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INTERVENÇÕES PSICÓLOGICAS NO PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO 67

INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS NOS PERÍODOS


PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO COM PACIENTES SUBMETIDOS A
CIRURGIA DE ENXERTO ÓSSEO*

PRE AND POST-OPERATORY PSYCHOLOGICAL


INTERVENTION WITH PATIENTS SUBMITTED
TO BONE GRAFT SURGERY

Rosana Martins RIBEIRO1


Liliam D’Aquino TAVANO2
Carmem Maria Bueno NEME3

RESUMO

Este trabalho objetivou verificar os efeitos da intervenção psicológica


(cognitiva) seguida de treino de relaxamento/visualização introduzido
no período pré-operatório de pacientes submetidos a cirurgia de enxerto
ósseo alveolar. Os 14 sujeitos, de ambos os sexos, entre 9 e 12 anos,
foram divididos em grupo experimental (G.E. / n=7) e grupo controle
(G.C. / n=7). Após a orientação pré-cirurgica, ambos os grupos foram
entrevistados e o G.E foi submetido ao relaxamento e visualização. No
pós-operatório todos receberam acompanhamento psicológico e foram
avaliados em dois momentos. Os resultados obtidos indicaram maiores
ganhos nas condições psico-orgânicas e outros ganhos para o G.E..
Quando as intervenções psicológicas são introduzidas no pré-operatório
podem melhorar as condições pós-operatórias dos pacientes.
Palavras-chave: cuidados pré-operatórios, cuidados pós-operatórios,
psicologia, enxerto ósseo, técnicas de relaxamento.

(*)
Monografia apresentada ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo,
como parte dos requisitos para a conclusão do Curso de Especialização em Psicologia Clínica.
(1)
Aluna Curso Especialização Psicologia Clínica do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade
de São Paulo (HRAC-USP), Bauru-SP. Endereço para correspondência: Rua: Antonio Pereira, 2-25 – Vila
Paraíso – Bauru – SP/ CEP 17051-290.
(2)
Doutora em Distrurbios da Comunicação Humana (HRAC-USP), Bauru-SP.
(3)
Doutora em Psicologia Clínica/UNESP-Bauru, Orientadora do Curso de Especialização Psicologia Clínica do HRAC
USP, Bauru-SP

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 3, p. 67-76, setembro/dezembro 2002


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ABSTRACT

The aim of this work was to verify the effects of the psychological
intervention (cognitive) followed by relaxation/visualization training
introduced in the preoperative period of patients submitted to of alveolar
bone graft surgery. The 14 individuals of both sexes, between 9 and 12
years old were divided in experimental group (G.E./N=7) and control
group (G.C./N=7). After the pre-surgical orientation, both groups were
interviewed and the G.E. was submitted to relaxation and visualization. In
the post-operative all of them received psychological accompaniment
and they were appraised in two situations. The obtained results indicated
larger gains in the psycho-organic conditions and other gains to the G.E..
When the psychological interventions are introduced in the preoperative
they can improve the patients’ post-operative conditions.
Keywords: Psychologic interview, preoperative care, post-operative care,
relaxation techniques, bone transplantation.

INTRODUÇÃO com o crescimento e desenvolvimento facial


dos pacientes portadores de lesões lábio-
As fissuras lábio-palatinas requerem um -palatais decorre da descontinuidade óssea
tratamento estandardizado, com abordagem na região do rebordo alveolar (Silva Filho et al.,
multidisciplinar, envolvendo as áreas 1995).
cirúrgicas, odontológicas, fonoaudiológica,
Na busca da resolução dos problemas
psicológica, entre outras, por apresentarem
decorrentes das fissuras alveolares, Boyne &
problemas de ordem estética, funcional,
Sands (1972) desenvolveram a técnica de
nutricional e emocional.
enxerto ósseo secundário (EOAS). Esta técnica
As cirurgias plásticas primárias de correção das deformidades dentofaciais, e
(queiloplastia e palatoplastia) que são que faz parte da cirurgia bucomaxilofacial, vem
realizadas nos primeiros meses de vida, para sendo utilizada com pacientes fissurados de
reabilitar o lábio e o palato, trazem benefícios lábio e palato, no Hospital de Reabilitação de
funcionais e estéticos e, também, repercus- Anomalias Craniofaciais, Universidade de São
sões favoráveis quanto ao aspecto psicológico Paulo (HRAC-USP).
aos familiares. Porém, com o crescimento e
Os resultados apresentados na literatura
desenvolvimento facial, alterações dentofaciais
têm sido apontados como muito bons.
ocorrem freqüentemente (D’Agostinho & Jorge,
1991). O enxerto ósseo secundário é geralmente
realizado entre 09 e 12 anos de idade. Consiste
O crescimento craniofacial, que
normalmente se guia por fatores genéticos e no preenchimento da fissura óssea no rebordo
funcionais dos pacientes portadores desta alveolar, criando condições prévias para a
deformidade, passa a sofrer influências das irrupção dentária na área da fenda (Ferrari,1995).
cirurgias primárias, as quais são negativas. Albuquerque (1998), ao adotar no enxerto
Somando-se a isto, fatores funcionais como ósseo a crista ilíaca como área doadora,
tendência à respiração bucal e mastigação citou-a como sendo a mais favorável, uma vez
deficiente, devido à morfologia alterada do que o osso esponjoso permite aos dentes
arco dentário superior, dificultam o crescimento migrarem e irromperem pelo enxerto ósseo da
adequado da fase. Outro aspecto que se verifica crista ilíaca.

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Ainda, Albuquerque (1998) classifica os procedimentos cirúrgicos ou invasivos.


objetivos principais do EOAS como: 1) Pacientes submetidos a procedimentos
estabilizar o arco dentário superior, unindo os cirúrgicos apresentam aspectos psicológicos
segmentos maior e menor; 2) melhorar o importantes com relação ao medo, ansiedade,
suporte ósseo dos dentes adjacentes à fissura; expectativas e fantasias, que desencadeados
3) proporcionar suporte para a asa do nariz, pela situação podem comprometer sua própria
diminuindo a assimetria nasal e favorecendo a recuperação. Esses aspectos, associados às
futura rinoplastia ou rinosseptoplastia; 4) características de personalidade, constituem
possibilitar a finalização da reabilitação papel fundamental para o enfrentamento da a
dentária sem necessidade do uso de prótese, cirurgia (Ferrari, 1995; Sebastiani, 1995;
ou favorecer sua confecção; e 5) diminuir a Santos, 1998).
possibilidade de insucesso da cirurgia de Muitos estudos constataram que as
fechamento de fistula buconasal. tensões e emoções enfraquecem a eficácia de
De acordo com a literatura já citada, não várias células imunológicas. E, embora muitos
são freqüentes complicações relacionadas à médicos se mostrem céticos sobre essa
retirada do enxerto da crista ilíaca mas, quando possibilidade, muitos reconhecem o lugar das
consideradas envolvem : dificuldade para andar, emoções na medicina. Assim se expressando,
dificuldade para alimentar-se, alterações Goleman (1995) também mencionou que
sensitivas, traumatismo nas estruturas emoções perturbadas como o pânico, a
abdominais, fratura do ilíaco e hérnia. ansiedade e a tensão podem aumentar a
Santos (1998), ao se referir à pressão sangüínea e, conseqüentemente,
complexidade da cirurgia ortognática, que elevar os riscos de sangramentos nas cirurgias;
também faz parte das cirurgias bucoma- eliminar a resistência imunológica, favorecendo
xilofaciais, e dos fatores bio-psicosociais quadros psicossomáticos.
envolvidos, considerou relevante uma visão de Vários estudos como os de Miceli ( 1998);
totalidade do paciente, de modo que a busca e Aiub et al. (1995); Vargas et al. (1983);
conservação da saúde sejam permeadas de Cavalcanti (1994), dentre outros, deixam claro
cuidados no mesmo nível de importância dados a necessidade de avaliação e acompanhamento
aos aspectos físicos, psicológicos e psicológico, desde o início, no processo
‘‘espirituais’’. preparatório até o pós operatório.

Conforme apontado por Leshan (1992, No caso da cirurgia ortognática,


p.105): “quanto mais conhecemos a biologia e especificamente, (Santos, 1998) constatou a
presença de sintomas depressivos e distúrbios
a psicologia, mais aprendemos a modificar e
orgânicos nos pacientes no pós-operatório e
melhorar a qualidade e a essência da vida,
ressaltaram a necessidade de uma avaliação e
tanto interior quanto exteriormente, e cada vez
preparação pré-operatória desses pacientes,
mais este segundo resultado pode se tornar além de um acompanhamento pós-operatório
comum”. Desta forma, verifica-se a importância extremamente cuidadoso.
do trabalho da equipe multiprofissional, a qual
Tendo o enxerto ósseo conseqüências
envolve os cirurgiões, enfermeiros,
cirúrgicas semelhantes, por gerar dor;
nutricionistas e a atuação do psicólogo. desconforto, dificuldade quanto à nutrição e à
Atualmente tornam-se cada vez mais locomoção, debilitação e maior dependência,
conhecidas as influências dos fatores faz-se também necessário acompanhamento
emocionais na evolução do estado e apoio psicoterápico.
psicoorgânico do paciente cirúrgico, no período Outros aspectos geradores de medo e
pós-operatório, em diferentes tipos de ansiedade referem-se a informações que os

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pacientes que serão submetidos à cirurgia de relaxamento deve ser adaptado para crianças
enxerto ósseo obtêm - nos corredores e sala e realizado por condução de imagens.
de espera do Hospital – de outros que já Carvalho (1994, p. 163) dando destaque
realizaram tal cirurgia. Estas informações e grande importância à visualização, afirma:
muitas vezes têm caráter de exagero, são “...a psicossomática e a medicina holística
distorcidas e não representam a da realidade, trabalham com a ligação mente/ corpo e utilizam
ou mesmo, não são coincidentes com a cirurgia a visualização em virtude das modificações
em questão. E também, embora pequena, a que acompanham”. De acordo com a autora, a
possibilidade de insucesso cirúrgico por visualização é um processo psicobiológico
ocorrência de infecção ou rejeição e natural ao homem e que possibilita ao paciente
conseqüentemente, uma intervenção cirúrgica utilizar melhor seus recursos internos.
em vão. Neste caso, evidenciam-se as Sebastiani (1995); Santos (1998),
complicadas reações psicológicas causadas salientam a importância do trabalho preventivo,
pela perda e pela necessidade e/ou também, para o estabelecimento do vínculo,
probabilidade de se refazer a cirurgia em tempo com uma relação de empatia e confiança entre
remoto. Nessas situações, técnicas paciente-terapeuta, ficando o período pós-
psicológicas como relaxamento e visualização operatório destinado a um trabalho mais focado
são importantes instrumentos para a na recuperação do paciente visto que neste
tranqüilização e o autodomínio da situação. momento, está mais debilitado e dependente.
De acordo com Sandor et al. (1982, p. 4), O presente estudo baseou-se no
“o relaxamento é um método de recondi- trabalho metodológico de Santos (1998) e
cionamento psicofisiológico”, abrangendo propôs-se, após adaptação da técnica de
inúmeras técnicas que visam conseguir relaxamento, avaliar o paciente submetido à
descontração e tranqüilização. cirurgia de EOAS e os efeitos da atuação
preventiva. Avaliação e orientação cognitiva
Segundo Jacobson (1976, p.3), “estar
foram paralelas à implementação das técnicas
relaxado é o oposto fisiológico direto de estar
de relaxamento e visualização em ambos os
excitado ou perturbado”, o que permite o
períodos (pré e pós-operatório). As adaptações
controle da ansiedade e do estresse.
referem-se às idades, uma vez que as cirurgias
A fim de controlar tensões musculares, de EOAS são realizadas na faixa etária de 9 a
diminuir a excitação orgânica e sintomas como 12 anos.
a ansiedade e outras perturbações emocionais,
a técnica de relaxamento descrita por Sandor
et al. (1982); Jacobson (1976); Lipp (1997) MÉTODO
possibilita reduzir o estado de excitabilidade
que o estresse gera no organismo e, inclusive Local: dependências dos setores de
na mente. Essa técnica, adaptada, pode ser Recreação e Internação (salas e leitos) do
associada com o processo de visualização ou HRAC-USP Bauru.
criação de imagens mentais, envolvendo o O estudo contou com uma amostra de 14
paciente como um todo, favorecendo a relação pacientes, com idades entre 9 a 12 anos, de
mente/corpo pretendida. ambos os sexos, submetidos à cirurgia de
Albuquerque & Cavalcanti (1998) afirmam E.O.A. Os pacientes foram divididos em dois
que a técnica de relaxamento pode ser usada grupos: Grupo Experimental (G.E. / N=7) e
em crianças para encontrar o controle do seu Controle (G.C. / N=7). A distribuição dos
estresse, diminuindo a ansiedade. O treino do pacientes foi realizada após recebimento de

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orientação pré-cirúrgica, mediante o seguinte As intercorrências, durante o período


critério: G.E. – pacientes com entrada nas pós-operatório, foram observadas através do
semanas 1ª, 3ª, 5ª, 7ª (e assim por diante); e acompanhamento psicológico aos pacientes,
G.C. nas semanas 2ª, 4ª, 6ª, 8ª (e assim por além das solicitações dos membros da equipe
diante) no período de coleta de dados para a de saúde (setores de Enfermaria, Nutrição,
pesquisa. Psicologia, Cirurgiões). Por meio dos dados
Procedimentos: No período pré-opera- coletados, os dois grupos foram comparados,
tório, ambos os grupos, após a orientação de acordo com os objetivos propostos no
pré-cirúrgica com os cirurgiões bucomaxilo-fa- estudo, considerando a apresentação de um
ciais, foram atendidos individualmente para uma ou mais sintomas psicofisiológicos e estados
emocionais.
entrevista psicológica, para identificação de
sentimentos. Os pacientes do Grupo
Experimental (G.E.) foram, posteriormente,
RESULTADOS E DISCUSSÃO
submetidos a treino em técnicas de
relaxamento e visualização, além de receberem
Quanto à caracterização, verificou-se que
orientações e suporte, que os preparavam os pacientes submetidos à cirurgia EOAS
para minimizar o nível de ansiedade e tensão tinham idades entre 9 e 12 anos. Esta variável
antes da cirurgia e também compreender o era prevista, uma vez que a idade ideal para
uso da técnica, ou seja, porque, quando e esta intervenção está relacionada com a
como lançaríamos uso dos procedimentos migração e erupção dos dentes (Ferrari, 1995).
para relaxamento e visualização.
Albuquerque & Cavalcanti (1998) afirmam
Os pacientes do Grupo Controle (G.C.) que a técnica de relaxamento pode ser usada
foram entrevistados e dispensados. No pós- em crianças para encontrar o controle do seu
-operatório (P.O.), ambos os grupos receberam estresse, diminuindo a ansiedade. O treino
acompanhamento psicológico e foram avaliados deve ser adaptado para crianças e realizado
em dois momentos: 1) (1º P.O.) e 2) (2º P.O. por condução de imagens.
tardio), descritos a seguir: Todos os pacientes já haviam passado
1º P.O. (até a alta hospitalar, M1): ambos por situações cirúrgicas anteriores. No G.E. o
os grupos foram acompanhados psicologicamen- tempo de hospitalização variou de 4 a 8 dias e
te para apoio e orientações; avaliados quanto no G.C., de 3 a 9 dias. No G.E. houve maior
ao estado psico-orgânico e posteriormente número de pacientes do sexo feminino e no
submetidos às técnicas. Os dados foram G.C., do sexo masculino. Os resultados obtidos
registrados. nas entrevistas iniciais com os pacientes
M1 (1º P.O.) refere-se à visita feita aos revelaram similaridade entre os dois grupos
pacientes 24 horas após a cirurgia, para (G.E. G.C.).
avaliação e intervenções necessárias. A maioria dos pacientes relatou ter
M2 ( 2º P.O. tardio) refere-se ao retorno conhecimento da cirurgia, expectativas
do paciente para controle cirúrgico, realizado positivas e mostrou-se motivada; mas, quando
30/40 dias após a alta hospitalar. Todos os investigados sobre o motivo da realização
pacientes foram entrevistados individualmente. cirúrgica, ambos os grupos deram respostas
Os dados foram coletados por “duplo cego”, incompatíveis com a realidade -“arrumar os
que não dispunha de informação sobre a que dentes”-, o que demonstra não conhecerem
grupo (Experimental ou Controle) pertencia bem os resultados imediatos e sim a longo
cada paciente entrevistado. prazo.

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Finlay et al. (1995) descreveram que minimizar ansiedades e tensões. Todos os


quanto maiores forem as expectativas irreais pacientes do G.E. relataram “sentir-se
com relação aos resultados que o paciente melhor” e “mais tranqüilos”, após a intervenção
pretende alcançar com a cirurgia, maior será pré-cirúrgica, demonstrando a importância da
sua insatisfação no período pós-operatório, no intervenção preparatória à cirurgia. As técnicas
qual seu estado psico-emocional poderá de relaxamento e visualização podem constituir
tornar-se comprometido. um auxiliar importante, na redução da
Todos os pacientes disseram-se ansiedade destes pacientes.
orientados quanto à dieta líquida no pós De acordo com Albuquerque & Cavalcanti
operatório; já tendo vivenciado dieta semelhante (1998), o relaxamento visa à obtenção de uma
em outros períodos, temiam dificuldades; já 4 descontração muscular e psíquica, permitindo
pacientes do G.E. e 3 do G.C. não souberam o controle do estresse, a diminuição da angústia
dizer como se adaptariam à dieta. e ansiedade. Jacobson (1976) associando as
Identificar como o paciente conduz suas técnicas de relaxamento a visualização
respostas e quais seus mecanismos de defesa (imagens mentais), podem trazer harmonia
é importante, tanto para o período pré-operatório interna, sensação de paz e tranqüilidade ao
como para o pós-operatório. Se o paciente paciente.
encontra-se confuso e mal informado a No 1º P. O., os pacientes de ambos os
respeito dos procedimentos utilizados, grupos foram acompanhados e submetidos a
poderá sofrer intercorrências em seu bem-estar técnica de relaxamento e visualização. Tanto
(Angerami-Camon et al., 1995; Romano,1994). o G.E. quanto o G.C. foram investigados através
As preocupações apontadas pelos da relação de sintomas subdivididos em
pacientes referiram-se a temores quanto à sintomas psicofisiológicos (dor, dificuldade
anestesia, ao ato cirúrgico, ao pós-operatório. quanto ao sono, dificuldade na alimentação) e
Nos aspectos referentes à perna: não voltar a estados emocionais (ansiedade, depressão,
andar, não poder jogar futebol. preocupação), e ambos os grupos não
apresentaram diferenças significativas na
Quanto às condições psicofisiológicas
apresentação destes sintomas, comprovando
(sono, alimentação), em ambos os grupos não
a presença de sofrimento e a necessidade de
foi relatada nenhuma alteração. Inicialmente
acompanhamento psicológico.
todos diziam que se sentiam bem, que estavam
satisfeitos e interessados em realizar a cirurgia. A atuação do psicólogo hospitalar tem
Após maiores investigações e tempo como objetivo principal amenizar o sofrimento
dispensado a eles, individualmente relataram provocado pela hospitalização. Neste sentido,
algumas preocupações, como tristeza e é muito importante que o psicólogo seja
ansiedade, sendo a ansiedade o estado mais inserido na equipe de profissionais de saúde
apontado. (Angerami-Camon et al., 1995).
Conforme estudos de Ferrari (1995); Aiub Após a intervenção psicológica, observou-
et al. (1995); Sebastianini (1995), a experiência -se que ambos os grupos são beneficiados. No
cirúrgica provoca uma certa dose de ansiedade entanto, o G.E. (7) beneficia-se mais que o
relacionada a temores, os quais podem G.C (7), ocorrendo uma porcentagem maior de
desencadear situações que comprometem a
respostas indicativas de melhora nos sintomas.
recuperação cirúrgica do paciente, caso não
No G.E., três dos pacientes que se submeteram
seja trabalhado preventivamente.
à técnica relataram “ter melhorado muito” em
Neste estudo, os pacientes do G.E. foram relação aos sintomas psicofisiológicos e
submetidos a treino de relaxamento objetivando emocionais que listaram antes da intervenção

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e introdução da técnica; e (1) paciente relatou Quando é fornecido ao paciente


“ter melhorado um pouco”. Neste grupo, três informações e esclarecimentos sobre a cirurgia,
pacientes não quiseram se submeter à possibilitando que fale sobre seus sentimentos,
técnica, apesar de apresentarem sintomas medos e fantasias, este consegue controlar
psico-fisiológicos e emocionais. No G.C., (2) a situação e enfrentar melhor a realidade,
deles relataram “ter melhorado muito”, e (2) conforme aponta Sebastiani (1995); Aiub et al.
relataram “ter melhorado um pouco”, (1) paciente (1995).
não apresentou sintomas psicofisiológicos e Durante o relaxamento e visualização
emocionais e (2) pacientes, embora efetuados no 1º P.O., observou-se que houve
apresentassem sintomas psico-emocionais, negativa e resistência de 3 pacientes do G.E.
não quiseram se submeter à técnica. e 2 do G.C. para executarem os procedimentos,
Os dados apresentados demonstraram constatando-se que poucos pacientes não se
que o G.E. se beneficiou em relação ao G.C., sentiram suficientemente confortáveis com a
confirmando a colocação de Sandor et al. utilização da técnica. Em contrapartida, 8
(1982 p.4). sobre o relaxamento, como um pacientes aceitaram bem a técnica e foram
importante “método de recondicionamento beneficiados com a intervenção; constatou-se
psicofisiológico”. Em consonância com aqui, que o relaxamento seguido da visualização
Jacobson (1976), para quem o relaxamento pode ser uma poderosa intervenção psicológica
permite, além de diminuir e controlar tensões, para alguns pacientes, cabendo ao profissional
amenizar ou extinguir sintomas como ansiedade, respeitar aqueles que apresentam alguma
excitação orgânica e outras perturbações dificuldade.
emocionais. A técnica, quando introduzida no Segundo Sandor et al. (1982),
período pré-operatório, parece beneficiar o dificuldades na aplicação da técnica, com
paciente, promovendo um vínculo positivo entre crianças, estão relacionadas à falta de
psicólogo-paciente e, conseqüentemente, interesse pelo relaxamento, pois algumas
facilitando o trabalho a ser realizado com o acham pouco interessante e demorado, sendo
paciente no pós-operatório. Algumas vezes, que os instáveis não conseguem cooperar.
pôde-se observar que apenas a presença do
Albuquerque & Cavalcanti (1998, p.43)
psicoterapeuta era suficiente para melhora do
paciente, no pós-operatório. “afirmaram “ser um desafio muito grande,
auxiliar o cliente a compreender que o corpo e
Verificou-se similaridade entre os grupos
a mente são conectados e que a terapia da
quanto às dificuldades na alimentação e no
mente, usada em conjunto com terapias
sono; embora tenham relatado “alguma
médicas, pode intensificar o processo de cura”.
dificuldade para se alimentar”, isto estava de
acordo com o esperado. A maior queixa dos Resultados das entrevistas realizadas
pacientes referiu-se ao inchaço da face e dor no pós-operatório tardio (30/40 dias após a
na perna. alta hospitalar) demonstraram que 100% dos
Considerando-se a complexidade da pacientes de ambos os grupos revelaram-se
cirurgia de EOAS, ficam evidentes a importância “satisfeitos” com as informações obtidas sobre
e a necessidade do trabalho multiprofissional, a cirurgia, sem ocorrências de “surpresas
para que todos os procedimentos realizados desagradáveis” no pós-operatório. Doze (86%)
com o paciente sejam explicados de forma dos pacientes de ambos os grupos,
que eles compreendam, a fim de assegurar apresentaram-se satisfeitos quanto ao resultado
sua integridade como ser humano, promovendo cirúrgico, comprovando-se a validade da
sua boa recuperação (Carvalho, 1994; Leshan, orientação cognitiva e intervenções psicológicas,
1992). já que estes pacientes demonstraram não ter

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conhecimento real do resultado cirúrgico antes mesmo sentido, (6) pacientes (4 do G.E. e 2
da intervenção psicológica. Quanto à G.C.) associaram “intervenções psicológicas
adaptação à dieta líquida, no pós-operatório, e técnica de relaxamento” e (1) paciente do
verificou-se que as dificuldades relacionadas G.C. associou à “presença da mãe”. Conforme
pela maioria dos pacientes de ambos os grupos os dados coletados pelo “duplo cego”, a
foram: “vontade de comer comida sólida”, “não intervenção psicológica realizada no período
gostar de sopa”. pós-operatório imediato beneficiou ambos os
Quanto às condições emocionais, grupos, denotando maiores ganhos para o
verificou-se que o G.C. indicou maiores índices G.E. É relevante notar que (8) pacientes do
de ansiedade relacionados à expectativa de G.E. fizeram uso espontâneo da técnica
voltar a se alimentar normalmente. enquanto hospitalizados, sendo que (2) deles
generalizaram a experiência, utilizando as
Cavalcanti (1994); Angerami-Camon et
técnicas fora do ambiente hospitalar. Já no
al. (1995) ressaltaram a importância de se
G.C., (3) utilizaram espontaneamente a técnica
realizar uma avaliação psicológica em enquanto hospitalizados, sendo que (1)
pacientes que irão submeter-se a qualquer
generalizou a experiência, utilizando as
tipo de cirurgia, objetivando detectar as
técnicas em casa.
expectativas irreais do paciente com relação à
mesma, conhecer seus receios, medos e Os resultados permitem afirmar que o
fantasias em relação aos procedimentos trabalho psicológico efetuado (G.E.) com o
cirúrgicos e aos resultados alcançados; auxílio das técnicas de relaxamento e
orientá-lo sobre suas ansiedades e angústias visualização foi mais eficaz quando aplicado
surgidas na ocasião e também oferecer no pré operatório e no pós-operatório. Os
esclarecimentos e apoio para defrontar-se com pacientes pareceram perceber melhoras nos
o processo cirúrgico sintomas psicofisiológicos e estados
emocionais, após as intervenções.
Quanto às condições psicofisiológicas,
no que se refere às expectativas, não houve Percebe-se a eficiência da estratégia
diferenças significativas entre os dois grupos. quando, no processo de recuperação, os
Todos os pacientes de ambos os grupos pacientes fazem utilização espontânea das
consideraram positivos os resultados obtidos técnicas. Eles compreenderam cognitivamente
com a cirurgia. as mesmas e foram capazes de discriminar os
momentos de utilizá-las, autopromovendo
Quando foi solicitado aos pacientes que
melhoras dos sintomas desagradáveis e,
julgassem o que mais colaborou para sua
conseqüentemente, seu bem-estar. Os dados
recuperação, amenizando os sintomas e
dificuldades por eles apresentados no período coletados são concordantes com os encontrados
pós-operatório tardio, todos (14) avaliaram na literatura da área. Sugere-se a realização de
positivamente o acompanhamento psicológico. estudos similares com amostras maiores de
No entanto, sete deles (3 do G.E. e 4 G.C.) pacientes, podendo estender-se aos
apontaram a “recreação” como o que mais acompanhantes.
colaborou para a sua recuperação. É provável
que tal associação esteja também correlacionada
aos procedimentos desse estudo, uma vez que CONCLUSÃO
os mesmos foram desenvolvidos no setor referido.
O setor Integração e Recreação está localizado Este estudo indicou, através dos resultados
dentro da unidade hospitalar e tem a finalidade obtidos, a importância da intervenção psicológica
de proporcionar atividades recreativas aos e da utilização da técnica de relaxamento que
pacientes, de forma individual e grupal. No pareceu ser eficaz e adequada, também para

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pacientes que são submetidos à cirurgia de CARVALHO, M.M.M. J. (coord.). (1994).


enxerto ósseo alveolar, com idades entre 9 e Introdução à psicologia. São Paulo: Psy II..
12 anos.
CAVALCANTI, M.C.T. (1994). Aspectos
Essas intervenções, quando realizadas emocionais no pré-operatório em amputação
no período pré-operatório, podem auxiliar o de membros. Jornal Brasileiro de
relacionamento entre paciente e terapeuta, Psiquiatria, 43(3):159-161.
facilitando o vínculo necessário para a
D’AGOSTINHO, L.; Jorge, D. (1991). A criança
expressão de dificuldades do paciente na portadora de fissura lábiopalatal. Pediatria
adaptação e recuperação pós-operatória, Moderna, 26(6):480-486.
contribuindo para a diminuição de tensões
emocionais diante da cirurgia. FERRARI, B. (1995). Preparação psicológica
do paciente cirúrgico. Revista Informação
Consideramos que o uso do relaxamento Ciência e Cultura, 2(7):47-50.
e visualização, como estratégia na intervenção
psicológica, pode beneficiar os pacientes FINLAY, P.M.; Atkinson, J.M.; Moss, K.F.
submetidos à cirurgia de enxerto ósseo (1995). Orthognathic surgery: patient
alveolar, quando essas técnicas são expectations; psychological profile and
introduzidas no período pré e pós-operatório. satisfaction with outcome. British Journal
of Oral and Maxillofacial Surgery,
Destacam-se maiores índices de ganhos para
33(1):9-14.
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