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Passo-a-passo de uma

análise de contingências
Esequias Caetano A. Neto1
Maria Ester Rodrigues2
Natalie Brito Araripe3

Histórico, Pressupostos filosóficos e


Conceituação da análise de Contingências
“Um comportamento estranho jamais é dito
‘patológico’ pelo analista comportamental; se ele
ocorre é porque de alguma maneira ele é funcional,
tem um valor de sobrevivência. Fazer uma análise
funcional é identificar o valor de sobrevivência de um
determinado comportamento” (MATOS, 1999, p. 11)
A diferença fundamental entre o analista do comportamento
e outros estudiosos do comportamento é “o uso de unidades
funcionais do comportamento como seu objeto de estudo”
(MATOS, 1999; p. 09). De acordo com a autora, as ênfases
filosóficas que são bases dessa postura advêm do Evolucionismo
de Darwin e do funcionalismo de Mach. O pressuposto Machiano
garante uma relação funcional e descritiva entre os eventos. Já a

1
Psicólogo Clínico e Empresarial (CRP 04/ 35023), especializando em Terapia
Comportamental pelo ITCR – Campinas. Coordenador de Ensino a Distância
no Instituto de Psicologia Aplicada – InPA. Sócio Proprietário no Instituto
Crescer: Desenvolvimento Humano e Organizacional. Presidente no
Comporte-se: Psicologia Científica. Contato: neto@comportese.com..
2
Psicóloga (CRP: 08-04396). Doutora (2005) em Psicologia da Educação
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contato:
mariaester.rodrigues@gmail.com
3
Psicóloga (CRP: 11- 6605). Mestranda em psicologia pela Universidade
Federal do Ceará. Professora da Faculdade Leão Sampaio – Juazeiro do
Norte. Contato: natalie@comportese.com.

Temas em Psicoterapia Comportamental: dos pressupostos conceituais às possibilidades de aplicação 61


influência evolucionista corresponde ao pressuposto básico do
behaviorismo radical de que todo comportamento é selecionado
por suas consequências, da mesma forma que as espécies variam
e são selecionadas pelo ambiente. Podemos visualizar o
pressuposto citado através do seguinte esquema:

R Sc
(Resposta do (Consequência gerada no
organismo) ambiente)

R  Sc
A fim de tornar mais clara nossa explicação da análise
funcional do comportamento, utilizaremos um exemplo fictício
de uma criança de dois anos, que chamaremos de Ariel. Ariel
vive numa casa com uma porta para a cozinha normalmente
fechada. Algumas vezes, quando essa porta estava aberta,
ela entrou e viu alguns objetos brilhantes que estavam ali. Para
evitar que Ariel entre na cozinha, sua mãe continua deixando a
porta fechada, uma vez que, apesar de a criança alcançar a
maçaneta, ela ainda não aprendeu como abrir a porta. Certo
dia, passeando pela sala, Ariel emitiu diversos comportamentos
(variabilidade) e empurrou acidentalmente a maçaneta da porta
da cozinha para baixo e a abriu. Ela achou divertida sua
“descoberta” e passou a fazer isso inúmeras vezes (seleção e
fortalecimento do comportamento); além disso, viu todos aqueles
objetos “mágicos” e “brilhantes” da cozinha. Como podemos
visualizar o exemplo? Qual comportamento da criança foi
selecionado e qual a consequência selecionadora?
Comportamento operante Consequências selecionadoras

Empurrar a maçaneta Porta aberta;


Acesso aos objetos da cozinha.

Podemos afirmar que o comportamento selecionado da


criança foi fortalecido por suas consequências. Essa relação
de dependência entre variáveis comportamentais e ambientais
é chamada na análise do comportamento de contingência. A
menor unidade de uma contingência operante tem dois termos,
e é a que esquematizamos acima: o comportamento seguido
por uma consequência, que o seleciona.

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Para Cavalcante (1999, p. 23) “com o advento do modelo
de seleção pelas consequências, a análise funcional estará
associada a uma noção selecionista, não mecanicista, de
causalidade”. Para a mesma autora a importância de uma
análise funcional está no reconhecimento da multideterminação
e na função do comportamento humano. Autores como Sturmey
(1996), Fester (1973), Haynes e O´Brien (1990) ressaltam a
relevância da análise funcional para a avaliação clínica e a
apontam como um caminho efetivo na realização do plano
interventivo.

Como surgiu a análise funcional?


A Análise Funcional é relativamente nova no campo da
avaliação psicológica. Até meados de 1980 as duas principais
vertentes da Análise do Comportamento eram a Modificação
do Comportamento e a Terapia Comportamental Clássica de
Eysenck (ALVES e ISIDRO-MARINHO, 2012), e em nenhuma
delas, a Análise Funcional era prática comum. Conforme
explicam Banaco (1999), Martin e Pear (1999), Garcia (2007),
Alves e Isidro Marinho (2012), os profissionais orientados por
estas abordagens precisavam apenas ser habilidosos em
programar e executar um programa comportamental composto
por técnicas empiricamente validadas.
Foi Skinner (1960) o responsável por introduzir na Análise
do Comportamento a noção de que a busca pelas causas dos
comportamentos deve ser pautada na identificação das relações
funcionais entre atividades do organismo e eventos ambientais.
No entanto, sua proposta demorou a ser adotada amplamente
por analistas do comportamento “práticos”; ou então, encontrava
aplicação apenas em instituições fechadas como asilos,
hospitais psiquiátricos e outros locais nos quais era possível
um controle mais estrito das variáveis (VANDENBERGUE,
2011). Ainda nestes contextos, esta aplicação se restringia ao
emprego de procedimentos operantes empiricamente validados,
sem que fosse feita uma análise cuidadosa das variáveis
mantenedoras dos comportamentos alvo (Banaco, 1999).
Em 1979 foram criadas, nos Estados Unidos, duas revistas
direcionadas exclusivamente à avaliação funcional: Behavioral

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Assessment e o Journal of Behavioral Assessment and
Psychopatology. Apenas em meados de 1990 as idéias de
Skinner começaram a conquistar maior espaço no campo da
Terapia Comportamental. Vários autores brasileiros e
americanos revisitaram sua prática e sua produção teórica, na
qual a idéia de que as causas dos comportamentos devem ser
buscadas nas relações funcionais entre atividades do organismo
e eventos ambientais foi assumindo papel central na abordagem.
Foi neste período que nasceram a Terapia Analítico-
Comportamental, Terapia por Contingências de Reforçamento
e as Terapias de Terceira Onda, dentre as quais se destacam a
ACT - Terapia de Aceitação e Compromisso e a FAP - Terapia
Analítico Funcional (VANDENBERGHE, 2011).

Análise Funcional ou Avaliação Funcional?


Gresham e Lambros4 (1998) distinguem avaliação funcional
de análise funcional afirmando que a primeira se refere a
“variedade completa de procedimentos usados para identificar
variáveis de controle em potencial (antecedentes e
consequentes) de um comportamento” (GRESHAM e
LAMBROS, 1998 p.3), enquanto a segunda “refere-se a
manipulação experimental de eventos ambientais sob rígidas
condições experimentais a fim de identificar determinantes
ambientais de comportamentos específicos num repertório
individual” (GRESHAM e LAMBROS, 1998 p.3).
Em um contexto aplicado não há como identificar e
manipular estas variáveis com exatidão, o que, via de regra, só
é possível em situações controladas de laboratório. Uma vez
que a análise funcional exigiria tal controle, alguns autores optam
pela substituição do termo por análise de contingências, já
que este último não se refere a um procedimento historicamente
caracterizado por forte rigor metodológico, mas sim, a outro
que permite uma avaliação adequada das contingências que
estão em vigor na vida do paciente (MEYER, DEL PRETTE,
BANACO, NENO E TOURINHO 2010). Outros tratam as

1
As traduções dos textos, originais em inglês, foram realizadas de forma
livre pelos autores desse capítulo.

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expressões como sinônimas (MARTIN e PEAR, 2009) e optam
pelo emprego de uma ou outra indiscriminadamente. Neste
capitulo, os autores optaram por empregar a expressão “Análise
de Contingências.

A tríplice contingência
Conforme explica Del Prette (2011), as interações dos
organismos são, em geral, compostas por longas cadeias de
respostas em que a ação de um indivíduo funciona como
antecedente ou como consequência para a ação de outro
indivíduo. Além disso, conforme já mencionado no exemplo de
Ariel, as ações de um indivíduo produzem modificações no
ambiente em geral, não somente no ambiente social. Tais
modificações retroagem sobre o comportamento aumentando
ou diminuindo a probabilidade de que esse comportamento
ocorra novamente no futuro. A tríplice contingência, segundo
Del Prette (2011) é uma forma de simplificar a análise das
interações dos organismos, num recorte menor desta interação.
A tríplice contingência é a representação esquemática da
forma como ambiente e comportamento exercem influência um
sobre o outro, e é representada pela inserção de um elemento
antecedente na representação já fornecida anteriormente:

SD (Estímulo R (Resposta) S+ ou S- (Estímulo


discriminativo) consequente)

Situação antecedente, Resposta em Mudança que a resposta


que sinaliza que se análise, ou a ação em análise provocou no
uma determinada do organismo. ambiente ao ser emitida.
resposta ocorrer,
provavelmente será
reforçada.

Na tríplice contingência o analista do comportamento


investiga, além das consequências que se seguem a um dado
comportamento, também em qual ocasião uma resposta do
organismo ocorre ou, em outras palavras, quais condições
antecedem a emissão da resposta. No exemplo de Ariel, a
resposta “girar a maçaneta” é emitida na presença da porta
fechada. Assim, temos:

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S D (Estímulo R (Resposta) (S+) (Estímulo
Antecedente ) Consequente)

Porta fechada Girar a maçaneta Abrir a porta e se


deparar com uma série
de “coisas brilhantes”.

Quando o comportamento de girar a maçaneta é reforçado


por abrir a porta, na presença da condição antecedente porta
fechada, esta mesma condição antecedente se estabelece
como Estímulo Discriminativo. Ela passa a sinalizar que aquele
comportamento (girar a maçaneta) provavelmente será reforçado
quando emitido em situações semelhantes no futuro. Dizemos
que o Estímulo Discriminativo (SD) sinaliza a relação resposta-
estímulo consequente.
Além da condição imediatamente antecedente, existem
algumas outras variáveis relevantes para a emissão de uma
resposta. Estas variáveis estão relacionadas à fenômenos como
a privação, presença de estimulação aversiva ou emoções
específicas relacionadas a contingência em vigor, que são todas,
em última análise, igualmente condições antecedentes.

Passo-a passo da realização de uma análise de


contingências
É importante ressaltarmos que nosso objetivo ao especificar
um passo-a-passo de uma análise de contingências não é
construir um manual estanque, mas oferecer ocasião para que
o leitor possa desenvolver repertório à partir de uma referência
clara, sobre o assunto. .
Matos (1999, p. 14) estabelece que a realização de uma
análise de contingências do deve seguir cinco passos básicos:
1. Definir precisamente o comportamento de interesse.
2. Identificar e descrever o efeito comportamental.
3. Identificar relações ordenadas entre variáveis ambientais e
o comportamento de interesse. Identificar relações entre o
comportamento de interesse e outros comportamentos
existentes.

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4. Formular predições sobre os efeitos de manipulações dessas
variáveis e desses outros comportamentos sobre o
comportamento de interesse.
5. Testar essas predições
Os três primeiros passos são relativos à análise de
contingências realizada em um ambiente clínico. Os dois passos
restantes não serão tratados nesse capítulo, pois voltam-se
para a realização de análises funcionais experimentais.
Buscaremos, por uma releitura dos três primeiros passos, mais
detalhados ainda por Malott, Whaley e Malott (1997),
operacionalizar um passo-a-passo de uma análise de
contingências, pelo uso de uma linguagem mais simples,
encadeando com exercícios e exemplos.

1.Definição do comportamento de interesse


A análise de contingências deve partir da identificação dos
comportamentos de interesse. Esse recorte faz-se necessário
na medida em que uma análise científica de qualquer fenômeno
parte da redução do objeto de investigação. Seria
irresponsabilidade dizer que podemos analisar toda a
complexidade de um fenômeno, principalmente em situação
não laboratorial, onde esta complexidade dificilmente pode ser
controlada. Numa análise de contingências, partimos da
resposta de interesse, ou seja, da ação emitida pelo organismo
em sua interação com o ambiente. Podemos extrair, desse
passo, três pontos importantes:
• Começamos a análise de contingências por uma resposta
específica;
• Essa resposta corresponde a uma ação do organismo;
• Essa ação deve ser descrita de forma empírica, ou seja, de
forma clara para qualquer pessoa.
Imaginemos que a mãe de Ariel chegue à nossa clínica com
a queixa de que a criança está “Chata”. Aqui não temos nenhum
comportamento de partida para nossas análises. Para isso,
devemos traduzir este adjetivo utilizado pela mãe em uma ação

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que nos indique a resposta de interesse que a criança
frequentemente emite. Imaginemos, então, que a mãe diz que
esse “chata” significa que a criança “faz birra”. Dizer que ela faz
birra ainda não nos permite identificar o comportamento de
interesse, uma vez que “fazer birra” pode reunir uma série de
comportamentos diferentes. Observando a criança, vemos que
essa “birra” ocorre da seguinte forma: a criança “chora” e “sua”
muito. Temos aqui um comportamento operante “chorar” e um
comportamento respondente “suar”. Podemos iniciar nossa
análise de contingências por essa classe de comportamento de
“birra”, especificada pelas respostas “chorar” e “suar”:

OCASIÃO RESPOSTA CONSEQUÊNCIA


Classe de resposta de “birra”:
chorar e suar

PASSO 1: ESPECIFICAR A RESPOSTA

Erros comuns no primeiro passo:


• É comum que o iniciante especifique uma resposta na forma
de um substantivo ou adjetivo (ex: birrenta, birra);
• Também é comum que estabeleça o comportamento como
uma negativa (ex: não fazer a tarefa). Não existe o “não se
comportar”. O adequado é dizer qual comportamento foi emitido
no lugar daquele que esperávamos (ex.: assistir televisão).
• Colocar o comportamento como um verbo na voz passiva
também é inapropriado (ex: fulana foi ameaçada). O
comportamento nesse exemplo não é da “fulana”. Mas sim,
de quem ameaçou, de quem AGIU.
2. Identificação e descrição do efeito comportamental.
Identificação de relações ordenadas entre variáveis
ambientais e comportamentos de interesse: consequências.

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Matos (1999) afirma que ao identificar o efeito do
comportamento, devemos especificar quantas vezes ele ocorre
e quais são seus efeitos no ambiente. Para identificar esses
efeitos, podemos fazer as perguntas no esquema abaixo:

No caso de Ariel, sua mãe afirma que a criança chora cerca


de dez vezes por dia. Já temos a frequência desse
comportamento. Sabemos que se o comportamento de chorar
se mantém em força e frequência, significa que está sendo
reforçado. Resta saber se o mesmo é reforçado positivamente
ou negativamente. Para isso observamos o efeito dele no
ambiente. Toda vez que Ariel chora sua mãe briga, mas depois
acaba cedendo aos desejos da criança, como deixar de almoçar
na hora certa, assistir ao seu desenho animado predileto numa
hora imprópria, etc. Observamos que, no primeiro caso, o
comportamento é reforçado negativamente (pela retirada do
almoço) e no segundo caso, o comportamento é reforçado
positivamente (pela adição de um estímulo reforçador). A mãe
afirma que às vezes perde a paciência e bate na criança, que
pára de chorar. Vemos que nesse ponto, o comportamento da
criança é punido positivamente. Observemos as relações entre
comportamento e seu efeito:
Observa-se que, algumas vezes o comportamento da
criança é punido; no entanto, também é reforçado
intermitentemente, o que faz com que se mantenha em alta
frequência.

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Ocasião Resposta de interesse Consequência
Chorar Mãe retira o almoço (R-)
Chorar Mãe coloca a animação
(R+)
Chorar Mãe bate na criança (P+)

Erros comuns no segundo passo:


• É comum que o iniciante olhe para a consequência e, sem
observar o efeito do comportamento, passe a afirmar que a
consequência é reforçadora ou punidora, apenas por sua
função social. Exemplo: achar que o comportamento de se
automutilar é punido pela sensação dolorosa (ora, se ele
continua ocorrendo, significa que está sendo reforçado);
• Estabelecer como consequência, respostas que fazem parte
da classe dos comportamentos de interesse (exemplo: a
consequência de chorar no caso da Ariel não é suar). Conforma
já analisado, suar também é uma resposta, assim como chorar.
• Confundir extinção com reforçamento negativo, uma vez que
nas duas operações o comportamento reduz sua frequência
através da retirada de um estímulo reforçador. Existem, no
entanto, existem inúmeras diferenças entre os processos.
A primeira grande diferença é que na extinção o reforçador
retirado é aquele diretamente produzido pela resposta em
análise; enquanto no reforçamento negativo, a consequência
que mantém o comportamento permanece intacta, mas a
resposta provoca a remoção de reforçadores que mantém
outros comportamentos. A segunda grande diferença é que
o reforçamento negativo suprime rapidamente uma resposta,
enquanto a extinção é caracterizada por um aumento
temporário em sua frequência e posterior redução gradual.

3. Identificação de relações ordenadas entre variáveis


ambientais e comportamentos de interesse:
antecedentes
Whaley e Malott (1997) apontam pontos necessários para a
identificação de condições antecedentes presentes quando o

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comportamento ocorre. Selecionamos alguns que nos parecem
relevantes: a) Identificar operações motivadoras; b) Especificar
estímulo discriminativo; c) Identificar comportamentos pré-correntes.
Operações motivadoras (OM) são eventos que aumentam
momentaneamente a efetividade de um reforçador e a probabilidade
de ocorrência de respostas (MIGUEL, 2000). Uma criança que
adora chocolate, por exemplo, e que está há um tempo razoável
sem comer chocolate, pode se engajar em comportamentos de
economizar dinheiro para comprar chocolate. Nesse caso, a
efetividade do reforçador chocolate é aumentada
momentaneamente pelo tempo que a criança está sem comer,
aumentando a probabilidade da emissão da resposta “economizar
dinheiro”. Além da privação, também podem funcionar como
Operações Motivadoras a estimulação aversiva e episódios
emocionais.
Estímulo discriminativo (SD) “é a ocasião em que, caso a
resposta seja emitida, produzirá o reforçador, sendo que, na sua
ausência, não produzirá o reforçador” (CASSAS e NICODEMOS,
2011, p. 301). Dizemos que o SD sinaliza a relação resposta-
estímulo consequente. No exemplo supracitado, o SD seria a
cantina, no recreio.
Agora que já sabemos alguns dos antecedentes que podem
ser identificados em uma análise de contingências, voltemos ao
nosso exemplo de Ariel. Já sabemos o que mantém o
comportamento de chorar da menina, então vamos a identificar
em que contextos esse comportamento ocorre, ou em outras
palavras, que situações o antecedem. Imagine que a mãe de Ariel
afirma que Ariel chora toda vez que a vê, mas que não emite esse
mesmo comportamento com o pai, pois o mesmo a manda “engolir
o choro”, e ela pára imediatamente. Veja bem, temos dicas do
que sinaliza a relação do comportamento de chorar com sua
consequência na presença da mãe. Demonstrando:

Situação antecedente Resposta Situação consequente (Consequência)


(Ocasião/ contexto/ Sd)
Presença da mãe Chorar Mãe faz o que ela quer (R+ ou -)

Presença do pai Chorar Pai diz para ela “engolir o choro” (P+)

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Como resultado dessa relação, observamos que Ariel não
chora na presença do pai para se esquivar da “bronca” do
mesmo; mas chora na presença da mãe, que se torna Sd para
a relação choro-consequência reforçadora.
Em nossa experiência docente, a identificação do
contexto em análise de contingências é o passo mais difícil de
os alunos iniciantes aprenderem a realizar. Isso provavelmente
ocorre porque são tantos os eventos que antecedem um
comportamento que realmente pode ser difícil identificar o
contexto específico no qual ele ocorre. No entanto, a
identificação dos três termos da tríplice contingência é essencial
para a realização de uma intervenção bem sucedida no contexto
clínico. Portanto, a regra que podemos ensinar aos estudantes
que estão aprendendo a realizar análises de contingências é:
PRATIQUE! Para ajudá-los nessa prática, preparamos um
exercício de análise de contingências, especificado abaixo.

Exercício de preparação de análises funcionais:


Questão 01: Nos exemplos abaixo, identifique a(s)
consequência(s) para os comportamentos grifados e diga
qual a relação resposta-consequência (reforçadora ou
punitiva; positiva ou negativa; ou extinção) ocorre. As
respostas estão no final desse capítulo.
a) Estudei para a prova quando criança, tirei nota boa e
estudei para a outra prova.
b) Estudei para a prova quando criança, tirei nota baixa e
não estudei mais.
c) Fiz exercícios para não tirar nota baixa.
d) Fiz exercícios para aprender análise funcional. Aprendi e
adoro fazer exercícios de análise funcional!
e) Continuo indo à terapia, pois acho que estou melhorando.
f) Faltei à terapia, pois acho que minha terapeuta me passa
carão demais.
g) Cheguei atrasado à terapia e a minha terapeuta tirou
tempo de sessão: passei a não chegar mais atrasado.

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h) Falava sobre morte na terapia para chamar atenção da
terapeuta. Ela passou a não me dar mais atenção quando
falava disso e, depois de algum tempo, passei a não falar
mais de morte.
i) Menti para a terapeuta, para ela não brigar comigo por
não ter feito uma tarefa.
j) Passei a sorrir mais na terapia, pois a terapeuta sorri
junto comigo.
k) Meu filho desobedeceu a uma ordem minha e eu retirei a
televisão. Não me desobedece mais.
l) Meu filho arruma o quarto todo dia e eu elogio.
m) Minha filha esqueceu-se de lavar as calcinhas e eu bati nela.
Ela passou a lavar.
n) Minha filha passou a lavar as calcinhas para eu não bater
nela.
o) Minha filha ficou ligando para o namorado insistentemente e ele
não atendeu, até que ela parou de ligar depois de um tempo

Questão 02: Leia o caso fictício abaixo e responda à questão


pedida:
Mariana é uma adolescente de 16 anos que mora com sua
mãe. Cursa o terceiro ano do ensino médio e é considerada
uma excelente aluna pelos professores. Sua mãe a incentiva a
passar no vestibular para engenharia e adora estudar. No
entanto, Mariana sempre apresentou alguns comportamentos
de “ansiedade”, como sudorese, taquicardia, visão turva,
palpitação e angústia, que pioraram há três meses, quando
teve uma crise na qual tremia constantemente, culminando em
tratamento medicamentoso para ansiedade.
Quando era criança, Mariana gostava muito de brincar e
sua mãe a incentivava a ser organizada. Quando Mariana
deixava os brinquedos fora de lugar, sua mãe reagia de forma
imprevisível, ora “deixando para lá”, ora jogando fora todos os
brinquedos de Mariana, o que gerava uma crise de choro na

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menina. Mariana também adorava sair com a mãe. As duas
saiam juntas todo final de semana e iam ao parque estadual
até que o pai de Mariana faleceu. Isso ocorreu, quando esta
tinha cinco anos, e sua mãe entrou em depressão. A partir daí,
sua mãe deixou de levá-la para passear e Mariana, na tentativa
desesperada de obter atenção dela e voltar a fazer passeios,
passou a escrever cartinhas, fazer carinho nela, que sempre
respondia dizendo achar “lindo” e depois jogava fora suas cartas,
para não acumular poeira.
Mariana, após algum tempo, deixou de fazer pedidos à
mãe e passou a procurar a tia para passear nos finais de semana.
A mãe, com ciúmes da tia, passou a dizer para Mariana que
esta gostava mais da tia e ameaçou a menina de perder seu
amor. Mariana deixou de sair com a tia e voltou a pedir
constantemente à mãe para passear. Essa fazia promessas
para Mariana, afirmando que iria leva-la para passear, mas
raramente as cumpria, gerando crises de choro e raiva em
Mariana, que bagunçava todos os móveis da casa. A mãe de
Mariana dizia, nesses episódios, que a menina não podia
“descontar sua raiva” nos outros e que deveria guardar a raiva
somente para ela. A partir desses episódios, Mariana, a cada
crise de raiva ou frustração, chorava muito, tremia e tinha medo
de perder o controle, mas continuava pedindo para passear.
No entanto, em quaisquer situações sociais nas quais Mariana
e sua mãe estavam expostas, essa última elogiava a filha para as
pessoas. Dizia que Mariana era muito estudiosa, que seria uma
ótima engenheira e que traria muito dinheiro para casa. Mariana
se sentia feliz e orgulhosa nessas situações e buscava a
companhia da mãe em situações de exposição social.
Durante a adolescência, Mariana sempre figurou entre os
primeiros lugares na sala de aula, o que gerava desconforto e
inveja por parte de seus colegas, com os quais Mariana não
sabia lidar. Considerava sua mãe a sua melhor amiga e, para
evitar bullying dos colegas, passou a se isolar cada vez mais
e estudar bastante, ganhando uma bolsa de estudos em
Amsterdã. No entanto, ficou com bastante apreensiva com a
possibilidade de sair do país, com medo de se perder ou não
ser entendida. Sua mãe concordou e ela deixou de viajar.
Chorou e ficou com raiva, com medo de perder o controle de

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suas emoções e teve sua primeira grande crise de ansiedade,
na qual foi internada pela primeira vez.
Atualmente, tem muito medo de não passar no vestibular e
não consegue se concentrar nos estudos, o que tem gerado
uma queda de suas notas. Quando recebe uma nota baixa,
sente sudorese, taquicardia, medo de morrer. Com medo
de ter crises de tremores na escola, passou a faltar às aulas.
Sua mãe ficou preocupada com a situação e a levou a um
psiquiatra, que afirmou que ela estava com uma crise de
estresse crônico, síndrome do pânico e agorafobia.
• Qual a relação contingencial (antecedentes, resposta e
consequências) dos comportamentos de Mariana em
negrito? As respostas estão no final desse capítulo.

Referências
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SKINNER. B. F. Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov
e R. Azzi, Trads.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1953.
STURMEY, P. Functional analysis in clinical psychology. England:
John Wiley & Sons, 1996.
VANDENBERGHE, L. Terceira Onda e terapia analítico-
comportamental: um casamento acertado ou companheiros de
cama estranhos? Boletim Contexto – ABPMC. 34, 2011.

Respostas dos exercícios:

Questão 01:
a) Consequência: Tirar nota boa. R+.

76 Temas em Psicoterapia Comportamental: dos pressupostos conceituais às possibilidades de aplicação


b) Consequência: Tirar nota baixa. P+.
c) Consequência: Retirada de um Estímulo aversivo (nota
baixa). R-.
d) Consequência: Aprender análise funcional. R+.
e) Consequência: Melhorar (R+) que também pode ser vista
como retirar estímulos aversivos de incômodo (R-).
f) Consequência: Retirada do “carão” da terapeuta. R-
g) Consequência: Evitar a retirada de tempo da sessão. R-
h) A consequência reforçadora positiva (atenção) foi retirada.
Extinção.
i) Consequência: Retirar a briga do terapeuta. R-.
j) Consequência: sorriso da terapeuta. R+.
k) Consequência: retirada da televisão. P-.
l) Consequência: Elogio. R+.
m) Consequência: Bater. P+.
n) Consequência: Evitar a surra. R-
o) A consequência foi retirada e o comportamento entrou em
extinção.
Questão 02:

Tabela na página seguinte


• sudorese, taquicardia, visão turva, palpitação , angústia,
choro, raiva são respondentes eliciados por contingências
aversivas sublinhadas acima.
• Os comportamentos de fazer cartinhas e fazer carinho na
mãe são resultantes da variabilidade comportamental
advinda do processo de extinção do comportamento de obter
atenção da mãe. O comportamento “deixar de fazer pedidos”
para a mãe demonstra que o processo de extinção ocorreu.

Temas em Psicoterapia Comportamental: dos pressupostos conceituais às possibilidades de aplicação 77


Antecedente Resposta Consequência
O.M: Ausência da Estudar Reforço social (mãe e
atenção da mãe; professores) (R+)
Sd: Material de estudo, Passar no vestibular
matéria da escola, (R+)
provas.
Sd: Pedido da mãe Organização dos Elogio da mãe (R+)
brinquedos Esquiva das brigas da
mãe (R-)
Brincar
Sd: Final de semana Sair com a mãe Companhia da mãe (R+)
Sd: Finais de semana Sair com a tia Companhia da tia (R+)
O.M: Falta de atenção Ameaças de perder o
amor da mãe (P-)
Sd: Final de semana Deixar de sair com Evitar perder o amor da
OM: Intermitência de a tia mãe (R-)
demonstrações de
amor da mãe.
Sd: presença da mãe; Pedir para sair com Mãe saía às vezes (R+
OM: Ausência de a mãe intermitente)
passeios.
Sd: Mãe diz para ela Medo de perder o Evitar “descontar” nos
não perder o controle e controle outros (R-)
“descontar” nos outros
Situações de exposição Buscar a Reforço social (elogio
social companhia da mãe por ser estudiosa) R+
Sd: Bullying dos Isolar-se Evitar o bullying dos
colegas colegas (R-)
Sd: viagem para Deixar de viajar Evitar perder o controle
Amsterdã (R-)
Mãe apoiou (R+)
Sd: crises de Faltar às aulas Evitar perder o controle
ansiedade na escola (R-)

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