Você está na página 1de 10

Licenciatura em Música: Variante de Composição

Arvo Pärt

Discentes: José Pedro Gomes Moreira (4190104) e


Marco Luís Lopes Pereira (4190100)
Docente: Professor Francisco Melo

Porto, 15 de janeiro de 2021


Pós-modernismo

O pós-modernismo afirma-se como uma reação contra as ideias e valores do modernismo,


seguindo-se ao domínio do modernismo na teoria e prática cultural que vigorou no início e
meados do século XX. O termo pós-modernismo está associado a ceticismo, ironia e contesta
os conceitos de verdades universais e realidade objetiva. Enquanto o modernismo foi baseado
no idealismo e na razão, o pós-modernismo nasceu do ceticismo e da crítica da razão.
Antiautoritário por natureza, a nível artístico, o pós-modernismo não é fácil de definir, sendo
que este abrange várias e diferentes abordagens, desde a pop art na década de 1960 à arte
concetual, ao neoexpressionismo e à arte feminista (Tate, s/d).

Pós-modernismo na música

Segundo Kramer (2002) há traços que ajudam a caraterizar a música pós-modernista,


sendo que não é necessário coincidirem todos na mesma obra e por vezes esses traços
contradizem-se. A música pós-modernista não é nem um repúdio ao modernismo nem a sua
continuação, mas apresenta aspetos de ambos, assim como sonoridades e procedimentos do
passado e do presente provenientes de muitas tradições e culturas. Esta é uma música plural e
eclética, por vezes com um caráter irónico e com múltiplos significados e temporalidades,
que procura esbater as fronteiras entre o estilo dito erudito e popular, não aceitando a
distinção entre valores elitistas e populistas. Aqui a unidade estrutural é questionada, sendo
evitadas formas totalizantes que se integrem em modelos já existentes assim como oposições
binárias. Recorre também à fragmentação e à descontinuidade e por fim, pretende encontrar o
significado não nas partituras ou performances, mas sim nos ouvintes.
Dentro do pós-modernismo na música, é possível enquadrar o compositor Arvo Pärt, cuja
obra apresenta a rejeição das narrativas musicais e histórico-culturais. Normalmente, a sua
integração no pós-modernismo deve-se à associação da sua obra à Nova Simplicidade e por
sua extensão, como parte do fenómeno global que é o minimalismo, no caso de Pärt, um
minimalismo sacro, embora a sua obra pouco tenha a ver com a de Reich ou Glass (Skipp,
2012).
Arvo Pärt: Biografia

Arvo Pärt nasceu em 11 de setembro de 1935, em


Paide na Estónia. Em 1938, começou a estudar
piano na escola de música de Rakvere com Ille
Martin e em 1954, ingressa na Escola de Música da
Talinn onde é aluno do compositor Veljo Tormis.
Contudo, até 1956, os seus estudos foram
interrompidos pelo serviço militar obrigatório no
Exército Soviético. De 1958 a 1963, frequenta o Conservatório Estadual de Tallinn
sob a orientação do compositor Heino Eller, que tinha sido aluno de Alexander
Glazunov.
A maioria das peças iniciais foram compostas para piano em estilo neoclássico, tendo
ganho, em 1962, o primeiro prémio de um concurso para jovens compositores, em Moscovo,
com a sua cantata Meie Aed (Nosso Jardim). A nível de influências, Pärt explicou que as
únicas obras contemporâneas que ouviu do “Ocidente”, nesta altura, tinham sido escritas por
Boulez, Webern e Nono, sendo, inicialmente, influenciado pela música dodecafónica, serial e
aleatória (Kongwattananon, 2013).
Pärt não só obteve experiência musical tradicional no
conservatório, mas também aprendeu engenharia de som.
Paralelamente aos seus estudos, trabalhou como engenheiro de
som numa estação de rádio local até 1968. Durante esse
período, escreveu também as suas primeiras composições
modernistas, que recorriam a técnicas dodecafónicas
(Nekrolog, 1960), técnicas sonorísticas (Perpetumm
mobile, 1963) e de colagem (Collage über B-A-C-H, 1964). No entanto, nenhum
desses estilos permaneceu na sua obra futura, apesar de Pärt ter sido o primeiro
compositor soviético a utilizar técnicas dodecafónicas (Kongwattananon, 2013).
Segundo Engelhardt (2012) a receção da sua música na União Soviética foi
conflituosa e complicada. Muitas das suas obras compostas na década de 60 foram
fortemente criticadas. O uso de técnicas seriais em Credo (1968), a sua última obra que
combina técnicas tonais e atonais num contexto serial, resultou numa resposta negativa por
parte das autoridades culturais, que consideraram os estilos musicais de vanguarda ocidental
como "formalistas", dado que o modernismo representa algo estranho à arte soviética, uma
rejeição da herança clássica sob a bandeira da inovação e uma rejeição da ideia da origem
popular da música e do serviço ao povo. No entanto, não foi só o estilo de composição
que causou escândalo após a estreia de Credo, mas também a sua mensagem interna e
a escolha do texto, assim como o uso da colagem, partindo do Prelúdio nº1 do
Primeiro Volume do Cravo Bem Temperado. Com o seu texto em latim Credo in
Iesum Christum o compositor confessou aberta e sinceramente ser religioso, o que foi
considerado provocador e contra o regime soviético da época. Credo foi basicamente
banido e Pärt, assim como a sua música, caiu em desgraça.
Em 1968, o compositor já estava bem adiantado no caminho espiritual para a conversão ao
Cristianismo Ortodoxo, que aconteceu em 1972, ao mesmo tempo em que se casou com sua
segunda esposa Nora, também uma convertida e que teve uma influência profunda em sua
obra desde então. A história da emigração de Pärt e da contínua transformação musical
começa com a crise pessoal e composicional e abrange a perseguição que ele e sua família
viveram. As pressões ideológicas, profissionais e pessoais continuaram a aumentar. A venda
e distribuição da sua obra foi proibida em 1972, apesar da sua performance ser permitida, o
que provocou sérias dificuldades à família (Engelhardt, 2012).

Tintinnabuli

O período pré-tintinnabuli é frequentemente descrito na biografia de Part como mais


explicitamente "modernista" devido à adoção do princípio de colagem que misturava música
do passado com a sua própria. Durante o início dos anos 1970, Pärt afasta-se da composição
modernista (Skipp, 2012).
Em 1976, Pärt surgiu com uma linguagem
musical nova, a que ele chamou de tintinnabuli (de
tintinnabulum - latim para sino pequeno). A técnica
é aparentemente simples, compreendendo apenas duas
linhas musicais unidas num conjunto inseparável: uma
que se move em movimentos graduais e diatónicos, a
voz melódica e a outra que utiliza as notas de uma tríade, a voz tintinnabulli. O novo estilo,
ainda usado atualmente por Part, aparece pela primeira vez numa curta peça para
piano, Für Alina (1976), seguida logo por obras como Cantus in Memory of Benjamin
Britten (1977), Fratres (1977), Tabula rasa (1977) e Spiegel im Spiegel (1978) (Maas
& Sholl, 2017). Mais à frente iremos abordar com maior detalhe as obras Für Alina,
Cantus in Memory of Benjamin Britten e Spiegel im Spiegel, que consideramos ser
ótimos exemplos de como a técnica do tintinnabuli é usada.
A música Tintinnabuli também pode ser descrita como um estilo em que o material
musical é reduzido apenas ao mais importante, onde o ritmo simples e as melodias
muitas vezes progressivas e as vozes triádicas dos tintinnabuli são integrados na
complicada arte da polifonia, expressando o estilo do compositor e a relação especial
com o silêncio. Além disso, tintinnabuli é uma atitude muito pessoal e profundamente
sentida em relação à vida para o compositor, baseada em valores e práticas cristãs,
uma busca pela verdade, beleza e pureza. Aliás, numa entrevista de 1978 com Ivalo
Randalu, Part foi questionado acerca do que andava à procura com a técnica, nomeadamente
se procurava uma tríade ou som fundamental específico. “Eternidade e pureza” foi a resposta
do compositor (Engelhardt, 2012).
Pärt descreveu que a voz melódica representa o mundo subjetivo e o pecado quotidiano,
enquanto a voz tintinnabulli significa perdão. Explicou ainda que a voz melódica pode
aparecer livremente; no entanto, a voz tintinnabuli apega-se firmemente à voz melódia. Essa
ideia pode ser relacionada com o "dualismo eterno", como o "corpo e espírito" ou "terra e
céu". A relação entre as duas vozes é pré-determinada para cada peça, sendo que algumas
obras se baseiam num padrão numérico ou na sintaxe e prosódia de um texto escolhido.
Muitas vezes, esses ideais são combinados (Kongwattananon, 2013).
As primeiras obras neste estilo foram compostas e estreadas em Tallinn, Estónia.
Tal como o espírito de vanguarda dos primeiros trabalhos de Pärt, o aspeto religioso
da sua música tintinnabuli foi alvo de críticas e confrontos com as autoridades
soviéticas. Em janeiro de 1980, Arvo Pärt foi forçado a emigrar. Embora estivesse
proibido de viajar para o exterior, foi-lhe sugerido que usasse a etnia judaica da sua mulher
como suposto motivo para sair do país, o que o compositor aproveitou. Com suposto destino
a Israel, através de Viena, quando chegou à Áustria, um representante da Universal Edition,
supostamente informado por Alfred Schnittke, localiza Part e a sua família, oferecendo-lhes
assistência para a obtenção da cidadania austríaca em troca de trabalho com a Universal
Edition (um relacionamento que durou até o presente). Mais tarde, Pärt candidata-se a uma
Bolsa de estudos para Berlim, que lhe permitiu estabelecer-se nesta cidade, juntamente com a
família, permanecendo ativo como compositor. Na Estónia, foram proibidas as
performances das obras do compositor até à Revolução do Canto (1987-1991) que culminou
na independência da Estónia. Infelizmente Part só pôde regressar à Estónia em 1989, e
mesmo assim, apenas para visitar família e amigos. Só regressou após a
independência, em 1992 (Engelhardt, 2012).
Arvo Pärt vive permanentemente na Estónia desde 2010. No mesmo ano, por iniciativa de
dele e da esposo, o Centro Arvo Pärt foi estabelecido em Laulasma, visando criar e manter o
arquivo pessoal do compositor.

Für Alina

A primeira obra que vamos abordar, Für Alina, foi a obra que estreou o estilo tintinnabuli,
em fevereiro de 1976, depois do longo período de crise criativa que marcou a vida e obra do
compositor. Esta obra foi escrita para a filha de amigos próximos de Arvo e Nora Pärt, Alina,
que fora deixada em Inglaterra, enquanto a sua mãe ficou na União Soviética.
Um dos elementos mais importantes desta obra é o silêncio acústico, das ressonâncias, que
deixam espaço para a contemplação da pureza que este estilo composicional transmite. A
indicação para o instrumentista transmite a informação de que a obra deve ser tocada de
forma calma e elevada, ouvindo o seu interior.
Aqui, Pärt usa a técnica/estilo do tintinnabuli na sua forma mais simples, tendo a mão
direita do pianista uma melodia em si menor, e a mão esquerda a voz do tintinnabuli, que
consiste no contraponto de uma nota da melodia com a nota imediatamente abaixo (neste
caso) do acorde/tríade da harmonia escolhida.

Na imagem em cima, vemos o respetivo contraponto de tintinnabuli (notas com haste para
baixo), à voz da melodia (notas com haste para cima).
A obra tem uma particularidade interessante visto que começa por realizar a melodia
apenas com as primeiras cinco notas (si, dó, ré, mi e fá#), deixando o uso das notas sol e lá
para a parte central, pois este é o único ponto onde o contraponto é, de forma intervalar, mais
tenso (nota sol da melodia com o fá# do tintinnabuli). À medida que a obra chega ao fim, Pärt
volta a filtrar as notas da melodia até repousar na nota si.
Cantus in memory of Benjamin Britten

Arvo Pärt teve conhecimento da morte de Benjamin Britten no dia 5 de dezembro de 1976.
A sua relação com a música de Britten era especial, pois, mesmo nunca o tendo conhecido
pessoalmente, revelava uma grande admiração por ele, comparando a sua pureza musical com
as baladas de Machaut. Pärt estava já a realizar uma obra de caráter elegíaco para orquestra,
que decidiu mediante este acontecimento, dedicar a Benjamin Britten.
Cantus in Memory of Benjamin Britten para orquestra de cordas e sino tubular, começa
com três apontamentos dos sinos e, posteriormente, os violinos que começam a tocar num
registo agudo. Cada naipe, à exceção das violas, toca em divise a 2, sendo que os primeiros
tocam uma melodia descendente que se vai repetindo ao longo do tempo e os segundos a voz
do tintinnabuli correspondente. As relações entre os naipes são distintas de um ponto de vista
temporal. As suas entradas são em cânone e tocam ao dobro da duração. Este cânone termina
com uma estabilização num acorde de lá menor, porém com uma sonoridade bastante densa,
quer ao nível da dinâmica, quer do registo.
A obra foi estreada a 7 de abril de 1977 pela Orquestra Sinfónica Nacional Estoniana
dirigida pelo maestro Eri Klas. Pärt teve a possibilidade de ver a sua obra estreada pela
Orquestra Sinfónica da BBC, em 1978, mas as autoridades soviéticas não permitiram que o
compositor viajasse para Inglaterra. O maestro, em jeito de protesto, recusou realizar a obra
sem a presença do compositor. Em 1979, Pärt consegue viajar para Inglaterra e vê a sua obra
tocada pela Orquestra Sinfónica da BBC, pelo mesmo maestro.

Acerca desta obra estas são as palavras de Arvo Pärt:

It is the clarity of the order that we all perceive consciously or


unconsciously, so that it creates in us vibrations, a kind of resonance. Isn’t
that the mystery of music, of all kinds of music?

Spiegel im Spiegel

A terceira obra em que este trabalho se foca é Spiegel im Spiegel. Esta é uma das obras
mais conhecidas e apresentadas do compositor e é uma das últimas composições antes do
compositor partir da Estónia. Foi uma encomenda do violinista russo Vladimir Spivakov, em
1978, e foi estreada em dezembro do mesmo ano no Conservatório de Moscovo.

A melodia do instrumento segue a fórmula da reflexão, como o próprio título indica,


“Espelho no Espelho”: para cada linha ascendente (nota a nota), há uma linha descendente
que se reflete posteriormente, havendo por fim um retorno ao seu eixo de reflexão – nota lá
(ver imagem abaixo).

Nas palavras do compositor, o retorno à nota lá é um returning home after being away. O
piano acompanha o instrumento melódico usando uma fórmula que se baseia nas notas do
tintinnabuli:

Como pequenos sinos que alternadamente soam acima e abaixo da


linha melódica, seguindo uma fórmula fixa.

Na imagem em cima, no piano, a segunda nota de cada compasso é a nota do tintinnabuli


(em fá maior). As outras notas seguem o desenho ascendente e descendente da melodia.
Esta é uma obra que para Arvo Pärt reflete alguns valores que os compositores e os
músicos (instrumentistas) devem colocar em prática quando fazem música: a pureza e a
inocência – o ego deve ser deixado de parte. Desta obra foram realizadas várias transcrições
do próprio compositor para outros instrumentos, como o violoncelo, que deu origem à
redução da imagem acima.

Outras obras de grande importância


Obras Ano Instrumentação

Credo 1968 Piano, coro SATB,


Orquestra

Sinfonia nº3 1971 Orquestra

Fratres 1977 Três partes musicais sem


instrumentação fixa

Tabula Rasa 1977 2 violinos, orquestra de


cordas e piano preparado

Soprano, Contratenor
Stabat Mater 1985 (alto), tenor, violino, viola e
violoncelo

Bibliografia/Webgrafia

Centro Arvo Pärt. disponível em https://www.arvopart.ee/en/


1. https://www.arvopart.ee/en/arvo-part/biography/
2. https://www.arvopart.ee/en/arvo-part/works/
3. https://www.arvopart.ee/en/arvo-part/work/477/
4. https://www.arvopart.ee/en/arvo-part/work/387/
5. https://www.arvopart.ee/en/arvo-part/work/544/

Engelhardt, J. (2012). Perspectives on Arvo Pärt after 1980. Cambridge: Cambridge


University Press;
Kongwattananon, O (2013). Arvo Pärt and three types of his Tintinabulli Technique.
Texas: North Texas University;

Kramer, J. (2002). The Nature and Origins of Musical Postmodernism. New York:
Routledge;

Maas, S. & Sholl, R. (Eds.) (2017). Contemporary Music and Spirituality. New York:
Routledge;

Michels, U. (2007). Atlas de Música. Lisboa: Gradiva;

Skipp, B. (2012). The minimalism of Arvo Pärt: an ‘antidote’ to modernism and


multiplicity? Cambridge: Cambridge University Press;

Tate (s/d). Art Terms: Postmodernism. Disponível em: https://www.tate.org.uk/art/art-


terms/p/postmodernism

Você também pode gostar