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Psicopedagogia Clínica

Maria Uiliene Alves da Silva


Psicóloga e Pedagoga
Histórico
Os primeiros Centros Psicopedagógicos foram
fundados na Europa, em 1946, por J Boutonier e
George Mauco, com direção médica e
pedagógica. Estes Centros uniam conhecimentos
da área de Psicologia, Psicanálise e Pedagogia,
onde tentavam readaptar crianças com
comportamentos socialmente inadequados na
escola ou no lar e atender crianças com
dificuldades de aprendizagem apesar de serem
inteligentes (MERY apud BOSSA, 2000, p. 39).
Esperava-se através desta união
PsicologiaPsicanálise-Pedagogia, conhecer a
criança e o seu meio, para que fosse possível
compreender o caso para determinar uma ação
reeducadora.
Diferenciar os que não aprendiam, apesar de
serem inteligentes, daqueles que apresentavam
alguma deficiência mental, física ou sensorial era
uma das preocupações da época.
Observamos que a psicopedagogia teve uma
trajetória significativa tendo inicialmente um
caráter médico-pedagógico dos quais faziam
parte da equipe do Centro Psicopedagógico:
médicos, psicólogos, psicanalistas e pedagogos.
A psicopedagogia chegou ao Brasil, na década de
70, cujas dificuldades de aprendizagem nesta
época eram associadas a uma disfunção
neurológica denominada de disfunção cerebral
mínima (DCM) que virou moda neste período,
servindo para camuflar problemas
sociopedagógicos (Id. Ibid., 2000, p. 48-49).
Inicialmente, os problemas de aprendizagem
foram estudados e tratados por médicos na
Europa no século XIX e no Brasil percebemos,
ainda hoje, que na maioria das vezes a primeira
atitude dos familiares é levar seus filhos a uma
consulta médica.
Na prática do psicopedagogo, ainda hoje é comum
receber no consultório crianças que já foram
examinadas por um médico, por indicação da
escola ou mesmo por iniciativa da família, devido
aos problemas que está apresentando na escola
(Id. Ibid., 2000, p. 50).
A Psicopedagogia foi introduzida aqui no Brasil
baseada nos modelos médicos de atuação e foi
dentro desta concepção de problemas de
aprendizagem que se iniciaram, a partir de 1970,
cursos de formação de especialistas em
Psicopedagogia na Clínica Médico-Pedagógica de
Porto Alegre, com a duração de dois anos.
De acordo com Visca, a Psicopedagogia foi
inicialmente uma ação subsidiada da Medicina e
da Psicologia, perfilando-se posteriormente como
um conhecimento independente e
complementar, possuída de um objeto de estudo,
denominado de processo de aprendizagem, e de
recursos diagnósticos, corretores e preventivos
próprios (VISCA apud BOSSA, 2000, p. 21).
“A Psicopedagogia é uma nova área de atuação
profissional que busca uma identidade, e que
requer uma formação de nível interdisciplinar, o
que já é sugerido no próprio termo
Psicopedagogia”. (Bossa, 1995, p.31)
OBJETO DE ESTUDO DA
PSICOPEDAGOGIA
A Psicopedagogia preocupa-se com o problema da
aprendizagem, ocupando-se inicialmente com o
processo como a mesma ocorre. Estuda as
características da aprendizagem humana; como se
aprende; como essa aprendizagem varia
evolutivamente e está condicionada por vários fatores,
como se produz as alterações na aprendizagem, como
reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. O Psicopedagogo
atua nos processos educativos com o objetivo de
diminuir a freqüência dos problemas de aprendizagem
abordando as questões didático-metodológicos, bem
como na formação e orientação dos professores, além
de fazer aconselhamento aos pais.
(BOSSA 2000, p. 21).
Segundo Jorge Visca, a psicopedagogia,
perfilou-se como um conhecimento
independentemente e complementar,
possuída de um objeto de estudo – o processo
aprendizagem – e de recursos diagnósticos,
corretos e preventivos próprios.
Diagnóstico Psicopedagógico
O psicopedagogo irá fazer uma análise da situação do aluno
para poder diagnosticar os problemas e suas causas. Ele
levanta hipóteses através da análise de sintomas que o
indivíduo apresenta, ouvindo a sua queixa, a queixa da família
e da escola. Para isso, torna-se necessário conhecer o sujeito
em seus aspectos neurofisiológicos, afetivos, cognitivos e
social, bem como entender a modalidade de aprendizagem do
sujeito e o vínculo que o indivíduo estabelece com o objeto de
aprendizagem, consigo mesmo e com o outro. O
psicopedagogo procura, portanto, compreender o indivíduo
em suas várias dimensões para ajudá-lo a reencontrar seu
caminho, superar as dificuldades que impeçam um
desenvolvimento harmônico e que estejam se constituindo
num bloqueio da comunicação dele com o meio que o cerca.
A avaliação/diagnóstico psicopedagógico envolve:
a) a identificação dos principais fatores responsáveis pelas dificuldades da
criança. Precisamos determinar se trata-se de um distúrbio de aprendizagem
ou de uma dificuldade provocada por outros fatores (emocionais, cognitivos,
sociais...). Isto requerer que sejam coletados dados referente à natureza da
dificuldade apresentada pela criança, bem como que se investigue a
existência de quadros neuropsiquiátricos, condições familiares, ambiente
escolar e oportunidades de estimulação oferecidas pelo meio a que a criança
pertence;
b) o levantamento do repertório infantil relativo as habilidades acadêmicas
e cognitivas relevantes para a dificuldade de aprendizagem apresentada, o
que inclui: conhecimento, pelo profissional, do conteúdo acadêmico e da
proposta pedagógica, à qual a criança está submetida; investigação de
repertórios relevantes para a aprendizagem, como a atenção, hábitos de
estudos, solução de problemas, desenvolvimento psicomotor, linguístico, etc.;
avaliação de pré-requisitos e/ou condições que facilitem a aprendizagem dos
conteúdos; identificação de padrões de raciocínio utilizados pela criança ao
abordar situações e tarefas acadêmicas, bem como déficits e preferências nas
modalidades percentuais etc; c) a identificação de características emocionais
da criança, estímulos e esquemas de reforçamento aos quais responde e sua
interação com as exigências escolares propriamente ditas.
É um processo dinâmico, pois é nele que são tomadas
decisões sobre a necessidade ou não de intervenção
psicopedagógica. É a investigação do processo de
aprendizagem do indivíduo visando entender a origem da
dificuldade e/ou distúrbio apresentado.
Inclui entrevista inicial com os pais ou responsáveis
pela criança, análise do material escolar, aplicação de
diferentes modalidades de atividades e uso de testes para
avaliação do desenvolvimento, áreas de competência e
dificuldades apresentadas. Durante a avaliação podem
ser realizadas atividades matemáticas, provas
de avaliação do nível de pensamento e outras funções
cognitivas, leitura, escrita, desenhos e jogos.
Inicialmente, deve-se perceber, na consulta inicial,
que a queixa apontada pelos pais como motivo do
encaminhamento para avaliação, muitas vezes pode
não só descrever o “sintoma”, mas também traz
consigo indícios que indicam o caminho para início
da investigação. “A versão que os pais transmitem
sobre a problemática e principalmente a forma de
descrever o sintoma, dão-nos importantes chaves
para nos aproximarmos do significado que a
dificuldade de aprender tem na família”
(FERNÁNDEZ, 1991, p. 144).
Investigação é um termo utilizado por
Rubinstein (1987), e que definem a psicopedagogia.
O profissional desta área deve vasculhar cada
“canto” da pessoa, analisar o modo de como ela se
expressa, seus gestos, a entonação da voz, tudo. O
psicopedagogo deve também enxergar não só o que
essa criança mostra, mas saber perceber que ela
pode ter algum problema imperceptível que está
dificultando sua aprendizagem e saber conduzí-la
para um outro profissional, como: psicólogos,
fonoaudiólogos, neurologistas, etc., isso significa
saber investigar os múltiplos fatores que levam está
criança a não conseguir aprender.
O psicopedagogo é como um detetive que
busca pistas, procurando solucioná-las, pois
algumas podem ser falsas, outras irrelevantes,
mas a sua meta fundamentalmente é investigar
todo o processo de aprendizagem levando em
consideração a totalidade dos fatores nele
envolvidos, para valendo-se desta investigação,
entender a constituição da dificuldade de
aprendizagem (RUBINSTEIN, 1987, p. 51).
Durante o diagnóstico psicopedagógico, o discurso, a postura, a
atitude do paciente e dos envolvidos são pistas importantes que
ajudam a chegar nas questões a serem desvendadas. É através do
desenvolvimento do olhar e da escuta psicopedagógica, trabalhados e
incorporados pelo profissional que poderão ser lançadas as primeiras
hipóteses a cerca do indivíduo. Esse olhar e essa escuta ultrapassam os
dados reais relatados e buscam as entrelinhas, a emoção, a elaboração
do discurso inconsciente que o atendido traz.
O objetivo do diagnóstico é obter uma compreensão global da sua
forma de aprender e dos desvios que estão ocorrendo neste processo
que leve a um prognóstico e encaminhamento para o problema de
aprendizagem. Procura-se organizar os dados obtidos em relação
aos diferentes aspectos envolvidos no processo de
aprendizagem de forma particular. Ele envolve interdisciplinaridade em
pelo menos três áreas: neurologia, psicopedagogia e psicologia, para
possibilitar a eliminação de fatores que não são relevantes e a
identificação da causa real do problema.
ETAPAS DO DIAGNÓSTICO
O diagnóstico psicopedagógico é composto de várias
etapas que se distinguem pelo objetivo da investigação.
Desta forma, temos a anamnese só com os pais ou com
toda a família para a compreensão das relações familiares
e sua relação com o modelo de aprendizagem do sujeito;
a avaliação da produção escolar e dos vínculos com os
objetivos de aprendizagem escolar; a avaliação de
desempenho em teste de inteligência e viso-motores; a
análise dos aspectos emocionais por meio de testes e
sessões lúdicas, entrevistas com a escola ou outra
instituição em que o sujeito faça parte; etc. Esses
momentos podem ser estruturados dentro de uma
sequência diagnóstica estabelecida.
Existem diferentes modelos de sequência
diagnóstica, sendo que nos deteremos no modelo
desenvolvido por Weiss (1992). As etapas que
compõem o modelo e o caracterizam:
1) Entrevista Familiar Exploratória Situacional
(E.F.E.S.);
2) Entrevista de anamnese;
3) Sessões lúdicas centradas na aprendizagem
(para crianças);
4) Provas e Testes (quando necessário);
5) Síntese diagnóstica – Prognóstico;
6) Entrevista de Devolução e Encaminhamento.
... toda anamnese já é, em si, uma intervenção
na dinâmica familiar em relação à “aprendizagem
de vida”. No mínimo se processa uma reflexão
dos pais, um mergulho no passado, buscando o
início da vida do paciente, o que inclui
espontaneamente uma volta à própria vida da
família como um todo (Id. Ibid., 2003, p. 63).
Cabe ao psicopedagogo perceber eventuais
perturbações no processo aprendizagem,
participar da dinâmica da comunidade
educativa, favorecendo a integração,
promovendo orientações metodológicas de
acordo com as características e particularidades,
dos indivíduos do grupo, realizando processos de
orientação (BOSSA, 2000, p. 23).
Após a conclusão do diagnóstico
psicopedagógico, é criado o plano de
intervenção, que é a organização da ação e de
um espaço que favoreça a reconstrução dos
aspectos cognitivos do sujeito e de seu vínculo
com a aprendizagem, através da brincadeira, do
jogo, do desenho e da busca prazerosa pelo
aprender.
A prática do psicopedagogo
Caixa de papelão individual – no trabalho
psicopedagógico, cada criança tem uma caixa
contendo este material, e todos os pacientes podem
trazer outros materiais para serem
utilizados nas sessões da clínica Psicopedagógica e
serem manipulados e utilizados da maneira que
melhor lhe convier.
Material para a caixa: folhas de papel ofício, lápis,
canetas, lápis de cor, hidrocor, papéis coloridos,
revistas, sucatas...
O trabalho com a caixa tem como objetivo respeitar
a singularidade do sujeito.
Mostre esse desenho para a criança /
adolescente por 5 minutos e insista que ele preste
atenção. Depois faça essas perguntas e peça pra ele
escrever a resposta em uma papel que você deu a ele
previamente.
• Quantos ratos há na festa?
• O que estão usando os ratos como mesa?
• O bolo é de chocolate ou baunilha?
• Quantos presentes você viu?
• A toalha era quadriculada ou de bolinhas?
• Quais são os animais que não foram convidados?
• Como estão tentando entrar na festa?
CAIXA DE AREIA
FAMÍLIA TERAPÊUTICA
Principais Transtornos da
Aprendizagem
• Disgrafia – É a dificuldade na utilização dos
símbolos gráficos para exprimir ideias.
Caracteriza-se pelo traçado irregular das letras
e pela má distribuição das palavras no papel. A
criança consegue copiar um texto, porém,
quando esse mesmo texto é ditado, surgem
sérios problemas na escrita. (COLL, 1996)

Disortografia – É a incapacidade de apresentar
uma escrita correta, com o uso adequado dos
símbolos gráficos. A criança não respeita a
individualidade das palavras. Junta palavras,
troca sílabas e omite sílabas ou palavras.
(COLL, 1996)
Discalculia – É um termo usado para indicar
dificuldade em matemática. O aluno pode

automatizar os aspectos operatórios (as
quatro operações, a tabuada, contas), mas
encontra dificuldade em aplicá-los. Às vezes,
não consegue entender o enunciado do
problema, porque tem dificuldade na leitura
do mesmo.
Dislexia – É a incapacidade de aprender a ler
de um indivíduo que possui a capacidade

intelectual necessária. A dislexia representaria
um tipo de imaturidade cerebral, na qual se
atrasaria a função de reconhecimento visual e
auditivo dos símbolos verbais. Sua natureza
consiste em base neurológica. Parece hever no
mapeamento uma área específica relacionada
às dislexias, mas não existe sinal de dano
cerebral em testes (disfunção).
• Hiperatividade – É um dos distúrbios mais
frequentes em crianças com transtornos motores.
A hiperatividade é uma perturbação psicomotora.
As crianças hiperativas têm descontrole motor
acentuado, o que faz com que elas tenham
movimentos bruscos e inadequados, expressão
facial descontrolada, fala e respiração
entrecortadas, mudanças frequentes de humor e
instabilidade afetiva. Elas passam, por exemplo,
de uma crise de raiva para demonstração de
carinho, do choro ao riso e vice-versa. (MARTINS,
2001, P125)
• Síndrome de Déficit de Atenção em
Hiperativos – É um distúrbio
neurocomportamental. Os sintomas de
hiperatividade, impulsividade ou desatenção
devem estar presente antes dos sete anos.
Pessoas com TDAH geralmente apresentam os
três tipos de problemas, porém com
diferentes graus de intensidade.
• Distúrbios da fala – A gagueira sempre foi muito
discutida, até hoje não se sabe sua causa. Há
várias teorias sobre o assunto, tanto bioquímicas
como fisiológicas. Não há provas de que a
gagueira seja transmissível por herança genética,
embora as estatísticas demonstrem que há maior
número de gagos entre as famílias de crianças
com esse distúrbio. A hipótese mais aceita parece
ser a que atribui a gagueira uma predisposição
do indivíduo. Nesse caso, ela costuma
manifestarse em crianças sensíveis e emotivas.
• Distúrbios emocionais – A angústia e a
depressão podem aparecer desde a infância. É
principalmente a sensação de insegurança que
mais perturba as crianças. Estes sentimentos
podem ser causados pela própria família ou
pela escola. Os pais muito severos, exigentes
ou ansiosos podem originar na criança medo
do professor, fobia da escola ou insegurança.
A escola, por sua vez, por seu ambiente de
disciplina, de estudo obrigatório, de regras e
ordens, pode ter uma influência negativa.
Referências
• BOSSA, Nádia Aparecida. A psicopedagogia no
Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
• COLL, César; MARTÍN, Emília. O construtivismo na
sala de aula. 6. Ed. Itapecerica: Editora Ática,
2006.
• ______. MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús.
Desenvolvimento psicológico e educação:
transtornos do desenvolvimento e necessidades
educativas especiais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2007.
• FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. 2.
ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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