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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM

DOENÇA RENAL CRÔNICA


APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 3
Objetivo da disciplina 3
Objetivos específicos 3
Habilidades e competências a serem adquiridas
3
Ementa da disciplina 4
Bibliografia básica da disciplina 4

1 CRIANÇAS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA 7


Causas de doença renal crônica em crianças 8
Consequências da doença renal crônica 11
Aspectos do tratamento de crianças com doença
renal crônica 13
Qualidade de vida da criança com doença renal
crônica 16
Pais e/ou responsáveis por crianças com doença
renal crônica 17

2 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA


CRIANÇAS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA 19
Recomendação de ingestão de energia 22
Recomendação de ingestão de proteína 23
Recomendação de ingestão de carboidrato 24
Recomendação de ingestão de lipídio 24
Recomendação para bebês 25
Recomendação de ingestão de micronutrientes
25
Recomendação de ingestão de líquidos 30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 33
NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Objetivo da disciplina

Abordar os cuidados nutricionais voltados à criança com


doença renal crônica.

Objetivos específicos

 Discutir o impacto que a doença renal crônica pode causar


na criança.
 Abordar a dietoterapia voltada para crianças com doença
renal crônica.

Habilidades e competências a serem adquiridas

 Compreender o impacto da doença renal crônica no


crescimento e desenvolvimento da criança, bem como as
estratégias nutricionais direcionadas a esse público.

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Ementa da disciplina

A disciplina aborda aspectos acerca da doença renal crônica na


criança, especialmente no que concerne às orientações nutricionais.
As informações incluídas no material são provenientes de estudos
científicos e de diretrizes de órgãos renomados na área de Nutrição e
Nefrologia.

Bibliografia básica da disciplina

Cuppari, L. et al. Livro: Nutrição na doença renal crônica.


Manole. 2012.

Cuppari, L. et al. Livro: Nutrição clínica no adulto. Edição 4.


Manole. 2018.

Cuppari, L. et al. Livro: Nutrição nas doenças crônicas não-


transmissíveis. Manole. 2009.

Cozzolino, S. Livro: Biodisponibilidade de nutrientes. Edição


6. Manole. 2020.

Cozzolino, S.; Cominetti, C. Livro: Bases bioquímicas e


fisiológicas da nutrição, nas diferentes fases da vida, na
saúde e na doença. Edição 2. Manole. 2020.

Didsbury, M. et al. Socio-economic status and quality of life in


children with chronic disease: A systematic review. J
Paediatr Child Health. 2016.

Kayange, N.M. et al. Kidney disease among children in sub-


Saharan Africa: a systematic review. Pediatric Research. 2015.

Hodson, E. et al. Growth hormone for children with chronic


kidney disease. The Cochrane Database of Systematic Reviews.
2012.

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Chaturvedi, S. et al. Protein restriction for children with


chronic renal failure. Cochrane Database Syst. 2007.

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

1 CRIANÇAS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Introdução desenvolvimento de suas


habilidades motoras, podem
É inegável que o apresentar mais problemas de
desenvolvimento de doença aprendizagem, de
renal crônica na infância e na comportamento e de
adolescência pode relacionamento, maior
comprometer os processos dificuldade de concentração e
fisiológicos que ocorrem nesse parecem desenvolver uma
período da vida, o que, autoimagem negativa.
eventualmente, pode prejudicar
o crescimento e o Para se ter ideia do
desenvolvimento da criança e impacto da doença renal
do adolescente. crônica na criança, estima-se
que crianças com doença renal
Não obstante, há de se crônica tenham cerca de 30
admitir que as crianças e vezes mais chances de
adolescentes com doença renal mortalidade quando em
crônica enfrentam muitos comparação com crianças
desafios ao longo de sua vida, saudáveis.
haja vista que têm atraso no

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Levando em Salienta-se que a


consideração a importância do prevalência de crianças com
tema, o objetivo da presente doença renal crônica em
seção é justamente abordar o estágios menos avançados, ex.:
impacto que a doença renal estágio 3, é muito maior do que
crônica pode ter sobre crianças a apresentada por crianças com
e adolescentes, tanto do aspecto doença renal crônica em estágio
fisiológico quanto em relação à 5, apesar de os dados a respeito
qualidade de vida, bem como da prevalência de doença renal
apresentar particularidades do crônica em estágios menos
tratamento deste público. avançados em crianças serem
pouco claros na literatura.
Causas de doença renal
crônica em crianças A incidência de doença
renal crônica parece ser de duas
De acordo com registros a três vezes maior em crianças
pediátricos em diversos países, americanas afrodescendentes
a prevalência/incidência de quando em comparação com
doença renal crônica em crianças americanas
crianças é baixa e as caucasianas, indicando que
anormalidades congênitas nos questões étnicas, regionais e
rins e no trato urinário socioenômicas poderiam ter
contribuem com 50% das vínculo com o desenvolvimento
causas de doença renal crônica de doença renal crônica em
em crianças. crianças.

Estima-se que em cada Uma explicação para o


1.000.000 de crianças com fenômeno acima seria a elevada
idade inferior a 15 anos, 32 frequência de doenças
apresentem doença renal glomerulares, como a esclerose
crônica em estágio cinco glomerular segmentar focal
(32/1.000.000), que seria o (doença caracterizada por
estágio mais avançado da síndrome nefrótica que tende a
doença, onde há necessidade de progredir para insuficiência
início da terapia dialítica ou de renal terminal), na população
transplante renal. afrodescendente,
provavelmente em razão da

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

mutação do gene APOL1 gorduras saturadas, trans e


comum na África subsariana. hidrogenadas, e sódio) seriam
importantes causas de doença
Parece ainda que os renal crônica. Sabe-se que a
fatores de risco para doença obesidade é um significativo
renal crônica são comuns para fator de risco para o
crianças da África subsariana e desenvolvimento de
em outros países comorbidades, como
subdesenvolvidos. A injúria resistência à insulina, diabetes
renal intrauterina durante o mellitus, hipertensão arterial
desenvolvimento fetal e a má sistemática, doenças
nutrição durante a infância cardiovasculares, câncer e a
poderiam contribuir com o própria doença renal crônica.
desenvolvimento de doença Em relação à doença renal
renal crônica e são situações crônica, tanto crianças com
recorrentes em crianças desnutrição quanto com
residentes em países em obesidade estariam em maior
desenvolvimento. Não risco de mortalidade.
obstante, infecções por
parasitas, como Com base no exposto,
esquistossomose (“barriga compreende-se que as causas
d'água”), glomerulonefrites de doença renal crônica em
após infecções, nefropatia crianças variam de acordo com
relacionada ao HIV, anemia questões socioeconômicas,
falciforme e diarreia regionais e étnicas. Neste
prolongada são causas de dano cenário, o tratamento médico e
renal em crianças residentes em nutricional pode variar de
regiões subdesenvolvidas, acordo com a causa da doença
como na África subsariana. renal crônica e com o contexto
de vida do paciente.
Em crianças residentes
em países desenvolvidos, a Aventa-se que a melhor
obesidade, o sedentarismo e a situação seria mitigar os fatores
ingestão de uma dieta de risco de doença renal
inadequada (com crônica, de modo a prevenir o
predominância de alimentos desenvolvimento da doença. No
ultra processados, os quais são que se refere às causas
ricos em energia, açúcares e observadas em países em

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

desenvolvimento, destaca-se a anterior seriam válidas também


importância de programas e nestes casos.
políticas públicas com fins de
melhorar a saúde e a qualidade Há a teoria de que
de vida da população. indivíduos desnutridos em
algum momento da vida,
Já em relação aos países inclusive crianças, tenham
desenvolvidos, é de extrema maior risco de desenvolver
importância as campanhas sobrepeso/obesidade quando
educativas e orientações em um período posterior de
nutricionais no combate à maior oferta energética. A
obesidade. Não obstante, explicação desse fenômeno
políticas públicas com intuito seria a maior capacidade de
de evitar a inclusão de retenção energética do tecido
alimentos ultra processados em adiposo neste contexto
escolas (ex.: na merenda (privação severa energética e
escolar e na cantina), com depois aumento da oferta
objetivo de ofertar alimentos energética).
saudáveis (ex.: vegetais), com a
premissa de fornecer educação A Tabela 1 apresenta os
nutricional para os principais fatores de risco de
responsáveis, com a ideia de doença renal crônica em
incluir rótulos alimentares com crianças em países
leitura mais acessível e afins são subdesenvolvidos e
interessantes no controle da desenvolvidos.
obesidade e de suas
comorbidades. Tabela 1. Fatores de risco
de doença renal crônica
Ressalta-se que a
em crianças residentes em
obesidade não é um problema
países em
de saúde pública apenas em
países desenvolvidos, mas desenvolvimento e
também tem se tornado desenvolvidos.
crescente e alarmante em
Fatores de risco Fatores de risco de
países em desenvolvimento, a de doença renal doença renal
exemplo do Brasil. Neste crônica em crônica em
crianças de países crianças de países
contexto, as estratégias subdesenvolvidos desenvolvidos
apresentadas no parágrafo

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Má alimentação
podendo levar à anemia
Mutação do gene (excessiva em ferropriva, alterações ósseas e
APOL1 energia, açúcares,
gorduras, sódio) imunológicas), alterações
metabólicas em razão da menor
Injúria renal
Sedentarismo
intrauterina excreção de toxinas e de
Má nutrição Obesidade metabólicos (ex.:
Infecções por Resistência à
hiperuricemia, acidose
parasitas (ex.: insulina e diabetes metabólica), menor clearance
esquistossomose) mellitus
de lipídios e risco de
Glomerulonefrites
Hipertensão dislipidemias e doenças
após infecções,
nefropatia por HIV
arterial sistêmica e cardiovasculares, dentre
doenças
e diarreia
prolongada
cardiovasculares outras.

Anemia falciforme Câncer


Não obstante, é comum
a presença de quadro
Consequências da doença inflamatório em pacientes com
renal crônica doença renal crônica. Sabe-se
que marcadores inflamatórios,
A doença renal crônica é como IL-6 e TNF-α,
uma doença hipercatabólica, comprometem a ligação da
que pode levar à perda insulina com o seu receptor, a
significativa de peso corporal e cascata de sinalização que
de massa muscular. Em razão decorre da ligação da insulina
disso, crianças com doença com o seu receptor, bem como a
renal crônica tendem a translocação do GLUT-4 à
apresentar baixo peso corporal membrana, podendo causar
e baixa estatura, podendo resistência à insulina.
comprometer o Além das alterações
desenvolvimento da criança. induzidas pela própria doença
renal crônica, algumas das
O comprometimento das privações nutricionais
funções renais leva a alterações necessárias ao manejo da
nutricionais (ex.: risco de doença podem levar a
hipercalemia e de complicações e desconfortos
hiperfosfatemia), alterações experimentados pelo paciente.
endócrinas (ex.: redução da
produção de eritropoietina e Como exemplo destaca-
menor ativação da vitamina D, se a redução da ingestão hídrica

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

que pode ser necessária em disbiose intestinal),


determinados estágios da dislipidemias, doenças
doença, podendo levar à cardiovasculares, menor
desidratação, cefaleia, capacidade cognitiva, menor
constipação intestinal, produtividade e menor
alterações em pele, cabelos, qualidade de vida etc.
unhas etc., Não obstante, a
redução da ingestão de Deve-se evitar ao
proteínas poderia comprometer máximo o quadro de
o ganho de massa muscular, de desnutrição na criança com
massa óssea e comprometer a doença renal crônica, pois ela
atividade do sistema pode resultar em redução da
imunológico – questões que autonomia, aumento do risco
podem comprometer o de complicações imunológicas,
crescimento e o aumento da permanência
desenvolvimento da criança. hospitalar, aumento dos custos
hospitalares, redução da
Considerando estes capacidade de aprendizagem e
pontos, as recomendações alterações comportamentais.
nutricionais para crianças com
doença renal crônica tendem a Parece que a taxa de
não ser severas e/ou restritivas, desnutrição em crianças com
de modo a evitar os doença renal crônica pode
comprometimentos ao variar de 6 a 65%, dependendo
crescimento e ao da população estudada – o que
desenvolvimento da criança, o reforça o fato de que o perfil da
que pode trazer repercussões criança com doença renal
negativas durante a infância, a crônica pode variar de acordo
adolescência e a vida adulta, com questões regionais,
ex.: maior risco de anemia socioeconômicas, genéticas,
ferropriva, fraturas ósseas, entre outras.
comprometimento imunológico
e maior risco de infecções, Alguns aspectos
deficiências nutricionais, específicos da doença renal
alterações endócrinas, crônica que podem contribuir
alterações no trato com o quadro de desnutrição
gastrointestinal (ex.: são: alteração em hormônios
constipação intestinal e que controlam o apetite e a

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

saciedade (ex.: baixos níveis de pais e familiares destas


grelina e altos níveis de crianças, sendo que parece
leptina), acúmulo de toxinas, estar presente em 90% das
inflamação, efeito da diálise crianças com doença renal
peritoneal na sensação de crônica em estágio avançado
“estufamento”, aumento da (estágio 5). Estima-se que 60%
perda de nutrientes no processo dos meninos e 41% das meninas
dialítico (seja ele diálise que iniciam o tratamento renal
peritoneal ou hemodiálise), substitutivo (terapia dialítica ou
aumento da demanda transplante renal) antes dos 15
energética e nutricional, anos de idade chegam na vida
alteração no eixo hormônio do adulta com estatura bastante
crescimento/fator de inferior ao esperado, com cerca
crescimento semelhante à de 12 centímetros a menos em
insulina e outros. comparação a adultos
saudáveis.
Aspectos do tratamento de
crianças com doença renal Acredita-se que o
crônica comprometimento no
crescimento se inicie quando a
Em suma, a maior parte taxa de filtração glomerular se
das estratégias terapêuticas torna inferior a 50% da
aplicadas em crianças com normalidade, sendo que o
doença renal crônica são as agravamento dessa situação
mesmas direcionadas para (retardo no crescimento) ocorre
adultos com a patologia. No quando a taxa de filtração
entanto, existem algumas glomerular se torna inferior a
particularidades que podem 25% do que seria compreendido
estar presentes no tratamento como normal. Além da taxa de
de crianças com doença renal filtração glomerular influenciar
crônica, a exemplo da terapia no crescimento, parece que
com hormônio do crescimento. quanto mais precoce é o
desenvolvimento da doença
O retardo no renal crônica na criança, mais o
crescimento é bastante comum seu crescimento é afetado.
em crianças com doença renal
crônica e consiste em uma das Não obstante, o quadro
principais preocupações dos de acidose metabólica também

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

se vincula a um crescimento com obesidade e doença renal


inadequado, com impacto na crônica, mas superestima o
massa magra e na percentual de gordura corporal
mineralização óssea. Parece em crianças com desnutrição e
que crianças que apresentam doença renal crônica). Deve-se
perda exacerbada de sódio via aplicar a bioimpedância após a
renal também estão sob maior sessão de hemodiálise, por
risco de desnutrição e exemplo, ou caso o paciente não
alterações em consequência apresente edema.
desse quadro, sendo que, se este
for o caso, a suplementação A aferição de dobras
com sódio poderia ser uma cutâneas parece ser limitada
alterativa. para crianças com doença renal
crônica, pois não há equações
Alguns parâmetros que preditivas para estimar o
podem ser utilizados para percentual de gordura corporal
averiguar se a criança ou em todas as faixas etárias e
adolescente com doença renal porque a aferição de dobras
crônica apresenta-se em baixo cutâneas não traz tantas
peso e em baixa estatura são: informações a respeito do
peso por idade, peso por conteúdo de massa muscular e
estatura e índice de massa de sua funcionalidade. Quanto
corpórea (IMC), devendo-se a circunferências, a
avaliar o resultado do IMC nas circunferência da cabeça pode
curvas propostas pela ser aplicada para crianças com
Organização Mundial da Saúde idade inferior a 36 meses.
(OMS) para meninas e
meninos. O peso corporal sozinho
não parece um bom marcador
Não obstante, parece para avaliar o estado
que se pode aplicar o exame de nutricional de crianças com
densitometria óssea – DEXA doença renal crônica, pois o
(apesar de oneroso e incomum acúmulo de água e o ganho de
na prática clínica) e de gordura poderiam mascarar a
bioimpedância (apesar de perda de massa muscular que é
controversas, pois parece que comum em crianças com esta
subestima o percentual de patologia. A aferição de
gordura corporal em crianças albumina plasmática também

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

não traz nenhum tipo de hipertensão intracraniana


elucidação ao quadro, pois benigna. Não obstante, alguns
tende a estar alterada no estudos trazem à tona a
contexto de doença renal possibilidade de o tratamento
crônica (incluindo em razão de com hormônio do crescimento
inflamação e do próprio recombinante humano não ser
prejuízo ao funcionamento completamente efetivo,
renal), não refletindo o estado podendo não compensar em
nutricional ou o consumo relação aos seus potenciais
alimentar. riscos.

Em relação a soluções Revisão sistemática com


para mitigar o prejuízo no meta-análise (Cochrane Renal
crescimento, destaca-se o Group's Specialised) conduzida
tratamento com o hormônio do por Hodson et al. (2012)
crescimento recombinante demonstrou que o tratamento
humano, que é usado na com hormônio do crescimento
tentativa de auxiliar crianças recombinante humano resultou
com doença renal crônica e com em um aumento significativo da
baixo peso a ter uma estatura estatura corporal de crianças
próxima da normalidade de com doença renal crônica em
acordo com sua faixa etária. até um ano, sendo observado
Essa estratégia já é aplicada aumento na velocidade de
com esse fim há mais de 30 crescimento em até seis meses
anos. do início do tratamento. Mesmo
após o segundo ano de
Apesar de seus tratamento com o hormônio do
benefícios, é importante crescimento recombinante
destacar que o uso prolongado humano, a velocidade de
do hormônio do crescimento crescimento de crianças
recombinante humano pode tratadas era superior à das
trazer efeitos adversos, dentre crianças não tratadas ou
eles a deterioração da função tratadas com outras estratégias,
renal, o que pode acelerar ainda apesar de existir uma queda da
mais a evolução da doença renal efetividade do hormônio do
pré-existente, além de poder crescimento recombinante
aumentar o risco de rejeição ao humano em induzir o
transplante renal e de crescimento ao longo do

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

tratamento. Em relação aos de vida tende a ser ainda pior


efeitos colaterais, observou-se em crianças com algum
as mesmas queixas entre as tipo/grau de vulnerabilidade
crianças tratadas e não tratadas socioeconômica, por exemplo:
com o hormônio do baixo grau de escolaridade dos
crescimento recombinante pais, profissão mal
humano, indicando que a remunerada, ausência de
estratégia não aumentou os companheiro (estado civil
efeitos adversos e queixas do solteiro, viúvo ou divorciado) e
paciente. a ausência de cobertura por
plano de saúde.
Considerando a revisão
sistemática com meta-análise Esse estudo enfatiza a
citada anteriormente, parece importância de
que a intervenção com o desenvolvimento e aplicação de
hormônio do crescimento estratégias/programas
recombinante humano é efetiva direcionados a crianças e
em induzir o crescimento de adolescentes com doença renal
crianças com doença renal crônica, especialmente aqueles
crônica e não traz queixas em situação de vulnerabilidade
adicionais às já apresentadas socioeconômica.
por crianças nessa condição,
indicando que essa estratégia Pais e/ou responsáveis por
pode ser bem-sucedida para crianças com doença renal
esse público. crônica

Qualidade de vida da Alguns autores trazem à


criança com doença renal tona a importância da
crônica assistência, inclusive
psicológica, a pais e/ou
De um modo geral, a responsáveis que cuidem de
qualidade de vida tende a ser crianças com doença renal
comprometida em crianças com crônica, os quais além das
doença renal crônica. responsabilidades tradicionais,
ainda lidam com o medo, a
Em revisão sistemática, insegurança, a impotência e a
Didsbury et al. (2016) extrema responsabilidade de
demonstraram que a qualidade cuidar e de atender a todas as

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

demandas de uma criança com doença (terapia dialítica e


doença renal crônica. transplante renal). Em países
sem um setor de saúde pública,
Além da questão estes custos podem se acumular
psicológica, alguns autores e causar extremos prejuízos
ainda pontuam a questão financeiros, psicológicos, à
financeira, haja vista os saúde e à qualidade de vida da
inúmeros gastos dispendidos ao família como um todo, tanto
longo do tratamento da doença pais/responsáveis quanto
renal crônica, em especial crianças com doença renal
aqueles necessários nos crônica.
estágios mais avançados da

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

2 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA


CRIANÇAS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Introdução Aparentemente, as causas


variam de acordo com questões
A doença renal crônica, socioeconômicas, étnicas e
apesar de ter seu risco regionais, além da questão
aumentado durante o genética.
envelhecimento, também pode
ocorrer ainda no início da vida, Além das alterações
em crianças e adolescentes, metabólicas observadas em
apesar de incomum, conforme adultos com doença renal
apresentado na aula 01. crônica, que também estão
presentes em crianças com
As causas de doença doença renal crônica (ex.:
renal crônica em crianças são as alterações nutricionais,
mais diversas, podendo ter se hormonais, imunológicas,
originado ainda na vida acúmulo de
intrauterina ou ser decorrente metabólicos/toxinas, risco de
de questões ambientais (ex.: comorbidades, como
má-alimentação, condições dislipidemias e doenças
ambientais e de saúde cardiovasculares), a criança
desfavoráveis, obesidade, com doença renal crônica ainda
sedentarismo e outros). enfrenta distúrbios em seu

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

crescimento, tendendo a ter Enteral (BRASPEN) recomenda


menor estatura corporal que a ingestão energética para
quando em comparação a crianças com doença renal
crianças saudáveis. crônica seja a mesma ofertada
para crianças saudáveis,
Neste cenário, apesar de respeitando a idade
grande parte das estratégias ser cronológica.
comum entre adultos e crianças
com doença renal crônica, há Ainda é destacado pela
algumas particularidades do BRASPEN que se deve priorizar
tratamento de crianças com o limite máximo da
doença renal crônica, como a recomendação de ingestão de
terapia com hormônio do energia para a criança com
crescimento recombinante doença renal crônica, haja vista
humano (com fins de favorecer que essa doença é
o crescimento da criança). hipercatabólica e pode
prejudicar o crescimento, o
Não obstante, as desenvolvimento e o
estratégias nutricionais para funcionamento celular e
crianças com doença renal tecidual da criança, o que pode
crônica tendem a ser menos repercutir em inúmeras
restritivas quando em alterações metabólicas e no
comparação com adultos com aumento do risco de
doença renal crônica, também comorbidades e de
como intuito de favorecer o mortalidade.
crescimento e o
desenvolvimento da criança. Vale salientar que os
Abordar as estratégias achados que fundamentam as
nutricionais para crianças com recomendações de ingestão
doença renal crônica é energética para crianças com
justamente o objetivo da doença renal crônica foram
presente seção. baseados em estudos com
calorimetria indireta realizados
Recomendação de pela Força Tarefa em Nutrição
ingestão de energia Renal Pediátrica. Porém, é
relevante mencionar que os
A Sociedade Brasileira estudos em relação às
de Nutrição Parenteral e recomendações nutricionais

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

(incluindo de energia) para restringir a oferta energética e


crianças com doença renal proteica, de modo a não
crônica são escassos. comprometer o estado
nutricional e o crescimento.
Aventa-se que pode
existir a necessidade de ajustes É importante ressaltar
na recomendação de ingestão que se, por algum motivo, a
energética baseados nas taxas criança não conseguir alcançar
de ganho ou de perda de peso suas recomendações
corporal do paciente, bem como energéticas e nutricionais pela
considerando suas dieta convencional, deve-se
individualidades e objetivos. cogitar a possibilidade da
terapia nutricional enteral ou,
É importante destacar se o caso, parenteral.
que se deve considerar a
energia absorvida pela glicose No caso de utilização de
do dialisato no caso de crianças fórmulas enterais, é importante
com doença renal crônica que se tente escolher opções
submetidas à diálise peritoneal. com menos fósforo e potássio,
Esse ponto é de suma de modo a não agravar o
importância de ser debatido, desenvolvimento da doença.
haja vista que se observou Não obstante, deve-se ter
aumento da incidência de atenção à quantidade de
obesidade em crianças com proteína na fórmula, para que
doença renal crônica. não se ultrapasse o
recomendado pela RDA
Corroborando com o (ingestão dietética adequada,
conteúdo discutido no do inglês Recommended Daily
parágrafo anterior, evidências Allowance).
indicam que crianças com
doença renal crônica parecem Pode-se considerar
apresentar consumo de energia fórmulas específicas para
e de proteínas superior ao pacientes com doença renal
recomendado. Deve-se ajustar a crônica, as quais já contêm
ingestão energética e proteica, menos potássio e fósforo. No
mas enfatiza-se que mesmo entanto, estas fórmulas
para crianças com obesidade, se apresentam alta osmolaridade,
deve ter cautela para não o que pode trazer efeitos

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

colaterais, como diarreia, estabeleça um bom vínculo com


náuseas, vômitos e distensão a comida, haja vista que
abdominal. pacientes com doença renal
crônica tendem a ter muitos
Deve-se dar preferência receios ao se alimentar em
a fórmulas enterais destinadas virtude das restrições
a crianças com doença renal nutricionais demandadas pela
crônica, haja vista que as própria doença. Caso a criança,
fórmulas para adultos, por algum motivo (ex.: náuseas
especialmente àquelas e vômitos), não consiga se
destinadas a adultos em alimentar via oral, a terapia
tratamento dialítico, tendem a enteral pode ser uma opção
ser hiperproteicas, o que pode mesmo ao longo do dia.
ser prejudicial à criança com
doença renal crônica, podendo Recomendação de
induzir ao quadro de ingestão de proteína
hiperuricemia.
Há mais de uma década
É importante relembrar sabe-se que a restrição proteica
que as recomendações de para crianças com doença renal
ingestão de proteína são crônica pode comprometer o
diferentes entre crianças e crescimento/desenvolvimento
adultos, logo, mesmo uma da criança e aparentemente não
fórmula normoproteica para traz efeitos benéficos em
um adulto, pode ser retardar a evolução da doença,
hiperproteica para uma criança. sendo uma estratégia não
Neste sentido, enfatiza-se a recomendada na prática clínica.
relevância de se priorizar
fórmulas destinadas a crianças Em revisão sistemática
com doença renal crônica, não a com meta-análise (Cochrane
adultos, sempre que possível. Renal Group Trials),
Chaturvedi et al. (2007)
Sugere-se que a demonstraram que dietas com
alimentação via sonda seja restrição severa de proteínas
ofertada no período noturno, de para crianças com doença renal
modo que se priorize a ingestão crônica não reduzem a
alimentar durante o dia. É progressão da doença renal
importante que a criança crônica e também não reduzem

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

o número de mortes em razão Caso, por algum motivo


da doença, indicando que essa (ex.: hiperuricemia), haja
estratégia não se justifica. necessidade de reduzir a oferta
proteica da criança com doença
Com base neste e em renal crônica, recomenda-se
outros achados, a BRASPEN que a ingestão não seja inferior
recomenda que a ingestão de à RDA, mas sim seja igual ao
proteínas para crianças com limite mínimo da RDA.
doença renal crônica entre os
estágios 2 e 5 seja semelhante Recomendação de
àquela recomendada para ingestão de carboidrato
crianças saudáveis, de acordo
com a idade cronológica, e Conforme mencionado
devendo-se priorizar o limite neste material e em outras
mais alto recomendado. A apostilas do curso, deve-se
BRASPEN ainda enfatiza que a considerar a glicose presente no
restrição de ingestão proteica dialisato de pacientes com
não deve ser aplicada para doença renal crônica
crianças com doença renal submetidos à diálise peritoneal
crônica, a fim de evitar o (inclusive crianças) no
comprometimento do momento do cálculo dos
crescimento. carboidratos do plano
alimentar entregue ao paciente,
A Força Tarefa em de modo que não se oferte um
Nutrição Renal Pediátrica valor superior ao recomendado
também pontua que crianças de carboidratos, o que poderia
com doença renal crônica aumentar o risco de
devem consumir o limite comorbidades (ex.: resistência
máximo da RDA de proteínas, à insulina e diabetes mellitus).
especialmente quando em
estágio entre 3 a 5 da doença Recomendação de
renal crônica, em razão das ingestão de lipídio
perdas de aminoácidos e de
proteínas que ocorre durante a Conforme mencionado
terapia dialítica, bem como em na aula 01, pacientes com
virtude de alterações na síntese doença renal crônica podem
proteica e nas demandas da apresentar maior risco de
própria doença. dislipidemias, haja vista que o

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

clearance de lipídios se interessante para pacientes


encontra prejudicado na nessa situação.
doença renal crônica, sendo que
os pacientes com histórico Recomendação para
familiar de doenças bebês
cardiovasculares, com
obesidade e com hábitos de vida De acordo com a
inadequados (ex.: má BRASPEN, bebês que
alimentação) exigem maior apresentem doença renal
atenção, mesmo sendo crônica, mesmo em estágios
crianças. mais avançados (ex.: entre 3 a
5), devem ser amamentados de
Caso o paciente já forma exclusiva até os seis
apresente dislipidemias, meses de vida, tal como
sugere-se utilizar crianças sem doença renal
recomendações específicas para crônica.
pacientes nessa situação, como
aquelas orientadas pela Quando o aleitamento
Sociedade Brasileira de materno não for possível ou não
Cardiologia. Nestes casos, deve- for suficiente, deve-se
se atentar à ingestão de gordura recomendar fórmulas com
saturada (de preferência proteína do soro do leite, as
inferior a 7% do Valor quais podem ser fortificadas
Energético Total – VET da com outros nutrientes, caso
dieta) e de colesterol (de exista necessidade de aumentar
preferência inferior a 200 a densidade energética da
mg/dia). fórmula ou adicionar algum
nutriente específico.
De um modo geral, o
consumo de uma dieta rica em Recomendação de
frutas, verduras e legumes, ingestão de
cereais integrais, carnes e micronutrientes
laticínios magros e com baixa
ingestão de alimentos ultra Ferro
processados (semelhante à
dieta do mediterrâneo e à dieta Pacientes com doença
DASH – Dietary Approaches to renal crônica tendem a ter
Stop Hypertension) seria prejuízo na ação da

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

eritropoietina e,  Cobre: o cobre é


consequentemente, prejuízo na cofator da proteína
produção de eritrócitos e risco ceruloplasmina, a qual
aumentado de desenvolver é responsável pela
anemia ferropriva. conversão intestinal
de ferro ferroso à
Para crianças, a anemia forma férrica, para
ferropriva prejudica o que ele possa ligar-se à
crescimento e o transferrina e ser
desenvolvimento, inclusive transportado na
podendo comprometer o corrente sanguínea.
funcionamento de Logo, sem o cobre, o
células/tecidos, a exemplo do ferro não consegue ser
imunocomprometimento e do transportado do
risco aumentado de infecções. intestino para os
tecidos e a anemia
Não obstante, a anemia pode se instaurar.
ferropriva tende a reduzir a
capacidade cognitiva e física,  Vitamina A: a
podendo prejudicar a vitamina A parece
capacidade de aprendizagem estar envolvida no
destas crianças, o que metabolismo e na
prejudicaria o desempenho distribuição do ferro
escolar. aos tecidos, apesar dos
mecanismos não
Considerando o risco de serem completamente
desenvolvimento de anemia claros na literatura.
ferropriva, a ingestão de ferro Corroborando essa
deve ser adequada para informação, parece
crianças com doença renal que pacientes com
crônica, devendo-se seguir as hipovitaminose A são
recomendações propostas pela mais tendenciosos a
RDA. Não obstante, deve-se apresentar anemia
garantir o aporte de nutrientes ferropriva – duas
que se vinculam ao deficiências
metabolismo do ferro, a nutricionais comuns
exemplo dos seguintes: no Brasil.

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

 Zinco: o zinco é indivíduos com baixo


cofator da síntese da consumo de ferro de
proteína origem animal
transportadora de (ferroso), a vitamina C
retinol (do inglês: apresenta papel
Retinol Binding importante no
Protein – RBP), que é aumento da
a proteína que biodisponibilidade do
transporta a vitamina ferro de origem
A do fígado para os vegetal.
demais tecidos. Logo,
na deficiência de  Vitamina B6: a
zinco, a deficiência de vitamina B6 tem um
vitamina A também papel importante na
acontece. Como produção de
pontuado no eritrócitos, sendo que
parágrafo anterior, o a sua deficiência pode
quadro de anemia levar à anemia
ferropriva pode ser microcítica, com
causado pela sinais/sintomas
hipovitaminose A. semelhantes à anemia
Assim, a deficiência de ferropriva, podendo
zinco pode levar à causar confusões no
deficiência de momento do
vitamina A, a qual, por diagnóstico.
sua vez, pode levar à
deficiência de ferro e a Todos estes nutrientes
anemia ferropriva. devem estar adequados na dieta
da criança com doença renal
 Vitamina C: a crônica (de acordo com o
vitamina C tem papel estabelecido pela RDA), de
em converter o ferro modo a evitar o risco de anemia.
férrico, de origem
vegetal, em ferro Se necessário, pode-se
ferroso, permitindo suplementar com ferro caso o
com que ele adentre o paciente já apresente anemia
enterócito. Assim, ferropriva. Em revisão
especialmente para sistemática com meta-análise,

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

O'Lone et al. (2019) pontuam Potássio e fosforo


que aparentemente, com base
nos estudos científicos até o A BRASPEN não faz
momento, a suplementação recomendações específicas de
oral com ferro e a infusão potássio e de fósforo para
endovenosa de ferro parecem crianças com doença renal
ter efeitos semelhantes no que crônica, mas pontua, de um
concerne à resolução da anemia modo geral, que a restrição
ferropriva. Destaca-se, destes nutrientes só passa a ser
entretanto, que a necessária em caso de
suplementação oral com ferro hipercalemia e/ou
parece trazer alguns efeitos hiperfosfatemia.
colaterais, como constipação
intestinal e gases em excesso, o Ressalta-se a
que pode levar o paciente a importância do
interromper o tratamento. acompanhamento por meio de
exames laborais dos valores
Sódio plasmáticos de potássio e de
fósforo para que se saiba se há
Apesar da ou não necessidade de
recomendação de ingestão de restringir estes nutrientes na
sódio para adultos com doença dieta.
renal crônica ser abaixo de 2,3
g/dia, salienta-se que as Em relação à
recomendações das DRIs hipercalemia em crianças com
(Dietary Reference Intakes) doença renal crônica, as causas
para crianças são bastante parecem ser distintas de acordo
inferiores a esse valor, variando com a faixa etária. Em bebês, a
de 120 mg/dia a 1,5 gramas/dia, hipercalemia parece estar mais
de acordo com a faixa etária da vinculada ao aleitamento
criança. Deve-se seguir as materno e/ou ao uso de
recomendações de acordo com fórmulas que contenham muito
o gênero e com a idade do potássio. Apesar de se ter
paciente em questão, de modo a clareza de que a maior parte dos
evitar ultrapassar as nutrientes é transmitido da mãe
recomendações ou ofertar ao bebê através do leite
valores muito insuficientes. materno, não há
recomendações específicas

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

sobre como deve ser a nutrição educação nutricional é vital no


de mães que estão controle da hipercalemia.
amamentando bebês com
doença renal crônica. No que tange à
hiperfosfatemia, salienta-se
Em se tratando de que se deve ter cautela quando
crianças e de adolescentes, a houver necessidade de
principal causa de hipercalemia suplementar vitamina D, pois
parece ser, de fato, a ingestão essa vitamina aumenta a
dietética. Vale salientar que o absorção intestinal de fósforo,
potássio pode estar presente podendo aumentar o risco de
naturalmente nos alimentos hiperfosfatemia. Logo, na
(ex.: vegetais crus), mas utilização de suplementos de
também pode ser acrescentado vitamina D, deve-se
na forma de aditivo alimentar, acompanhar a fosfatemia por
inclusive em alimentos com a exames bioquímicos com
premissa de apresentarem regularidade.
baixo conteúdo de sódio. Vide
orientações em materiais Em caso de
anteriores sobre fontes de hiperfosfatemia, deve-se evitar
potássio e maneiras de reduzir o consumo excessivo de
o seu teor nos alimentos. alimentos com fósforo. Apesar
da necessidade de se ter cautela
Ressalta-se a com alimentos naturalmente
importância de seguir as DRIs fontes de fósforo (ex.: carnes e
para potássio de acordo com a laticínios), ressalta-se que o
faixa etária da criança, de modo fósforo mais biodisponível é
a mitigar o risco de aquele presente em alimentos
hipercalemia. Além disso, deve- industrializados, em que esse
se instruir o paciente quanto nutriente é adicionado na
aos métodos de preparo de forma de aditivo alimentar.
alimentos, quanto à leitura de
rótulos alimentares, quanto à Demais micronutrientes
escolha de produtos com menos
potássio, incluindo Aparentemente, a
informações a respeito de suplementação com nutrientes
aditivos alimentares etc. A específicos só de faz necessária
em caso de comprovação da

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

deficiência destes através de Alguns autores trazem à


exames laboratoriais, exame tona a importância de se ter
físico e avaliação do consumo atenção à ingestão de vitaminas
nutricional do paciente. hidrossolúveis para crianças
com doença renal crônica em
Para evitar o tratamento dialítico, haja vista
aparecimento de deficiências as perdas destes nutrientes.
nutricionais, é preciso que o Alguns autores, inclusive,
paciente tenha recomendam fortemente a
acompanhamento com suplementação com estas
profissional nutricionista, o vitaminas para todas as
qual irá calcular plano crianças nestas condições
alimentar adequado às (doença renal crônica em
necessidades nutricionais do tratamento dialítico).
paciente, inclusive em relação à
ingestão de vitaminas e de Recomendação de
minerais. ingestão de líquidos

Salienta-se a Em relação à ingestão de


importância de efetuar a líquidos, no tratamento
avaliação dietética do paciente conservador não há
(ex.: cálculo, análise e necessidade de restrição
interpretação do recordatório hídrica. Já na terapia dialítica,
de 24 horas e/ou registro da em especial na hemodiálise,
dieta habitual), o exame físico deve-se considerar o ganho de
(avaliação de sinais e sintomas) peso interdialitico. Se
e o exame laboratorial excessivo, deve-se restringir
apropriado (é importante mais a ingestão de líquidos.
esclarecer que nem todo
nutriente é válido quando Pode-se basear na
dosado no sangue, sendo que diurese residual do paciente
alguns têm outro parâmetro para se estimar a ingestão
como padrão ouro, a exemplo hídrica, podendo-se fazer o
da tiamina, cujo padrão ouro é cálculo de adição de 500 ml ao
a avaliação da atividade da volume urinário residual.
transcetolase em eritrócitos).
Sempre que necessário e
possível, deve-se basear a

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

ingestão hídrica nas metabólica, especialmente em


recomendações das DRIs de razão da normalização de
acordo com a faixa etária da alguns parâmetros da doença e
criança. da crença da criança e dos
responsáveis de que não há
No caso de restrição mais necessidade de manter os
hídrica, deve-se evitar o cuidados nutricionais.
consumo de alimentos muito
doces ou muito salgados e/ou Nestes termos, é
muito secos, que exijam maior importante que se conscientize
consumo hídrico. Não obstante, a criança e a família para a
deve-se atentar ao conteúdo de continuidade do tratamento
água presente no próprio nutricional, inclusive após o
alimento, devendo-se transplante renal, de modo que
evitar/reduzir aqueles com se evite o desenvolvimento dos
muita água, ex.: sopas, caldos, quadros de desnutrição ou de
sucos, vitaminas etc. obesidade, mantendo a criança
em um peso e estatura
Carambola saudáveis para a idade.

Tal como para os demais Uma estratégia para


pacientes com doença renal manter a saúde e a qualidade de
crônica, as crianças com essa vida de crianças com doença
patologia também não podem renal crônica, seja em qualquer
consumir carambola pelas estágio e tipo de tratamento da
questões já apontadas em doença, é a prática de exercício
outros materiais e aulas desse físico, especialmente com fins
curso (impossibilidade de de promover o ganho de massa
excreção de caramboxina). muscular e otimizar sua
funcionalidade (ex.: aumento
Outros
de força), bem como para
reduzir o risco de
Parece ser relativamente
sobrepeso/obesidade.
comum que crianças com
doença renal crônica após
Apesar de parecer uma
transplante renal sejam
estratégia promissora, poucos
tendenciosas a desenvolver o
estudos abordam o exercício
quadro de síndrome
físico no contexto da criança

30
NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

com doença renal crônica, e há importância de engajar a


evidências na literatura que os criança em programas de
mesmos programas de exercício que sejam lúdicos e
exercício físico aplicados para criativos, de modo a despertar e
adultos são malsucedidos na manter seu interesse na
criança, com altas taxas de atividade.
abandono. Vale ressaltar a

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NUTRIÇÃO NA CRIANÇA COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

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