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TERAPIA COGNITIVO-

COMPORTAMENTAL PARA
COMPORTAMENTOS SUICIDA
Elaine Chaves
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


SISTEMA INTEGRADO DE BIBLIOTECAS

Chaves, Elaine
Terapia cognitivo-comportamental para
comportamentos suicidas [recurso eletrônico] / Elaine
Chaves. Curitiba: Contentus, 2020.
97 p.
ISBN 978-65-5745-507-4

1. Terapia cognitiva. 2. Terapia do comportamento. 3.


Comportamento suicida - Prevenção. I. Título.

CDD 616.858445

Catalogação na fonte: Célia Regina Pinheiro Vasques – CRB-9/1180

Instituto Ethos Educação Digital Ltda - CNPJ 39.279.631/0001-27


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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 − ENXERGAR É DIFERENTE DE VER .............................................................................. 6
AMPLIANDO O CAMPO DE VISÃO SOBRE O COMPORTAMENTO SUICIDA.................................. 7
CONTEXTO HISTÓRICO ............................................................................................................. 7
DEVEMOS OU NÃO FALAR SOBRE SUICÍDIO? .......................................................................... 8
IMPORTANTE SABER – DADOS EPIDEMIOLÓGICOS ..................................................................... 9
A RELAÇÃO ENTRE O SUICÍDIO E OS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS....................................... 11
TRANSTORNOS DE HUMOR – DEPRESSÃO E TRANSTORNO BIPOLAR ................................... 11
ESQUIZOFRENIA ..................................................................................................................... 13
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ....................................................................................... 13
ALCOOLISMO ......................................................................................................................... 14
REFLETINDO SOBRE A PESSOA QUE TENTA O SUICÍDIO ............................................................ 14
APRENDENDO A LIDAR COM A PESSOA EM RISCO DE SUICÍDIO ............................................... 15
ENXERGAR É DIFERENTE DE VER ........................................................................................... 15
ÉTICA E SIGILO – QUANDO HÁ RISCO DE SUICÍDIO, COMO PROCEDER? .............................. 16
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 18
CAPÍTULO 2 − AVALIAÇÃO ............................................................................................................. 20
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 21
IDENTIFICANDO O RISCO DE SUICÍDIO NA ENTREVISTA INICIAL ............................................... 21
COMO AVALIAR O GRAU DO RISCO DE SUICÍDIO? .................................................................... 23
AVALIAÇÃO POR MEIO DA ENTREVISTA ................................................................................ 23
AVALIAÇÃO POR MEIO DE TESTAGEM ................................................................................... 24
CONHECENDO MELHOR O TESTE QUE PODE ME AJUDAR NA AVALIAÇÃO DO RISCO DE
SUICÍDIO ................................................................................................................................. 24
EMOÇÕES E ALIANÇA TERAPÊUTICA ......................................................................................... 25
COMO SE SENTE O PACIENTE QUE TENCIONA O SUICÍDIO? ................................................. 25
ALIANÇA TERAPÊUTICA E COMO ELA INTERVÉM NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO ........... 26
INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA ...................................................................................................... 27
SUICÍDIO NA VISÃO DA TCC ....................................................................................................... 29
COMO FUNCIONAM AS CRENÇAS NUCLEAR, INTERMEDIÁRIA E O PENSAMENTO
AUTOMÁTICO NO PACIENTE SUICIDA?.................................................................................. 29
DISTORÇÕES SUICIDAS MAIS COMUMENTE IDENTIFICADAS NOS PACIENTES EM CRISE
SUICIDA .................................................................................................................................. 31
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 33

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CAPÍTULO 3 − COMPORTAMENTO ................................................................................................ 35


CONVERSA INICIAL ..................................................................................................................... 36
SUICÍDIO ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ........................................................................... 36
SUICÍDIO INFANTIL ................................................................................................................. 36
SUICÍDIO ENTRE ADOLESCENTES ........................................................................................... 38
COMPORTAMENTO AUTOLESIVO: O QUE É E COMO TRATAR? ................................................ 38
O QUE É O COMPORTAMENTO AUTOLESIVO? ...................................................................... 38
COMO LIDAR COM O COMPORTAMENTO AUTOLESIVO? ..................................................... 39
JOGOS SUICIDAS ........................................................................................................................ 41
O PROCEDER DO AMBIENTE ACADÊMICO QUANTO À TENTATIVA DE SUICÍDIO ...................... 43
SUICÍDIO DE UM ALUNO: COMO DEVE SER O PROCEDER DA ESCOLA? .................................... 45
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 49
CAPÍTULO 4 − TRATAMENTO TERAPEUTICO.................................................................................. 52
CONVERSA INICIAL ..................................................................................................................... 53
DESESPERO E ANGÚSTIA E SUA RELAÇÃO COM O SUICÍDIO ..................................................... 53
USO DO DIALOGO SOCRÁTICO PARA DESCOBRIR AS CRENÇAS NUCLEARES ............................ 55
COMO LIDAR COM O PACIENTE EM FASE DE TENTATIVA DE SUICÍDIO? .................................. 57
PACIENTE COM TRAÇOS DE IMPULSIVIDADE E RISCO DE SUICÍDIO .......................................... 59
COMO PROCEDER EM UMA CRISE DE SUICÍDIO? ...................................................................... 61
COMO PROCEDER QUANDO UM PACIENTE LIGA PARA O TERAPEUTA, EM MEIO A UMA
CRISE? .................................................................................................................................... 61
E SE NÓS NÃO CONHECERMOS A PESSOA QUE ESTÁ EM MEIO À CRISE DE SUICÍDIO? ........ 63
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 65
CAPÍTULO 5 − A FAMÍLIA ............................................................................................................... 67
CONVERSA INICIAL ..................................................................................................................... 68
A FAMÍLIA DO PACIENTE APÓS UMA TENTATIVA DE SUICÍDIO ................................................. 68
QUANDO O FAMILIAR DO PACIENTE PROCURA O TERAPEUTA APÓS A TENTATIVA DE
SUICÍDIO ................................................................................................................................. 68
PACIENTE ACOMPANHADO DE FAMILIAR NA CONSULTA ..................................................... 69
TERAPIA APÓS A TENTATIVA DE SUICÍDIO................................................................................. 71
PREVENINDO A RECAÍDA ........................................................................................................... 74
TCC APÓS TENTATIVA DE SUICÍDIO EM ADOLESCENTES ........................................................... 76
TÉCNICAS QUE AUXILIAM O TERAPEUTA EM MEIO A UMA CRISE DE SUICÍDIO ....................... 79
BALANÇA DECISÓRIA ............................................................................................................. 79
TÉCNICA DO GELO.................................................................................................................. 81
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 83

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CAPÍTULO 6 − TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ........................................................................ 84


CONVERSA INICIAL ..................................................................................................................... 85
RISCO DE SUICÍDIO EM QUEM TEM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE ............ 85
APÓS UM SUICÍDIO .................................................................................................................... 87
O TERAPEUTA APÓS O SUICÍDIO DE UM PACIENTE ................................................................... 89
ATENDENDO A SOBREVIVENTES DO SUICÍDIO .......................................................................... 92
A RELIGIÃO COMO FATOR DE PROTEÇÃO E ENCERRAMENTO DA SESSÃO ............................... 94
A RELIGIÃO COMO FATOR DE PROTEÇÃO AO RISCO DE SUICÍDIO ........................................ 94
COMO SE DÁ O PROCESSO DE ENCERRAMENTO DA TERAPIA POR RISCO DE SUICÍDIO? ..... 95
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 97

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CAPÍTULO 1 − ENXERGAR É DIFERENTE DE VER

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AMPLIANDO O CAMPO DE VISÃO SOBRE O COMPORTAMENTO SUICIDA


Com o acesso à informação ocorrendo de forma mais acessível pelos
meios de comunicação, observa-se maior expressão dos comportamentos
suicidas. Apesar disso, observa-se também que há falta de conhecimento em lidar
com a pessoa que apresenta esses comportamentos. Há muitas dúvidas sobre
como abordar, ou se devemos abordar abertamente ou pela tangente. Em caso
de resposta positiva, vem o questionamento: o que faço com a pessoa que
tenciona o fim de sua vida?
De fato, não é simples, mas é mais fácil quando temos maior
conhecimento do quadro, da pessoa, seu sofrimento e em especial em como
ajudar a pessoa que está passando por um momento tão difícil da sua vida.
Veremos ao longo desta etapa o contexto do suicídio, dados epidemiológicos,
transtornos mentais relacionados, o funcionamento do suicídio e aprenderemos
mais sobre como devemos olhar para a pessoa que tenta o suicídio e a ética
relacionada a esse contexto.

Contexto histórico

Vamos iniciar contextualizando os rumos que o suicídio vem tomando


desde o momento em que ele é concebido como tal. Não há na verdade uma ideia
de quando ele passou a existir, mas há contextos históricos anteriores a Cristo,
em que estar à frente nas batalhas significava praticamente morte eminente.
Dessa forma, muitos homens insatisfeitos com a vida eram voluntários para a
comissão de frente nas batalhas.
Na história, observa-se que, para os astecas, o suicídio era bem recebido,
uma vez que era encarado como uma “oferenda” a algum dos deuses em rituais,
e, como já citado, a morte em batalhas também era muito bem vista. Na Roma
antiga, o suicídio era vedado aos escravos e soldados – obviamente visando
razões econômicas, mas ao homem livre não havia nenhum interdito. Na Idade
Média, o suicídio era visto como algo diabólico e pecaminoso, mas entre os
cavaleiros medievais era considerado ato de coragem. Já, no Renascimento,
foram registradas discordâncias entre filósofos. Alguns defendiam a livre escolha
e, por isso, o aceitavam. Em contrapartida, não aceitavam essa prática quando se
concebia o suicídio com a ideia de sofrimento e, portanto, sentiam a necessidade
de alguma intervenção, embora ainda não bem compreendida.

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Somente no Iluminismo inicia-se o estudo sobre a pessoa, suas condições


emocionais, sociais e fatores que conduzem para esse caminho. Na Revolução
industrial, há uma ênfase em pensar o suicídio como algo inaceitável, como uma
proibição, fato que se deve ao grande número de suicidas, pois, na ocasião, pelas
horas exaustivas de trabalho, muitas crianças e adolescentes acabavam por se
jogar da obra a fim de evitar um sofrimento ainda maior (Aragão, 2014; Botega,
2015; ABP, 2014).
Todavia o suicídio deixa de ser visto como um delito em meados do século
XIX, passando a ser identificado pelos filósofos como uma “manifestação da
loucura”, sendo percebido como um sofrimento na pessoa que opta pelo fim de
sua vida (Aragão, 2014).

Devemos ou não falar sobre suicídio?

Muito se questiona sobre se é correto ou não falar sobre o suicídio. Tem-


se como base para tal insegurança o chamado efeito “Werther”, termo proveniente
do romance homônimo publicado em 1774 por Goethe, em que o personagem de
nome Werther se mata após o fim do romance. Na ocasião, foram registrados
muitos casos de suicídio após a publicação do citado livro. Verifica-se fenômeno
semelhante quando há registro de celebridades que se automutilam ao consumar
o suicídio. Nesses casos, evidencia-se o aumento significativo no registro de
comportamentos imitativos.
Conforme o manual criado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
de título Suicídio: informando para prevenir (ABP, 2014), há uma insegurança
sobre como o ouvinte vai ou não receber a informação de histórias sobre suicídios,
sendo de fato relevante a preocupação a respeito das consequências advindas
disso, ou seja, o que o interlocutor pode fazer com as informações recebidas.
Assim, foi constatado que quanto mais se fala sobre fatos de suicídio, aumentam
os registros de novos casos, no entanto quanto mais se fala de casos de ideação
suicida sem consumar o fato, mas ressaltando a superação do ocorrido, há um
registro significativo de redução nas taxas de suicídios.
Como exemplo, cito aqui o filme A pequena loja de suicídios, dirigido por
Patrice Leconte. Apesar de ser uma animação, não é feita para crianças devido a
seu teor pesado e assunto difícil de ser tratado com os mais pequenos, que podem
não compreender a dinâmica do filme. Apesar de pouco popular, trata do assunto
em questão e vale a pena assistir. A pequena loja de suicídios mostra um lugar

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todo doente, escuro e frio. Há, por exemplo, uma loja que vende métodos para se
matar. Vale ressaltar que uma loja assim seria um crime, por incitar o suicídio.
Voltando à animação, esse filme mostra o quanto pessoas doentes, vivendo entre
pessoas doentes, têm poucas chances de recuperar-se, mas no momento em que
uma pessoa está bem “curada” da depressão, ela pode mudar todo o ambiente
ao seu redor. A animação, portanto, ressalta a situação de uma pessoa que ficou
bem e ajudou a todos ao seu redor e assim por diante, pois cada um que melhora
ajuda o que está mais próximo dele, frisando dessa forma a superação.
Portanto, faz-se necessário falar em formas de prevenção, em como lidar
de forma eficaz com situações que podem levar a comportamentos suicidas e
como lidar com situações que podem provocar grande comoção. Assim ajuda-se
o possível “tentante” (pessoa que expressou em algum momento o desejo de se
matar) a encontrar formas mais eficazes de administrar as emoções, as quais
podem ser o disparador para comportamentos que levem alguém a tencionar o
fim de sua vida.

IMPORTANTE SABER – DADOS EPIDEMIOLÓGICOS


A fim de compreender melhor o quadro de suicídio, há alguns dados que
merecem receber mais atenção, tais como os dados de epidemiologia. Embora
considerando a obrigatoriedade da notificação em cada caso de tentativa de
suicídio, acredita-se também que a distorção seja maior que 20%, podendo ser
de 100%. Essa discrepância possivelmente se deve ao fato de a maioria dos
casos de tentativa de suicídio não chegarem a uma unidade de saúde, e quando
chegam, pode acontecer de familiares e a própria pessoa tentarem “mascarar” a
tentativa como sendo um incidente ou algo do gênero.
Contudo, segundo a estimativa do Ministério da Saúde, o suicídio é a
terceira maior causa de morte para as pessoas com idade entre 15 e 24 anos. Os
registros da OMS (2014) denotam ainda uma informação importante: para cada
quatro mulheres que tentam o suicídio, há registro de um homem na mesma
situação, no entanto há maior número de registro de óbito por suicídio entre
homens do que em mulheres, numa proporção de três homens falecidos por
autoagressão para uma mulher que morre pela mesma causa.
Você consegue imaginar qual seria o motivo que leva alguém a cometer
suicídio? Podem ser vários, e nosso estudo se dedica a conhecer para prevenir,

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assim conhecer mais de perto os dados epidemiológicos e a motivação torna-se


imprescindível.
É válido mencionar a diferença entre o perfil masculino e o feminino das
pessoas que chegam a óbito por suicídio. Na figura masculina, são mais evidentes
os casos de suicídio entre aqueles que são brancos, vivem sozinho (solteiros,
viúvos ou separados), são residentes de área urbana, e a faixa etária é
semelhante à já citada entre 15 e 35 anos, ou após os 70 anos. Na figura feminina
observa-se maior incidência de suicídio entre as que são brancas, casadas, faixa
etária de 40 a 59 anos, e é também mais comum entre as mulheres da área
urbana.
Em ambos os gêneros, observa-se maior número de suicídio quando a
pessoa apresenta algum transtorno psiquiátrico (86,8%), seja ele transtorno de
humor (35,8%), transtorno relacionado ao uso de substâncias (22,4%),
esquizofrenia (10,6%), transtorno de personalidade (11,6%), transtorno de
ansiedade e somatoformes (6,1%) e transtornos psicóticos (0,3%). Outros
transtornos somam 9.7%, e ausência de qualquer quadro foi identificado em
apenas 3,2%.
Esses dados chamam a atenção para a necessidade urgente de
tratamento das pessoas com quadro de saúde mental, em especial os quadros de
humor, depressão unipolar e/ou bipolar. Também os dados estatísticos sobre
mulheres que tentam tantas vezes encerrar sua vida sem chegar de fato a
concretizar seu ato nos acena, como profissionais da saúde, para o sofrimento
que essa pessoa está vivenciando. O que isso vem nos revelar, por exemplo, o
fato de que homens que vivem sós e mulheres que estão casadas correm maior
risco de efetivar o suicídio? Precisamos estar atentos ao sofrimento do outro e às
formas como eles se expressam.
Embora pouco evidenciado até o momento, uma vez que teremos uma
etapa só para falar de suas peculiaridades, é importante pensar de forma mais
crítica sobre como estamos enxergando os jovens, cuja terceira maior causa de
morte é o suicídio, e até onde é comum o isolamento entre eles. Devemos pensar
em formas mais efetivas de como lidar com essa pessoa vivenciando tantas
mudanças.
Há muitas comparações que não temos como mensurar, uma vez que
apenas em 2009 o Congresso Nacional estabeleceu a obrigatoriedade da
notificação compulsória. Antes, esta poderia ocorrer em até 72h a partir do

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atendimento, mas, em 2014, o Ministério da Saúde determinou que essa


notificação seria de até 24h. A determinação tem a intenção de facilitar o acesso
da pessoa que tentou suicídio a acompanhamentos médicos necessários com o
intuito de ser assistido mais próximo à equipe de saúde e que esta possa lhe
orientar sobre formas mais eficazes de lidar com as situações adversas.

A RELAÇÃO ENTRE O SUICÍDIO E OS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS


Assim como vimos anteriormente, os quadros psiquiátricos são
responsáveis por quase 90% dos casos de suicídio. Dessa forma, faz-se
necessário conhecer melhor a relação das doenças psiquiátricas com o alto índice
de suicídio:

Transtornos de humor – depressão e transtorno bipolar

Depressão

Segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, em


sua quinta edição (DSM-5), para considerar o quadro de depressão são
necessários ao menos 5 dos seguintes sintomas: humor deprimido na maior parte
do dia, quase todos os dias; acentuada diminuição do interesse ou prazer; perda
ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta; insônia ou hipersonia;
agitação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de energia quase todos os dias;
sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada; capacidade
diminuída para pensar ou se concentrar; pensamentos recorrentes de morte,
ideação suicida recorrente.
Evidenciam-se aqui sintomas já mencionados e outros a serem vistos, tais
como sentimento de desespero, inutilidade, perda de interesse (valor) na vida,
pensamento recorrente em morte, porém não há necessariamente um plano. O
problema comumente percebido na clínica é que o paciente medicado muitas
vezes sem o adequado acompanhamento terapêutico. Apesar de a finalidade ser
a de auxiliá-lo em relação às distorções cognitivas, ele passa a ter a disposição
física e mantém esses pensamentos ruins. Muitas vezes são os tentantes que
podem vir a se tornar de fato as pessoas que realizarão o suicídio.
Transtorno bipolar

Conforme o DSM-5, para o diagnóstico de transtorno bipolar (tanto para o


tipo I quanto para o tipo II), é necessário haver pelo menos um episódio depressivo
maior, que são os sintomas citados no transtorno depressivo, bem como este
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quadro deve igualmente causar prejuízo à vida pessoal e ou funcional da pessoa.


No tipo I, deverá apresentar ainda ao menos um quadro de mania cujos sintomas
são: autoestima inflada ou grandiosidade; redução da necessidade de sono; mais
loquacidade que o habitual ou pressão para continuar falando; fuga de ideias ou
experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados; distratibilidade;
aumento da atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, no trabalho ou escola,
sexualmente) ou agitação psicomotora; envolvimento excessivo em atividades
com elevado potencial para consequências dolorosas (envolvimento em surtos
desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros
insensatos).
No quadro de mania, a perturbação do humor é suficientemente grave a
ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou
de necessitar de hospitalização a fim de prevenir dano a si mesmo ou a outras
pessoas, ou ainda evidenciam-se características psicóticas. Nesse ponto, difere
mais evidentemente os quadros bipolar do tipo I e II. No segundo tipo, o paciente
não cria um quadro de mania, mas apenas hipomania, além de haver a presença
de ao menos uma ocorrência de depressão maior.
Na hipomania, os sintomas são os mesmos do quadro de mania, porém
não são comuns no paciente assintomático e quando os sintomas aparecem,
apesar de serem observáveis para outras pessoas, não é grave o suficiente a
ponto de causar acentuado prejuízo funcional, social e tampouco é necessário
hospitalização.
O risco de suicídio pode ocorrer com maior frequência quando, ao ser
medicado de forma incorreta, o paciente passa do quadro de depressão para a
mania muito rapidamente, mantendo os pensamentos de insatisfação com a vida,
só que nesse momento ele tem a disposição física necessária para realizar seus
planos de suicídio. Também se observa-se maior risco de suicídio quando, no
quadro de mania, a pessoa com elevado potencial para atividades potencialmente
dolorosas acaba por lesar-se não apenas monetariamente, mas também
causando risco à sua própria vida, assumindo riscos que podem levar a óbito, ou
ainda quando o paciente apresenta crises psicóticas, devido às alucinações e
delírios que podem incorrer no suicídio por vozes de comando, crença de que
deveria de fato realizar tal ato, ou acidentar-se, não vendo o risco que está
correndo.

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Esquizofrenia

Basicamente é identificada pela presença de delírios, alucinações, discurso


desorganizado, comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico e
sintomas negativos (expressão emocional diminuída ou avolia). Nesses casos, é
possível observar alterações de nível cognitivo, causados pela distorção da
realidade, bem como a presença de comportamentos habitualmente inadequados.
O risco de suicídio ocorre basicamente quando a pessoa tem consciência de sua
doença e, conhecendo a falta de remissão desta, opta pelo fim da vida. Ou
quando, em um curso de delírio ou alucinação, devido à presença deles causados
por vozes de comando que dizem para que essa pessoa encerre sua vida ou ainda
quando, vendo um caminho à sua frente, não enxerga os perigos. É possível ainda
citar o caso em que a pessoa tem a crença de que essa é a melhor forma de agir
devido ao delírio daquele momento.

Transtorno de personalidade

Em alguns transtornos de personalidade, é mais evidente o risco de


suicídio que em outros. Dentre os mais evidentes, cito o borderline, o antissocial
e o narcisista. Em todos eles, evidencia-se o comportamento impulsivo, a
instabilidade emocional, a tendência manipuladora e a baixa autoestima.
No caso do borderline, devido à crença de poder ser abandonado, a
pessoa com esse transtorno apresenta variados e intensos comportamentos de
desespero na tentativa de manter as pessoas próximas a ela, somando a isso a
impulsividade, o comportamento explosivo e o sentimento de vazio que são
característicos das pessoas que tentam o suicídio.
O caso do antissocial, por seu comportamento irresponsável,
inconsequente e impulsivo, somando-se à intenção de manipulação, pode, em
suas fantasias, acabar enveredando-se por um caminho que venha a lesar sua
vida de forma muito grave a ponto de ceifá-la. Mesmo não sendo essa a ideia
inicial, ele assume o risco de algo em seus planos dar errado. Habitualmente ele
não tem muito a perder, mas a vida é o que mais caro pode lhe custar.
O caso da pessoa com personalidade narcisista é mais evidente em
homens que matam sua companheira ou ex-companheira e, em seguida, se
matam, por não tolerarem o rompimento, por serem deixados por outra pessoa.
Sentindo-se humilhados, encerram sua vida também.

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Alcoolismo

O alcoolismo por si só não é um transtorno psiquiátrico, mas está incluso


no capítulo “Transtornos relacionados a substâncias e transtornos aditivos”, que
trata do uso de substâncias que podem causar dependência, dentre as quais o
álcool. É um risco, tanto por ser mais um sintoma de outros transtornos, como por
elevar o número de transtornos devido ao uso nocivo de álcool. Assim, os dados
estatísticos revelam que o abuso de álcool é tão grave que está presente no
sangue de 1/3 a 50% das pessoas que fizeram uso dele para chegar ao fim em si
– suicídio. Nesse caso, vê-se a necessidade de tratar as emoções muitas vezes
relacionadas a um quadro de depressão, fazendo uso do álcool para obtenção de
satisfação.

REFLETINDO SOBRE A PESSOA QUE TENTA O SUICÍDIO


Louza Neto (2007), referindo-se às dimensões do comportamento suicida,
menciona sete etapas, sendo elas:
1. Ideação suicida – pensamentos de menos valia da vida e insatisfação
com ela;
2. Desejo – surge a vontade de findar sua vida sem, no entanto, tomar
qualquer medida ou pensar uma forma de como realizar isso;
3. Intenção de suicídio – fato que geralmente antecede o plano de suicídio,
em que a pessoa expressa por variadas formas seu desejo de morte;
4. Plano de suicídio – em geral, a pessoa está tramando o como, o
quando, e com que meios, sendo possível deixar um bilhete;
5. Tentativa de suicídio – a pessoa chega a lesar-se, sem, contudo, ser
grave o bastante para matar-se. Conhecido também como o método de ensaio
para o suicídio;
6. Atos impulsivos – não há aqui um planejamento, mas sim uma
“tentativa”, também vista como um método de ensaio, mas nesse caso a intenção
tem a finalidade de correr o risco em ser letal, é momentâneo e muito possível de
ser interrompido no meio por terceiros;
7. Suicídio – tem por finalidade o fim de sua vida.
Faz-se necessário considerar que, embora Louza Neto (2007) considere
serem sete as dimensões do suicídio, algumas dessas fases podem ser omitidas,
tais como as etapas três e quatro, expressão dos pensamentos e planejamento,
consecutivamente. Outras ainda podem ser vivenciadas em conjunto, caso das

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etapas cinco e seis, tentativas de suicídio e atos impulsivos. Diria ainda que ambos
podem ser o mesmo. A diferença que Louza Neto (2007) faz, no primeiro caso, é
como se fosse um “treino” e, no segundo caso, ela não planejou e apenas partiu
para o “tudo ou nada”, mas ambos são passíveis de serem aperfeiçoados com o
intuito de chegar ao fim da vida.
Contudo a tentativa deve ser encarada com grande afinco e seriedade,
uma vez que, nos casos em que a pessoa chega ao ato do suicídio, as pesquisas
comprovam que em até 30% das ocorrências ela teve alguma ou várias tentativas
de suicídio antes. Dessa forma, o ditado de “- Quem quer se matar, se mata, não
faz isso...” é mentira e não deve ser expressado, uma vez que pode incitar a outra
pessoa a tentar novamente a fim de provar que era real sua intenção (Botega,
2005).
Ainda é necessário considerar que, apesar de o suicídio não ser
catalogado como um transtorno mental, pode ser considerado que pessoas livres
de patologias também venham a tentar ou cometer o suicídio, porém leva-se em
consideração que, se a pessoa chegou a esse extremo, é porque não estava
necessariamente saudável.

APRENDENDO A LIDAR COM A PESSOA EM RISCO DE SUICÍDIO

Enxergar é diferente de ver

Sobre enxergar o outro, é necessário pensar sobre si, sobre nossas


crenças, valores e mitos. Há vários comentários que tecemos a respeito da pessoa
que tenta ou que expressa seu desejo em morrer, no entanto nesse momento não
sabemos a dor da pessoa e os motivos que ela tem para pensar ou agir dessa
forma.
Uma vez que compreendemos ser necessário falar sobre o suicídio,
devemos também ter grande cautela sobre como tratamos esse assunto.
Igualmente é de grande valia pensar sobre a dor da outra pessoa. Costumo usar
uma reflexão simples para tentar enxergar o outro e suas necessidades:
Considere duas pessoas, uma em dores de parto para dar à luz a sua
criança (mesmo que você não tenha gerado filhos, pode imaginar o que são as
dores de uma mulher nesse momento) e imagine também uma pessoa que levou
uma martelada, bateu a porta do carro, ou fechou uma porta qualquer sobre um
de seus dedos, ou outra situação parecida. Imaginou? Quem lhe parece que sente
a maior dor: a pessoa que prendeu seu dedo com força de algum objeto ou a

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mulher em dores de parto? Digo tranquilamente que não há necessidade de sentir


qualquer uma das duas dores para saber que a dor maior é sempre, sem sombra
de dúvidas a minha, ou melhor dizendo, a da pessoa que está sentindo a dor.
O que está em questão não é a violência da dor, mas sim se eu senti essa
dor ou não! Não importa se o problema da pessoa que está em sofrimento é
grande ou pequeno, demasiado ou pouco intenso. O fato é que ela está sentindo
dor e isso deve ser levado em consideração. Portanto devemos sempre ter muita
cautela ao expressar pensamentos tais como os descritos no site da OMS (2018)
ou ABP (2014):

 O suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito


a exercitar seu livre-arbítrio: como veremos mais nas próximas fases,
a pessoa que tenciona tirar a sua vida está em grande sofrimento e não
tem qualquer condição de tomar uma decisão.
 Quando uma pessoa pensa em se suicidar terá risco de suicídio para
o resto da vida: após tratamento adequado a pessoa pode ter remissão
completa de seus sintomas e o suicídio já não será uma opção.
 As pessoas que ameaçam se matar não farão isso, querem apenas
chamar a atenção: a pessoa está em grande sofrimento para chegar a
esse recurso, assim deve ser levado em consideração sempre e é
estatisticamente comprovado que grande parte das pessoas que
cometem suicídio tentou alguma vez antes.
 Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco:
falar sobre o que está pensando pode aliviar a tensão. Mesmo porque
não falamos da mesma forma que pensamos, assim expressar algo
que pensa ajuda a pessoa a perceber que seu pensamento não é tão
adequado e pode vir a mudar sua estrutura.
 Não se pode fazer nada quando a pessoa pensa em se matar:
identificar precocemente o risco de suicídio e prevenir com ações
nesse sentido diminuem muito a incidência do suicídio.
 É proibido que a mídia aborde o tema suicídio: ao contrário a mídia tem
o importante papel de informar a população sobre o risco, locais e
formas de terem acesso a ajuda.
 O suicídio é um ato de covardia (ou de coragem): não tem a ver com
força e coragem ou fraqueza e covardia, mas com a dor psíquica e
envolve muito sofrimento.
 No lugar dele, eu também me mataria: devemos sempre cuidar com as
crenças pessoais a respeito do sofrimento alheio, cuidando para não
piorar ao invés de ajudar. Nesse caso cabe sempre uma terapia e
supervisão para o terapeuta e/ou encaminhar o paciente a quem de
fato possa ajudá-lo.

Ética e sigilo – quando há risco de suicídio, como proceder?

Há cuidados éticos relacionados ao direito de sigilo por parte do paciente


que devem sempre ser respeitados, assim como consta no art. 9° do Código de
ética do psicólogo: “É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de
proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou
organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (Brasil, 2005).

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Cabe ressaltar a importância do sigilo a fim de manter a “aliança”


terapêutica e firmar esse vínculo, todavia se o terapeuta perceber risco ao seu
paciente, o mesmo Código de Ética, no art. 10°, prevê o seguinte:

Nas situações em que se configure conflito entre as exigências


decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios
fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o
psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na
busca do menor prejuízo.

Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste


artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações
estritamente necessárias (Brasil, 2005).

Contudo, Kovacs (2013) fala criticamente a respeito do profissional que,


muitas vezes por medo de ter que encarar a justiça, opta pela quebra de sigilo no
caso de pessoas com predisposição ao suicídio e, dessa forma, quebra a aliança,
que pode ficar tão gravemente ferida a ponto de levar o paciente a findar seu
tratamento, ainda que não esteja reabilitado, fato que se deve à falta de confiança
em seu terapeuta. Ou ainda pior: o paciente pode continuar seu tratamento, mas
agora sem a confiança de outrora em seu terapeuta e, assim, não consegue
progredir em sua melhora. Kovacs (2013) ainda menciona que, embora haja a
possibilidade de quebra do sigilo, não necessariamente o terapeuta fará uso
desse direito a fim de manter a vinculação com seu cliente, sendo aqui de inegável
importância a avaliação de risco que o terapeuta fará em relação ao seu paciente.

Saiba mais

BOTEGA, N.J. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP, v.


25, n. 3, p. 231-236, 2014. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-
65642014000300231&lng=en&nrm=iso,0>. Acesso em: 30 jan. 2019.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Prevenção do suicídio: manual
para médicos clínicos gerais. Genebra: OMS, 2006.

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REFERÊNCIAS
ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria. Suicídio: informando para prevenir.
Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2014.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico


de transtornos mentais. 5. ed. (DSM-5). Porto Alegre: Artmed, 2013.

ARAGÃO, S. R. História do suicídio: aspectos culturais, socioeconômicos e


filosóficos. Consultoria Estratégica em Psicologia Emocional, 31 maio 2014.
Disponível em: <https://no-consultorio-psi.webnode.com/news/historia-do-
suicidio-aspectos-culturais-socioeconomicos-e-filosoficos/>. Acesso em: 30 jan.
2019.

BECK, A. T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artmed, 1997.

BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP n. 010/05, de 21 de


julho de 2005. Código de Ética do Conselho Federal de Psicologia. XIII Plenário
do Conselho Federal de Psicologia, ago. 2005. Disponível em:
<https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia-
1.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2019.

BOTEGA, N. J. et al. Suicidal behavior in the community: prevalence and factors


associated with suicidal ideation. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 27, n. 1, p.
45-53, 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v27n1/23712.pdf>.
Acesso em 30 jan. 2019.

BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social: as regras do método sociológico


– o suicídio: as formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural,
1983.

KOVACS, M. J. Revisão crítica sobre conflitos éticos envolvidos na situação de


suicídio. Revista Psicologia: Teoria e Prática, v. 15, n. 3, p. 69-82. São Paulo,
set.-dez. 2013.

LOUZA NETO, M. R. N. et al. Psiquiatria básica. 2. ed. Porto Alegre: Artes


Médicas, 2007.

OMS – Organização Mundial Da Saúde. Prevenção do suicídio: um manual para


profissionais da mídia. Genebra: OMS, 2000.

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_____. Boletim epidemiológico. v. 48, n. 30, 2017.

_____. Guia de estudos. BH, 2018

RAPELI, C. B.; BOTEGA, N. J. Perfis clínicos de Indivíduos que fizeram tentativas


graves de suicídio internados em um hospital universitário: análise de
agrupamento. Revista Brasileira Psiquiatria, v. 27, n. 4, p. 285-289, 2005.

SUDAK, D. M. Combinando terapia cognitivo-comportamental e


medicamentos: uma abordagem baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed,
2012.

WENZEL, A.; BROWN, G. K.; BECK, A. T. Terapia cognitivo-comportamental


para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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CAPÍTULO 2 − AVALIAÇÃO

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INTRODUÇÃO
Agora que temos um conhecimento mais aprofundado da pessoa em risco
de suicídio, é sempre bom lembrar que, para o tratamento em psicoterapia,
precisamos manter nosso paciente vivo, e a eficácia de nosso trabalho se dá
quando ele necessita cada vez menos do terapeuta.
Devemos considerar aqui como identificar o risco em nosso paciente que,
na maioria das ocorrências, não traz o suicídio como queixa. Veremos em seguida
como avaliar o risco e o grau desse risco, quais as emoções mais presentes no
paciente, além da importância da aliança terapêutica como forma de tratamento.
Ainda veremos sobre a internação psiquiátrica, seus tipos e utilidade e, por fim,
iniciaremos os passos da visão da TCC referentes ao risco de suicídio, as crenças
e pensamentos que contribuem para a manutenção desse risco.

IDENTIFICANDO O RISCO DE SUICÍDIO NA ENTREVISTA INICIAL


Em grande parte das vezes em que o paciente se apresenta para
acompanhamento terapêutico, traz como queixa uma série de situações que lhe
causam sofrimento, podendo variar entre ansiedade, depressão, sofrimento pelo
fim de um relacionamento afetivo, luto, entre uma gama de outros motivos que o
conduziram para estar nesse momento em uma cadeira de frente para o
terapeuta. Contudo devemos ficar atentos para o que essa queixa está
escondendo e muitas vezes pode omitir um pensamento/intensão suicida, ainda
que não de forma intencional. Ás vezes o paciente só o percebe como pouco
evidente ou um fraco pensamento, entretanto sabemos que devemos abordar
abertamente o assunto com o paciente, questionando-o a respeito com perguntas
não diretivas, mas, conforme afirmam Botega (2015), OMS (2014, 2017 e 2018) e
ABP (2014), com frases que lhe permitam responder-nos a essa questão, tais
como:

– Parece que, em meio a tantas situações ruins que você tem vivido, isso
podem lhe causar alguma insatisfação com a vida?
– Como é encarar a vida com todas essas dificuldades?
– É possível que você sinta um cansaço em relação à sua vida?
– Em algum momento você pensou que viver não fosse bom?
– Então você pensa que gostaria de morrer?

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Evidentemente, com base nessas perguntas, caso alguma delas seja


afirmativa será necessário ter tempo para dar continuidade ao assunto e aos
próximos passos a serem dados no sentido de compreender a eminência do risco
ou não. Portanto é de grande importância que não deixe essas perguntas para o
final do atendimento, quando já não haverá mais tempo para lidar com esse
assunto, mas de forma natural, durante a fala do paciente, procurar introduzir as
citadas questões, dentre outras que podem contribuir para esclarecer o ponto
sobre o suicídio.
Faz-se ainda importante remeter-se ao fato de que Botega (2015) relata a
respeito de muitas vezes o terapeuta realizar o questionamento sobre suicídio de
forma adequada, e, por insegurança, por não saber lidar com a crise em si, tenta
dissuadir o paciente, ou apaziguar o assunto, de forma a evitar dar continuidade
a ele. Esse feito pode causar insegurança no paciente e dar a ele o recado de que
há coisas que não podem ser ditas.
Vale evidenciar também a respeito do grau em que se encontra esse
pensamento de insatisfação com a vida. Nesse sentido, segundo Botega (2015)
menciona, há três níveis do risco de suicídio: agudo, subagudo e crônico.
Quando crônico, pode ocorrer a mais longo prazo, havendo grande risco
de comportamentos impulsivos e agressividade, o que se reflete mais em pessoas
com transtornos de personalidade e instabilidade emocional. No subagudo, a
possibilidade de ocorrência se dá a curto prazo, e está mais relacionado aos
quadros de transtorno mental e a períodos de estresse, devido à sua baixa
tolerância à frustração. No agudo, o risco é eminente e pode ocorrer a qualquer
momento por meio de comportamentos impulsivos e está mais relacionado ao
colapso existencial e à dor desesperadora.
Assim, evidenciamos um dado estatístico de grande relevância no risco
suicídio: o ato impulsivo, tanto devido à dor desesperadora, ao nível de estresse
elevado combinado com baixa tolerância à frustração. Junto com a instabilidade
emocional, isso pode conduzir uma pessoa a um ato impulsivo, em que, na
tentativa de resolver um problema habitualmente temporário, acaba por fazer uso
de uma solução com elevado potencial definitivo: o suicídio. Portanto, é importante
estar atento à dor, ao sofrimento e à impulsividade vivenciada pelo paciente no
momento da entrevista.

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COMO AVALIAR O GRAU DO RISCO DE SUICÍDIO?

Avaliação por meio da entrevista

Como vou saber o quão grave esse pensamento pode ser e qual é a chance
de o paciente decidir levar a cabo essa ideia? São pensamentos relevantes e que
podem ajudar o terapeuta a conduzir seu atendimento e evitar que consequências
mais graves venham a ocorrer em função dessa provável desestruturação mental.
Em Botega (2015), podemos encontrar uma série de perguntas que podem ser
feitas, as quais estão relacionadas ao grau de intencionalidade de risco de
suicídio. Para facilitar, coloquei em tabela a fim de ter uma melhor visualização
das questões.

Tabela 1 – Possíveis perguntas para avaliar o grau de intencionalidade de risco


de suicídio

1° nível - Ideias de morte – Já pensou que seria melhor morrer?


– Como são esses pensamentos?
– Pensou em tirar a própria vida?
– Quando esses pensamentos iniciaram?
2° nível - Ideação suicida – Os pensamentos de morte persistem?
– Eles o assustam?
– Consegue afastá-los?
– Encontra razões para continuar vivo?
3° nível - Plano suicida – Pensou em como se matar?
– Informou-se sobre um método?
– Qual sua facilidade de acesso a esses métodos?
– Tomou alguma providência prévia?
Fonte: Botega, 2015.

Evidentemente essas perguntas são ilustrativas e outras ainda podem ser


acrescidas durante a conversa ou serem perguntadas de forma diferente. De toda
forma, a proposta é observar os indícios do quão grave é o risco de suicídio no
momento da entrevista.
As questões levantadas por Botega são de grande relevância, de tal forma
que também Beck et al. (1997) afirmam que uma entrevista adequada, com dados
de uma boa anamnese, pode trazer muitas e valorosas informações a respeito do
que motiva o sofrimento do paciente, dados do histórico familiar, bem como trará
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maior indicativo da motivação para o tratamento e de situações que o mantêm


vivo.

Avaliação por meio de testagem

Conforme já observado, o risco de suicídio está mais relacionado ao


sintoma de desespero do que propriamente à depressão. Assim, a escala de
desesperança de Beck, tradução para Beck hopelessness scale (mais bem
expresso pela sigla BHS), seria uma grande aliada nesse processo, contudo ela
não é atualizada há muito tempo e não há estudos quanto à sua eficácia
atualmente, sendo assim não está apta, segundo o CFP, para uso de avaliação.
Situação semelhante ao BHS também ocorre com a escala de ideação
suicida de Beck (BSI), que não só não é atualizada há muito tempo, mas também
os autores orientam tratar-se de um instrumento que não deve ser utilizado
sozinho, uma vez que aborda o tema suicídio muito diretamente, e o paciente
pode ter a intenção de esconder seu desejo suicida, sendo recomendado pelos
autores o uso do BDI e BHS concomitantemente. Em todo caso, frisa-se que tanto
o BHS quanto o BSI são escalas não autorizadas pelo CFP, portanto não devem
ser utilizadas, mas o BDI-II está normatizado, podendo ser utilizado
tranquilamente.
No entanto, Beck et al. (1997), Botega (2015; 2017) Louza et al. (2007),
Sudak (2012) e Wenzel, Brown e Beck (2010) frisam que a testagem elaborada
por Beck e colaboradores, em 1961, – de nome BDI (Beck Depression Inventory),
em sua última versão, BDI-II, revisada em 1996 de acordo com a quarta edição
do DSM – é um excelente instrumento de avaliação imediata dos sintomas da
depressão que aborda inclusive o risco de suicídio de forma simples e clara e
pode ser usado a cada sessão, mesmo porque contém um custo benefício mais
acessível.

Conhecendo melhor o teste que pode me ajudar na avaliação do risco de suicídio

A BDI-II foi totalmente revisada, sendo que, dos 21 itens, apenas três deles
permaneceram como o modelo inicial: sensação de estar sendo punido,
pensamentos suicidas e interesse sexual. O texto atual da consigna diz:
“Descreva o modo como você tem se sentido nas duas últimas semanas, incluindo
o dia de hoje”. A parte em destaque é a alteração. No texto inicial, era apenas a
“última semana” e não contemplava o “dia de hoje”.

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Foram incluídos na última revisão os seguintes itens: avaliação da agitação,


autoestima, dificuldade de concentração, e perda de energia. Os excluídos foram:
perda de peso, mudança na imagem do corpo, dificuldade para o trabalho, e
preocupação somática.
Cada um dos 21 itens apresenta alternativas de respostas de menor
intensidade para maior intensidade da sintomatologia depressiva, com pontuação
de zero a três. Como exemplo, vejamos o item de número 1:
Tristeza:
0 – Não me sinto triste;
1 – Eu me sinto triste grande parte do tempo;
2 – Estou triste o tempo todo; e
3 – Estou tão triste ou tão infeliz que não consigo suportar.
Assim segue para pessimismo, fracasso passado, perda de prazer e mais
15 itens, todos na escala de zero a três.
A soma dos escores fornece a medida dos sintomas depressivos: de 0 –
13 é mínima; de 14 – 19 é leve; de 20 – 28 é moderado; de 29 – 63 é grave.

EMOÇÕES E ALIANÇA TERAPÊUTICA

Como se sente o paciente que tenciona o suicídio?

Schneidman (citado por Botega, 2015) já mencionava em 1993 o


sofrimento intenso que a pessoa em risco suicida se encontra para tal escolha,
remetendo-se à dor intolerável, à sensação angustiante de estar preso em si
mesmo. O mesmo autor citava ainda nessa ocasião a respeito do desespero: a
pessoa se vê como no fim da linha e só há um caminho a seguir para aliviar sua
dor intensa.
Botega (2015) ainda frisou a respeito da necessidade de haver a cessação
da consciência com o intuito de interromper a dor psíquica, mas sem
necessariamente morrer.
Nesse contexto de dor, a pessoa não consegue observar os aspectos
positivos ou mesmo as pessoas que a amam. Ela só percebe que as coisas estão
acontecendo de forma diferente de como ela gostaria que fosse, e isso tende a
deixá-la bastante frustrada, ansiosa e irritada. Nesse contexto, qualquer sinal de
afeto será ignorado como se não existisse. Observa-se mais comumente que a
pessoa cria um estilo de pensamento dicotômico como se só pudesse haver uma
solução mágica para seus problemas ou a interrupção da dor psíquica.

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Schneidman (citado por Botega, 2015) citou dez princípios gerais


psicológicos mais evidentes no ato suicida:

1. Propósito mais comum dentre aqueles que optam pelo suicídio é a busca
de solução para a dor psíquica;

2. O objetivo mais observado é cessar o fluxo de consciência – como se


pudesse parar de perceber o sofrimento vivenciado;
3. O estímulo para essa escolha é uma dor psíquica insuportável;
4. Os estressores mais evidentes são as necessidades psíquicas frustradas –
uma vez que a solução mágica não aconteceu;
5. A emoção compreende: desesperança e desamparo;
6. O estado afetivo geralmente é a ambivalência – quando se espera que tudo
acabe, mas não necessariamente quer morrer;
7. O estado cognitivo é de rigidez e constrição – como se não existisse outra
opção só essa única saída;
8. As ações mais comuns são o escape e a fuga;
9. O ato interpessoal comum é a comunicação de sua intenção – expressar
de alguma forma sua escolha por morrer; e
10. A consistência (manter sua palavra) é o padrão de enfrentamento
existencial.

Aliança terapêutica e como ela intervém no processo de recuperação

A respeito da aliança entre terapeuta e paciente, em especial quando


relacionada ao caso de pessoas com risco de suicídio, é importante lembrar que
posso não saber o quanto dói ou como é a dor da outa pessoa, mas devo procurar
entender que esta está em real sofrimento pelas situações que a atormentam.
Assim, para compreender melhor a dor do outro, podemos ver conforme
mencionado em Beck et al. (1997): é necessário tentar ao menos em partes
colocar-se no lugar do paciente e tentar sentir-se como ele, a fim de saber como
é vivenciar esse momento tão doloroso do paciente e então compreender melhor
os motivos que o levam a desistir de sua vida.
Beck et al. (1997) ainda evidenciam a importância de identificar a motivação
que leva o paciente a tencionar o fim de sua vida, com a finalidade no tratamento.
Uma vez que o terapeuta compreende essa necessidade do paciente, mais
provavelmente ele perceberá que se trata muitas vezes de uma em duas
possibilidades: quando o desejo de morte se volta para uma crença de abandono
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e a pessoa não consegue expressar de maneira mais acertada seu desejo e


necessidade, tratando-se de uma forma de manipular o meio ou as pessoas. Outra
necessidade do paciente é quando o desejo de morte se dá em torno de escapar
da vida, vendo-a como indesejável. Nesse último quesito, são mais frequentes e
mais comumente letais as tentativas de suicídio.
Assim, se o terapeuta entende qual é a necessidade de seu paciente, pode
melhor ajudá-lo a administrar suas emoções, equilibrar seu humor e aprender a
ser mais assertivo de forma a superar seus entraves. No caso desse que já não
deseja mais a vida, pode ajudá-lo a encontrar motivação e uma mudança de
crenças distorcidas, ou mesmo auxiliando em um processo de autoconhecimento,
que favorecerá sua recuperação.
Segundo Beck et al. (1997), corroborado por Wright et al. (2012), faz-se
necessário o terapeuta eliciar o paciente a se engajar na terapia, a fim de que,
sentindo-se curioso sobre como ela pode ajudá-lo, mantenha-se afastado dos
comportamentos de risco e se esforce em manter-se trabalhando por sua melhora,
pois torna-se pouco útil, para não dizer inútil, um possível contrato de o paciente
não fazer nada contra sua vida. Certamente, no momento de desespero, ele
tentará, assim, manter o paciente “pensando”, trabalhando sua expectativa sobre
como a terapia pode ajudá-lo a diminuir em grande parte o risco de ele tentar algo
contra si.

INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA
A intervenção psiquiátrica por meio dos moldes da internação ocorre mais
comumente em meio a uma crise. Nesse caso, o paciente em profunda angústia,
tendo ou não seu acompanhamento periódico com o psiquiatra, às vezes em fase
de adaptação à medicação ou quando há uma habituação do corpo em relação à
medicação. Assim também o paciente em crise, muitas vezes em pânico e tomado
pela sensação de desespero, ainda consegue dirigir-se a um ente, amigo ou
mesmo ao terapeuta que o orienta a buscar o hospital. Outras vezes, em meio a
uma tentativa de suicídio, nesse caso impulsiva, evidenciada pela interferência de
terceiros, é interrompida e devido à tamanha crise vivida pela pessoa em
sofrimento, é levada a um local onde possa realizar o internamento. Uma terceira
possibilidade pode ser a internação compulsória, normalmente determinada por
um juiz, visando à segurança da própria pessoa em crise ou mesmo de outras
pessoas e lugares que possam ser ameaçadas por esse que deseja morrer.

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O primeiro caso listado é conhecido como internação voluntária, e a pessoa


pode solicitar a sua saída do hospital a qualquer tempo; no segundo caso, trata-
se da internação involuntária e nesse caso a alta ocorrerá apenas com intermédio
de um familiar – geralmente a pessoa que o acompanhava no ato da internação,
ou ainda pela autorização do médico psiquiatra encarregado pelo tratamento; no
terceiro caso de internamento, a compulsória, o médico terá que atestar a alta e
capacidade da pessoa que estava internada. Esta deverá ser apreciada pelo juízo
e, por fim, com ambas as autorizações a pessoa pode voltar ao seu convívio
habitual.
Embora possa soar com certo estranhamento, não é incomum a internação
voluntária. Geralmente a pessoa já conhece um pouco sobre seu problema, sabe
que há certos limites pelos quais ela se torna ciente de que não está em
conformidade e sabe que sair da sua realidade pode auxiliar no processo de
recuperação. O internamento voluntário vem responder ao desejo de muitas
pessoas em risco de suicídio, em especial aquelas que têm o desejo de “sumir”,
“fugir” para algum lugar e sentir-se desconhecida, como se pudesse voltar para
sua realidade em outro momento.
Essa fuga pode aliviar por um tempo a angústia vívida, mas na realidade
tende a piorar a situação, uma vez que a pessoa evita enfrentar as dificuldades
da vida. Veremos nas próximas etapas que o enfrentamento é uma das armas
mais eficazes contra a depressão e o desejo de que sua vida tenha fim. No
entanto, sempre que necessário se fizer, o internamento será uma melhor opção
para a tentativa de suicídio ou o suicídio em si. O que se faz necessário são
estratégias de coping mais elaboradas e assertivas para cada situação, o que irá
auxiliar no processo de cura de forma mais eficaz.
Os benefícios do internamento, em especial no momento da crise, são
imensuráveis. Dessa forma, a pessoa tem o acompanhamento integral de um
médico psiquiatra, que pode rever a todo momento a medicação, sua dosagem e
se há necessidade de alguma mudança. A pessoa pode perceber que seu
problema não é tão extremo como o de algumas que ali estão e isso pode lhe
fornecer forças e novo ânimo para voltar à sua rotina, além dos trabalhos
realizados por arteterapia, que são muito bons para remissão dos quadros
psiquiátricos e contribuem para saúde mental.

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SUICÍDIO NA VISÃO DA TCC

Como funcionam as crenças nuclear, intermediária e o pensamento automático no


paciente suicida?

Mais comumente as distorções cognitivas são identificadas pela expressão


dos pensamentos automáticos, os quais são alimentados pelas crenças
intermediárias e, por fim, têm suas raízes nas crenças nucleares ou centrais.
Vamos iniciar pela raiz – crença nuclear/central, passando pela crença
intermediária e, por fim, no topo, os pensamentos automáticos, revendo alguns
conceitos e incluindo-os no campo de visão do paciente com risco suicida.
Considerando que o paciente com risco de suicídio pode não ter um
transtorno psiquiátrico, entretanto certamente ele terá mais arraigado uma crença
nuclear ou central. Como você já deve ter conhecimento, as crenças nucleares
referem-se a dogmas, verdades absolutas na mente da pessoa que a construiu e
serão tanto mais disfuncionais quanto mais arraigadas, refratárias e
inquestionáveis elas forem. Geralmente a crença nuclear é proveniente de
aprendizados da infância e mais comumente é importada do seu cuidador. As
crenças não verbalizadas são as mais significativas, pois são aquelas aprendidas
por meio dos exemplos, que ficam mais registradas na mente da pessoa e darão
origem às crenças intermediárias.
As crenças intermediárias darão o suporte aos pensamentos automáticos.
No primeiro caso, trata-se de conteúdo menos consciente. Muitas vezes, a pessoa
não se dá conta de certos pensamentos que apresenta e que alimentam os
pensamentos automáticos. Geralmente são representados por pensamentos do
tipo “se... então...”, por exemplo: “se sou ruim em tudo o que faço, então não há
por que estar vivo...”.
Os pensamentos automáticos são mais identificáveis, o que é o ponto de
partida para se chegar às crenças intermediárias, em especial a fim de
desestruturar as crenças nucleares. Os pensamentos automáticos podem ser de
qualquer gênero, bons ou ruins, no entanto os que nos interessam aqui são os
pensamentos distorcidos, aqueles que, diante de uma situação de “conflito”,
imediatamente surgem na mente da pessoa e dão sentido às emoções que
fortalecem suas crenças, por exemplo, “errei de novo... mais uma vez fiz besteira...
não consigo fazer nada direito...”
Os exemplos citados acima sobre pensamentos automáticos corroboram a
crença intermediária citada anteriormente: “se sou ruim em tudo o que faço, então
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não há por que estar vivo...” e, de acordo com a história de cada indivíduo, chega-
se à crença nuclear. Vamos usar aqui a crença de inutilidade, por exemplo, mas
poderia ser outras, dependendo do histórico.
Agora que já estamos contextualizados com o funcionamento do indivíduo,
vamos ver como aplicar isso ao paciente em crise suicida. Para tanto, faremos
uso de uma situação que comumente chegam até os consultórios psicológicos:
Paciente: – ... Há uma semana tomei muitos comprimidos para dormir. Eu
sabia que a dose que estava tomando era realmente para dormir e quando meu
marido me encontrou sonolenta e a cartela de comprimidos vazia, achou que eu
havia tentado me matar, e falou isso para todas as pessoas de forma muito rude,
me expôs demais...
Terapeuta: – Sei que você, por ser enfermeira e tomar a medicação há
bastante tempo, sabe que cada comprimido tinha uma dose baixa e que seis
comprimidos daquele não iriam lhe causar mal-estar! Mas lhe parece que em
algum momento você tenha pensado que seu marido, sem ter o mesmo
conhecimento, poderia interpretar de maneira diferente?
Paciente: – Pode ser que sim! Como nós havíamos discutido e eu estava
muito irritada, queria que ele se sentisse impotente como eu...
Terapeuta: – Então podemos pensar que você assumiu o risco de ele
pensar que você poderia ter feito algum mal a si mesma?
Paciente: Sim, gostaria que ele não fosse tão grosseiro e demonstrasse
mais que se importa comigo e em como eu me sinto...
No caso da paciente acima, ela já vinha sendo acompanhada há algum
tempo e, quando chegou para psicoterapia, ela já estava em tratamento
medicamentoso há alguns anos. Ela trouxe várias queixas, e estávamos
trabalhando uma forma mais assertiva de comunicação com seu marido, o que
havia melhorado bastante. Ela não tinha a intenção de se matar ou de passar mal,
mas queria de fato que seu marido olhasse para as necessidades dela, então ela
faz um “ensaio”. O que aconteceria caso fosse uma tentativa real de se matar?
Era isso o que ela queria saber. Esse ensaio foi um ato impulsivo e momentâneo
do qual ela demonstrou sentir-se muito arrependida de ter feito. De acordo com o
histórico dela, o marido tem personalidade muito parecida com a de seu pai, de
quem ela sente muito medo mesmo sendo adulta e já não vivendo sobre seu
“domínio”, portanto é possível identificar pelo seu relato que o pensamento
automático é de que o marido não se importa com ela, com o como se sente, e

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ela estava procurando uma forma de causar nele os mesmos sentimentos. As


crenças intermediárias são: “não sou importante, então viver é muito ruim; se
ninguém se importa comigo, não faz diferença estar aqui...”. De acordo com o
histórico aqui revelado anteriormente, ela tem uma crença nuclear importante de
impotência, menos valia e vulnerabilidade.
Conforme Botega (2015) identificou, observando as pessoas que tentaram
suicídio, estas possuem uma estratégia de coping (enfrentamento de crises) mais
inadequada, observadas pelas distorções cognitivas como pensamento
dicotômico, rigidez cognitiva, abstração seletiva, entre outros que podem ser
conferidos em Beck et al. (1997). Essas pessoas ainda costumam apresentar mais
dificuldades para resolução de problemas pessoais e interpessoais, devido às
distorções e às crenças que construíram ao longo da vida (Botega, 2015).

Distorções suicidas mais comumente identificadas nos pacientes em crise suicida

As distorções cognitivas transformam a informação que chega de acordo


com as crenças nucleares, fazendo com que estas se consolidem e perpetuem,
mantendo a assim chamada homeostase (habilidade de manter o meio interno em
um equilíbrio, independentemente das alterações que ocorram no ambiente
externo). A mente humana é como um processador de informações, mas sujeita
a erros de interpretações. Podemos verificar esses erros expressos por meio dos
pensamentos automáticos.
Dentre as distorções cognitivas mais observadas nas pessoas com risco
de suicídio identificamos as seguintes:

 Pensamento dicotômico: tendência a avaliar situações de vida,


desempenhos e expectativas de forma dualista e radical. No paciente
suicida, geralmente é a ideia de que: ou aparece a solução “mágica” para
esse problema, ou é melhor não estar vivo para saber o que vem depois. É
isso ou aquilo, tudo ou nada...
 Sentimentos de catástrofe: as dificuldades são exageradas, buscando
obter ajuda ou se preparar para eventual fracasso. Ex.: – Tudo isso que
está acontecendo é terrível demais eu não posso suportar...
 Abstração seletiva: tendência a valorizar experiências e informações de
modo seletivo, em apoio a uma crença pessoal, sem atentar para outros
dados que deviam ser considerados em sua avaliação. Ex.: – Ninguém me
ama! Se eu morrer, todos ficarão mais felizes com minha ausência...

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 Inferência arbitrária: as conclusões são construídas mesmo na falta de


evidências ou em contradição com a realidade. Ex.: – Ele disse que me
ama, mas não é verdade. Ele diz isso só para eu ficar melhor...
 Racionalização emocional: confusão entre emoções e realidade, do tipo
eu sinto, então eu sou. Ex.: – Sinto que ninguém me ama, então sou um
peso para as pessoas...
 Rotulagem: criação de uma identidade negativa baseada em erros e
imperfeições, como forma extrema de hipergeneralização. Ex.: – Sou
mesmo muito burro, não valho nada e não presto para nada...
 Desqualificação do positivo: apreciações do tipo sim, mas... Ex.: – Ainda
que eu tenha acertado isso, foi sorte... ou – Acertei, mas era fácil demais...
 Falácia do belo: crença de que tudo na vida tem que ser perfeito,
harmonioso, belo. Ex.: – Não sei fazer nada direito... – Tudo o que eu faço
dá errado, não fica bom como deveria ser.

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REFERÊNCIAS
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Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2014.

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filosóficos. Consultoria Estratégica em Psicologia Emocional, 31 maio 2014.
Disponível em: <https://no-consultorio-psi.webnode.com/news/historia-do-suicidio-
aspectos-culturais-socioeconomicos-e-filosoficos/>. Acesso em: 45 fev. 2019.

BECK, A. T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre. Artmed, 1997.

CFC – Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética. Brasília, CFC, 2005.


Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-
etica-psicologia-1.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2019.

BOTEGA, N. J. et al. Suicidal behavior in the community: prevalence and factors


associated with suicidal ideation. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 27, n. 1, p.
45-53, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v27n1/23712.pdf>.
Acesso em: 5 fev. 2019.

BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015

DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social: as regras do método sociológico


– o suicídio: as formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural,
1983.

KOVACS, M. J. Revisão crítica sobre conflitos éticos envolvidos na situação de


suicídio. Revista Psicologia: Teoria e Prática, v. 15, n. 3, p. 69-82. São Paulo,
set.-dez. 2013.

LOUZA, M. R. N. et al. Psiquiatria básica. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,


2007.

OMS – Organização Mundial Da Saúde. Prevenção do suicídio: um manual para


profissionais da mídia. Genebra: OMS, 2000.

_____. Boletim epidemiológico. v. 48, n. 30. 2017. Genebra: OMS, 2000.

_____. Guia de estudos. BH. 2018. Genebra: OMS, 2000.

RAPELI, C. B.; BOTEGA, N. J. Perfis clínicos de indivíduos que fizeram tentativas


graves de suicídio internados em um hospital universitário: análise de
agrupamento. Revista Brasileira Psiquiatria, v. 27, n. 4, p. 285-289, 2005.

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SUDAK, D. M. (2012). Combinando terapia cognitivo-comportamental e


medicamentos: uma abordagem baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed,
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WENZEL, A.; BROWN, G. K.; BECK, A. T. Terapia cognitivo-comportamental


para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

WRIGHT, J. H. et al. Terapia cognitivo-comportamental de alto rendimento


para sessões breve: guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2012.

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CAPÍTULO 3 − COMPORTAMENTO

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CONVERSA INICIAL
Como já foi mencionado em outro momento, vamos tratar, nesta fase, em
especial do comportamento suicida em crianças e adolescentes. Veremos que a
negligência, a alienação parental, o abuso físico e mental e o bullying afetam muito
as crianças e os mais jovens, a tal ponto de acreditarem que é preferível morrer a
continuar uma vida que para si não tem valor. Também a tecnologia, que tanto
ajudou e deixa a vida mais prática, esconde perigos que, além de levar embora a
juventude das crianças e adolescentes, pode levar embora, no sentido literal da
palavra, a vida desses sujeitos.
A relação entre os cuidados familiares, os da escola e os de outros
ambientes nos quais o jovem está inserido, juntamente com a conversação,
nesses ambientes em que ele vive, certamente são a maior rede de proteção que
podemos oferecer aos nossos jovens, além de fatores como estar atento ao seu
desempenho e a mudanças em seus comportamentos ou ainda à falta de
mudança ao observar uma criança ou adolescente apático, fechado em seu
mundo e sem disposição, comportamento incomum para esse período da vida.

SUICÍDIO ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Suicídio infantil

Não há estudos, no Brasil, a respeito de suicídio infantil e, fora do Brasil,


há muito pouco pesquisado. Acredita-se que esse baixo número de pesquisas e
trabalhos sendo realizados, sobre essa parcela da população, a respeito do
suicídio se deva ao baixo número de casos identificados como tal.
No entanto, há pesquisadores que chamam a atenção para o fato de o
suicídio de crianças menores, em grande parte das vezes, ser considerado um
acidente/incidente, fato que se dá por relato de médicos que mencionam receber
mais de uma vez a mesma criança por ingestão de objetos estranhos, que relatam
sua tristeza e solidão e tal situação só pode ser observada quando a criança volta
ao mesmo médico e este, recordando-se de fato anterior, inquere a criança sobre
o ocorrido. Por vezes, o fato é considerado um incidente uma vez que os pais ou
responsáveis levam a criança, para a retirada do dito objeto ingerido, a lugares
diferentes ou o médico plantonista não é o mesmo da situação passada, assim o
médico compreende ser um acidente e, muitas vezes, sequer questiona a criança
sobre os fatos.

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Assim, verifica-se, segundo o site da Organização Mundial da Saúde (OMS,


2017), com dados recolhidos entre o período de 2011 e 2016, que o número de
lesões autoprovocadas em crianças de até 9 anos, no Brasil, é de 1%, sendo um
percentil considerado baixo. Em números absolutos, isso significa que, em
crianças de até 9 anos, um total de 2.144 crianças, de ambos os sexos,
autolesionaram-se naquele período. Felizmente, o número de tentativas de
suicídio, em ambos os gêneros, é de 179 para o mesmo período, não totalizando
nem mesmo 1% do total de crianças daquela faixa etária.
É importante evidenciar que os dados são contabilizados considerando-se
que a autolesão é a intenção de causar algum dano à própria pele e de sentir dor,
desconforto ou mesmo ferir-se; assim, o resultado alcançado é o esperado. Tal
quadro é diferente de quando a criança, por um incidente, falta de cuidado ou algo
parecido, acaba por ferir-se, lesionar-se e/ou sentir dor, mas esse resultado não
era o esperado por ela.
Verifica-se, com maior frequência, em casos de suicídio infantil, que abusos
sexuais ou físicos, brigas familiares, mãe ou pai com algum transtorno mental ou
problemas na justiça ou, ainda mais evidentemente, a negligência parental são
contabilizados na maior parte das ocorrências de suicídio infantil, um dado
corroborado por alguns estudos que apontam que a maior parte dos suicídios
infantis ocorreram em casa e durante a semana, verificando-se assim que a taxa
de suicídios e tentativas de suicídio entre crianças com até 9 anos nos finais de
semana, quando os pais estão em casa, é praticamente nula.
Em um estudo realizado no Japão, que já teve um número de suicídios
muito alto, entre os mais jovens, mesmo tendo baixado esse número no período
de abril de 2016 a março de 2017, constatou-se que um número de 250
estudantes da escola primária até o ensino médio se mataram e, entre os motivos
mais comumente observados, verificou-se que estavam tendo problemas
familiares, com falta de esperança no futuro e sofrendo bullying, muito embora
mais da metade dos jovens, em torno de 140 deles, não manifestassem a sua
motivação para o ato (Suicídio, 2018). Botega (2015) evidencia que, no Japão, há
uma cobrança muito grande pelo alto rendimento e esse é um dos motivos pelo
qual muitas vezes os mais jovens, frustrados, acabam tirando sua própria vida.

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Suicídio entre adolescentes

Segundo os dados divulgados pela OMS (2017), conforme o levantamento


realizado no período de 2011 a 2016, há uma preocupação real com os pré-
adolescentes e adolescentes devido a um número muito alto de lesões
autoprovocadas, considerando que, de todas as mulheres que se autolesionaram,
quase 26% estavam na faixa entre 10 e 19 anos; já entre os homens constatou-
se para essa mesma faixa etária o percentual era de quase 20%. Essa
porcentagem é calculada separadamente para homens e mulheres, portanto os
valores absolutos são mais discrepantes, sendo de 30,075 mil registros de
mulheres que se autolesionaram e 11,789 mil entre os homens da mesma faixa
etária.
Das tentativas de suicídio na faixa etária de 10 a 19 anos, estatisticamente
mantém-se porcentagem semelhante, sendo 24,1% para o sexo feminino e 17,2%
para o sexo masculino, no entanto os números absolutos são expressivamente
menores, 8.018 e 2.565, respectivamente. Embora se verifique que haja maior
número de mulheres que se autolesionam e que mais tentem o suicídio, de fato
observa-se maior número de mortes por suicídio entre os homens, 2,3%, contra
1,1%, para mulheres, ambos com idade até 19 anos. Na população geral,
somados os dois gêneros, verifica-se 1,7% de casos de óbito por suicídio entre os
adolescentes de ambos os gêneros.

COMPORTAMENTO AUTOLESIVO: O QUE É E COMO TRATAR?

O que é o comportamento autolesivo?

O comportamento autolesivo refere-se aos chamados picos, atos de picotar


a pele, tais como cortes, mais comumente feitos nas mãos, braços, pernas e
barrigas, às vezes nos lábios, entre outros locais. Tratam-se de ações em que a
pessoa fere/lesa sua própria pele; mas normalmente, nesse caso, não se
evidencia a intenção de causar morte. No entanto, muitos autores referem que,
apesar de a autolesão não ter intenção de morte, é comum haver também ideação
suicida e risco aumentado de tentativas de suicídio de quem a pratica, com o
passar do tempo.
A motivação para o ato pode envolver: punição de si, mais comumente
após autocrítica; tentativa de redução de tensão; presença de emoções fortes e
sentimentos de angústia e tristeza intensas; alívio de dores emocionais e busca
de melhoria do humor; distração de efeitos intoleráveis e, segundo relato das
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pessoas que fazem a autolesão, isso ajuda-lhes a evitar que partam para algo
mais agressivo, como o suicídio.
As lesões não são acidentais e não são decorrentes do uso de álcool ou
outras adições e se exclui de seu rol a aplicação de tatuagens e piercings. Mais
comumente, os comportamentos autolesivos são evidenciados em homens e
mulheres com idade entre 10 e 29 anos (56%), porém, no caso dos homens, com
um percentual bem mais baixo (29%).
Outro dado muito importante a ser considerado e abordado por muitos
pesquisadores é o fato de os comportamentos autolesivos estarem presentes em
um grande número de pessoas que, em especial na infância e na adolescência,
sofreu ou sofre com algum tipo de violência sexual ou física. Assim, é de grande
valia investigar indícios de tal situação e adotar as medidas necessárias de
proteção caso se observe que tal fato ainda esteja ocorrendo na vida da criança
ou adolescente.

Como lidar com o comportamento autolesivo?

Ao recebermos esse indivíduo para tratamento, mais comumente


adolescente, há uma gama de situações que podem “justificar” para ele os picos;
entre elas, identificamos quando o pico tem a função de: alívio das tensões,
especialmente angústia, ansiedade e desespero; autopunição, quando o indivíduo
julga ter tido ações inadequadas; repetição, quando alguém que o indivíduo de
certa forma admira, convive ou se identifica pratica o ato autolesivo e ele passa a
fazer o mesmo; atenção, quando o indivíduo identifica que pode ter ganhos com
o comportamento – às vezes trata-se do desejo de ter a companhia de alguém
específico ou não ficar só; e pertença, quando há a necessidade de fazer parte de
algum grupo e como forma de aproximação ou manutenção do grupo ele pode
realizar o ato e assim adquirir ou continuar tendo companhia.
Com um bom estudo do indivíduo e uso das técnicas seta descendente
ou diálogo socrático (iremos estudar melhor essas técnicas em breve), podemos
perceber qual a necessidade desse indivíduo e qual a motivação dos
comportamentos de pico, uma vez que desse modo poderemos auxiliá-lo na
dificuldade que ele vivencia, a fim de superá-la. É certo que, em terapia cognitivo-
comportamental, devemos auxiliar o paciente a compreender e reforçar sempre
que lhe for necessário como funcionam nossas emoções, comportamentos e
pensamentos e como se retroalimentam, ajudar-lhes a entender que não

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inferimos sobre nossas emoções e portanto não podemos focar naquilo que não
podemos mudar, mas devemos sim focar no que é possível mudar
(comportamentos e pensamentos), pois isso mudará nossas emoções e nossa
percepção sobre nós mesmos, o futuro e os outros.
Quando identificamos a necessidade de alívio da tensão, para auxiliar na
redução desta, após explicar o funcionamento das emoções, pensamentos e
comportamentos e como se retroalimentam, é válido ajudar o paciente a
identificar que outras coisas geralmente ele faz e que lhe causa emoções mais
positivas. Pode ser que, se ele estiver muito chateado, apático ou mesmo
aborrecido, não se mostre muito disposto a colaborar, comportamento comum em
adolescentes nesse estado; então, podemos dar-lhes algumas sugestões, tais
como prática de atividade física, de preferência algum esporte específico, indicar-
lhes filmes, músicas, pessoas com quem goste de conversar, lugares que goste
de ir, entre outras possibilidades que ele mesmo pode elencar.
Porém, vale a ressalva, devemos questionar quais música e filme esse
paciente gosta de ouvir e ver. Há certos tipos de música, ainda que em outros
idiomas e que a pessoa não compreenda seu conteúdo, cuja melodia, por si só,
seja de conteúdo depressivo, seja de incitação à morte; ou, ainda, alguns filmes
de terror, com mortes, entre outros temas, que deixam a pessoa com emoções
mais tensas que boas. Assim, faz-se importante questionar qual tipo de
música/filme o adolescente ouve/vê e pedir ao paciente que explique de que se
trata o conteúdo da música ou filme, ajudando-o a compreender que determinadas
obras não são para aquele momento e que ele deve procurar o que lhe for mais
agradável, a fim de aliviar a tensão do momento, ao invés de se cortar.
Quanto mais refratário pareça o paciente às sugestões oferecidas, mais
importante é dizer-lhe que, antes de cortar-se, ele pode ouvir uma música que
costume lhe causar melhores emoções; se persistir o mau desejo após a audição
da música, ele pode usar uma segunda ou terceira opção de itens que lhe façam
sentir-se melhor. Se, por fim, ele usar todas essas técnicas e não tiver encontrado
um amigo com quem valha uma boa conversa, pode usar ainda uma ligação de
15 minutos para o terapeuta, a fim de dizer-lhe o que se passa e ter uma
orientação.
Muitas vezes, observa-se a falta de habilidades sociais, como é o caso da
repetição, autopunição, busca de atenção e pertença, em que se verifica, nos
pacientes, a necessidade de trabalhar, em especial, técnicas de habilidades

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sociais e comportamento assertivo, com a finalidade de o paciente aprender a se


comunicar de forma mais equilibrada, além de trabalhar o controle de suas
emoções e o desempenho de atividades prazerosas. Deve haver, nesses casos,
uma insistência maior com prática de esportes ou ainda de uma atividade
laborativa, a fim de que a pessoa mude seu foco e deixe de ruminar maus
pensamentos, passando para algo mais construtivo e que exija maior foco e
atenção do indivíduo.

JOGOS SUICIDAS
No tema anterior, caracterizamos o comportamento autolesivo como a
intenção de causar dano a si próprio, sem a intenção suicida e, embora os jogos
suicidas, como os de asfixia e o baleia-azul, façam parte do comportamento
autolesivo, evidencia-se uma distorção ao se falar deles, uma vez que algumas
pessoas, mal-intencionadas ou até mesmo mal-informadas sobre os riscos desses
jogos, podem usar do comportamento autolesivo para o participante chegar ao
suicídio.
Observa-se que se, por um lado, o comportamento autolesivo muitas vezes
tem a intenção de prevenir o suicídio, já que fornece alívio da tensão, por outro
lado essa prática tende a deixar as pessoas cada vez mais tolerantes à dor, o que
pode conduzi-las a atos autolesivos cada vez mais graves, podendo causar-lhes
lesões graves e o próprio suicídio. Como se não fosse pouco, observa-se ainda
que muitos jovens se encontram atualmente envolvidos em jogos on-line,
comportamento cada vez mais frequente entre os adolescentes, uma vez que,
além do jogo on-line, que fica à escolha do participante, ele tem a oportunidade
de interagir com outros jogadores, por meio de câmera, microfone e caixa de som.
Essa prática tem permitido aos jovens interagirem com pessoas que podem estar
a muitos quilômetros de distância, inclusive em outros países. Por fim, após o jogo
o perdedor é instigado a pagar uma “pena”, que algum dos “colegas” lhe impõe,
sendo mais comum o desmaio. Como é o caso de um garoto de 13 anos da cidade
de Santos (SP): conforme publicado em uma das edições de agosto da revista
Época (Lazzeri, 2016), ele foi encontrado, no início do mês de agosto de 2016,
desmaiado, tendo feito uso de uma corda que era usada para segurar um saco de
boxe. Entende-se que o risco é elevado quanto maior o número de ocorrências de
uma mesma pessoa, uma vez que tal ato causa danos neurológicos gravíssimos,

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podendo levar a pessoa a problemas de cegueira, dificuldades cognitivas, ataques


epiléticos, entre outros, e, como no caso citado, até mesmo à morte.
Também se alerta para o caso do jogo mais conhecido como jogo da baleia-
azul, de origem russa, por meio do qual tanto acontecia de as pessoas se
interessarem pelo jogo apenas para saber do que ele se tratava; quanto de o
fazerem por nutrir certas emoções que as conduziam a buscá-lo como uma forma
de escape da sua realidade ou como forma de adrenalina. Mas, de fato, o jogo
tinha o intuito de levar os jovens a cometer suicídio como última tarefa a ser
cumprida de uma lista de 50 itens, que iniciava sempre com coisas mais leves
porém, à medida que o jogo solicitava itens mais pesados, era comum o jovem
querer abandoná-lo e nesse momento ele já estar tão emocionalmente abalado
que acabava caindo na história de que o “curador” administrador do jogo já sabia
dados de sua família e ameaçava matar os seus familiares, como forma de
incentivar o jovem a manter-se cumprindo as tarefas até o suicídio de fato.
Nesses casos, frisa-se o que tantos autores relatam sobre a adolescência.
O ideal é que o jovem sinta, por parte dos pais e responsáveis, que ele tem certa
autonomia e que esta deve ser reforçada a cada novo contrato, pelo qual ele sabe
que os pais têm confiança de que sua palavra é verdadeira e de que cumprirá o
contrato. No entanto, deve-se realizar uma supervisão eventual a fim de confirmar
as informações prestadas pelo jovem e, em caso de quebra de contrato, os pais
devem sim cortar a autonomia dada a ele até um determinado prazo e testar se
ele dá conta de receber essa autonomia novamente. Assim deve funcionar tanto
em relação a sair de casa, dormir na casa de algum colega, ir a uma festa, bem
como em relação à confiança que os pais têm sobre a forma como ele utiliza as
redes sociais e a internet como um todo. Deve haver alguma vigilância sobre como
têm se dado essas relações e conversas, a fim de se verificar o que os filhos
acessam e com o que se comprometem quanto aos jogos que podem levar ao
óbito, pois nesse caso tanto ele pode ser vítima quanto vitimador de outrem.
A melhor forma de tratamento é sempre a prevenção. Portanto, enquanto
filhos se comportarem como filhos e estiverem sob a supervisão dos pais, devem
ser conferidas as informações por eles prestadas, a fim de se prevenir danos como
os dos jogos de suicídio, relações de abuso, acesso à pornografia, conversas com
pessoas mal-intencionadas, entre outros tantos perigos que o mundo virtual
oferece. No entanto, frisa-se também que a vigilância é passageira. Quanto mais
comportamentos adaptativos o jovem apresentar no ambiente familiar, acadêmico

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e entre seus pares, bem como quanto mais verificar-se que ele esteja agindo com
idoneidade em relação às informações prestadas, menor deve ser a vigilância.
Por outro lado, a vigilância deve aumentar à medida que o oposto se confirmar
como verdadeiro, quanto mais comportamentos inadequados, problemas de
relacionamento interpessoal, familiar e acadêmico ele apresentar e quanto mais
mentiras suas são flagradas.

O PROCEDER DO AMBIENTE ACADÊMICO QUANTO À TENTATIVA DE SUICÍDIO


Veremos, mais à frente, o quão importante é quando uma pessoa próxima
(afetivamente) comete suicídio. No entanto, iremos explanar, neste tópico, um
pouco sobre o assunto, porém dando ênfase à figura do adolescente, uma vez
que esse sujeito tem em suas características algumas peculiaridades que não
evidenciamos com a mesma clareza e importância na idade adulta.
Entre as características adolescentes que precisam ser focadas, nesse
contexto, está a importância do comportamento em grupo no qual vive o
adolescente. Içami Tiba (2008) nos mostra o quão importante é, para o
adolescente, a relação grupal, em que ele descobre um mundo novo pelos olhos
dos amigos adolescentes, deixando muitos de seus valores familiares para voltar-
se para o que seu grupo diz ser certo ou errado. Evidentemente, de acordo com
os aprendizados e valores familiares que lhe foram transmitidos, ele já adquiriu,
nessa fase, a capacidade para discernir entre certo e errado, por si; porém, quanto
maior for a valência de sua amizade, maior valor tem aquilo que seus colegas e
amigos lhe dizem.
Conforme podemos verificar dos comportamentos grupais, é mais comum
e propício as pessoas envolverem-se com aquelas que estão em situações
semelhantes e afastarem-se das que estão em momentos de vida muito diferentes
do que elas vivenciam. Imaginemos agora que o adolescente pode estar
passando por alguma perturbação emocional e, assim, essa pessoa que se
encontra vivendo um momento ruim, em sua vida, junta-se a outras que podem
estar passando por sofrimentos semelhantes e às vezes situações de vida ainda
mais difíceis.
Vamos somar os comportamentos antes descritos com o risco de suicídio:
qual parece ser a chance de que uma pessoa de convivência próxima venha a
cometer ações parecidas com as do colega que vivencia um tão grande problema
e de tão difícil resolução? Sim, a chance de comportamentos copiados aumenta

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insidiosamente – lembremos do efeito Werther. Dessa forma, diante de uma


pessoa que tem o hábito de se cortar para aliviar a tensão, há grande
probabilidade de o seu colega, também em estado de vida vulnerável, repetir o
seu ato. Às vezes, não só aquele que está vivenciando situações conflituosas,
mas também o jovem que se deixa levar mais facilmente pelos hábitos de colegas
de grande convivência corre risco semelhante de adotar certos hábitos, tais como
o de pico.
Vamos pensar agora sobre o que pode ser feito caso algum funcionário de
uma escola venha a surpreender um aluno em uma tentativa de fazer algo contra
sua vida, no ambiente acadêmico. Em primeiro lugar, é de grande importância que
os adultos em torno do fato lembrem que não são os responsáveis legais por esse
jovem; em segundo que, certamente, há um sofrimento imensurável desse jovem;
em terceiro, é necessário que professores, pedagogos e demais funcionários da
escola lembrem que, embora muitas das funções da escola possam ser
terapêuticas, elas não são terapia. Querer expor a intimidade, a história e o
contexto de vida desse jovem é um erro, mesmo porque ele pode sentir-se ainda
mais coagido, constrangido e pressionado a dar respostas para as quais não está
preparado e tampouco se trata o ambiente escolar de um local adequado para
isso, bem como o jovem pode ainda tentar manipular a história de forma a achar
que ganhará algo em troca com isso.
No contexto acadêmico, ao se deparar com um jovem que esteja em vias
de tentar algo contra sua vida, é mais indicado que se conduza esse jovem a um
local reservado e, caso não haja a presença de um psicólogo na escola, como é
a realidade que vivemos, o pedagogo tem o preparo mais próximo para ajudar o
jovem nesse momento, mas outras pessoas também podem fazer a função, desde
que seja preservada a liberdade do jovem, não lhe sejam feitos questionamentos,
em especial aqueles do tipo inquérito. O profissional não deve, de forma alguma,
tentar “arrancar” do jovem o que se passa; a conversa deve, acima de tudo, tomar
um rumo no sentido de oferta de compreensão e proteção. Se o jovem expressar
o que se passa é porque ele sente-se à vontade o bastante para o fazer e o
profissional que o escutar deve guardar sigilo de tudo o que lhe for dito. Caso o
jovem nada relate, se recuse a fazê-lo, deve ser respeitado seu direito. Mas, em
todos os casos, aciona-se o seu responsável, bem como o conselho tutelar, a fim
de prestar o melhor atendimento a esse jovem. Em caso de este ter se
machucado, deve-se acionar a família e, caso não possa se esperar até a chegada

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do responsável, conduzir o jovem ao hospital mais próximo, que tomará as demais


providências cabíveis.
Caso alguma outra pessoa, em especial os pares do jovem que tentou algo
contra sua própria vida, tenha presenciado o ocorrido, ela deve também ser
ouvida, ser acionada e informada sua família sobre o ocorrido e a família é
encarregada de administrar a situação como melhor lhe couber. Em especial, a
família deve ser orientada a levar o jovem que assistiu aos fatos a um
acompanhamento terapêutico, mas isso apenas se ele demonstrar mudanças de
comportamentos e de humor após o fato, reduzindo-se a possibilidade de
ocorrência de novos fatos e garantindo-se que a família tenha ciência de eventuais
alterações comportamentais do jovem.

SUICÍDIO DE UM ALUNO: COMO DEVE SER O PROCEDER DA ESCOLA?


As tentativas e o suicídio quase não ocorrem no ambiente acadêmico – o
número de ocorrências nesse ambiente é muito pequeno, não chega a 0,5% da
população geral e para adolescentes o número é ainda menor. Em contrapartida,
o número de ocorrências de tentativa e de suicídio em casa é exponencialmente
maior. Porém, ressalta-se que se faz necessário um questionamento: o que fazer
quando se tem notícias de que um aluno tentou suicídio? Realmente, os demais
alunos ficarão abalados, impressionados e certamente farão desse assunto a
conversa da semana. Se o aluno se matar, então será a conversa do semestre ou
do ano de anos a fio.
Deixar o assunto suicídio virar um tabu em um ambiente de pessoas com
tão pouca experiência de vida é deixá-las mais vulneráveis e de certa forma
curiosas sobre o ocorrido. O mais adequado é sempre dar a esses assuntos uma
abordagem com liberdade de expressão, porém não como forma de fofoca, em
que cada um fala o quer e como pensa, mas sim de uma forma mais dirigida. O
tratamento do assunto suicídio deve ser preventivo. Lembremos de que vimos
que, quanto mais se fala de casos de suicídio, maior o risco de novos eventos e
que, quanto mais se fala de situações de superação, maior o índice de remissão
dos pensamentos e tendências suicidas.
Mesmo quando os trabalhos em torno da prevenção ocorrem, mas há
indivíduos que acabam por tentar algo contra sua vida, verifica-se a necessidade
de se pensar sobre: e o que fazer agora? Afinal de contas, os demais jovens e

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mesmo os professores sofrem e ficam emocionados com o ocorrido, sendo


necessária uma intervenção diante do fato.
Ainda que em um caso de suicídio não ligado à escola, mas que envolva
aluno de outra determinada escola, tanto mais importante é que a escola tome
posicionamento diante dos alunos quando a ocorrência do suicídio se deu durante
o ano letivo. O mais indicado é que se realizem alguns trabalhos com os alunos
da turma daquele que se matou e, caso ele tivesse muita proximidade com alunos
de outra turma, também com esta ou outras turmas, como forma de prevenção de
novas tentativas ou ocorrências.
O trabalho com as turmas é dar liberdade para os demais alunos
expressarem seus sentimentos sobre a perda, poderem refletir sobre a
importância do aluno que se matou e a relação que tinham com ele. Também deve
ser reforçado o assunto sobre o que pode ser feito para evitar novas ocorrências.
O mediador sempre aborda essas questões para que os alunos debatam sobre e
sua função é somente auxiliar para manter o foco e evitar brincadeiras de mau
gosto, e evidentemente ele pode acrescer alguns pontos que forem mais
evidentes, mas que não forem levantados pelos jovens.
É importante frisar que alguns alunos que tenham maior conhecimento dos
fatos podem querer falar sobre como se deu a situação e, sempre que esse for o
foco da conversa, o mediador não deve deixar esse assunto tornar-se extenso,
deve ser mudado o foco, uma vez que detalhes sobre como se deu o fato são
sempre desnecessários.
É interessante pensar que, quanto mais conhecido for o jovem que cometeu
suicídio, mais importante é realizar ao menos um trabalho com cada turma que
tinha contato com ele. Alguns autores, como Guerreiro e Sampaio (2013) e Kovacs
(2013), mencionam ser importante realizar trabalho de grupo com todas as turmas
da escola, mesmo que o jovem suicida não tenha tido muito contato com elas,
como forma de prevenção. Ressalta-se que é mais indicado se realizar trabalhos
de grupo com cada turma em separado e que a turma que estudou com esse
jovem deve passar por mais de um encontro.
Os encontros podem se dar retomando-se os mesmos tópicos, podendo
ser acrescido mais algum de relevância para os alunos. Recomenda-se iniciar
relatando-se os sintomas mais prováveis que os alunos mais ligados ao que se
matou possam estar sentindo, tais como tristeza, crises de choro sem motivo
aparente, mudanças de humor para mais irritável, falta de vontade de interagir

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com os demais, ocorrência de sonhos com o colega que se matou (de estar ele
próprio em situações de desespero, em especial de morte), falta de vontade de ir
para a escola ou ambiente em que encontrava aquele indivíduo ou mesmo falta
de vontade de viver. Após desmistificar esse tema, pode ser questionado como
os alunos têm se sentido a respeito da perda. Já o encerramento deve sempre ser
questionando-se sobre o que fazer para evitar novas ocorrências e como lidar com
as emoções que estão latentes.
Caso sejam necessários mais encontros para falar sobre o assunto, isso
deve ser levado em consideração. Mas, ao perceber que, após dois encontros,
são poucos os que continuam expressando tristeza, apatia e dificuldades em
sobrepor tal situação, estes devem ser encaminhados para acompanhamentos
individuais ou grupos específicos.
Embora o foco da escola não seja fazer terapia, em casos de comoção que
envolvam seus alunos, tem-se a necessidade de prevenção de novas ocorrências,
fornecendo espaço e uma descoberta guiada para refletir sobre o que se passou
e para se adquirir meios para se seguir adiante, sem precisar considerar a morte
como solução.
Também os professores e demais funcionários da escola podem, em algum
grau, sentirem-se mais angustiados e com pensamentos negativos sobre o que
poderiam ter feito para identificar ou mesmo evitar tal situação. É de grande valia
fornecer oportunidade para que também eles possam falar sobre como se sentem,
o que pensam e o que acham que pode ser feito para evitar novos fatos.
Embora o professor seja de grande valência para os alunos em geral e sua
opinião desperte neles muitas questões, é imprescindível que ele se dê conta do
fato de não poder mudar diretamente a realidade dos seus alunos. Certamente,
há situações em que ele pode proporcionar cuidado e favorecer a saúde dos
alunos e, portanto, a sua também; mas, ele não está só e o apoio pedagógico
precisa ser mais presente para auxiliar o professor em questões tão difíceis da
vida, por exemplo ao identificar traços de mudança comportamental de um ou
mais alunos que antes eram mais comunicativos e que, após um evento de
suicídio, se mostrem mais apáticos, mesmo após as intervenções acadêmicas. O
professor pode levar o conhecimento do fato ao pedagogo ou assistente social,
de forma que ambos pensem, em conjunto, possíveis formas de ajudar o aluno.
Apesar de o suicídio, via de regra, não ocorrer na escola, este é o ambiente
onde mais facilmente se percebe tal demanda de assistência ao aluno. Assim, o

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professor, em especial por estar muito próximo dos alunos, pode sentir-se, em
algum grau, mais responsável que os demais e talvez ele pense que deva fazer
algo para evitar novos eventos. De fato, há essa possibilidade, mas essa não deve
ser a preocupação maior do professor, uma vez que há uma gama de profissionais
e possibilidades que podem atuar nesse processo, como o pedagogo, o assistente
social, a família, o Sistema Único de Saúde (SUS) e até mesmo, em alguns casos,
o conselho tutelar. Dessa forma, ele se sentirá mais à vontade para retomar seu
trabalho e dar continuidade ao ensino-aprendizagem e o ambiente acadêmico,
aos poucos, após um evento de suicídio ou tentativa de suicídio, vai retomando
sua rotina.

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SUICÍDIO entre crianças e adolescentes no Japão atinge maior número em três


décadas e alarma autoridades. BBC Brasil, 7 nov. 2018. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/geral-46117074>. Acesso em: 9 jun. 2019.

TIBA, I. Conversas com Içami Tiba. v. 2. São Paulo: Integrare, 2008.

WENZEL, A.; BROWN, G. K.; BECK, A. T. Terapia cognitivo-comportamental


para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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CAPÍTULO 4 − TRATAMENTO TERAPEUTICO

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CONVERSA INICIAL
Veremos agora como tratar terapeuticamente o suicídio, formas de ajudar
o paciente a administrar suas emoções. A terapia cognitivo-comportamental
vislumbra que a médio prazo o paciente estará se sentindo melhor e terá
descoberto formas mais eficazes de lidar com suas emoções distorcidas e
comportamentos impulsivos. Trataremos ainda sobre técnicas que apoiarão o
terapeuta na hora de lidar com esse paciente emocionalmente abalado,
desestruturado em seus pensamentos, que precisa de ajuda para colocar essas
emoções e pensamentos em seus devidos lugares, de forma a reduzir e/ou abolir
o risco de suicídio.
Também iremos abordar quando o paciente está em crise e, no auge do
desespero, procura em seu terapeuta alguma ajuda ou apoio. Bem como pode
ocorrer de encontrarmos, como cidadãos ou em diversas funções, ocasião em que
devemos auxiliar uma pessoa que pode ser um completo estranho, procurando
entender a dinâmica do suicídio e formas de prover o devido cuidado àqueles que
necessitam de maior atenção.

DESESPERO E ANGÚSTIA E SUA RELAÇÃO COM O SUICÍDIO


Como vimos anteriormente, a angústia e o desespero são muito evidentes
em grande parte das mortes por suicídio. Verifica-se, nesses casos, uma relevante
falta de habilidade em lidar com situações novas e indesejáveis de acordo com os
conhecimentos prévios, conduzindo o indivíduo a vivenciar uma crise sem, no
entanto, estar preparado emocionalmente para enfrentar tais situações, passando
a experimentar sentimentos de angústia e desespero. Provavelmente, essa
situação se resolverá em torno de pelo menos duas semanas, podendo levar
meses, de forma que o evento desencadeador da crise se organize na estrutura
da pessoa (Slaikeu, 1996, citado por Sá; Werlang; Paranhos, 2008). Contudo, se
a pessoa que está vivenciando o evento que lhe gerou uma crise soma esse fato
a uma estrutura emocional abalada por fatores anteriores ao evento, é provável
que haja um aumento nas distorções cognitivas que essa pessoa já carrega
consigo, reforçando seus esquemas e aumentando seus sentimentos de angústia
e desespero, devido à não superação dos problemas.
Após ouvir atentamente as queixas do paciente, como terapeutas devemos
estar atentos ao fato de tanto sofrimento estar causando ideações suicidas.
Assim, devemos auxiliar esse paciente a ter emoções mais agradáveis, tais como

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esperança, satisfação e guiá-lo ao processo por meio do qual irá perceber sua
capacidade de autoeficácia, de forma a evitar, diminuir ou excluir o risco de
suicídio desse paciente.
Iremos identificar mais evidentemente, no paciente, algumas distorções
cognitivas e devemos guiá-lo para que aprenda a reconhecê-las, podendo ser-lhe
fornecida uma cópia da lista de distorções cognitivas (encontrada em Leahy,
2006), seguindo-se a uma prévia explicação. Devemos orientá-lo a se observar
ao longo da semana, a fim de perceber quando está realizando tais distorções,
ajudá-lo a perceber que tais formas de pensar contribuem para a manutenção do
comportamento que ele tem vivido, tendo como resultado emoções indesejadas.
Igualmente, faz-se necessária uma psicoeducação sobre a tríade cognitiva
pensamento/sentimento/comportamento, com a finalidade de ajudá-lo a
perceber como seus pensamentos e comportamentos estão agindo contra a
melhora das suas emoções, mostrando-lhe que há ações mais concretas que ele
precisa tomar a fim de se recompor e retomar o controle sobre sua vida. Devemos
ainda considerar a possível falta de esperança do paciente, que acredita já ter
feito de tudo e não ver sua vida fluir como gostaria e talvez não alimente a
esperança necessária para mudar seu foco. Sendo assim, a conversa sobre
distorções e tríade cognitivas muitas vezes irá embasar um pedido de que o
paciente busque um psiquiatra e inicie um tratamento medicamentoso, às vezes
até mesmo com internamento, o qual irá conduzi-lo a melhoras mais significativas
no humor e o ajudará na terapia, sentindo-se mais disposto a realizar ações
necessárias e que gerarão um resultado mais eficaz.
Vale ressaltar ainda que psicoeducar o paciente a respeito da sensação de
desespero é ajudá-lo a compreender que esse sentimento atinge seu pico e, após
esse momento, tal sentimento não tem para onde ir. A pessoa não morre por
sentir-se em desespero, mas é importante sabermos que o desespero pode levar
essa pessoa a buscar recursos para dar fim à sua vida. Após alguns instantes de
pico, o sentimento de angústia e desespero irá reduzir. Mas, enquanto o paciente
mantiver pensamentos distorcidos sobre a vida e problematizando demais certas
situações, é provável que mesmo após o pico ele ainda alimente pensamentos
ruins e que esse sentimento torne a aumentar, ao invés de diminuir, levando o
paciente a acreditar que a angústia e desespero não passam.
Pensamento, sentimento e comportamento se retroalimentam. Na
medida em que se mantêm pensamentos ruins, reforçam-se crenças distorcidas

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a respeito de si, dos outros e do futuro. Os sentimentos e comportamentos são


mais comumente congruentes com esses pensamentos, mas, se a pessoa
aprende a responder aos pensamentos de forma mais adequada, muda-se o foco
do pensamento ou se abandona a situação momentaneamente, conseguirá deixar
de catastrofizar sua condição.
No entanto, só deixar de pensar e/ou mudar o foco não é o suficiente,
porque o cérebro continua trabalhando em torno do assunto que estava
ruminando. Por exemplo, se o pensamento é de que a vida realmente é muito
insatisfatória e que viver é tão terrível porque algo que a pessoa gostaria que
acontecesse não aconteceu, pode-se mudar o foco, passar a pensar sobre outra
coisa. Porém, se sua mente continuar buscando situações que contribuam para a
manutenção de tal pensamento, tentando comprovar essa teoria, perfazendo o
que chamamos de foco atencional, buscando evidências de sua crença, o
indivíduo não conseguirá passar para o próximo passo, que seria adquirir
comportamentos que lhe ajudarão a superar a crise.
Portanto, é mais funcional aprender a responder aos pensamentos
distorcidos, buscando evidências sobre esses pensamentos estarem certos ou
errados, aprender a perceber que não há só o lado negativo e a valorizar as
possibilidades mais desejáveis, ainda que estas não sejam as melhores possíveis.
Bem como é necessário, ainda, aprender que há certas coisas que não são
passíveis de serem mudadas, como o falecimento de um ente querido, que
algumas coisas não dependem propriamente do paciente para serem diferentes e
que ele precisa aceitar que o resultado provável de alguma ação muitas vezes
será diferente do desejável.

USO DO DIALOGO SOCRÁTICO PARA DESCOBRIR AS CRENÇAS NUCLEARES


Como já estudamos anteriormente, nosso foco são as crenças nucleares.
Para tanto, necessitamos iniciar pelos pensamentos automáticos e crenças
intermediárias. Mas, de que forma conseguiremos isso? Certamente, nesse
momento do curso, você já está familiarizado com o diálogo socrático. Essa
técnica consiste em, por meio de um pressuposto inicial, chegarmos às crenças
nucleares. Vamos usar aqui o seguinte exemplo: “Viver está insuportável, já não
vale mais a pena!” – esse é o desejo que uma pessoa pode expressar devido a
alguma dificuldade que esteja vivendo. Geralmente, nesse caso, ela está
catastrofizando, e o pensamento expressado por ela é o caminho que nos levará

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a conhecer as suas crenças nucleares, portanto é o tema que vai no cabeçalho


de nossa pesquisa. Dessa forma, vamos questionando o paciente até que
possamos chegar aos pensamentos que ele considera serem os piores, como
vemos no exemplo hipotético a seguir:

[Terapeuta] – O que faria sua vida valer a pena?


[Paciente] – Ser feliz, não me sentir tão pesada.
[Terapeuta] – Há mais ou menos quanto tempo tem se sentido assim?
[Paciente] – Acho que há uns seis meses atrás ficou mais difícil, mas há uns três anos já não me
sinto muito bem.
[Terapeuta] – E o que aconteceu há três anos atrás?
[Paciente] – Tive uma professora no [curso de] inglês que só queria usar como tema um assunto,
política, no qual eu não estava muito interessada, então não participei da aula dela e ela me
reprovou. Fiz um outro teste e fui aprovada. No semestre seguinte, ficou tudo bem, mas no outro,
essa professora voltou a me dar aula e disse que eu estava de novo na mão dela. Fui aprovada
na matéria dela essa vez e assim foi: a cada seis meses eu tinha um semestre de aula com ela.
Os últimos seis meses foram mais difíceis e foram com ela, até que, enfim, falei com o diretor,
porque iria desistir do curso. Ele me perguntou o que acontecia, expliquei a ele, que trocou a
professora, então consegui concluir o curso, mas me senti muito mal, porque parece que ela foi
mandada embora da escola...
[Terapeuta] – Por que não se queixou dela antes?
[Paciente] – Eu não sei, talvez por vergonha e por achar que eu não era nada, nem ninguém para
me queixar de uma professora.
[Terapeuta] – Me parece que você não se sentiu confiante em realizar a queixa. Por quê?
[Paciente] – Achei que nada seria feito. A professora poderia saber que me queixei e me fazer
mais coisas ruins ainda.
[Terapeuta] – Supondo que você esteja certa, o que de pior ela poderia fazer?
[Paciente] – Não sei dizer, mas talvez chamar minha atenção na frente de todos.
[Terapeuta] – E se ela o tivesse feito?
[Paciente] – Eu morreria de vergonha!
[Terapeuta] – Achei que quisesse morrer...
[Paciente] – Na verdade, tenho medo de morrer. Só gostaria de me sentir melhor.
[Terapeuta] – Como se sente em relação à situação com a professora?
[Paciente] – Impotente, sem ação!

Por fim, fica evidente, nesse diálogo, um sentimento de incapacidade e um


esquema de vulnerabilidade da suposta paciente. Esse sentimento é o que a leva
a achar que a morte lhe seria melhor do que viver sofrendo daquela forma. O que
ela acha que vinha acontecendo há uns três anos e que piorou nos últimos seis
meses, na verdade, descobrimos que ela carrega da infância: o sentimento de
constrição, vergonha e menos-valia. Numa situação como a da hipótese criada,
avançando nas questões, podemos encontrar um quadro de transtorno de
ansiedade social (TAS) cujo fundamento fora estruturado na infância, em que a
autoeficácia da paciente foi posta de lado e sabotada por ela mesma, inúmeras
vezes. Após esse diagnóstico e com o decorrer do tratamento, a paciente
hipotética poderia ter grande melhora e vir a superar os pensamentos de morte,
muito rapidamente.

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No exemplo relatado anteriormente, havia um desejo de cessar a angústia


e sentimentos que ela não havia identificado sozinha, por esse motivo continuava
a alimentar os pensamentos de insatisfação com a vida. Dessa forma,
identificamos a sua ideação quando ela expressa seu pensamento. No entanto,
não havia, nessa suposta paciente, nenhum planejamento de como encerrar sua
vida. Assim, ela pararia seu processo naquele ponto, podendo seguir sua vida
sem a intenção, planos ou mesmo tentativa de suicídio.
Ao aprender a se comunicar de forma mais assertiva, a melhorar sua
autoestima e a prestar mais atenção na sua capacidade de autoeficácia, aquela
jovem conseguiria superar os pensamentos e desejos de morte – lembrando que
ela disse não querer morrer, apenas parar de se sentir tão mal. Tratada a
necessidade real da paciente, isso não apenas lhe ajudaria a deixar de se sentir
tão mal, como na verdade ela poderia passar a sentir-se muito bem.
Com o diálogo socrático, podemos verificar os pensamentos do paciente, a
ideia que ele tem de si mesmo, a fim de chegar a suas crenças. Observe que
muitas frases poderiam ser substituídas pelo dizer: “E daí?”, muito utilizada
também na seta descendente, e a resposta poderia ser a mesma, semelhante
ou bem próxima àquela que foi utilizada pela paciente, de tal forma que seguimos
o processo de afunilar as questões até que o paciente diga a que veio, com seu
pensamento. Ao final, mostra-se para o paciente que há esperança de que
também ele possa se questionar sobre a origem de tal crença a seu respeito.

COMO LIDAR COM O PACIENTE EM FASE DE TENTATIVA DE SUICÍDIO?


Há aqueles pacientes com maior comprometimento, que já estão em fase
de tentativa de suicídio, que se trata de uma espécie de treinamento. Como já
vimos antes, toda e qualquer tentativa deve ser considerada, uma vez que já se
verificou que, em torno de um terço dos casos de suicídio, houve tentativas
anteriores. Também é sabido que, a cada nova tentativa de cometer o suicídio, a
pessoa aperfeiçoa seu método, podendo chegar a óbito em qualquer uma de suas
tentativas. Importante lembrar que a tentativa está mais ligada ao processo de
planejar, chegar a lesar-se e mais comumente não é grave o bastante para causar
a morte – no entanto, pode acontecer de se chegar a esse ponto.
Quando o paciente relata ter pensado sobre como faria e ter acesso aos
meios necessários para execução do seu plano, podemos começar questionando-
o, por meio do diálogo socrático. Nesse contexto, a proposta é tentar dissuadi-

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lo de tal empenho. Para isso, iremos procurar nas suas respostas e história de
vida cada situação que o motive para a vida, questionando-o até descobrir o que
pode ser um ponto de apoio para não cometer o suicídio: família, amigos, crenças
religiosas, qualquer coisa que dependa dele, qualquer situação em sua vida que
justifique para esse paciente sua existência, ainda que o motivo pareça pouco –
esse pouco, somado a momentos mais satisfatórios vividos, podem dissuadi-lo de
sua ideação.
Além de questionar o paciente sobre se tem acesso aos meios para tentar
o suicídio, devemos questioná-lo também se planejou uma data, local e se
pretende que alguém esteja junto, uma vez que todas essas informações são
necessárias a fim de identificar o sentido que fazem para o paciente. Em caso de
ele relatar todos esses dados ou ainda demonstrar sabê-los, mas não expressar
e não sentir confiança sobre poder desenvolver emoções mais positivas e
tampouco encontrarmos nele meios para evitar/diminuir o risco, nesse caso faz-
se a necessidade de chamar uma pessoa da confiança do paciente ou familiar
mais próximo (afetivamente).
A proposta de o paciente ter um acompanhante baseia-se no fato de que o
terapeuta não pode e não deve ficar responsável pelo paciente, ainda que por
uma consulta ou duas, ainda que precise de mais tempo para desenvolver seu
método de trabalho, o terapeuta não pode ser o único ponto de apoio do paciente.
Dessa forma, é positivo para o paciente por perto uma pessoa em que confie,
alguém que ele possa buscar em meio a uma crise, alguém que lhe seja
companhia por algum tempo, até que sua crise retroceda ou desapareça. Se, no
ato da consulta, o terapeuta não sentir confiança em deixar o paciente ir embora
sozinho, não deve fazê-lo. Esse fato deve ser explicado ao paciente, justificando-
o com a necessidade de manutenção de sua própria vida e sua segurança.
O terapeuta pode pedir ao paciente que este faça uma ligação a um familiar
ou pessoa de sua confiança e pode conversar brevemente com a pessoa
contatada, explicando-lhe que o paciente não está bem e que precisará de ajuda
por algumas horas e eventualmente quando não se sentir bem, questionando
ainda se essa pessoa pode fazer companhia ao paciente de vez em quando. Em
caso afirmativo, deve-se verificar se a pessoa indicada pelo paciente pode ir
buscá-lo e acompanhá-lo ou certificar-se de que o paciente estará em segurança
e se terá algum apoio.

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Durante um evento de risco de suicídio, quanto mais pessoas estiverem


comprometidas com o bem-estar do paciente, mais significativa será a ajuda. No
entanto, perceba que mencionamos, antes, que o terapeuta pode conversar com
a pessoa indicada pelo paciente e fazer-lhe uma breve explicação. Note que não
fiz menção sobre dizer algo do gênero: “Seu amigo ou familiar está em risco de
se matar”; mas, sim, deve-se abordar que o paciente não está bem e que precisará
de apoio por algum tempo, que pode precisar de atenção ou companhia.
Em caso de o terapeuta não sentir, por parte do paciente, nenhuma
esperança de que ele pode melhorar e de que esteja disposto a tentar viver, não
tomar a iniciativa de encontrar uma rede de apoio ao paciente seria negligenciar
as emoções por ele vividas e correr um grande risco de esse paciente tentar algo
contra sua vida. Observe também que não mencionei uma fala do tipo: “Vamos
combinar de você não tentar se matar?”. Porém, pode ser apresentado ao
paciente que, se a angústia for tão grande, ele pode se organizar e fazer uma
ligação, de forma que terá o apoio do terapeuta. Perceba ainda que, agora, o
paciente tem um amigo ou familiar envolvido e este também poderá receber uma
ligação, em algum momento, do amigo/parente que não está bem ou parar para
ajudá-lo, por alguns instantes.

PACIENTE COM TRAÇOS DE IMPULSIVIDADE E RISCO DE SUICÍDIO


Os atos impulsivos são mais comumente observados em jovens e pessoas
com transtorno de personalidade e são caracterizados pela falta de planejamento,
sendo, portanto, mais passíveis de serem interrompidos por outrem, mas ainda
assim a tentativa de suicídio é mais provável de ser letal é maior, pois a pessoa
tem a intenção de morte.
Vamos lembrar aqui que a pessoa está tomada por emoções como:
angústia, sentimentos de constrição e sensação de falta de esperança, emoções
somadas a traços impulsivos e distorções cognitivas, como a ideia de que naquele
momento é tudo ou nada e de que seu problema nunca terá a solução perfeita,
características mais comumente percebidas em finais de relacionamento
amoroso, por exemplo, em que prevalece uma crença de que nunca mais vai-se
encontrar alguém que a pessoa ame de tal forma. Os pensamentos mais
prováveis nessa hora são, por exemplo: “Nunca mais amarei alguém como amo
essa pessoa”, “Eu estraguei tudo, então não vale a pena viver...”.

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Essas emoções são passageiras e, evidentemente, sabemos que sim: essa


pessoa vai encontrar alguém na vida que ela ame e, certamente, esperamos que
não seja igual, porque, se for, a chance de nova frustração é grande. Mas, o que
vem ao caso é atentarmos para o fato de que esse episódio é passageiro e a
pessoa se arrependerá de tentar algo contra sua vida. Assim, ela ter com quem
conversar até a angústia retroceder será de grande ajuda. No entanto, só falar
sobre a tristeza da perda provoca certa delonga na superação dessa crise. Por
outro lado, se ela começar a pensar sobre o que justifica essa perda, por que
determinada situação não se deu como ela gostaria e, assim, perceber que valeu
mais a pena o encerramento da relação do que sua manutenção, será então uma
conversa que melhor irá ajudá-la na superação do problema. Tal conclusão,
embora ainda pouco útil naquele momento, é necessária para embasar um
momento posterior, que é pensar o que fazer para superar tal tristeza, o que pode
se colocar no lugar da lamentação pelo tempo, energia e disposição empenhados
naquilo que se perdeu, com uma tentativa de substituí-la por algo mais produtivo,
que pode ser, por algum tempo, alguma distração que ajudará o indivíduo a baixar
a gravidade das emoções provocadas pelo evento causador de angústia.
Evidentemente, a distração não será sempre boa, mas ajudará por algum
tempo. Enquanto esperamos que as emoções negativas percam sua força, como
terapeutas cognitivo-comportamentais devemos trabalhar as distorções cognitivas
envolvidas em cada caso, ajudando o paciente a superar a situação de “luto”,
auxiliando-o na aquisição de novas metas e a não cair na procrastinação, que são
formas de evitar que o paciente volte a se ocupar das frustrações e perceba sua
autoeficácia, valorizando menos os comportamentos impulsivos e mais os
resultados a médio e longo prazos.
Evidencia-se que o foco não é falar sobre os eventos disparadores da crise
suicida, mas sim sobre os pontos positivos da vida. Em todos os casos de risco
de suicídio, o foco não é e não deve ser o que está “empurrando” o paciente para
o desejo de morte, mas sim o que ele tem de melhor, aquilo que faz sua vida valer
a pena. O trabalho é lançar luz sobre suas conquistas, sobre como lhe foi difícil
alcançar certos ganhos, o caminho dificultoso que passou até alcançar
determinado objetivo, que é o que vai mostrar ao paciente sua autoeficácia e que
melhores resultados vêm com mais tempo e dedicação.
Guiar o paciente durante o processo de redescoberta de sua vida e
reestruturação da sua história é ajudá-lo a aprender o valor da paciência. No

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entanto, é cabível lembrar que ter paciência não consiste em simplesmente


esperar que as emoções indesejadas passem por si mesmas, pois há certos
passos que ele pode dar para ajudar nesse processo e, muitas vezes, em uma
direção diferente da que gostaria de seguir, porém mais eficaz. Dessa forma, ele
pode alcançar emoções mais satisfatórias e aprendizados de vida que o guiarão
para, em algum momento, retomar o assunto que outrora lhe causou tanta
angústia, desânimo, desespero e comportamentos indesejáveis, porém com uma
bagagem emocional mais equilibrada.

COMO PROCEDER EM UMA CRISE DE SUICÍDIO?


Como foi mencionado anteriormente, a respeito de o paciente, em um
momento de crise, ter como uma possibilidade realizar uma ligação para o seu
terapeuta, esse fato já indica que há a necessidade de haver maior disponibilidade
de tempo, por parte do terapeuta, em casos como esses, bem como aponta para
algo já mencionado previamente, acerca de situações extremas: a prioridade do
terapeuta é manter seu paciente vivo, uma vez que, se não for assim, não haverá
terapia.

Como proceder quando um paciente liga para o terapeuta, em meio a uma crise?

A questão agora refere-se a por que o paciente pode ligar para seu
terapeuta. Bem, certamente isso pode ocorrer por ele querer adiantar algo que
receia esquecer até a sessão, o que é desnecessário e pode ser dito ao paciente
que faça uso de uma lista, na qual escreverá tópicos para lembrar-se de abordar
numa sessão seguinte. Mas, ele também pode ligar porque sente-se muito mal e
o terapeuta certamente o ajudará a listar itens que podem deixá-lo melhor com
suas emoções e lembrá-lo de conversas anteriores a respeito de pensamento,
sentimento e comportamento, uma vez que um alimenta o outro e, para mudar
emoções, precisamos mudar os pensamentos e as ações.
No entanto, o que fazer quando o paciente liga e diz: “Já planejei tudo,
viver está difícil demais e sem motivo. Já prendi a corda, estou com ela em meu
pescoço e, ao fim da ligação, vou jogar o banco longe”. Certamente esse fato
deixará o terapeuta assustado, ainda mais se, na sua vida, ele nunca tiver
passado por algo semelhante. Nesse caso, o terapeuta deve, sem alardes, tentar
descobrir qual o local em que o paciente se encontra. Caso ele diga que em sua
casa, é necessário saber o endereço. O terapeuta pode se dispor a ir até o local

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e conversar com o paciente e, caso não o tenha, dessa forma tentar conseguir o
endereço. O terapeuta deve proceder da mesma forma com o paciente caso ele
conte estar em um local desconhecido pelo terapeuta. O intuito, nesse momento,
de ter a localização em que o paciente se encontra é pedir ajuda a equipes de
resgate especializado, pois o terapeuta pode, por meio da conversa, induzir o
paciente a retroceder de sua decisão, mas pode acontecer de o paciente não lhe
dar a devida atenção e manter sua decisão.
Porém, é importante lembrar que, caso um paciente faça o contato, o
terapeuta deve manter-se em comunicação constante com ele e tentar de outra
forma acionar um familiar e um apoio de resgate. A pergunta que vem a sua mente
nesse momento é: “O que falarei com o paciente?”. Lembre-se das sessões em
que o tenha questionado sobre fatores de manutenção de sua vida; todas as
coisas que ele considera importantes, nesse momento, devem ser recordadas,
assim como as pessoas que lhe sejam importantes, a fim de ajudar-lhe a encontrar
um ponto de apoio. Porém, é a percepção de que ele já superou situações mais
difíceis ou tão difíceis quanto aquela que está vivendo, que conseguiu suportá-
las, vencer cada situação, de que aquela é mais uma etapa da vida a qual ele irá
superar – isso é evidenciar sua capacidade de lidar com situações difíceis, que o
levará para a realidade atual.
Caso o paciente demonstre estar emotivo e desorientado, pode ser
utilizada a respiração diafragmática, a fim de ajudá-lo a recobrar o senso de
percepção. Se o terapeuta estiver próximo ou encontrar oportunidade para tal,
pode usar também a contração muscular, mostrando ao paciente como é sentir-
se no aqui e agora, sentir seu corpo, viver o momento, que são fatores que
contribuem para a redução da ansiedade e, portanto, melhoram a sua atenção e
foco. Ajudar o paciente a lembrar de planos para o futuro e sonhos que ele deixou
para trás podem ajudá-lo a superar essa situação tão difícil.
Talvez você já tenha notado que, em um evento de crise, o terapeuta tem
uma postura mais ativa e diretiva, age e orienta o paciente de forma que este
encontre motivação para declinar de seu plano suicida. Ressalta-se, ainda, que
não é adequado, nesse momento, fazer questionamentos sobre o que motivou o
paciente a tomar tal decisão; mas, mais comumente, inclusive pelo vínculo já
estabelecido, é natural que o paciente expresse sua motivação e, quando isso
ocorre, não devemos levar em consideração se as ações estão certas ou erradas.

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Esse tipo de julgamento é desnecessário, pois o foco deve se dar sobre todo e
qualquer motivo que possa ajudar o paciente a enfrentar tal situação.

E se nós não conhecermos a pessoa que está em meio à crise de suicídio?

Até aqui, falamos sobre atender a uma situação de suicídio na qual


conhecemos o paciente e ao menos um pouco de sua história. Imaginemos então
que venhamos a atender a uma pessoa que estejamos vendo pela primeira vez e
que esse atendimento seja durante o evento, como uma pessoa prestes a se jogar
de uma ponte ou atirar em si mesma. Estamos nesse caso diante de um estranho,
alguém de que, de forma alguma, sabemos coisa alguma. Mas, lembre-se, não
nos importa a sua história, nos importa a manutenção da vida dessa pessoa.
Portanto, a estratégia é a mesma, só que iremos questionar mais o que essa
pessoa está deixando para trás se morrer. Pode ser que ela nos diga que não há
ninguém. Como não sabemos nada sobre ela, podemos questioná-la se ela mora
sozinha. Pode ser que ela diga que sim. Então, lhe perguntaremos se ela tem
alguma religião (veremos sua importância em breve) e talvez ela nos diga que não
acredita em nada. Questionaremos se ela tem filhos, gatos, cachorros, pássaros,
pais, cônjuge e talvez ela continue negando. Tudo isso torna nosso trabalho muito
difícil.
Na tentativa de manter a pessoa sobre risco de suicídio entretida,
podemos continuar questionando se ela acha que o problema que está vivendo
vale a sua vida. Pode ser que ela diga que sim. Podemos, de forma sucinta,
mostrar a essa pessoa que ela está tendo um pensamento dicotômico e que
talvez ela só queira que o problema ou as emoções vão embora, com demonstrar-
lhe que isso não a ajuda. Podemos ainda falar-lhe sobre as emoções,
pensamentos e comportamentos, indicar-lhe que, se ela tentar mudar seu foco,
o sentimento irá embora e ela poderá seguir adiante com planos mais adequados
a sua realidade. Podemos ainda evocar, nessa pessoa, lembranças da sua vida,
lugares, coisas e pessoas que ela gostaria de encontrar. Todas essas opções são
válidas a fim de ajudar o tentante a retroceder de sua decisão.
Enquanto a pessoa com as características descritas negar ajuda, nada ou
muito pouco podemos fazer por ela. Nesse caso, pode ser que nossa tentativa de
conversar com essa pessoa apenas a mantenha distraída, até que a equipe de
resgate, mais comumente o corpo de bombeiros, possa chegar e resgatá-la.
Assim, já teremos feito nossa parte. Pode ser que haja outra pessoa por perto e

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que também possa ajudá-la e o tentante dê a essa terceira mais atenção. Então,
nesse caso, nossa estratégia é nos afastar. Caso seja igual a reação do tentante
com a conversa desse terceiro, este pode também retroceder e, caso não haja
uma quarta pessoa, manteremos nossa postura, seguiremos tentando manter
esse sujeito preso a uma conversa.

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1, p. 45-53, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v27n1/23712.pdf>.
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medicamentos: uma abordagem baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed,
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WENZEL, A.; BROWN, G. K.; BECK, A. T. Terapia cognitivo-comportamental


para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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CAPÍTULO 5 − A FAMÍLIA

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CONVERSA INICIAL
Agora iremos refletir sobre como incluir a família do paciente na prevenção
de novas ocorrências em tentativas de suicídio, estando atendo para a forma
como esse familiar chega para a consulta, pois pode alterar toda a sua validade
perante o paciente, que pode sentir-se mal com a presença do familiar. Em
seguida, vamos conhecer uma proposta de protocolo para prevenção de novas
tentativas de suicídio, conforme o proposto por Wenzel, Brown e Beck (2010).
Também trataremos da prevenção à recaída, com a diferença desse mesmo
protocolo sendo aplicado em adolescentes, e quais os pontos a que devemos ter
maior atenção.
Por fim, veremos duas técnicas para lidar com o paciente em um momento
de crise, quando ele está decidido a realizar tal ato; veremos como auxiliar o
paciente a retroceder de sua ideação, com a mudança de emoções e a balança
decisória.

A FAMÍLIA DO PACIENTE APÓS UMA TENTATIVA DE SUICÍDIO


Consideramos um paciente que tenha tentado o suicídio, mas sua prática
foi interrompida, nas preliminares, ou mesmo após a tentativa (neste caso, a
tentativa foi concretizada, mas não foi o suficiente para ocasionar óbito). Nesses
casos, são necessárias medidas capazes de prevenir a ocorrência de novos
eventos. Se até o momento a família ou quase ninguém sabia da ideação, após
uma tentativa fica mais difícil omitir o desejo e os sentimentos relacionados ao
evento, e assim é provável que a família do tentante venha a procurar o terapeuta
para saber como lidar com o sujeito. Também pode acontecer de o indivíduo
comparecer à consulta imediatamente acompanhado de quem lhe possa prestar
algum auxílio. Dessa forma, há dois temas que iremos trabalhar aqui: o familiar
do paciente que procura pelo terapeuta após a tentativa de suicídio, e o familiar
que o acompanha, muitas vezes surpreendendo o terapeuta. Como proceder em
cada situação?

Quando o familiar do paciente procura o terapeuta após a tentativa de suicídio

Esse fato é possível a qualquer momento durante um tratamento, pois


muitas vezes o familiar busca o terapeuta a fim de fornecer ou ainda solicitar
informações a respeito do tratamento. Essa situação pode ocorrer com omissão
da informação do paciente. (Beck, 1997; Botega, 2015).

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Podemos ver em Sudak (2012) que, após uma tentativa de suicídio que não
foi levada à cabo, o risco aumenta ainda mais se o tentante ficou sob cuidados
médicos. Então, o familiar tenta contato com o terapeuta, para solicitar ou fornecer
informações que considere válidas. Quando alguma situação parecida vier a
acontecer, é importante que o terapeuta, ao ter posse de tal informação, procure
entrar em contato com o paciente o mais imediatamente possível, afinal existe um
laço de confiança entre paciente e terapeuta. Em caso de hospitalização do
paciente, o terapeuta deve procurar fazer uma visita; se o paciente estiver em
condições de se comunicar, permitir uma conversa sobre o ocorrido,
evidentemente resguardando o sigilo da profissão, se não foi o paciente quem
informou o terapeuta. É preciso, assim, informar que a família ligou para falar a
respeito do ocorrido.
Os dados sobre o que tratar com o paciente neste momento são pouco
relevantes, pois o foco é o familiar que procurou o terapeuta. O ideal é auxiliar o
paciente, para que tenha uma conversa honesta com sua família sobre o ocorrido,
podendo se dispor a participar terapeuticamente desse evento, se o paciente
assim desejar, bem como orientá-lo a trazer a família para uma sessão. Algumas
vezes, pode acontecer de o paciente delegar essa função para que o terapeuta
trate a situação com a família; aqui, o terapeuta deve ter muito cuidado, mesmo
porque ele pode significar um sintoma do paciente, tal como um pensamento de
ser incapaz, ou de que sua família não lhe dá o devido apoio, o respeito esperado.
Pode ainda supor que a falta de comunicação foi ponto importante na tentativa de
suicídio do paciente. Por tudo isso, e por outros motivos mais, o ideal é que o
terapeuta se disponha a uma consulta na qual o paciente fale com sua família o
que lhe parece mais adequado, sem deixar, no entanto, que haja manipulação de
informações, ajudando, durante o evento/conversa, e favorecendo que o paciente
treine suas habilidades de comunicação na interação familiar, usando os dados
dessa sessão para auxiliar o paciente mais tarde em seu tratamento.

Paciente acompanhado de familiar na consulta

Quando um familiar se dispõe a participar de uma sessão com o paciente,


o terapeuta deve ficar atento a possíveis evidências de que este acompanhante
de alguma forma forçou a barra para estar ali, considerando então e a real
necessidade de a pessoa estar presente. Assim, ainda que o paciente tenha
informado com antecedência que gostaria de levar um acompanhante na sessão,

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se esse anúncio foi feito fora da sessão terapêutica, o mais adequado é que o
paciente entre primeiro e contextualize o terapeuta dos fatos. Caso ele demonstre
aversão sobre a estada desse familiar na sessão, fato que pode ocorrer, em
especial com adolescentes, já que não respondem por si, e muitas vezes têm na
terapia um momento para “desabafar”, pode sentir-se invadido pela presença
desse familiar (Dubugras Sá; Werlang; Paranhos, 2008). Ainda assim, é adequado
conhecer a demanda da pessoa que o acompanha; neste caso, orienta-se o
paciente sobre receber o familiar em sua sessão, escutar o que ele tem a dizer, e
instigar o paciente a sanar as dúvidas do familiar, de forma que ele se
responsabilize pela conversa, e não necessariamente o terapeuta.
Embora não seja desejável a visita “surpresa” de um familiar na terapia, é
importante aproveitar essa oportunidade para engajar a pessoa no tratamento,
evidentemente quando identificado que o familiar é uma pessoa que realmente se
importa com o paciente, e não costuma ser meramente especulativo (o que
também pode ocorrer). Em especial após a ocorrência de uma tentativa de
suicídio, o ideal é envolver pessoas significativas no tratamento, e orientar esse
familiar sobre o modo como as crises podem iniciar, as quais podem ser um
disparador do risco de suicídio, e sobre a forma como essa pessoa, na condição
de familiar, pode ajudar, contribuindo para a superação do problema. Também é
importante orientá-la a respeito dos pontos que podem ser prejudiciais, e que não
devem ser retomados em um momento de crise. (Santa Catarina, 2015; Felix,
2018)
Certamente, a visita de um familiar na sessão de uma pessoa sob risco de
suicídio é muito desejável, porém é de maior valor quando o terapeuta teve
oportunidade de avaliar os pontos acima com o paciente, antes de tratar sobre o
assunto com um terceiro. No entanto, nos consultórios muitas vezes temos que
trabalhar com a oportunidade que temos. Afinal, ainda que o paciente não tenha
ficado muito contente com a estada repentina de um familiar em sua sessão, é
comum ele reconhecer em outro momento o fato de esse familiar o estar
auxiliando e amparando em momentos mais difíceis, o que pode ser trabalhado
naqueles minutos antes da entrada do familiar na consulta, reforçando o desejo
do familiar de ajudar, para que o paciente passe a ter uma pessoa melhor instruída
para prestar algum apoio em casa. (Santa Catarina, 2015)
Se o terapeuta teve tempo hábil de trabalhar, com o paciente, a vinda de
um familiar em sua terapia, ela será mais proveitosa; quando o paciente

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demonstra laços familiares frágeis, esse fator pode ser avaliado ao vivo, o que
muitas vezes é questionado a sós em outro momento com o paciente. É sempre
oportuno que o terapeuta reforce para o paciente sobre suas possíveis distorções
cognitivas e sobre crenças que o estão impedindo de superar a depressão,
mantendo-o preso às dificuldades de sua vida. Aprender a manter laços e a ter
confiança nas pessoas é parte do processo de cura do ser humano, pois a
desconfiança pode levar um indivíduo a sofrimentos de ansiedade de depressão,
por sentir-se só, incapaz, e sem ter com quem contar. Resumindo, trata-se aqui
de um pacote de sofrimento que pode ser superado com a visita de um familiar
que se importe com esse indivíduo.

TERAPIA APÓS A TENTATIVA DE SUICÍDIO


Quando um paciente inicia um tratamento após uma tentativa de suicídio,
há todo um trabalho a ser desenvolvido, dados sobre o sofrimento que conduziu
a pessoa a tal fato, conhecer melhor sua dinâmica, sua vivência com outras
pessoas, distorções cognitivas, dentre uma gama de fatos que podem conduzir o
paciente a uma tentativa, e o que de fato o levou a neste momento a procurar
atendimento. Pensamentos sobre como prevenir e evitar novas situações podem
gerar certa insegurança no terapeuta, mas há todo um trabalho a ser iniciado,
assim como a motivação do terapeuta em instilar esperança em seu paciente.
Quanto ao terapeuta cujo paciente está em processo terapêutico, mas tentou
suicídio: ele pode, inicialmente, se surpreender com o evento, e talvez fique um
pouco confuso para começar o trabalho; assim, para ambas as situações, Wenzel,
Brown e Beck (2010) sugerem um protocolo sobre como atuar após uma tentativa
de suicídio, como veremos a seguir.
Essa proposta consiste em auxiliar o terapeuta quando o paciente está
“ativamente suicida” – tem ideação, plano e/ou comportamentos impulsivos
suficientemente graves para incorrer no risco de suicídio, ou mesmo para uma
situação grave após a tentativa de suicídio não consumada. A proposta consiste
em auxiliar o paciente a adquirir estratégias mais adaptativas de coping,
identificando razões para viver e assim promover esperança, melhorar habilidades
em resolução de problemas, aumentar o contato com suas redes sociais
(familiares e amigos), e auxiliar o paciente na manutenção do acompanhamento
médico, como psiquiatra e tratamento de adição. O protocolo tem uma média de

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10 sessões, mas podem ser acrescidas mais, para tratar dos passos em que o
paciente demonstrar mais dificuldades.
Inicia-se com a avaliação do risco de suicídio, seguida da conceituação
cognitiva do caso. Esta deriva do relato do evento anterior até a tentativa de
suicídio, e muitas vezes pode tratar de um acúmulo de situações. Ainda assim,
descobrir o gatilho que conduziu a pessoa à tentativa nos levará a conhecer suas
crenças centrais, que geralmente vêm acompanhadas de forte emoção durante o
relato, que centraliza para o terapeuta os esquemas do paciente, fortemente
ligados à possibilidade de nova tentativa de suicídio. Assim, conhecer o evento
disparador da intenção de suicídio é também ajudar o paciente a dar-se conta de
seus pensamentos automáticos, suas emoções e comportamento final – neste
caso, a tentativa de suicídio. Vejamos o seguinte exemplo:

 Evento: a paciente relata uma discussão com seu marido. Ele é muito
grosso e autoritário com ela, e quer que ela o compreenda, mas demonstra
baixa inclinação a compreendê-la. Depois da discussão, ela experimenta
sensação de impotência, diz sentir-se fraca e sem ação diante dele.
 Pens. Autom.: “Puxa, meu marido não me compreende, não vê como eu
me sinto sozinha, ele nem faz esforço em me fazer companhia ou me
convidar para estar com ele, eu não sei o que fazer, não quero me sentir
assim, não posso me sentir assim e ele ficar de boa!”
 Emoção: tristeza, raiva, angústia;
 Comportamento: choro, toma muitos remédios para dormir.
Essa paciente relatou que inicialmente só queria dormir, mas depois
assume que gostaria de causar em seu marido sensação semelhante ao qual ela
acabou de viver, de modo que ativou suas crenças de desamparo e impotência.
Sentir-se dessa forma foi o disparador para que ela ensaiasse o suicídio como
estratégia do coping.
Após identificar o risco de suicídio e suas crenças, o próximo passo é o
“plano de segurança”, que consiste em uma lista que o paciente concorda em
fazer para que tenha meios mais adequados de lidar com situações que tragam
emoções indesejadas. Dentre os itens, a lista inclui: sinais de alerta, como
pensamentos, emoções, comportamentos e imagens mentais que a pessoa
experimentou antes de tentar o suicídio; e estratégias de coping, que o paciente
pode fazer por si próprio, primeiro sem contatar ajuda, como brincar com animal
de estimação, ouvir músicas, assistir filmes, e outras coisas que sejam benéficas
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para o indivíduo. Por exemplo: um paciente associou que fazer uso de shampoo
de bebê fazia com que ele se sentisse amado; então, para esse paciente, o fator
banho com shampoo de bebê lhe trazia emoções mais satisfatórias, e também um
cobertor, passeios, e ir a determinados locais. Importante lembrar que ter filhos é
um fator de proteção. O amor das pessoas significativas, e como elas se sentiriam
se a pessoa viesse a se matar, além da esperança de que a família pode ajudar,
são outros fatores de proteção. Em seguida, vem a busca por pessoas
significativas que possam ajudar. Nesse ponto, destaque para pessoas de
valência positiva, e também para a forma de contatá-las. Por fim, o contato de
profissionais da saúde, inclusive o telefone de terapeuta, médicos, emergências
médicas e centros de auxilio e prevenção ao suicídio (CVV). Paciente e terapeuta
assinam esse termo, e suas informações podem ser emitidas em cartões
portáteis. Cada cartão terá uma parte do plano de segurança. Esse cartão também
pode ser uma foto das partes no celular, de forma que seja fácil de o paciente
localizá-lo em um momento difícil.
O terapeuta procura identificar com o paciente quando as crenças
começaram a serem construídas – provavelmente, na infância. Aqui, é necessário
rever a história do paciente, considerando momentos em que ele identifica ter
vivenciado emoções semelhantes. Esse trabalho pode ser feito durante as
sessões, mas também pode haver uma sessão em específico em que se trabalhe
mais nitidamente a história do paciente, com a intenção de modificar as crenças
e superar os maus momentos.
O terapeuta deve conduzir o paciente a entender o que o deixou nesse
estado, considerando ações e pensamentos que foram se repetindo, e
alimentando maus pensamentos, que alimentam novas ações e novos
pensamentos, e assim por diante. Portanto, ajudar o paciente a resgatar sua vida,
ou a iniciá-la quando o quadro de suicídio está presente ao longo da vida, é ajudá-
lo a superar o seu sofrimento. Ao elencar com o paciente os objetivos do
tratamento e as estratégias para atingi-los, o paciente se dará conta de que é o
plano de tratamento que mais vai ajudá-lo, pois perceberá que há uma série de
ações a serem tomadas na sequência.
As tarefas de casa evidentemente vão estar relacionadas a cada situação
trabalhada em sessão. Assim, se o paciente relata dificuldade de ter amizades,
podem ser ensaiadas algumas formas de iniciar uma conversa qualquer, ou
aprender a manter uma conversa, aprender a se dispor para ajudar alguém em

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algo, gastar tempo com as pessoas, para que amizades apareçam em algum
contexto. A tarefa será utilizar o que foi treinado em consultório fora de lá. E assim,
trabalha-se com cada objetivo ao longo das sessões. Devem ser abordadas
situações no campo comportamental, tais como aprender a conversar, se expor;
situações no campo cognitivo, trabalhando a modificação de crenças e insights
que o ajudaram a superar o sofrimento; e no campo emocional, com tarefas que
possam levar o paciente a vivenciar sensações mais satisfatórias, como música,
banho, filmes ou outros. Comumente, ao menos uma sessão se presta a abordar
cada uma dessas áreas.
A eficácia ao tratar emoções, comportamentos e pensamentos do paciente,
como citado acima, tende a aumentar as razões de viver no paciente. Para cada
dificuldade que ele apresente em administrar certas situações, podem ser
elencadas técnicas de enfrentamento, como o uso de cartões de enfrentamento,
role play, dentre outras técnicas que se mostrarem mais adequadas às
necessidades do paciente.
Após a redução do desejo eminente de suicídio, muda-se o foco para a
manutenção de habilidades e para a administração e o enfrentamento de conflitos,
questionando o paciente sobre o que, entre tudo o que foi tratado nas sessões,
mais o ajudou a lidar com as perturbações que fizeram emergir o suicídio.
Trabalharemos a prevenção à recaída no próximo tema.

PREVENINDO A RECAÍDA
Ainda que a prevenção da recaída faça parte do protocolo elaborado por
Wenzel, Brown e Beck (2010) vamos tratá-lo à parte. Como muito trabalho já foi
feito até esse ponto, e como vimos anteriormente que o paciente reduziu seu
desejo de morte, pois vem adquirindo certas habilidades em lidar com sua vida, o
que o deixa mais satisfeito, melhorando seu humor e a capacidade de
autoeficácia, é importante retomar com ele, nesse momento, o que faria se
passasse pela mesma situação ou por situações conflituosas que lhe causassem
tamanho descontentamento. É como se fosse uma avaliação sobre o que o
paciente aprendeu nessas semanas de terapia.
Em um encontro anterior, informe o paciente que na próxima sessão vocês
irão avaliar as habilidades que ele tem para atuar em situações de grande
comoção, e que irão retomar os aprendizados e estratégias de superação da crise.

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Assim, ambos podem retomar as técnicas aprendidas para superar tal situação e
ter melhor desempenho.
Na sessão em que irão trabalhar esse protocolo, inicialmente o terapeuta
relembra o paciente sobre o plano de segurança, os sintomas de alerta e as
estratégias de coping. Em seguida, o terapeuta pede ao paciente que procure
relembrar o momento em que tomou a decisão de se matar (pode ter sido
semanas ou meses antes da tentativa, mas isso já foi identificado no início do
tratamento). Relembre o passo-a-passo até a tentativa, com foco em emoções,
pensamentos e comportamentos que ele teve até a tentativa; o terapeuta então
questiona, com uma escala de 0 a 100, sendo 0 “não sente nenhum desejo de
morte”, e 100 “um desejo desesperador de acabar com sua vida”, o quanto ele se
sente suicida. Em seguida, o terapeuta questiona o que ele pode fazer para sentir-
se melhor; caso perceba dificuldades do paciente, pode ajudá-lo a retomar o plano
de segurança, questionando-o sobre o plano e auxiliando-o a fazer uso das
estratégias de coping, a fim de aliviar os sintomas.
Depois de o paciente listar sintomas e estratégias de coping, mais uma vez
ele será questionado, na escala de 0 a 100, o quanto se sente suicida no
momento. Certamente o valor será baixado, caso ele tenha atribuído um valor na
ocasião anterior; mas se mantiver um valor, e ainda que baixo for perturbador para
o paciente, o terapeuta deve continuar a estimular o paciente a utilizar estratégias
adicionais de coping, até que ele se sinta mais aliviado de tal sensação.
Se por fim o terapeuta perceber que o paciente pode em algum grau sentir-
se mal devido à atividade, ele se dispõe em sessões adicionais, ou ainda pelo
telefone, a ajudar o paciente, até que possam encontrar estratégias melhores e
mais eficazes.
Após o exercício de imaginação guiada, o terapeuta solicita ao paciente
que abra os olhos para dar um feedback, fornecendo ao terapeuta uma estimativa
do quão confiante ele se encontra para atuar diante de situações perturbadoras.
Se, por acaso, o nível de confiança for baixo, é necessário que o terapeuta trate
das dificuldades do paciente em lidar com as emoções e retomar as estratégias
de coping.
Verificamos então que, quanto maior for o número de estratégias que o
paciente adquiriu para lidar com as emoções negativas, maior será o suporte para
ajudá-lo a enfrentar outras situações de crise.

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Os autores ressaltam ainda que alguns pacientes são mais resistentes a


relembrar situações de sofrimento, preferindo deixá-las no passado. Quando
ocorre semelhante situação, o terapeuta pode ajudar o paciente a focar em
eventos que antecederam a tentativa de suicídio, questionando-os sobre o modo
como abordariam tal situação neste momento. O foco dessa tarefa está em ajudar
o paciente a fazer uso de estratégias de coping e aprender a superar as situações,
sem fazer uso de recursos prejudiciais à sua vida.

TCC APÓS TENTATIVA DE SUICÍDIO EM ADOLESCENTES


Embora os passos do tratamento do adulto sejam semelhantes aos
utilizados no tratamento do adolescente, devemos considerar as peculiaridades
dos adolescentes, dentre as quais podemos lembrar de que o adolescente pode
sentir-se mais relutante em relação ao tratamento, uma vez que pode considerar
a obrigação de passar por este processo como um fardo, e por um ato de rebeldia
boicotar tudo a que o tratamento propõe, como forma de mostrar que pode se virar
sozinho, e ainda assim vir a tentar mais uma vez o suicídio. Assim, observa-se
uma necessidade intensa em focar no vínculo com o paciente, mostrando-lhe os
ganhos em sua vida, caso venha a dedicar-se ao tratamento. É também
necessário buscar o que seriam as demandas desse paciente, enquanto são
trabalhadas as necessidades mensuradas por ele, com uma proposta de
conciliação das necessidades percebidas, como quadros de depressão e tentativa
de suicídio. (Wenzel; Brow; Beck, 2010)
Muito provável, a primeira sessão inteira será usada na tentativa de engajar
o paciente no tratamento, para que o vínculo seja estabelecido e para que o jovem
volte para o próximo encontro, que será uma avaliação do risco de nova eminência
de o jovem tentar o suicídio, o quão decidido ele está, e o quão preparado ele se
encontra para mais uma vez tentar suicídio, procurando no discurso do
adolescente dados que reforcem ou refutem a percepção do terapeuta sobre as
prováveis crenças nucleares, sobre crenças centrais e pensamentos distorcidos.
Todas as informações são dados que podem contribuir para a avaliação e o
tratamento do paciente.
Haverá também um passo a mais para o trabalho com adolescentes.
Embora devamos considerar que todo risco de suicídio deve envolver a presença
de familiares, há maior necessidade de envolver os adultos significativos na vida
do jovem, mesmo porque há maior peso da relação familiar, na vida das pessoas,

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quanto mais jovens elas são. Embora esse peso vá diminuindo ao longo da vida,
ele não é extinto; habitualmente, ele é modificado, e os familiares (pai, mãe e
irmãos) costumam ser substituídos por companheiros. De toda forma, para o
adolescente, a vivência familiar, as crises e a forma como esses familiares se
relacionam com o adolescente interferem profundamente no tratamento. Portanto,
é realmente necessário que também os pais participem de algumas sessões, a
fim de que possam relatar os fatos passados, em especial a respeito da crise, com
detalhes sobre a forma de o jovem se comportar, e tudo o que pode ter sido
percebido para ajudá-lo a identificar os comportamentos-gatilho que o levaram a
tentar suicídio. Tais comportamentos servirão como sinais de alerta para os pais.
É igualmente importante ajudar os pais a lidar com suas emoções e crises
pessoais, com vistas a reduzir comportamentos da família que podem vir a gerar
nova crise suicida no adolescente.
O próximo passo é o plano de segurança. É possível que seja mais
complicado que para os adultos, uma vez que, para elencar os sinais de alerta, é
necessário que o adolescente se dê conta do momento em que a crise suicida
iniciou. Para os adolescentes, é comum que tenha partido de uma série de
distorções cognitivas, as quais levam a erros de interpretação da vida. É
importante descobrir em que ponto as emoções ficaram mais intensas e o desejo
de morte se tornou um ponto de chegada. O trabalho é muitas vezes árduo para
o terapeuta, e, no entanto, também é comum que adolescentes com
comportamento suicida tenham sofrido abusos físico ou sexual, ou ainda passado
por desentendimento com os pais, sendo a persistência e a habilidade do
profissional o que irá levar à conclusão dos fatos e ajudar o jovem a dimensionar
o início das crises, para que o paciente se dê conta dos sinais de alerta.
Os pais também podem receber uma cópia do plano de segurança. Porém,
os sinais de alerta serão diferentes, porque para o adolescente muitos dos sinais
são cognitivos e emocionais, ao passo que, para os pais, eles são mais
comportamentais. O plano de segurança para os pais ainda deve conter a opção
de falar com o adolescente sobre a crise, um plano para monitorar o adolescente,
e as circunstâncias em jogo, para que sejam contatados os profissionais de saúde.
O plano de segurança do adolescente, além de contar com sinais de alerta, deve
conter a estratégia de coping individual, coisas a fazer para superar mal-estar e
emoções ruins, como ler um livro, ver programas de tv, filmes, ouvir músicas,
dentre outros, estratégias de coping com outras pessoas, e a possibilidade de

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contar com amigos que costumam ter boa valência para o adolescente. Deve-se
incluir também os pais e responsáveis, e por fim contatos de centros de ajuda e
saúde.
Como já mencionado, o tratamento terá a mesma base do trabalho feito
com as pessoas adultas. No entanto, os autores Wenzel, Brown e Beck (2010)
chamam atenção para o fato de grande parte dos adolescentes terem dificuldades
em realizar os insights necessários; assim, o foco do tratamento está muito mais
nos comportamentos que irão repercutir mais significativamente na vida do
adolescente.
Por tanto, as estratégias de coping serão mais relacionadas a mudanças
comportamentais e afetivas, com pouca ênfase na área cognitiva (reflexão sobre
causas e consequências). Como estratégias emocionais, podem ser trabalhados
cartões de enfrentamento, que consistem em perguntas que o adolescente tem
que responder; no consultório pode ser feito um treino, em que o terapeuta usará
perguntas que já supõe existirem para que o adolescente as responda, como se
fossem conselhos que ele daria para outras pessoas que criaram tais
questionamentos. Somente quando o jovem, com a ajuda do terapeuta, aprender
a lidar de forma construtiva com os problemas alheios, ele irá construir suas
próprias questões, que estejam diretamente relacionadas com o seu problema;
terá que responder a essas questões junto com o terapeuta, e as levará para casa,
como que em um cartão. Assim, sempre que se sentir angustiado e pesado,
poderá olhar seus cartões e responder as suas dúvidas, de forma a reduzir sua
ansiedade. Perguntas genéricas podem incluir: Por que me sinto angustiado?
Quais evidências tenho que justificam o fato de me sentir nervoso? O que penso
que vai acontecer de tão grave? Qual o pior resultado? Qual o melhor resultado?
Qual o resultado mais provável? A resolução dessa situação depende de mim? O
que posso fazer? Quando posso fazer isso?
Quando o adolescente aprende a responder tais questionamentos, é
comum que em virtude do tempo e da energia gastos ele sinta esvair a
irritabilidade, a ansiedade e a angústia relacionadas ao comportamento impulsivo
que poderia levá-lo ao tudo ou nada e ao desejo de morte. Pode também ver
ampliada sua visão diante de um possível problema.
Como estratégias comportamentais, pensamos em incrementar atividades
prazerosas, das quais o adolescente se torna mais atuante, pois desse modo

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encontrará tarefas que lhe sejam mais satisfatórias, como ouvir músicas, ver
filmes e séries, atividade física, leitura, pintura etc.
É importante que o jovem aprenda a reconhecer suas emoções e a incluir
estratégias de coping como forma de amenizá-las; assim, quanto maior for o leque
de estratégias de coping, mais chances de ele se ocupar com algo até que suas
emoções se tornem menos significativas.
Também é necessário auxiliar o adolescente a encontrar motivos para
viver. Ele pode juntar fotos de pessoas significativas e de animais de estimação,
letras de música, frases, tudo o que ele pensar que seja importante para a
manutenção da vida. Pode colocar os objetos em uma caixa, ou fazer uma
filmagem, ou colagem de imagens, ou qualquer coisa que ele possa acessar com
certa facilidade, para que alivie os sintomas em um momento de crise.
Assim como é para os adultos, também para o adolescente devemos incluir
o apoio familiar, além de pensar na melhoria da comunicação, e na capacidade
da família de chegar em acordos – negociação entre os membros, sem que isso
gere polêmica, gerenciando o comportamento confrontativo ou não colaborativo
do adolescente.
Por fim, temos a consolidação de habilidades e a prevenção à recaída.
Aqui, o processo é bastante similar ao realizado com adultos; no entanto, os
adolescentes podem apresentar maior resistência, caso em que teremos a
necessidade de dispender maiores esforço, com vistas a mostrar os ganhos que
terão com a atividade. A consolidação é a retomada do plano de segurança,
lembrando dos sinais de alerta, e das estratégias de coping afetivo,
comportamental e cognitivo desenvolvidas ao longo do processo; quem procurar
e quando procurar. Deve-se avisar o adolescente com uma semana de
antecedência para que ele possa se preparar para tal evento. Retoma-se em
detalhes a história que conduziu a tentativa de suicídio, e depois ele será
questionado sobre o que fazer diante de tal situação. É preciso oferecer auxílio
caso, caso após a atividade, ele continue sentindo-se mal por evocar a lembrança
de situações tão difíceis.

TÉCNICAS QUE AUXILIAM O TERAPEUTA EM MEIO A UMA CRISE DE SUICÍDIO

Balança decisória

Segundo Leahy (2006), quando o paciente está decidido a se matar, já que


algumas coisas realmente não dão certo em sua vida, ele decide partir para o tudo

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ou nada – visão dicotômica. Se esse é o relato do paciente, o terapeuta que


certamente já conhece algo na sua história pode questioná-lo sobre o quanto ele
acredita no que está dizendo, em uma escala de 0 a 100, sendo 0 “isso
absolutamente não acontece”, e 100 “isso acontece sempre, todos os dias”.
Raramente o paciente dirá 100%, e isso é bom, porque mostra que ele já está
inclinado a reduzir seu ponto de vista dicotômico. Mesmo que ele responda 100%,
o terapeuta o lembrará a respeito de situações que ele está minimizando ou
excluindo de sua lembrança nesse momento, como por exemplo uma boa nota na
escola, o trabalho que entregou e foi elogiado pelos colegas ou chefe, o fato de
ter encontrado um amigo ou familiar em algum momento inusitado, dentre vários
fatores na vida desse paciente que, ainda que pareçam pouco satisfatórios, são
aspectos que deram certo. Isso mostrará ao indivíduo que há coisas em sua vida
que deram certo. Se ele tem filhos e os filhos têm bom comportamento, ou se
saem bem na escola, isso já revela que essa pessoa, como pai ou mãe, em algum
ponto deve ter feito um bom trabalho.
Assim, o terapeuta terá dados suficiente para mostrar ao seu paciente que
ele está incidindo em uma distorção cognitiva chamada minimização dos pontos
positivos e maximização dos negativos. A partir de então, o terapeuta tem base
para conduzir o paciente a um trabalho na balança de decisões: ele coloca de um
lado os pontos positivos de viver, com um risco na vertical separando-a da frase
pontos negativos.
Depois de o paciente elencar itens dos dois lados da balança, ele passa
um risco na horizontal abaixo dos itens elencados, sugerindo que para algum dos
dois lados essa balança irá pesar. Depois, o terapeuta solicita ao paciente que
coloque um valor entre 0 e 100 sobre cada item. É importante colocar as notas
primeiro nos itens em que vale a pena viver; só quando terminar de colocar a nota
sobre os pontos positivos ele irá colocar uma nota sobre os pontos negativos.
Essa ordem é importante, a fim de que o paciente não queira pesar mais pontos
para o lado negativo, justificando assim que morrer terá mais peso. Após colocar
as notas em viver, isso já deve produzir efeitos positivos sobre as emoções do
paciente, fazendo com que ele possa colocar pontos nos aspectos negativos com
menor tensão.
Quando o terapeuta identifica que, mesmo após a estratégia, os pontos
negativos em viver pesam mais que os positivos, o trabalho do terapeuta é auxiliar
o paciente a se dar conta dos efeitos colaterais em relação a cada ponto negativo,

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bem como buscar evidências que justifiquem que essa pontuação não deveria ser
tão alta, e por essa via ajudar o paciente a reduzir os pontos trazidos nos aspectos
negativos. Não se menospreza o valor dos aspectos positivos de estar vivo; ao
contrário, pode e deve utilizar os positivos para combater os aspectos negativos.
O terapeuta deve utilizar os aspectos positivos para instilar esperança em seu
paciente, e assim dissuadi-lo da decisão que havia tomado até então, o suicídio.
A sessão deve continuar até que o terapeuta sinta, por parte de seu paciente,
maior vontade de permanecer lutando pela vida, de modo que os pontos positivos
se sobreponham aos negativos.

Técnica do gelo

Essa técnica é mais simples, no entanto mais útil quando se verifica que o
paciente já consegue identificar os sinais de alerta para alteração do humor, tais
como agitação, aumento de batimentos cardíacos, sensação de euforia, aumento
da irritabilidade e impaciência. São momentos em que o paciente irá usar e assim
evitar os sintomas mais intensos, como ataques de ira, revolta, aumento da
depressão e pensamentos suicidas. Vejamos como funciona.
O ideal é que o terapeuta evoque no paciente sintomas de ansiedade e
angústia. Ao perceber tal situação instalada, questiona-o quão mal ele está, em
uma escala de 0 a 100, sendo 100 a nota que sugere que ele está muito mal.
Depois, cada um segurando uma pedra de gelo, o terapeuta instrui o paciente:
“Ambos iremos segurar a pedra de gelo, e não importa o que acontecer o ideal é
não abrir as mãos, porque se o fizermos a sensação de queimar diminui, e a mão
não se acostuma com o mal-estar. Na realidade, nada acontece com nossa pele
nesse momento, apenas temos uma sensação de queimação, o que não é real.
Dessa forma, depois de cerca de 5 minutos, a sensação de queimação irá reduzir,
e será como se a pele estivesse amortecida; no entanto, segura-se o gelo por pelo
menos 15 minutos, ou até que a pedra tenha derretido por completo”. Ao longo
desse tempo, possivelmente paciente e terapeuta irão conversar sobre o efeito de
segurar o gelo e a sensação relacionada. A conversa não versa sobre o fator que
desencadeou o mal-estar.
O fato é que, enquanto o paciente segurar o gelo, irá tirar o foco das
situações que o estão angustiando no momento; essa mudança de foco dará ao
paciente a oportunidade de refletir sobre outros caminhos para sentir mais

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satisfação, e assim afastar os pensamentos de ideação. Trata-se de uma técnica


comportamental que busca mudar a cognição, e assim as emoções.
Embora seja uma técnica bastante eficiente dentro de sua proposta, é
necessário que o terapeuta se sinta seguro de realizá-la, uma vez que é comum
alguns pacientes demonstrarem resistência com ela. Ao passarem por ela o ideal,
é que o terapeuta mostre ao paciente sua eficácia, o que se efetiva por meio de
questionamentos ao paciente, ao final da técnica, sobre como ele se sente, quais
emoções sente, e qual a sua intensidade, de 0 a 100. Ainda que as emoções se
mantenham, é comum verificar que a intensidade reduziu. Isso dará ao terapeuta
maior segurança para reaplicar a técnica sempre que necessário, e mostrará ao
paciente que de fato ela funciona para reduzir a sensação de instabilidade.

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REFERÊNCIAS
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BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

DUBUGRAS SÁ, S.; WERLANG, B. S. G.; PARANHOS, M. E. Intervenção em


crise. Revista Brasileira de Psicoterapia. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, jun. 2008.

FELIX, R. Suicídio: fique atento a um pedido de ajuda. 2018. Clube pedagógico


NM. Livro 1.

LEAHY, R. L. Técnicas de terapia cognitiva: manual do terapeuta. Porto Alegre:


Artmed, 2006.

SANTA CATARINA. Risco de suicídio: protocolo clínico. 2015. Disponível em:


<http://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/atencao-basica/saude-
mental/protocolos-da-raps/9202-risco-de-suicidio/file>. Acesso em: 29 abr. 2019.

SUDAK, D. M. Combinando Terapia cognitivo-comportamental e


medicamentos: uma abordagem baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed,
2012.

WENZEL, A.; BROWN, G. K.; BECK, A. T. Terapia Cognitivo comportamental


para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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CAPÍTULO 6 − TRANSTORNO DE PERSONALIDADE

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CONVERSA INICIAL
Nesta etapa, vamos refletir a respeito do tratamento para pacientes com
transtorno de personalidade borderline, conforme a Terapia Comportamental
Dialética da Marsha Linehan, veremos também o que acontece após um efetivo
suicídio, como as pessoas se sentem, se comportam, e quais ações são eficazes
para ajudar a passar por um suicídio. Também estudaremos como fica a pessoa
do terapeuta quando um paciente que estava sendo acompanhado por ele se
mata, afinal ele também é gente, tem emoções e distorções cognitivas.
Refletiremos ainda a respeito de como lidar com a situação quando seu
paciente é um sobrevivente do suicídio, que métodos podemos usar para ajudar
essa pessoa a diminuir sua culpabilidade e flagelo. Também vamos considerar o
peso da religião quando a pessoa está em sofrimento, e como as religiões lidam
com o suicídio e com o sobrevivente de suicídio; pensaremos também sobre o
modo de encerrar um atendimento de risco de suicídio após a conclusão e a
efetiva ação do protocolo de tratamento.

RISCO DE SUICÍDIO EM QUEM TEM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE


BORDERLINE
Segundo o DSM 5, o suicídio e a autoagressão são listados como critérios
diagnósticos para o transtorno de personalidade borderline, justamente porque
este quadro é o que mais incorre em risco de suicídio. Marcha Linehan, com a
Terapia Comportamental Dialética (TCD), evidencia atualmente melhores
resultados no tratamento de personalidade borderline. Considera-se que são
pessoas com humor muito oscilante, e com muitas carências ao longo da vida;
não raro, é comum que tenham sido vítimas de agressões físicas, sexuais e
psicológicas na infância, ou ao longo da vida. Às vezes, o terapeuta demonstra
maior empatia e se aproxima mais do paciente; em outras, ele se afasta,
demonstrando certa frieza a alguns comportamentos inaceitáveis, tratamento que
auxilia o paciente a entender o que é certo e o que é errado, já que ele traz consigo
uma distorção desses valores, pois muitas vezes aprendeu que ser mais fraco e
emocionalmente abalável atrai mais atenção e cuidado das pessoas.
A TCD é conhecida por ser uma das linhas psicológicas mais rígidas em
sua forma de trabalho, tanto que já no início do tratamento o terapeuta deixa claro
três regras: a primeira é que os atos suicidas são analisados em profundidade; a
segunda é que quando ocorrem atos de parassuicídio o paciente não pode ter

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contato com o terapeuta pelas primeiras 24h depois do ato, a menos que seu
estado seja grave o suficiente, de forma que o auxílio do terapeuta possa ajudar
na remissão; por fim, a terceira regra aponta que pacientes que tendem a ser letais
não devem ser tratados com medição de potencial letal, uma vez que ela pode se
tornar uma arma contra o paciente.
Começamos a perceber que, na TCD, quando o paciente evidencia
comportamentos inadequados, o terapeuta se mostra mais distante afetivamente,
pois essa é uma das formas de ajudá-lo a perceber que há certos comportamentos
que são inaceitáveis. Se a intenção do paciente é ter atenção, dá-se atenção a
comportamentos mais bem-vistos socialmente, como quando o paciente
consegue sair de uma situação difícil sem se mutilar ou tentar contra sua vida.
Nesse momento, o terapeuta se dispõe mais, reforça suas escolhas, e ajuda a
efetivar a modelagem para outros eventos. Nesse ponto, o terapeuta é mais
próximo afetivamente.
Embora o paciente não possa fazer contato com o terapeuta em caso de
comportamentos parassuicida nas primeiras 24 horas, isso não significa que não
será tratado. A TCD costuma trabalhar muito com grupos terapêuticos, o que vem
gerando melhores resultados, mas também há espaço para a terapia individual.
Nesse contexto, o comportamento parassuicida é esmiuçado ao máximo,
buscando encontrar disparadores e reforçando outros comportamentos que o
paciente poderia ter tido diante da situação que iniciou a crise.
Esses passos são os que mais diferenciam a TCD do protocolo que vimos
com Wenzel, Brown e Beck (2010). Os passos seriam: esmiuçar a crise
parassuicida, levantar os pontos de conflito, o disparador, questionar o paciente
sobre o que fazer em uma situação semelhante, evocar no paciente os sintomas
durante a sessão, de forma que ele possa usar as técnicas pensadas com o auxílio
do seu terapeuta, e fazer um plano comportamental não suicida, que se
assemelha e muito ao plano de segurança citado por Wenzel, Brown e Beck
(2010).
Evidentemente, esse trabalho pode ser refeito sempre que for necessário,
ou quando o paciente tentar suicídio ou parassuicídio; mais do que isso, o ideal é
que o paciente aprenda a ter outras ações mais adequadas para enfrentar as
situações-crise do risco de suicídio, se expressando de forma mais assertiva, e
buscando encontrar na rede de apoio quem possa prestar auxílio e procurar ajuda
terapêutica antes dos atos de ideação – aqui, ressalta-se a ligação para o

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terapeuta. Quanto à ligação, Linehan (2010) é pontual ao determinar que não


pode passar de 20 minutos, sendo 15 minutos o máximo, idealmente; além disso,
há a restrição de somente uma ligação entre as sessões, e, portanto, é para uso
em situação de emergência, e realmente muito pontual. O paciente liga já sabendo
o que vai falar e o que quer saber, pois é preciso ser pontual. Pode até parecer
um pouco dura essa baixa flexibilidade, mas precisamos lembrar que, em TCD,
tratamos de pacientes com transtorno de personalidade borderline, o que significa
que eles têm dificuldades para lidar com regras, exceções e limites. Por esse
motivo, a regra precisa ser muito inflexível e intolerante, do contrário será o
mesmo que reforçar no paciente suas distorções e esquemas.
A TCD ainda considera, devido à gravidade do risco de suicídio em
pacientes com transtorno da personalidade borderline, que caso o terapeuta sinta
necessidade, pode realizar uma visita domiciliar. Ele nunca irá à residência do
paciente sozinho, mas sim acompanhado de um colega que possa lhe prestar
apoio. Afinal, na TCD é comum que os trabalhos ocorram em um grupo de
terapêutico, sendo pouco provável tratar de um indivíduo terapeuta; no entanto,
isso não impede que cada paciente tenha uma consulta individual com um
profissional para o atender, ainda que a maioria dos trabalhos ocorram em grupos
terapêuticos. Também pode acontecer de algum paciente não ter terapia
individual, mas participar de grupo terapêutico; assim, caso o paciente precise
entrar em contato por telefone, o mais provável é que o contato aconteça em um
plantão, quando há escalas de responsáveis para atender as ligações.

APÓS UM SUICÍDIO
É imensurável o impacto de uma morte inesperada no ambiente familiar,
quanto mais se essa morte for autoprovocada. Ainda, pode ocorrer a morte
daquele colega de trabalho ou de escola – apesar de a pessoa ser quieta demais,
era também muito boa gente, e ninguém podia imaginar o quanto estava em
sofrimento. Certamente o impacto na sociedade é muito grande, e gera muita
comoção, emoções confusas e conflituosas. Há um enorme trabalho a se realizar
quando uma pessoa comete suicídio.
Segundo a OMS (2017; 2018), Botega (2015) e Beck et al. (1997), em torno
de 5 a 10 pessoas das mais próximas são fortemente impactadas pela morte de
um suicida. Esse impacto ocorre mais frequentemente pela evocação de
lembranças sobre como foi a sua estada pela última vez com a pessoa que

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morreu. É comum ainda procurarmos evidências se a relação com o falecido foi


boa ou ruim, às vezes com o ímpeto de se aliviar da crença de ter causado ao
falecido algum mal, e de se livrar da sensação de ter sido responsável em algum
grau pelo seu sofrimento. Pode ocorrer ainda a identificação de situações ruins
vivenciadas em relação ao falecido, e a sensação de ser responsável, ainda que
em partes, pelo seu sofrimento.
Há casos em que o óbito por suicídio não ocorre, e os familiares ou pessoas
próximas censuram a pessoa pela tentativa, e pela preocupação que acabou por
causar à família e à comunidade. Com a ocorrência dessa censura, pode ser que
o tentante passe a sentir muita vergonha, além do sofrimento que já vivencia, e
assim é provável que mais uma vez a pessoa tente encerrar sua vida, já que os
problemas após a tentativa só pioraram; nesse caso, há maior chance de sentir a
emergência de findar a vida. Então, mais do que antes, há no ambiente familiar o
sentimento de culpa e o remorso pelas formas que escolheram para lidar com o
ocorrido; possivelmente, haverá tristeza mais intensa e a percepção de
responsabilidade pela morte do familiar que morreu por suicídio.
É comum, após a morte de um ente querido, que as demais pessoas
ligadas ao falecido se unam e procurem conviver melhor e mais harmonicamente,
com a finalidade de aprender a aproveitar melhor o dia de hoje. No entanto, a
mesma situação não é exatamente comum quando o motivo do óbito é o suicídio;
mais comumente, percebemos que as pessoas se culpam ou culpam a outrem
pelo ocorrido, pois mesmo sendo uma morte autoinfligida, é comum procurarmos
por responsáveis. No entanto, se esses responsáveis estão fora ou dentro de nós,
trata-se de uma percepção individual, que varia de acordo com a história pessoal
e com a relação vivenciada com aquele que agora está morto.
Outro fator bastante comum em casos de morte por suicídio é a busca por
evidências que comprovem ou refutem as teses levantadas até então; assim,
familiares irão procurar por cartas, mensagens de texto, conversas ou qualquer
outra fonte de informações que tragam alguma explicação sobre o ocorrido, como
se a pessoa que se matou tivesse naquele momento alguma perspectiva realista
sobre o que viria a fazer, quando na verdade, por tudo o que vimos até aqui, fica
evidente que ela estava com uma visão distorcida de todos os acontecimentos
vivenciados, o que a conduziu a um grande sofrimento. Assim, sabemos que essa
dimensão de ideias não é a realidade, ou melhor dizendo, era real para aquele
que estava em sofrimento, mas não que de fato a vida transcorria como ele o

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sentia ou percebia; nada do que o suicida tenha deixado como justificativa para
sua morte terá valor de realidade.
Após um suicídio, é ainda bastante comum que pessoas, por curiosidade,
venham a especular detalhes sobre os meios e o local utilizados para que a
pessoa realizasse o suicídio. Esses dados são desnecessários ao conhecimento
de todas as pessoas, em especial por não agregarem nenhum valor de utilidade,
bem como por conta de um fator de proteção dos demais, pois quanto menos se
souber a respeito dos meios, mais adequado será. Ressalta-se ainda que os
familiares mais próximos precisam em algum grau serem “protegidos” da
curiosidade alheia; para eles, em especial no momento do velório, e por alguns
dias, é muito difícil lidar com todas essas informações, como falar sobre o fato e
o provável sofrimento do suicida. O ideal é que as pessoas se atenham a prestar
seus sentimentos de empatia, pois de fato há muito pouco ou nada a ser dito
nesse momento aos familiares. Estar próximo e falar sobre os pontos positivos do
falecido, mostrando à família o quanto ele era bem quisto, é o que mais pode
ajudar; no entanto, inventar histórias para fazer parecer algo pode muito mais
confundir a família do que ajudar de alguma forma.
Pessoas mais próximas, como os filhos do suicida, podem sentir maiores
dificuldades de lidar com o fato ao longo da vida. Quando uma pessoa morre por
suicídio, é comum que o sentimento de desespero tome conta das pessoas mais
próximas, e isso acabe por levá-los a cogitar a possibilidade de morrer também, e
a sensação de que viver torna-se difícil e pesado demais, sendo um perigo
aumentado nos filhos, pela ligação que têm com o pai ou a mãe suicida, que com
seu ato também ensinam aos filhos uma forma de lidar com as situações mais
difíceis da vida, ao contrário de um familiar que morre em um ato heroico, como
quem luta contra uma grave doença, ou, sendo da segurança pública, aquele que
morre em batalha com foras da lei, ou ainda aquele que, para proteger alguém ou
algo precioso, é morto lutando – perceba que é diferente do suicídio, pois nestas
situações a ideia é se entregar ao invés de lutar. A mensagem que é passada é o
“desistir” da vida, sendo essa a forma como alguns familiares, em especial os
filhos, podem vir a encarar a realidade após a morte do ente querido.

O TERAPEUTA APÓS O SUICÍDIO DE UM PACIENTE


Se o suicida era seu paciente, certamente também a equipe da área da
saúde que o acompanhava se sentirá muito desconfortável. O terapeuta talvez se

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sinta mais desolado que outros profissionais que possivelmente estavam


envolvidos. Nesse sentido, Botega (2015) chama atenção para o fato de que o
terapeuta deve lembrar que não é Deus, e que sua proposta em momento algum
envolveu uma promessa de resultado garantido, mesmo porque o ser humano é
muito dinâmico, e não há tratamento que possa prometer a superará de tal
situação. O que existe é a promessa de fazer o possível para a recuperação e
para melhoras emocionais. O terapeuta que atende pessoas sob risco de suicídio
deve estar atento ao fato de que se matar ou permanecer vivo também é uma
escolha do paciente, ainda que essa escolha ocorra em um momento de muita
dor e angústia – ainda assim, é uma escolha.
É possível que muitos terapeutas venham a se afastar do trabalho após a
morte de um paciente por suicídio, ou que procurem deixar de atender os demais
pacientes que possam incorrer em semelhante risco, às vezes por falta de
confiança em si, em seu trabalho. Pior ainda, devido a essa falta de confiança,
algumas vezes abandona-se até mesmo a função de clínico. Sendo assim, é
necessário que o terapeuta também tenha a sua sessão de supervisão ou
psicoterapia para colocar suas emoções e distorções cognitivas em ordem,
procurando superar seu mal momento e a tristeza por não ter conseguido ajudar
seu paciente a superar o mal por ele vivido e aprender a lidar com seu luto.
O terapeuta que consiga se adaptar melhor a uma situação semelhante a
de perder um paciente por suicídio, assim que se recompor do susto e do temor
vivenciados ao receber o impacto da notícia, tem ainda uma missão árdua:
oferecer os préstimos à família, sendo bastante adequado comparecer ao velório,
dar seu adeus ao paciente, e oferecer seus sentimentos pela perda. Certamente,
há um risco de a família ou algum familiar em específico acusar o terapeuta de
negligência ou algo do gênero; no entanto, o terapeuta, que deverá compreender
a dor do familiar, entende esta fala de momento, cheia de distorções e do desejo
de imputar a outrem a responsabilidade sobre uma enorme dor. Caso algo do
gênero venha a ocorrer, é importante manter-se distante desse familiar, sendo
igualmente prudente evitar estender sua estada no velório. Recomenda-se
ater-se apenas a prestar sentimentos e se dispor a conversar, caso algum familiar
sinta o desejo, e retirar-se o mais breve possível, a fim de evitar maiores tumultos.
No entanto, na maior parte dos casos, o familiar conhece o mal pelo qual
padecia seu ente. Sabe que o terapeuta nada fez além de o auxiliar, em muitas
ocasiões ajudando-o a encontrar alívio para suas angústias, trazendo de volta a

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esperança aos seus olhos. Assim, o terapeuta será bem-recebido, e certamente


a família se sentirá mais segura e apresentará muitos questionamentos, afinal é
normal querer reconstruir todos os passos da pessoa quando ela morre,
especialmente em um caso de suicídio. Nesse ponto, o terapeuta precisa ter muito
cuidado e atenção, pois o sigilo de antes vale também após a morte de seu cliente,
mesmo porque há certas informações que podem causar alvoroço entre a família
do falecido, e que não devem vir à tona, ao menos não por meio do terapeuta.
Ainda assim, é possível que ele acabe por fazer algum comentário ou parecer a
respeito dos pontos que mais o fortaleciam, e isso certamente ajudará os entes a
encararem a realidade com mais afeto; às vezes pode ser o que vai segurar outros
familiares a se manterem de pé, buscando superar a crise da perda.
Caso o terapeuta venha a ser bem-recebido em um velório, além dos
préstimos aos familiares, é também adequado que se disponha a receber em seu
consultório os familiares para uma reunião, se acaso eles sentirem tal
necessidade, e em reservado permitir que os familiares mensurem sua dor, que
exponham suas emoções e angústias. O papel do terapeuta nesse contexto é
apenas ajudar no sopesamento das angústias, com a orientação de que é válido
falar sobre o que passou e a dor que sentem; ainda mais válido, é se lembrarem
dos bons momentos que tiveram com o ente que agora se matou.
Ainda sobre a sugestão de os familiares do suicida procurarem o terapeuta,
é válido reforçar que não se trata de uma sessão de psicoterapia de grupo, mas
somente de dar aos familiares a oportunidade de discorrerem com o terapeuta
sobre pontos positivos da vida do suicida, e como tratar desse assunto com
curiosos. Servirá também para o terapeuta orientar aqueles que talvez mais
necessitem a buscar um tratamento para si de forma individual, a fim de superar
a sua dor, evitando que ela tome conta, como aconteceu com o familiar que agora
é morto.
Também é imprescindível que o terapeuta se atente para não substituir um
paciente por outro, ou seja, não coloque no lugar daquele que faleceu um familiar,
mesmo porque este familiar, mais comumente mãe, cônjuge ou filhos, pode querer
apenas especular mais detalhes sobre a vida do ente que se matou. Essas
informações não convêm a ninguém; quando o terapeuta não repassar as
palavras que está esperando ouvir, pode sentir que o terapeuta não é bom, que
seu trabalho é pífio, e que seu ente deveria ter procurado outro profissional
enquanto havia tempo. Ou ainda, se por ventura o terapeuta incorre no erro de

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expressar alguma situação mais conflituosa de seu paciente suicida, o familiar


pode agora pensar que o terapeuta também não é muito ético, e pode vir a fazer
o mesmo com ele se por acaso expressar as suas dores – pode acabar falando
também das suas manifestações de angústia para outras pessoas ou familiares
seus, se vierem a procurar o terapeuta. Assim, é inviável o acompanhamento
terapêutico do familiar de um paciente suicida.

ATENDENDO A SOBREVIVENTES DO SUICÍDIO


Sobreviventes do suicídio são familiares e amigos mais próximos. Como
vimos anteriormente, as pessoas mais próximas são as que mais sofrem, e, por
esse motivo, são conhecidas como sobreviventes. Os sentimentos são muito
conflituosos; como vimos nos temas anteriores, a pessoa enfrenta tanto
sentimentos de culpa e remorso, como pode sentir raiva de si própria, de outros a
quem ela atribua responsabilidades pela morte, e do próprio suicida, por tê-la
deixado em tal situação. Verifica-se ainda, em alguns sobreviventes, o sentimento
de vergonha pelo fato de o ente ter tirado sua vida, e assim percebemos que uma
pessoa que perde um familiar por suicídio pode ficar muito angustiada.
Quando há o sentimento de culpa, primeiro precisamos verificar
informações pertinentes, se há fato responsabilidade por tal acontecimento.
Muitas vezes, ao avaliar as evidências, fica claro que não era o problema, ou não
eram só os problemas com essa pessoa que a estavam atormentando; há no
âmago do suicida tristeza e angústia imensuráveis, e qualquer coisa pode
contribuir para aumentar a tristeza e a angústia. As pessoas não têm como
adivinhar o que se passa no ser humano, até porque não nascemos com manual
de instrução. Há também casos em que o sobrevivente tem de fato uma
responsabilidade real, devido às más condutas em relação ao suicida, ou quando
ocorre rompimento da relação amorosa, e por este motivo, como que em um
ímpeto, ou impulso, a pessoa arisca a sua vida para justificar a promessa de se
matar. É muito provável que a outra parte se sinta, de fato, muito fortemente
afetada e responsável. Assim, há técnicas, como a grade de responsabilidade,
que ajudam a pessoa a reduzir sua percepção de culpa a respeito do fato, como
acompanharemos a seguir.
Em um quadro de giz/tela (ou, na ausência deste, folhas de flipshart, ou
ainda no próprio sulfite, quando não for possível se valer das opções acima),

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escreve-se a frase “sou culpado por...”. A pessoa dirá pelo que é culpada, e em
seguida vem uma grade com mais ou menos 12 linhas e 5 colunas.

Quadro 1 – Grade de responsabilidade

1ª avaliação 2ª avaliação 3ª avaliação 4ª avaliação


Eu mesmo

100% 100% 100%

Perceba que o nome da técnica é grade de responsabilidade, e não de


culpa. Inicia-se questionando pelo que o paciente é culpado, e em seguida
questiona-o se palavra culpado é muito forte, se ele aceita trocar por responsável
– a palavra é mais suave e tem um tom menos ameaçador, quebra o gelo e a
sensação de grande desconforto que a culpa gera. Na primeira avaliação, coloca-
se apenas o valor que a pessoa atribuir a si mesma, o grau de sua
responsabilidade, desconsiderando qualquer outra pessoa responsável. Pede-se
ao paciente que se mensure de 0 a 100, sendo 0 “nada responsável” e 100 “a
única responsável pelo ocorrido”.
Na segunda avaliação, questiona-se o paciente se há outra, ou outras
pessoas que tenham responsabilidade sobre o que houve, e então toda e qualquer
pessoa passa a ser considerada, inclusive o próprio suicida. Assim, coloca-se nas
linhas abaixo do “Eu mesmo” o nome de outras pessoas que o paciente
considerar. O terapeuta também pode ajudar o paciente a encontrar responsáveis,
caso perceba dificuldades para mensurar. Nesta avaliação, deixa-se que o
paciente atribua a nota que bem entender a qualquer membro, desde que seja
entre 0 e 100. Quando ele concluir, faremos os cálculos e ele perceberá que, mais
comumente, as contas não fecham 100%, possivelmente ultrapassando esse
valor. Então, será “obrigado” a reduzir o valor de alguém. Ele reduz os valores de
quem sentir que deve. Passamos então para a terceira avaliação; neste caso, o
terapeuta irá questionar a verossimilidade das informações transmitidas pelo
paciente, e caso ele não tenha colocado o próprio suicida ou alguém da história
que possa ter responsabilidade sobre os fatos, o terapeuta o questiona sobre
essas pessoas e o indaga de forma diretiva sobre os fatos.
A ideia nessa proposta é reduzir de fato o peso da responsabilidade do
paciente. Claro que é improvável que o valor de responsabilidade do paciente caia

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para zero, se ele de fato pesou em algum ponto para o suicídio, mas se a culpa já
for menor que 50%, e o paciente se sentir mais confortável, a proposta pode ser
interrompida. Se o paciente não reduz a sua parcela de responsabilidade, há ainda
a técnica do tribunal interior, que pode auxiliar o paciente a se dar conta de que
está atribuindo a si uma pena e uma responsabilidade que talvez não lhe caibam.
Após a técnica do tribunal interior, retoma-se mais uma vez à grade de
responsabilidade. Embora ela conte com 4 lacunas, pode ser reiniciada com o
mesmo tema quantas vezes forem necessárias. Porém, o mais comum é que até
a quarta ou quinta avaliação o paciente consiga reduzir a sua parcela de
responsabilidade sobre o fato.
Ao longo dessa tarefa, o paciente apresentará prováveis distorções e
negações, que devem ser também corrigidas com o processo terapêutico, que
pode e deve auxiliar o paciente que busca encontrar um significado para a morte
do ente querido. Também é bastante adequado explorar as fantasias
apresentadas pelo paciente, ajudando-o a desmistificar o fator suicídio e
auxiliando-o a lidar com as possíveis explicações que a sociedade passa a lhe
fornecer em função da morte do seu familiar.

A RELIGIÃO COMO FATOR DE PROTEÇÃO E ENCERRAMENTO DA SESSÃO

A religião como fator de proteção ao risco de suicídio

As religiões como um todo costumam ser fonte de acolhimento para as


pessoas que estão passando por situações de conflito, e por conta disso auxiliam
em grande parte na recuperação de dores emocionais. É comum as religiões se
oporem abertamente ao suicídio, como o Judaísmo, que embora tenha no seu
quinto mandamento a proibição de matar, não aponta se é proibido matar a si
mesmo ou a outros, ainda que condene abertamente o suicídio por meio do
Talmud – coletânea de livros sagrados para os judeus. No Protestantismo de
vertente Luterana, Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal, o suicídio é
atribuído a uma força maligna, que conduz a pessoa a tirar sua própria vida. Mas
observa-se que libertação de alguns dogmas da igreja Católica pesa para que até
os dias atuais haja um maior número de pessoas que se matam.
O Alcorão do Islamismo também condena claramente o suicídio, mas há
alguns fundamentalistas do Hamas que entendem o suicídio como um ato heroico;
o ódio e o ressentimento acabam por se tornar parte da personalidade que
mobiliza a vingança suicida. Apesar de também o Hinduísmo condenar veemente

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o suicídio, era comum, no passado, que as esposas se atirassem na pira a fim de


acompanhar seus maridos. Nos dias atuais, verifica-se que moças, diante da
negação do dote por parte da família do noivo, acabam por tirar sua própria vida.
Somente no espiritismo verifica-se a ausência de qualquer posição contra
o suicídio, com exceção dos kardecistas, que entendem o suicídio como um
engano, uma infelicidade que se abate sobre a pessoa.
Em resumo, as pessoas com maior vínculo religioso tendem a cometer
menos suicídio do que aqueles a quem a vida é finita nesta existência. A crença
em uma força superior que inspira a confiança de superar o mal e a dor do
sofrimento costumam servir de apoio e amparo. Também há estudos científicos
que comprovam a fé como parte no processo de cura – alguns cientistas
contestam e outros corroboram com o fato da crença ter valor, mas não há o que
questionar a respeito daqueles que de fato são remidos de doenças, muitas vezes
físicas, atestadas por exames clínicos, e que após uma experiência de fé tornam-
se sãos. Ainda devemos considerar o apoio dos demais conviventes, que com
palavras de apoio instilam esperança na pessoa em sofrimento, e muitas vezes
realizam um verdadeiro trabalho de função terapêutica.
A religião, cada qual a seu modo, serve de apoio para os entes do falecido.
A desolação da perda é grande, e as pessoas comumente encontram na religião,
e no apoio dos conviventes, palavras de consolo. A interação com outras pessoas
com problemas semelhantes, ou às vezes maiores e mais difíceis de lidar do que
aqueles que estamos passando no momento, e o fato de acabarem por encontrar
forças em consolar outras pessoas, ajudam os sobreviventes do suicídio a
encontrar força interior motivadora para continuar a viver.

Como se dá o processo de encerramento da terapia por risco de suicídio?

Devido ao fato de o risco de suicídio exigir do terapeuta uma proximidade


maior com seu paciente e uma disponibilidade maior em atendê-lo, é comum o
paciente sentir-se em algum grau mais próximo e ligado ao seu terapeuta, o que
pode ser tornar uma dependência. Por esse motivo, Beck (1997) considera
importante trabalhar com o paciente o encerramento desde o início do tratamento.
Além disso, muitas dúvidas e inseguranças devem surgir ao longo do processo;
assim que elas aparecerem, o terapeuta deve auxiliar o paciente em sua
resolução, a fim de que, ao chegar no final do processo terapêutico, o paciente

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não manifeste todas essas inseguranças de uma só vez, o que prejudica o


tratamento de tantas semanas/meses.
Dessa forma, o paciente não guardará a angústia para ser trabalhada
somente no final do processo, mas trabalhará suas distorções cognitivas
relacionadas ao término a cada tempo, com vistas a encontrar respostas mais
eficazes para administrar o final da terapia.
Há pacientes que manifestam esse receio por meio de insegurança, com
medo de não se sentirem capazes de continuar o processo de recuperação sem
o terapeuta. Quando ele aprende a responder seus questionamentos, dá-se conta
muito rapidamente de que é capaz de continuar seu progresso sem o auxílio do
terapeuta. Quando o terapeuta trata do encerramento ao fim do processo
terapêutico, apenas alguns pacientes mais jovens, como pré-adolescentes e
adolescentes em especial, podem tornar a incorrer na recaída dos sintomas; eles
assim se sentirão mais seguro se continuarem com o apoio do terapeuta. No
entanto, a psicoterapia em TCC visa um período específico de trabalho, e seu
encerramento após a superação dos sintomas. Trabalha-se, portanto, com uma
forma de aprendizagem. S o paciente não aprende, é porque algo no trabalho
pode estar sendo feito de maneira inadequada; mas se aprende e mesmo assim
os sintomas iniciais retornam, isso pode acenar para o terapeuta um desejo de o
paciente manter-se vinculado à terapia. Nesse caso, caberá ao terapeuta
questionar o paciente a respeito dessa percepção, se ela é ou não verdadeira, e
encontrar meios mais adequados para encerrar o atendimento, de forma que o
paciente se sinta mais seguro.

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– o suicídio: as formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural,
1983.

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Artmed, 2006.

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2012.

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saúde mental. São Paulo: Roca, 2013.

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