traz uma séri
impaciência e negligência, dois dos amigos escolheram um orí defeituoso,
O orí-inú de uma pessoc
enquanto apenas um deles escolheu um bom orí:
com frequt'-ncia, e seu:
Eles então os levaram para o depósito de cabeças de Ajalá (o oleiro). nova tcuefa. Por rsta r;
presentes nos lares, indi
Quando Ori.seeku entrou,
realização de \1.rtualm(
Ele escolheu uma cabeça recém-feita e menores sendo o qut
Que Ajalá não tinha cozido totalmente.
O objetivo das expl
Quando Orileemere também entrou,
tes na vida social iorub
Ele escolheu uma cabeça muito grande
obinrin e 9kUnrin necess,
Não sabendo que estava danificada.
é uma propriedade de
Os dois colocaram suas cabeças de barro,
mesmo a noção de idci
E se apressaram em direção à terra.
um entendi1nento culn
Eles trabalhavam, trabalhavam, mas não obtinham ganho. em relação hierárquiec
Se eles negociaram meio centavo, é melhor entendido co
Isso os levava a perder um centavo e meio. pectativas para os indi'
Os homens sábios disseram-lhes que a culpa estava nas más processos sociais da vic
cabeças que eles escolheram. ções sociais da socieda1

78
L o momento culminante da Quando Afi.lvvàpÇ chegou à terra,

) fato de que o modo e o esti- Ele começou a negociar.

Jendam de ser um anamacho E ele fez muito lucro.


l não generificada. Uma pes- Quando Orisccku e Orileemere viram AfllwàpÇ, começaram a chorar
o tipo de corpo.
e disseram o seguinte:
í, quando uma parte do cor-
"Não sabemos onde pessoas com sorte escolhem suas cabeças;
dida como a sede do destino
Teríamos ido lá para escolher a nossa.
significados intimamente en-
Não sabemos onde A1ú.wàp~ escolheu sua cabeça.
~nero. A preocupação com a
1ém nascer no mundo é para Teríamos ido lá para escolher a nossa". 11

á um mito sobre três amigos AfllwàpÇ respondeu-lhes dizendo 1 cm essência, que, embora nós es-
.beças, para escolher seus ori colhamos nossas cabeças no mesmo lugar, nossos destinos não são iguais.
1ada para a terra. O anassexo Rowland Abiodun elabora essa distinção entre orí-inú (cabeça interior ou
e não se relaciona com quem destino) e ori físico (cabeç:a) e, ao discutir a importância de ori-inú para cada
é iinportante é queJ devido à indivíduo, traz uma série de pontos reveladores:
scolheram um ori defeituoso,
O nrí-inú de uma pessoa é tão crucial para uma vida bem-sucedida que ele é cultuado
orí: com frequência, e seu apoio e orientação são procurados antes de empreender uma
nova tarefa. Por esta razão, os santuários pessoais de Ori são indispensáveis e estão
; de Ajalá (o oleiro).
presentes nos lares, independentemente de sexo, crença religiosa ou afiliação a cultos, e na
realização de Yirtualmente todos os sacrifícios, adoração ancestral e festivais maiores
e menores sendo o que determina seu resultado favorável. 22

O objetivo das explorações precedentes de algumas distinções aparen-


tes na vida social iorubá é problematizar a ideia de que a distinção entre
obinrin e ekllnrin necessariamente diga respeito ao gênero. O gênero não
é uma propriedade de um indivíduo ou de um corpo em si mesmo. Até
mesmo a noção de identidade de gênero como parte do eu repousa sobre
um entendimento cultural. Gênero é uma construção de duas categorias
tm ganho. em relação hierárquica entre si e está embutido nas instituições. Gênero
é melhor entendido como "uma instituição que estabelece padrões de ex-
pectativas para os indivíduos (com base em seu tipo de corpo), ordena os
\·a nas más processos sociais da vida cotidiana e é incorporada às principais organiza-
ções sociais da sociedade, como economia, ideologia) família e política)'. 23

79

-~~d'úh0"''"'""'"""""'"-=~@- __ ,_Zlih-i&
O quadro de referência de qualquer sociedade é uma função da lógica referir a uma pessoa pelo
de sua cultura como um todo. Não pode ser alcançado de forma frag- chamar o nome da outra ·
mentada, olhando para um local institucional ou prática social de cada detalhada sobre uma pes~
vez. As limitações de basear interpretações na observação sem sondar os mia seja central para a q·
significados contextualmente tornam-se imediatamente aparentes. Em se- relações sexuais ou gravid
guida, a atenção será voltada para instituições específicas da sociedade em determinar a seniorid
Oyó, explicando-as para mapear significados culturais e, finalmente, para sacrilégio chamar alguém
entender a cosrnoperccpção que emerge do todo. Em última análise, a do. Na etiqueta, e111 um e
compreensão surge ao se totalizar e situar o particular em seu contexto de velha que tem a respons,
autorreferência. S'álàjià ni? (Como você e,
nem sempre é óbvio, o pn
pela primeira vez é f, o prc
SENIORIIIADE: OVOCABULÁRIO DA CULTURA EALINGUAGEM DO STATUS
que a ordem de seniorida1
A linguagem é, antes de tudo, uma instituição social e, como tal, constitui Os termos de parente
e é constituída pela cultura. Por causa da difusão da linguagem, é legítimo ria. A palavra àbúrà refert
perguntar o que uma língua em particular nos diz sobre a cultura da qual determinada pessoa, inclu
deriva. A linguagem carrega valores culturais dentro de si.2' 1 Neste estudo, cada é de idade relativa. l
não estou tão interessada cm fazer um inventário de palavras quanto em palavra para "filha( o)", é r
perceber a cosmopercepção projetada em qualquer linguagem particular. específicas para menino 01
A senioridade é a principal categorização social que é imediatamente rin (menina) ganharain cir
aparente na língua iorubá. Scnioridade é a classificação social das pessoas crianças (derivadas de pmp
com base cm suas idades cronológicas. A prevalência da categorização anatômico" e "criança, fêr
etária na língua iorubá é a primeira indicação de que a relatividade etária privilegiado é a juventude
é o princípio central da organização social. A maioria dos nomes e todos uma tentativa recente de g
os pronomes não são generificados. Os pronomes de terceira pessoa ó e w(ln Johnson sobre a Iorubalâ
fazem distinção entre as pessoas mais velhas e as mais jovens nas interações vocabulário da época, ele <
sociais. Assim, o pronome w(ln é usado para se referir a uma pessoa mais encontrar uma palavra ex
velha, independentemente do sexo anatômico. Como no antigo inglês cunharam as ... palavras '
"thou" ["tu')] ou o pronome francês vous [vós], w(ln é o pronome de respei- 'arabinrin', parente fe1nini
25
to e formalidade. Ó é usado em situações de familiaridade e intimidade. pessoas iorubás simples e ;
Em interações sociais e conversas, é necessário estabelecer quem tem Íyá e bàbá podem sei
mais idade, porque isso determina qual pronome usar e se alguém pode se "pai", respectivainente e:

80
dade é uma função da lógica referir a uma pessoa pelo seu nome. Somente pessoas mais velhas podem
r alcançado de forma frag- chamar o nome da outra pessoa. É possível manter uma conversa longa e
11 ou prática social de cada detalhada sobre uma pessoa sem indicar seu sexo, a menos que a anato-
a observação sem sondar os mia seja central para a questão em discussão, como nas conversas sobre
atamente aparentes. Em se- relações sexuais ou gravidez. Há, no entanto, uma considerável ansiedade
)es específicas da sociedade em determinar a senioridade em qualquer interação social. É quase um
culturais e, finalmente, para sacrilégio chamar alguém mais velho pelo nome; é considerado deseduca-
todo. E111 última análise, a do. Na etiqueta, cm um encontro inicial de duas pessoas, é a pessoa mais
uticular em seu contexto de velha que tem a responsabilidade e o privilégio de perguntar primeiro,
S'álàfià ni? (Como você está?). Como quem é mais velho ou mais jovem
nem sempre é óbvio, o pronome escolhido pelas pessoas que se encontram
pela primeira vez é f, o pronome formal de segunda pessoa, pelo 1nenos até
li LINGUAGEM DO STATUS
que a ordem de senioridade seja determinada.
social e, como tal, constitui Os termos de parentesco também são codificados pela relatividade etá-
;âo da linguagem, é legítimo ria. A palavra àbúrà refere-se a todos os parentes nascidos depois de uma
; diz sobre a cultura da qual determinada pessoa, incluindo irmãs, irmãos e primas(os). A distinção indi-
dentro de si. 24 Neste estudo, cada é de idade relativa. A palavra ~gbfm exerce uma função similar. 9mp, a
ário de palavras quanto em palavra para "filha(o)'", é melhor entendida como "prole". Não há palavras
!quer linguagem particular. específicas para menino ou menina. Os termos pmpkimrin (menino) e (Jmpbin-
social que é imediatamente 'Jin (menina) ganharam circulação na atualidade por indicar o anassexo das
lssificação social das pessoas crianças (derivadas de pm9 9kllnrin e pmp obinrin, literalmente "criança, macho
'evalência da categorização anatômico'' e "criança, fêmea anatômica"); eles mostram que o socialmente
de que a relatividade etária privilegiado é a juventude da criança, e não sua anatomia. Essas palavras são
maioria dos nomes e todos uma tentativa recente de generificar a linguagem e refletem a observação de
1es de terceira pessoa ô e wpn Johnson sobre a Iorubalândia no século XIX. Comentando sobre o novo
1s mais jovens nas interações vocabulário da época, ele observou que "nossos tradutores, em seu desejo de
e referir a uma pessoa mais encontrar uma palavra expressando a ideia inglesa de sexo e não de idade,
:o. Corno no antigo inglês cunharam as ... palavras 'arakonrin', ou seja, parente do sexo masculino; e
wpn é o pronome de respei- 'arabinrin', parente feminino; essas palavras sempre devem ser explicadas às
lmiliaridade e intimidade. 2:i
pessoas iorubás simples e analfabetas''. 20
~sário estabelecer quem tem .[yá e bàbá podem ser descritos corno as categorias inglesas "1nãe" e
me usar e se alguém pode se "pai", respectivamente e, para os anglófonos, podem parecer categorias

81
de gênero. Mas a questão é mais complicada. O conceito de paternidade uma cnança começa a com
está intimamente entrelaçado com a idade adulta. Espera-se que pessoas pouco da comida para os rr
de certa idade tenham tido descendentes) porque a procriação é consi- há noção de "veado" ou "sa
derada a razão de ser da existência humana. É assim que as coisas são e Ao contrário das língu;
devem ser para que o grupo sobreviva. Embora a singularidade dos papéis vez disso, "faz senioridade".
~kilnrin e obinrin na reprodução esteja codificada na linguagem, o atributo familiares - não chama1n a .
mais importante que essas categorias indicam não é gênero; ao contrário, en1 inglês, pronomes de prir
é a expectativa de que pessoas de certa idade deveriam ter procriado. Ao cm inglês são específicos de
contrário dos conceitos ingleses de mãe e pai, bàbá e fyá não são apenas lacional e situacional, pois r
categorias de parcntalidadc. São tambéin categorias da adultez, uma vez ção de uma idade maior ou
que também são usados para se referir a pessoas idosas cm geral. E, mais em qualquer situação. A se
importante, eles não são opostos de forma binária e não são construídos ensível apenas como parte e
em relação entre si. fixada no corpo, nem dicotc
A importância do princípio da senioridade na organização social dos A importância do gênc1
povos iorubás tem sido reconhecida e analisada de forma variada por in- tida nas palavras "brother"
térpretes dessa sociedade. É a pedra angular do intercâmbio social. O so- rem qualificadores conscier
ciólogo N. A. Fadipe capta o alcance e o escopo desse princípio quando isoladas em iorubá que denc
escreve: "O princípio da senioridade se aplica cm todas as esferas da vida rificadas de filho, filha, irmã
e em praticamente todas as atividades nas quais homens e mulheres são dos às categorias primárias,
reunidos. O costume atravessa as distinções de riqueza, de posição e de ausência de categorias difen
sexo". 27 Ele prossegue mostrando que senioridade não se refere apenas à ausência de concepções de !
civilidade; confere alguma medida de controle social e garante a obediên- A importância da classi
cia à autoridade, o que reforça a ideia de liderança. de quem pesquisa a cultur.
Deve-se ressaltar, no entanto, que a senioridade não é apenas uma Bascom, que realizou traba
questão de privilégio na vida cotidiana. Também implica responsabilida- guinte observação: ",\ term:
de. Na socializaç,ão de crianças, por exemplo, a mais velha de mn grupo é de senioridade, incluindo a i1
a primeira a ser servida durante as refeições e é considerada responsável tão importante nas relações
em casos de infração no grupo, porque essa crianç.a mais velha deveria ter portância relativamente peq
conduzido melhor o grupo. O insulto supremo é chamar mna pessoa àgbàyà e 'mãe'i'. 29 Da mesma form2
(de mais idade para nada). Ele é usado para colocar as pessoas cm seus lu- cerca de cinquenta anos d<
gares, se elas estão violando um código de senioridade por não se compor- interações sociais: "lVIuitas I
tarcn1 como deveriam ou não estarem assmnindo a responsabilidade. Se 1nas eles sabem precisament

82
ia. O conceito de paternidade uma criança começa a corner da tigela comum primeiro e não deixa um
adulta. Espera-se que pessoas pouco da comida para os mais novos, ela é repreendida com àgbàyà. Não
porque a procriação é cons1- há noção de "veado" ou "sapatão".
a. É assim que as coisas são e Ao contrário das línguas europeias, o iorubá não "faz gênero)';2fl em
1ora a singularidade dos papéis vez disso, "faz senioridade". Assim, as categorias sociais - familiares e não
:::ada na linguagem, o atributo familiares - não chamam a atenção para o corpo, como os nomes pessoais
m não é gênero; ao contrário 1 em inglês, pronomes de primeira pessoa e termos de parentesco (os termos
Jc deveriam ter procriado. Ao em inglês são específicos de gênero/corpo). A senioridade é altamente re-
Jai bàbá e fyá não são apenas
1 lacional e situacional, pois ninguém está permanentemente em uma posi-
ategorias da adultez, u1na vez ção de uma idade maior ou menor; tudo depende de quem está presente
ssoas idosas em geral. E, mais em qualquer situação. A senioridade, ao contrário do gênero, é compre-
binária e não são construídos ensível apenas como parte dos relacionamentos. Assim, não é rigidamente
fixada no corpo, nem dicotomizada.
ade na organização social dos A importância do gênero na terminologia de parentesco inglês é refle-
;ada de forma variada por in- tida nas palavras "brother" (irmão) e "sister" (irmã), categorias que reque-
r do intercâ1nbio social. O so- rem qualificadores conscientes na conceituação iorubá. Não há palavras
c;copo desse princípio quando isoladas err1 iorubá que denotem as categorias inglesas de parentesco gene-
:::a cm todas as esferas da vida rificadas de filho, filha, irmão, irmã. Os qualificadores devem ser adiciona-
quais homens e mulheres são dos às categorias primárias para tornar aparente o anassexo da relação. A
; de riqueza, de posição e de ausência de categorias diferenciadas por gênero na língua iorubá ressalta a
ridade não se refere apenas à ausência de concepções de gênero.
ile social e garante a obediên- A importância da classificação por senioridade tem atraído a atenção
eranc,:a. de quem pesquisa a cultura iorubá. O antropólogo americano Williarn
nioridade não é apenas uma Bascom, que realizou trabalho etnográfico na década de 1930, fez a se-
nbém implica responsabilida- guinte observação: "A terminologia iorubá de parentesco enfatiza o fator
>, a mais velha de um grupo é de senioridade, incluindo a idade relativa como uma de suas manifestações,
;; e é considerada responsável tão importante nas relações entre os membros do clã. O sexo tem uma im-
:::riança mais velha deveria ter portância relativamente pequena, sendo usado apenas para distinguir 'pai'
o é chamar uma pessoa àgbàyà e 'mãe"'. 29 Da mesnia forma, o etnógrafo britânico]. S. Eadcs, escrevendo
colocar as pessoas em seus lu- cerca de cinquenta anos depois, sublinhou a importância da idade nas
nioridade por não se compor- interações sociais: ":rvfuitas pessoas iorubás não sabem quando nasceram,
nindo a responsabilidade. Se mas eles sabem precisamente quem tem mais ou menos idade, porque ter

83
mais idade confere respeito e deferência. Espera-se que os membros mais nos substantivos: qualquer
jovens da habitação assumam as tarefas 'mais sujas' e mais onerosas" . 30 quela palavra de ancorager
mos de gênero ("você é um
A ausência de categorias de gênero não significa que a língua iorubá não
criança tão maravilhosa") f
possa descrever noções ou transmitir informações sobre diferenças anatô-
micas de machos e fêmeas. O ponto crítico é que essas diferenças não são Uma mãe iorubá não
codificadas porque não têm muito significado social e, portanto, não se blema da constante discrim
projetam para o domínio social. língua iorubá. A palavra d,
As diferenças entre as conceituações iorubás e inglesas podem ser en- a gêneros, que denota a d
tendidas por intermédio dos seguintes exemplos. Em inglês, à pergunta sexo. 9modé é o termo mai
"Quem estava com você quando você foi ao mercado?", alguém poderia 9m9 seja frequentemente tr:
responder: "Com meu filho". Para a mesma pergunta em iorubá, alguém restrição de idade. Uma m
responderia: Omomii (Com minha cria ou prole). Somente se a anatomia da como 9m9 'mi (minha crian
cria fosse diretamente relevante para o tópico em questão, a mãe iorubá
acrescentaria mn qualificador como, "9m9 mii 9kUnrin" (Minha cria, o ma-
HIERARQUIAS DE UNHAGrn
cho). Caso contrário, a ordem de nascimento seria o ponto de referência
MAIS IDADE
mais significativo socialmente. Nesse caso, a mãe iorubá diria: Qm9 mii
àkóbí (Minha cria, nascida primeiro). Mesmo quando o nome da criança é As seções anteriores se con
usado, o gênero ainda não é indicado porque a maioria dos nomes iorubás conceitos linguísticos para
é sem gênero. ções seguintes) meu foco rr
Em contraste, nas culturas euro-estadunidenses anglófonas, difi- e práticas sociais específic;
cilmente se pode colocar qualquer pessoa em um contexto social sem mundo social iorubá e sua
primeiro indicar o gênero. De fato, apenas mencionando o gênero, os nizados por séculos; viven
euro-estadunidenses imediatamente deduzem muitas outras coisas sobre terizados por grandes püf
as pessoas. No idioma inglês, por exemplo, é dificil continuar se referindo e em diversas profissões e
à prole com o termo "criança" sem especificidade de gênero. Não é a é narrada em relação à ci
norma fazer isso; pode ser considerado estranho ou sugerir uma retenção Hugh Clapperton, um vi,
deliberada de informações. Kathy Ferguson, uma mãe feminista e pes- pelo nome 35 cidades. 31 O
quisadora, reconheceu isso: estadunidense, estimou a
em 80 mil, Ibadan em 7(
Quando meu filho nasceu, comecei uma campanha determinada para falar com ele
de uma maneira não estereotipada. Eu disse a ele muitas vezes que ele é um menino sua queda, em 1829, Oyé
doce, um menino gentil, um menino lindo, assim como um menino esperto e forte. A próspero. 3'1 É em relação ;
variedade de adjetivos pode ter sido impressionante, mas havia uma previsibilidade mais nítida.

84
Jera-se que os membros mais nos substantivos: qualquer que fosse a variação existente, ela girava em torno da-

ais sujas) e mais onerosas". 30 quela palavra de ancoragem: menino. A substituição de substantivos neutros em ter-
mos de gênero ("você é uma criança tão formidável, uma crian~:a tão adorável, uma
ifica que a língua iorubá não
criança tão maravilhosa") era insustentável. 31
ações sobre diferenças anatõ-
. que essas diferenças não são Uma mãe iorubá não precisa se preocupar com essas coisas. O pro-
do social e, portanto, não se blema da constante discriminação e estereótipos de gênero não aparece na
língua iorubá. A palavra de ancoragem em iorubá é pmp, não relacionada
ubás e inglesas podem ser en- a gêneros, que denota a descendência, independentemente de idade ou
rrplos. Em inglês, à pergunta sexo. Omodé é o termo mais específico para criança(s) mcnor(es). Embora
) mercado?", alguém poderia 9m9 seja frequentemente traduzido como "criança", não mostra nenhuma
pergunta em iorubá, alguém restrição de idade. Uma mãe de 70 anos se referiria a sua prole de 40 anos
le). Somente se a anatomia da como 9m9 'mi (minha criança).
co em questão, a mãe iorubá
Ili pki1nrin" (:tv!inha cria, o ma-
HIERARQUIAS DE LINHAGEM: OILÉ. CÔNJUGES JOVENS EIRMÃ!OS) DE
:o seria o ponto de referência
MAIS IDADE
a mãe iorubá diria: 9m9 mii
, quando o nome da criança é As seções anteriores se concentraram no significado sociocultural de certos
: a maioria dos nomes iorubás conceitos linguísticos para entender a cosmologia iorubá. Nesta e nas se-
ções seguintes, meu foco muda um pouco para um número de instituições
dunidenses anglófonas, difi- e práticas sociais específicas, com o objetivo de documentar ainda mais o
em um contexto social sem mundo social iorubá e sua cosmopcrcepção. Os povos iorubás füram urba-
s mencionando o gênero, os nizados por séculos; vivemos em cidades - assentamentos que são carac-
·m muitas outras coisas sobre terizados por grandes populações engajadas na agricultura, no comércio
· dificil continuar se referindo e em diversas profissões e oficias especializados. A identidade individual
ificidade de gênero. Não é a é narrada em relação à cidade ancestral de origem. Na década de 1820,
mho ou sugerir uma retenção Hugh Clapperton, um viajante europeu que passou por Oyó, identificou
n, uma mãe feminista e pes- pelo nome 35 cidades. 32 O reverendo T. J. Bowen, 33 um missionário batista
estadunidcnse, estimou a população de algumas cidades em 1855: Oyó
em 80 mil, lbadan em 70 mil, Ilorin em 100 mil e Ede em 50 mil. Até
nha determinada para falar com ele
lc muitas vezes que ele é um menino sua queda, em 1829, Oyó era dominante, sendo o centro de um império
1 como um menino esperto e forte. A próspero.3'} É em relação a esse contexto que a discussão a seguir se torna
ante, mas hm'la uma previsibilidade mais nítida.

85
A principal unidade social e política nas cidades Oyó-Iorubás era a Em teoria, apenas o c
agbo ilé - uma habitação que abrigava o grupo de pessoas que reivindica- das(os) oko, suas(seus) irm
vam descendência de um ancestral comum fundador. Era uma unidade anatômico, ainda que taIT
sociopolítica proprietária de terras e títulos que, em alguns casos, praticava xualmente com aya. Algun
ofícios especializados como a tecelagem, a tintura ou a metalurgia. Essas de gênero entre 9k9, já qU<
unidades foram descritas, na literatura antropológica, como patrilinhagens chos poderiam copular c<
corporativas.:1:i A maioria dos membros de uma linhagem, incluindo côn- no universo de 9k9 seria 1

juges e sua prole, residia nessas grandes habitações. Como a residência do velhos que um cônjuge p,
casamento era, em geral, patrilocal, a presença de anafêmeas e algumas de com ela - novamente, o ;
suas crianças nas habitações tem sido frequentemente desconsiderada na a senioridade, e não o gêr
literatura. A rotulagem dessas habitações como patrilinhagens corporati- a morte do cônjuge de !l)
vas é o exemplo mais óbvio dessa falta de reconhecimento. As implicações herdar direitos e acesso à
dessa rotulagem reducionista serão discutidas mais adiante. não poderia herdar da m,
Todos os membros da idílé (linhagem), como um grupo, foram chama- fora nem mesmo nesta fo·
dos de 9m9-ilé e foram classificados por ordem de nascimento. As anafê- os direitos da viúva, enqu
meas que se casavan1 eram agrupadas com o nome de aya ilt' 6 e eram dos para a própria descen
classificadas por ordem de casamento. Individualmente, 9m9-1ié ocupou a claro que não houve distin
posição de 9k9 em relação à chegada de aya. Como observei anteriormente, 9kr;. Além disso, por causa
as traduções de aya como "esposa,, e 9k9 como "marido" impõem cons- era possível imaginar um
truções sexuais e de gênero que não fazem parte da concepção iorubá e, outros direitos e responsal
portanto, distorcem esses papéis. A justificativa para a tradução dos ter- A hierarquia no inter
mos está na distinção entre oko e aya como proprietária(o)/nativa(o) e não de senioridade. Nesse cor
proprictária(o)/forasteira(o) cm relação ao i/é como um espaço llsico e o uma organização operanc
símbolo da linhagcm. 37 Essa relação nativa-forasteira era hierarquizada, gar, será o primeiro a ser si
com o ocupante da posição nativa possuindo privilégios superiores. Uma estabelecida para cada rc
anafêmea casada é uma abilék9 - alguém que vive na casa do cônjuge. Este por nascimento ou porca
termo mostra a centralidade da habitação familiar na definição do status nascimento para 9m9-ilé e
dos residentes. O modo de recrutamento para a linhagem, e não o gênero, nascidas antes de uma de
era a diferença crucial - nascimento para 9k9 e casamento para qya. Como posição mais elevada que
não havia equivalentes na lógica cultural ocidental, optei por usar os ter- se juntou à linhagem forai
mos iorubás na maioria dos lugares. Doravante, o sexualmente específico ela nã.o era aya e sim fyá (
1

de aya em relação a 9k9 será ser sua cônjuge. uma aya dentro da linhagt

86
lScidades Oyó-Iorubás era a Em teoria, apenas o cônjuge de aya lhe tinha acesso sexual. O restante
po de pessoas que reivindica- das(os) oko, suas(seus) irmãs(os) e primas(os), independentemente do sexo
fundador. Era uma unidade anatômico, ainda que também fossem suas(seus) 9k9, não se envolviam se-
ue, em alguns casos, praticava xualmente com aya. Alguns podem alegar que havia u1na possível distinção
intura ou a metalurgia. Essas de gênero entre 9k9, já que, neste mundo heterossexual, apenas os anama-
)ológica, como patrilinhagens chos poderiam copular com uma aya. Tal leitura seria incorreta porque
1ma linhagem, incluindo côn- no universo de pk(J seria um sacrilégio para os machos anatômicos mais
tações. Como a residência do velhos que um cônjuge particular de aya estivesse sexualmente envolvido
ça de anafêmeas e algumas de com ela - novamente, o princípio predominante em funcionamento era
~ntemente desconsiderada na a senioridade, e não o gênero. De acordo com o sistema de levirato, após
11110 patrilinhagens corporati- a morte do cônjuge de aya, integrantes mais jovens da família poderiam
·onhecimento. As implicações herdar direitos e acesso à viúva se ela consentisse. Uma pessoa mais velha
s mais adiante. não poderia herdar da mais nova. Anafêmeas 9k9 não foram deixadas de
>mo um grupo, foram chama- fora nem mesmo nesta forma de herança; elas também poderiam herdar
~m de nascimento. As anafê- os direitos da viúva, enquanto os privilégios sexuais eram então transferi-
1 o nome de qya ilé36 e eram dos para a própria descendência de anamachos, se necessário. Portanto, é
ridualmcnte, pmp-ilé ocupou a claro que não houve distinção social real entre anafêmeas 9k9 e anamachos
~orno observei anteriormente, 9k9. Além disso, por causa da natureza coletiva do contrato de casamento,
)mo "maridon in1põcm cons- era possível imaginar um relacionamento conjugal que excluísse o sexo -
parte da concepção iorubá e, outros direitos e responsabilidades eram primordiais.
tiva para a tradução dos ter- A hierarquia no interior da linhagem foi estruturada sobre o conceito
roprietária(o)/nativa(o) e não de senioridade. Nesse contexto, a senioridade é melhor entendida como
lé como um espaço físico e o uma organização operando sob o princípio de quem für o primeiro a che-
-forasteira era hierarquizada, gar, será o primeiro a ser servido. Uma "prioridade por reivindicação" 38 foi
o privilégios superiores. Uma estabelecida para cada recém-chegada(o), se cla(ele) entrou na linhagem
vive na casa do cônjuge. Este por nascimento ou por casamento. A senioridade baseava-se na ordem de
1miliar na definição do status nascimento para 9m9-ilé e na ordem de casamento para aya-ilé. As crianças
·a a linhagem, e não o gênero, nascidas antes de uma determinada aya se juntar à linhagerr1 estavam em
1 e casamento para aya. Como posição mais elevada que a dela. As crianças nascidas depois que uma aya
idental, optei por usar os ter- se juntou à linhagem foram classificadas como inferiores; para este grupo,
Lnte1 o sexualmente específico ela não era aya, e sim fyá (rnãe). É significativo notar que a classificação de
uma aya dentro da linhagem era independente da posição de seu cônjuge.

81
Por exemplo, se um membro antigo se casava com uma qya depois que enquanto eles se scntam.)'J 0 É
sua própria prole se casou, ela (a aya do pai) ocupava uma posição mais sas" é automaticamente univt
baixa que as aya de todos os descendentes, porque elas a precedera111 na as, enquanto o termo "homer
linhagem. Isto ocorria independentemente do fato de que ele, como um nas sociedades ocidentais. Co
membro idoso da linhagem, ocupava uma posição mais alta que a de todos significados dessas categorias
os outros. Este fato novamente mostra que a posição de cada pessoa foi Tal afirmação falha em apon
estabelecida de forma independente e ressalta minha sinalização de que o <luzido aqui como "111arido").
te111po de entrada no clã, e não o gênero, determina a classificação. Portanto, a situação descrita I

A hierarquia dentro da linhagem não desmoronou ao longo das li- de hierarquia de gênero, com,
nhas anassexuais. Embora as fêmeas que se unissem à linhagem como aya tais como ajoelhar, mencion:
estivessem em desvantagem, outras anafêmcas que eram integrantes da por qya para as 9k9 anafê.mea
linhage111 por nascimento não sofriam tal desvantagem. Então, seria in- via de regra. Outra advertê1
correto dizer que as fêmeas anatômicas dentro da linhagem eram subor- 'mi (literalmente, meu 9k9) cc
dinadas porque eram fêmeas anatômicas. Apenas as aya que chegavam na crianças, significando que est
linhagem pelo casamento eram vistas como forasteiras e subordinadas a pertenciam à sua linhagem C(

nativas(os) 9k9. 9k9 compreendia todas(os) 9m9-ilé, anamachos e anafêmeas, Em um estudo baseado
incluindo crianças que nasceram antes da entrada de uma determinada usando um arcabouço í'emin
aya na linhagem. Em certo sentido, as aya perderam sua idade cronológi- bordinadas aos anamachos. f
ca e entraram na linhagem como "recém-nascidas", mas sua classificação de obinrin como un1a submiss
melhora com o tempo em relação a outros membros da linhagem que nas- culinas. Ela então postula un
ceram depois que esta aya entrou na linhagem. Este fato se encaixa mui- cultural de que "as mulheres
to bem com a ideia da cosmologia iorubá de que até pessoas atualmente interpreta mal o que quer gu
recém-nascidas já existiam antes de decidirem nascer em uma linhagem cula aqui é de sua própria re:
específica. Então, o determinante para todos os indivíduos na linhagem foi e a autoridade, como demons
quando a presença deles foi registrada. A organização era dinâmica, não de corpo (mais comumente
congelada como as organizações de gênero costumam ser. terpretação de Barncs do pr
Neste contexto, a seguinte declaração da antropóloga Michelle Rosal- (Se um home111 vê uma cobr
do é enganosa e uma distorção da realidade iorubá: "Em certas sociedades é que a cobra esteja morta),
africanas, como as iorubás, as mulheres podem controlar boa parte da igualdade de gênero, 41 é sim
oferta de alimentos, acumular dinheiro e negociar em mercados distantes atemporal. Uma leitura mai
e importantes; contudo, quando se aproximam de seus maridos, as esposas categorização de gênero e Sl

devem fingir ignorância e obediência, ajoelhadas para scn,rir os homens clamações contínuas sobre as

88
-
wa com uma qya depois ~~ê-- enquanto eles se sentam. " 39 É óbvio nesta afirmação que a palavra "espo-
sas" é automaticamente universalizada para se referir a todas as anafême-
i) ocupava uma posição mais
porque elas a precederam na as, enquanto o termo "homens)) é usado como sinônimo de maridos, como
do fato de que ele, como um nas sociedades ocidentais. Como explicado anteriormente, esses não são os
>sição mais alta que a de todos significados dessas categorias na linguagem e na estrutura social iorubás.
a posição de cada pessoa foi Tal afirmação falha em apontar que, no contexto iorubá, o termo 9k9 (tra-
ta minha sinalização de que o duzido aqui como "marido") engloba tanto anamachos quanto anafêmeas.
termina a classificação. Portanto, a situação descrita na citação não pode ser entendida cm termos
desmoronou ao longo das li- de hierarquia de gênero, como Rosaldo o fez. De fato, as mes1nas cortesias 1
unissem à linhagem como aya tais como ajoelhar, mencionadas na passagem acima, foram concedidas
leas que eram integrantes da por crya para as 9k9 anafêmeas, membras de suas linhagens conjugais, por
iesvantagem. Então, seria in- via de regra. Outra advertência interessante é que as mães usavam 9k9
l.tro da linhage1n eram subor- 'mi (literalmente, rneu 9k9) como um termo carinhoso para suas próprias
Jenas as aya que chegavam na crianças, significando que estas, ao contrário de si mesmas, eram nativas e
) forasteiras e subordinadas a pertenciam à sua linhagem conjugal.
!e-ilé, anamachos e anafêmeas, Em um estudo baseado em Lagos, a antropóloga Sandra T. Barnes,
entrada de uma determinada usando um arcabouço feminista, supõe que as anafemeas iorubás são su-
,erderam sua idade cronológi- bordinadas aos anamachos. Assim, ela interpreta o diferimento observado
1scidas'\ mas sua classificação de obinrin como uma submissão em relação às figuras de autoridade mas-
1embros da linhagem que nas- culinas. Ela então postula uma contradição entre sua observação e o ethos
em. Este fato se encaixa mui- cultural de que "as mulheres são tão capazes quanto os homens". 40 Barnes
le que até pessoas atualmente interpreta mal o que quer que tenha observado. O paradoxo que ela arti-
·em nascer em uma linhagem cula aqui é de sua própria responsabilidade, já que, até hoje, a hierarquia
; os indivíduos na linhagem foi e a autoridade, como demonstrei consistentemente, não dependern do tipo
rganização era dinâmica, não de corpo (mais comumente conhecido como gênero). Além disso, a in-

costumam ser. terpretação de Barnes do provérbio B~kllnrin rijà tobinrin paà, kijà [áá ti kú
a antropóloga Michelle Rosal- (Se um homem vê uma cobra e uma mulher mata a cobra, o importante
iorubá: 1'Em certas sociedades é que a cobra esteja morta), que ela cita como prova da cultura ethos de
odem controlar boa parte da igualdade de gênero,+ 1 é simplista porque ela assume que o provérbio é
~gociar ern mercados distantes atemporal. Uma leitura mais atenta do provérbio sugere a presença de
am de seus maridos, as esposas categorização de gênero e sugere uma contestação, se quisermos, de re-
:lhadas para servir os homens clamações contínuas sobre as capacidades de 9kllnrin e obz'nrin. Uma leitura

89
mais contextualizada colocaria o provérbio no contexto histórico das re- anos de matrimônio e perm
centes transformações coloniais em que, em certos círculos, interesses de rin adultas da linhagem erar
:1
i grupos estão sendo apresentados no idioma do gênero. Se a integrante anafên
Dentro da linhagem, anamachos e anafêmeas compunham a categoria nhagem, ela estaria no ápic1
de membros chamada 9k9, mas a categoria crya parecia ser limitada apenas a 9m9-ilé e sua prole em suas I:
anafêmeas. Além da linhagem, no entanto 1 esse não era o caso. Devotas(os) de que a patrilocalidadc nãc
dos orixás (divindades) eram referidas(os) como aya da(o) orixá particular a muitos casamentos. E1n mu:·
quem se devotavan1. Devotas(os) eram aya de um orixá particular porque não se deslocava necessaria
este gozava do direito de propriedade/filiação, assim como os membros de após o casamento. Samuel}
uma linhagem desfrutavam do direito de filiaç,ão vis-à-vis no casarnento de cimentos nobres se casarian
aya. As(os) devotas(os) eram forastciras(os) ao santuário, que era o lar do educados em sua própria ca
orixá. De fato, S. O. Babayemi, historiador social iorubá, observando os totem". 44 Da mesma forma:
devotos da divindade Xangô, observa que os cultuadores masculinos, "como
se a família da mãe é influer
os membros femininos ... , são referidos como esposas de Xangô".· 12
do que para o próprio pai. (
A elucidação precedente da ocorrência da categoria social de ªJ'ª mome-nto um homem se ser
anamacho no campo religioso não deve ser desconsiderada relegando-a família estendida, ele seria
somente a esse domínio. A sociedade iorubá não era e não é secular; a mãe.+5
religião era e é parte do tecido cultural e, portanto, não pode ser confinada
Embora Fadipe tenha
a um único domínio social. Como observa Jacob K... Olupona, o historia-
na família de sua mãe são t
dor da religião: "A religião africana, como outras religiões primordiais,
seu pai, o fato de certas lin·
expressa-se em todos os idiomas culturais disponíveis, como música, artes,
u111a mãe fundadora sugere
ecologia. Como tal, não pode ser estudada isoladamente de seu contexto
Alé1n disso, existem figuras
sociocultural" . 43
Dentro da linhagem, a autoridade vai de quem tem mais idade para
de Ibadan que, no século :X
sas. Ela ascendeu a essa pc
quem tem menos, estando no comando a pessoa mais antiga da linhagem.
Porque, em geral, a maioria das anafêmeas adultas _om,o-ilé eram considera- liderança da linhagem Olu'.
1nento de sua màe.·l-fi No per
das casadas e residentes em suas habitações conjugais, há uma tendência
na literatura em entender que o membro mais antigo e de mais autorida- eia pessoal e pesquisa corro

de da linhagem era invariavelmente um _okilnrin. Isso não está correto por conduziu seu estudo em A
vários motivos. A instituição cultural do ilémosú referia-se à presença de 1960. Sudarkasa escreve:
anafêmeas adultas 9m_o-ilé em suas linhagens natais. 1/imosú foi associado Quando um h01~~;--;;--(riai
com o retorno a linhagens natais de uma fêmea 9m9-ilé depois de muitos filhos, ele geralmente é cor

90
no contexto histórico das re- anos de matrimônio e permanência em suas habitaçhes conjugais. As obin-
certos círculos, interesses de rin adultas da linhagem eram conhecidas coletivamente como o vrn9-0Jú.
lo gênero. Se a integrante anafêmea fosse a pessoa mais velha presente na li-
neas compunham a categoria nhagem, ela estaria no ápice da autoridade. A presença de uma anafêmea
parecia ser limitada apenas a pm9-ilé e sua prole em suas linhagens natais não era incomu111, dado o fato
se não era o caso. Devotas(os) de que a patrilocalidade não era universal nem um estado permanente cm
10 aya da(o) orixá particular a muitos casamentos. Em muitas linhagens privilegiadas, a anafêmea 9m9-ilé
; um orixá particular porque não se deslocava necessariamente para suas linhagens conjugais, mesmo
>, assim como os membros de após o casamento. Samueljohnson observou que "algumas garotas de nas-
ção vis-à-vis no casamento de cimentos nobres se casariam abaixo de sua posição, mas teriam seus filhos
, santuário, que era o lar do educados em sua própria casa, e entre os filhos de seu pai, e adotariam seu
social iorubá, observando os totem". 44 Da mesma forma, N. A. Fadipe reconheceu que
Jltuadores masculinos, "como
se a família da mãe é influente, uma criança pode se inclinar mais para o tio materno
~sposas de Xangô". 42
do que para o próprio pai. Quer a família da mãe seja influente ou não, se em algum
L da categoria social de qya momento um homem se sentisse fisicamente ou psicologicamente fora de sua própria
desconsiderada relegando-a família estendida, ele seria bem recebido na habitação ocupada pela família de sua
í não era e não é secular; a mãe_.1s
anto, não pode ser confinada
Embora Fadipe tenha argumentado que os direitos de uma pessoa
1cob K. Olupona, o historia-
na família de sua mãe são um pouco mais limitados do que na família de
outras religiões primordiais,
seu pai, o fato de certas linhagens traçarem sua ancestralidade através de
)uníveis, como música, artes,
uma mãe fundadora sugere que há motivos para contestar essa afirmação.
;oladamente de seu contexto
Além disso, existem figuras históricas como Efún0etán Anívvúrà, a Ialodê
de Ibadan que, no século XIX, era uma das chefas políticas mais podero-
~ quem tem mais idade para
sas. Ela ascendeu a essa posição de preeminência por ter reivindicado a
ma mais antiga da linhagem.
liderança da linhagern OluyQlé, que era, na verdade, a linhage1n de nasci-
lultas 9m9-ilé eram considera-
mento de sua mãe. 1 (i No período contemporâneo, minha própria experiên-
:onjugais, há uma tendência
is antigo e de mais autorida- cia pessoal e pesquisa corroboram as descobertas de Niara Sudarkasa, que
1·in. Isso não está correto por conduziu seu estudo em Aáw~, urna cidade de Oyó, no início dos anos
wsú referia-se à presença de 1960. Sudarkasa escreve:
natais. llémosú foi associado Quando um homem é criado na habitação de sua mãe e mora lá com suas esposas e
nea 9m9-ilé depois de muitos filhos, ele geralmente é considerado parte do núcleo masculino da casa, embora ele

91
pertença à linhagem de seu pai. É o caso de um homem na casa dos sessenta anos, ao aláàfin, e exercia o podei
cujo pai habita Ile Alaran no bairro de Odofin, mas vive na habitação de sua mãe (Ile chefia familiar no território
Alagbç:dç:) desde que era muito jovem. Este homem é um membro da linhagem de
de fato e de direito, e que e
seu pai, ele tem direitos de propriedade que resultam da adesão ao idilc, e seus filhos
a linhagem era segmentada
adultos podem construir casas na terra em lle Alaran. No entanto, este homem cons-
truiu uma casa de dois andares em Ile Alagbç:dç: e é o homem mais influente naquela tigeracional, no qual uma ,
habitação. Ele é referido pelos membros como o Bale ... Sempre que um membro do flitantes e individuais, era r
Ile Alagb~d~ estiver envolvido em uma disputa com uma pessoa de outra habitação, individual é mais enganosa
é com homem que o Bale da outra habitação buscaria a solução do problemaY poder estava localizado em
Não obstante o fato de que, na literatura, a cabeça da família é ge- a identidades de papéis soe
ralmente descrita como baále (o anamacho mais velho), há linhagens até indivíduo, dependendo da ,
hoje que são lideradas por anafêmeas. Em Ógb9m9s9, em 1996, havia
duas chefas de aldeias - Baál~ Máyà e Baále Àróje - representando suas DESCENDÊNCIA: AGIIIÁTICA
linhagens e possuindo os títulos hereditários. Essas anafêmeas foram as Houve considerável discus:
primeiras cidadãs de ambas as linhagens e da aldeia. É, então, uma de- Várias pessoas que realize
turpação grosseira assumir que a anatomia necessariamente definiu a li-
padrão de linhagem corno
nha de autoridade no interior da linhagem. Os residentes mais antigos
balharam seus aspectos cc
da linhagem eram geralmente as fyá - as mães da linhagem. Essas eram
própria pesquisa. Eades ta
as velhas mães que geralmente estavam em posição de autoridade sobre
de descendência é agnáticc
seus(suas) descendentes, incluindo qualquer baálé que fosse de sua prole.
resultam do fato de que e
Elas eram conhecidas coletivamente como àwrn fyá (as mães), e nenhuma
análise "natural" sen1 olhai
decisão coletiva importante poderia ser tomada sem sua participação indi-
ta ao afirmar que, dentro ,
vidual e como grupo. Como geralmente eram as integrantes da linhagem
mentação - o agrupament
que viviam mais tempo, elas controlavam informações e carregavam a me-
que Felicia Ekejiuba cham,
mória da linhagem. Considerando que esta era uma sociedade baseada
composto de uma mãe e s1
na oralidade, pode-se começar a entender a importância de suas posições.
mesma mãe têm laços mais
A posição privilegiada ocupada por àwon iyá pode ser demonstrada
considerando o papel dominante das ayaba (mães do palácio) na política compartilham um pai corr
da Velha Oyó. O poder associado à longevidade foi institucionalizado no um relacionamento próxirr
papel da ayaba na hierarquia política de Oyó. Discutirei isso no próxinig__ Para voltar à socieda
capítulo, mas é importante notar aqui que seu poder derivou d,a eXÍJeriên- tema de herança fornecet
cia e da memória, "como muitas delas viveram durante o/rêfnado de dois do sistema de parentesco.
ou mais aláàfin". 48 A ayaba era a mais próxima, em te~s de autoridade, relações consanguíneas, n,
/
//
92
n homem na casa dos sessenta anos, ao aláàfin, e exercia o poder de governante na capital e nas províncias. A
nas vive na habitação de sua mãe (Ile chefia familiar no território Oyó não deve ser interpretada como liderança
mem é um membro da linhagem de
de fato e de direíto, e que estaria no controle de todas as decisões. Como
iltam da adesão ao idile, e seus filhos
a linhagem era segmentada e era um grupo de múltiplas camadas e mul-
laran. No entanto, este homem cons-
e é o homem mais influente naquela tigeracional, no qual uma variedade de interesses coletivos, às vezes con-
i Bale ... Sempre que um membro do flitantes e individuais, era representada, a noção de uma chefia de família
com uma pessoa de outra habitação, individual é mais enganosa do que elucidadora. No agbo ilé (habitação), o
Llscaria a solução do problema.+7 poder estava localizado em uma multiplicidade de locais, e estava ligado
1ra, a cabeça da família é ge- a identidades de papéis sociais que eram múltiplas e mutáveis para cada
mais velho), há linhagens até indivíduo, dependendo da situação.
, àgbç,m9s9, em l 996, havia
1~ Arój, - representando suas DESCENDÊNCIA: AGNÁTICA OU COGNÁTICA? 49
os. Essas anafêmeas foram as Houve considerável discussão sobre a natureza da descendência iorubá.
da aldeia. É, então, uma dc- Várias pessoas que realizaram pesquisas antropológicas descreveram o
L necessariamente definiu a li-
padrão de linhagem como patrilinear. No entanto, Johnson e Fadipe tra-
n. Os residentes mais antigos
balharam seus aspectos cognáticos; suas obras são apoiadas por minha
riães da linhagem. Essas eram
própria pesquisa. Eades também problematiza a ideia de que o sistema
1 posição de autoridade sobre
de descendência é agnático, postulando que os equívocos dos estudiosos
r baále que fosse de sua prole.
resultam do fato de que eles veem a patrilinhagem como a unidade de
àwpn fyá (as mães), e nenhuma
análise "natural" sem olhar para a dinâmica intradomiciliar. 50 Eades acer-
ada sem sua participação indi-
ta ao afirmar que, dentro do agregado familiar, há um alto grau de seg-
1m as integrantes da linhagem
mentação -- o agrupamento primário é o pm9-DJá. 51 Isto é semelhante ao
formações e carregavam a me-
que Felicia Ekejiuba chama de "núcleo doméstico,' 52 na sociedade Igbô; é
a era uma sociedade baseada
composto de uma mãe e sua prole. Na Iorubalândia, pessoas nascidas da
importância de suas posições.
mesma mãe têm laços mais fortes, e muitas vezes meias(os)-irmàs(ãos) (que
npn fyá pode ser demonstrada
(mães do palácio) na política compartilham um pai comum) não se unem tanto se suas mães não têm
idade foi institucionalizado no um relacionamento próximo.
yó. Discutirei isso no próximo Para voltar à sociedade da Velha Oyó, podemos dizer que o sis-
eu poder derivou da experiên- tema de herança forneceu fortes evidências para a natureza cognática
-am durante o reinado de dois do sistema de parentesco. Uma vez que apenas se herda em função de
na, em termos de autoridade, relações consanguíneas, nem pk9 nem aya herdaram propriedades entre

93
si. Irmãs(os) e prole de anamachos e anafêmeas eram as(os) principais família do noivo conferia aces~
beneficiárias(os). Portanto, era necessário que as crianças conhecessem tos sobre a pessoa ou o trabalr
suas relações de ainbos os lados. O forte tabu do incesto também exigia de paternidade de modo algur
a conscientização dos laços de parentesco nos lados materno e paterno à prole. A aparente nccessidad,
da família. paternidade refletia não o dm
O foco na patrilinhagem por pessoas que realizam pesquisas antro- das mães sobre sua prole.
pológicas é de particular i1nportância na desconstrução da imposição de O arranjo contratual char
gênero na sociedade iorubá. A patrilinhagem concentra-se apenas no pa- so, já que, muitas vezes, inclulê
pel das anaÍemeas como qya (que, na realidade, era apenas um papel entre uma troca de presentes e vári
muitos que elas cumpriam na antiga sociedade Oyó), ignorando seus pa- tre as duas linhagens. A jorna
péis como pmp-ile (membros da linhage111). Como o casamento não levou descrita como z)4_yàzoó (a const
à filiação, devemos prestar muita atenç.ão à linhagem de nascin1ento, que linhagem da noiva. Pela perce
permaneceu como a principal fonte vitalícia de identidade social, acesso referenciada como o igbefJàroó (
e apoio material e outros. De fato, a prole de mna anafêmca retinha seus vada para a entrada da linhage
direitos e obrigações sobre habitação natal materna, quer ela fosse casada que eram, portanto, 1nais jove1
ou não, na medida em que sua prole pudesse reivindicar propriedade na tava a natureza coletiva do cas;:
habitação ou ter acesso à terra invocando os direitos de sua mãe. Embo- envolvendo diferentes membro
ra uma anafêmea fosse uma aya (residente por casamento) e, gerabnentc, "noiva", embora no período e
também urna fyá (mãe) em sua linhagem conjugal, ela era, antes de tudo, de aya, referindo-se a uma espo
uma amo (prole/membro da linhagem) e uma oko (proprietária/membra) No dia do casamento, a nc
cm sua casa natal, o que lhe deu acesso aos seus meios de produção. Não portância da mudança iminent,
olhar para os diferentes papéis e posição de anafêrneas dentro das relações era simbolizada na dramatizaç,
produz um quadro impreciso. ções de uma noiva. Aqui está u

Como se impede a desonra, cria


CASAMENTO: UM ASSUNTO DE FAMÍLIA Como se protege contra comete

Na sociedade Oyó-Iorubá, o casamento era essencialmente mna relação Quando alguém chega na casa e

entre linhagens. Contratualmente, formalizava a atribuição dos direitos de Como se protege contra comete

paternidade da linhagem do noivo à prole nascida no decorrer do casa- Então, aqvela que se comporta e

mento. E1n troca desse direito, bens e serviços eram transferidos da linha- Que quando alguém é solicitado
gem do noivo para a da noiva. Os bens eram dados como dote, enquanto Isso exige maturidade mental,
os serviços eram prestados ao longo da vida. O pagamento do dote pela Não se comporta como uma cri2

94
êmeas era1n as(os) pnnc1pa1s família do noivo conferia acesso sexual e paternidade. Não conferia direi-
::i_ue as crianças conhecessem tos sobre a pessoa ou o trabalho da noiva. O estabelecimento dos direitos
bu do incesto também exigia de paternidade de modo algum deslocou o direito da mãe e sua linhagem
nos lados materno e paterno à prole. A aparente necessidade de estabelecer publicamente os direitos de
paternidade refletia não o dornínio paterno, mas a garantia dos direitos
1ue realiza1n pesquisas antro- das mães sobre sua prole.
:sconstrução da imposição de O arranjo contratual chamado casamento envolvia um longo proces-
n concentra-se apenas no pa- so, já que, muitas vezes, incluía um período de noivado. Era marcado por
:ic\ era apenas um papel entre uma troca de presentes e várias cerimônias reconhecendo a relação en-
1de Oyó), ignorando seus pa- tre as duas linhagens. A jornada da noiva para a habitação do noivo foi
=:omo o casamento não levou descrita como (s€)!àwó (a construção da noiva), a partir da percepção da
linhagem de nascimento, que linhagem da noiva. Pela percepção da linhagem do noivo, a jornada fr>i
1 de identidade social, acesso referenciada como o igbéyàwó (o deslocamento da noiva). A noiva era le-
e uma anafêinea retinha seus vada para a entrada da linhagem pelas aya relativamente recém-chegadas,
1aterna, quer ela fosse casada que eram, portanto, mais jovens na hierarquia. 53 Esse ato singular ressal-
;e reivindicar propriedade na tava a natureza coletiva do casamento e a responsabilidade compartilhada
s direitos de sua mãe. Embo- envolvendo diferentes membros e habitantes da linhagem. Íyàwó significa
,or casamento) e, gerahnente, "noiva" 1 embora no período contemporâneo tenha se tornado sinônimo
1jugal, ela era, antes de tudo, de aya, referindo-se a uma esposa anafêmea.
1a oko (proprietária/membra) No dia do casamento, a noiva exibia sua aflição, que ressaltava a im-
seus meios de produção. Não portância da mudança imjnente em seu arranjo de moradia. Sua agitação
nafêmcas dentro das relaç,ões era simbolizada na dramatização do çkún fyàwó, literalmente, as lamenta-
ções de uma noiva. Aqui está um exemplo:

Como se impede a desonra, cria de Lalonpe?


Como se protege contra cometer erros,

essencialmente uma relação Quando alguém chega na casa do marido?

.ra a atribuição dos direitos de Como se protege contra cometer erros,

1ascida no decorrer do casa- Então, aquela que se comporta como uma adulta?
is eram transferidos da linha- Que quando alguém é solicitado a fazer algo
1 dados como dote, enquanto Isso exige maturidade mental,
. O pagamento do dote pela Não se comporta como uma criança?"4

95
Como um coletivo, a linhagem da nmva ocupava posição mais alta vitalícios que o noivo devia
que a do noivo no intercurso social porque, de acordo com a concepção mente pai e mãe. N. A f;
cultural, o prünciro havia feito ao segundo o favor de fornecer acesso à fi- descreve o escopo das abri~
liação por meio da prole dela. Essa era a razão pela qual todos os membros
Entre as- muitas obriga\'Ôt'
da família da aya podiam ter e mereciam a reverência do 9k9 conjugal e de
foram assumidas dirctarne
membros de sua linhagem.
rios tipos que podem ser c1
O objetivo único do dote era conferir direitos sexuais e de paternidade) anualmente; (2) aqueles Cl\
e não direitos à pessoa da noiva, sua propriedade ou seu trabalho. É impor- de ocorrência não pode sc1
tante notar que não houve acesso de anamachos à paternidade sc1n assumir eram conhecidas, mas que
obrigações maritais. 1\las a paternidade era possível sem o envolvimento cias fora do controle de qu,
conjugal sexual - mesmo os parceiros conjugais impotentes podiam ser pais) podiam se-r previstas, mas e
dos pais da noi\·a ou de ot
desde que tivessem passado pelo processo conjugal, culminando no paga-
gramadas de acordo com (
mento do dote. No caso de impotência do parceiro conjugal sexual, a qya
sua menoridade.57
poderia ter relações sexuais com um membro da família ou um forasteiro.
A prole seria considerada de seu companheiro, visto que a paternidade não Embora os casamento
dependia de ser o pai biológico. O casamento) portanto, era de smna impor- representava o idimna dom
tância para os 9kUnrin, já que sem isso os direitos de paternidade não podiam ceituado. De fato, os casan
ser estabelecidos. Sua prünazia pode ser discernida nos seguintes versos do conjugais representavam ar
corpus Há, no qual o tema da "ausência de esposa') é predominante: que todas as aya de uma linl
A divinação If3 foi realizada para Eji Odi, quia e cm relação mnas co
Que iria ao mercado de Ejigbornekun, que todas eram casadas cor

Chorando porque ele não tinha esposa.


a natureza coletiva do casa
tido e1n um casamento pm
Eji Odi foi instruído a realizar sacrifícios. 55
sexual de qualquer aya parti
Outro verso diz: em fazer um bom enlace l
A di\'inação Irá foi realizada para Orumilá ria introduzir doenças here

Quando ele estava praticando divinação sem uma esposa.


de casamento ou de sua pi
causa do sistema de lcvirat
Ek pode-ria ter uma esposa?
outro membro da família
Foi por isso que ele realizou a divinação. ;;i;
transferência que só ocorri
Além do t'dáàna (pagamento do dote), o serviço da noiva era também tinha interesse semelhante, l
uma característica dos casamentos em Oyó. Denotava os bens e serviços viúva, cujos aspectos sexua

96
va ocupava posição mais alta vitalícios que o noivo devia fornecer à parentela legal da noiva, principal-
, de acordo com a concepção mente pai e mãe. N. A. Fadipe, escrevendo há mais de cinquenta anos)
) favor de fornecer acesso à fi- descreve o escopo das obrigações de serviço da noiva:
lo pela qual todos os membros
Entre as muitas obrigações de um homem para com a família de sua 1101va, que
cverência do pke conjugal e de
foram assumidas diretamenle no noivado formal do casal, estavam serviços de vú-
rios tipos que podem ser classificados da seguinte forma: ( 1) aqueles que se repetem
Titos sexuais e de paternidade, anualmente; (2) aqueles cuja natureza e extensão eram conhecidas, mas cujo tempo
\ade ou seu trabalho. É impor- de ocorrência não pode ser facilmente previsto; (3) aqueles cuja natureza e extensão
hos à paternidade sem assumir eram conhecidas, mas que eram de caráter contingente, dependendo de circunstân-
possível sem o envolvimento cias fora do controle ele qualquer elas partes; (4) aqueles cuja natureza e extensão não

lls impotentes podiam ser pais, podiam ser previstas, mas que eram as consequências de um curso de ação por parte
dos pais da noiva ou de outros membros de sua família; e (5) obrigações fixas pro-
)njugal, culminando no paga-
gramadas de acordo com o critério do parceiro masculino ou seus parentes duranlc
Jarceiro conjugal sexual, a aya
sua menoridadc. 57
o da fa1nília ou um forasteiro.
o, , 'isto que a paternidade não Embora os casamentos monogâmicos fossem a nonna 1 a poliga1nia
, portanto, era de suma impor- representava o idioma dominante por meio do qual o casamento era con-
os de paternidade não podiam ceituado. De fato 1 os casamentos cm que havia múltiplas(os) parceiras(os)
ernida nos seguintes versos do conjugais representavam apenas uma fração da população. J\fas o fato de
Josa" é predominante: que todas as aya de uma linhagem eram classificadas em uma única hierar-
quia e em relação umas com as outras como co-qya dava a impressão de
que todas eram casadas com um único parceiro conjugal. Tendo dito isso,
a natureza coletiva do casa1nento era ressaltada pelo interesse real n1an-
tido em um casamento por 9m9-ilé que eram mais jovens que o parceiro
sexual de qualquer qya particular. Os membros da família tinha1n interesse
em fazer um bom enlace porque o casarnento na família errada pode-
ria introduzir doenças hereditárias na família, e isso afetaria suas chances
de casamento ou de sua prole. Um bom casamento era importante por
na esposa.
causa do sistema de levirato - a transferência ele direitos da viúva para
outro membro da família após a morte do seu parceiro conjugal (uma
transferência que só ocorria se a viúva consentisse). A 9m9-ilé anafêrnea
serviço da noiva era também tinha interesse semelhante 1 porque ela também podia herdar os direitos da
Denotava os bens e serviços viúva, cujos aspectos sexuais poderiam ser transferidos para sua própria

97

<·co.'1,?aeoc'i'i,'áCtt'"·'ee,.ó.~"'A"-'-'DRUl'.illIT
prole-anamacho, se a viúva aceitasse tal acordo. Além do simbólico, come- dela para quebrar o tabu. A rn
çamos a entender a extensão do interesse coletivo, individual e muito real por-se à sua aya é, na melhor e
mantido por todos os membros da linhagem na aya-ilé. 58 brar que o casal não comparti]
O interesse pela poligamia estava diretamente relacionado à necessi- te compartilhado com seus fiff
dade e importância de procriar e salvaguardar a saúde da prole. A prin- disso, os quartos eram muito p
cipal razão para o casamento foi a procriação. Se o casamento satisfazia na varanda. Assim, havia rela1
outras necessidades da sociedade da Velha Oyó, elas eram secundárias. As de teria sido uma condição ne,
crianças eram consideradas ire (bênçãos, o bem). Elas eram a raison d'être conjugal. Consequentemente,
definitiva da existência humana. 59 Portanto, a estabilidade do casamen- ras feministas de que o casam
to repousava sobre a produção da prole e a manutenção de sua sobrevi- interesse dos homens como pr
vência. Para a noiva, o direito de se tornar mãe superava todas as outras cultural. Em vez disso, foram
preocupações no casamento. Se um casamento não se tornar fecundo nos rantir a sobrevivência das criai
primeiros anos, uma fêmea pode ficar preocupada e partir. Como era im- precoce para uma nova mãe e
portante dar à luz, uma vez que as crianças nasciam, sua sobrevivência A atitude geral das obinrii
tornava-se primordial e subsumiu quaisquer outros interesses que fossem vel a simplesmente tolerá-la,
percebidos como conflitantes. Consequentemente, a nova mãe praticava a seus beneficios. Era do inten
abstinência pós-parto - abstendo-se de relações sexuais desde a gravidez comitiva de aya-ilé para convo
até o momento em que a criança era desmamada (dois a três anos), pois respeito, em particular, a pol
se acreditava que a atividade sexual e a gravidez precoce colocariam em determinado pela reciprocida
risco a vida da criança. O novo pai poderia ter relações sexuais se tivesse indivíduo oko. Também era d,
outras parceiras conjugais. um casamento polígamo, porc
Não há dúvida de que a abstinência pós-parto foi respeitada. Há estu- sobre a aya mais nova no casa
dos empíricos suficientes - mesmo no período mais recente, quando a prá- aya iniciasse o processo de pol
tica não é tão comum - para mostrar que todos a consideravam imperativa via isso como contrário ao st
para a sobrevivência da criança. 60 Além dessa preocupação, havia razões ções são explícitas na respost,
estruturais para a abstinência. A estrutura da habitação e a alocação de Óke Màpó, a quem entreviste
espaço nessa arena densamente povoada significavam que não havia priva- que algumas pessoas acham q
cidade, especialmente porque, em geral, os interesses pessoais não podiam aya, ela disse o seguinte:
ser separados dos interesses coletivos.
Eyin alákàwé, ~ lún dé mlu. B~e
Como uma ilustração dos possíveis dilemas de viver tão perto de suas P?i ni? $'frr ríi, olwn lfr )in nró llll,

relações, vamos supor que um parceiro conjugal estava achando dificil se ~e, kín ló lún kii.? Okunrin a 1ÍJC b
abster de sexo com a nova mãe. No mínimo, ele precisaria da cooperação won tira gbá-gbá?

98
do. Além do simbólico, come- dela para quebrar o tabu. A noção de que o parceiro conjugal poderia im-
letivo, individual e muito real por-se à sua aya é, na melhor das hipóteses, muito delicada. Devemos lem-
na aya-ilé. 58 brar que o casal não compartilhava quartos; o quarto da aya era geralmen-
tmente relacionado à necessi- te compartilhado com seus filhos e outras pessoas sob seus cuidados. Além
dar a saúde da prole. A prin- disso, os quartos eram muito pequenos; muitos membros da casa dormiam
ão. Se o casamento satisfazia na varanda. Assim, havia relativamente pouca privacidade, e a privacida-
)yó, elas eram secundárias. As de teria sido uma condição necessária para quebrar tabus ou p ara o abuso
bem). Elas eram a raison d'être conjugal. Consequentemente, a ideia predominante em algumas literatu-
), a estabilidade do casamen- ras feministas de que o casamento foi estabelecido universalmente com o
L manutenção de sua sobrevi- interesse dos homens como primordial61 não é confirmada nesse contexto
mãe superava todas as outras cultural. Em vez disso, foram estabelecidos casamentos iorubás para ga-
11to não se tornar fecundo nos rantir a sobrevivência das crianças, e a cultura concebeu a atividade sexual
upada e partir. C omo era im- precoce para uma nova mãe como perigosa para a criança.
LS nasciam, sua sobrevivência A atitude geral das obi.nrin a respeito da poligamia variou de desejá-
r outros interesses que fossem vel a simplesmente tolerá-la, uma tolerância baseada na apreciação de
nente, a nova mãe praticava a seus beneficias. Era do interesse das 9m9-ilé anafêmeas ter uma grande
ções sexuais desde a gravidez comitiva de aya-ilé para convocar quando a ajuda fosse necessária. A esse
amada (dois a três anos), pois respeito, em particular, a poligamia foi um privilégio não generificado,
.videz precoce colocariam em determinado pela reciprocidade estabelecida entre cada indivíduo qya e
ter relações sexuais se tivesse indivíduo oko. Também era do interesse de wna aya mais velha estar em
um casamento polígamo, porque a responsabilidade do cozimento recaía
-parto foi respeitada. Há estu- sobre a aya mais nova no casamento múltiplo; portanto, era comum que
o mais recente, quando a prá- aya iniciasse o processo de poligamia para seu parceiro conjugal. Ela não
los a consideravam imperativa via isso como contrário ao seu interesse geral. Algumas dessas percep-
;sa preocupação, havia razões ções são explícitas na resposta que recebi de uma "mãe idosa", Àlàrí de
da habitação e a alocação de Óke Màpó, a quem entrevistei em Ibadan. Quando mencionei a ideia de
lificavam que não havia priva- que algumas pessoas acham que a poligamia é prejudicial ao interesse da
nteresses pessoais não podiam aya, ela disse o seguinte:

'1;:yin alákl}wé, e lún dé nuu. Bt_e náà l'~ wípé ay a gb9d1! bá 9ko da owó p1j. W9n a b{ w9n
mas de viver tão perto de suas pi) ni? $'é~ ríi, o/zun l~'yin nrõ un, àj~ b~e. Bórl} 9m9 bíbí bá li kúrõ nb_e, li 9k9 si ríJe, (ljÚfe
jugal estava achando dificil se ~e, kín ló lún ku? Ç)kiJ.nrin a TÍJe ryô lá ní láti máa fi sób~ lqjoojúm9 ndan? Kín laá wá fi gbé
,, ele precisaria da cooperação won tira gbá-gbá?

99
[Lá vai você sabida, de novo! (Referindo-se a meus títulos ocidentais). Outro dia
havia obrigações para com
vocês defendiam os méritos de ter finanças conjuntas com as do 9k9. Vocês nasceram
pode-se pedir que alguém e
juntos? (isto é, relações conjugais são consanguíneas?) Desde que uma obinrin satisfa-
ça sua necessidade de procriar e ele [o 9k9] cumpra suas obrigações, para que mais?
seu irmão ou irmã. Além d
9k9 não é o saJ que você usa em sua comida diariamente. Por que esse desejo de se egbé (associação da cidade),
prender cm um abraço sufocante?] Para muitas obz'nrin, a maior
aso (guarda-roupa) para set
Sua resposta ressalta uma série de pontos importantes: (!) a prole
descendentes anafêmeas. H
como o propósito supremo no casamento, e as crianças sendo a primeira
fyá adequadamente deveria
obrigação conjunta do casal; (2) a norma de separação das finanças de um
muitas mães estavam envoh
casal, mostrando que não há noção de propriedade conjugal; (3) o privi-
para sua descendência anafe
légio dos laços consanguíneos sobre os da conjugalidade; (4) urna visão da
eia anamacho. Nesse conte
monogamia como não intrinsecamente desejável ou positiva; (5) as lacunas
equilíbrio de uma multiplici
gcracionais na sociedade derivam principalmente da introdução do cristia-
Aya tinha sua propried
nismo e outras ideias e instituições ocidentais.
sência da noção de proprie
herança, as partes do casal
Jl.YJI EALGUNS ASPECTOS DA ESTRUTURA SOCIAL
outra, ressaltam a necessid~
Qualquer discussão sobre papéis sociais não estaria completa sem exami- de herança baseava-se na ic
nar algumas das ligações entre papéis familiares e estrutura social a par- poderiam gerar herança. Ir
tir da abordage1n de aya. No interior do casamento, as partes dos casais principahnente se beneficia,
tinham obrigações e certas expectativas mútuas. Nessa medida, tinham A divisão geral do trab,
reivindicações recíprocas sobre o trabalho e o tempo de cada uma. Ti- va, com pessoas mais joven:
nham responsabilidades diferentes para ambas as linhagens. A endogamia da limpeza após as refeiçõe:
da cidade era predominante, o que significava que era comum que uma obz'nrin em geral. Além disso
crya que se mudasse para a linhagem de seu parceiro visse membros de sua cava que um membro anafê
própria família diariamente. Com base na hierarquia de senioridade, o Portanto, era possível que 1

parceiro conjugal era mais elevado que sua aya no interior da linhagem, menta) nunca tivesse que cc
mas sua autoridade, assim como a autoridade de qualquer pessoa de mais qya com senioridade apropri
idade, era limitada. Ele não tinha controle sobre o trabalho da aya ou to polígamo, 63 a responsabil
sua propriedade. Todos os adultos tinham suas próprias obrigações que jugal passava para a aya ma
precisavam cumprir. Dentro das linhagens conjugais, essas responsabili- da poligamia para muitas a
dades incluíam contribuições monetárias e trabalhistas feitas pela qya-ilé Dada a dissociação entre se
(membro por casamento). Como um pmp-ilé, dentro de linhagens natais, ender que a cozinha fosse p:

100
meus títulos ocidentais). Outro dia havia obrigações para com membros da própria linhagem. Por exemplo,
untas com as do 9k9. Vocês nasceram
pode-se pedir que alguém contribua com as cerimônias de casamento de
lneas?) Desde que uma obinrin satisfa-
seu irmão ou irmã. Além da linhagem, muitas pessoas pertenciam a uma
1pra suas obrigações, para que mais?
iariamente. Por que esse desejo de se egbé (associação da cidade), que era uma maneira de estabelecer status.
Para muitas obinrin, a maior forma de acumulação era adquirir um grande
ª!9 (guarda-roupa) para seu próprio uso pessoal e, mais tarde, para suas
mtos importantes: (1) a prole
descendentes anafêmeas. Havia estilos particulares de tecido caro que uma
:: as crianças sendo a primeira
iyá adequadamente deveria ter em seus itélê àpótí (baús). 62 Ao longo da vida,
separação das finanças de um
muitas mães estavam envolvidas em um processo de acumulação de tecido
priedade conjugal; (3) o privi-
para sua descendência anafêmea e acumulando dotes para sua descendên-
Jnjugalidade; (4) uma visão da
cia anamacho. Nesse contexto, podemos começar a perceber o delicado
jável ou positiva; (5) as lacunas
equilíbrio de uma multiplicidade de interesses para qualquer pessoa.
nente da introdução do cristia-
Aya tinha sua propriedade e o parceiro conjugal tinha a dele. A au-
1s.
sência da noção de propriedade conjugal e o fato de que, no sistema de
herança, as partes do casal não poderiam herdar a propriedade uma da
CIAL outra, ressaltam a necessidade de que a qya fosse remunerada. O sistema
) estaria completa sem exami- de herança baseava-se na ideia de que apenas as relações consanguíneas
liares e estrutura social a par- poderiam gerar herança. Irrnãs(ãos) e prole de um falecido eram os que
1samento, as partes dos casais principalmente se beneficiavam.
útuas. Nessa medida, tinham A divisão geral do trabalho em domicílios foi baseada na idade relati-
e o tempo de cada uma. Ti- va, com pessoas mais jovens e prole geralmente tendo a responsabilidade
Jas as linhagens. A endogamia da limpeza após as refeições. Dentro da linhagem, crya cozinhava, e não a
ava que era comum que uma obinrin em geral. Além disso, o sistema de senioridade na linhagem signifi-
parceiro visse membros de sua cava que um membro anafêmea que não fosse qya não precisava cozinhar.
, hierarquia de senioridade, o Portanto, era possível que uma 9m9-ilé (membro da linhagem por nasci-
1 aya no interior da linhagem, mento) nunca tivesse que cozinhar se ela não quisesse. Da mesma forma,
de de qualquer pessoa de mais aya com senioridade apropriada não precisava cozinhar. En1 um casamen-
e sobre o trabalho da aya ou to polígamo, 63 a responsabilidade de servir a comida para o parceiro con-
suas próprias obrigações que jugal passava para a aya mais jovem. Esse era um dos principais atrativos
cm~jugais, essas rcsponsabili- da poligamia para muitas qya - que transferiam certas responsabilidades.
trabalhistas feitas pela aya-ilé Dada a dissociação entre senioridade e empregos servis, não é de surpre-
(é, dentro de linhagens natais, ender que a cozinha fosse passada para as mais novas.

101

a,•s.v,.F~""""'':,./JJ-3-JJZDJ;:;;;z; 4•-··»-~,;,,.,;a,s~•-->'·-~"-~-- t~"""""••·--~---•


A principal responsabilidade de uma qya era wá rij~ (arranjar comida) egbo,~!?~, ekuru e àkàrà vêm log
para seu parceiro conjugal. O uso do verbo wá (procurar, arranjar) em va ausente do cardápio de ryá ,
oposição a se (cozinhar) é instrutivo na compreensão do negócio da obten- Não é incomum o exemplo de
ção de refeições. É possível que fale do fato de que uma grande quantidade que aparece neste verso do cor;
de comida consumida foi comprada nas ruas e nos mercados da cidade.
A divinação de Ifá foi realizad,
Não está explícito quando exatamente a culinária profissional se desen-
Descendência de pessoas de bc
volveu na Iorubalândia, mas é provável que esteja ligada à urbanização.
Que cozinhava milho e feijão j
Nitidamente, no entanto, a prática de cozinhar alimentos para a venda
nas ruas tem uma longa história na região. Hugh Clapperton e Richard Ela acordava cedo de manhã

Landers, que visitaram Oyó na década de 1830, discutiram os vários tipos C horando porque lhe faltavam

de pratos cozidos que podiam comprar nos mercados. 64 Foi d ito a Àdukç que realizasse
Como aya estava muito ocupada e envolvida na busca de seus próprios E ela o fez.
meios de subsistência, grande parte da comida que era consumida diaria- Depois que ela realizou o sacri
mente não se originava na família; era comprada. A ideia de que uma qya Ela se tornou uma pessoa imp<
tinha que cozinhar para seu parceiro conjugal, portanto, precisa de quali- Teve dinheiro.
ficação. Como Sudarkasa observou: Todas as coisas boas que ela p1

Quando os homens trabalham nos campos ao redor das aldeias, para o café da ma- Foram alcançadas por ela.
nhã, eles comem ~kp ou akara, que compram com dinheiro ou a crédito das mulheres "Quando cozinhamos feijão e
que vendem nas proximidades das terras de cultivo. Para o almoço, alguns agricul-
Todas as boas coisas da vida e1
tores aferventam e comem uma ou duas fatias de inhame nos campos. Ocasional-
mente, as mulheres cozinham para seus maridos durante o dia, já que muitas vezes A necessidade de toda e ,
trabalham em lugares diferentes; os maridos não costumam esperar que suas esposas cumprir as obrigações familiai
preparem qualquer refeição, exceto aquela que comem no final da tarde, depois de
Portanto, a necessidade de ªJ
voltar dos campos. 65
tência foi reconhecida, proteg
Em geral, alguns pratos e refeições eram mais propensos a serem com- dos fatores que moldaram n~
prados do que outros. Por exemplo, 9kà (um prato a base de farinha de das prescrições, mas também ,
inhame) e ~k<J (um prato a base de farinha de milho) foram mais frequen- não só proporcionava uma oct
temente ligados ao verbo dá (cortar de uma grande quantidade) do que muitas mães de cozinhar, para
se (cozinhar). O café da manhã era geralmente comida comprada (não se engajar na agricultura e no
caseira), como as pessoas jovens e velhas l<J dá ~k9mu (conseguiam ~kf!). Cer- 4,ya não cozinhava em ca
tos pratos demorados parecem ter passado da produção caseira para o da distribuição de tempo. Ur
domínio comercial no início da organização social das cidades. Eko tútú, refeição de cada vez. O pilar

102
va era wá TÍ:Jf (arranjar comida) egbo, àlele, ekuru e àkàrà vêm logo à mente. Nenhum prato, no entanto, esta-
JO wá (procurar, arranjar) em va ausente do cardápio de ryá olóónje (vendedoras profissionais de comida).
Jreensão do negócio da obten- Não é incomum o exemplo de Àduk~, que se dedicava a vender alimentos,
le que uma grande quantidade que aparece neste verso do corpus de Ifá:
ias e nos mercados da cidade.
A divinação de Ifá foi realizada para Àdukç,
ulinária profissional se desen-
Descendência de pessoas de bom coração elos tempos antigos,
.e esteja ligada à urbanização.
Que cozinhava milho e feijão juntos para ter uma vida melhor.
inhar alimentos para a venda
. Hugh Clapperton e Richard Ela acordava cedo de manhã

830, discutiram os vários tipos Chorando porque lhe faltavam as coisas boas.

mercados. 64 Foi dito a Àdukç que realizasse sacrificios,

lvida na busca de seus próprios E ela o fez.


ida que era consumida diaria- Depois que ela realizou o sacrificio,
prada. A ideia de que uma aya Ela se tornou uma pessoa importante.
sal, portanto, precisa de quali- Teve dinheiro.
Todas as coisas boas que ela procurou depois

redor das aldeias, para o café da ma- Foram alcançadas por ela.
m dinheiro ou a crédito das mulheres "Quando cozinhamos feijão e milho juntos,
1ltivo. Para o almoço, alguns agricul- Todas as boas coisas da vida enchem nossa casa" .6G
; de inhame nos campos. Ocasional-
JS durante o dia, j á que muitas vezes A necessidade de toda e qualquer pessoa adulta de se sustentar e de
o costumam esperar que suas esposas cumprir as obrigações familiares e sociais foi entendida como pressuposto.
: comem no final da tarde, depois de
Portanto, a necessidade de aya perseguir seus próprios meios de subsis-
tência foi reconhecida, protegida e promovida. Este foi, sem dúvida, um
1 mais propensos a serem com- dos fatores que moldaram não apenas a divisão familiar do trabalho e
m prato a base de farinha de das prescrições, mas também a economia. A profissionalização da cozinha
le milho) foram mais frequen- não só proporcionava uma ocupação para algumas como também liberava
a grande quantidade) do que muitas mães de cozinhar, para que elas pudessem ir aos mercados locais ou
nente comida comprada (não se engajar na agricultura e no comércio de longa distância.
lá ek9mu (conseguiam eko). Cer- 4Ya não cozinhava em casa todos os dias, aspecto que fala do tema
> da produção caseira para o da distribuição de tempo. Uma aya geralmente cozinhava mais de uma
to social das cidades. f,kÇJ tútú, refeição de cada vez. O pilar da culinária era o obe - um ensopado que

103
consiste basicamente de carne e/ ou vegetais, pimenta, azeite e temperos. subsequentes simplesmente
A preferência iorubá por cozimento sobre outras formas de cozinhar pro- Uma peça clássica da pesqL
vavelmente se desenvolveu porque os guisados mantêm seu sabor e até Gayle Rubin69 dos conceito!
tendem a incrementar o sabor, dias após o cozimento inicial. Obe é um pra- as mulheres como vítimas e
to nutritivo com uma variedade de carboidratos importantes, como ryán, sarnento - é frequentemente
àmàlà, ebà, láfún e eko. É cozido para durar pelo menos três a quatro dias, eia na busca feminista (ou s,
para que cozinhar diariamente seja uma questão de reaquecer o obe e com- africanas. Por exemplo, em
prar o carboidrato. Tudo isso sugere que cozinhar para a família não era Elizabeth Schmidt reúne U
e ainda não é fundamental para as definições da vida familiar. Mercados
de que na sociedade shona l
noturnos eram (e são) uma característica da estrutura social de Oyó. Eles
direitos sobre suas parentes
eram, em primeiro lugar, mercados de alimentos. O estabelecimento de
em casamento, as mulheres 1
mercados noturnos pode ter sido uma resposta à necessidade de conseguir
masculinos. Elas sequer pos:
um jantar para a família, uma vez que muitas aya estavam ausentes de casa
Embora a Iorubalândic
o dia inteiro, e às vezes por semanas a fio, quando realizavam o comércio
midt não fornecer evidênc
de longa distância. O geógrafo econômico B. W. Hodder, em seu estudo
"dote como disponibilidade
diacrônico dos mercados iorubás, concluiu corretamente que
ela está cometendo o erro e
os mercados noturnos nos quais as mulheres conectam suas comunidades locais com africanas, quando não toda
as principais fontes de alimentos da cidade só podem ser entendidos no contexto vezes leva a não buscar em
dos hábitos locais de alimentação cios povos iorubás. A maior parle da população
ções. Além disso, a sociedad
da classe trabalhadora come alimentos que não foram preparados cm suas próprias
casas ... A explicação para esse fenômeno de cozinhar e comer fora, no entanto, tam-
membros femininos, assim e
bém está ligada ao fato de que as mulheres colocam o comércio em primeiro lugar tendo direito de propriedade
em seus interesses. 67 O livro de Schmidt, er
de interpretações ocidentú
errôneas causadas pela inca1
DEBATES ESTRUTURADOS APARTIR DO GÊNERO: DOTE, POLIGAMIA, ACESSO elas são, em seus próprios te
ECONTROLE SEXUAL no dote como bens transfer
Intérpretes ocidentais de muitas sociedades africanas apresentaram o dote pouca ou nenhuma atenção
sob o prisma negativo. Em alguns setores, seu significado foi distorcido, re- que estabelecia as obrigaçõe
duzido a uma troca transacional semelhante à compra de uma esposa. Em toda a vida. A natureza reCÍJ
seu estudo sobre o parentesco, o antropólogo Claude Lévi-Strauss descre- discussão. 71 Da mesma forrr
68
veu o dote como uma troca de noivas por mercadorias. Muitos estudos patrilinearidade resultou no

104
is, pimenta, azeite e temperos.
subsequentes simplesmente se basearam nas alegaç,ões de Lévi-Strauss.
Jutras formas de cozinhar pro-
Uma peça clássica da pesquisa feminista, nesse sentido, é a elucidação de
adas mantêm seu sabor e até
Gayle Rubinb':l dos conceitos de Lévi-Strauss. O ensaio de Rubin - que vê
ozimento inicial. 9b~ é um pra- as mulheres como vítimas e não como beneficiárias da instituição do ca-
=lratos importantes, como b1án,
samento -- é frequentemente usado como a única e inquestionável evidên-
pelo menos três a quatro dias,
cia na busca feminista (ou seja, na criação) do patriarcado nas sociedades
estão de reaquecer o 9b~ e com-
africanas. Por exemplo, em um livro sobre o povo Shona do Zimbábue,
ozinhar para a família não era
Elizabeth Schmidt reúne Lévi-Strauss e Rubin para apoiar sua afirmação
Jes da vida familiar. Mercados
de que na sociedade shona pré-colonial, "enquanto os homens têm certos
a estrutura social de Oyó. Eles
direitos sobre suas parentes femininas, incluindo o direito de dispor delas
:nentos. O estabelecimento de
em casamento, as mulheres não têm direitos recíprocos sobre seus parentes
)Sta à necessidade de conseguir
masculinos. Elas sequer possuem plenos direitos sobre si mesmas". 10
1s qya estavam ausentes de casa
Embora a Iorubalândia não fosse a sociedade Shona, o fato de Sch-
1uando realizavam o comércio
midt não fornecer evidências independentes (além de Lévi-Strauss) do
B. W. Hoddcr, em seu estudo
"dote como disponibilidade da parente feminina" me leva a acreditar que
corretamente que
ela está cometendo o erro comum de homogeneizar todos as sociedades
,ncctam suas comunidades locais com africanas, quando não todas as chamadas sociedades tribais. Isso muitas
) podem ser entendidos no contexto
vezes leva a não buscar em cada sociedade o significado de suas institui-
orubás. A maior parte da população
ções. Além disso, a sociedade Shona, como a dos povos iorubás, incorpora
J foram preparados em suas próprias
zinhar e comer fora, no entanto, tam- membros femininos, assim como seus parceiros do sexo masculino, como
locam o comércio em primeiro lugar tendo direito de propriedade em suas linhagens natais.
O livro de Schmidt, então, é um exemplo de uma longa tendência
de interpretações ocidentais equivocadas das culturas africanas, leituras
errôneas causadas pela incapacidade de compreender essas culturas como
RO: DOTE, POLIGAMIA, ACESSO
elas são, em seus próprios termos. Por exemplo, há uma ênfase exagerada
no dote como bens transferidos da linhagem do noivo para a da noiva;
africanas apresentaram o dote pouca ou nenhuma atenção foi dada ao serviço da noiva - uma tradição
·u significado foi distorcido, re- que estabelecia as obrigações do noivo para com a linhagem da noiva por
'. à compra de uma esposa. Em toda a vida. A natureza recíproca do contrato de casamento perdeu-se na
;o Claude Lévi-Strauss descre- discussão. 71 Da mesma forma, o enfoque generificado e singular sobre a
mercadorias. füJ ?vfuitos estudos patrilinearidade resultou no apagamento do fato de que filhas, assim como

105

~
os filhos, tinham um direito vitalício e participavam da linhagem natal, Quaisquer que sejam ,
tendo se casado ou não. nista ocidental, o controle
Como o dote, a prática da abstinência pós-parto tem sido descrita por pedra angular da agitação
várias estudiosas como controle sexual da mulher e um exemplo das limi- endente, dada a história e
tações impostas a membros femininos nas sociedades africanas. O debate iorubás, no entanto, era cli
deve ser colocado em contexto comparativo - isto é, a atenção deve tam- a expressão sexual masculi
bém se concentrar em sociedades onde tal prática não existe. As socieda- sexual feminina, bem-esta
des ocidentais são um bom exemplo disso. A prática iorubá da abstinência mazia da procriação, que
pós-parto contrastava nitidamente com as práticas nos casamentos euro- da sociedade, significava e
peus do mesmo período histórico, casamentos em que os maridos tinham salvaguardando-a para ga
acesso sexual ilimitado às esposas. Isso significava que as esposas europeias luz crianças. A abstinência
não tinham controle sobre seus corpos, já que os "direitos conjugais" dos as crianças, também limite
homens incluíam acesso sexual ilimitado, independentemente do bem-es- produzir - o que salvagu:
tar da criança, da idade da criança ou da saúde da mãe. Em seu livro A ter um grande número de
History ef Women's Bodies, o historiador social Edward Shorter documenta povos iorubás também atri
a dor, a angústia e o perigo que o privilégio sexual masculino e a falta de âmbito em que pertencia:
consideração causaram às mulheres europeias: indivíduo.
Coloque-se no lugar da dona de casa típica que morava em uma cidade ou vila. Certamente, a poligar
Nem ela nem ninguém mais Linha ideia de quando era o período "seguro" para uma das como sinais de domini
mulher; e, para ela, qualquer ato sexual poderia significar gravidez. Ela era obrigada a aos interesses das mulher<
dormir com o man·do sempre que ele quisesse. E se tivesse sorte, ela poderia engravidar sete como um sinal de priviléf
ou oito vezes, com uma média de seis crianças vivas. A maioria dessas crianças era
abordagem, no entanto, n;
inoportuna para ela, pois, se se pode dizer que um único tema sustenta sua história,
mente quando a situação
é o perigo para todos os aspectos de sua saúde que a gravidez incessante signjficava. 72
lado, na Iorubalândia, por
A tese de Shorter é que os avanços médicos entre 1900 e 1930, que elas não tinham interesse e
permitiram às mulheres europeias ter alguma medida de controle sobre interessada em sua linhage
sua fertilidade, também contribuíram para que pudessem mudar a priori- grande comitiva de aya-ilé,
dade para questões de política. Para Shorter, "acabar com a vitimização plementado pelo interesse
fisica das mulheres foi uma precondição para o feminismo" .73 Suas análises pessoal pelas crianças e rei
e outras postulações feministas sobre o casamento como escravidão forne- frequentemente alegam q1
cem uma boa base para a questão de por que o feminismo se desenvolveu direitos sexuais exclusivos
no Ocidente. No entanto, não se deve F
cipavam da linhagem natal, Quaisquer que sej am os debates sobre as origens do movimento femi-
nista ocidental, o controle das mulheres sobre seus corpos continua a ser a
,s-parto tem sido descrita por pedra angular da agitação pelos direitos das mulheres. Isto não é surpre-
tlher e um exemplo das limi- endente, dada a história esboçada acima. A história conjugal dos povos
ciedades africanas. O debate iorubás, no entanto, era diferente, particularmente devido ao fato de que
- isto é, a atenção deve tam- a expressão sexual masculina não era privilegiada em relação à expressão
rática não existe. As socieda- sexual feminina, bem-estar feminino e sobrevivência das crianças. A pri-
Jrática iorubá da abstinência mazia da procriação, que era acordada para todos os membros adultos
0
áticas nos casamentos euro- da sociedade, significava que a saúde da mãe era de suma importância;
,s em que os maridos tinham salvaguardando-a para garantir que ela seria capaz de suportar e dar à
:ava que as esposas europeias luz crianças. A abstinência pós-parto, que resultou em espaçamento entre
e os "direitos conjugais" dos as crianças, também limitou o número de bebês que uma mulher poderia
lependentemente do bem-es- produzir - o que salvaguardava a saúde de uma fêmea. Antes e agora,
_úde da mãe. Em seu livro A ter um grande número de bebês é prejudicial para a saúde da mulher. Os
Edward Shorter documenta povos iorubás também atribufam a responsabilidade pela contracepção ao
,exual masculino e a falta de âmbito em que pertencia: ao casal e à familia, e não apenas a aya como
s: indivíduo.
Certamente, a poligamia e a abstinência pós-parto foram interpreta-
e morava em uma cidade ou vila .
.o era o período "seguro" para uma das como sinais de dominância masculina e articuladas como prejudiciais
,ignificar gravidez. Ela era obrigada a aos interesses das mulheres. A poligamia é frequentemente interpretada
e sorte, ela poderia engravidar sete como um sinal de privilégio masculino e subordinação feminina. 74 Essa
ivas. A maioria dessas crianças era abordagem, no entanto, não é apenas simplista, mas incorreta, particular-
:n único tem a sustenta sua história, mente quando a situação contemporânea é lida desde a história. Por um
: a gravidez incessante significava. 72
lado, na Iorubalândia, porque obinrin não constituía uma categoria social,
licos entre 1900 e 1930, que elas não tinham interesse coletivo como um grupo. Uma anafêmea estava
ta medida de controle sobre interessada em sua linhagem natal em parte porque era uma fonte de uma
Je pudessem mudar a priori- grande comitiva de aya-ilé, que poderia ajudá-la. Esse fenômeno foi com-
; "acabar com a vitimização plementado pelo interesse da qya de que em tudo o seu oko tivesse interesse
o feminismo". 73 Suas análises pessoal pelas crianças e responsabilidade m aterial por elas. Comentaristas
ento como escravidão fome- frequentemente alegam que a poligamia foi prejudicial porque violou os
: o feminismo se desenvolveu direitos sexuais exclusivos de uma aya em relação a seu parceiro conjugal.
No entanto, não se deve presumir que toda aya necessariamente valoriza

107
ter direito sexual exclusivo ao seu parceiro conjugal. Mesmo no nível in- não é necessariamente uma
dividual, se as ramificações da variedade de interesses de uma anafêmea ocidentais é nítida sobre es:
puderem ser exarnínadas, é possível perceber que a poligamia não é ine- certos interesses entram err
rentemente incompatível com o interesse da aya. A poligamia na sociedade nifica perder o outro. O im
Oyó é melhor apreendida como um privilégio não atribuído, dependendo interesses é o mais importa
da situação e dos interesses particulares que são enfocados a qualquer mo- cinco anos de casamento, ç
mento. Consequentemente, a imposição de uma interpretação de gênero méji (se case com outra ryàw
sobre ela equivale a deturpação. os possíveis problemas que
Como todas as formas de casamento, a poligamia como instituição avaliação abrangente de se
social não é inerentemente boa ou ruim. Há bons casamentos e maus ca- liam a pena perseguir. Tra,
samentos, poligâmicos ou monogâmicos. A história do casamento mono- o processo de poligamia p
gâmico no Ocidente e as articulações fernínistas de como esta instituição fazia, seu consentimento tir
tem sido opressiva para mulheres e crianças não revelam a monogamia capacidade de agir.
como um sistema que inerentemente promove o interesse de uma esposa. Ainda assim, a questão
Com relação ao "interesse das mulheres", seu valor como alternativa à voco sobre os beneficios p
poligamia é dificilmente explícito. Em um artigo sobre a espinhosa questão Talvez o mais interessante
da poligamia na igreja cristã, Bernard Adeney, tendo argumentado que a Oyó não seja tanto sobre
poligamia não deveria ter lugar na igreja, faz ainda uma observação pon- tus dos homens. Poderíamc
derada que é relevante para o meu argumento. Ele defende que, para o parceiras conjugais, isso n2
pertencimento à igreja, gráfico evidente) que havia
a uma só anafêmea? A po
[devem ser] considerados não apenas o estado civil de uma pessoa, mas também o
quão bem suas responsabilidades são cumpridas. Se um homem com apenas uma uma instituição de privaçãi
esposa a negligencia, tiver casos ou for abusivo e não mostrar os frutos do arrepen- licença sexual masculinos.
dimento, ele poderá ser excluído da condição de membro. Por outro lado, um velho o que chamou de "discipl
que viveu por muitos anos com duas esposas e atualmente as trata bem pode ser tradicional africana. 76 A ra
bem-vindo à Igreja.75 não é explícita, considera:
Responsabilidade é a palavra-chave. mulheres ocidentais contir
Será útil examinar mais de perto a noção de interesse das mulhe- nogârnícos. A disciplina m
res, uma ideia em torno da qual abordagens antipoligarnístas gostam de diz respeito a uma socieda
apresentar suas posições. Supondo que haja de fato uma categoria "mu- pertinente. Onde está a di
lheres", quais são os interesses que lhes são atribuídos? Se é do interesse tos? Esta linha de raciocín
da esposa se abster de sexo por um período após o parto, a monogamia representam um agrupam
conjugal. Mesmo no nível in- não é necessariamente uma influência positiva; a evidência das sociedades
e interesses de uma anafêmea ocidentais é nítida sobre essa questão. Além disso, em qualquer situação,
er que a poligamia não é ine- certos interesses entram em conflito uns com os outros. Escolher um sig-
qya. A poligamia na sociedade nifica perder o outro. O importante é a liberdade de determinar qual dos
~o não atribuído, dependendo interesses é o mais importante. Assim, quando uma jovem rryó, depois de
são enfocados a qualquer mo- cinco anos de casamento, pede ao seu parceiro conjugal para que so mi dí
uma interpretação de gênero miji (se case com outra fyàwó), isso não significa que ela seja ingênua sobre
os possíveis problemas que poderiam surgir. Ela provavelmente fez uma
a poligamia como instituição avaliação abrangente de seus próprios interesses e determinou quais va-
i bons casamentos e maus ca- liam a pena perseguir. Tradicionalmente, a aya, com frequência, iniciava
história do casamento mono- o processo de poligamia para seu parceiro conjugal; quando ela não o
listas de como esta instituição fazia, seu consentimento tinha que ser buscado. O ponto é que a aya tinha
l.S não revelam a monogamia capacidade de agir.
ive o interesse de uma esposa. Ainda assim, a questão da poligamia exige mais análises, dado o equí-
seu valor como alternativa à voco sobre os benefícios para o grupo social nomeado como "homens".
tigo sobre a espinhosa questão Talvez o mais interessante a respeito da existência da poligamia na Velha
1ey, tendo argumentado que a Oyó não seja tanto sobre a opressão das mulheres quanto sobre o sta-
.z ainda uma observação pon- tus dos homens. Poderíamos perguntar: se alguns 9kunrin tinham múltiplas
:nto. Ele defende que, para o parceiras conjugais, isso não significaria (excluindo o desequilíbrio demo-
gráfico evidente) que havia muitos okunrin que não tinham acesso legítimo
civil de uma pessoa, mas também o a uma só anafêmea? A poligamia pode, portanto, ser interpretada como
~s. Se um homem com apenas uma uma instituição de privação/ disciplina masculina, em vez de privilégio ou
e não mostrar os frutos do arrepen- licença sexual masculinos. Abiola lrele, por exemplo, recomendava muito
e membro. Por outro lado, um velho o que chamou de "disciplina da monogamia" em oposição à poligamia
e atualmente as trata bem pode ser
tradicional africana. 76 A razão para o entusiasmo de lrele pela monogamia
não é explícita, considerando a exploração física e sexual a que muitas
mulheres ocidentais continuam a ser submetidas em seus subúrbios mo-
)Ção de interesse das mulhe- nogâmicos. A disciplina masculina não é inerente à monogamia. No que
1s antipoligamistas gostam de diz respeito a uma sociedade poligâmica, a questão da disciplina é muito
i. de fato uma categoria "mu- pertinente. O nde está a disciplina? Disciplina para quem e para que efei-
atribuídos? Se é do interesse tos? Esta linha de raciocínio põe em questão a ideia de que os anamachos
J após o parto, a monogamia representam um agrupamento social - a poligamia, afinal, dá a alguns

109
machos um acesso mais legítimo à custa de outros machos. A ideia de uma foi projetada em vários e
uniformidade de interesses de anamachos em oposição a um interesse co- masculina com as relaçê
letivo assumido das anafêmeas precisa ser questionada. pesquisa quanto por alg1
Na Velha Oyó, geralmente eram os anamachos mais jovens que se tos ()kunrin, assim como ol
encontravam na posição de não ter acesso sexual legítimo. Como men- sexualidade não parece t
cionado anteriormente, o casamento envolvia o pagamento do dote pela Isso posto, existe na
linhagem do noivo à da noiva. Numa situação em que não havia desequi- melhor descrita como un
líbrio demográfico evidente, a poligamia só poderia ser sustentada se hou- e obinrin casadas. Essa ins
vesse okunrin e obinrin se casando em diferentes idades; assim, em média, co da pressão, por assim
as anafêmeas se casaram por volta dos 16 a 18 anos de idade - oito a dez algo clificil de se falar, esp,
anos mais cedo do que os machos. É possível que a idade tardia em que cristã e ocidental dos povc
os anamachos se casaram, em relação às anafêmeas, esteja correlacionada questões sexuais. Eu a de
com a quantidade de tempo necessária para acumular o dote. Tudo isso na sociedade; é falado sol
combinado para significar que muitos anamachos de Oyó não tiveram minha pesquisa, muitas p
acesso sexual legítimo por muitos anos de suas vidas adultas. Mesmo os como algo que outras pes.
anamachos com duas aya poderiam ser forçados a se abster sexualmente é tolerado, se não aceito,
se ambas engravidassem ao mesmo tempo, o que não era incomum. Em xuais. A relação à/,e é mui
outro nível, é pertinente colocar a questão: O que os anamachos que não contraste com a relação r
tinham esposas fazem para obter satisfação sexual? Esta questão é colo- principal tanto para o ()kt
cada deliberadamente contra o pano de fundo das noções sociobiológicas vanta questões sobre comi
de necessidades sexuais masculinas desenfreadas causadas pelo excesso de não pode ser tratada aqu
testosterona. Embora várias pessoas que realizaram pesquisas afirmem em muitos lugares, as que,
que, na Velha Oyó, o ideal era que as noivas permanecessem virgens, é de moralidade; o adventc
evidente que havia outras instituições que facultavam o sexo antes do ca- prevalência das relações i
samento. O importante era que tal relacionamento fosse reconhecido por rica, mas pode-se datá-la
ambas as famílias e estivesse a caminho de ser concluído como casamento é documentada mais rece
com o pagamento do dote. Mesmo assim, isso não poderia ter sido uma situações em que as futur
solução total para o problema ele muitos solteiros - envolver-se nesse tipo parceiros. Estes últimos de
de relação pré-matrimonial ainda exigia que a família elo anamacho ti- atuais parceiros conjugais
vesse alguma riqueza acumulada. Em suma, o sistema em geral reduziu a Pode-se argumentar c
atividade sexual para os solteiros. Isso enfraquece a imagem da atividade não significa que seja um
sexual desenfreada do macho africano (a "brigada da testosterona") 77 que é plausível, mas, nas tradi

110
mtros machos. A ideia de uma foi projetada em vários discursos racistas e masculinistas. A preocupação
n oposição a um interesse co- masculina com as relações sexuais parece ser exagerada tanto por quem
.1estionada. pesquisa quanto por alguns anamachos no período contemporâneo. Mui-
1amachos mais jovens que se tos okumin, assim como obinrin, abstiveram-se de relações sexuais. A homos-
sexual legítimo. Como men- sexualidade não parece ter sido uma opção.
ria o pagamento do dote pela Isso posto, existe na Iorubalândia uma instituição chamada àle, que é
ão em que não havia desequi- melhor descrita como uma relação sexual entre okunrin casados ou solteiros
)Oderia ser sustentada se hou- e obz'nrin casadas. Essa instituição pode ser um meio de se livrar de um pou-
1tes idades; assim, em média, co da pressão, por assim dizer. Para muitas pessoas iorubás, a relação àle é
18 anos de idade - oito a dez algo dificil de se falar, especialmente tendo em vista que a hipersexualização
e! que a idade tardia em que cristã e ocidental dos povos africanos tornou alguns iorubás moralistas sobre
lfêmeas, esteja correlacionada questões sexuais. Eu a descrevo como uma instituição porque está presente
1 acumular o dote. Tudo isso na sociedade; é falado sobre; e tem suas próprias "regras do jogo". Durante
nachos de Oyó não tiveram minha pesquisa, muitas pessoas estavam dispostas a falar sobre isso apenas
:uas vidas adultas. Mesmo os como algo que outras pessoas fazem. Com base nessa pesquisa, eu diria que
ados a se abster sexualmente é tolerado, se não aceito, que pessoas casadas se envolvam em amizades se-
o que não era incomum. Em xuais. A relação àle é muitas vezes emocional e sexualmente carregada, em
) que os anamachos que não contraste com a relação matrimonial, que tem a procriação como seu foco
sexual? Esta questão é colo- principal tanto para o (!kunrin quanto para a obz'nrin. A instituição de àle le-
fo das noções sociobiológicas vanta questões sobre como os iorubás veem a sexualidade, uma questão que
tdas causadas pelo excesso de não pode ser tratada aqui. É suficiente dizer que no passado, e ainda hoje
:alizaram pesquisas afirmem em muitos lugares, as questões de sexualidade não eram realmente questões
as permanecessem virgens, é de moralidade; o advento do cristianismo e do islamismo mudou isso. A
cultavam o sexo antes do ca- prevalência das relações àle não pode ser determinada com precisão histó-
mento fosse reconhecido por rica, mas pode-se datá-la pelo menos até a década de 1850. Sua existência
r concluído como casamento é documentada mais recentemente em estudos de um grande número de
:so não poderia ter sido uma situações em que as futuras divorciadas já estão grávidas de seus possíveis
eiros - envolver-se nesse tipo parceiros. Estes últimos devem se apresentar para pagar reparações aos seus
e a familia do anamacho ti- atuais parceiros conjugais e reivindicar a paternidade do nascituro. 78
o sistema em geral reduziu a Pode-se argumentar que a existência de tal prática na história recente
1uece a imagem da atividade não significa que seja uma instituição antiga. Essa linha de argumentação
igada da testosterona") 77 que é plausível, mas, nas tradições orais, particularmente aquelas relativas aos

111
orixás (divindades), não é incomum ouvir como um orixá macho gbà (tira) A divisão sexual do trabal]
a aya de outro. A inocência de qya sugerida pelo verbo gbà é interessante da lógica cultural de difêrenças

o suficiente, mas meu ponto é que o idioma é usado aqui exatamente da do trabalho por sexo são r,
não encontrei na literatur:
mesma maneira que o ato é atribuído a pessoas humanas. As divindades
feminilidade no pensamer
iorubás se comportam como pessoas humanas; na verdade, algumas delas
são seres humanos dei.ficados. A tendência, desde a imposição do cristia- Guyer está correta se
nismo e dos valores vitorianos, é reduzir a liberdade sexual para obinrin. cada, mas está enganada ;
Consequentemente, é m ais lógico postular que a instituição àle possui pro- não envolvia a metafisica:
fundas raízes autóctones - não poderia ter se originado com a moralização mas uma baseada na linl
cristã sobre sexo ou as restrições vitorianas às mulheres. Além disso, Guyer não co
simplesmente porque esse
VISÕES GENERIFICADAS: ESPAÇOS, ROSTOS ELUGARES NA DIVISÃO DO concepção autóctone ioru
TRABALHO Em muitas outras cu
mulheres. Na Iorubalândi
Em seu apogeu, Qyç,-ile foi um centro de comércio; as mercadorias chegavam a seus não obinrin, quem cozinha•
mercados a partir do Atlântico e de cidades no Sudão Ocidental, além do Níger, e
pada como o trabalho da
eram vendidas ao lado dos produtos da própria Iorubalândia. 19
em suas longas viagens a
Em estudos sobre a sociedade, o conceito da divisão sexual do traba- com eles porque buscava:
lho é invocado como um mantra, sendo sua existência universal e atempo- ção de Sudarkasa de qm
ral tida como certa. Niara Sudarkasa descreve uma "divisão do trabalho comem uma ou duas fati,
por sexo" na antiga sociedade Oyó, na qual os homens são classificados a guerra, que em muitas e
como agricultores e mulheres como comerciantes. 80 Algumas pessoas que masculino, não foi entenc
realizaram pesquisas chegaram ao ponto de elevar esse conceito do mundo guerra envolveu o control
terrestre de humanos para o mundo celestial das divindades. Por exemplo, quais eram controladas pc
B. Belasco, em sua discussão sobre a sociedade iorubá, postula uma divisão vezes, inapropriadamente
sexual do trabalho entre deidades iorubás, partindo do pressuposto de que a participação na guerra
há um consenso sobre quais divindades são masculinas e quais não são. 81 muitas obinrin que se engaJ
O debate sobre a divisão do trabalho na velha sociedade Oyó, portanto, é de guerra. Um dos relate
na verdade formulado por questões sobre quando as mulheres se tornaram cena descrita por Johnsor
dominantes no comércio. Embora isso fosse considerado uma curiosidade, tradições orais em O yó e
quando não uma anomalia, essa divisão do trabalho por gênero raramente Ilayi e Borgu; os Oyó fora
era questionada. A antropóloga Jane Guyer escreve: "mulher-rei": 85

112
no um orixá macho gbà (tira) A divisão sexual do trabalho entre os povos iorubás parece menos embutida em uma elabora-
da lógi.ca cultural de diferenças e oposições entre homens e mulheres. As discussões sobre a divisão
pelo verbo gbà é interessante
do trabalho por sexo são formuladas em termos de pragmatismo e não de metafisica, e
é usado aqui exatamente da
não encontrei na literatura nenhuma análise detalhada da ligação entre o conceito de
;oas humanas. As divindades feminilidade no pensamento religioso e as tarefas femininas da vida cotidiana.82
ts; na verdade, algumas delas
iesde a imposição do cristia- Guyer está correta sobre a ausência de uma lógica cultural generifi-
iberdade sexual para obinrin. cada, mas está enganada ao supor que a divisão do trabalho entre iorubás
1e a instituição àle possui pro- não envolvia a metafísica: sim; apenas não era uma metafísica de gênero,
originado com a moralização mas uma b aseada na linhagem. A discussão subsequente mostrará isso.
; mulheres. Além disso, Guyer não conseguiu encontrar noções de "tarefas femininas"
simplesmente porque essa noção de trabalho generificado não existia na
LUGARES NA DIVISÃO DO concepção autóctone iorubá.
Em muitas outras culturas, tarefas como cozinhar eram limitadas às
mulheres. Na lorubalândia, como mostrei em uma seção anterior, foi aya, e
'io; as mercadorias chegavam a seus não obinrin, quem cozinhava. Além disso, a cozinha não podia ser estereoti-
Sudão Ocidental, a lém do Níger, e pada como o trabalho da obinrin porque o okunrin cozinhava regularmente
orubalândia.79
em suas longas viagens a terras de cultivo - suas aya raramente estavam
o da divisão sexual do traba- com eles porque buscavam seu próprio sustento. Lembre-se da observa-
xistência universal e atempo- ção de Sudarkasa de que "para o almoço, alguns fazendeiros fervem e
ve uma "divisão do trabalho comem uma ou duas fatias de inhame nos campos". 83 Da mesma forma,
1 os homens são classificados a guerra, que em muitas culturas é construída como um empreendimento
antes.80 Algumas p essoas que masculino, não foi entendida assim na Iorubalândia. Como a eficácia na
levar esse conceito do mundo guerra envolveu o controle de forças místicas e sobrenaturais, muitas das
das divindades. Por exemplo, quais eram controladas por Iyá mi Oxorongá (mães metafísicas - algumas
e iorubá, postula uma divisão vezes, inapropriadamente, chamadas de bruxas), não foi possível reduzir
rtindo do pressuposto de que a participação na guerra às questões de gênero. 84 Historicamente, houve
masculinas e quais não são. 81 muitas obinrin que se engajaram em combates e emergiram como heroínas
a sociedade Oyó, portanto, é de guerra. Um dos relatos mais pitorescos das batalhas de Oyó - uma
mdo as mulheres se tornaram cena descrita por Johnson e desenvolvida por Robert Smith, que coletou
onsiderado uma curiosidade, tradições orais em Oyó e suas províncias - diz respeito à batalha entre
abalho por gênero raramente Ilayi e Borgu; os Oyó foram liderados por Aláàfin Qr9mp9t9, que foi uma
:screve: "mulher-rei": 85

113
As perdas de Oyó foram grandes e seu exército teria sido derro tado, se não fosse por vários mercados menores no
um incidente incomum. Entre os mortos de Oyó estava uma das lideranças da Esho
a produtos específicos. Alérr
[Guarda Nobre], o general portando o título de Gbonka. Orompoto nomeou um
novo Gbonka no campo, e quando este homem foi morto, ela nomeou um terceiro
com os quais as pessoas neg◄
que, também, sucumbiu. O terceiro Gbonka estava paralisado pela morte trazida mercado, organizações e esr
pelas flechas de Borgu, de joelhos, com a boca aberta e os dentes à mostra, como se mia tinha algum grau de e~
sorrisse. Para os Borgu, parecia que este era um guerreiro vivo, imune a suas flechas, tecelagem, forja, cirurgia, cfr
que ria de seus esforços. Alarmados, eles cessaram de atacar, e os Oyó, que estavam estavam associados a certas .
a ponto de recuar, se reuniram e finalmente conquistaram a vitória.86
Quanto ao pessoal, a ag
Além disso, não se deve encobrir o fato de que, no século XIX, a guer- a população. A distinção ent
ra era um assunto comum. Temos uma excelente documentação disso nos em ( l) tipo de mercadoria ,
estudos deJ. F. Ade Ajayi e Robert Smith. 87 Tudo isso em conjunto indica tecidos; elélubó era quem ven
que a suposição de uma divisão de trabalho por gênero - como a pressupo- alimentos); (2) a distância pe
sição de outros construtos de gênero na sociedade antiga Oyó- representa aláràb9 - quem vem e vai); t
uma imposição equivocada de um quadro forâneo de referência. era varejista, quem vendia e·
Para compreender a divisão do trabalho em Oyó, devemos conside- foi entendido como limitado:
rá-la em dois níveis - um referente ao espaço e outro, pessoal. No ní- termos mais infelizes usado.
vel espacial, as principais arenas em que o trabalho ocorreu foram os oko dental, e agora em todo o e
(terras de cultivo), que ficavam a quilômetros de distância da cidade. Era foi observado no capítulo 1,
uma sociedade agrária, cuja maioria dos membros era àgbe (agricultoras/ somo X ou a anatomia femi:
es). As terras de cultivo contrastavam com a ilú (cidade), o centro urbano comerciante, quando, de fatc
no qual as pessoas tinham seus ilé (habitações). A terra agrícola era vista de comerciantes e suas vári,
principalmente como um local de trabalho, embora muitas vezes as pes- Normalmente, os prefixos f>
soas agricultoras tivessem uma aba (cabana) na qual passavam semanas, se designação como um sinal d
necessário. O ilú era visto como um lugar de descanso e como o lugar para nero. Assim, temos !Já (mãe)
desfrutar da boa vida. Como se diz, Ilé là'bo 'simi oko (o lar é o lugar de des- tecidos. Embora não houves1
canso depois de qualquer jornada, inclusive a do campo). No interior das okunrin, na concepção Oyó, c
cidades, as pessoas estavam envolvidas em uma série de ocupações. O co- era diferente do que o bàbá ú
mércio de várias mercadorias foi predominante. As mercadorias comercia- estão negociando).
lizadas incluíam cultivos como isu (inhame), alimentos processados como A generificação do ojà (n
elub9 (farinha de inhame) e bens de luxo como ª!P (tecido). O espaço mais me. Toyin Falola argumentol
específico em que o comércio ocorreu foi o qjà (mercado), o principal deles do iorubá era um espaço pr
geralmente ficava no centro da cidade, próximo ao palácio de pba. Havia do espaço mais público e m,

114
cria sido derrotado, se não fosse por vários mercados menores nos bairros; muitas vezes eles estavam associados
> estava uma das lideranças da Esho a produtos específicos. Além dos limites de Oyó, havia outros organismos
le Gbonka. Orompoto nomeou um
com os quais as pessoas negociavam que tinham seus próprios sistemas de
foi morto, ela nomeou um terceiro
stava paralisado pela morte trazida
mercado, organizações e especialidades.88 Devido ao fato de que a econo-
,berra e os dentes à mostra, como se mia tinha algum grau de especialização, certas profissões e oficias como
guerreiro vivo, imune a suas flechas, tecelagem, forja, cirurgia, divinação, caça, tingimento e entalhe em cabaça
1m de atacar, e os Oyó, que estavam estavam associados a certas linhagens.
quistaram a vitória.86 Quanto ao pessoal, a agricultura e o comércio estavam abertos a toda
le que, no século XIX, a guer- a população. A distinção entre comerciantes foi feita, no entanto, com base
lente documentação disso nos em (1) tipo de mercadoria vendida (por exemplo, aLáfO era quem vendia
Tudo isso em conjunto indica tecidos; eLéLub9 era quem vendia farinha de inhame; olónje era quem vendia
,or gênero - como a pressupo- alimentos); (2) a distância percorrida (quem percorria longa distância era
dade antiga Oyó - representa aLáràb~ - quem vem e vai); e (3) a escala de operação (por exemplo, aLáte
,râneo de referência. era varejista, quem vendia em menor quantidade). Nenhum desses papéis
o em Oyó, devemos conside- foi entendido como limitados pelo sexo anatômico. Por essa razão, um dos
,aço e outro, pessoal. No ní- termos mais infelizes usados no estudo de comerciantes na África Oci-
rabalho ocorreu foram os oko dental, e agora em todo o continente, é "mulheres do mercado". Como
,s de distância da cidade. Era foi observado no capítulo 1, este termo dá a impressão de que o cromos-
:mbros era àgb~ (agricultoras/ somo X ou a anatomia feminina é a principal qualificação para se tornar
ilú (cidade), o centro urbano comerciante, quando, de fato, em muitas sociedades africanas, a categoria
es). A terra agrícola era vista de comerciantes e suas várias distinções não são baseadas na anatomia.
embora muitas vezes as pes- Normalmente, os prefixos ryá e bàbá, no caso iorubá, são adicionados à
11a qual passavam semanas, se designação como um sinal de respeito e indicação de idade, e não de gê-
descanso e como o lugar para nero. Assim, temos ryá (mãe) aLáf'! e bàbá (pai) aláf'!, ambos comerciantes de
'simi oko (o lar é o lugar de des- tecidos. Embora não houvesse ou houvesse poucos vendedores de comida
a do campo). No interior das okunrin, na concepção Oyó, o que aquele vendedor de alimentos fazia não
ma série de ocupações. O co- era diferente do que o bàbá alásf! fazia. U,,:ón nsàwà ni (Basicamente, ambos
1te. As mercadorias comercia- estão negociando).
, alimentos processados como A generificação do ojà (mercado) na literatura também exige um exa-
10 ª!'! (tecido). O espaço mais me. Toyin Falola argumentou, de forma pouco convincente, que o merca-
ià (mercado), o principal deles do iorubá era um espaço predominantemente de mulheres. 89 A redução
~imo ao palácio de oba. Havia do espaço mais público e mais inclusivo da sociedade a um generificado

115
"espaço para mulheres" exclusivo constitui uma grosseira deturpação. O negociação; eles também fo1
qjà estava em estreita relação com o ààfin (palácio), compartilhando o cen- as esferas da vida. Os merca
tro da cidade. Nas palavras de G. J. Afolabi Ojo, "Oba podia observar, de importantes rituais histó1
de uma distância razoável, a assembleia regular de seu povo. Além disso, enryàn àn'sà foi "realizada pel,
como era o centro das atividades econômicas do povo, o mercado estava de Sudarkasa do mercado nt
situado no centro da cidade". 90 A natureza notoriamente pública e não
Os mercados noturnos são c1
exclusiva do qjà era aparente em ditos comuns como cryé lojà, àrun nilé (A
Os mercados noturnos são 1
terra é um mercado, e a outra dimensão é um lar). Também se dizia que tantes trazem sua comitiva ,
were tó bá ti w'qjà kàsee wà (Uma pessoa mentalmente instável que entra no uma noite se passa sem a ap
mercado nunca pode ser curada). A alegação que é articulada neste ditado celebrando casamentos, fum
é que uma vez que pessoas loucas foram a este espaço público e foram noites em que as comemorac
reconhecidas como loucas por todos que as viram, elas seriam rotuladas
Pelo exposto, é impossív
como loucas. Devido ao grande número de pessoas no mercado, seria im-
po chamado mulheres e lhes
possível abalar o rótulo de "loucura incurável" e, portanto, a possibilidade
do ele está nos dizendo que e
de cura foi afastada. Além disso, o qjà era literal e metaforicamente uma
turalmente, ele não explica
encruzilhada onde uma multidão de povos de diferentes esferas da vida,
pessoas que realizaram pesq1
diferentes cidades, diferentes nacionalidades e até mesmo diferentes "se-
existência de "mulheres" co
res" se encontravam. Porque as pessoas se aproximaram do mercado de
universal. Tal afirmação é, c
diferentes lugares e de várias direções, foi dito que ànà kán à w'qjà (Não há
um caminho único para o mercado). Além disso, acreditava-se também tentada pela evidência.
que os espíritos residiam no mercado e que orixás (divindades), como Exu As profissões e os oficias <
e outros seres sobrenaturais e invisíveis, estavam presentes nesse cenário. 91 específicas no sistema polítict
Falola poderia nos dizer a "identidade de gênero" desses seres invisíveis? linhagem em que a participac
Obviamente, na concepção iorubá, o qjà era o domínio mais aberto de -requisito para praticar tais pr
toda a cidade, não identificado com um único grupo. Embora os mercados em um nível metafisico. Os m
noturnos - das 18h30 às 22h30 - tenham ocorrido, entendeu-se que, à tos com um mandato exclusi·
meia-noite, o mercado tinha que ser desocupado por humanos e entregue quado de suas profissões. 01
aos espíritos. Por que, então, Falola privilegiaria aqueles que ocupavam o consideradas incapazes e inac
mercado durante o dia sobre aqueles que estavam presentes a partir da bre associações profissionais e
meia-noite? Fazer isso desconsidera a concepção iorubá em favor do ponto Anta D iop explica a base disc
de vista ocidental. Falola privilegia o fisico em detrimento do metafisico, U m sujeito de fora de um oi
que não é a norma iorubá. Além disso, os mercados não eram apenas para eia de uma vocação que nà

116
1ma grosseira deturpação. O negociação; eles também foram pontos de encontro para pessoas de todas
ácio), compartilhando o cen- as esferas da vida. Os mercados também eram lugares para a reencenação
i Ojo, "Oba podia observar, de importantes rituais históricos do Estado. A mitologia sobre 9bá m'9r9 e
Jlar de seu povo. Além disso, iniyàn àrisà foi "realizada pela primeira vez no mercado real". 92 A descrição
ts do povo, o mercado estava de Sudarkasa do mercado noturno em Aáw~ e Oyó diz também que:
notoria1nente pública e não
Os mercados noturnos são centros sociais mais importantes que os mercados diurnos.
1ns como ayé lcdà, àrun nilé (A Os mercados noturnos são lugares aonde as pessoas que celebram ocasiões impor-
m lar). Também se dizia que tantes trazem sua comitiva e tocadores. No mercado A.kesan em Oyó, dificilmente
tlmente instável que entra no uma noite se passa sem a aparição de um grupo de dançarinos no mercado. Pessoas
que é articulada neste ditado celebrando casamentos, funerais e outras ocasiões dançam no mercado em uma das
este espaço público e foram noites cm que as comemorações acontecem.'tl

viram, elas seriam rotuladas


Pelo exposto, é impossível entender por que Falola destacaria um gru-
)essoas no mercado, seria im-
po chamado mulheres e lhes daria este espaço privilegiado, mesmo quan-
1" e, portanto, a possibilidade
do ele está nos dizendo que era um grupo socialmente marginalizado. Na-
teral e metaforicamente uma
turalmente, ele não explica como chegou a essa hipótese. Como outras
de diferentes esferas da vida)
pessoas que realizaram pesquisas, ele assume o que se propõe a provar - a
; e até mesmo diferentes "se-
existência de "mulheres" como uma categoria social e sua subordinação
1proxiinaram do mercado de
universal. Tal afirmação é, como argumentei, espúria e não pode ser sus-
to que imà kán à w'ojà (Não há
tentada pela evidência.
disso 1 acreditava-se também
As profissões e os oficios especializados eram prerrogativas de linhagens
,rixás (divindades), como Exu
específicas no sistema político. A divisão do trabalho aqui era baseada na
,am presentes nesse cenário. 91
linhagem em que a participação na linhagem, e não a anatomia, era o pré-
2nero" desses seres invisíveis?
-requisito para praticar tais profissões. Essa divisão do trabalho foi percebida
-a o domínio mais aberto de
em um nível metafisico. Os membros das linhagens especializadas eram vis-
J grupo. Embora os mercados
tos com um mandato exclusivo do orixá que permitia o desempenho ade-
ocorrido 1 entendeu-se que, à
quado de suas profissões. Outras pessoas integrantes da sociedade foram
)ado por humanos e entregue
consideradas incapazes e inaceitáveis por esse motivo. Em sua discussão so-
aria aqueles que ocupavam o
bre associações profissionais em sociedades africanas pré-coloniais, Cheikh
:stavam presentes a partir da
Anta Diop explica a base discriminatória do acesso ocupacional:
,çào iorubá em favor do ponto
em detrimento do metafisico, Um sujeito de fora de um oficio, mesmo que adquirisse toda a habilidade e ciên-
:rcados não eram apenas para cia de uma vocação que não fosse de sua família, não seria capaz de praticá-lo

117
eficientemente, no sentido místico, porque não foram seus antepassados que firma- natal para anunciar a ocorrido.
ram o contrato inicial com o espírito que originalmente ensinara tal oficio à huma-
membro de sua família de cai
nidade.90
radiantes porque seu pai mon
A caça é um bom exemplo disso. Embora os caçadores geralmente se- ela). Um de seus irmãos mais
jam apresentados como anamachos, era mais provável que uma anafêmea a disparar uma espingarda e e
de uma habitação de caça se tornasse uma caçadora que um anamacho de demonstra que a diferença ana
uma habitação não caçadora se tornasse um caçador. Isso se deve ao fato exclusão. Em sociedades nas g1
de que, embora a caça exigisse armas materiais como arcos, flechas e es- esta geralmente é acompanhad
pingardas, as armas mais importantes do arsenal eram atribuições fami- cada gênero a seu próprio âml
liares das divindades, remédios, poções, encantamentos e talismãs, todos na cosmopercepção iorubá.
eles segredos familiares guardados cuidadosamente. Minha pesquisa em A experiência de Karin fü
Ôgb9m9s9 confirma que a caça ainda é considerada mais como uma vo- rubás, pode servir como mais u
cação familiar que como uma profissão específica de gênero. Eu entrevistei ções ocidentais sobre gênero e ;
uma caçadora (~á ode), Dorcas Àmàó, que tinha cerca de 76 anos e ainda Speak Until Tomorrow, Barber fa,
era ativa como 9df] (caçadora). Ela se vestia como seus colegas do sexo nas quais as mulheres são info
masculino e trabalhava como guarda de segurança como os outros caça- terminado caminho, porque sã
dores. Durante o festival igbé, ela se juntou a eles para disparar sua arma e uma mulher adivinha - sacerc
realizar outros rituais. Nascida em uma linhagem de caça, ela me contou uma exceção em uma ocupaçãc
a história de como se tornou uma caçadora ativa. 95 Em 1981, ela teve um tentei descobrir como as pesso
sonho em que seu falecido pai, que havia sido um caçador experiente, apa- ordinário, ninguém jamais sug
receu em um grupo de outros antepassados falecidos dançando o akitinpa Homens e mulheres afirmararr
(dança dos caçadores). Enquanto dançavam em direção a ela, ela se juntou suas ações e que nenhuma des,
à dança e seu pai lhe entregou uma arma e ordenou que ela começasse clui, no entanto, que esse decla
a "disparar sua arma". Ela continuou: Nigbati enryan o gbo do dÍjjàá (Não se dade de escolha das mulheres é
deve desobedecer). Ela não tinha escolha a não ser realizar a determinação mas se é, é porque ela registre
de seu pai. Quando perguntei se ela expressou, no sonho, alguma preo- sociedade na qual as ideias sob1
cupação ao pai por ser fêmea, ela disse que não se preocupou com isso. No entanto, há uma disjunção
De fato, a preocupação particular que ela expressou foi a de que ela era são invocadas por Barber e aq
cristã - ela percebeu um confüto entre sua vocação familiar e sua religião iorubás. Apesar da observaçãc
escolhida, mas seu pai respondeu: ''A. religião não nos impede de praticar é dicotomizado em macho e fl
nossa vocação e rituais familiares". 96 Na época desse evento, ela morava são; e ela, de fato, chama o mt
com a família do marido, mas imediatamente partiu para sua habitação mundo do homem". É do seu ·
foram seus antepassados que firma- natal para anunciar a ocorrido. Não houve oposição por parte de nenhum
1almente ensinara tal oficio à huma-
membro de sua família de caçadores; pelo contrário, estavam todas(os)
radiantes porque seu pai morto a escolheu para f'ara hàn (mostrar-se a
·a os caçadores geralmente se- ela). Um de seus irmãos mais novos, que caçava ativamente, ensinou-a
s provável que uma anafêmea a disparar uma espingarda e ela logo adquiriu uma. Seu caso, portanto,
1çadora que um anamacho de demonstra que a diferença anatômica não foi percebida como motivo de
1 caçador. Isso se deve ao fato exclusão. Em sociedades nas quais existe uma divisão sexual do trabalho,
riais como arcos, flechas e es- esta geralmente é acompanhada por uma ideologia que procura restringir
rsenal eram atribuições fami- cada gênero a seu próprio âmbito específico. Não existem tais ideologias
:antamentos e talismãs, todos na cosmopercepção iorubá.
mmente. Minha pesquisa em A experiência de Karin Barber, uma estudiosa das tradições orais io-
1siderada mais como uma vo- rubás, pode servir como mais uma indicação da disjunção entre as suposi-
:ífica de gênero. Eu entrevistei ções ocidentais sobre gênero e a compreensão iorubá. Em seu livro I Could
nha cerca de 76 anos e ainda Speak Until Tomorrow, Barber faz a observação de que "há poucas situações
a como seus colegas do sexo nas quais as mulheres são informadas de que não podem seguir um de-
~urança como os outros caça- terminado caminho, porque são mulheres". 97 Ela então discute o caso de
eles para disparar sua arma e uma mulher adivinha - sacerdotisa que, do ponto de vista ocidental, é
1agem de caça, ela me contou uma exceção em uma ocupação predominantemente masculina: "Quando
ativa. 95 Em 1981, ela teve um tentei descobrir como as pessoas explicavam esse comportamento extra-
o um caçador experiente, apa- ordinário, ninguém jamais sugeriu que houvesse algo de estranho nisso.
. falecidos dançando o akitinpa Homens e mulheres afirmaram que nenhum código foi transgredido por
em direção a ela, ela se juntou suas ações e que nenhuma desaprovação foi dirigida a ela". 98 Barber con-
e ordenou que ela começasse clui, no entanto, que esse declarado princípio cultural de abertura e liber-
ati enryan o gbo do dijàá (Não se dade de escolha das mulheres é limitado na prática. Isso pode ser verdade,
ão ser realizar a determinação mas se é, é porque ela registrou a sociedade iorubá do século XX, uma
ssou, no sonho, alguma preo- sociedade na qual as ideias sobre gênero estão cada vez mais entranhadas.
e não se preocupou com isso. No entanto, há uma disjunção mais fundamental entre as categorias que
!xpressou foi a de que ela era são invocadas por Barber e aquelas invocadas por suas(seus) informantes
rocação familiar e sua religião iorubás. Apesar da observação de Barber de que o mundo iorubá não
.o não nos impede de praticar é dicotomizado em macho e fêmea, suas próprias categorias conceituais
,oca desse evento, ela morava são; e ela, de fato, chama o mundo de Ifá (divindade da divinação) de "o
1te partiu para sua habitação mundo do homem". É do seu ponto de vista, portanto, que a posição da

119
anafên1ea aláwo (sacerdotisa-adivinha) parece extraordinária. Barber con- como predominância femini
sidera a masculinidade como um requisito para se tornar um sacerdote- a alegação de que o comér
-adivinho. Em contraste, para seus informantes iorubás, o anassexo deste principalmente na cidade. 1'

não era uma questão. O que era mais importante para elas(eles) era sua machos e foi assumida com<

educação (um atributo alcançado) e, mais importante ainda) suas conexões redores das cidades, muitas
to espacial da divisão do tr
fa1niliares (uma atribuição). Isto é o que um infonnante tinha a dizer sobre
pesquisa como base para ex
a anafêmea aláwo:
J. Pedler, 102 B. \V. Hodder pc
Ela aprendeu Tfa. Se uma mulher vai para a escola, ela se torna uma pessoa educada; cada rural poderia remonta
se ela c1prende Hã, da se torna um babalaô. Seu pc1i era um babalaô, assim como
nariam inseguro para os hrn
seu marido, então ela pegou pouco a pouco deles. Nunca houve uma época em que
as mulheres gozariam de re
a associação de babalaô dissesse que ela não tinha o direito de participar de suas
atividades. Os versos que ela aprendeu eram os mesmos de outros babalaôs. Uma por que Hodder acrcditavo
vez ela soube que era babalaõ'l9 •• Tanto homens como mulheres vêm consultá-la. IOú fato, fontes históricas não J
plo, os números de oMnrin io
Desde o referencial iorubá, teria sido mais excepcional se essa mu- o comércio escravagista no
lher tivesse se tornado uma aláwo sem que seu pai ou qualquer outro A antropóloga Niara Su
ancestral tivesse sido. Como as ocupações eram baseadas na linhagem, documentam o comércio fc1
não era notável que ela exercesse a profissão de sua família cmno outros comercializavam localmente
babalaôs e suas proles fizeram na Iorubalândia. Isso não foi uma exceção estavam envolvidas no comê
no universo da divinação-sacerdócio porque, como a maioria dos outros razão pela qual os machos, e
(homens ou mulheres)J ela herdou a profissão. Como se diria em iorubá, XIX, era que "a agricultur2
Ó bá olá nílé ni (Tudo fica em família). 1111 O mesmo se aplica à fmja, à tece- tinham a responsabilidade
lagem ou a qualquer outra ocupação que existisse na Velha Oyó. Tanto grupos hostis)', 105 conclui eh
9kUnrin como obinrin estavam representadas(os) cm todas as ocupações. ram de 1nãos dadas, porqw
portões da cidade. Por mais
QUESTIONANDO AESTRUTURA DE GÊNERO parecer, a apresentação dic
Apesar das evidências em contrário, quem se dedicou à investigação efeito de desmentir a relaçãc
usou o gênero para explicar a divisão do trahalho na Velha Oyó. Amos- na agricultura e, de fato, na
tras de tal discurso são apresentadas nesta seção para demonstrar a in- As principais mercado·
venção de uma sociedade generificada e destacar outras questões relacio- os alimentos que os comerc
nadas a essa. Ao pressupor a divisão de trabalho por gênero, as pessoas suas cabeças para as cidade
que realizaram pesquisas se concentraram em explicar o que eles viam processados e depois vcndici

120
:e extraordinária. Barber con- como predominância feminina no comércio. Várias dessas pessoas fazem
para se tornar um sacerdote- a alegação de que o comércio era uma profissão feminina que ocorria
ntes iorubás, o anassexo deste principalmente na cidade. A agricultura, em contraste, era associada aos
ortante para elas(eles) era sua machos e foi assumida como ocorrendo nos campos, que ficavam nos ar-
1portante ainda, suas conexões redores das cidades, muitas vezes a quilômetros de distância. Esse aspec-
Lnformante tinha a dizer sobre to espacial da divisão do trabalho, portanto, tem sido usado por quem
pesquisa como base para explicar a divisão iorubá do trabalho. Como F.
J. Pedler, 102 B. W . Hodder postula que a predominância feminina no mer-
>la, ela se torna uma pessoa educada;
cado rural poderia remontar a condições de insegurança interna que tor-
eu pai era um babalaô, assim como
nariam inseguro para os homens se afastarem para os campos, enquanto
es. Nunca houve uma época em que
inha o direito de participar de suas as mulheres gozariam de relativa imunidade aos ataques. 103 Não é nítido
,s mesmos de outros babaJaôs. Uma por que Hodder acreditava que as fêmeas eram imunes a ataques. De
1s como mulheres vêm consultá-la. 100 fato, fontes históricas não apoiam essa hipótese - considere, por exem-
plo, os números de obinrin iorubás e crianças que foram vendidas durante
mais excepcional se essa mu-
o comércio escravagista no Atlântico. 104
c seu pai ou qualquer outro
A antropóloga Niara Sudarkasa, analisando os registros históricos que
eram baseadas na linhagem,
documentam o comércio feminino, conclui que as anafêmeas geralmente
io de sua família como outros
comercializavam localmente, dentro das cidades, e que muito poucas delas
1dia. Isso não foi uma exceção
estavam envolvidas no comércio interurbano. Além disso, ela sugere que a
ue, como a maioria dos outros
razão pela qual os machos, e não as fêmeas, eram os fazendeiros no século
,ão. Como se diria em iorubá,
XIX, era que "a agricultura só podia ficar a cargo daqueles que também
nesmo se aplica à forja, à tece-
tinham a responsabilidade de defender a sociedade contra o ataque de
existisse na Velha Oyó. Tanto
grupos hostis", 105 conclui ela, a agricultura e as operações militares anda-
(os) em todas as ocupações.
ram de mãos dadas, porque ambos ocorreram fora do porto seguro dos
portões da cidade. Por mais plausível que essa linha de pensamento possa
parecer, a apresentação dicotômica da agricultura e do comércio tem o
m se dedicou à investigação efeito de desmentir a relação entre os dois e enfraquecer o papel de obinrin
·abalho na Velha Oyó. Amos- na agricultura e, de fato, na produção em geral.
seção para d emonstrar a in- As principais mercadorias do comércio na sociedade iorubá eram
;tacar outras questões relacio- os alimentos que os comerciantes compravam nos campos e levavam em
tbalho por gênero, as pessoas suas cabeças para as cidades. O inhame e outros alimentos básicos eram
em explicar o que eles viam processados e depois vendidos nos mercados. Isso não prova, no entanto,

121
que sempre houve uma grande separação espacial entre campos e cidades. estavam envolvidas no corr
Os registros de Johnson lançam uma sombra sobre a divisão generificada cio feminino de longa distâ
entre a fazenda e a cidade quando ele descreve como "cidades na planí- projeção é baseada em nor
cie que estão muito expostas a ataques súbitos, ou aquelas que tiveram A construção iorubá d,
que ficar sob longos cercos, têm uma segunda parede ou parede externa é projetada nessas fantasim
cercando uma grande área que é usada para agricultura durante um cer- gações da maternidade, co
co" . 106 Além disso, uma série de relatos documentados por exploradores para um emprego remuner
e missionários europeus descrevem a participação feminina no comércio tivo para acumular era a n,
interurbano. Por exemplo, Hugh Clapperton fez em seu diário a seguinte prole. A noção de que era
observação sobre a Iorubalândia: "Passamos por várias pessoas, principal- comércio de longa distânci.:
mente mulheres, pesadamente carregadas de panos, bananas-da-terra e res envelheciam, essas nece
uma pasta de milho indiano picado" . 107 atendidas. Além disso, com
Outro aspecto da abordagem de Sudarkasa prenuncia algumas teorias ças no ciclo familiar - espe1
feministas que foram usadas para explicar a divisão sexual do trabalho no em especial, que as avós aju
Ocidente e em outros lugares. Refiro-me especificamente à ideia de que, esperavam que sua prole cu
porque as mulheres são mães, elas não podem se dedicar a atividades que pais e prole dependia disso.
as levem muito longe da "esfera doméstica" . 108 Assim, Sudarkasa postula vida no comércio de longa <
que a maternidade é a principal razão para a domesticação das mulheres modo que seja definida) nãc
em geral. Seguindo a crença convencional dos Estudos Africanos de que De fato, as realidades :
o comércio de longa distância era domínio de machos, Sudarkasa argu- zam a teoria da maternidac
menta que, mesmo na sociedade iorubá, apesar do domínio das fêmeas no definição de maternidade io
comércio, o comércio de longa distância era conduzido por machos. Ela mente sua prole. A própria ,
chega a essa conclusão porque o comércio de longa distância exigia ficar observa, a maternidade era
longe de casa semanas a fio, e isso é incompatível com a responsabilidade econômicas. Uma vez que <
de cuidar das crianças. "Na Iorubalândia tradicional (como na sociedade por um longo período de te
atual), eram principalmente as mulheres que passaram da idade para engra- as jovens e aquelas que pai
vidar que se dedicavam ao comércio de longa distância, o que exigia que reducionista. Havia outros t
elas ficassem longe de suas casas por semanas ou até mesmo meses. As menopáusicas. É compreen
mulheres que ainda eram responsáveis pela prole negociavam nos merca- da tivesse consequências err
dos locais" . 109 Com base no pressuposto de que a maternidade domestica por quanto tempo? Além d
as mulheres, é lógico concluir que foram principalmente as mulheres na teriam outras crianças, e é
menopausa, que não tinham responsabilidade de cuidar de crianças, que conta suas responsabilidade:

122
:pacial entre campos e cidades. estavam envolvidas no comércio de longa distância. Nesse caso, o comér-
:a sobre a divisão generificada cio feminino de longa distância seria uma exceção e não a regra. Mas tal
:reve como "cidades na planí- projeção é baseada em normas culturais ocidentais.
bitos, ou aquelas que tiveram A construção iorubá da maternidade era muito diferente daquela que
ida parede ou parede externa é projetada nessas fantasias baseadas no Ocidente. Para começar, as obri-
a agricultura durante um cer- gações da maternidade, como as da paternidade, eram a principal razão
cumentados por exploradores para um emprego remunerado para todos os adultos, e o principal incen-
:i pação feminina no comércio tivo para acumular era a necessidade de fornecer um dote para a própria
n fez em seu diário a seguinte prole. A noção de que eram apenas mães idosas que se engajavam em
; por várias pessoas, principal- comércio de longa distância é, portanto, problemática - quando as mulhe-
de panos, bananas-da-terra e res envelheciam, essas necessidades econômicas primárias já haviam sido
atendidas. Além disso, com o envelhecimento individual, surgiam mudan-
asa prenuncia algumas teorias ças no ciclo familiar - esperava-se que a prole cuidasse da mãe e do pai e,
divisão sexual do trabalho no em especial, que as avós ajudassem a cuidar das(os) netas(os). A mãe e o pai
pecificamente à ideia de que, esp eravam que sua prole cuidasse deles na velhice; o status social de mães,
m se dedicar a atividades que pais e prole dependia disso. Portanto, a imagem de uma velha mãe envol-
·.'ºªAssim, Sudarkasa postula vida no comércio de longa distância após a "flor da idade" 11 º (de qualquer
a domesticação das mulheres modo que seja definida) não é apoiada pelas evidências.
ios Estudos Africanos de que De fato, as realidades socioeconômicas da Iorubalândia problemati-
de machos, Sudarkasa argu- zam a teoria da maternidade como um papel de domesticação - parte da
;ar do domínio das fêmeas no definição de maternidade iorubá foi que as mães devem sustentar material-
t conduzido por machos. Ela mente sua prole. A própria Sudarkasa é bem explícita sobre isso; como ela
le longa distância exigia ficar observa, a maternidade era um impulso em vez de um obstáculo às atividades
1tível com a responsabilidade econômicas. Uma vez que o período de dar à luz ativamente é estendido
1dicional (como na sociedade por um longo período de tempo, dividir as mães em dois grupos (ou seja,
.ssaram da idade para engra- as jovens e aquelas que passaram pela flor da idade) é muito limitado e
a distância, o que exigia que reducionista. Havia outros tipos de mães - que não procriaram nem eram
ias ou até mesmo meses. As menopáusicas. É compreensível supor que ter uma criança recém-nasci-
>role negociavam nos merca- da tivesse consequências em todos os compromissos de uma mulher. Mas
ue a maternidade domestica por quanto tempo? Além disso, muitas mães de crianças recém-nascidas
ncipalmente as mulheres na teriam outras crianças, e é pouco provável que não tivessem levado em
e de cuidar de crianças, que conta suas responsabilidades para com estas na estruturação de suas vidas.

123
Além disso, os arranjos de vida em grandes habitações, oferecendo Edholm, Barris e Young
uma multiplicidade de mães e pais, significavam que a criação das crianças tcrossexual é a base da divisà
não era uma experiência individualizada que recaía apenas sobre as mães. rença de gênero nos papéis/ o
Muitas mães foram capazes de compartilhar responsabilidades de cuidar - marido/ esposa ou màe/pa
das crianças, libertando um grande número de mães em idade fértil para à Velha Oyó porque não ha
se envolver em qualquer atividade que desejasse. As crianças eram fre- casadas não formavam uma t

quentemente supervisionadas por crianças mais velhas; pessoas idosas (de ligamia tornou o modelo de
todos os tipos) participaram do cuidado; e bebês foram transportados nas que diz respeito ao modelo 1
costas de suas mães e em outras costas para o mercado. Uma vez reconhe- obrigações do "ganha-pão" p
cido que a divisão do trabalho também abrangeu fatores de senioridade mais proeminentes e cruciais I
e geracionais, não é difícil perceber como a maternidade era compatível sua prole; mas os pais tambén
com o comércio de longa distância. Como já observei, até mesmo o cha- seus filhos, particularmente d1
mado comércio local tinha um aspecto de longa distância, porque os gê- to, que eram de grande impor
neros alimentícios para o comércio tinham de ser trazidos dos campos que parental na sociedade da Velh
ficavam a quilômetros de distância. de mãe e pai. Era mais uma
materna - a casa da mãe) e o
Uma anafêmca pertencente a
DECOMPONDO OCONCEITO DE UMA DIVISÃO GEI\IERIFICADA DO TRABALHO
nharia o papel do pai enquant,
A propensão a impor uma divisão de trabalho por gênero na velha socie- Assim, não podemos apli,
dade Oyó decorre de várias suposições. Uma é que tal divisão é universal de entre o papel dos pais e o
e atemporal. É necessário desmembrar o conceito de divisão do trabalho noção mais complexa de com
por gênero. Felicity Edholm, Olivia Barris c Kate Young distinguem entre dade de mães e pais e deveri2
( 1) analisar a divisão sexual do trabalho como "designação diferencial de de omo (criança). Em segund,
tarefas"; isto é "simplesmente declarar de outro modo que a diferenciação crianças de diferentes idades r
de gênero é realizada em atividades sociais específicas"; e (2) analisar "em são do cuidado das crianças e
que base outras tarefas que não as de procriação e amamentação são atri- tar a divisão do trabalho na so
buídas a um sexo ou outro, isto é, o conteúdo da divisão sexual do trabalho ignora o fato de que pessoas ,
e da natureza da apropriação e intercâmbio entre os produtos específicos bilidades concretas umas par:
do sexo" . 111 Entretanto, como demonstrei acima, não havia produtos ou sua prole. Em quarto lugar, a
atribuição de tarefas específicos de gênero na Velha Oyó. Okunrin e obinrin anafêmeas adultos entre si nã1
estavam representados em todas as profissões, e a base da atribuição, em pessoas em relação de irmand
todo caso) era o pertencimento à linhagem. reivindicações, às vezes, na ve:

124
les habitações, oferecendo Edholrn, Harris e Young prosseguem sugerindo que, como o casal he-
1que a criação das crianças terossexual é a base da divisão do trabalho, as análises acadêmicas da dife-
:caía apenas sobre as mães. rença de gênero nos papéis/ ocupações devem se basear em papéis conjugais
~sponsabilidades de cuidar - marido/esposa ou mãe/pai. Essa abordagem é problemática em relação
mães em idade fértil para à Velha Oyó porque não havia um casal conjugal como tal, e as pessoas
sse. As crianças eram fre- casadas não formavam uma unidade produtiva. De fato, a existência da po-
s velhas; pessoas idosas (de ligamia tornou o modelo de papel conjugal complementar inaplicável. No
~s foram transportados nas que diz respeito ao modelo mãe/pai, tanto as mães como os pais tinham
tercado. Uma vez reconhe- obrigações do "ganha-pão" para com as crianças. As mães parecem ter sido
geu fatores de senioridade mais proeminentes e cruciais para a cotidiana existência e a sobrevivência de
1aternidade era compatível sua prole; mas os pais também tinham papéis muito importantes na vida de
seus filhos, particularmente durante os ritos de passagem, como o casamen-
>bservei, até mesmo o cha-
to, que eram de grande importância na sociedade iorubá. De fato, o modelo
~a distância, porque os gê-
parental na sociedade da Velha Oyó englobava muito mais do que os papéis
er trazidos dos campos que
de mãe e pai. Era mais uma divisão do trabalho entre os idí-ryá (parentela
materna - a casa da mãe) e os idí-bàbá (parentela paterna - a casa do pai).
Uma anafêmea pertencente aos parentes paternos, por exemplo, desempe-
IERIFICADA DO TRABALHO
nharia o papel do pai enquanto ela cumprisse as obrigações do lado paterno.
por gênero na velha socie- Assim, não podemos aplicar uma noção simples de complementarida-
: que tal divisão é universal de entre o papel dos pais e o papel das mães no cotidiano. Primeiro, uma
eito de divisão do trabalho noção mais complexa de complementaridade transcenderia a individuali-
=tte Young distinguem entre dade de mães e pais e deveria ser colocada no contexto do tempo de vida
"designação diferencial de de omp (criança). Em segundo lugar, a presença de múltiplas gerações e
> modo que a diferenciação crianças de diferentes idades no agbo-ilé (habitação) abre a questão da divi-
ecíficas"; e (2) analisar "em são do cuidado das crianças entre as pessoas residentes. Terceiro, apresen-
io e amamentação são atri- tar a divisão do trabalho na sociedade iorubá em termos de papel conjugal
Ldivisão sexual do trabalho ignora o fato de que pessoas em relação de irmandade tinham responsa-
ttre os produtos específicos bilidades concretas umas para com as outras e para com as várias aya e
na, não havia produtos ou sua prole. Em quarto lugar, a principal responsabilidade dos anamachos e
Telha Oyó. 9kunrin e obinrin anafêmeas adultos entre si não era necessariamente de parceria conjugal;
e a base da atribuição, em pessoas em relação de irmandade, mães e pais de ambos tinham direito a
reivindicações, às vezes, na verdade, de primeira ordem.

125
Edholm, Harris e Young argumentam ainda que, em algumas situa- ordem social, onde, apesar d
ções, a questão crítica não é se certas tarefas eram "específicas em relação econômicos e da complexida
ao sexo" (a questão que dominava a literatura), mas quem controlava o reduzidos a fazendeiros e as ;
trabalho e seus produtos' 12 e quais tarefas eram mais altamente valorizadas a discutir como a divisão do
pela cultura. A maternidade era a instituição mais valorizada na Ioru- categoriais. ''.As análises da e
balândia, e qualquer coisa que fizesse de obinrin uma mãe mais eficiente era ralmente estabelecem as cat
promovida, mesmo que isso afetasse outras pessoas e outros compromissos. de demarcação na vida ecm
Lembre-se da atitude iorubá em relação à abstinência pós-parto. Aya e 9k9 mapear as voltas e reviravolt,
controlavam os produtos de seu próprio trabalho, pois não havia noção argumenta ainda que apenas
de propriedade conjugal. Essa relação de propriedade foi demonstrada no ocupam com "'a realização d
sistema de herança em que as partes do casal não herdaram propriedades ao tornar o processo de con
entre si. Com relação ao comércio versus cultivo, não surgiram evidências desvia a lógica abstrata do cal
de que um era mais valorizado do que o outro na época. No entanto, está sobre a maneira categorial pe
bem documentado que o povo iorubá nesse tempo valorizava a cidade; as- instrutiva. No que diz respeite
sociaram-na à boa vida e relações sociais. Isso pode sugerir que, em termos de lado a designação essenci
espaciais, a localização de comerciantes na cidade poderia ser percebida única categoria ocupacional
como mais vantajosa. Dizer que pessoas comerciantes eram vistas como nesses sistemas [iorubá e bet
mais importantes é extrapolar os limites das evidências. Em uma questão que as pessoas tinham múltir
relacionada, Sudarkasa propõe que, no século XIX, a infantaria era mais que exerciam o sacerdócio-d
valorizada do que a agricultura em Ibadan, uma das organizações políti- Muitas pessoas cultivaram pa
cas iorubás. 113 lbadan havia ganhado ascendência militar, e o aventureiris- mércio e agricultura na !iterai
mo militar havia se tornado um caminho para os machos obterem riqueza. Esta seção destacou o ca
Como resultado deste desenvolvimento, a agricultura durante esse período ciedade Oyó. Argumentei qu
foi considerada como trabalho fatigante. lheres" e o mapeamento de t;
O problema do categorialismo talvez seja outro fator para explicar a respectivamente, em uma soe
inclinação para erguer uma divisão do trabalho por gênero. R. W. Connell presentados em ambas as oci;
identificou uma das principais características da abordagem categórica de uma imposição de um moe
na teoria social como o foco na "categoria como uma unidade, em vez uma falsa simplificação dos p,
dos processos pelos quais a categoria é constituída, ou os elementos que A estatística tem sido a t
a constituem ... A ordem social como um todo é retratada em termos de categorias. Portanto, o fundar
poucas categorias principais - geralmente duas - relacionadas entre si por chamado de "categorialismo
114
poder e conflito de interesses". O categorialismo é nítido na análise da que homens e mulheres estav,
ainda que, em algumas situa- ordem social, onde, apesar de uma variedade de possíveis compromissos
i eram "específicas em relação econômicos e da complexidade da divisão do trabalho, os anamachos são
cura), mas quem controlava o reduzidos a fazendeiros e as anafêmeas a comerciantes. Connell continua
1m mais altamente valorizadas a discutir como a divisão do trabalho por gênero é mapeada em análises
.ção mais valorizada na Ioru- categoriais. ''As análises da divisão sexual do trabalho, por exemplo, ge-
irin uma mãe mais eficiente era ralmente estabelecem as categorias de gênero como uma linha simples
)essoas e outros compromissos. de demarcação na vida econômica, adicionando uma complexidade ao
tbstinência pós-parto. Aya e oko mapear as voltas e reviravoltas dessa linha em diferentes sociedades". Ele
:abalho, pois não havia noção argumenta ainda que apenas algumas pessoas dedicadas à pesquisa se pre-
ropriedade foi demonstrada no ocupam com "'a realização da ocupação de uma mulher' ... um ponto que,
al não herdaram propriedades ao tornar o processo de construção de categorias uma questão central,
utivo, não surgiram evidências desvia a lógica abstrata do categorialismo". 115 A observação de Jane Guyer
.tro na época. No entanto, está sobre a maneira categorial pela qual as ocupações são definidas também é
tempo valorizava a cidade; as- instrutiva. No que diz respeito à agricultura, ela escreve: "É preciso deixar
;o pode sugerir que, em termos de lado a designação essencialmente europeia da agricultura como uma
. cidade poderia ser percebida única categoria ocupacional para entender a lógica da divisão de tarefas
)merciantes eram vistas como nesses sistemas [iorubá e beti]". 116 Da mesma forma, há que se lembrar
s evidências. Em uma questão que as pessoas tinham múltiplas ocupações; por exemplo, muitas pessoas
110 XIX, a infantaria era mais que exerciam o sacerdócio-divinação praticavam também a agricultura.
, uma das organizações políti- Muitas pessoas cultivaram para negociar. Portanto, a separação entre co-
iência militar, e o aventureiris- mércio e agricultura na literatura é injustificada.
ra os machos obterem riqueza. Esta seção destacou o categorialismo de gênero de intérpretes da so-
;ricultura durante esse período ciedade Oyó. Argumentei que a criação das categorias " homens" e "mu-
lheres" e o mapeamento de tais ocupações na agricultura e no comércio,
!ja outro fator para explicar a respectivamente, em uma sociedade na qual okunrin e obinrin estavam re-
lho por gênero. R . W Connell presentados em ambas as ocupações, não têm fundamento e não passam
:as da abordagem categórica de uma imposição de um modelo forâneo que distorce a realidade e leva a
. como uma unidade, em vez uma falsa simplificação dos papéis e relações sociais.
stituída, ou os elementos que A estatística tem sido a base mais crucial para o estabelecimento de
ido é retratada em termos de categorias. Portanto, o fundamental para muitas análises é o que pode ser
rns - relacionadas entre si por chamado de "categorialismo estatístico". Com base nisso, argumenta-se
ialismo é nítido na análise da que homens e mulheres estavam desproporcionalmente representados nas

127
diferentes categorias. Assim, se comerciantes eram em sua maioria mu- cosmoV1sào ocidental. O que
lheres, então o comércio é categorizado como o trabalho de urna mulher. dente é a percepção de que e
Este processo subestima os números na categoria de oposição (também funcionamento, categorias inf<
instalada por quem investiga), e esses números são geralmente ignorados referência autóctone. É possh.
e não contribuem em nada para a discussão. O principal problema com xamàs \Vana ou divinadoras-:
o categorialisrno estatístico é que ele estabelece as categorias "homens" e dades em função de sua prime
"mulheres" a priori e, cm seguida, usa estatísticas para validar as suposições a ordem de nascimento não (
não comprovadas. As estatísticas não são inocentes - elas são coletadas em Outras categorias cruciais pod
termos de um foco de pesquisa que é sustentado por pressuposições sobre segunda criança nascida da se
a natureza da vida e das sociedades humanas. As estatísticas só fazem o o ponto é que as categorias oc
que quem pesquisa quer que elas façam. Assim, em referência à antiga implantadas como válidas un
sociedade Oyó, as estatísticas apresentadas para apoiar a afirmação de rias locais mais importantes pc
que houve uma ordem social de gênero são, na verdade, o trabalho dos inconcebíveis. O argumento a
próprios acadêmicos realizando urna estatística generificada. para as sociedades ocidentais 1 :
A partir da abordagem deste livro, a existência de homens e mulheres <lamentais que são igualmente
corno categorias sociais deve ser comprovada antes de uma análise estatísti- dades. Categorias raciais vêm
ca para mostrar sua prevalência. Além disso, devemos voltar ao argumento dentais, a senioridade e a orde1
mais fundamental deste livro - ao contrário das sociedades ocidentais, as determinação do acesso, oport
diferenças anatômicas humanas não eram a base das categorias sociais na no entanto, essas variáveis não
Iorubalândia. As estatísticas nada mais são do que uma "contagem de cor- Em um estudo do radicalismo
pos"; elas são apenas outra maneira de validar a noção ocidental de que os afirma que a ordem de nascin
corpos fisicos são necessariamente corpos sociais. mina quem se tornará um reb
A antropóloga Jane Atkinson mostrou que, na sociedade Wana do pelo qual certas variáveis são
sudeste da Ásia, todos os papéis sociais são igualmente abertos a homens e quem pesquisa é importante pc
mulheres. Ela questiona, no entanto, por que estatisticamente as mulheres No discurso escrito sobre os pc
são menos representadas na profissão prestigiosa de xarnã. Ela conclui que a senioridade, apenas por caus;
"uma mulher \Vana que se torna uma xamã poderosa não quebrou as re- problemas de pesquisa e na teo
gras, mas superou as probabilidades". 117 As probabilidades são a linguagem
suprema das estatísticas e falam da obsessão ocidental com a mensuração GÊNERO COMO CONSTRUÇÃO TEI
e a preocupação com "evidências que podemos ver". 118 As probabilidades Como demonstrei repetidamen
aqui não são feitas pelos \Vana; elas são, na verdade, invenções da própria é concebido, antes de mais nad;
Atkinson. Atkinson reconhece que a cosmoperccpção \Vana é diferente da ca que é então usada como bas

128
ttes eram em sua ma10na mu- cosmovisão ocidental. O que falta em muitas análises advindas do Oci-
mo o trabalho de uma mulher. dente é a percepção de que categorias mais importantes podem estar cm
ategoria de oposição (tarnbém funcionamento, categorias informadas e constituídas a partir do quadro de
1cros são geralmente ignorados referência autóctone. É possível, por exemplo, que a maioria das pessoas
ão. O principal problema com xamãs VVana ou divinadoras-sacerdotisas iorubás assumissem essas ativi-
elece as categorias "homens" e dades em função de sua primogenitura. Quem pesquisa não pode saber se
;ticas para validar as suposições i[ a ordem de nascimento não é urna categoria conceitua! da investigação.
ocentcs - elas são coletadas em Outras categorias cruciais poderiam ser quem nasceu sob a lua cheia ou a
ntado por pressuposições sobre segunda criança nascida da segunda esposa. Seria possível continuar, mas
mas. As estatísticas só fazem o o ponto é que as categorias ocidentais, corno o gênero, são globalizadas e
Assim, cm referência à antiga implantadas corno válidas universalmente, ainda quando outras catego-
ts para apoiar a afirmação de rias locais mais importantes podem ter se tornado irrelevantes e, portanto,
io, na verdade, o trabalho dos inconcebíveis. O argumento apresentado aqui também não é irrelevante
stica generi.ficada. para as sociedades ocidentais, porque poderia haver outras categorias fun-
ôstência de homens e mulheres damentais que são igualmente importantes na interpretação dessas socie-
a antes de uma análise estatísti- dades. Categorias raciais vêm prontamente à mente. Nas sociedades oci-
l, devemos voltar ao argumento dentais, a senioridade e a ordem de nascimento são fatores importantes na
o das sociedades ocidentais, as determinação do acesso, oportunidades e identidades pessoais das pessoas;
1 base das categorias sociais na no entanto, essas variáveis não receberam tanta atenção quanto deveriam.
do que uma ''contagem de cor- Em um estudo do radicalismo nas sociedades ocidentais, Frank Sulloway
:lar a noção ocidental de que os afirma que a ordem de nascimento é o fator mais importante que deter-
oc1a1s. mina quem se tornará um rebelde na família. 119 A explicação do motivo
1 que, na sociedade VVana do pelo qual certas variáveis são privilegiadas cm detrimento de outras por
igualmente abertos a homens e quem pesquisa é importante para entender as sociedades e a teoria social.
1e estatisticarnentc as mulheres No discurso escrito sobre os povos iorubás, o gênero é privilegiado sobre
giosa de xamã. Ela conclui que a scnioridade, apenas por causa do domínio ocidental na conceituação de
à poderosa não quebrou as re- problemas de pesquisa e na teoria social.
Jrobabilidades são a linguagem
o ocidental com a mensuraç,ão GÊI\IERO COMO CONSTRUÇÃO TEÓRICA EIDEOLÕGICA
mos ver". 118 As probabilidades Como demonstrei repetidamente antes, nos discursos ocidentais, o gênero
verdade, invenções da própria é concebido, antes de mais nada, como uma categoria biológica dicotômi-
percepção Wana é diferente da ca que é então usada como base para a construção de hierarquias sociais.

129

==- .-,i,c:,:-'x-,~H-
O corpo é usado como chave para situar as pessoas no sistema social oci- não apenas com os "porquês"
dental, na medida em que a posse ou a ausência de certas partes do corpo porque um determina o outro
inscreve diferentes privilégios e desvantagens sociais. O gênero masculino o gênero é socialmente constn
é o gênero privilegiado. Mas essas observações não são verdadeiras no está sendo construído, 1nas tam
quadro de referência iorubá. Assim, as construções de gênero não são em a construção. Para retornar à
si mesmas biológicas - elas são culturalmente construídas, e sua manuten- quantos dos tijolos para a cons1
ção é uma função dos sistemas culturais. Consequentemente, usar as teo- questão? Quantos vêm de quer
rias de gênero ocidentais para interpretar outras sociedades sem recorrer a público?
suas próprias cosmopercepções impõe a elas um modelo ocidental. O problema do gênero nc
Edholm, Harris e Young concluem que "os conceitos que emprega- colocado como a questão da m
mos para pensar sobre as mulheres são parte de todo um aparato ideológico lhercs são oprimidas pelo patria
que no passado nos desencorajou de analisar o trabalho das mulheres e as e o patriarcado são aceitos com
esferas das mulheres como parte integrante da produção social". 120 Estou de análise e sern explicação. No ei
acordo com a ideia de que os conceitos fazem parte do aparato ideológico. iorubá, ficou explícito que a cat
No entanto, essas pessoas que pesquisam caem na armadilha ideológica tomicamente e percebida como
que elucidam - eles empregam o conceito de "mulheres" como um dado, existia. Assumir a priori a questà<
e não como parte de "todo um aparato ideológico". Mulher/mulheres é dada do modelo ocidental, privi
uma construção social, embora seja invocada de maneira associal e a-his- apagando o modelo iorubá de s
toricamente. Nã.o havia mulheres na sociedade iorubá até recentemente. Em conclusão, o que o caso
Havia, obviamente, obinrin. As obinrin são anafêmeas. Sua anatomia, assim ria é que este não é um dado. A
como a dos pkUnrin (anamachos), não as privilegiava para nenhuma po- não pode ser invocado da mesm
sição social e, da mesma forma, não prejudicava seu acesso a qualquer situações no tempo e no espaço
posição social. quanto histórica. Não há dúv:id
A exportação mundial da teoria feminista, por exemplo, faz parte do nas análises acadêmicas, mas sei
processo de promoção de normas e valores ocidentais. Acatada por seu iorubá pré-colonial. O tempo d
valor aparente, a incumbência feminista de tornar as mulheres visíveis é nial, que será discutido nos capít
levada a cabo submergindo muitas categorias locais e regionais, o que de ses períodos, o gênero não pode
fato impõe valores culturais ocidentais. A formação global de gênero é localizado dentro de sistemas cu
então um processo imperialista possibilitado pelo domínio material e inte- articulações devem ser mapead.:
lectual ocidental. Com efeito, uma das recomendações mais importantes dos sistemas sociais.
que emerge da minha análise da sociedade iorubá é que, em qualquer
consideração de construção de gênero: quem pesquisa deve se preocupar

130
~ssoas no sistema social oci- não apenas com os "porquês" do gênero, mas também com os "quem') -
ia de certas partes do corpo porque um determina o outro. Ou seja, quando quem investiga diz que
;ociais. O gênero masculino o gênero é socialmente construído, temos não apenas que localizar o que
)es não são verdadeiras no está sendo construído, mas também identificar quem (singular e plural) faz
JÇÕes de gênero não são em a construção. Para retornar à metáfora do edificio usada anteriormente,
construídas) e sua manuten- quantos dos tijolos para a construção do edificio provêm da sociedade cm
sequentemente, usar as teo- questão? Quantos vêm de quem investiga? E, finalmente, quantos vêm do
as sociedades sem recorrer a público?
1m modelo ocidental. O problema do gênero nos Estudos Africanos tem sido geralmente
··os conceitos que emprega- colocado como a questão da mulher, isto é, em termos de quanto as mu-
todo um aparato ideológico lheres são oprimidas pelo patriarcado em qualquer sociedade. As mulheres
o trabalho das mulheres e as e o patriarcado são aceitos com naturalidade e, portanto, são deixados sem
lrodução social" . 120 Estou de análise e sem explicação. No entanto, ao mapear o quadro de referência
parte do aparato ideológico. iorubá, ficou explícito que a categoria social "mulher" - identificada ana-
,m na armadilha ideológica tomicamente e percebida como vítima e socialmente desfavorecida - não
"mulheres" como um dado, existia. Assumir a priori a questão da mulher constitui uma aplicação infun-
dada do modelo ocidental, privilegiando o modo ocidental de ver e, assim,
lógico". Mulher/mulheres é
de maneira associal e a-his- apagando o modelo iorubá de ser.
Em conclusão, o que o caso iorubá nos diz sobre gênero como catego-
de iorubá até recentemente.
ria é que este não é um dado. Assim, como uma ferramenta analítica, ele
fêmeas. Sua anatomia, assim
não pode ser invocado da mesma maneira e no mesmo grau em diferentes
,'ilegiava para nenhuma po-
situações no tempo e no espaço. O gênero é tanto uma construção social
icava seu acesso a qualquer
quanto histórica. Não há dúvida de que o gênero tem seu lugar e tempo
nas análises acadêmicas, mas seu lugar e seu tempo não eram a sociedade
a, por exemplo, faz parte do
iorubá pré-colonial. O tempo do "gênero" viria durante o período colo-
ocidentais. Acatada por seu
nial, que será discutido nos capítulos seguintes. Mesmo em referência a es-
tornar as mulheres visíveis é
ses períodos, o gênero não pode ser teorizado em si mesmo; ele deve estar
s locais e regionais, o que de
localizado dentro de sistemas culturais-· locais e globais-, e sua história e
xmação global de gênero é
articulações devem ser mapeadas criticamente junto com outros aspectos
pelo domínio material e inte-
dos sistemas sociais.
nendações mais importantes
iorubá é que, em qualquer
1 pesquisa deve se preocupar

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