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A língua portuguesa não é a mesma desde Chico Buarque.

Poucos, pouquíssimos
artistas tiveram intimidade suficiente com a língua para transformá-la. Fruto de um
interesse cintilante pela palavra, a relação de Chico com sua matéria-prima é verdadeira
a ponto de esticá-la, subvertê-la, expandi-la em todas as direções. A imagem do artesão,
não fosse já lugar-comum para falar de compositores, daria conta de retratar o manuseio
das letras que, pelas mãos do artista, são colocadas à prova e experimentadas de várias
maneiras, em muitos níveis de profundidade.

Esse trabalho primoroso e algo obsessivo chega a nós traduzido em poesia, beleza
sonora e estética, em imagens que nem desconfiávamos cabíveis e que vamos
absorvendo, pouco a pouco, em possibilidades etéreas. A obra de Chico Buarque tem
mesmo uma dimensão imensa, e calcular seu impacto no imaginário coletivo do povo
brasileiro escapa à nossa capacidade crítica. De todo modo, é seguro afirmar que uma
instância está plasmada na outra, e vice-versa. Por isso, todo esforço de se debruçar
sobre o cancioneiro buarquiano tem um papel invisível de grande importância, porque
acaba investigando nossa própria realidade.

O trabalho de Dimas Lamounier entende bem essa amplidão, levando em conta temas
estruturantes e períodos distintos da carreira de Chico. Dos primeiros anos aos dias
atuais, analisa e interpreta uma respeitosa diversidade de canções, sem deixar de
mencionar outras formas literárias que praticou, como o teatro. Chico com todas as
letras cumpre um papel didático de divulgação de um dos nossos maiores artistas.
Afinal, conhecer melhor as composições de Chico Buarque é um privilégio de nosso
tempo – e, diga-se de passagem, cada vez mais necessário.

Guilherme Tauil

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