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Maria Otilia Guimaraes Ninin PW TACT yor) 00) KOM UCON TemereH (ae AVALIATIVO A PERGUNTA COMO ESPACO VIM CUSTOM ETRY Maria Otilia Guimaraes Ninin Da PERGUNTA COMO ATO MONOLOGICO AVALIATIVO A PERGUNTA COMO ESPACO PARA EXPANSAO DIALOGICA & Uma INvESTIGACAO A Luz DA LINGUISTICA APLICADA 3 SOBRE MODOS DE PERGUNTAR & Pedrogjoao (© Maria Otiia Guimaraes Ninin “odes os into arantcs. Qulguer parte desta ob pod dest bra pode sr repredusita cu traamitdacu arivada deade que levaoeem concn datos in autoos Maria Otiia Guimariies Ninin Da pergunta como ato monolégico avaliativa & pergunta como fespaco para expansio dial6gics. Uma investigasio a luz da lingdistica aplicada sobre modos de perguntar. So Carlox Psito & tores, 2013, 183p. ISBN 978-85-7999-173-4 1. Modos de perguntar. 2. Estudos de i is ios de linguagem. 3, Linguistica Aplicada, 4 Trabalho podagégic, 5, Dialogsino. 6. Autor. cpp - 410 Capa: Marcos Antonio Bessa-Ol Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & Joio Rodrigo de Moura Brito Cans Cietifin da Pear Joo Eatren: Atgit Prato (an Jo Wanderley Cer Nae C d-Amaal (Dara h stray Maa dita Resende da Cant USC oie Rogério Drago (UFES/Brasil). Seer PEDRO & JOAO EDORES End. pedroojoaceditoresit 13568-878 - So Ca 2013 racombe SP SumMARIO PREFACIO APRESENTACAO, ATRAMA INICIAL ~ AFINAL, 0 QUE E QuesTOES EPISTEMOLOGICAS: A TEORIA QUE SUSTENTA A PERGUNTA Perspectiva sociocultural Zona de Desenvolvimento Proximal, mediacao e colaboracao Argumentacdo: a linguagem provocativa de conflitos para o desenvolvimento do pensamento critico PERGUNTAS: DIMENSOES DAS ACOES DISCURSIVAS £ MoDOS DE OCORRENCIA DA TRAMA LINGUISTICA Dimensdes Pragmatica, Epistémica e ‘Argumentativa do Ato de Perguntar Categorizando Perguntas Quanto a Forma ‘Quanto ao Tipo Quanto a Natureza Quanto ao Contetido Quanto a Conducao Tematica Quanto a Estrutura Percuntas: A Gutsa De ConcLuséo REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ANEXOS at 17 23 33 34 52 58 85 86 101 104 121 134 141 147 158 163 171 177 PREFACIO Escrever 0 Prefacio deste livro é para mim um imenso prazer por motivos varios, que v3o desde minha estreita relagéo académica com Otilia e profundo conhecimento de seu trabalho tedrico e tedrico-pratico quanto a questées de formacio de educadores. Sua preocupacéo com a formacio de professores, coordenadores e diretores como profissionais critico-colaborativos pode ser encontrada desde sua dissertacio de Mestrado, na PUC-SP, denominada “Instrumentos Investigativos na Formacéo Continua: por uma pratica dialégica entre professor e coordenador”. Também esta revelada em sua Tese de Doutorado, com a criagdo de contextos de formagéo, em que a organizacéo argumentativa da linguagem é central para a construggo de relagées dialéticas entre os participantes, na producao critico-colaborativa de conhecimento. A escolha teérico-metodolégica da Teoria da Atividade Sécio-Histérico-Cultural (TASHC), como unidade de organizac&o, compreensao e andlise da atividade sdcio-histérico-cultural pratica dos participantes, possibilita o movimento dialético critico-colaborativo de _construgéo constante de si, do outro e do mundo. O foco esté na aco _intencional, _significativa, responsavel e responsiva, na construcso, com 0 outro, do objeto em discussao. Sao escolhas que, iL como aponta Vygotsky, n&o esto apenas no agir, mas no agir com outros de forma critica, intencional e responsavel. © livro "O Fio da Meada: descortina-se a pratica da observacao", publicado por Ninin, em 2010, também caminha nessa direcéo para enfocar a atividade de observacio como um instrumento possibilitador da construcgéo de contextos de colaboracao critica. Isto é, como coloca a autora, um instrumento possibilitador da construgéo de contextos em que conflitos, duividas, desconhecimentos podem ser pontuados, discutidos, questionados e compreendidos a luz das teorias que os apoiam, bem como dos resultados a que direcionam, por meio de negociacdes. O objetivo da autora é enfocar a necessidade das coordenagées criarem contextos nas escolas, para que seja possivel a relacdo entre a teoria aprendida e a pratica docente, voltados & compreenséo da organizag3o da nguagem que apoia as relaces estabelecidas entre professores e alunos, nas praticas didaticas e, nessa direco, 0 entendimento do papel politico da escola na constituicio de alunos ativos e critico-colaborativos ou passivos e reprodutivos. Essa discussdo esta revelada na citacdo "O discurso exigido hoje é o da pratica explicada, sustentada teoricamente, mas para isso o professor precisa sair do discurso genérico, 0 que nao é tarefa facil para ele” (NININ, 2010, p.59). Esta é, também, a questdo deste livro “Da 12 pergunta. como ato monolégico avaliativo & pergunta como espaco para expansdo dialégica”, a0 salientar o que é perguntar, como e para que perguntar. Como nas discussées anteriores, 0 foco esté nas relagées dialégicas e dialéticas, propiciadas, ou nao, pelas perguntas. Assim, esta na organizacao argumentativa da linguagem para a construgao de perguntas que propiciem um contexto de reflexéo critica, em que o movimento colaborativo de negociacéo seja constituido pelo estabelecimento de criticidade e de conflitos, entendidos como essenciais, uma vez que 0 conceito de colaboraco é definido como um processo critico de negociagio com outros. Este livro avanga a discusséo dos tipos de perguntas para salientar as teorias de ensino- aprendizagem que as apoiam e a centralidade do contexto enunciativo em que esto inseridas, nas relagées de sala de aula e de formacdo de profissionais em Educacéo. Revela, assim, a importancia das perguntas, nos contextos de formacao, quaisquer que sejam eles. Como salienta a autora, diferentes tipos de perguntas criam diferentes possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento, porque criam diferentes contextos de aco, diferentes papéis e modos de agir aos interagentes. A citaco de um trecho do livro, a seguir, resume toda a discussdo que fiz para salientar a centralidade da escolha das perguntas a serem feitas em contextos de formacdo. Nas palavras de Ninin: “Perguntas séo 13 feitas tanto para inserir 0 outro na atividade discursiva - e nessa direcdo, organizar seu pensamento e favorecer a sintese, impulsionar a reflexo e a reformulacéo de modos de pensar, resgatar conhecimentos prévios, favorecer 4 apropriacao do discurso do outro, desenvolver 0 pensamento _—_metacognitivo, __estabelecer Confronto entre pontos de vista, desenvolver o conhecimento sobre regras_ ee ~—papéis Conversacionais -, quanto para monologizar o discurso, assumindo-se “9 dominante jd esperado’ Em suma, este livro esté organizado para Possibilitar um quadro pratico-tedrico que apoie @ compreensao critica e a transformacdo de medos de agir dualistas, _unidirecionados, individuais e a-histéricos ‘que, usualmente, organizam as salas de aula e os processos de formacao nas escolas. O foco na. colaboracao critica que apoia a descri¢ao, anélise e discusséo das escolhas dos tipos de perguntas caminha nessa direcio, o que esta revelado na organizacéo das discussdes, que parte de um enfoque sobre 0 porqué perguntamos. Em sec3o Seguinte Ninin apresenta os conceitos tedricos embasados na TASHC, que apoiam a compreensdo de sua proposta pritica quanto a Organizacao da iinguagem em contextos escolares e de formacdo. As perguntas sdo Giscutidas & luz das dimensdes pragmatica, epistémica e argumentativa do ato de perguntar 14 € categorizadas quanto a forma, tipo, natureza, contetido, conducao tematica e estrutura. Para concluir, saliento que trata-se de um livro importante a Educadores, sejam eles professores, coordenadores, —diretores__ ou académicos envolvidos em projetos de formacao, uma vez que enfoca a questéo chave da formulagéo de perguntas e dos interesses a que servem manter ou transformar a constituigdo de alunos, professores, gestores e pesquisadores. No quadro critico, em que a autora insere este livro, revelada desde o inicio, a proposta traz para discussdo uma questdo politica, como aponta Vygotsky, quanto a compreensio e transformacao dos modos como organizamos a linguagem nos contextos de formagao, se nosso objetivo esté na compreensio critica. e na insergio de possibilidades de formagao critico-colaborativa Maria Cecilia Camargo Magalhaes APRESENTACAO Quem pergunta quer resposta? Essa talvez seja nossa primeira pergunta em diredo & discussdo proposta neste livro. Seja qual for o contexto com o qual estivermos envolvidos — situacdo de sala de aula, formacao de educadores, pesquisa académica, etc. - e, mais ainda, por nossa condicao de seres humanos dotados da capacidade de linguagem, nao nos é possivel estar com 0 outro senao construindo um envolvimento com ele que se paute na relacéo de conhecer, desse outro, aquilo que no conhecemos ainda. Essa construgdo se da por meio dos enunciados caracteristicamente investigativos ~ as perguntas. Sejam as que pedem respostas do senso comum ou as que exigem um conhecimento cientifico, importa mesmo é 0 fato de que perguntar impulsiona tanto a relacdo entre nés, humanos, quanto nosso desenvolvimento cognitivo. Tomando como elemento disparador de reflexes contextos cujas discussdes se dao prioritariamente por meio de — perguntas, apresento aqui o ato de perguntar numa abordagem sociocultural (VYGOTSKY, [1934] 2000, [1930-35] 2003; LEONTIEV, 1977; ENGESTROM, 1999, 2001, 2003), para discuti-lo como um movimento gerador de ZPD’ (Zona de + Optou-se aqui pelo uso da sigla original - ZPD (Zone of Proximal Development), embora traduzido para o portugués tenhamos ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal) 17 Desenvolvimento Proximal), espago mediado de construcao colaborativo-argumentativa (MAGALHAES, 2010, 2011; LIBERALI, 2011) do pensar critico (FISHER, 2005; NAVEGA, 2005; GELDER, 2005). Pensando em perguntas, 0 que ocorre quando as fazemos a alguém? Justamente por essa necessidade do ser humano de comunicar- se, “as relacdes entre enunciacdes so sempre condicionadas pela resposta potencial de um outro [ser humano]” (CLARK e HOLQUIST, 1998, p.238). Essa é a perspectiva bakhtiniana, que nos leva a considerar 0 espaco dialégico constituido na atividade orientada por perguntas, que impele 0 participante ao jogo dialético pautado na abertura - por que o que é Perguntado pressupée-se nao completamente sabido - @ nas limitagdes - porque o que é perguntado pressupde-se ser um conhecimento ainda n&o completamente interiorizado. Seja qual for a atividade da qual Participemos - em contexto escolar ou académico -, tomadas como instrumentos na atividade, as perguntas - elaboradas para mediar, provocar movimentos na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) e avancos no nivel de —consciéncia do sujeito, impulsionar a argumentagao, ou ainda, avaliar, convencer e/ou persuadir - sdo orientadas para fatos, conceitos, atitudes, opiniées, valores, razdes ou motivos, levando-se em conta a 18 simetria/assimetria de papéis assumidos pelos envolvidos. Nesse sentido, faz-se necessario pensar sobre nossas perguntas. Em contextos de aprendizagem, essa discusséo, além_ de fundamental, assume um cardter de urgéncia, haja vista o fato de que é justamente ai 0 focus onde o poder da linguagem encontra amplas possibilidades de assimetria Perguntas sao feitas tanto para inserir 0 outro na atividade discursiva - e nessa direcio, organizar seu pensamento e favorecer a sintese, impulsionar a reflexdo e a reformulacio de modos de pensar, resgatar conhecimentos prévios, favorecer a apropriacdo do discurso do outro, desenvolver o pensamento metacognitivo, estabelecer confronto entre pontos de vista, desenvolver 0 conhecimento sobre rearas e papéis conversacionais -, quanto para monologizar. 0 discurso, assumindo-se 0 dominante jé esperado. Para discutir 0 ato de perguntar, entendido fundamentalmente como um ato de expanséo dialégica (MARTIN e WHITE, 2005) - que convida © outro 4 interacéo, ampliando espacos para a participagio =, serao abordados conceitos tedricos como Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD), colaborac3o e mediacéo em situagdes cujo mote é a pergunta, considerando- se os planos pragmético, epist€mico e argumentativo da aco discursiva. Adota-se o 19 paradiama critico como suporte para 0 trabalho, com énfase no fato de que 0 pensar critico é algo aprendido trabalhado na perspectiva do ato mediado, ocorrendo por caminhos n&o lineares, nO entrelagamento de pontos de vista fundamentos que os sustentam. A desconstrugéo do par dicotémico pergunta/resposta em pro! de reconstrui-lo numa perspectiva dialético-dialégica partira da andlise de padres —_inguistico-discursivos, para compreendé-los como também responsdveis por instanciar 0 sujeito na _pratica social contextualizada, com papel responsivo. So consideradas, portanto, as subcategorias forma, tipo, natureza, contetido, condugéo tematica (NININ et _al., 2005) e estrutura (ARAUJO e FREITAG, 2010a, 2010b), para explorar, junto aos participantes, os papéis argumentativos (PLANTIN, 2008) relacionados as perguntas, como propor, opor-se, duvidar, destacando-se as agées de: organizar’explicacéo e justificativa; expandir, recuperar e aprofundar o pensamento, para _avanco nas hipéteses de raciocinio; abstrair, sintetizar e concluir idelas; discutir pontos de vista divergentes; _relacionar conhecimentos jé interiorizados. Ai encontra-se a caracteristica marcante de olhar para as atividades orientadas__por perguntas na perspectiva da Linguistica Aplicada, que se define transgressiva (PENNYCOOK, 2006), e que considera a linguagem situada sécio- historico-culturalmente, a servico dos sujeitos 20 em contexto, visto que as situagées de enunciacio, e, portanto, essas envolvendo perguntas, no’ ocorrem num vacuo social, mas so organizadas e determinadas a partir do papel social que cada sujeito assume. Perguntas ancoradas, portanto, na LA, caracterizam-se como espacos reais nos quais os sujeitos agem discursivamente para tomar decisdes. 24 A TRAMA INICIAL - AFINAL, 0 QUE E Ensinar mio 6 transmitir_informacéo, ™m_recitar—conteides. _Ensinar tampouco mostrar-se conhecedor, permanecendo exibicionalisticamente Siheio 20 aprendente [...J, € possibiitar fespacos de significacoes (...) promover perguntas e possibilitar identificacées, investir 0 outro do caréter de sujelto pensante. Fernandez (2001) Muitos momentos de trabalho em sala de aula e em formacio de _professores desenvolvem-se a partir. de _—_-perguntas formuladas entre pares numa__relacao profissional, entre professor e seus alunos ou entre formador e participantes de um curso. Elas tanto desempenham um papel de organizadoras do aprendizado e, portanto, do conhecimento, quanto um papel de perversas avaliadoras. E parece que um aluno em sala de aula, um professor em atividade de formacéo ou até mesmo em seu préprio contexto de trabalho, a partir de um “sexto sentido”, sabem muito bem para qué alguém pergunta. Ou, pelo menos, pressupdem o que leva alguém a fazer-Ihes uma dada pergunta... Tanto é isso o que pensam, que costumam responder considerando aquilo que sabem ser desejado como resposta, muitas 23 vezes em detrimento daquilo que realmente desejariam responder. Pode-se afirmar, sem risco de erro, que essa maneira de entender as perguntas tem suas raizes em nossa propria histéria de aprendizagem, que é cultural, e nas representagdes que trazemos sobre o papel do erro na producso do conhecimento. Nossa escolaridade, e até mesmo nossa vida cotidiana, sempre nos mostraram momentos de. aprendizagem exigindo conhecimentos como verdades absolutas. Nos formamos acreditando que € preciso acertar sempre, que erros nunca sdo saudaveis, de nada servem; que perguntas sempre sao feitas para serem respondidas corretamente e que toda pergunta tem ou deveria ter uma resposta legitimada socialmente. Esse paradigma, no entanto, jé esté as nossas costas, ficando para tras. Ja ndo se concebe 0 aprender a partir de uma estrutura rigida de pensar e de resolver problemas. Inumeros trabalhos e pesquisas vém sendo desenvolvidos no sentido de mostrar-nos a importancia do erro e do conflito como impulsos Para novas aprendizagens e para a producdo de Rovos conhecimentos. Nessa direcéo, cabe-nos indagar: Qual o papel das perguntas? Qual sua importancia quando estamos em situacdo de aprendizagem? £ mais do que isso: Por que perguntamos? O que é mais importante: perguntar ou responder? Ao perguntar, 0 que buscamos? £ ao responder? Esses dois 24 momentos — 0 da pergunta e o da resposta — exigem de nés as mesmas competéncias?. Interessante, ndo é mesmo? Pergunta-se para saber uma dada resposta porque ela é desconhecida; pergunta-se para saber 0 que o outro pensa sobre um dado assunto; pergunta- se para persuadir 0 outro; para confundi-lo; para satisfazer uma necessidade pessoal; para ensinar algo ao outro; para avalid-lo; para ajud: formular/reformular_ modos de pensar; impulsionar a reflexdo entre pares; para estabelecer um confronto entre pontos de vista... Enfim, hd motivos de sobra para o ato de perguntar! Por outro lado, respostas as perguntas que fazemos esto sempre articuladas as relagées de poder entre quem pergunta e quem responde; aos conhecimentos de quem pergunta e de quem responde; ao julgamento que aquele que responde e aquele que pergunta fazem um do outro; aos papéis de ambos e as relacées interpessoais que ocorrem durante a atividade da qual participam. Na verdade, parece, ainda em muitos contextos, comungar-se a idéia de que trabalhar com perguntas em situagdes de ensino corresponde a um simples exercicio de oralidade ou de escrita, que busca depreender de um texto ou de uma situacdio especifica um aspecto particular considerado como resposta. A idela que prevalece nos contextos escolares ¢ a de 25 que responder adequadamente a uma dada Pergunta caracteriza um saber. A discussdo Proposta nos capitulos a seguir caminha em direcdo oposta, pois procura desmitificar essa visio da pergunta como verificagao do saber do outro Questionar significa, em um _primeiro momento, eleger um dado assunto como fonte de investigacao e solicitar do interlocutor que expresse sobre ele um ponto de vista, nao para avalié-lo, mas para tecer, com ele, novos significados ou, no minimo, para manté-los. Nao podemos pensar que questionar sirva apenas para que as pessoas nos apresentem solucdes para alguma questao, pois se assim o fizermos, estaremos afirmando que perguntas tém o exclusivo papel de definir e encerrar uma situagéo de interacéo. Questionar _ implica oferecer oportunidades para que o outro manifeste seu pensamento, fruto de sua visdo de mundo, produto de suas experiéncias individuais € socioculturais a serem compartilhadas, impulsionando transformagées. Em eventos orais, as perguntas sao prototipicamente elaboradas_ a__partir_de Marcadores discursivos de interacéo (FREITAG, 2009). 38 em eventos escritos, a escolha lexicogramatical do interlocutor, seja por meio de Perguntas ou nao, marca estrategicamente o modo como o autor envolve seu leitor. Seja na forma oral ou escrita, perguntas tem sempre o papel de gerar conflitos que, por sua vez, 26 desencadeiam a aprendizagem. Podem, ainda, gerar investigagdes em cadeia, propiciando ricos contextos para que profissionais em suas atividades ou alunos em sala de aula aprendam a argumentar (LIBERALI, 2011). O que se deseja, na verdade, é que toda pergunta propicie oportunidades para reflexdo e que se constitua como elemento de desenvolvimento do pensamento critico. Bolzan (2005, p.27), discutindo _as aproximagées entre hermenéutica e educacio, focaliza ‘o trabalho com as __ perguntas, ressaltando que “a pergunta abre a possibilidade da instauragéo do sentido empurrando os interlocutores ao aberto e convocando-os a deixarem envolver-se inteiramente no proceso”. Nesse sentido, ampliando a _—_discussao, consideramos que as situagées envolvendo Perguntas constituem-se oportunidades por exceléncia para a criagio de espacos dialdgicos, permitindo a cada participante sair de si para encontrar-se com o outro em um jogo dialético que se pauta na abertura — porque o que é Perguntado pressupée-se nao completamente sabido - e nas limitagdes - porque o que é& Perguntado pressupde-se ser um conhecimento ainda nao internalizado entre os interactantes Em diferentes areas do conhecimento, das ciéncias exatas As sociais_ e —humanas, pesquisadores tém demonstrado interesse em formas de perguntar. Encontramos, na literatura académica, por exemplo: 27 Sousa et al. (2000), a partir de dados coletados em clinica psicanalitica, analisam a natureza dos atos interrogativos, seus efeitos nos didlogos e seu uso como instrumentos terapéuticos; Lucioli_ (2003), adotando —abordagem etnografica, investiga, em seus estudos, o modo como perguntas utilizadas em sala’ de aula de lingua inglesa favorecem a construgao de conhecimento dos alunos; Ninin et al. (2005), em estudo sobre 0 uso de questionarios em pesquisas com formagao de professores, discutem e —_categorizam perguntas quanto a forma, tipo, natureza, contetido e condugéo tematica, destacando a relevancia de se. formular adequadamente questionarios para que sejam alcangados os objetivos propostos pelo pesquisador; Bolzan (2005), na perspectiva dos estudos hermenéuticos, discute a fundamentagao dialética do ato de perguntar na educacéo, destacando a necessidade de se superar os modelos educacionais vigentes, téo vinculados ao instrumentalismo do paradigma cientifico; Schein e Coelho (2006), pesquisando o aprendizado da Fisica junto a alunos de Ensino Médio, discutem © papel dos questionamentos do professor e dos alunos em atividades experimentais, destacando-os como ferramentas facilitadoras da aprendizagem por 28 favorecerem a explicitag’o do conhecimento prévio e 0 desenvolvimento de capacidades de observagao, investigacio e explicacéo por parte dos alunos; Cortez (2007), no decorrer da andlise dos dados de pesquisa sobre o aprendizado da ingua inglesa em contexto bilingue, investiga © modo como perguntas proporcionam a reflexdio dos alunos a respeito de sua propria aprendizagem; Gamboa (2009) discute a dialética entre pergunta e resposta com base na produgao do conhecimento e da apropriagio dos saberes, dando especial atengdo 4s __contradicdes apresentadas no ato de perguntar, a partir das quais emerge o conhecimento; Aranha (2009) discute o papel das perguntas na producdo de significados compartilhados em formacio do gestor escolar, para indicar modos de orientar a formagao de professores; Araujo e Freitag (2010a, 2010b) analisam a funcéo das perguntas como estratégias de interacdo utilizadas na modalidade de lingua escrita, por estudantes da rede publica de ensino no estado de Sergipe; Costa e Silveira (2012), na_perspectiva tedrico-metodolégica interacional dos estudos do discurso, discutem 0 papel das perguntas retéricas como desencadeadoras de mudanca de foco e de contestagao do ponto de vista ou 29 da relevancia de informagées implicadas na pergunta. Como vimos, cada drea do conhecimento traz contribuigdes relevantes ao tema, seja na perspectiva das ciéncias exatas ~ como Fisica e Matematica -, da Filosofia, da Histéria, das Ciéncias Bioldgicas, das Ciéncias da Linguagem, focalizando situacdes especificas de pesquisa ¢ apontando caracteristicas de — determinadas situagdes envolvendo perguntas, porém, nem sempre mapeando o ato de perguntar na perspectiva da argumentacao, como recurso de expansdo dialégica. As discussées aqui apresentadas tem como foco, portanto, caracterizar as perguntas mais frequentes claboradas_ em atividades. de formacéo de professores e de sala de aula, apresentando categorias indicativas dos planos Pragmatico, epistémico e argumentativo da agdo discursiva presente no ato de perguntar. Pretende provocar uma discussao sobre “como se caracterizam as perguntas apresentadas em atividades de formacao de professores e de sala de aula” e “de que forma as intervencées por meio de perguntas indicam possibilidades de mediacéo e de argumentacao, geradoras de ZPD e de pensar critico”. Os capitulos organizam-se para discutir: (1) questées epistemolégicas envolvidas na compreensdo do ato de perguntar: a abordagem sociocultural de produgao do conhecimento, ZPD 30 como espaco_mediado de _construgo colaborativo-argumentativa. do pensar; (2) dimensées de ocorréncia das perguntas - pragmatica, epistémica_e —_argumentativa; categorias de perguntas e a articulacéo teoria~ pratica, focalizando excertos obtidos_ em contextos de sala de aula e de formacao de professores. Uma seco de reflexdes é proposta ao final, com 0 objetivo de sintetizar 0 que fol discutido e também de indicar_novas possibilidades para investigacdes sobre o ato de perguntar. a1 QuesTGEs EPISTEMOLOGICAS: A TEORIA QUE SUSTENTA A PERGUNTA toda pergunta precisa ter um sentido de orientagio, isto, precisa ser colocada numa determinada perspectiva (..) que Se funda, basicamente, no n30 saber e no fato de desejar saber. Portanto, 0 ato de perguntar é prenhe de negatividade, do saber que nBo se sabe, do ter consciéncia da ignorancia (..) Bolzan (2005) As discussdes apresentadas neste capitulo esto ancoradas, primeiramente, na_ teoria vygotskyana, destacando-se 0 papel do conflito na producdo do conhecimento e, portanto, 0 significado de perguntar quando se considera a zona de desenvolvimento proximal (ZPD) e a mediagao como focais na aprendizagem e no desenvolvimento do pensamento —_critico. Destaca-se, também, 0 pensamento de diversos autores sobre 0 ato de perguntar. O propésito & deixar claro 0 que considerar como relevante quando 0 foco é: como, por que e para que fazer perguntas. Inicia-se a discussao posicionando-se 0 ato de perguntar na perspectiva da Teoria da Atividade, abordagem teérico-metodolégica de carater transdisciplinar que coloca em destaque os elementos do contexto sociocultural mobilizados por participantes para o alcance de um determinado resultado. Uma vez discutidas 33 as caracteristicas dos elementos envolvidos em. atividades com foco no ato de perguntar, opta-se por discutir conceitos centrais no desencadear das perguntas: ZPD, mediacdo e argumentacao. PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL Na_esteira da psicologia russa defendida por Lev S.Vygotsky, os estudos por ele iniciados sobre atividade como focus da aprendizagem desencadearam uma série de outros (LEONTIEV, [1978] 2005; LURIA, [1986] 2001; COLE é ENGESTROM, 1993; ENGESTROM, 1999, 2001), e inumeras teses vém rediscutinds e expandindo 95 conceitos apresentados por esses autores, quando se trata de entender o fazer humano numa perspectiva tal que, dialeticamente, seja possivel estabelecer um elo entre estrutura ‘social @ individual (ENGESTROM, 1999a), dando maior consideragdo as acées ' praticadas pelo ser humano. A atividade estudada por esse viés leva em consideracdo 0 materialismo histérico-dialético, que vé- conflitos e contradicoes como constitutivos de todo e qualquer contexto. Nesse sentido, a compreensao da atividade passa pela compreeenséo de cada um de seus elementos contextuais intrinsecos, to bem representados no diagrama proposto por Engestrém (1999), originario dos estudos de Vygotsky ([1934] 34 sujeito-objeto. Figura 1: Representacdo da Atividade (ENGESTROM, 1999), 2000) sobre a __relacaio Observemos: Artetatos Nessa perspectiva, uma ATIVIDADE organiza- se a partir da necessidade de um suzciTo em relacéo a um determinado osseTo, relacéo esta mediada por ARTEFATOS CULTURAIS ~ instrumentos ou simbolos. Esse suietro é situado histérica e culturalmente em uma determinada comuNIDADE que, por sua vez, é orientada por reGRas e por uma DIVISAO DE TRABALHO. A necessidade do sueITo faz com que idealize um determinado RESULTADO para a ATIVIDADE com a qual se envolve. © que seriam, entdo, esses elementos em uma ATIViDADE orientada por perguntas? O quadro a seguir explicita-os: 35 Quadro 1: Elementos da Atividade | Alividade de formacao de Por estabelecer confites e também por fidar com eles “alunos eee ‘professor___| *formador © alvo da athidade, Para suprir uma determinac ina atvidade, Transforma-se ao fongo | ‘doe oa ge ai | I wo “E aquele que ree jade, responsabilizando-se | para impulsiond-ta. Seu ponto de vista 6 tomado para | | Suen. analise na atividade. e i wie enaeeae tea | osvero ——___Fibreaer ao Papen | | £0 objeto idealizado pelo sujeito. Por isso dizemos que o | | chit tenwomese, no longed tase, oes ra ser capaz de fazer | *_ para Sr Capaz de fazer 1uso.do.conhecimento na | uso do conhecimeto na | vida soi ___| agio docente ara infvenciar @ pulsionéto ao resulad. S80 izados para intervir na relacao ent sujet e objet, | provecando movimentos em seu modo de pensar / aprender" “ingsagens ARTEFATOS | “asunio Ja al, escotido | “astute da fomagio, CuLruRals eine para disuse | ‘meters retaconados a0 | ‘materatselaonados 20 | (eros, magens, | assunfo (exes tebteos, | textos resutantes de sala | fos pergn Ge ai, ec} ‘mods ce srgimentar | “modes de pergutar (ESS eee eee eeeeerereed anmaoe ds ert 36 | Eertenda como gupo de passoas que | compariham objeto da avdade com 0 syeto, NBo se pode afrmar que odos os parcpantes da Comunidade conparinam. igo de no, ¢ ote, mas 20 & desejivel para qua se aleance 0 resultado a cal. O mosimento, na alvidede, deve ser 08 ster os suas para que, de certo modo, “ado objeto” fagam dle também seu objeto do ae eee “grupo de alunos e profestorna sala de aula irelamerte ervohdos) clucadores eaknos a “grupo de professores © formador (dretamente evolves) *escolas de oiger dos professeres (indratamente cenvolvdas, capazes de interviexglicta e implctamente na avidade) sividade) ‘Sao as les, nomas, pases e convenhes que Fagulam agdes eineragdes dos sueias no docorror da ‘ou explictas. S80 ‘sjudam na intormediagao ene 0 8 a alvidade, Muitas delas REGRAS “conversacionais (eva falas Sobreposas,p relacao aos posiconamentos, sjam eles divergentes ou Retere-se 4 dstrbuigao de responsebildados « papas, na atvidade, tanto om relagto a dvisdo horizon DIVISAO DE tarefas quanto vertcal, relacionadas 2 poder TRABALHO | cos sujet. “Alunos em sala dé aula /professtves om formagao _‘oaticipar aoresentarpontos de vista } 37 -_ responsabliar-s pl sudo dos onlaos ropostos | osiconar-se em relago aos pontos de vista de outros | paricipantes Professor em sala de aula /formador em trabalho de formagao de professores | *responsabilzarse pela organizacio do conteido proposio para discusséo ‘desencadear a discussio intervir para organizar a discusso “organizarorentar sinteses das discusses “Prtecer arpa aa cue itera na zug icentvar paicipantes a assumirem diferentes papéis, no curso da interagao cnet Os suierros de uma arivioae orientada por perguntas sio aqueles que perguntam e que Fespondem, ou seja, os interlocutores envolvidos na dialética pergunta-resposta. Estes ocupariam, ao mesmo tempo, o papel de suetros e de COMUNIDADE Na ATIVIDADE, Compartilhando 0 oBeTO da ativiDave, Espera-se que, ao participar de uma ATIVIDADE, todos 0s envolvidos tenham como propésito alcangar um determinado RESULTADO, mas isso no é garantido quando se inicia a aTivipAbE. Ao fongo de seu desenvolvimento pode ocorrer_ de = os_participantes, gradativamente, tomarem para si o osseTo da ATIVIDADE @ este tornar-se um “objeto de desejo” de todos. Enquanto isso no ocorre, tem-se a AmivIDADE ainda se organizando, como que se ‘debatendo” em direcéo ao seu foco. Na medida 38 em que mais e mais os participantes se envolvem e compartilham esse Biro, maior é a probabilidade de a aTivipave ser impulsionada em, diregSio ao RESULTADO pretendido. Pensar uma aTIVvIDADE orientada__ por perguntas, nesse sentido, é 0 mesmo que pensar, por exemplo, em uma sala de aula onde um determinado assunto é investigado pelo professor e apenas alguns alunos encontram-se envolvidos, interessados na discussdio. As perguntas' desencadeadas —_terdo como, participantes, inicialmente, os interessados, mas. os espacos para a inserséo de outros na atividade discursiva podem ser —gerados. justamente pelo modo como as perguntas sao propostas e como professor ¢ alunos lidam com as respostas. Observemos um trecho de uma aula de Lingua Portuguesa onde se discute o poema A Montanha Pulverizada, de Carlos Drummond de Andrade. “Transcrigdo de aula de Lingua Portuguesa — letra de texto literario —‘poema “A Montanha Pulverizada’, de Carlos Drummond de Andrade Poona ‘A montana puvorzada CChago sacada © vojo a minha sera, ‘serra de mou pale meu av0, de todos os Andrados que passaram ‘e paseardo, a sera quedo passa, Era coisa dos nsios oa tomamos para enftare presi a vida neste vale sole onde a quer 39 maior 6 a sua vista @ cotempléla ‘8 sopra etemnidade na fluéncia, Esta mana acordo Contexto: 10 alunos de 1° ano de Ensino Médio - 7 alunos Participam da atividade; 3 alunos escravam em seus cademos, arecendo nao participar do que esta ocorrendo em aula Legenda pausa longa 1-pausa cura # ~ interrupgo na fala, felta por um segundo Participante ~ fala incompleta do participante Profs Jodo, vocé disse agora mesmo que © poema traz uma ideia de desencanto, nao foi isso? // Joao: E, foi sim. Foi. Profs Gente, quem gostaria de pensar allo sobre essa questo apresentada pelo Joao? Anay Eu. Eu penso isso também, porque Drummond | ele parece que mostra pra gente, no poema / que ele pperde alguma coisa mas que essa coisa foi titada dele por alguém que é / que é / ser humano também, assim tipo ele. Entao, ele t4 desencantado da vida, 40 Profe: Marianas: Jodo: Profi Interessante, Ana, / E / Joo, 0 que vocé pensa sobre isso que a Ana disse? / Estou me lembrando também que no inicio da leltura o Edu havia dito sobre a ideia lembram-se? Vocé gostaria de repetir 0 ue voce disse, Edu? Eu acho assim que / eu li pensando em nostalgia, /! Uma coisa meio melancélica 0 poema... ‘Querem articular essas respostas? Quem gostaria? Joi Nostalgia e desencanto // s80 a mesma coisa aqui no pooma? Nao sei... 0 que voots acham? Mais ou menos. Se eu penso em nostalgia, penso ‘assim em alguma coisa cheia de saudade. / Se eu penso em desencanto, ja acho que 6 tristeza. E que uma coisa chama a outra E ai? Quem chama quem? J/ Quem chama quem? i Seré que nés podemos recorrer ao poema? Como isso ‘aparece no poema? Sera que aparece? E como é que eu procuro? Pelas palavras do texto? ‘Também, Mari, mas eu acho que nao deve ser s6 isso nao. TA no jeito de dizer. Muito legal. Bom mesmo. Entéo, vamos olhar esse jeito de dizer, gente. Olnem s6: 0 et uma serra que existe ou que nao existe? Alguns alunos: Que existe. Deve ser Id da cidade dele... do Drummond, Que existe ou que nao existe? (ate entao mostrava-se distraido) Que nao existe mais. Aserra acabou. Bom, bom, bom, André. Por que que vooé acha isso? i! E eu que pensel que vocé estivesse meio distante, Legal. Fale 0 que vocé esté pensando. /! Por que a serra ndo existe mais?. aL André: Profi: Joaox: Andrés: Pro Andrés: Prof Daqui a uco eu falo, professora. Deixa eu pensar. Mas e ido, ta? E que eu 16 pensando. O poema 6 cheio de vai e volta... Me da uma confuse quando eu tento entender. Gente, guardem isso que o Andi cheio de vai e volta... J& vamos volt ia, j&.. I Mas, @ dal? Temos endentes: 0 desencanto e a nostalgia, a montanha existe ou ndo existe... Quem quer colaborar com essa discusséo? Vooés me disseram que tudo est no de dizer, certo? Esse jeito ai no poema deixa dih Ha uma montanha? Ela é simbélica? Como vamos decidir sobre isso? Sobre esse val e volla?. Mas olha como ele diz no comeco: Chego @ sacada e vvejo a minha serra. VEJO. Depois ele diz: a cada volta do caminho ela aponta. APONTA. E tudo presente. Entéo, acho que ela existe, 0 Joao viu ai 0 presente: VEJO, APONTA... Tem mais ‘No presente, mas na segunda parte do poema // posso falar da segunda parte, professora? Claro, André. Diga Endo. Aqui, depois desse pedago aqui, 6, nesse segundo peda i também ¢ presente i e a serra ja ndo esta la: NAO A. ENCONTRO, ele diz. E presente também... Eniéo. Eu acho que nao é porque esta no presente que a serra existe. //E ele nem ta falando isso agora. Entao, nés temos um problema pra resolver: 0 tempo verbal influencia ou nao aqui no poema?... Joao acha que existe porque 0 texto esta no presente, André acha que estar no presente no é um indi de que a serra existe. Em que mais podemos pensar, turminha? /! Como nés podemos decidir sobre essa questao?, 42 Lauray Marta Lauran! Profis: Edu Prof Lauras! E se 2 gente agora separar 0 poema e cada grupo pensar em uma parte? Pode, pro a gente faz 95 outros falarem al 1 16 falando isso, mas ainda nem Pensando sem discutir, acho que nao é legal Podemos, pr6? Sim, famos organizar a discussao: dois grupos nos se organizam em dois grupos) Um grupo vai pensar sobre as trés primeiras estrofes © © outo, sobre a iltima, Mas concordam comigo que os dois grupos precisam ler © poema todo © também pensar em uma parte considerando a outra? Nao sao dois poemas, certo? i Vamos la. Que tal listar 0 que ‘vamos olhar em cada parte? Quem quer me dizer? ‘As repotig6es. Fala muito aqui, 6, serra, serra, serra Por qué? Isso! © mecanismo de reiteragao, lembram-se? Mas If Por que sera, gente? i! Outra coisa: estrofes simétricas na primeira parte e assimeticas na segunda. Concoriam comigo? Por que seré? E pra falar jé ou € pra discutir? Que tal ciscuti primeiro, Edu? Al no seu grupo. Pode qual 0 foco que vocé acha que indo para a lousa) 0 pode ser, p16? Pode signiicar alguma coisa aqui?... Se e contar muito sobre uma coisa, eu VOU lusiasmada... que ver se descreve direito, como vooé disse outro dia, pr. © que vocé quer dizer, Bia? O que é “desoreve reito"? 43 Beatriz Profs: Luiz: ‘Ana Profi Luize: Profi Joaos: ‘An, se descreve falando das caracterstcas da coisa, Se fala como €, 0 que tem... Sendo ndo é descrgéo. © que vocés acham? Vou colocar esse item descrigao ‘equi também, Analisem 0 que isso pode nos dizer (escrevendo na lousa) Bia, vamos ver como & essa descrigio. ! Trechos mais descrtvos i! Voce ja sabe 0 ue vai olhar para decidir sobre isso? // Bom, mas se a gente esta pensando em olhar os mais desortvos, Precisariamos olhar também para os menos desoritvos? O que acham? Enigo também a gente precisa decidir so essa montanha é simbélica ou & de verdade. A gente pode procurar isso. Boa, Luz, Eu procuro. Jé vi equi que tem a vida do Drummond (olhando no celular). Deve falar de onde ele morou, Procure ai, Ana. Compartihe no seu grupo. i! O que ‘mais, tuma? Os verbos. Vocés falaram em tempo presente, lembram-se? Oihem 0 problema do Joao e do André. / © que mais poderia ser observado nesse sentido? Vamos colocar aqui mais um item: 0 tempo verbal. 1/ O que mais?. Na segunda parte tem muito numero, Acho que a gente ode pensar por que isso... Olha quanto Isso, Luiz. Mais um ilem: as escolhas lexicais que ometem aos niimeros. O que sera que significa? if Tem mais uma coisa que eu gostaria que observassem: o eu lirica fala para nds? fala conosco”, Como ¢ isso no poema? Também a gente pode ver se tem metéfora no poema, professora. Isso no & bom? Tem cada significado legal quando 0 poeta usa metéfora, Al jé ndo e mais entender assim © que 0 poema diz, mas 0 que ele significa pra gente, Eu gosto mais disso 44 Profis: Legal, Joo. Mais um item: metaforas. /! Gente, entéo vamos 14. Discutindo agora. E anotando, claro, Em um contexto orientado por perguntas, cada participante envolvido ocupa, temporéria e simultaneamente, o papel de sueiro e de integrante da coMUNIDADE. No — exemplo apresentado, 0 grupo de alunos e o professor séo integrantes da comunipae. Cada um, a seu tempo, vai ocupando o papel de sulelro na ATIVIDADE. Na aula de Lingua Portuguesa, 0 oBvETO da arivipane € a atribuigSo de sentidos ao poema A Montanha Pulverizada. As perguntas propostas, ora pelo professor ora pelos proprios alunos, desencadeiam-se no sentido de compor um todo harménico que envolve os participantes e que os convida & participacaio. O impulso em direcdo a um resultado da arivioace se dé justamente pela insergo de novas perguntas, que parecem propostas justamente para estabelecer um link com as anteriores. © osiero pode ser entendido como a criag’o de um contexto para pensar / descomplexificar / aprofundar a tematica discutida na arivioabe. Nesse sentido, é possivel vislumbrar como REsuLTa00, por exemplo, “produgdo de conhecimentos novos e avanco do nivel de consciéncia por parte dos participantes, em relagao 20 assunto tratado’. 45 © osieTo - no caso de nosso exemplo, a producéo de sentidos sobre o poema “A Montanha Pulverizada" - vai-se transformando no decorrer da aATIvIDADE e as perguntas propostas tém um papel relevante nessa direcéio. Vale notar que 0 OBJETO inicial, o significado do préprio poema na perspectiva’ do autor, foi-se configurando para além disso, fazendo emergir um 08:70 cujo significado esta na relacéo autor / texto / leitor. Sd justamente as interagdes entre os participantes que propiciam essa transformacdo Ro OBIETO, que OCorre via ARTEFATOS CULTURAIS, criados e transformados durante a prépria ariviDADE, Sendo seu uso uma autodeterminacéo dos suEITOs envolvidos. Na ativIDAbE apresentada, assumem o Papel de ARTEFATOS CULTURAIS, por exemplo, o Proprio poema e cada uma das perguntas apresentadas no fluxo da interagao, bem como a organizacao_—_linguistico-discursiva. de cada participante. Uma pergunta - feita pelo professor, como esta: “Bom, mas se a gente esta pensando em olhar os mais descritivos, precisariamos olhar também para os menos descritivos? O que acham?” -, por sua forma modalizada (uso do verbo no tempo verbal condicional - precisariamos), pode funcionar como um elemento discursivo dialogicamente expansive (MARTIN e WHITE, 2005), convidando outros interlocutores a participacao. 46 A esse respeito, consideremos inicialmente © posicionamento de Bakhtin ([1929] 2006), para quem um enunciado heterogléssico é aquele permeado por discursos miltiplos que o antecedem, advindos do meio social no qual o sujeito esta inserido. Considerando | esse conceito, Martin e White (2005) discutem o engajamento do sujeito na atividade discursiva, sinalizando algum tipo de compromisso com posicées alternativas, em duas diregdes: uma - a contracao dialégica ~ corresponde a proposicdes que restringem, desafiam ou dispersam alternativas e diversidade de vozes; outra - a expansdo dialégica - trata de proposicgdes que ampliam 0 espaco dialégico, permitindo a entrada de posicées alternativas. Nessa perspectiva, também podemos destacar 0 comprometimento da voz autoral: em enunciados dialogicamente expansivos, minimiza-se essa responsabilidade, enquanto nos dialogicamente contrativos, ela aumenta. Assim, perguntas dialogicamente expansivas podem indicar uma postura n&o definitiva de quem pergunta, enquanto as _—_dialogicamente contrativas funcionariam como um bloqueio a entrada de novos posicionamentos, justamente por seu carater categérico Quando pensamos em perguntas, que papel teriam as dialogicamente expansivas na aprendizagem ou na formacao de professores? Em tais enunciados, os falantes apresentam um determinado assunto como uma questéo cujos 47 significados estéo em _aberto, convidando a apresentacdo de posicées alternativas, Nesse sentido, dizemos que 0 enunciado, por caracterizar-se no elxo das _probabilidades, acolhe outros enunciados. Isso se dd prioritariamente pelo uso de verbos modais (parece, poderia), tempo verbal condicional (consideraria, discutiria), _adjuntos_ modais (talvez, provavelmente), \atributos modais (é provvel que). Ao explorar os diferentes modos de perguntar, daremos aten¢ao aos recursos de expanséo dialdgica, por —acreditar que potencializam o desenvolvimento do pensar. Voltando ao nosso exemplo da aula de Lingua Portuguesa: a pargunta “Bom, mas se a gente esté pensando em olhar | os mais descritivos, precisariamos olhar também para os menos descritivos? O que acham?", de fato, transforma-se em um convite & interacio e a insergao de novo ponto de vista - que pode modificar 0 rumo da discusséo -, nao apresentado como uma resposta a pergunta do professor, mas como uma colaboracéo discuss0. & 0 caso do que diz o aluno Luiz “Ento também a gente precisa decidir se essa montanha é simbélica ou é de verdade. A gente pode procurar isso". O enunciado vem em resposta & pergunta do professor, no entanto, n&o a responde explicitamente. “Entdo também” indica uma posicao n&o sé de concordancia do aluno em relacdo & pergunta do professor, de que ha necessidade de olher para os elementos 48 menos descritivos presentes no poema, mas 20 fato de vé-los articulados ao modo como a montanha esta representada — simbolicamente ou fisicamente. Perguntas pressupéem interagao, portanto, quando um professor ou um formador as apresenta, esta, automaticamente, convidando o participante a uma postura ativa, embora, em sala de aula, por conta da assimetria de papéis, a pergunta, via de regra, funcione como uma ordem. S80 as __caracteristicas__linguistico- discursivas as responsdveis por atribuir maior peso & pergunta no sentido de ordem ou de convite & interagdo. Se o convite for de interagdo, entao pode-se dizer que ha possibilidades de desencadear uma atitude pesquisadora do participante _respondente, porque precisaré ir em busca de algo para apresentar como resposta ao interlocutor. Se 0 convite for uma ordem, os participanes podem sentir-se ameacados e a tendéncia é que participe apenas aquele que se sente seguro em relagéio @ resposta solicitada. Na perspectiva da interacéo, a atividade discursiva tem carater de expansdo dialdgica; ja na de ordem, tem cardter de contrag3o dialégica,_ provocando. um afastamento do suJerTo. Em nosso exemplo, as evidéncias da regra fe da DIVISAO DE TRABALHO Ma ATIVIDADE aparecem claramente no decorrer da interacdo, pelo dizer 49 da aluna Laura (Laura): “E se a gente agora separar 0 poema e cada grupo pensar em uma parte? Pode, pré? Assim, a gente faz os outros falarem alguma coisa (referindo-se aos que est3o quietos). // (rs) Eu t6 falando isso, mas ainda nem falei nada ainda... Foi mal, né", que assume © papel de organizadora’ da discussao (nicialmente uma —_responsabilidade do professor), sugerindo uma tarefa 20 grupo, ainda que ‘pedindo permissdo ao professor (Pode, pré?). & mais: a recra implicita é participar. laura sente té-la descumprido - ainda nem participou e ja estd fazendo sugestées. Em situacéo envolvendo perguntas, seja no ensino ou em formagéo de professores, prevalece 0 papel de desencadeador da discussao como sendo 0 do professor, porém, ao longo da arivioaDe esse papel pode ~ e deve! — ser assumido por outros participantes. Ao professor ou formador cabe, em um primeiro Momento, viabilizar espacos para que todos possam inserir-se na atividade discursiva com seguranga e confianca. © desenrolar de uma arivioape com foco em perguntas é fortemente marcado por relacdes de poder que emergem da multiplicidade de vozes, ou seja, da presenga intensa de diferentes pontos de vista sustentados por tradicdes histérico-culturais, por interesses pessoais e pelo conhecimento que cada sulerTo envolvido tem do que se deseja construir. 50 Com base nessa discussao, podemos dizer que a ATIvIDADE orientada por perguntas nao se caracteriza pela estabilidade nem tampouco por momentos de harmonia e tranquilidade, mas sim, pela forte presenca de conflitos, e contradicées - justificados, quando pensamos que 0s envolvidos ~—buscam _construir conhecimentos sempre com base em diferentes visdes de mundo e relagdes interpessoais, mas nem sempre equilibrados, visto que a assimetria de papéis em situagdes de aprendizagem é inerente ao contexto. Assim, enquanto_um participante estiver olhando para o assunto da_ discussdéo considerando somente seu préprio ponto de vista, ou estiver olhando a discussdo como um elemento de repressdo, de avaliagdo apenas, esse susEIyO do. estaré_impulsionando a ATIviDADe. E nos processos interacionais e na discussao que os Participantes tém oportunidades de explicitar os sentidos que atribuem ao assunto, permitindo, portanto, a convergéncia dos objetos considerados, o que faz do OBJETO da ATIVIDADE uM OBJETO Com significado compartilhado. —Em outras palavras, nas situag6es envolvendo perguntas, os participantes precisam engajar-se na discussdo e tomar para si 0 OBJETO discutido, envolvendo-se com ele para conhecé-lo e apropriar-se dele. si ZONA DE _DESENVOLVIMENTO PROXIMAL, MEDIAGAO E COLABORACAO Toda discusséo sobre como e por que perguntas devem ser feitas e devem ser trabalhadas nos mais diversos _contextos relacionados aprendizagem assume como pano de fundo a compreensdo que se tem sobre o papel da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) e da Mediacdo no desenvolvimento do ser humano. Vygotsky ([1984] 2000; [1987] 2000), ao longo de seus estudos, destaca a importancia das interagdes sociais no desenvolvimento e aprendizagem do_—sujeito,__focalizando especificamente 0 papel do outro nesse processo. Ao definir ZPD, 0 teérico enfatiza a importancia de se considerar o desenvolvimento real e © desenvolvimento potencial do ser humano. Para ele, é nesse espaco entre real e potencial que as intervencdes’ colaborativas Podem exercer seu _verdadeiro papel: o de provocar transformagées que levam o sujeito a trazer para a zona real aquilo que se encontra ainda “a distancia", como um conhecimento nebuloso, mas potencialmente viavel. Embora intervenc&o parega associar-se a um contexto negativo, remetendo a idéia de acéo que oprime 0 outro, inibindo sua autonomia, nao é essa a nocdo associada ao Pensamento vygotskyano. Para o teérico, a intervengdéo sé existe quando articulada a colaboracao e, nesse sentido, corresponde as 52 formas de interferir que provocam reorganizagao e reelaboracéo nos processos__mentais dos sujeitos. A dialética da colaboracdo envolve agir com 0 outro, para provocar e ser provocado em diregdo ao desenvolvimento. Intervencio formativa pode ser vista como uma, forma especifica de colaboracdo social que & projetada para impulsionar o desenvolvimento ainda mais, promovendo e apoiando processos Ge re-mediagao (VIRKKUNEN e SCHAUPP, 2011, p.634) A intervencaio, nessa perspectiva, realiza- se para apoiar a internalizacéo de conceitos e conhecimentos culturalmente _estaveis, bem como para impulsionar a articulacao entre estes € novos conhecimentos. Caracteriza-se como uma aco que provoca, portanto, um movimento na ZPD. As discussées sobre ZPD tém sido focalizadas por diferentes autores, nos mais diversos contextos educacionais, prevalecendo o fato de que é nesse espaco imaterial, nao mensuravel, onde circulam as dissonancias, conflitos e Contradigdes com as quais convive o ser humano em fungdo de sua sociohistéria, que toda atividade de aprendizagem ocorre. O movimento entre o que ocorre no interior e no exterior do individuo, entre seus conhecimentos cotidianos e os sinais do conhecimento cientifico com os quais ele tem contato provocam uma revolucéo nesse espaco imaterial denominado 53 ZPD, polifénico por natureza, por nele atuarem diferentes vozes e diferentes argumentos que, Por meio da interacéo com o outro, provocam (re)significagdes nas funcdes mentais superiores, fazendo emergir o pensamento critico ¢ impulsionando o desenvolvimento Nesse sentido, podemos dizer que 0 ato de Perguntar incide diretamente na ZPD, com ticas que envolvem a dissonancia entre as vozes dos participates, as possibilidades de Negociacdo de sentidos e compartilhamento de significados. As perguntas assumem 0 lugar do instrumento mediador, caracterizando-se como instrumento-e-resultado, 0 que, — segundo Newman e Holzman (2002), corresponde ao instrumento que, ao mesmo tempo em que Provoca transformacées no ser humano, & por este transformado, Voltando nosso olhar para a situacéo pratica ji apresentada - a aula de Lingua Portuguesa com foco no poema A Montanha Pulverizada ~, & possivel perceber que uma discussdio que se inicia pela ideia de desencanto Presente no poema - na voz do eu lirico apresentado por Drummond - toma outros rumos, desencadeando a necessidade de compreender como as escolhas lexicogramaticais € sintatico-seménticas interferem no significado. Da abertura provocada pelas perguntas depende © quanto a atividade por elas orientada invade e cria ZPDs compartilhadas. 54 Associada - por interdependéncia - a discusséo sobre ZPD esté a mediacéo. Que compreensdo temos desse conceito que permeia todo o discurso pedagégico? Mediar significa exatamente o qué? Em quais circunstancias a mediacéo se concretiza?_ Quais_—_ agdes desencadeiam um processo de aprendizagem mediada? Segundo Vygotsky ([1934]__ 2000), mediagéo corresponde a um processo de Intervencdo que possibilita uma relacdo entre sujeito e objeto do conhecimento. Ferramentas ou instrumentos criados pelos proprios seres humanos ao longo da histéria da sociedade s&o, também, responsdveis pela mudanca_desses mesmos seres humanos e os transformam interna e externamente, simultaneamente ao processo de desenvolvimento da sociedade. Os estudos vygotskyanos estabeleceram ainda uma diferenca profunda entre ferramentas @ signos: embora semelhantes, porque sao mediadores, a ferramenta medeia a relacdo entre 0 ser humano e 0 objeto de sua atividade e, portanto, é dirigida para fora do sujeito, enquanto 0 ‘signo medeia as acées psicolégicas do sujeito, dirigindo-se para seu interior. Ao processo de intervencdo, provocado por instrumentos simbélicos_ou__ferramentas Vygotsky denominou mediacao. Segundo Molon (1999, s.p.), “a mediagao como pressuposto da relacéo Eu-Outro, da intersubjetividade, 6 a 55 grande contribuicio de Vygotsky e caracteriza fambém sua importancia na perspectiva sécio- histérica”. Diz Molor il i todo o seu arcabouco tedrico-metodolégico. E Vale destacar também que uma ferramenta, que em um dado momento pode mediar a acao concreta do sujeito sobre’ um objeto, pode, em outro, mediar a. acdo Psicolégica desse sujeito. A titulo de exemplo, um livro didatico pode ser usado como ferramenta, mediando a acio dos professores em relagao aos contetdos a serem trabalhados com 0s alunos; mas pode também ser usado como _instrumento simbélico, indicativo da Necessidade de o professor refletir sobre seu papel no desenvolvimento dos alunos. Da mesma forma, uma pergunta pode ser usade como forraments para Inciear ae sic que deve executar uma dada tarefa (Vocé Poderia fechar a porta? - ac&o concreta de sair do lugar e fechar uma dada porta), mas também Pode ser usada como instrumento simbélico, para_provocar no sueto uma eras, panel: (Vocé poderia fechar a porta? — acdo psicolégica 56 de relacionar frio a necessidade de fechar a porta) Em nossa aula de Lingua Portuguesa, uma pergunta desencadeadora dessa situagdo pode ser a elaborada pelo professor: *...mais uma coisa que eu gostaria que observassem: 0 eu postico fala para nds? fala conosco?... Como é isso no poema?", capaz de levar 0 aluno Joao (Joos) a pensar na necessidade de investigar as metaforas a fim de transcender seu significado mais imediato, saindo do poema em direcao a aspectos da subjetividade do sujeito. Em sintese, a mediacao ocorre no ambito da ag&o concreta e material, mas também na relacdo semiética que 0 sujeito estabelece em seu meio. Bem por esses motivos, e com a idéia de eliminar a distancia / dualismo entre ferramentas e signos, tem havido uma tendéncia de se utilizar termos como “artefatos” (COLE, 1996), “melos mediacionais” (WERTSCH, 1998) € “artefatos culturais” (GAUVAIN, 2001) para se designar os elementos que provocam esses movimentos do pensar, sejam em relacao a acdo concreta ou simbélica do sujeito. Mediar, portanto, implica agir com 0 outro no sentido de gerar conflitos para que sejam resolvidos por meio de avancos no modo de pensar e no modo de agir. Atuamos de forma mediada quando provocamos 0 outro introduzindo elementos na reflexdo tais que interfiram nos mecanismos do pensar e se 5s? posicionem como modificadores / interventores entre 0 que ja existe em termos de um pensar cognitivamente —estruturado ee ~——novas. Possibilidades para esse pensar, orientadas para responder a argumentos fundamentados e geradores de avancos no pensamento cientifico. Na mediacdo, os instrumentos tém a funcdo de conduzir / orientar a influéncia humana em direcao ao objeto da atividade. Tomando como base as discussdes a respeito do —_ pensamento _vygtotskyano, desenvolvidas por Wertsch (2007) e por Gillespie e Zittoun (2009), enfatizamos ainda alguns aspectos sobre a mediacao. Wertsch, retomando Vygotsky, considera as duas dimensées da mediacao: explicita e implicita. Por mediacdo explicita entende aquela introduzida na atividade de modo intencional. Afirma Wertsch (2007, p.184) que ela é “facilmente identificada por simbolos e instrumentos que aparecem em sua materialidade e estéo disponiveis aos sujeitos para explora-los". E mais: “a materialidade dos estimulos ou signos envolvidos tende a ser obvia e nao transitéria". A mediacéo _explicita, portanto, corresponde aquela que, ativada por instrumentos concretos, provoca © sujeito em diregéo aos conhecimentos que j4 domina, que exterioriza_ com razodvel controle e que, conscientemente, sabe serem necessarios para que avance em direc8o a novos conhecimentos. Jé a mediacéo implicita, de natureza efémera, descrita por Wertsch como sendo 58 “menos obvia e, portanto, mais dificil de ser identificada; aparece como signo ou ferramenta escondida por trés da linguagem” (p.184), raramente tomada como objeto de reflexdo consciente. Nesse sentido, podemos considerar que atua em relacéo aqueles conhecimentos do sujeito que estado no nivel da consciéncia ingénua ‘ou n&o consciente, mas que, quando imbricados aos conhecimentos conscientes, _provocam avancos Os autores Gillespie e Zittoun, por sua vez, discutem a mediagao a partir de outro Angulo: o uso reflexivo e 0 nao reflexive da ferramenta ou Signo, ou seja: o que esta presente na consciéncia do sujeito - 0 uso do recurso ou o recurso em si? No primeiro caso, 0 papel e a funcdo do instrumento estariam presentes na consciéncia do sujeito, levando-o a focalizar o recurso e 0 modo de usé-lo. Nessa perspectiva, 0 sujeito precisa conceituar 0 recurso e seu modo de uso. No segundo caso, embora a acdo do sujeito ocorra, papel e func8o do instrumento nao estariam presentes em sua consciéncia e 0 foco recairia sobre as minticias ou operacées isoladas_da atividade desenvolvida. O sujeito poderia fazer uso do instrumento ou signo ainda que seu pensamento estivesse alhcio a tarefa e ao préprio instrumento ou signo. Considerando esses aspectos, _ vale perguntar: em quais situaces podemos pensar has perguntas como instrumentos de mediacdo explicita ou implicita, de uso reflexivo ou nao 59 reflexive? Que diferenca faz pensar as perguntas a partir dessas dimensdes? Ha implicacées diretas na forma como atos mediados interferem Ra constituicéo do pensamento critico, conceito complexo que, embora muito explorado nos contextos educacionais, carregue © sentido do senso comum, distanciando-se do que de fato significa. Ha de se considerar sua importancia no pelo modismo que atualmente tem Propagado 0 termo critico, mas por seu papel efetivo na constituigéo do pensar de modo fundamentado e consciente do ser humano. Voltando ao exemplo da aula de Lingua Portuguesa e analisando o excerto a seguir, Podemos observar como essas questées sao reveladas nas situacdes envolvendo perguntas auras: Tem também uma coisa aqui de descrever, Isso pode ser, pr6? Pode significar alguma coisa aqui?... Se alguém me contar muito sobre uma coisa, eu vou ficando entusiasmada, Beal Mas tem que ver se descreve direito, como voce disse ‘outro dia, pra. Profi: que voce quer dizer, Bia? O que & “descreve direito"?.. Beatrizz: Ah, se descreve falando das caracteristicas da coisa, se fala como 6, 0 que tem... Sendo nao é descricdo. Profs: © que vocés acham? Vou colocar esse item descriggo aqui também. Analisom o que isso pode nos dizer. (escrevendo na lousa) Bia, vamos ver como € essa descrigao. ! Trechos mais descritives // Vocé ja sabe 0 que vai olhar para decidir sobre isso? /! Bom, mas se a gente esté pensando em olhar os mais descritvos, 60 precisarlamos olhar também paras menos descritivos? O que acham? Luiz Entéo tambem a gente precisa decidir se essa montanha é simbolica ou @ de verdade. A gente pode procurar isso. Beatriz parece considerar_a mediacao do professor na perspectiva nao reflexiva, uma vez que insiste na ideia de que o mais relevante é encontrar as caracteristicas de um texto descritivo (tem que ver se descreve direito). Em outras palavras: se descrever é falar das caracteristicas, entdo isso precisa ser feito. 34 Laura. parece considera-la__na__perspectiva reflexiva ao pensar que a descricéo pode acrescentar algum significado novo ao texto, articulado a outros ja existentes (tem também uma coisa aqui de descrever (...) Se alguém me contar muito sobre uma coisa, eu vou ficando entusiasmada...) Partindo da perspectiva de Vygotsky, revisitada por Wertsch, jé destacada, podemos entender 0 poema como um instrumento de mediac&o explicita, mas seu uso pode revelar-se como mediacéo implicita. — 0 que ocorre, nitidamente na atividade transcrita, quando professor e alunos, a partir de intervencdes articuladas, e por meio dos recursos linguistico- discursivos, avancam em _—direcao. a conhecimentos “escondidos” para os. participantes, mas que quando _acionados, rapidamente se ligam aos jé internalizados. “Ta no jeito de dizer’, diz 0 aluno 3080 (Jo303), 61 indicando que nao sé as escolhas lexicais importam, mas 0 modo como esto organizadas Para produzir sentidos. Avangando ainda mais nossa discusséo, um dos pressupostos _essenciais para se compreender a interagao na atividade orientada por perguntas é 0 conceito de colaboracdo. Nessa direc3o, © primeiro aspecto a ser considerado diz respeito as regras que orientam essa atividade. Se nosso propésito é fazer com que a atividade realizada por meio de perguntas seja tal que eleve o nivel de consciéncia de quem participa, entéo podemos nos orientar pelas Mmesmas regras que organizam os espacos colaborativos de aprendizagem. _ Significa, portanto, pensar esses espacos a partir de padrdes de colaboracao que, de certa forma, sao indicativos das regras a serem seguidas pelos participantes. Retomemos co conceito de colaboracdo discutido por Magalhaes (2011), Ninin (2006, 2011) e Aranha (2009), dentre outros autores que, pautados em atividades de formacéo continua de educadores, buscam sustentagao nos estudos de Vygotsky ([1934] 2000); destaquemos uma caracteristica marcante: a colaborag3o ocorre por meio dos processos interacionais mediados, em situacao de pratica social, Tal discusséo remete ao papel da zona de desenvolvimento proximal (ZPD) e a0 desenvolvimento das capacidades dos seres 62 humanos com base nas atividades que realizam com seus pares. vygotsky ([1934] 2000) considera a colaboragio como um proceso capaz de provocar 0 aprendiz em diregdo_ao desenvolvimento da capacidade de solucionar uma situacao-problema com base em estratégias que lhe propiciam negociar__ significados, compartilhar artefatos, conhecimentos prévios e conhecimentos jé sistematizados. Para o individuo, esses procedimentos colaborativos culminam na existéncia da ZPD, constituida, como afirmamos anteriormente, de conflitos gerados por meio da interago com 0 outro, € Cujo papel é impulsionar 0 desenvolvimento. Magalh’es (2010, _—p.29) __discute colaboracao, considerando principalmente 0 fato de que Colaboracao envolve uma intencionalidade em. agir e falar para ouvir 0 outro e ser ouvido, revelar interesse e respeito 8s colocagées feitas por todos, pedir e/ou responder a um articipante para clarificar ou retomar algo do Que foi dito, pedir esclarecimentos, aprofundar a discussio, ' relaclonar praticas "a questdes teéricas, | relacionar necessidades, agdes- discursos, objetivos. Mas também envolve acdes Intencionais em pontuar contradicées, nas colocagées feitas quanto a sentidos e significados historicamente produzidos, nos entre os sistemas de atividade. 63 A colaboragéo exige que os envolvidos estejam atentos a questdes do tipo: Como se constréi o espaco de negociagdes? Como cada um dos envolvidos sente-se autorizado ou ndo a explicitar suas posicdes? Quem ou o qué os autoriza? Que meios poderiam ser utilizados pelo grupo para iniciar um processo de superacaio dessas_ dificuldades? Em que sentido a colaboracio desencadeia_a producdo de argumentos para constituir um dado conhecimento? Colaborar, como ja defininido em estudos anteriores (NININ, 2006; 2010; 2011), é um processo interacional de criacdo compartilhada, mediatizado pela linguagem, que nasce de uma pratica social entre individuos em busca da reconstrucao e reorganizacao de saberes em um dado contexto. O ato de colaborar cerca-se de alto grau de confianga entre os individuos no sentido de garantir a possibilidade de que cada um externalize suas contribuigdes e receba consideragao séria sobre elas. A colaboracdo sé existiré quando o tépico em questao tornar-se relevante a todos os envolvidos e, nessa perspectiva, importa, no processo, que todos trabalhem em pro! de propiciar contextos para a negociacio de significados e que essa Negociacao, gerada pela possibilidade de “pensar com © outro”, esteja pautada em principios como: 64 + responsividade? - no sentido de que cada um assuma as diferentes visées que explicitam para 0 grupo, movendo-se em diregao a uma resposta, seja ela em forma de acéo ou de reflexdo; + deliberacdo - no sentido de que cada um ofereca argumentos e contra-argumentos para as questdes discutidas, apoiando-se em evidéncias e mantendo-se firmes em suas posigdes até que —encontrem __razées fundamentadas para mudarem de opiniao; + alteridade - no sentido de que cada um desenvolva a capacidade de colocar-se no lugar do outro com valorizacao, convivendo com as diferengas, reveladas _ tanto discursivamente quanto pelas habilidades e competéncias, em busca da complementaridade e da interdependéncia; + humildade e cuidado ~ no sentido de que cada um deixe de_—-preocupar-se__ com posicionamentos pessoais, voltando-se aquilo que for de interesse do grupo; * mutualidade - no sentido de que cada um perceba a necessidade de que todos ® Bakhtin ([1979] 2000) considera responsiva a atitude que coloca 0 sujeita em uma posic&0 discursiva ativa, capaz de formular enunciades para concordar, discordar, negociar significados nas situcées de comunicacao. Atitudes responsivas so determinadas pelas condisées de producgo do discurso. 65 Participem e tenham assegurado 0 espaco para pronunciar-se; * interdependéncia - no sentido de que os Participantes sintam-se envolvidos uns com os outros, dependentes uns do pensar dos outros, por meio das diferentes vozes que ecoam das praticas sociais das quais participam enquanto desenvolvem uma atividade. Todo trabalho colaborativo apdia-se em objetivos comuns que precisam ser partilhados pelos envolvidos, mas também em objetivos individuais de cada participante. O equilibrio do trabalho desenvolvido pauta-se na articulacao entre os objetivos partilhados e os objetivos individuais Observemos os padrées de colaboracso articulados aos papéis desempenhados pelos sujeitos e as regras de participaco em uma atividade que envolve o ato de perguntar: 66 Quadro 2: Padres de colaboracao, papéis e regras PADRAO PAPEL DO SUJEITO ‘Comprometerse com a _ propa Patticipag3o e com a paticipagso do ~REGRAS DE ETO |PARTICIPACAO 4g _| eto, em cierdo ao ate de Tesponde, | cesta pons 3 | seja por meio de agao ou de reiexao. lar pont = 3 busca de @ | remurtr ourespnier_ trptcam | Ma, | consderar a resposta od @ pergunta do | Sriculagio & | outro como arefato maciacional para seu proprio cesenvovimento; mpica em {nvolverse com a resposta do out. Buscar, por iniciatva propria, consonsos com base em argumentos, ’ i argumentos com Z| dada porgunta feta 20 out (ato | gp gts & | conscions), implica na intenedo de | Mndementay envolverse na intragdo, no jogo perguntaesposta, ~~} Considerar seu ponto de vista na relagdo | Arisiarse como ponte de vista do outro | siscusivamento nos momentos 3 | nessa perspectva, 0. que se pergunta | dstanciando-se nea & algo que 0 ouFe.néo tem come Je = _| responder. A resposta esperadaisolicitada | posicionamentos no pode er pre-stablecda por quam | possi para | outa. compreender os ii | os outros. ~~ Reandonarposiconamenios pesscals © | prciner Faq | patcoe rersens combos fot 33 discussao | 3 | Pecmtariotea conse sae 4 | anetics E® [um gupo 0, porianto, _considrar | Pogconament conhecimentos © necessiades do grupo eoentes, | o7 Garant espagos de pronundiamento ©] ——S—*Y g | parcipacao 4 = | exe | 3 | Perguntar implica considerar toda | aualauer | J | aueuer expose ‘como. moo para | Patipato | impulsonar 0 pensar. Nessa perpectna, | One legtime. | | nd ha “resoasia ead” Considerar 0 carter essenciaimonte | | | dabaco & paenco dos procmios | Garanica B | interacionais, presenga eo 3 entrecrzamento 3 | Perguntar impica consderar seu proprio | das diferentes, | somecmeno nacabado ov sincethel «| vozes B | mudancas em decoréncia das aversas | discusivas nas vrozes que entrecruzam 0 discus dos | » interagoes \erlocutores respandentes. Discutido 0 papel da colaboragao, a secao a seguir focaliza a argumentacdo e 0 pensamento critico, caracteristicas fundamentais para que Perguntas cumpram seu papel de impulsionar o desenvolvimento do sujeito. Argumentacio: a linguagem provocativa de conflitos para o desenvolvimento do pensamento critico Ao conceber a lingua como atividade social, de cardter dialégico, o que fazemos nas situagdes em que alguém tem o papel de perguntar e outro alguém o de responder, seja na forma oral ou escrita, é pressupor que existe um movimento argumentativo sustentado pela 68 necessidade inerente ao sujeito de partilhar e defender idéias e pontos de vista. Na perspectiva da pergunta como ato dialégico, 0 sujeito deixa de ser o centro da interlocugéo e as vozes na interacso assumem esse papel. Para que uma relacao seja dialdgica, diz Faraco (2003, p.64), & preciso que qualquer material linguistico (ou de qualquer outra materialidade semistica) tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posicdo de um sujeito social. Assim considerado, 0 ato de perguntar estabelece entre os interlocutores uma relacdo que gera responsividade. Mas, na verdade, nem sempre o ato de perguntar é assim que entendido. Ele carrega, como j& dissemos anteriormente, a idéia de que ha sempre uma resposta previsivel para uma dada pergunta e de que a relacdo de poder entre quem pergunta e quem responde assume o papel de “camisa de forca”, muitas vezes orientando a resposta. Esse, no entanto, néo é 0 movimento desejado para a interag3o que se diz colaborativa, dialégica, pois 0 que se quer é garantir, pela pergunta, 0 espaco para o desenvolvimento da metacognicéo e do pensar critico, entendido aqui como um pensar que, consciente, encontra apoio em fundamentos teéricos e no no senso comum 69 Na perspectiva do paradigma critico, recorremos a Fisher (2001/2005) que, em sud obra “Critical Thinking: An Introduction”, enfatiza a necessidade de 0 individuo desenvolver habilidades para pensar _—_riticamente, argumentando que esse pensar critico envolve uma competéncia_académicavoltada 3 interpretacao ativa e a avaliacio de observacdes © comunicagées, informacées e argumentacso Argue, ainda, a autora, que o pensar critico nao ocorre porque alguém assim o deseja, nem tampouco ele é cientifico por op¢So do perisante, mas que esté relacionado a um principio ative que move 0 individuo em direcéo a encontrar relevancia e razdes para o pensamento, imbricadas em seu arcabouco de conhecimentos.. Assim, nos __interessa__essencialmente compreender 0 significado de argumentac&o, mas antes, vejamos 0 porqué de sua importancia na atividade orientada por perguntas. Esse pensar critico do qual falamos acima aprimora-se @ medida que 0 individuo torna-se capaz de questionar sua forma de pensar (metacognicao) de avaliar e selecionar informacées “que permitam a ele reorganizar suas estruturas mentais, estando esse proceso relacionado nao somente as caracteristicas linguisticas da argumentacao, mas também & maneira como se estabelece 0 confronto entre esse pensar e as condigbes sécio-hist6rico-culturais do préprio individuo. 70 Embora as habilidades linguisticas para pensar criticamente sejam fundamentais, no ha como prescrever caminhos lineares para esse pensar, nem tampouco considerar que unicamente por acdo ou influéncia de outrem, um ser humano seja capaz de fazé-lo. Brookfield (1995, 1999) ressalta que uma reflexdo torna-se critica quando tem dois propésitos distintos: (1) @ compreensdo do individuo sobre como as relagdes de poder subjazem ao seu pensar, moldam e distorcem os processos de interacao nos quais ele esté envolvido; (2) 0 questionamento daquilo que parece facilitar a vida do individuo, redirecionando seu pensar a interesses em longo prazo e nao imediatos. Para © autor, a experiéncia do indi < luo é que o leva ao confronto com dilemas _ historicamente situados, provocativos do pensamento critico. © que se pretende aqui é identificar as tens®es presentes em situacdes que envolvem o ato de perguntar, para discuti-las com o propésito de transforma-las em instrumento para esse pensar critico. A acéo de perguntar expe ‘0s sujeitos para que sejam afetados pelo pensar um do outro, por meio de critérios tanto selecionados a partir de pressupostos explicitos compartilhados sociaimente em fungao de um dado contexto, quanto de pressupostos implicitos constituidos no interior do préprio sujeito em fungdo de sua histéria e das contradicdes as quais estd exposto. na Revisitando a aula de LP, observemos, por exemplo, 0 trecho: Lauras: Tem também uma coisa aqui de descrever. Isso pode ser, pr6? Pode signficar alguma coisa aqui?... Se alguém me contar muito sobre uma coisa, eu vou ficando entusiasmada, Mas tem que ver se descreve direito, como vocé disse outro dia, pr. © que vocé quer dizer, Bia? O que 6 “descreve direto”?. Beatriz: Ah, se descreve falando das caracteristicas da coisa, se fala como é, o que tem... Sendo nao ¢ descriggo. Profis: __O que vocés acham? Vou colocar esse item descri¢go aqui também. (... Bom, mas se a gente esté pensando fem olhar 0s mais descritvos, precisariamos olhar também para os menos deserves? © que acham? Luiz: Entéo também a gente precisa decidir se essa montanha é simbdlica ou é de verdade. A gente pode procurar isso. Laura, Beatriz e o préprio professor séo inicialmente afetados pelo pensar um do outro, a partir de uma pergunta de Laura: “{descrever] Pode significar alguma coisa aqui?". Se, para Beatriz, 0 descrever precisa ‘apresentar determinadas caracteristicas (descreve direito), provavelmente linguisticas, ancoradas no qué costumeiramente se desenvolve em sala de aula sobre 0 descrever, para Luiz, também afetado pela pergunta do professor, discutir 0 descrever no poema pode apontar para um outro foco: 0 poema remete a algo simbélico ou nao. O que estaria implicito nesse enunciado de Luiz? A 72 descricéo seria mais adequada se a montanha fosse de verdade? Ha diferentes modos de descrever um elemento simbélico e um elemento concreto?... Essas_tensdes geradas ao longo da atividade orientada por perguntas acabam por impulsionar 0 movimento argumentativo. Vale notar que elas sao alimentadas pelos préprios sujeitos da atividade - ora pelo professor, ora pelos alunos -, mas ndo se pode esquecer que o papel do professor é intervir, sempre que possivel, para que os conflitos sejam instaurados e seja garantida a possibilidade de os alunos continuarem envolvidos em uma _atividade argumentativa. Na perspectiva da argumentagao, desde muito cedo criangas_ apropriam-se dos. procedimentos linguisticos que caracterizam o jogo pergunta-resposta e, na medida em que a atividade discursiva se desenvolve, encontram ho movimento argumentativo as possibilidades de participacio nesse jogo. Reyzdbal (1999, p.20) enfatiza essa questao © jogo oral pergunta/resposta é uma das primeiras e principals formas de interaco cognitiva, © que ressalta a importéncia de ser capaz de compreender adequadamente e de falar, com clareza e precisdo, para si mesmo e para’os demais - sempre tendo em conta que falar nfo € pronunciar palavras, mas ‘recrid-las na construgao de cada discurso. 73 Ao longo da escolaridade e por toda a vida adulta, os individuos buscam _aprimorar competéncias para participer_ desse jogo discursivo, que lhes permite nao somente negociar significados e construir conhecimentos, mas marcar posicdes nos grupos sociais com os quais estéo envolvidos. A pratica discursiva af instaurada é a argumentacao, caracterizada por discussdes que envolvem —oposigdes._—e Possibilitam 0 avanco no “discurso-raciocinio” (PONTECORVO, 2005, p.74). Em relacio as perguntas, estas funcionam como um suporte externo capaz de impulsionar o respondente em direcdo a uma acdo discursiva que se pauta em uma perspectiva de inserir Novos pontos de vista ora em adesdo a o que ja foi dito, ora em contradicao a esse dizer. Ribeiro (2009, p.20), ao discutir argumentagao e ensino, destaca: Estamos propundo pensar a argumentacao sob uma perspectiva de linguagem que se fundamenta em movimentos discursivos sobre 95 quais os falantes agem e constroem novos discursos. E esses movimentos 580 intrinsecamente marcados por uma dialética que se materializa no dizer (posic3o social do falante), na finalidade do dizer € na interaco que se estabelece entre os _falantes (enunciador/destinatario), permeadas por préticas sociais instituidas culturalmente. A argumentac&o assim considerada leva em conta a estreita relac3o entre a dimensao 74 cognitiva e a atividade social do sujeito, tendo em vista que o aprimoramento dos modos discursivos se da no meio social, sempre a partir das participagdes deste nos eventos de comunicagéo. A dimens&o dialégica do ato de perguntar estaria ai contemplada, uma vez que @ cognig&o é vista em sua interdependéncia com a atividade social do sujeito. J4 a perspectiva monolégica do ato de perguntar, aquela ainda to presente nas atividades de aprendizagem, acaba por priorizar a cognicgéo em detrimento das praticas sociais. Ora, se a argumentacio_desenvolve-se numa perspectiva de expansdo dialdgica, cabe- nos indagar: de que modo perguntas devem ser organizadas para justamente funcionar como instrumento de desenvolvimento da argumentagao e de construgéo do conhecimento? Ducrot (1989), sustentado pela _corrente denominada Semantica Argumentativa, ressalta que 0 modo de organizacao do texto - as escolhas lexicais, sintaticas, fraseolégicas - sao determinantes no modo como a argumentacao cocorre, Em sintese, argumentacao esta “inserida na prépria lingua” (p.18). O que se quer dizer com isso é que o conteddo tematico de uma frase, sozinho, no exerce a fungdo de argumento em um evento discursivo, mas ele dependente do modo como o enunciado esta organizado e como articula-se a outros enunciados. Nesse sentido, podemos dizer que recursos lexicogramaticais, como operadores 75 argumentativos (embora, também, além disso...) e elementos modalizadores (pode ser, provavelmente, acho que...), exercem um papel significativo, pois podem fortalecer ou enfraquecer argumentos usados nos enunciados, assim como podem fortalecer ou enfraquecer a possibilidade de expansdo dialégica. E a lingua operando argumentativamente, provocando praticas discursivas de troca de opinides e manutencdo ou negociacao de pontos de vista. Praticas argumentativas —organizam-se, portanto, marcadas pelo contexto de produgao no qual ocorrem, constituindo-se instrumentos de constru¢ao da responsividade dos sujeitos: ao Participar, estes mobilizam atos do pensar em direcdo ‘8 compreenséio do argumento e assumem atitude responsiva, demonstrando concordar ou discordar do interlocutor. Leitao (1999, p.94), discutindo a argumentacdo na contemporaneidade, contribui para com essa reflexo, ao dizer que Lu] a idéia de argumentagdo como um fendmeno de natureza dialogica se legitima se se considera que esta se dirige invariavelmente 2 um outro ¢ se vé no discurso entio produzido uma reaggo @ questdes e pontos de vista, reais ou potenciais, daquele (0 que justificaria a argumentagao sendo a possibilidade de duvida ou divergéncia da parte de alguém?) A atividade pautada em perguntas nada mais é do que esse momento em que dois ou mais interlocutores, participantes de um evento 76 discursive, buscam reagir em relacdo aos pontos de vista apresentados. Sim, porque a pergunta, uma vez formulada, carrega um ponto de vista e solicita, do interlocutor, uma ampliacéo, uma sintese, uma contraposicéo, uma justificacao, etc. Na atividade argumentativa, aquele que expe um ponto de vista toma para si a responsabilidade de defendé-lo, ou seja, de elaborar um discurso capaz de elevar ao valor de verdade o determinado ponto de vista. O respondente, por sua vez, assume o papel de regulador do discurso, uma vez que é por sua causa que o primeiro sujeito organiza-se discursivamente e expde seu ponto de vista. Ou seja: na atividade argumentativa, quem pergunta e quem responde encontram-se condicionados @ partir do lugar social que ocupam e da presséo exercida pela prépria atividade de comunicacao. Uma atividade orientada por perguntas pode ser entendida como um didlogo argumentativo, na medida em que provoca os participantes em diregdo_ aos _ elementos estruturantes da argumentagao (GRYNER, 2000, p.100): (1) posigéo: momento em que ocorre a apresentacao de um ponto de vista; assercao basica apresentada por um interlocutor; 7 (2) justificacéo / —_explicagdo: ~~ momento Ana: Bul Euy Justificacso Enunciado de geralmente desencadeado por pergunta do eee ere det cena Geet aeactesicanaa tipo por qué?, que aparece explicitamente no rurrrcralroee|| anes ere ell nasteeresertogo | enunciado ou é recuperdvel a partir do que mostra. pra| movimento seguido da contexto; Gente,""no poems, | dlalsgice ce | justifcativa e de MA I que ele perde | articulac3o | uma confirmacao ~ (3) sustentacgdéo: € 0 nticleo da argumentaco; alguma coisa mas | voz de Jodo) | entao. pauta-se em evidéncia formal, por posicdo que essa coisa fol Pessoal do locutor (especificacéo); ou em eres Srelelcel evidéncia—empirica, por posieso piguém que 4 ser experimentada, fato concreto (exemplificacao) assim tipo ele. i Entso, ‘ele | (4) concluséo: momento do fechamento da desencantado da discussdo; confirmacado da posic&o, defendida vida. com base nas provas, de modo a recuperar a a — _— Mt Posi¢éo inicial (expressées sinénimas / at Posigao (de vee neta tiee tele) parafraseadas da posicao inicial); poaaliell gual cecal ae fais aalesalt el (5) avaliagdo: asserciio que expressa a atitude Bera ae eee 7 intl ececil litcaesealecees eal do locutor em relagéo a emocao e/ou avaliacao. Estou, me estabelecer expansdo dialégica Tembrando também | aigum confto) | (gostarla de..J, © ____Retomemos nosso exemplo da aula de qua ne ino da| i (emape verbal Lingua Portuguesa sobre 0 poema A Montanha Teitura 9 edu havi | conditional que Pulverizada, em busca dos elementos dito sobre a ideia fem tenn estruturantes 4 5 de nostalgie, pergunta do la argumentacdo: lembram-se? Voce professor, funciona Quadro_3: Exemplos dos elementos estruturantes da Cierrintonb eal “fe sua intensso, Srgumentacéo desencadeados na atividede orlentada: por easy detxando 0 stuno perguntas__ a it wa a decisdo de repetir [Prof,: Joa, voc8 | Posicdo (de | ~Assunto que, de uindo.e que havia Gist agora mesma | Jeno, certa tories tae Site enterormente que o poema traz| recuperada | siga nove sobre 0 ma Each | Justicacso a dime feta’ “de | eco protsron | fata ds cesie eel er ee | desencanto, nis funcionende coms eel eral careless) foi isso? // (...) uma nova avaliagao Fi iat l Mera, | nostalgia. _// Uma ec nn mg 78 79

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