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PARTE I – DIREITO, ESTADO E POLÍTICA


PROBLEMÁTICA DAS SUAS RELAÇÕES

1. O DIREITO

1.1. Noção

O Direito é um conjunto de Normas Jurídicas que regulam a vida do homem em


sociedade, sendo estas dotadas das seguintes características:

Imperatividade: Impõe uma ordem ou comando positivo ou negativo.

Generalidade: Destina-se à generalidade das pessoas, não tendo um


destinatário em concreto.

Coercibilidade: Capacidade de impor pela força através da imposição de


sanções jurídicas.

Abstracção: Não regula um caso concreto, aplicando-se a todo um


conjunto de situações.

O Direito é essencial à vida em sociedade pois visa a segurança jurídica e a


justiça.

1.2. Ramos do Direito – o Direito Constitucional como sub -


ramo do Direito Público

O Direito divide-se nos ramos de Direito Público e Direito Privado sendo que o
primeiro regula a relação entre o Estado e os outros Entes Públicos Menores e o segundo
regula as relações entre os particulares. No caso das relações entre o Estado e os
particulares deve ter-se em conta a qualidade de que se reveste o estado. Se age com o
Poder de Autoridade é Direito Público. Se age sem o poder de autoridade é Direito
Privado.
O Direito Constitucional é o sector do ordenamento jurídico que regula os
aspectos fundamentais da organização e do sentido de determinada comunidade política,
dado que se ocupa da organização do estado ao nível político, constituindo um ramo do
Direito Público. É o direito base do estado, defende os direitos primários do estado e
ocupa o topo da hierarquia do ordenamento jurídico.
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2. O ESTADO

2.1. A génese do Estado (forma de sociedade política) – um


Processo de concentração, territorialização, e institucio-
nalização do poder

O Estado é uma forma de sociedade política que foi progressivamente evoluindo,


aperfeiçoando-se e tornando-se mais complexa.
O termo Estado, enquanto traduz o conceito de sociedade politicamente
organizada só aparece na Idade Moderna no séc. XVI, na Europa, tendo sido Maquiavel
quem usou pela primeira vez o termo.
Porque aparece na idade moderna?
Na Idade Média (séc. V a XV), o poder tinha as seguintes características:

Fragmentação do Poder:

O poder era detido por diversas instâncias, nomeadamente, senhores


feudais, Rei e Papa, detendo, cada um deles, o respectivo aparelho de poder
(funcionários e exército próprio, tribunais e finanças próprios). Cada uma destas
instâncias exercia um Poder Originário, ou seja, não estavam subordinados a um
poder superior.

Pessoalização do Poder:

O poder assentava numa relação pessoal e não territorial. Um exemplo


típico é a relação de vassalagem típica do regime feudal em que as relações de
autoridade nasciam de pactos de fidelidade pessoal.

Relação de Propriedade de Poder:

O poder tinha um carácter individualizado, sendo propriedade de quem o


exercia. O poder não tinha a sua sede numa entidade abstracta ou instituição, mas
na pessoa concreta que o exercia, confundindo-se a titularidade e o exercício do
poder. Os meios e matérias de gestão pertenciam em propriedade privada às
pessoas que exerciam o poder.

Com a passagem para a Idade Moderna o Rei vai assenhorar-se dos poderes e
impõe-se como autoridade suprema dentro do território.
O Mundo Político Moderno tem as seguintes características:

Concentração do Poder:

O Rei apodera-se dos vários poderes fragmentados, assumindo a posição


de autoridade suprema dentro do território. Os outros poderes só subsistem como
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o consentimento do rei, do qual dependem. A Concentração do Poder traduz-se na


afirmação de um poder homogéneo com uma pretensão monopolizadora, com um
poder soberano que exclui outros poderes originários.

Territorialização do Poder:

Substituição da relação pessoal por um elemento territorial como


fundamento da unidade do poder. O território é um espaço onde se exerce uma
autoridade sobre pessoas. O poder do rei exerce-se sobre um território
determinado, relativamente a todas as pessoas que lá se situam.

Institucionalização do Poder:

Ganha-se consciência da separação entre a titularidade do poder


que reside numa instituição e por outro lado, o exercício do poder por uma pessoa
concreta. A Institucionalização do Poder revela-se ainda na separação entre o
património privado e o património público.

Estado é uma forma de sociedade política em que se exerce um poder


institucionalizado, com uma pretensão monopolizadora, num determinado território.

2.2. Evolução do Estado: o Estado Absoluto, o Estado


Liberal e o Estado Social.

O Estado Absoluto ou Estado de Policia (séc. XVI a XVIII) tem as seguintes


características:

Poder Autocrático:

Poder que se justifica a si mesmo, o monarca é a lei e não está limitado


pelo direito. Poder Iluminado.

Poder Monocrático:

Concentrado nas mãos de uma só pessoa – o Rei.

Poder Demofílico:

Poder amigo do povo, tendo que realizar as suas ambições, não havendo
qualquer espaço para a realização individual. Só o rei, enquanto ser esclarecido e
iluminado tinha sabedoria suficiente para realizar as ambições do povo.
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“Arcana Praxis” (prática oculta):

Todas as opções a nível comunitário tinham origem no centro do poder,


eram tomadas pelo rei, não sendo necessária publicidade nem transparência nas
opções.

Poder Concentracionário e Intervencionista:

Poder intervencionista, totalitarista e ditatorial, constituindo a sociedade


um mero objecto do poder.

Este tipo de estado acaba com o movimento liberal dos fins do séc. XVIII, que
surge por contraposição ao estado absoluto, sendo o acontecimento que marca o início
das revoluções liberais na Europa, a Revolução Liberal Francesa de 1789. Esta revolução
apenas chegou a Portugal em 1820.
As revoluções liberais dão origem ao Estado Liberal (a partir dos fins do séc.
XVIII), com as seguintes características:

Poder Democrático:

Inversão da legitimidade do poder que passa a residir no povo que elege os


seus representantes.

Principio da Separação dos Poderes:

Identificam-se no estado três diferentes poderes ou funções que devem ser


confiadas a autoridades diferentes: Função Legislativa (assembleias), Função
Executiva (governo) e Função Judicial (tribunais).

Individualismo:

Acredita-se no indivíduo enquanto ser livre, igual e racional e também


como ser auto-suficiente. A sociedade liberal é uma sociedade pacífica e
homogénea, que alcança o equilíbrio por si mesma, defendendo uma restrição dos
poderes do estado.

Publicidade:

Passa a ser considerada necessária a transparência dos actos e o


esclarecimento dos cidadãos.

Estado neutro \ abstencionista \ não intervencionista:


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O estado é visto com desconfiança e encarado como um mal necessário,


sendo que, só quando não for possível à sociedade resolver os seus problemas é
que o Estado deve intervir. Época do liberalismo económico, acreditando-se na
iniciativa privada, sendo a justiça social uma mera consequência da iniciativa
individual.

Estado Constitucional:

Estado dotado de uma Constituição, sendo com este tipo de estado que
surge a Constituição escrita. Esta ideia desenvolveu-se a partir do séc. XVIII com
o movimento político liberal. A Constituição é a garantia dos cidadãos e da
sociedade frente ao poder, é um instrumento de controlo do poder. O
Constitucionalismo é a época histórica de um ideal de Constituição escrita,
estando o poder limitado através de um texto sistematizado, que deve consagrar o
princípio da separação dos poderes e deve conter um catálogo dos direitos
fundamentais do cidadão.

Estado de Direito:

O Estado passa a estar subordinado ao Direito, o que significa que toda a


actividade do estado se encontra subordinada ao direito, devendo obedecer à lei
porque esta é a expressão da vontade popular e o meio de impedir o arbítrio do
estado. Estado de Direito é a submissão do Estado ao Direito que agora se
confunde com a lei, uma vez que o positivismo jurídico liberal vigente reconhece
apenas o Direito Positivo, identificando o Direito com a lei. Esta concepção
baseia-se na desconfiança em relação ao Executivo e na confiança no Parlamento,
considerado o órgão apto para exprimir a vontade geral.

A ideologia liberal entra em declínio no séc. XX, tendo-se verificado uma certa
crise nos pressupostos em que assentava o estado liberal. Por força da evolução da
sociedade, que se mostrou conflituosa, começa a ver-se que os pressupostos do
Individualismo não eram correctos. Geraram-se desigualdades, convulsões sociais e
crises económicas que exigem um estado intervencionista, um Estado Social.
Existiram quatro acontecimentos que estiveram na base da criação do Estado
Social:

- Aparecimento do capitalismo monopolista que requer a intervenção do estado,


que deve definir regras para o funcionamento da economia.

- As duas Guerras Mundiais, que exigiram um enorme esforço dos estados em


termos de armamento e de aprovisionamento.
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- A crise económica de 1929 que lança no desemprego milhares de trabalhadores


e chama a atenção para os perigos do liberalismo.

- A utilização da energia atómica, a electrónica e o crescimento da automatização


agigantam as empresas, o que exigiu uma intervenção por parte do estado.

O Estado Social constituía um estado intervencionista, totalizante pois é-lhe


exigida uma intervenção em todos os campos, assumindo um papel de interlocutor activo
com os agentes económicos e as forças sociais.
Por outro lado, por força das ideologias socialistas, repensa-se a posição do poder
que deve ter funções de sociabilidade, isto é, de ordenação e conformação da sociedade.
Quer-se mais Estado. O estado actual é um estado social, económico, sendo a sua meta a
atingir o bem-estar social, um estado providencia, resumindo é um Estado de Direito
Social.
Na época liberal, o valor da justiça era visto numa perspectiva Formal, isto é, o
estado devia obedecer à lei. O Estado Social deve realizar uma autêntica justiça Material,
que se traduz na distribuição do bem-estar e da riqueza por toda a sociedade. O Estado
de Direito Liberal é diverso do Estado de Direito Social, sendo que a diferença se
radica no conceito de Direito, que no Liberalismo se identifica com a lei, mas agora tem
um conteúdo mais amplo. Hoje, Direito, abarca a própria ordem social normativa, sendo
a lei apenas uma manifestação do Direito, não o captando na totalidade. O estado actual
deve ir para além da lei e tentar realizar o bem-estar social. Só assim será
verdadeiramente justo e conseguirá a justiça material.
O Estado de Direito foi:

Liberal:

Submissão do estado ao direito que se identificava com a lei.


Estado vinculado a atingir uma justiça formal.
Estado de legalidade ou de lei.

(Com a evolução do conceito de Direito)

Social:

O estado deve ir além da lei, tentando alcançar o bem-estar social.


O estado deve preocupar-se em atingir a justiça material através de mecanismos
dirtributivos tais como os impostos.

A evolução histórica implicou que os governos passaram a ter necessidade de agir


sem a morosidade de uma discussão parlamentar. Reconhece-se aos governos a faculdade
de legislar através de Decretos de Lei. O artº. 198 da C.R.P. confere uma ampla
competência legislativa ao Governo em matérias não reservadas à Assembleia da
Republica.
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2.3. Elementos Constitutivos do Estado: o Território, o Povo e o


Poder Político.

Os elementos constitutivos do estado são: Território, Povo e Poder Político ou


Soberania.
Elementos do estado são pressupostos ou condições da existência do estado.
Sendo uma sociedade política complexa, o estado traduz-se num conjunto de
pessoas ou Povo, que se fixam num espaço físico ou Território e que requer uma
autoridade institucionalizada ou Poder Político.
O Território é um espaço geográfico fechado, no qual se exerce o poder político
e estadual. Delimita o âmbito da jurisdição estadual, isto é, da eficácia da respectiva
ordem jurídica e da competência dos respectivos órgãos. É palco da actividade estadual.
O Território é demarcado por uma linha fechada que lhe estabelece os limites, ou
seja, a Linha de Fronteira. As fronteiras são o resultado, primeiro, nos termos do
Princípio da Efectividade, dependem do domínio efectivo que o estado mantém sobre
determinado território; em segundo lugar, do reconhecimento desse domínio pelos outros
estados, o qual se exprime em normas internacionais convencionais (convenções ou
tratados) ou normas consuetudinárias (têm por fonte o costume), que fixam juridicamente
as fronteiras. Fala-se de fronteiras naturais quando estas resultam de uma marca natural
de demarcação através de um acidente geográfico, tal como, um rio ou uma montanha.
O Território do estado é um volume, um espaço a três dimensões, na medida em
que abrange a terra firme, o solo e as águas territoriais, mas também o respectivo subsolo
e a altura do espaço aéreo correspondente.
Os limites, inferior e superior do Território do estado dependem, segundo o
Princípio da Efectividade, da capacidade e dos meios técnicos disponíveis por cada
estado.
Nos estados banhados pelo mar, a fronteira não coincide com a linha da costa. O
Território desses estados abrange:

Mar territorial:

Faixa de água marítima que vai desde a costa até ma distância de 12


milhas.

Plataforma Continental:

Leito do mar e subsolo das regiões submarinas, até onde a profundidade


das águas permita atingir com os meios técnicos disponíveis para a exploração
dos recursos naturais.

Zona Económica Exclusiva:


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Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre a lei do mar, a Z.E.E. é


limitada por uma linha imaginária situada a duzentas milhas da costa, que separa
as águas nacionais das internacionais. Na Z.E.E. o estado tem o direito a explorar
os recursos marítimos, à investigação científica e a controlar a pesca por barcos
estrangeiros, com as restrições impostas pela União Europeia.

O Território de 1 estado tem uma enorme importância sociológica e política, pois


é um factor decisivo para a integração de uma comunidade, enquanto objecto de defesa,
de povoamento e de aproveitamento, é a base de uma experiência comum de vida e de
um destino político colectivo.

O Povo pode ser visto em dois sentidos:

Sentido Amplo:

Considera-se povo, o conjunto de pessoas que se encontram sob uma


autoridade estadual. É constituído por todos os residentes no território do estado,
o que equivale à sua população independentemente da nacionalidade.

Sentido Restrito:

Num sentido mais preciso, povo é o conjunto dos nacionais, ou seja, das
pessoas ligadas ao estado por um vínculo de nacionalidade.

Nacionalidade é um vínculo de carácter jurídico, é a lei que define quais são os


nacionais do estado. Cada estado dispõe de uma lei da nacionalidade. As legislações
orientam-se, a este respeito, por um dos Critérios de Atribuição da Nacionalidade:

Ius Soli: são considerados nacionais, aqueles que nascem no território.

Ius Sanguini: são considerados nacionais os filhos de nacionais.

A lei da Nacionalidade portuguesa adopta como base principal, o critério de Ius


Sanguinis, mas consagra também o critério Ius Soli como critério subsidiário.
A Aquisição da Nacionalidade pode ser:

Originária: adquire-se à nascença.

Derivada: adquire-se através do casamento, adopção ou naturalização.

No nosso país admite-se a plurinacionalidade, ou seja, ter nacionalmente várias


nacionalidades, embora face à lei portuguesa, apenas seja relevante a nacionalidade
portuguesa.
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Nem o Governo, nem ninguém, pode retirar a nacionalidade a um português, seja


pelo motivo que for. Só o próprio pode abdicar da nacionalidade portuguesa, desde que
tenha outra nacionalidade e declare expressamente que não quer ser português.
Do Povo, como elemento humano do estado que é um conceito jurídico, importa
distinguir Nação.
O conceito de Nação é de ordem cultural ou sociológico. Designa um conjunto de
pessoas ligadas pelo sentimento de pertencerem à mesma comunidade, por razões étnicas
se têm uma precedência em comum, por razões culturais quando têm uma língua, religião
ou costumes comuns ou ainda por razões políticas, quando têm um destino político
comum.
O Povo estadual não coincide necessariamente com a Nação. Há estados que com
mais do que uma nação, como por exemplo Espanha. Também existem estados repartidos
por várias nações, como por exemplo a Alemanha antes da unificação.
A realidade cultural, que é a Nação, acha-se ligada à realidade política que é o
estado, constituindo um factor decisivo para a formação e desenvolvimento do estado.
Esta ligação faz-se através do Princípio da Nacionalidade ou da ideia Estado – Nação,
segundo o qual, cada Nação tem o direito de constituir um estado e a cada estado deve
constituir uma nação.

É ao Poder Político unificado e homogéneo característico da forma política –


estado, que se dá o nome de Soberania, o que quer dizer que o Poder Político do estado
é sobranceiro.
A Teoria do Poder Soberano de Bodin (político, filosofo francês do séc. XVI –
época do estado absoluto), tem por ideia fundamental que, se trata de um poder absoluto
num duplo sentido, na medida em que, é o poder supremo no plano interno e,
externamente, é um poder independente. O poder supremo é autocrático, ilimitado, não
estando limitado pela lei. No plano externo é independente na medida em que acima dele
não há nenhum poder positivo superior que o limite.
A teoria de Bodin implicou a separação definitiva do mundo político medieval,
fragmentado. Esta teoria não se ajusta à situação actual. Actualmente a Soberania revela-
se em duas notas fundamentais:

- o estado dispõe da faculdade de definir as suas competências. A esta


faculdade chama-se “competência das competências”, que se revela no direito do
estado de elaborar a sua própria constituição. O poder constituinte representa uma
expressão de soberania do estado.

- a unidade de poder significa a inexistência de poderes não estaduais,


dentro do território do estado, dotados de uma autoridade originária. O poder
estadual afirma-se como autoridade suprema dentro do seu território e revela-se
numa ordem homogénea de direitos e de competências.
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2.4. Fins e Funções do Estado

O primeiro Fim do Estado é a Segurança, que visa a defesa contra o inimigo


externo, a garantia da ordem pública interna e a protecção contra as calamidades naturais.
O segundo Fim do Estado é a Justiça. A sociedade política existe para substituir,
nas relações entre os homens, a violência individual por um conjunto de regras ditadas
pela razão e orientadas pela ideia de justiça.
O terceiro Fim do Estado é o Bem – Estar, não apenas o material, mas também
espiritual e cultural. Os governantes visam a melhoria das condições de vida dos
governados.
Os três tipos de fins do estado são Cumulativos, ou seja, implicam uma
realização simultânea e são a razão de ser do estado.
Para a realização dos fins do estado é necessária uma actividade contínua que
materializa esses fins. Ao conjunto das actividades desenvolvidas pelo estado para
realizar as finalidades a que se propõe, dá-se o nome de Funções do Estado que são as
seguintes:

Função Legislativa:

Através desta função o estado cumpre os objectivos da segurança e da


justiça, criando uma ordem jurídica que rege os comportamentos das entidades
privadas, do estado e dos outros entes públicos menores. É a função jurídica por
excelência porque cria normas \ regras que constituem o ordenamento jurídico da
comunidade.
Esta função é desempenhada pela Assembleia da República e pelo
Governo.

Função Política:

Corresponde à actividade dos órgãos de soberania relativa à definição das


grandes linhas de orientação e de opção quanto aos interesses fundamentais da
colectividade.
É exercida pelo Presidente da República (por exemplo quando dissolve o
parlamento), pela Assembleia da República (por exemplo quando aprova uma
moção de censura ou um voto de confiança ao governo) e pelo Governo (por
exemplo quando elabora o orçamento, pois este implica opções políticas e através
da Referenda, que é um acto do governo sobre a promulgação do Presidente da
República, acto este essencial para que a Lei \ Decreto de Lei entre em vigor).

Função Administrativa:

Desempenhada por órgãos administrativos, que são a Administração


Central (governo), Administração Regional (Governos Regionais) e
Administração Local (Autarquias e Freguesias).
Corresponde à actividade respeitante à execução das leis e à satisfação das
necessidades colectivas de segurança, justiça social e bem - estar das populações.
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É diversa pois pode-se traduzir numa Actividade Jurídica Abstracta


quando visa produzir efeitos jurídicos, criando, modificando ou extinguindo
relações jurídicas que regulem uma generalidade de pessoas e situações, numa
Actividade Jurídica Concreta quando visa produzir efeitos jurídicos, criando,
modificando ou extinguindo relações jurídicas que regulem um caso concreto (por
exemplo uma expropriação), ou ainda numa Actividade Técnica quando a
Administração desempenha uma actividade técnica constituída por operações
materiais da administração que dão resposta prática às necessidades da população,
como por exemplo, o abastecimento de água, a construção de estradas, etc.

Função Jurisdicional:

Visa a resolução de questões concretas de direito, que respeitem à


compatibilidade de um acto com a ordem jurídica ou que se traduzem num
conflito de interesses.
É uma função que cabe a órgãos independentes – os tribunais. Os juízes
gozam de um estatuto especial, presente na Constituição (artigos 215º a 220º) e
dependem de órgãos próprios. Os magistrados judiciais dependem do Concelho
Superior de Magistratura e o Ministério público depende da Procuradoría Geral da
República.

2.5. Relações entre Estado e Direito

O direito é anterior ao estado, existindo desde sempre nas sociedades humanas. O


estado cria o direito. A actividade do estado está subordinada ao direito. Existe direito
que não é criado pelo estado, como por exemplo, o direito consuetudinário e o
internacional. O estado garante a sua execução através dos tribunais. Existe direito cuja
tutela não é assegurada pelo estado, designadamente o Direito Internacional, que é
aplicado por tribunais internacionais e também o Direito Canónico aplicado pelos
tribunais eclesiásticos.

3. O FENÓMONO DO POLÍTICO

3.1. Acepções do conceito

O Fenómeno Político é uma actividade da vida social que se entende por:

Em Sentido Amplo:

O exercício do poder numa sociedade.


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Em Sentido Restrito:

O exercício do poder na sociedade global.

As Acepções do Conceito de Política são:

Ciência:

Uma disciplina que se ocupa dos fenómenos de poder

Arte:

Arte de governar um estado.


Pretende-se sublinhar que no seu exercício concreto implica uma certa
habilidade adquirida pela experiência e pelo conhecimento de certas regras
concretas.

Prática:

Designa uma actividade ou uma área da vida social ou ainda um programa


de acção. No primeiro sentido delimita-se um mundo da política face a outros
mundos ou áreas, como por exemplo, a cultural ou a económica. Num segundo
sentido fala-se, por exemplo, na política se saúde de um governo para designar a
orientação por este adoptada na gestão dessa matéria.
A política \ actividade tem em vista a implementação e execução de
políticas programa, portanto estão interligadas.

A Política que mais nos interessa e a que tem mais importância é a área da
actividade (área da vida social).
A Politica enquanto actividade em Sentido Amplo é o que respeita ao exercício
do poder numa Sociedade.
Não há política sem Sociedade que é um grupo humano organizado e estruturado,
cujos membros se reconhecem mutuamente como tal, ou seja, pertencentes ao grupo. Por
exemplo, enquanto a família e a igreja constituem uma sociedade, os espectadores num
estádio de futebol não o são.
Por ser um grupo organizado e existir uma ordem, a sociedade pressupõe uma
autoridade ou Poder. O Poder implica uma instância que seja capaz de impor uma
direcção e de tomar decisões, que faz obedecer. O Poder é a Autoridade (elemento
activo) e a Obediência (elemento passivo) e manifesta-se na possibilidade do domínio de
uns homens sobre outros, o que leva à distinção entre governantes e governados.
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O Poder na sociedade não se reduz à mera força, que é o elemento externo do


poder. Deve ter uma dimensão ideal, isto é, visa realizar os fins do grupo social onde se
afirma, tornando-se algo de funcionalizado, com uma finalidade social.
A Política enquanto actividade em Sentido Restrito divide-se em:

Sociedades Primárias:

São os grupos humanos que têm fins próprios, específicos e


particularizados, como por exemplo, a família, as associações, os sindicatos, as
associações patronais, etc.

Sociedade Global:

Tem um fim superior, engloba e supera os fins dos grupos primários.


Surge porque os fins das sociedades primárias são diversos e contraditórios. É
necessário estabelecer um equilíbrio entre eles, para evitar conflitos e integrá-los
num objectivo comum. Surge quando, face aos poderes dos grupos primários se
afirma um poder superior que os domina integrando-os num conjunto mais amplo.
O poder tem por função subordinar os interesses particulares ao interesse geral.

O Poder na Sociedade Global é muito mais complexo nos modos de exercício


que requer, do que os poderes que existem nos grupos primários. Por outro lado é a
condição de existência da sociedade global. Num Sentido Restrito um poder é político
quando se relaciona com sociedade global, sobre a qual tem autoridade, podendo
governá-la tendo em vista uma vida comum e o interesse geral. Este poder afirma-se em
duas direcções:

Direcção Externa:

A sociedade afirma-se como independente perante outras sociedades


globais.

Direcção Interna:

O poder assegura a coesão de vários elementos integradores da sociedade


global, obtendo-se esta coesão interna pela imposição de algo de comum que se
exprime numa ordem ou num direito positivo comum. Os membros da sociedade
devem aderir a um projecto colectivo que seja a expressão comum dos valores
comuns aceites na sociedade.

Chama-se Política em sentido restrito à área da vida social relativa ao exercício


do poder numa sociedade global, em ordem à realização do bem comum.
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3.2. O estudo dos factos políticos – a Ciência Política

Facto Político é todo o acontecimento ligado à instituição, à existência e


exercício do poder político.
Ciência Política é a sistematização de todos os ensinamentos resultantes de várias
disciplinas que conhecem os factos políticos. Estuda a realidade política tal como ela é,
sendo apenas descritiva e não normativa ou valorativa.

3.3. Distinção entre a Ciência Política e o Direito


Constitucional

O estudo da Ciência Política é indispensável ao estudo do Direito Constitucional,


sendo este formado por normas jurídicas reguladoras de factos políticos. Portanto, sem
conhecer estes não é fácil entender as normas que os regulam. As análises da Análise
Política ajudam a compreender a realidade política, cuja ordenação é estabelecida pela
constituição do estado. No entanto o contributo da ciência política tem limites. A
constituição é, ela mesma, um limite porque é composta por normas que são politica e
juridicamente prescritivas e valorativas.
A Ciência Política é complementar do Direito Constitucional porque ajuda a
compreender as normas vigentes através dos factos que as explicam, dos interesses que
visam compor e dos valores que consagram.

PARTE II – TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

1. Uma noção de Constituição

A Constituição é o estatuto jurídico fundamental da comunidade política e


abrange:

- Princípios básicos da constituição da unidade política e da ordenção


jurídica da comunidade.

- Normas concretas relativas à organização do aparelho estadual e ao


processo das respectivas decisões. A constituição legitima os poderes e define
ainda as linhas gerias do projecto colectivo.

2. Formas Constitucionais

2.1. Constituição escrita e não escrita


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O movimento constitucional do séc. XVIII defendeu que a constituição devia


constar de um texto escrito, com carácter de superioridade relativamente às normas
ordinárias, e que os cidadãos pudessem impor e opor ao estado. Hoje praticamente todas
as constituições são compostas de leis e por isso a ideia comum de constituição está
associada a um texto escrito. No entanto esta associação não é essencial. Podemos
encontrar constituições não escritas. Os quadros fundamentais da vida política de um país
podem não estar sistematizados num documento escrito. Alguns países, por tradição, ou
por força do costume, mantêm grande parte do ordenamento constitucional não escrito,
como por exemplo a Inglaterra.
Nas constituições de todos os países poderá haver uma parcela que não está
reduzida a escrito. Referimo-nos ao costume e a todo um conjunto de princípios que
formam a cultura constitucional que poderão não estar expressos na lei constitucional,
sendo que, quando se classifica um constituição com escrita não se está a afirmar a
irrelevância do direito constitucional não escrito.

2.2. Constituição Rígida e Constituição Flexível

A Rigidez de uma constituição depende da maior ou menor mutabilidade das


normas constitucionais e pressupõe a separação formal entre as normas constitucionais a
as ordinárias. A rigidez constitucional está ligada à forma escrita da constituição porque
só é possível distinguir formalmente o direito constitucional do ordinário por referência a
um texto constitucional. A rigidez implica a codificação do direito constitucional.
As constituições consuetudinárias são necessariamente Flexíveis. Na constituição
flexível não há uma separação formal entre o direito constitucional e o ordinário porque
aquele não se encontra sistematizado num texto escrito, podendo ser alterados da mesma
forma. Não há um processo agravado de alteração às normas constitucionais.
A Rigidez é uma qualidade graduável. Há constituições mais rígidas que outras,
consoante a solenidade especifica das normas constitucionais. É algo que varia em função
das condições formais de revisão. Esta é uma rigidez formal.
A Rigidez pode ser:

Formal:

Varia em função das condições formais de revisão.

Material:

Ligada à maior ou menor permanência dos conteúdos normativos


constitucionais, ou seja, se se pode ou não alterar muito a constituição.

Estes dois conceitos podem não coincidir. Por exemplo: a rigidez formal de uma
constituição com condições formais rigorosas de revisão pode não impedir que o seu
conteúdo seja profundamente alterado, sendo neste caso formalmente rígida mas
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materialmente não rígida. Uma constituição flexível como a inglesa pode permanecer
muito tempo sem alterações significativas de conteúdo e portanto é materialmente rígida
(artigo 288º C.R.P.).

2.3. Constituição formal e Constituição material

Constituição Material é o estatuto jurídico fundamental de uma comunidade


política independente da sua positivação, isto é, de estar inserido num texto
constitucional. É o conjunto de normas e princípios jurídicos que do ponto de vista
material, ou seja, do seu conteúdo, são constitucionais, podendo ou não estar consagrados
no texto constitucional.
Constituição Formal designa um conjunto de disposições a que é atribuída uma
superioridade formal em relação às normas ordinárias, estando no topo da pirâmide
normativa, ou seja, são hierarquicamente superiores. É o conjunto de normas ou
princípios inseridos num documento jurídico, no texto constitucional, independentemente
do seu conteúdo, isto é, de regularem, ou não, aspectos essenciais do estado.

2.4. O Sistema constitucional britânico

O regime que vigora na Inglaterra é o parlamentar, ou seja, o parlamento é o


centro do regime.
Diz-se que a Constituição é não escrita. Convém precisar esta afirmação. Em
primeiro lugar uma grande parte das regras sobre a organização do poder político é
consuetudinária. Em segundo lugar a unidade fundamental da Constituição não repousa
em nenhum texto ou documento mas em princípios não escritos assentes na organização
social e política dos britânicos. Em terceiro lugar e para além das regras consuetudinárias
existem ainda importantes usos relativos ao funcionamento do parlamento, às relações
entre as câmaras e o governo e relativos ao exercício dos poderes do rei. No entanto
também existem leis constitucionais escritas, como por exemplo, a Magna Carta
(documento de 1215 em que o rei reconhece direitos aos súbditos); a Petição de Direitos
de 1628 (documento que vem reforçar e conservar mais direitos fundamentais); a
Declaração de Direitos de 1689 que vem reconhecer mais direitos aos cidadãos; as Leis
Eleitorais do séc. XIX tendentes ao alargamento do sufrágio. Estas são as que se
destacam mas há mais. Contudo tratam-se de leis avulsas que não se ligam
sistematicamente, não existindo uma codificação. Em segundo lugar não se qualificam
formalmente como constitucionais. São apenas materialmente constitucionais porque
regulam matérias constitucionais. Em terceiro lugar não possuem uma força jurídica
específica como nos países com uma constituição formal, ou seja, não gozam de
superioridade formal nem rigidez.
É assim, por razões políticas, dado o processo de formação do sistema político
britânico, que ocorreu sem quebras ou rupturas. Em segundo lugar explica-se por razões
jurídicas derivado do sistema de fontes no direito anglo – saxónico em que prevalece o
costume.
17

A Constituição Britânica é predominantemente consuetudinária pois tem como


fonte principal o costume. É uma constituição flexível não existindo uma separação
formal entre o Direito Constitucional e o Ordinário, cuja modificação pode ser feita a
todo o tempo pelo parlamento sem necessidade de um processo diferenciado do normal
exercício da função legislativa. Nó entanto é uma constituição materialmente rígida
porque o seu conteúdo permanece sem alterações.

3. TIPOLOGIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

3.1 – Normas Jurídico – Organizatórias e Normas Jurídico –


Materiais

As Normas Jurídico – Organizatórias expressam a organização do estado e


dividem-se em:

Normas de Competência:

Explicitam as competências dos órgãos de soberania em obediência ao


princípio da separação dos poderes.

Normas Organizatórias:

Definem o estatuto dos órgãos de soberania e regulam a criação de órgãos


estaduais.

Normas de Processo:

Estabelecem, por exemplo, o procedimento para a criação das leis.

As Normas Jurídico – Materiais definem um sentido para a acção do estado que


se traduz na prossecução de fins e na defesa de valores e dividem-se em:

Normas de Direitos Fundamentais:

Consagram direitos fundamentais que podem ser de dois tipos: Direitos,


Liberdades e Garantias e Direitos Sociais.

Normas de Garantias Institucionais:


18

Normas que garantem instituições.

Normas determinadoras de Fins e Tarefas do Estado:

Tal como o nome indica são normas que designam os fins e as tarefas do
estado.

3.2 – Normas Perceptivas e Normas Programáticas

As Normas Perceptivas são normas completas cujo conteúdo é determinável a


partir do texto constitucional. Não necessitam de leis ordinárias para serem exequíveis.
São normas directamente aplicáveis pelo que podem ser invocadas pelos particulares em
tribunal. São exemplos destas normas, aquelas que regulam os Direitos, Liberdades e
Garantias.
As Normas Programáticas são aquelas cujo conteúdo não é determinável através
do texto constitucional. Para serem executáveis necessitam de intervenção do legislador
ordinário. São normas impositivas de legislação. Não são directamente aplicáveis, pelo
que não podem ser invocadas pelos particulares em tribunal, como por exemplo, as
normas de carácter social. Dividem-se em:

Em Sentido Amplo:

Consagram programas muito amplos, muito abertos, não fazendo nenhuma


exigência em concreto. Ex: artº 9º C.R.P.

Em Sentido Restrito:

A imposição legislativa é definida em termos mais precisos, como tal,


pode dar lugar a uma inconstitucionalidade por omissão quando haja omissão de
medidas legislativas para a tornarem execuível. Estas ainda se podem dividir em
Imposições Legiferantes quando o legislador deve ir legislando ao longo do
tempo, ou seja, impõe uma acção legislativa estadual permanente, uma actividade
que se prolonga no tempo (ex: artº 64º e 65º C.R.P.) ou em Ordens de Legislar
que são normas que impõem que o legislador legisle sobre determinada matéria
muito concreta, sendo esta uma imposição pontual e instantânea (ex: artº 68º nº4 e
69º nº3 C.R.P.).

PARTE III – O CONSTITUCIONALISMO


19

1. Perspectiva histórica geral – Referência ao movimento


constitucional do séc. XVIII

A ideia de organização constitucional do estado surgiu no séc. XVIII, com um


movimento constitucional impulsionado pela Revolução Liberal Francesa de 1789.
Entre nós o constitucionalismo também surgiu por via revolucionária com a
Revolução Liberal de 1820 em que se dá a passagem do estado absoluto para o estado
liberal e constitucional.
As várias Constituições portuguesas são datadas de: 1822 (constituição liberal),
1826 (carta constitucional), 1838 (revolução setembrista), 1911 (implantação da
república), 1933 (constituição militarista) e 1976 (constituição actual).
As constituições dividem-se em três períodos:

Época Liberal:

Engloba as quatro primeiras constituições.


Situa-se entre 1820 e 1926 com a restauração da ditadura militar. Neste
período, que foi o mais longo, sucederam-se quatro constituições e passou-se da
monarquia à república em 1910.
Foi um período de prevalência das leis liberais.

Regime Autoritário:

Engloba a constituição de 1933.


Situa-se entre 1926 e 1974 e é uma época em que se assiste ao quase
desaparecimento do estado constitucional e de direito e à pretensão de se criar um
estado novo com um constitucionalismo autoritário.

Regime Democrático:

Engloba a constituição de 1976.


Com a Revolução de 25 de Abril de 1974 instaura-se um regime
democrático, pluralista e com tendências socializantes, tendo esta constituição
sido alvo de várias revisões, designadamente em: 1982, 1989, 1992
(extraordinária), 1997, 2001 (extraordinária), 2004 e 2005 (extraordinária).

2. Perspectiva histórica nacional – As constituições


portuguesas e a titularidade do poder constituinte
20

O Poder Constituinte ou de elaborar uma constituição pode ser:

Originário:

Poder de elaborar uma constituição escrita.

Derivado:

Poder de revisão constitucional.

Modos de exercício do poder constituinte:

Poder Constituinte Monárquico ou Autocrático:

Quando o poder reside nas mãos de uma só pessoa, podendo esta ser
monárquica ou não.
É um exemplo de poder constituinte monárquico a constituição de 1826.
É um exemplo de poder constituinte autocrático a constituição de 1933.

Poder constituinte democrático – Teoria da soberania nacional - Sieyès

Sieyès era um revolucionário de 1789 considerado o primeiro grande


teórico do poder constituinte. Ele defende que o poder constituinte reside na
nação, entidade abstracta distinta do conjunto de cidadãos. A constituição deve
ser elaborada pela nação, através de representantes eleitos em Assembleia
Constituinte (assembleia eleita com aquele fim especifico). Defende um poder
representativo ou indirecto.

Poder constituinte democrático – Teoria da soberania popular – Rousseau

Rousseau defende que a soberania reside no povo, cabendo a cada


individuo uma parcela de soberania, não sendo possível representa-la. A
constituição só obtém validade jurídica através da aceitação directa do povo, o
que implica uma consulta popular. É defensor da democracia directa.
São exemplos da Poder Constituinte Democrático as constituições de 1822
e 1911.

Poder Constituinte pactuado ou dual


21

Quando resulta de um pacto ou acordo entre diferentes órgãos ou


entidades.
São, disto exemplos, as constituições de 1838 e 1976.

A Constituição de 1822 surgiu na sequência da revolução liberal de 1820. Os


Princípios Fundamentais desta constituição são:

Princípio Democrático:

A soberania reside na nação e a actividade do rei deriva da nação.

Princípio Representataivo:

A soberania só pode ser exercida pelos representantes da nação eleitos e


juntos em cortes. Esta constituição foi decretada pelas cortes extraordinárias e
constituintes e sem a dependência se sanção do rei, manifestando um poder
constituinte democrático.

Princípio da Separação dos Poderes

Esta constituição consagra a separação de poderes já estudada.

Quanto aos poderes do estado esta constituição admitiu os três poderes. O


legislativo que residia nas cortes; o executivo que pertencia ao rei e aos secretários de
estado; o judicial foi conferido aos tribunais. O poder legislativo residia nas cortes mas
dependia da sanção do rei. As cortes eram constituídas por uma única câmara ou
assembleia eleita, estando excluídos do direito de voto as mulheres, os menores de 25
anos, os analfabetos, os criados de servir, os vadios, os desempregados, etc.
A sanção do rei traduzia-se num direito de veto meramente suspensivo, podendo
ser superado por nova deliberação das cortes.
Importa referir que esta constituição criou o Concelho de Estado, um órgão
consultivo composto por cidadãos nomeados pelo rei, que este devia ouvir nos assuntos
graves da nação.
Foi assinada em Setembro de 1822 apenas vigora até Junho de 1823. A sua
vigência terminou com a Vilafrancada, um momento contra – revolucionário defendido
por D. Miguel que restaurou o regime absolutista.

Com a Carta Constitucional de 1826 verificou-se uma evolução conservadora


do constitucionalismo com o reforço do poder do rei. A constituição é elaborada por
órgãos com poderes constituintes representando a soberania da nação. A constituição
impõe-se a todo o povo e ao rei que a deve jurar independentemente da sua vontade. Os
cartistas defendem a ideia de uma Carta Constitucional pois o termo constituição é
22

revolucionário. A Carta Constitucional é um documento elaborado pelo rei de acordo


com a sua vontade e por ele livremente doado à nação. A Carta é um compromisso entre
o regime liberal e o absolutismo.
Quanto aos Antecedentes da Carta, com a morte do rei D. João IV levanta-se o
problema da sucessão, sendo dois os sucessores possíveis. D. Pedro é o primogénito mas
era imperador do Brasil e por outro lado D. Miguel. Tendo sido D. Pedro aclamado rei de
Portugal, perante a inconveniência da união pessoal dos dois reinos, abdica do seu direito
ao trono português em favor da sua filha, ainda criança, D. Maria, desde que ela casasse
com os seu tio D. Miguel, devendo este governar Portugal de acordo com a carta
constitucional elaborada por D. Pedro.
Quanto aos Poderes do Estado a grande novidade da carta é reconhecer quatro
poderes. O poder legislativo que compete às cortes com a sanção do rei. As cortes eram
compostas por duas câmaras, designadamente, a Câmara dos Deputados que era eleita e
temporária e a Câmara dos Pares composta de membros vitalícios e hereditários. As leis
votadas pelas câmaras eram submetidas à sanção real, que se traduzia num direito de veto
absoluto, ou seja, não superável. O poder executivo era detido pelo rei e exercido pelos
ministros de estado. O poder judicial encontrava-se entregue aos tribunais. O poder
moderador era um poder neutro atribuído ao rei que podia resolver os problemas
institucionais, devendo zelar pela harmonia dos restantes poderes.
Entretanto o agravamento da crise económica e social culminou com a revolução
de Setembro de 1836. Os Setembristas revolucionários puseram em vigor a Constituição
de 1822. Foi, no entanto, impossível aplicar esta constituição pois a realidade era
diferente, tornando-se indispensável a existência de uma nova constituição.

A Constituição de 1838 é pactuada pois resulta de um acordo entre a corte e o


monarca.
As cortes eleitas com poderes constituintes votaram a constituição submeteram-se
à sanção da rainha. A aceitação da constituição por parte da rainha não foi um acto
meramente formal, mas uma verdadeira decisão política.
Quanto aos poderes do estado, a novidade é o desaparecimento do poder
moderador, o que diminui o poder do rei.
Neste regime constitucional as cortes compunham-se de duas câmaras (sistema
bicamaral), a câmara dos deputados e a câmara dos senadores, sendo ambas eleitas e
tempotárias.
Assinada em Abril de 1838, terminou a sua vigência com o golpe de estado de
Costa Cabral em 1842 que repôs a Carta Constitucional que se mantém como a lei básica
da nova estrutura política até à implementação da República em 1910.

A Constituição Republicana de 1911 tem como características fundamentais


para além de um novo sistema político – a República, um regime parlamentar onde
vigora o princípio da Supremacia Parlamentar, consagra o principio da Soberania
nacional, adopta o principio representativo, acreditando nos representantes da nação a
soberania vai ser exercida pelos representantes da nação, manifesta um poder constituinte
democrático tendo sido elaborada e aprovada por uma assembleia constituinte, consagra o
principio da separação dos poderes, consagra a República, contudo ainda não consagra o
sufrágio universal, mantendo ainda mulheres, deficientes, etc., de fora.
23

Quanto aos Poderes do Estado, o poder executivo era da competência do


governo, chefiado por um presidente do Ministério e composto por um conjunto de
ministros, respondendo perante o congresso. O poder judicial era da competência dos
tribunais.
O presidente da República tinha funções marcadamente honoríficas, cabendo-lhe
representar o estado, devia promulgar obrigatoriamente as leis, não lhe sendo
reconhecido o direito veto nem de dissolver o congresso.
As características do regime Republicano e Parlamentar são o parlamentarismo
absoluto, ou seja, o congresso era o centro da vida política dominando o executivo,
apagamento da figura do Presidente da República, instabilidade governamental e o
multipartidarismo competitivo e desorganizado o que leva ao descrédito nos partidos
políticos tornando o sistema parlamentar politicamente impossível, o que leva à
instauração de uma ditadura militar em 1926.

A Constituição de 1933 é autocrática e tem as seguintes ideias fundamentais:

Ideia Corporativa do Estado:

O estado devia reconhecer os grupos intermédios entre ele e os indivíduos


como a família, as associações, as autarquias locais, a igreja, etc.
A constituição de 1933 proclama uma república corporativa e institui uma
câmara corporativa composta pelos representantes desses grupos intermédios. É
um órgão corporativo da Assembleia Nacional.
É suprimida a autonomia local, a liberdade sindical e partidária,
instituindo-se, na prática, uma ditadura centralista.

Ideia do Estado Forte:

Não eram permitidos partidos políticos nem a liberdade de expressão e de


oposição.
Este regime ao evoluir para um presidencialismo de 1º Ministro,
concentrou no executivo funções presidenciais e funções legislativas que
estruturam um regime autoritário.

Quanto ao Poder Constituinte coube a Salazar elaborar um projecto de


constituição que fez publicar em toda a imprensa diária. Posteriormente foi submetida a
plebiscito para lhe dar uma aparência de democraticidade.
Quanto aos Órgãos de Soberania a constituição de 1933 consagra o Presidente
da República, a Assembleia Nacional eleita através de uma lista única proposta pela
União Nacional e o Governo designado por Concelho.
A constituição de 1933 repudia a separação de poderes liberal, concentrando no
Presidente do Concelho a maior parte dos poderes do estado.
Os factores de deterioração do regime Autoritário que estiveram na base da
Revolução do 25 de Abril de 1974 foram o isolamento político do país, a falta de
24

democraticidade do estado novo, o atraso económico, a guerra colonial e as perseguições


políticas.

A Constituição de 1976 (pactuada) foi elaborada e decretada por uma


Assembleia Constituinte com base em duas plataformas de acordo constitucional
celebrados entre o Movimento das Forças Armadas e os principais partidos políticos que
dispunham sobre a organização do poder político e que limitaram a liberdade de decisão
da Assembleia Constituinte.

PARTE IV – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. Os direitos fundamentais como categoria jurídica –


perspectiva evolutiva

Os Direitos Fundamentais definem o estatuto jurídico básico do cidadão.


Inicialmente, no Liberalismo ou Estado Liberal proclamaram-se direitos de
liberdade, ou seja, direitos de defesa do cidadão contra o estado.
Com os processos de democratização tenta-se atingir a igualdade através dos
direitos políticos.
No Estado Social surgem os direitos sociais, ou seja, direito a prestações do
estado.
Por fim, a evolução conduz ao surgimento dos direitos de destinatário difuso, ou
seja, aqueles que se destinam a todos, como por exemplo o Artº. 66º da C.R.P. que prevê
o direito ao ambiente, a obrigação geral de não poluir.
Os Direitos Fundamentais são posições jurídicas dotadas de algumas
características:

Subjectivos:

Susceptíveis de atribuição subjectiva, individualizáveis, divisíveis, ou seja,


cada um de nós é susceptível de ser titular dos direitos fundamentais. Permite
distinguir das Garantias Institucionais que são garantias de instituições públicas
ou privadas que pelo seu carácter objecto não são susceptíveis de ser imputadas a
pessoas em concreto, são indivisíveis. Por exemplo há instituições que beneficiam
de protecção constitucional – Artº 67º e 76º nº2 da C.R.P.

Individuais:

Em rigor só os indivíduos poderiam ser titulares de direitos fundamentais


porque a dignidade humana que os fundamenta só vale para as pessoas físicas e
não para as pessoas colectivas. Importa considerar algumas limitações. Existem
25

Direitos de Exercício Colectivo, isto é, não podem ser exercidos por um


indivíduo, mas sim colectivamente como é o caso do Direito de Reunião previsto
no Artº 45º nº1 da C.R.P. Trata-se de direitos que pressupõem uma actuação
concentrada de uma pluralidade de sujeitos. São verdadeiros direitos
fundamentais na medida em que o seu titular continua a ser cada um dos
indivíduos.
Os Direitos das Pessoas Colectivas – nos termos do principio da
especialidade do fim as pessoas colectivas têm capacidade de gozo de direitos
necessários à realização do seu fim. Distinguem-se duas situações. Primeira –
direitos individuais de que também podem gozar as pessoas colectivas, como por
exemplo a liberdade de expressão, de informação, de imprensa, etc.). Estes são
direitos fundamentais atípicos aplicando-se o regime próprio dos Direitos,
Liberdade e Garantias com adaptações. Segunda situação – os direitos das pessoas
colectivas em sentido restrito, isto é, que são exclusivos das pessoas colectivas, só
podem ser gozados por pessoas colectivas, por exemplo os artºs. 40º e 56º da
C.R.P., são considerados Garantias Institucionais, dado o seu carácter objectivo.

Universais:

Os direitos fundamentais são direitos de igualdade (artº 13º C.R.P.), gerais


e não privilégios de alguns. No entanto há direitos fundamentais que estão
reservados a determinadas categorias de pessoas, visando atingir uma igualdade
material segundo a qual o que não é igual deve ser tratado de forma diferente.
Exemplo: artºs 68º a 72º C.R.P.

3. Tipos de direitos fundamentais na C.R.P.

Os Direitos Fundamentais estão presentes na Parte I da C.R.P., contudo é


possível encontrar direitos fundamentais fora da Parte I e há normas na Parte I que não
fazem parte dos direitos fundamentais. Estes dividem-se em:

Direitos, Liberdade e Garantias:

Presentes no Titulo II da Parte I

Direitos Sociais:

Presentes no Titulo III da Parte I

É necessário fazer uma distinção entre os dois tipos de direitos fundamentais na


medida em que a C.R.P. define um regime jurídico especial para os Direitos, Liberdades
e Garantias, gozando estes de uma especial protecção através de um regime jurídico
26

específico plasmado nos artºs. 18º a 22º, 165º nº1 b), 272º nº3 e 288º d). Para isso existem
dois Critérios de Distinção:

Critério da determinação do seu conteúdo:

Os D.L.G. têm o seu conteúdo essencialmente determinado ao nível das


opções constitucionais, tornando-se um conteúdo claro.
Os Direitos Sociais são aqueles cujo conteúdo teve que ser determinado
por opções do legislador ordinário, ao qual a constituição confere poderes de
determinação ou concretização.
As normas que prevêem os D.L.G. fornecem todos os elementos
necessários à sua aplicação, sendo, portanto, suficiente uma sua concretização
interpretativa.
Os Direitos Sociais para serem execuíveis necessitam de uma actuação
política. Para os concretizar são necessários recursos financeiros, por isso, tem de
haver escolhas e ser feita uma opção política através dos orçamentos de estado
anuais.
Certos direitos como por exemplo o direito à habitação e à saúde, dada a
sua complexidade, não podem ser determinados no texto constitucional.
Dependem dos recursos materiais existentes que são escassos, correspondendo a
fins políticos de realização gradual. A sua realização implica opções por parte de
órgãos com capacidade técnica e legitimidade democrática para se
responsabilizarem por essas opções que são feitas essencialmente ao nível do
orçamento de estado.

Critério da força jurídica das normas que os prevêem:

As normas que prevêem os D.L.G. são normas perceptivas, conferem o


direito de exigir de outrem um comportamento positivo ou negativo. São normas
directamente aplicáveis podendo ser invocadas em tribunal, pelos particulares,
quando se verifiquem relações concretas.
As normas que prevêem os Direitos Sociais são normas programáticas,
isto é, normas impositivas de legislação. Não são directamente aplicáveis, não
podendo ser invocadas pelos particulares em tribunal.

3. Os limites dos Direitos, Liberdades e Garantias


Podem assumir três formas diferentes: Limites Imanentes, Conflitos de Direitos
e Leis Restritivas.

3.1. Os limites Imanentes


27

Os Direitos, Liberdades e Garantias têm os seus limites imanentes, ou seja, as


suas fronteiras definidas pela própria Constituição, porque a protecção constitucional não
abrange todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis para cada um dos
direitos. Por exemplo: os pais poderão invocar o direito de educar os filhos (artº 36º nº5
C.R.P.) para os agredir violentamente? Não, cai fora do âmbito da protecção
constitucional. Poder-se-á invocar a liberdade de associação para criar uma associação de
traficantes de droga? Não, pois é um fim contrário à lei penal – um limite imanente.

A educação violenta não está abrangida na esfera normativa do artº 36º nº5 da
C.R.P., que não tutela esta forma de exercício do direito.
Os Limites Imanentes podem ser:

Expressos:

Quando está expressamente formulado no texto constitucional, como por


exemplo, os artºs 45º nº1, 46º nº1 e 35º nº3 da C.R.P., ou ainda quando resultam
da consagração de deveres fundamentais inequivocamente dirigidos a certos
direitos, como por exemplo, o dever de pagar impostos como limite ao direito de
propriedade.

Implícitos:

Há limites que só são determináveis por interpretação, por estarem apenas


implícitos no ordenamento constitucional, como por exemplo, o artº. 36º nº 5 da
C.R.P. O que se pergunta em cada caso é se a esfera normativa do preceito em
causa inclui ou não uma certa forma de exercício do direito, isto é, até onde vai o
domínio da protecção da norma. Se no caso concreto se põe em causa o conteúdo
essencial de outro direito ou se atinge a moral social ou valores fundamentais da
constituição, o intérprete deve concluir que a protecção constitucional não
abrange esse modo de exercício do direito.
28

3.2. Os Conflitos de Direitos

Sempre que a constituição protege simultaneamente dois ou mais direitos que não
estão em contradição num caso concreto. Neste caso a esfera de protecção de um direito é
constitucionalmente protegida mas intercepta a esfera de protecção de outro direito.

Neste exemplo a liberdade de expressão e de informação colidem com o direito ao


bom nome e à reputação.
Como se resolve esta contradição no caso concreto, quando ambos os direitos são
efectivamente protegidos como fundamentais? O conflito de direitos pode ser resolvido
com recurso à ideia de uma hierarquia dos valores constitucionais, fazendo-se prevalecer
totalmente um direito sobre o outro? O conflito é resolvido nos termos do Princípio da
Concordância Prática que impõe a ponderação de todos os direitos ou valores aplicáveis
de modo a tentar encontrar a sua harmonização óptima. Executa-se através de um
Critério de Proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito, segundo o qual, o
sacrifício de cada um dos direitos deve ser necessário e adequado à salvaguarda do outro
direito. Por outro lado, a escolha dos diversos modos de resolver o conflito deve fazer-se
comprimindo o menos possível cada um dos direitos. Isto depende de um juízo de
ponderação que se integra na competência interpretativa do juiz que decide perante cada
caso concreto.

3.3. Leis Restritivas

Os Direitos, Liberdade e Garantias podem ter limites que resultam da intervenção


normativa dos poderes públicos. No entanto a intervenção legislativa nem sempre implica
uma restrição dos direitos.
Leis Restritivas são diferentes de Leis Concretizadoras que são leis que se
limitam a explicar os conceitos, interpretando-os e repetindo mais claramente o seu
conteúdo.
29

Leis Restritivas são também diferentes de Leis Regulamentadoras que são as


leis que introduzem os direitos na vida prática, disciplinando a boa execução das normas
constitucionais, como por exemplo, o direito ao sufrágio (artº 49º da C.R.P.) necessita de
uma lei eleitoral.
As Leis Restritivas são aquelas que atingem ou afectam o conteúdo de um direito
fundamental. A constituição estabelece Requisitos para a sua constitucionalidade,
previstos nos Artºs 18º nº 2 e 3 e 165º nº1 b) da C.R.P., e são:

Necessidade de autorização constitucional expressa:

Em princípio, a restrição só é legítima nos casos previstos na constituição,


no entanto, em poucas normas se consagra esta possibilidade (exemplo artº 47º
nº1 C.R.P.). Na falta de autorização expressa o artº 16º nº 2 da C.R.P. remete para
o artº 29º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que permite restrições
por exigências da moral, da ordem pública e do bem estar geral de uma sociedade
democrática.

Fundamento noutro direito ou valor constitucional:

A Constituição adoptou o princípio da excepcionalidade da restrição que


só deverá ser admitida para salvaguardar um outro direito ou valor constitucional.

Salvaguarda do conteúdo essencial do direito:

A restrição deve deixar intacto o conteúdo essencial do direito. De um


lado estão as Teorias Absolutas para as quais o conteúdo essencial existe num
núcleo fundamental determinável em abstracto e intocável. Trata-se de uma
proibição absoluta constituída por aquilo que em cada direito corresponde à
dignidade da pessoa humana.
Quanto às Teorias Relativas o conteúdo essencial só pode ser
determinado em concreto e é variável. Reconduzem-no aos princípios da
necessidade e da proporcionalidade. Proíbem a restrição que se mostra
desnecessária ou desproporcionada.
Em Portugal adoptam-se as duas.
Na prática as duas teorias são congregadas. A restrição deve deixar
intocado o limite absoluto do direito, constituído pela dignidade humana e deve
ainda ter em conta os limites relativos, ou seja, só é legitima se e na medida em
que for necessária.

Carácter geral e abstracto:

A lei tem que ser geral e abstracta.


30

Não retroactividade:

Não pode ser retroactiva, não produz efeitos para o passado, só valendo
para o futuro.

Reserva Relativa da Assembleia da República:

Só pode constar de Lei da Assembleia da República ou de Decreto de Lei


autorizado.

Todos estes requisitos são Cumulativos, ou seja, para que a lei seja constitucional
têm que se verificar todos.

PARTE V – A ORGANIZAÇÃO DO PODER


POLÍTICO

1. O Princípio da Separação dos Poderes

Foi na Grécia que surgiram as teorias políticas filosoficamente fundamentadas,


destacando-se Aristóteles que analisou os três poderes de qualquer estado: o
Deliberativo, o Executivo e o Judicial, defendendo a sua separação.
A ideia da Separação dos Poderes ressurge com Montesquieau como reacção ao
absolutismo do estado - polícia. O princípio contém a ideia de que as diversas funções
públicas devem ser distribuídas por diferentes órgãos separados e autónomos entre si, de
modo que o poder soberano não esteja concentrado em nenhuma pessoa ou entidade. Foi
com uma dimensão organizatória tripartida que o princípio prevaleceu no século XIX,
defendendo-se que as funções legislativa, executiva e judicial constituem actividades
distintas que deviam ser exercidas por três órgãos separados: a assembleias, o governo e
os tribunais, respectivamente. Defendia-se uma Separação:

Funcional:

Separação ao nível das funções.

Institucional:
31

Separação ao nível dos órgãos.

Pessoal:

Separação ao nível dos titulares dos órgãos, defendendo-se as


incompatibilidades.

Com o estado social este princípio, enquanto princípio de organização de poder,


sofreu uma evolução profunda em 3 sentidos:

- Assistiu-se a uma maior diversificação das funções estaduais, surgindo


uma quarta função, a Função Política, como actividade directiva suprema do
estado.

- Verificou-se uma complexificação das relações funcionais entre os


diversos órgãos. Por exemplo, a mesma função passou a poder ser exercida por
diferentes órgãos, como é o caso da função legislativa que cabe à Assembleia e
também ao Governo. Outro exemplo resido no facto de um órgão desempenhar
duas funções, como é o caso do Governo que desempenha a função Legislativa e
Executiva ao mesmo tempo.

- A separação dos poderes além de se afirmar num plano horizontal, isto é,


ao nível do poder central, adquiriu uma dimensão vertical. Entende-se que os
poderes públicos não devem estar totalmente concentrados nos órgãos centrais ou
supremos do estado. Pretende-se delimitar competências segundo critérios
territoriais, afirmando-se para além do poder central, um poder regional e um
poder local.

Na Constituição da República Portuguesa a Separação Horizontal de Poderes


encontra-se nos artigos 110º e 111º. A Separação Vertical de Poderes encontra-se, ao
nível das Regiões Autónomas nos artigos 225º e seguintes, enquanto que ao nível do
Poder Local se encontra nos artigos 235º e seguintes.

2. O sistema de governo português – sistema semi -


presidencialista
2.1. Caracterização dos Órgãos de Soberania
32

Cabe aos Órgãos de Soberania o exercício do poder superior do estado, quer na


dimensão externa, quer interna. São órgãos cujo estatuto e competências são
disciplinados pela própria constituição e não estão subordinados a quaisquer outros.

O Presidente da Republica (artigos 120º a 140º da CRP) é um órgão individual


de soberania que representa a república, garante a independência nacional, a unidade do
estado e regula o funcionamento das instituições democráticas. É o comandante supremo
das forças armadas, goza de legitimidade directa democrática uma vez que é eleito por
sufrágio directo e universal e por maioria absoluta. A apresentação de candidaturas
presidenciais cabe directamente aos cidadãos e não aos partidos, não sendo, este, um
candidato partidário, uma vez que ocupa uma posição suprapartidária, tendo autonomia
em relação aos partidos políticos. O mandato do P.R. tem a duração de 5 anos, não sendo
admitida a sua reeleição para um terceiro mandato consecutivo. O P.R. pode ser
substituído interinamente pelo Presidente da Assembleia da República. As suas
Competências são:

- Pode dissolver a Assembleia da República


- Pode promulgar ou vetar as Leis e os Decretos – Leis
- Participa na orientação política do estado através de tomadas de posição sobre
questões políticas, como por exemplo, através de mensagens à Assembleia da República,
entrevistas, através de cartas abertas, etc.
O Presidente da República dispõe de poderes reais e efectivos, não meramente
simbólicos, que lhe conferem uma posição relevante no processo político. No entanto,
não é um órgão governante, nem pode dar ordens nem instruções ao governo, mas apenas
sugerir ou pressionar. O P.R. tem um órgão auxiliar de consulta – Concelho de Estado
(artigos 141º a 146º da CRP). Este, não é um órgão de soberania, nem tem poderes de
deliberação vinculativa. É um órgão de consulta política do P.R. que apenas emite
pareceres.

A Assembleia da República (artigos 147º a 181º da CRP) é o órgão


constitucional de soberania que representa todos os portugueses. É autónomo, elaborando
o seu próprio regimento. É um órgão colegial que integra os grupos parlamentares, as
comissões parlamentares especializadas em determinadas matérias. Integra o Presidente
da Assembleia da República e a Mesa da Assembleia da República que conduz as sessões
e as reuniões da Assembleia. A Legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas.
Tem como Funções:

Função Legislativa:

Produção de Leis.

Função Electiva:

Elege, por exemplo, o Provedor de Justiça e 10 juízes do Tribunal


Constitucional.
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Função de controlo político do Governo:

Através da formulação de Perguntas (formuladas por deputados, sobre


actos e factos isolados) e Interpelações (feitas por um grupo parlamentar,
incidindo sobre um assunto de política geral ou sectorial) ao governo.
Pode, também, constituir comissões de inquérito, aprovar Moções de
Censura (de iniciativa parlamentar) ou reprovar Votos de Confiança (solicitado
pelo governo), que implicam a demissão do Governo.
A Assembleia também aprecia o programa de governo, implicando a sua
rejeição, a demissão do governo.

Função de fiscalização constitucional:

Verifica a constitucionalidade das Leis, Decretos – Lei, a conta do estado,


etc.

Competência outorgante:

Concede autorizações legislativas ao Governos, autoriza o P.R. a


abandonar o país, etc.

Competência nas relações internacionais:

Compete-lhe, por exemplo, aprovar os tratados internacionais.

O Governo (artigos 182º a 201º CRP) é um órgão constitucional de soberania que


conduz a política geral do país e é o órgão superior da administração pública. É um órgão
colegial constituído pelo Primeiro-Ministro, Ministros, Secretários de Estado e Sub –
Secretários de Estado.
O Primeiro-Ministro e os Ministros formam o Concelho de Ministros.
O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República tendo em conta os
resultados eleitorais. Os restantes membros do Governo são também nomeados pelo
Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro.
O Governo dispõe de um poder de auto-organização interna que é matéria da sua
competência exclusiva.
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Vigora o Princípio da Solidariedade Governamental, segundo o qual os


membros do Governo estão vinculados ao Programa do Governo e às deliberações
tomadas em Concelho de Ministros.
O Governo é simultaneamente responsável perante o Presidente da República e a
Assembleia da República.

O Governo tem Competência:

Legislativa (artigo 198º CRP)

Política (artigo 197º CRP)

Administrativa (artigo 199º)

Cabe ao Governo a direcção política do país em todo os domínios da actividade


estadual, dispondo de uma ampla competência legislativa e exercendo o poder executivo
do estado.

Os Tribunais (artigos 202º a 224º CRP) são os órgãos de soberania com


competência para administrar a justiça em nome do povo. Exercem a Função Judicial ou
Jurisdicional, que é exercida pelos juízes.
Os Tribunais devem ser independentes do poder político, apenas devem estar
sujeitos à lei, o que se reflecte no estatuto dos juízes que dependem de órgãos próprios –
Concelho Superior de Magistratura e Procuradoria-Geral da República.
A Constituição da República Portuguesa estabelece o dever de fundamentação das
decisões dos tribunais e prevê a possibilidade de revisão ou reapreciação dos actos
judiciais por parte dos juízes, prevendo-se o recurso para tribunais superiores.
Em termos de Categorias dos Tribunais, em primeiro lugar surge o Tribunal
Constitucional que é o guardião da Constituição pois verifica a constitucionalidade das
normas jurídicas. Depois surge o Tribunal de Contas que fiscaliza a legalidade e
regularidade das despesas e receitas do estado. De seguida surgem os Tribunais de
Jurisdição Ordinária, com uma hierarquia segundo a qual na base se encontram os
Tribunais de Primeira Instância ou de Comarca, a seguir os Tribunais de Segunda
Instância ou da Relação e no topo o Supremo Tribunal de Justiça. Dentro da jurisdição
ordinária admite-se uma especialização em razão da matéria, como por exemplo, os
Tribunais de Trabalho, de Família e Menores, etc.
Importa referir que existe uma jurisdição especial em matéria administrativa e
fiscal, com uma hierarquia própria, tendo no topo o Supremo Tribunal Administrativo.

O Sistema de Governo Português possui as características típicas do sistema


Semi – Presidencialista. É um sistema híbrido ou misto que contém elementos do
regime parlamentar e elementos do regime presidencial. As razões que o justificam
residem no facto de o Presidente da República ser eleito por sufrágio universal directo,
tendo este poderes de intervenção política, tais como, o poder de dissolver a Assembleia
da República, direito de veto, direito de nomear o governo e o direito de demitir o
35

governo em casos excepcionais. Outra razão reside no facto de haver uma distinção
orgânica entre o chefe de estado e o chefe do governo, sendo este simultaneamente
responsável perante a Assembleia da República e perante o Presidente da República –
dupla responsabilidade política.
A vantagem deste sistema reside na sua adaptabilidade às necessidades políticas,
permitindo a acentuação da vertente parlamentar ou da vertente presidencial, consoante
se formem ou não maiorias estáveis na Assembleia da República. É um sistema flexível
que se pode presidencializar em momentos de crise ou parlamentarizar quando existe
uma maioria estável na Assembleia da República.

3. O Poder Legislativo na Ordem Jurídica Portuguesa

3.2. O modelo de repartição da competência legislativa entre a


Assembleia da República e o Governo

A Constituição adoptou o Princípio do Dualismo Legislativo atribuindo a


competência legislativa a dois órgãos: Assembleia da República e Governo. No entanto, a
Assembleia da Republica é o órgão legislativo por excelência por várias razões:

- a sua competência legislativa é alargada, apenas limitada por uma área


reduzida que é a de competência exclusiva do Governo; abrange toda e qualquer
matéria, excepto a organização e o funcionamento do governo.

- há um conjunto de matérias que estão reservadas à Assembleia da


República, destacando-se as matérias de reserva absoluta (artigo 184º CRP) e as
matérias que constituem reserva relativa (artigo 165º CRP).

- a Assembleia da República pode controlar a actividade legislativa do


Governo através da apreciação parlamentar dos Decretos-Lei.

O ÂMBITO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA ASS. DA REPUBLICA

Área subtraída à
competência da
Assembleia da Competência
República concorrente -
podem legislar quer
a Ass. quer o Gov.
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Competência exclusiva da
Assembleia da República
(matérias reservadas à
Reserva Absoluta Assembleia da República)
Reserva Relativa
Matérias indele- A Ass. Pode autorizar o
gáveis. Só a Ass. governo a legislar através
pode legislar. de uma lei de autorização legislativa
ÂMBITO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO GOVERNO

Uma Lei de Bases é uma lei da Assembleia da República que fixa as bases gerais
ou os princípios essenciais de um regime jurídico sem o desenvolver. Permite uma acção
legislativa posterior do governo através de Decretos-Lei de Desenvolvimento que se
traduzem na pormenorização e desenvolvimento daquelas bases ou princípios.
Segundo o artigo 112º nº2 da CRP o Governo tem que observar os limites fixados
na lei de Bases. Este artigo estabelece a subordinação dos D.L. de Desenvolvimento às
correspondentes Leis de Bases, sob pena de inconstitucionalidade. O Governo não pode
contradizer ou revogar os princípios gerais fixados pela Assembleia da República numa
lei de bases.
Poderá o Governo legislar para além do disposto numa lei de Bases?
Depende. Na área da competência exclusiva da Assembleia da Republica o
Governo só pode desenvolver rigorosamente as bases fixadas por esta. Na área de
competência concorrente o Governo pode estender o âmbito da lei de bases e regular
aspectos de pormenor que vão para além dos parâmetros enunciados na lei de bases.

CASO PRÁTICO

Supondo que a Assembleia da República aprovou uma lei sobre as bases do Sistema de
Segurança Social. Posteriormente o Governo aprova dois D. L. sobre a mesma matéria.
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No primeiro D.L. são violados alguns dos princípios consagrados na Lei de Bases. No
segundo D.L. regulam-se aspectos de pormenor que indo para além dos parâmetros
enunciados na Lei de Bases, todavia não os violam. Terá o Governo actuado dentro da
sua competência legislativa constitucional?

Resolução

Esta Lei de Bases incide sobre matéria que é da Reserva Relativa da Assembleia
da República nos termos do artigo 165º nº1 f) da CRP.
O Governo emana dois D.L. de desenvolvimento e pode faze-lo porque há uma lei
de bases, segundo o artigo 168º nº1 c) CRP.
Nos termos do artigo 112º nº 2 da CRP o Governo está limitado pelas bases.
O primeiro D.L. é inconstitucional na medida em que o governo nunca pode
contradizer ou revogar as bases fixadas pela Assembleia da República.
O segundo D.L. é inconstitucional na medida em que o Governo foi além da Lei
de Bases e não podia fazê-lo porque era matéria da competência exclusiva da Assembleia
da República.

Uma Lei de Autorização Legislativa é uma lei segundo a qual a Assembleia da


Republica autoriza o Governo a legislar sob matérias da sua reserva relativa de
competência (artigo 165º da CRP). A Assembleia da República fixa os limites dessa
autorização definindo o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização. O D.L.
autorizado está subordinado à L.A.L. O artigo 112º nº2 da CRP estabelece a subordinação
do D.L. autorizado à correspondente L.A.L. (artigo 162º nº2 a 5 CRP).
Segundo o artigo 112º nº2 da CRP, em regra, as Leis e os D.L. têm igual valor,
excepto as Leis de Bases que prevalecem sobre os D.L. de Desenvolvimento e as Leis de
Autorização Legislativa que prevalecem sobre os D.L. Autorizados.
A Assembleia da República pode controlar a actividade legislativa do Governo
através da Apreciação Parlamentar dos D.L. (artigo 169º CRP). Trata-se de um
controlo político por parte da Assembleia da República sobre a acção legislativa do
Governo. É uma competência de fiscalização política, quanto ao conteúdo e
oportunidade, que se distingue do controlo de constitucionalidade que é feito pelo
Tribunal Constitucional. A Assembleia da República pode apreciar todos os D.L. do
Governo excepto os que são da sua competência exclusiva. Esta apreciação tem que ser
requerida por um mínimo de 10 deputados e nos 30 dias subsequentes à publicação do
D.L. A apreciação pode ser operada pela Assembleia da Republica para efeitos de:

Alteração do Decreto-Lei:

Se as propostas de alteração forem aprovadas o D.L. é alvo de emendas e


passa a vigorar sob a forma de Lei. Se as propostas forem rejeitadas, continua a
vigorar com D.L.
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Cessação de Vigência do Decreto-Lei:

Se for aprovada a cessação de vigência o Decreto-Lei deixa de vigorar


desde o dia em que essa resolução for publicada no Diário da República. Não tem
efeitos retroactivos e portanto os efeitos produzidos pelo D.L. permanecem.

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