O mestre aprendiz:
O legado de Oswaldo Bratke no Amapá
Dezembro 2020
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
DINTER UFRJ/UNIFAP
O mestre aprendiz:
O legado de Oswaldo Bratke no Amapá
RIO DE JANEIRO - RJ
Dezembro 2020
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MARIO LUIZ BARATA JUNIOR
O mestre aprendiz:
O legado de Oswaldo Bratke no Amapá
Aprovado em ____/____/_____
____________________________________________________________
Prof. Dr. Cristovão Fernandes Duarte (orientador) - PROURB/FAU/UFRJ
___________________________________________________________
Prof.ª Dra. Denise B. Pinheiro Machado - PROURB/FAU/UFRJ
____________________________________________________________
Prof.ª Dra. Andréa Lacerda de Pessôa Borde - PROURB/FAU/UFRJ
____________________________________________________________
Prof.ª Dra. Patricia Maya Monteiro - FAU-UFRJ
________________________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Pessoa - FAU-UFRJ
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Para Bárbara e para duas Marias,
minha mãe e minha filha..
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Agradecimentos
Para um só feito é necessário uma constelação de eventos, assim agradeço a todos que de
alguma forma participaram direta ou indiretamente dessa trajetória. Em primeiro lugar aos
meus pais, Mario e Maria, que mostraram alguns caminhos enquanto eu queria correr, mas
não sabia a direção. Agradeço também, a professora Oneide, por ter me apresentado às letras
e as palavras e assim escrever muitas coisas. Um agradecimento muito especial ao meu
orientador Prof. Cristovão Duarte, pela paciência, pelo acolhimento e por mostrar pistas
preciosas nesse processo, sem ele, o que está escrito não seria possível.
Não poderia deixar de agradecer aos meus familiares que me sempre incentivaram nesse
percurso. Aos meus filhos Anitha e Arthur que mesmo de longe vibravam a cada página
escrita
Agradeço também aos alunos que tive a oportunidade de conviver ao longo de toda carreira
acadêmica, em parte, esse trabalho só faz sentido se voltar alguma coisa para sala de aula do
que foi aprendido aqui. Agradeço aos colegas que mobilizaram energias para que o programa
do DINTER acontecesse entre eles Professor Pedro Mergulhão (no embrião da ideia), aos
coordenadores professor Alberto Tostes e professora Eliane Bessa e a todos os professores do
DINTER, aprendi muito com vocês. A CAPES, pelo aporte técnico e financeiro para nossa
mobilização ao estágio no Rio de Janeiro. Ao pessoal do ICMBio que deu apoio logístico e
institucional para conseguirmos realizar a viagem pelos rios Araguari e Amapari. Ao geógrafo
e fotógrafo Herialdo Monteiro que fotografou toda a viagem pelos rios. Aos colegas
arqueólogos do Museu Goeldi, por mostrarem o caminho de volta. Aos Wajãpi, em especial a
Sara Wajãpi, por ter me explicado pacientemente como construir uma casa da cultura Wajãpi.
Ao engenheiro Maurício Ribeiro e sua esposa Severa, por abrir sua casa projetada por Bratke
em Vila Amazonas, servindo deliciosos almoços e jantares. Ao engenheiro e ex-diretor da
ICOMI Ortiz Vergolino, por abrir seus arquivos com preciosas informações do projeto.
Por fim, mas não menos importante, queria agradecer a dois seres muito especiais na minha
vida, Bárbara Damas, minha esposa e com quem divido o pão, que dedicou muitos cafés em
nossas conversas sobre o tema e por sugerir outros olhares sobre o mundo, se não fosse por
sua paciência e parceria eu não teria chegado até aqui, você soube me mostrar que mais
importante que o tempo é a direção, e agradeço a Maria minha filha, companheirinha que
dividiu ao meu lado a mesa de trabalho nos meses finais da escrita dessa tese.
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RESUMO
BARATA JR., Mario Luiz. O mestre aprendiz: O legado de Oswaldo Bratke no Amapá
Orientador: Prof. Dr. Cristovão Fernandes Duarte
Rio de Janeiro, 2020. Tese (Doutorado em Urbanismo)- Programa de Pós-graduação em
Urbanismo (PROURB). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Essa tese se propõe a estudar o processo do arquiteto Oswaldo Arthur Bratke em sua peculiar
arquitetura da alteridade na elaboração do projeto da Vila Amazonas e da Vila Serra do
Navio, realizados em 1955, para a Indústria e Comércio de Minérios S.A. (ICOMI),
localizadas a 20 km e 200 km, respectivamente, da cidade de Macapá, capital do Estado do
Amapá. Também faz parte do objeto dessa pesquisa, a investigação sobre a disseminação de
algumas características arquitetônicas das edificações do projeto, especialmente as janelas
com venezianas móveis, em algumas construções residenciais e institucionais das cidades de
Macapá, Santana, Porto Grande, Pedra Branca do Amapari e outras localidades próximas ao
projeto de Serra do Navio. Mostra que a bibliografia sobre as características técnicas tanto das
soluções urbanas, quanto das edificações elaboradas por Bratke, assim como estudos pós-
ocupacionais já foram realizados e atendem ao que se propõem, mas verificou-se que, devido
à importância do projeto na história da região Amazônica, as soluções arquitetônicas simples,
coerentes e eficazes desenvolvidas por Bratke e o diálogo com a cultura local, os estudos
sobre o assunto poderiam avançar em direções ainda não observadas. Por fim, sugere que há
um campo em aberto no que se refere ao aproveitamento dessa experiência arquitetônica
vivenciada no planejamento de um núcleo urbano e nas edificações das duas vilas que
sobrevivem até os nossos dias e suprem as mesmas necessidades propostas na sua origem.
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ABSTRACT
BARATA JR., Mario Luiz. The apprentice master: Oswaldo Bratke's legacy in Amapá
Advisor: Prof. Dr. Cristovão Fernandes Duarte
Rio de Janeiro, 2020. Thesis (Doctorate in Urbanism) - Postgraduate Program in Urbanism
(PROURB). Faculty of Architecture and Urbanism (FAU), Federal University of Rio de
Janeiro.
This thesis proposes to study the process of the architect Oswaldo Arthur Bratke in his
peculiar architecture of alterity in the elaboration of the Vila Amazonas and Vila Serra do
Navio project, carried out in 1955, for Indústria e Comércio de Minérios SA (ICOMI), located
20 km and 200 km, respectively, from the city of Macapá, capital of the State of Amapá. Also
part of the object of this research is the investigation of the dissemination of some
architectural features of the project's buildings, especially the windows with mobile shutters,
in some residential and institutional buildings in the cities of Macapá, Santana, Porto Grande,
Pedra Branca do Amapari and other locations close to the Serra do Navio project. It shows
that the bibliography on the technical characteristics of both urban solutions and the buildings
elaborated by Bratke, as well as post-occupational studies have already been carried out and
meet what is proposed, but it was found that, due to the importance of the project in the
history of Amazon region, the simple, coherent and effective architectural solutions developed
by Bratke and the dialogue with the local culture, studies on the subject could advance in
directions not yet studied. Finally, it suggests that there is an open field with regard to the use
of this architectural experience lived in the planning of an urban nucleus and in the buildings
of the two villages that survive until today and supply the same needs proposed in its origin.
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Índice de figuras
Figura 02: Simulação da produção das pinturas rupestres da região de Monte Alegre.........................................32
Figura 03: Pinturas rupestres da Caverna da Pedra Pintada - Monte Alegre – PA................................................33
Figura 08: Mapa dos principais sítios arqueológicos e culturas mais significativas da Amazônia
brasileira..................................................................................................................................................................37
Figura 12: Sara e a construção da casa Wajãpi – Jura. Museu Sacaca, Macapá-AP.............................................41
Figura 13: Vista lateral da casa Wajãpi – Jura. Museu Sacaca, Macapá-AP.........................................................42
Figura 14: Foto casa Construção da casa Wajãpi – Jura. Museu Sacaca, Macapá-AP. Foto: Bárbara
Souza.......................................................................................................................................................................42
Figura 18: Fortaleza de São José de Macapá com Rio Amazonas ao fundo.........................................................46
Figura 24: Foto Blimps de patrulhamento da costa do Amapá - Base Aérea do Amapá, 1944.............................57
Figura 25: Foto da esquerda para direita. Mario Cruz, Augusto Antunes e Fritz Ackermann, data provável
dezembro de 1946...................................................................................................................................................62
Figura 26: Geólogo Fritz Arckemann nas jazidas de manganês em Serra do Navio, 1953..................................63
Figura 27: Foto em primeiro plano a jazida Clemente e ao fundo, na outra margem do Rio Amapari encontra-se
o acampamento provisório de Vila Terezinha – data provável da foto 1953.........................................................64
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Figura 28: Equipe de diretores e técnicos, Augusto Antunes, presidente da ICOMI é o primeiro da esquerda para
direita e o geólogos Fritz Arckermann é o terceiro, de camisa xadrez...................................................................65
Figura 32: Acampamento provisório Serra do Navio. Foto Tibor Jablonsky 1953...............................................67
Figura 33: Acampamento provisório Serra do Navio. Foto Tibor Jablonsky 1953...............................................67
Figura 34: Acampamento provisório Serra do Navio. Vila Terezinha. Sem data..................................................68
Figura 35: Balsa com carregamento de manganês, Rio Amapari. Sem data........................................................68
Figura 36: Mapa Estrada de Ferro Serra do Navio – Porto Santana. 1985............................................................69
Figura 38: Construção de ponte sobre o Rio Amapari. 219 mt.. Sem data............................................................70
Figura 44: Foto da inauguração Porto de Santana – Presidente Juscelino Kubitschek, descendo as escadas do
navio Lobo D’Almada............................................................................................................................................77
Figura 50 – Aula no curso de engenharia arquitetura Ateliê de arquitetura do Mackenzie College – data provável
1929 -30 – Bratke está de camisa clara e é sétimo da esquerda para direita. Christiano das Neves é terceiro da
direita para esquerda...............................................................................................................................................84
Figura 53: Perspectiva feita por Bratke do viaduto Boa Vista ..............................................................................88
Figura 57: Casa Freguesia do Ó – primeiro projeto do escritório Bratke & Botti.................................................92
10
Figura 58: Residência Rua Marechal Bitencourt, São Paulo, 1938/1939..............................................................93
Figura 68: Foto fachada Casa/ateliê da Rua Avanhandava – São Paulo-SP. Detalhe para utilização do elemento
vazado no muro frontal.........................................................................................................................................103
Figura 71: Sala de estar. A direita encontra-se a lareira com o painel de Lívio Abramo e ao fundo, à esquerda, a
porta com grade na diagonal que integra o pequeno terraço coberto visto nas fotos anteriores - Lívio
Abramo..................................................................................................................................................................105
Figura 72: Perspectiva Lívio Abramo: Sala de jantar. Ao fundo vê-se a esquadria que conecta com a
garagem.................................................................................................................................................................105
Figura 73: Perspectiva de Lívio Abramo - Sala estar com o detalhe da porta de acesso ao jardim
lateral....................................................................................................................................................................106
Figura 74: Perspectiva de Lívio Abramo – cozinha: vê-se a porta ao fundo que dava acesso ao hall de entrada da
casa........................................................................................................................................................................106
Figura 79: Oswaldo Bratke, em primeiro plano de camisa clara, com o engenheiro Peter
Wood.....................................................................................................................................................................114
Figura 80: Foto Bratke do Rio Amapari com pedras no seu leito........................................................................115
Figura 82: Foto Bratke: casa ribeirinha no seu dia-a-dia. Nota-se a cobertura com telhas em
madeira..................................................................................................................................................................116
Figura 83: Foto Bratke: casa típica dos nativos da Amazônia. Essa tipologia é bastante peculiar pela
similaridade da moradia dos Wajãpi (ver fig. 17), etnia nativa da região da Serra do Navio...............................117
11
Figura 85: Desenho Bratke casa ribeirinha.........................................................................................................118
Figura 88: Sra. Yolanda, esposa do geólogo Breno de Souza, com a filha do casal, Vila Serra do Navio
1964.......................................................................................................................................................................123
Figura 96: Desenho de Bratke sobre os ventos e insolação nas edificações das Vilas Serra do Navio e
Amazonas..............................................................................................................................................................129
Figura 105: foto do estúdio finalizado, o destaque para os detalhes das esquadrias com quebra sol e dos pilares
duplos em madeira...............................................................................................................................................136
Figura 106: Colégio Santa Bartoloméa de Capitânio, primeira escola particular de Macapá, inaugurada em 1961.
Foi uma das primeiras edificações a utilizar veneziana móvel............................................................................137
Figura 108: Detalhe do desenho da primeira esquadria móvel, desenhada por Bratke.......................................139
Figura 109: Projeto da veneziana móvel para Hospital Vila Amazonas, com ferragens em
alumínio...............................................................................................................................................................140
Figura 110: Projeto da veneziana móvel para Hospital Vila Amazonas, com ferragens em
alumínio.................................................................................................................................................................140
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Figura 114: Aerofogametria da cidade de Macapá - 1966 ..................................................................................146
Figura 116: Casa 1; utilização de veneziana móvel na lateral e pilar duplo frontal. Distância da Vila Amazonas
150 mts, aproximadamente...................................................................................................................................150
Figura 117: Casa 2: utilização de veneziana móvel na lateral. Distância da Vila Amazonas, 150 mts,
aproximadamente.................................................................................................................................................150
Figura 118: Casa 3: utilização de veneziana móvel na lateral. Distância da Vila Amazonas, 150 mts,
aproximadamente.................................................................................................................................................151
Figura 119: Casa 4: utilização de veneziana móvel na lateral. Distância da Vila Amazonas, 400 mts,
aproximadamente.................................................................................................................................................151
Figura 120: Casa 5: utilização de veneziana móvel frontal e lateral. Distância da Vila Amazonas, 1500 mts,
aproximadamente.................................................................................................................................................152
Figura 121: Casa 6: Venda de Açaí. Utilização de pilares duplos. Distância da Vila Amazonas, 700 mts,
aproximadamente.................................................................................................................................................152
Figura 122: Casa 7: utilização de veneziana móvel frontal e lateral. Distância da Vila Amazonas, 200 mts,
aproximadamente. Ao parte das edificações com as venezianas....................................................................153
Figura 124: Residência as proximidades do bairro Santa Rita. Apesar de ser um projeto simples o construtor
buscou um diferencial estético que lembra as inclinações utilizadas por Bratke..................................................156
Figura 125: Residência em madeira construída em área nobre da cidade. As venezianas estão presentes em
quase toda a casa. Na varanda notam-se as cadeiras com desenho do arquiteto que também se tornaram muito
populares.............................................................................................................................................................157
Figura 126: A mesma residência fotografada em 2019. Nota-se que apesar da instalação dos aparelhos de ar
condicionado, as venezianas não foram substituídas............................................................................................157
Figura 131: Residência situada na esquina de uma das ruas principais da cidade...............................................160
Figura 133: Residência na zona norte da cidade. Presença das venezianas móveis nas fachadas frontal e
lateral..................................................................................................................................................................161
Figura 134: Esta residência foi vendida e demolida em 2018. Bairro central. As venezianas móveis estavam
presentes na lateral da casa.................................................................................................................................161
Figura 136: Residência localizada bairro Santa Rita. Venezianas móveis na fachada........................................162
Figura 137: Residência localizada em bairro do Trem. Venezianas móveis na fachada e lateral.......................163
Figura 138: Residência localizada no bairro Santa Rita com venezianas móveis no andar
térreo....................................................................................................................................................................163
13
Figura 139: Residência localizada no bairro Santa Rita. Venezianas móveis no andar superior.......................164
Figura 141: Residência na Zona Norte da cidade. Venezianas móveis no andar superior.................................165
Figura 142: Residência na Zona Norte da cidade. Venezianas móveis na fachada lateral no andar
superior.................................................................................................................................................................165
Figura 143: Escola Castro Alves na Zona Norte da cidade, utilização das venezianas móveis. Após a colocação
de aparelhos de ar condicionado, as janelas foram vedadas com um filme plástico
transparente...........................................................................................................................................................166
Figura 145: Acampamento Base Serra do Navio – data provável, início da década de 1950.............................167
Figura 147: Residência próxima ao Rio Araguari. Venezianas móveis na fachada lateral................................169
Figura 148: Residência próxima ao Rio Araguari. Venezianas móveis na fachada lateral................................170
Figura 150: Residência 3 próxima ao Rio Araguari. Venezianas móveis na fachada lateral..............................171
Figura 155: Casa de apoio para ferrovia. Venezianas móveis teladas. 2012......................................................174
Figura 156: Residência de apoio para ferrovia. Venezianas móveis teladas. 2012............................................175
Figura 159: Escola Estadual Florença Torres de Araújo. Detalhe corredor. 2012..............................................176
Figura 171: Diário da viagem: mapa trecho Porto Grande e Serra do Navio. 2020............................................187
Figura 172: Diário da viagem: Encontro dos Rios Amapari e Araguari. 2020....................................................187
Figura 173: Diário da viagem: Casa Sr. Antônio. Rio Amapari. 2020................................................................188
Figura 174: Diário da viagem: Casa Sr. Antônio escada de acesso. Rio Amapari. 2020....................................188
Figura 178: Diário da viagem: Casa Sr. Canuto e D. Maria Helena. Segunda parada. 2020..............................190
Figura 180: Diário da viagem: D. Maria Helena, filho e notas. Segunda parada. 2020......................................191
Figura 181: Diário da viagem: Sr. Canuto e o autor. Segunda parada. 2020......................................................191
Figura 184: Diário da viagem: Entorno casa Sra. Raimunda. Terceira parada. 2020.......................................192
Figura 185: Diário da viagem: Casa Senhora Raimunda ao fundo. Terceira parada. 2020..............................193
Figura 187: Diário da viagem: Quarta parada. Casa do Sr. Vitô e Sra. Oneide. 2020......................................194
Figura 188: Diário da viagem: Quarta parada. Primeira casa do Sr. Vitô e Sra. Oneide, construída por ele junto
com o pai, ao longo da viagem foi a única casa com cobertura em cavaco que encontramos.
2020......................................................................................................................................................................195
Figura 189: Diário da viagem: Quarta parada. Primeira casa do Sr. Vitô e Sra. Oneide.
2020......................................................................................................................................................................195
Figura 191: Diário da viagem: Casas próximo ao Distrito de Cupixi. 2020.............................................. ......196
Figura 192: Diário da viagem: Casas entre Distrito de Cupixi e cidade de Pedra Branca do Amapari.
2020.......................................................................................................................................................................197
Figura 193: Diário da viagem: Casa S. Francisco e D. Maria próxima à cidade Pedra Branca do Amapari.
2020.......................................................................................................................................................................197
15
Figura 194: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis próxima à cidade Pedra Branca do Amapari.
2020.......................................................................................................................................................................198
Figura 195: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis próxima à cidade Pedra Branca do Amapari.
2020.......................................................................................................................................................................198
Figura 196: Diário da viagem: Árvore Sumaumeira próximo a cidade de Pedra Branca do Amapari.
2020.......................................................................................................................................................................199
Figura 197: Diário da viagem: Casa próxima à cidade Pedra Branca do Amapari. 2020..................................199
Figura 198: Diário da viagem: Ponte da ferrovia sobre o Rio Amapari. Ao fundo à cidade Pedra Branca do
Amapari. 2020.......................................................................................................................................................200
Figura 201: Diário da viagem: Chegada em Serra do Navio. Casa dos barcos. Posto avançado ICMBio.
2020......................................................................................................................................................................201
Figura 202: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis entre Serra do Navio e esteira da extração do
minério. 2020.......................................................................................................................................................202
Figura 203: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis entre Serra do Navio e esteira da extração do
minério. 2020......................................................................................................................................................202
Figura 204: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis entre Serra do Navio e esteira da extração do
minério. 2020.......................................................................................................................................................203
Figura 205: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis próxima a Serra do Navio. 2020.......................203
Figura 207: Diário da viagem: detalhe da antiga esteira da extração do minério. 2020.....................................204
Figura 208: Diário da viagem: Retorno à Porto Grande. Anotações finais. 2020............................................205
16
SUMÁRIO
17
6.2 - ARQUITETURA AO VENTO: CIDADE DE MACAPÁ......................................154
6.3 - ARQUITETURA AO VENTO: ENTRE PORTO GRANDE E SERRA DO
NAVIO.............................................................................................................................167
7 - RETORNO À TRILHA: Registros de um caderno de viagem..........................................178
7.1 – DIÁRIO DE BORDO.............................................................................................181
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................207
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................213
18
1 - CARTA AO ARQUITETO: O TRILHO E A TRILHA
19
Caro Sr. Bratke,
Sei que o senhor não me conhece, não pessoalmente. Mas, creio que já o conheço um pouco
por meio dos vestígios deixados nas suas obras como arquiteto e também pelos seus desenhos
e pinturas. Venho observando seu trabalho há anos, para ser sincero desde garoto quando
tempos atrás morei na cidade de Macapá, no estado do Amapá. Naquela altura, as formas do
seu projeto e como seriam aquelas casas tão faladas brotavam na minha imaginação ao ouvir
as conversas entre os adultos sobre as “Vilas da ICOMI” e as coisas boas que existiam por lá,
geralmente isso acontecia nas manhãs de domingo quando havia em casa um convidado para
almoçar. Naquela ocasião nem passava pela minha mente que poderia existir uma profissão
que cuidasse com dedicação e esmero os espaços das moradias das pessoas.
Sei também, que ao escrever essa carta não irei obter resposta direta sua, digo, uma resposta
por escrito. No entanto, pela sua maneira idiossincrática de conversar e se expressar através
dos seus desenhos, o senhor foi gradativamente respondendo algumas perguntas, não todas,
que me fiz ao longo desse tempo quando pude entender um pouco mais do seu projeto no
Amapá, especialmente depois de iniciar o curso de arquitetura. Nas aulas de projeto continuei
escrevendo muitas cartas mentais para o senhor, fazendo perguntas que rondavam minha
curiosidade acadêmica naquele momento e alguns professores, que já haviam conhecido o
projeto de perto, comentavam o quanto era interessante às soluções encontradas e diziam que
deveríamos ir lá para aprender mais isso aumentava mais ainda minha vontade de um dia ver
tudo isso de perto.
Em 1987, Um ano após a conclusão do curso de arquitetura, voltei a Macapá e tive a chance
de visitar pessoalmente o seu projeto de Vila Amazonas, confesso que ao ver aquele conjunto
de casas, jardins e árvores nas ruas, escola, hospital, centro comercial, o ir e vir das pessoas
nas ruas e outras tantas cuidando dos seus jardins no final da tarde foi uma experiência muito
significativa para minha vida. A oportunidade de estar diante daquela aldeia modernista a
margem do Rio Amazonas trouxe mais reflexões e perguntas. Era tudo muito pulsante,
mesmo passados quase três décadas de sua inauguração. Com um olhar de recém-formado,
lembrava dos conselhos dos antigos professores e tentava ver cada detalhe, cada encaixe,
buscava ouvir o diálogo das edificações com as vias, observar a movimentação da topografia
para deixar as casas mais altas, tudo estava ali, diante dos meus olhos, o senhor respondendo
de forma gentil, muitas das perguntas que fiz. Fotografei pouco para um projeto dessa
natureza, mas muito para uma máquina de poucos recursos, com filmes limitados a 36 chapas
20
e na companhia de um motorista um pouco apressado. Mas, ao ver cada detalhe das
edificações desenhados com primazia e dedicação tudo soava como um tratado representando
as suas convicções sobre a responsabilidade do arquiteto perante o bom projeto. A impressão
que marcou em mim foi que a arquitetura, realmente, poderia ajudar a deixar melhor a
experiência de viver das pessoas.
Naquele período poucos artigos e nenhum livro ainda haviam sido lançados a respeito dos
projetos das Vilas no Amapá, o que ouvíamos, como disse, eram relatos de alguns de nossos
professores e pessoas que tinham visitado o local. O livro de Benjamin Ribeiro contando a
experiência da Serra do Navio iria ser lançado cinco anos depois e o livro do Professor Hugo
Segawa sobre a sua obra sairia somente em 1997. Livros esses que ao serem lidos, assim
como os artigos acadêmicos e matérias em revistas especializadas com escritos sobre o
senhor, continuaram respondendo as novas perguntas que haviam surgido durante aquela
viagem. No entanto, não consegui encontrar mais detalhes sobre algo que me chamou
atenções – as venezianas móveis - encontradas em diversos bairros da cidade de Macapá, de
casas simples as mais elaboradas, em madeira ou alvenaria, uma versão adaptada e mais
simples da janela que senhor usou no projeto das vilas no Amapá, mas o princípio era o
mesmo. Confesso que fiquei curioso em saber um pouco mais sobre esse fenômeno tão
marcante aos olhos do visitante.
Passados quase três décadas da viagem de retorno à Macapá, em 1987, tive a oportunidade
trabalhar na cidade, justamente como professor no Curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Amapá. Desta vez, e depois de ter passado todo esse tempo, estava
esperando a oportunidade de retornas as vilas. E por um desses acasos da vida, a Universidade
ficava a poucos quilômetros da Vila Amazonas, na cidade de Santana. A partir daí, o que
ocorreu foi uma sequência de eventos que me levaram de volta a Vila Amazonas e a conhecer
a Vila Serra do Navio, a mais famosa entre elas. Reencontrei um velho amigo engenheiro que
estava morando na Vila Amazonas, em uma das casas que o senhor projetou para os
funcionários mais graduados da ICOMI. Foi como um presente poder visitar e conviver
naquela casa. Ela estava muito bem conservada e quase toda original, com lustres, pisos em
pastilhas, as venezianas móveis com as palhetas em cedro o sistema de abertura e fechamento
em alumínio ainda funcionando firmemente, do jeito que o senhor projetou. Houve uma
sinergia ao experimentar o efeito da iluminação indireta dentro das vigas da sala de estar e
jantar e ao sentir a brisa fresca após um dos almoços de domingo, sentado na varanda lateral.
21
Poder perceber o quanto aquela edificação ainda estava jovem e atuante, mesmo depois de
passados sessenta e cinco anos da sua construção foi a constatação do quanto o senhor se
empenhou para que aquelas edificações fossem salubres e deixassem as pessoas bem. E ao
sair dali para caminhar pelas ruas da Vila Amazonas, que nos dias atuais é uma vila aberta
com algumas casas modificadas pelos novos moradores, pude sentir o frescor das edificações
que persistem em ficar de pé conservando boa parte da sua estrutura original e perceber que
mesmo com suas rugas arquitetônicas naturais surgidas com o passar dos anos, ainda eram
jovens, atuais e atuantes. Andar pelas ruas traçadas com leve e discreta sinuosidade e observar
a estrutura urbana com a escola, centro de convivência, comércio, e tudo mais me levou de
volta ao tempo através da forma mais direta que poderia ser - era estar ali diante de tudo e
sentir através dos cinco sentidos o quanto seu pensamento arquitetônico contribuiu junto à
vida dos moradores das duas vilas.
Tempos depois, em uma dessas pausas que aparecem nos caminhos da vida, tive a
oportunidade de seguir o conselho da placa de aviso fixada no cruzamento da ferrovia que vai
para Serra do Navio com a rodovia que liga Macapá à Santana e com isso ultrapassar a linha
do Equador e seguir mais ao Norte, em busca de conhecimentos mais profundos sobre a
região, as culturas nativas, a troca de saberes, as experiências externas, o clima e tudo que
pudesse ajudar na feitura dessa tese que envio para sua apreciação. Sua opinião a respeito do
que está escrito é de muita valia, mas sei que nunca virá.
22
23
2 - INTRODUÇÃO
24
Dentre as coisas impermanentes criadas pelo homem a arquitetura é dessas coisas que, por
genética de fixação ao lugar, se torna um pouco mais permanente ao longo do tempo. Com
sorte e mesmo que seja resignificada, pode ser vista e utilizada por muitas gerações sem
perder de todo suas características morfológicas. Essa percepção da permanência dentro da
impermanência, mesmo sem ter noção do que isso significava, fez parte das inquietações
surgidas durante o período da graduação no curso de arquitetura e urbanismo que tive a
oportunidade de realizar e que, de certa maneira, fez pano de fundo para os caminhos traçados
até aqui, quer dentro da academia atuando como professor quer fora dela desenvolvendo
projetos de arquitetura, ou registrando os lugares por onde passei em desenhos e aquarelas, ou
mesmo ilustrando livros para crianças que falavam sobre lugares e cidades. Essa curiosidade
sobre como os lugares e objetos que geram significado em nós, me levou a buscar mais
conhecimento em outros campos do saber dentro da academia. Entender esse processo de
significação, que parecia se tratar de um problema de linguagem, me levou, em 1999, ao
mestrado na área da comunicação e culturas contemporâneas, na Universidade Federal da
Bahia. Nessa ocasião, pude entrar em contato com autores até então desconhecidos para mim
tais como, Stuart Hall, David Harvey, Homi Bhabha, Pierre Levy, Roland Barthes, Umberto
Eco, Marshall MacLuhan, dentre outros e estudar semiótica, cibercultura, filosofia e estudos
culturais. Foi lá que surgiu a oportunidade de perceber a interação da arquitetura e da arte com
outras áreas do conhecimento e dar um pequeno passo adiante na percepção de como ocorria à
comunicação entre os objetos criados, a criatura que os criou e as criaturas a quem se
destinavam. Assim, percebi que a arquitetura e as cidades se enquadravam na categoria dos
objetos criados e a percepção da sua relação com todo se tornou um pouco mais claro.
25
tive a oportunidade de retornar como professor do curso de arquitetura da Universidade
Federal do Amapá.
Motivado por essa trajetória de vida, pelo retorno a cidade em que dei meus primeiros passos
e pela percepção da relevância para região do projeto de implantação e construção da Vila
Amazonas e Vila Serra do Navio (como parte do projeto ICOMI) na história recente de
Macapá é que se pretendeu buscar nesta pesquisa, um aprofundamento e um entendimento
maior da relação existente entre arquitetura, as cidades próximas a implantação das duas vilas
e a comunicação e de uma certa identidade arquitetônica, assim como poder acrescentar aos
estudos já existentes sobre o assunto, uma parcela pequena de conhecimento tanto ao curso de
arquitetura da Universidade Federal do Amapá quanto para aos moradores das cidades de
Santana e Macapá, sobre o processo criativo de Oswaldo Arthur Bratke e sua peculiar
arquitetura da alteridade na concepção dos projetos dos núcleos urbanos e arquitetônicos
propostos para Companhia de mineração.
26
é hoje a cidade de Santana) as margens da foz do Rio Amazonas. Para escoar o minério e
interligar as duas vilas foi construída uma linha férrea de 193 km. de extensão.
A Vila Amazonas está situada próximo à cidade de Macapá e está interligada por uma via de
aproximadamente 20 Km. já existente desde a sua construção e, apesar da sua autonomia e
autossuficiência proposto pelo projeto de Bratke, houve um intercâmbio natural de entre os
habitantes das duas cidades, ora para apoio burocrático e suporte de mão de obra, ora para
trocas culturais e sociais. A existência de uma ligação entre as duas por uma via leva a
deduzir, trocas:
A existência das cidades pressupõe, portanto, desde sua origem, uma divisão técnica, social
e espacial da produção, e implica trocas de natureza diversa entre aqueles que produzem
bens manufaturados (artesãos), bens simbólicos (religiosos, artistas, etc.), o poder e a
proteção (guerreiros). (ARCHER, 2010, p.19)
Considerando a distância geográfica entre a Vila Amazonas e a cidade de Macapá essa troca
aconteceu, mesmo que tímida no seu início. Apesar da cidade de Macapá ter sua criação
datada do período Pombalino (1758) com a fundação da Vila de São José de Macapá, a
chegada do projeto de extração de Manganês, renova a brisa de certa “modernidade” surgida,
em um primeiro momento, com a criação do Território Federal do Amapá uma década antes.
Essa modernidade estava materializada, não somente pelo maquinário da extração do minério
ou mesmo pela implantação da linha férrea, mas também pelas características estéticas das
novas edificações construídas tanto na Serra do Navio, quanto na Vila Amazonas, assim como
pela movimentação de seus novos habitantes. Vale lembrar que poucos anos antes do
processo de extração do minério, outro projeto também com certa envergadura logística havia
sido implantado na região - a Base Aérea do Amapá –a cerca de 300 km. ao norte da cidade
27
de Macapá. Vale ressaltar, que o projeto da ICOMI apesar de ser pioneiro no campo da
exploração mineral industrializada e teve grande impacto econômico e social, justificando por
si só o a importância deste e de muitos outros trabalhos acadêmicos sobre o tema, no entanto,
não foi objetivo desta pesquisa analisar os impactos sociais causados pelo assentamento
humano em si. Sem deixar de ressaltar que a presença da cultura administrativa deixada pela
mineradora ICOMI marcou a memória recente de seus moradores, que, de uma maneira ou de
outra tiveram suas vidas, de amigos ou de parentes próximos, entrelaçadas com esse
A princípio delimitamos um espaço temporal para essa verificação que começa no ano de
1957, quando tem é iniciado o projeto de construção das vilas e indo até o ano de 1997, ano
que começa o processo de desligamento da ICOMI junto à exploração das minas. No entanto,
no decorrer da pesquisa bibliográfica e durante o transcurso das disciplinas propostas no
doutoramento, percebeu-se que a delimitação temporal não iria interferir na proposta da
pesquisa e com isso a análise se deu até os dias atuais.
1
O sentido de alteridade utilizado neste contexto é visto como o reconhecimento, por parte do arquiteto
Bratke, da existência de pessoas e culturas com singularidades e subjetividades, com um modo próprio de
perceber o mundo que o cerca diferente do seu.
28
A pesquisa partiu de duas hipóteses: a primeira, que a alteridade do mestre aprendiz se dá de
maneirar interligada e começa bem antes da formação acadêmica oficial. A segunda, que a
apropriação, por parte da população local, de alguns elementos arquitetônicos do projeto
aconteceu a partir do treinamento da mão de obra local e sua migração para as cidades
vizinhas após conclusão das duas Vilas.
Para isso, partimos dos seguintes pressupostos que nortearam esse estudo:
- Significamos as coisas criadas a partir dos sensores do nosso corpo (olho, ouvido, boca,
nariz e pele);
- Dentre os objetos criados, a arquitetura e a cidade, são objetos que interferem, a todo o
momento, nos sensores do nosso corpo;
29
Com relação ao material pesquisado sobre os primeiros habitantes da Amazônia e ocupação
do Amapá, encontra-se estruturado nos livros, artigos e teses de arqueólogos do Museu
Goeldi e Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, dentre os quais se destacam
Edithe Pereira, Anne Py-Daniel, Claide Moraes e de pesquisadores do grupo História da
Universidade Federal do Pará e da Associação Wajãpi a Terra Ambiente e Cultura. Nesse
tópico em especial, a oportunidade de participar de projetos da arqueologia proporcionou a
ida a sítios arqueológicos na região de Monte Alegre e fazer registros fotográficos e desenhos
e aquarelas das pinturas rupestres. Assim como tivemos a oportunidade de ver a construção da
de uma casa Wajãpi realizada no museu Sacaca por Sara Wajãpi e outros nativos da reserva
indígena Montanhas do Tumucumaque, localizada próximo a Serra do Navio.
Refizemos também uma pesquisa de campo com visita as duas vilas, sendo uma dessas visitas
à Vila Serra do Navio, realizada a partir da rota original que era feita na implantação do
projeto, ou seja, subindo os Rios Araguari e Amapari por meio de pequeno barco a motor.
Fizemos também um levantamento fotográfico nas duas vilas, na rodovia que liga Macapá à
Vila Serra do Navio e nas cidades próximas para coletar, identificar e registrar material
relevante a tese. Também foram feitos registros atuais de edificações que permanecem com
sua estrutura arquitetônica original nas duas vilas, além de entrevistas com os atuais e antigos
moradores das vilas assim como com carpinteiros que aprenderam seu ofício através de
profissionais ligados ao projeto. Embasados nestes dados e no trabalho de campo, foi possível
identificar características relevantes que geraram subsídios para identificar a hipótese
levantada. Ao mesmo tempo, as entrevistas serviram de base para o entendimento do processo
de intercâmbio ocorrido entre a cidade de Macapá e as Vilas Amazonas e Serra do Navio. No
momento posterior, realizado na cidade de Macapá, foram elencadas algumas edificações e
pontos urbanos da cidade onde os elementos arquitetônicos utilizadas no projeto de Bratke
pareceram mais evidentes. A escolha se deu por amostragem a partir das direções tomadas
durante o crescimento das cidades estudadas. Na complementariedade das imagens coletadas
foi realizada pesquisa virtual através do Google Street, cuja passagem por Macapá se deu em
2012.
30
3 – BREVE APRESENTAÇÃO SOBRE O A TRAJETÓRIA HUMANA
NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
31
3.1 - CULTURAS NATIVAS (DE DENTRO PARA DENTRO)
É fato que a presença humana na Amazônia remonta de milhares de anos atrás e os primeiros
humanos vieram caminhando pelas matas e seguindo em direção ao sul. Vamos utilizar aqui a
hipótese de ocupação das Américas mais adotada por boa parte dos arqueólogos - a teoria do
Estreito de Bering (Fig. 01) - cujas evidências mostram a presença humana há pelo menos 15
mil anos da data atual.
Fonte: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/caminhos-pre-colombianos-migracoes-foram-multietnicas-e-
descontinuas/
Diversos pesquisadores passaram pela região Amazônica ao longo dos séculos XIX e XX, em
busca de vestígios deixados pelas culturas ancestrais que pudessem ratificar essa teoria. O
arqueólogo Kurt Nimuendajú2 foi um desses estudiosos que, em 1920, realizou pesquisas no
2
Curt Unkel era um arqueólogo e antropólogo alemão autodidata, ele veio para o Brasil em 1908 e dedicou sua
vida a estudar as populações indígenas. Esse pesquisador se naturalizou brasileiro e adotou o nome
“Nimuendajú”, que lhe foi dado por populações Guarani. Em Guarani “Nimuendajú” significa algo como
32
médio Rio Amazonas mostrando pinturas rupestres (Fig. 02 e 03) na região de Monte Alegre,
próximo a cidade de Santarém, no Pará, tais descobertas indicam que os nativos dessa região
eram bastante desenvolvidas em sua cultura e estética.
Nos anos 1980, Edithe Pereira iniciou um estudo detalhado das pinturas que
ocorreram em vários sítios no Parque Estadual de Monte Alegre. Nos anos de
1990, uma arqueóloga norte-americana chamada Anna Roosevelt liderou uma
equipe que escavou a Caverna da Pedra Pintada e encontrou vestígios da presença
humana de 11.200 anos. Estudos atuais, liderados por vários dos autores deste
livro, encontraram datas mais antigas para este sítio, que ultrapassam 12 mil anos.
(PY-DANIEL, Anne... [et al.], Arqueologia e suas aplicações na Amazônia, 2017,
p. 48)
Figura 02: Simulação da produção das pinturas rupestres da região de Monte Alegre.
Fonte: ilustração realizada pelo autor para o Guia sobre as Pinturas Rupestres de Monte Alegre de autoria da
Arqueóloga Edithe Pereira, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi (2017).
“aquele que constrói sua própria morada”, um termo bem apropriado ao pesquisador (PY-DANIEL, Anne...[et
al.], Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia. 2017, p. 6).
33
Muitos desses vestígios são utensílios cerâmicos, pontas de lanças, pinturas e gravuras
rupestres. As culturas nativas migraram lentamente de um estado nômade para seminômade e
foram avançando em busca de regiões mais propícias a sua sobrevivência e estabelecendo
morada em espaços cada vez mais definidos e demarcados, tais como cavernas (fig. 03).
Posteriormente desenvolveram a arte construtiva de fazer abrigos em madeira com cobertura
de palha aumentando a autonomia e mobilidade na floresta. Aqui vale ressaltar o pensamento
recorrente dentre as etnias nativas da floresta sobre o seu pertencimento e atuação no mundo
que os cerca. As culturas nativas, em sua maioria, não separam a sua natureza da própria
natureza da floresta, como fazem boa parte dos que habitam os centros urbanos. A
integralidade é a base dessas culturas, logo, é natural se sentirem parte do todo e tudo que
advém da floresta é importante para sua vivência e sobrevivência como seres sensientes. Para
entendermos a tecnologia de convivência das culturas nativas na floresta ao longo de milhares
de anos, temos que perceber que o meio em que vivem não está desassociado da sua
existência e, portanto, o conceito de propriedade privada, característico do mundo urbano, não
faz sentido para quem vive da e para floresta.
Figura 03: Pinturas rupestres da Caverna da Pedra Pintada - Monte Alegre – PA.
Fonte: Aquarela realizada pelo autor in loco, exposta no Museu Emílio Goeldi, Belém-PA (2013).
34
As aldeias (Fig. 04 e 05) se formaram e se estruturaram a partir de sistemas de assentamentos
de comunidades aperfeiçoados pelo domínio da agricultura, da caça e da pesca,
proporcionando tempo ocioso para produção de objetos, pinturas, esculturas e produção de
moradia. Assim certas características sedentárias se tornaram mais evidentes com os avanços
e descobertas arqueológicas materializadas em manufatura de objetos utilitários, cultivo
agrícola e a construção de abrigos.
Fonte: ilustração realizada pelo autor para o livro Monte Alegre: uma história de longa duração (PEREIRA,
Edithe... [et al.], 2017, p. 40).
35
A posterior saída dos abrigos naturais para a construção edificada indica uma sociedade de
organização mais complexa e com tarefas definidas entre os seus. Esses sistemas sociais
possibilitaram o desenvolvimento de habilidades estéticas e que hoje são consideradas
artísticas, especificamente a cerâmica e as pinturas rupestres encontradas no médio rio
Amazonas. As datações, que chegam há 11 mil anos antes do presente 3, apontam para um
horizonte distante, em que nossos antepassados Sapiens desenvolveram sabedorias em
diversas áreas, da habitação a cura para doenças, passando por estratégias de caça, combate a
predadores, as intempéries da floresta, climáticas, sistemas agrícolas, sistemas de observação
dos astros4 (fig. 06 e 07) e cultivaram uma cultura simbólica forte. Essa sabedoria fez perdurar
saberes, repassados por tradição oral, gerações após gerações em uma região inóspita e de
difícil acesso. Uma cultura que não escreveu livros, manuais de sobrevivência, mapas com
3
ROSEVELT, Anna. Et al. Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: The Peopling of the Americas. Science, v.
272, p. 373-384, apr. 1996. Il. Apud PEREIRA, Edithe.
4
Sítio arqueológico de Calçoene está localizado no Município de Calçoene-AP descoberto em 2016, ano em que
começaram as escavações arqueológicas.
36
informações preciosas de fontes de água ou pesca, que não arquivou plantas, não inventariou
espécies, não registrou receitas de comidas e conseguiu chegar aos nossos dias atuais.
37
Dentre as várias culturas que se desenvolveram na região Amazônica brasileira (fig. 08), três
delas merecem destaque, dentre outras coisas, pela produção de objetos em cerâmica. Uma
das culturas mais significativas com relação à elaboração de objetos simbólicos e primor na
sua execução foi a Tapajônica (fig. 09), localizada as margens do rio tapajós e próximo a
cidade de Santarém no Pará, a Marajoara (fig. 10), com vestígios encontrados praticamente
por toda a ilha do Marajó, utensílios em cerâmica de rica estética com detalhes e simbologias
marcantes, e por fim, mas não menos importante, encontra-se no Estado do Amapá a cultura
Maracá (fig. 11), com a presença de urnas cerâmicas de características específicas e estética
peculiar. É no Amapá também, especificamente ao norte do Estado, no município de
Calçoene, onde está situado o conjunto de monolíticos milenares, conhecidos como
Stonehenge da Amazônia.
Figura 08: Mapa dos principais sítios arqueológicos e culturas mais significativas da Amazônia brasileira.
Fonte: ilustração realizada pelo autor para o livro Monte Alegre: uma história de longa duração (PEREIRA,
Edithe...[et al.], 2017, p. 28).
38
Figura 09: Cerâmica da cultura Tapajônica – Santarém – PA.
39
Figura 11: Cerâmica Maracá – Calçoene – AP.
40
Dentre as etnias mais recentes no Estado do Amapá vamos encontrar os Wajãpi,
habitantes da região da Reserva Indígena Montanhas do Tumucumaque, cuja divisa
começa a poucos quilômetros após a Serra do Navio, subindo o Rio Amapari (fig., 12)
Os Wajãpi5 são uma das poucas etnias da região que conseguem transitar entre suas
tradições e a cultura contemporânea, moram em casas construídas a partir de saberes
ancestrais feitas com material que a floresta oferta.
5
Sobre a cultura e a pintura corporal Wajãpi - A Arte Kusiwa é um sistema de representação gráfico próprio
dos povos indígenas Wajãpi, do Amapá, que sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o
universo. Como patrimônio imaterial, a Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi foi inscrita no
Livro de Registro das Formas de Expressão, em 2002. No ano seguinte, recebeu da Unesco o título de
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A Terra Indígena Wajãpi - demarcada e homologada em 1996 - é
uma área muito preservada, onde vivem cerca de 1,1 mil indígenas, em 48 aldeias. Essa arte está vinculada à
organização social, com uso adequado da terra indígena e o conhecimento tradicional. Os indígenas usam
composições de padrões Kusiwa nas costas, na face e nos braços. A pintura é para todos os dias e quando os
adultos se pintam, os jovens aprendem a fazer composições de kusiwarã no corpo.
Fonte: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/54#
41
O interesse sobre essa cultura para essa pesquisa se dá em função da proximidade da
reserva florestal a Vila Serra do Navio, assim como as características de suas moradias
serem similares as casas ribeirinhas encontradas com frequência na região.
Por entenderem que o solo precisava de um ciclo para se renovar e voltar frutificar, os
Wajãpi eram um povo seminômade o que se entende uma habitação simples, de
rápida construção e não tão durável, nos dias atuais, os Waãpi não se movimentam
tanto quanto antes, porém a tradição das casas continua. Feita de troncos finos de
palmeiras como açaí e pixiúba, com piso bastante elevado do chão e cobertura de
palha. Durante a realização dessa pesquisa tivemos a rara oportunidade de acompanhar
a construção (dentro do Museu Sacaca, na cidade de Macapá) de uma casa Wajãpi
realizada por Sara Wajãpi (fig. 13), líder da aldeia Ytumiti. Sara, junto com mais dois
parentes seus, construíram em duas semanas uma habitação denominada pelos Wajãpi
de Jura (fig. 13, 14 e 15, 16 e 17).
Figura 12: Sara e a construção da casa Wajãpi – Jura. Museu Sacaca, Macapá-AP.
Figura 14: Foto casa Construção da casa Wajãpi – Jura. Museu Sacaca, Macapá-AP. Foto: Bárbara Souza.
43
Figura 15: Planta baixa da casa Wajãpi – Jura. Aldeia Ytumiti-AP.
44
Figura 16: Vista Frontal da casa Wajãpi – Jura. Aldeia Ytumiti-AP.
45
3.2 - AMAZÔNIA EUROPEIA (DE FORA PARA DENTRO)
A presença europeia na região amazônica não se inicia com a chegada dos portugueses no
Brasil. Relatos mostram que Holandeses e franceses margearam o extremo norte do Brasil
antes da bandeira lusitana ser hasteada na floresta. Mas, cabe a um espanhol, Francisco de
Orellana, o feito de ter sido o primeiro europeu a descer o rio Amazonas em canoas a remo
percorrendo os seus quase 4.800 quilômetros, de Quito, no Equador, até a ilha do Marajó, em
1542. Os portugueses aportaram na região quase oitenta anos depois. No entanto, a missão de
ampliar as fronteiras da Amazônia e anexar o que hoje representa 60 % do território
brasileiro, coube a Portugal, ainda durante a vigência da União Ibérica e sob ordens do Rei de
Espanha, a expulsão dos franceses de São Luís do Maranhão e a fundação, em 1616, do Forte
do Presépio de Santa Maria de Belém (Rezende, 2006, p.5). O mesmo autor, parte da tese que
foi uma ação da Coroa Portuguesa, portanto, ação do Estado, que acrescentou todo esse
território ao Brasil.
Assim, em ações cíclicas e constantes a Coroa Portuguesa deixou clara sua política na
demarcação e posse dessa região. A construção de fortes e fortalezas foram marcos e viraram
marcas que evidenciam essas ações até os dias atuais. Além das construções a nova
delimitação territorial também fez parte dessa política através da criação do Estado do
Maranhão e Grão-Pará, em 1621, subordinados diretamente ao governo de Lisboa.
46
atual cidade de Macapá, considerada uma das duas maiores fortalezas da América do Sul 6
(FONTANA, 2005, p.51).
Figura 18: Fortaleza de São José de Macapá com Rio Amazonas ao fundo
Fonte: https://www.portal.ap.gov.br/noticia/2906/governo-do-estado-inicia-revitalizacao-da-fortaleza-de-sao-
jose-de-macapa
6
Similar a Fortaleza de São José em forma e dimensões, foi construída entre 1756 e 1780, em Rondônia, as
margens do Rio Guaporé, a Fortaleza Real Príncipe da Beira. (FONTANA, 2005, p.51).
47
intento estava justificada. É bem verdade que esse tipo de ação não era recorrente somente na
região amazônica, mas sim uma estratégia comum das Nações com perfil expansionistas
quando se instalavam com intuito colonizador.
Passado o chamado período colonial até a criação da República, as ações do poder central
nessa área se limitaram mais em manter o que já se havia tomado posse do que expandir o
território. Salvo episódios esporádicos como o ocorrido no Acre, a chamada “Revolução
Acreana” e o do Tratado ocorrido no norte do território do Amapá, a partir do conflito surgido
em 1895, na Vila do Espírito Santo do Amapá, entre franceses e brasileiros, que resultou em
um acordo entre os dois países7 por conta da posse dessas terras que estavam em litígio,
chamada de terras de Contestado. Ambos os conflitos surgiram por motivações econômicas,
no Amapá, o conflito nasceu após a descoberta de minério de ouro nas proximidades da Vila
do Amapá, e no Acre, por conta daa valorização da borracha no mercado internacional.
A primeira investida dos Estados Unidos da América na região Amazônica foi a partir de uma
iniciativa privada capitaneada por Henry Ford 8, que pretendeu quebrar o monopólio da
borracha natural - extraída da seringueira (Hevea brasiliensis) - até então, controlado pelos
britânicos que haviam furtado as sementes dos seringais da Amazônia e plantado na Malásia.
Para tanto Ford não poupou recursos na execução do projeto de replantio dos seringais na
região originária da planta. Esse projeto tinha como meta a autonomia da produção da
borracha natural vulcanizada para produção de pneus essencial no funcionamento da indústria
automobilística. Dentre outras coisas o ousado projeto incluía a construção de uma cidade
7
Laudo Suíço expedido pelo presidente Walter Hauser, em 1º de dezembro de 1900, em que dá ganho de
causa ao Brasil na questão do Contestado.
8
DUARTE JR., Antônio Marcos. Fordlândia e Belterra: as cidades de Henry Ford na Amazônia. FGVcasos.
Volume 5, número 1, jan/jun 2015. Doc 1. ISSN 2179.135X
48
para abrigar funcionários brasileiros e americanos que trabalhariam no empreendimento.
Assim nasceu em 1927, Fordlândia (fig. 19, 20 e 21). Nasceu fadada a não sobreviver, por
inúmeros erros cometidos pelos americanos desde o início das movimentações e na logística
do projeto, dentre eles a falta de conhecimento da região e de planejamento para a plantação
das seringueiras9. Cinco anos após a implantação o início da construção o fungo Microcyclus
ulei havia se alastrado por toda plantação de seringueiras10.
Fonte: httpwww.lugaresesquecidos.com.br201308fordlandia-o-sonho-abandonado-de-henry.html
9
Em 1923, o botânico Carl de Rue é enviado por Ford e realiza uma viagem a Belterra e Aveiro para
reconhecimento e mapeamento da possível área destinada ao projeto. No entanto, ele não retorna com a primeira
equipe de norte-americanos enviada para a construção da infraestrutura do projeto, em 1927.
10
Idem.
49
Figura 20: Casa em Fordlândia - 1920
50
A experiência de Fordlândia, com a tentativa de impor aos nativos da região uma cultura
americana com casas, filmes, modo de vida e principalmente alimentação provocou uma
revolta sem precedentes nos empregados da empresa. A culminância da tolerância entre os
trabalhadores brasileiros e os norte-americanos ocorreu quando um funcionário, faminto e
revoltado por esperar ao sol na fila no refeitório, e foi agressivamente impedido de entrar no
ambiente. Esse acontecimento foi a “gota d’água” para dar início a rebelião conhecida como
Revolta Quebra-Panela. O que se sucedeu após o episódio foi uma destruição quase total com
máquinas e tratores jogados ao rio, perseguições, ameaças com facões e machados os
administradores norte-americanos, e uma destruição de praticamente todas as instalações
físicas da cidade. Apesar de não ter ocorrido mortes, o clima de retorno ao trabalho após a
chegada dos soldados do Exército Brasileiro, solicitados para acabar com o conflito pela
administração da empresa, não existia mais. Quase todos os trabalhadores foram demitidos e
por conta disso, a companhia resolveu reconstruir, dessa vez na cidade de Belterra (primeira
área oferecida pelo governo do Pará para a construção), uma nova cidade para moradia dos
empregados e também replantar as seringueiras em outro solo.
Embora não seja possível afirmar que Oswaldo Bratke e o Sr. Augusto Antunes tinham
conhecimento dos acontecimentos ocorridos em Fordlândia, assim como detalhes da
implantação urbana dos projetos, o fato é que algumas medidas adotadas na construção de
Belterra - a nova Fordlândia - são muito similares as que Bratke propôs para os moradores das
Vilas Amazonas e Serra do Navio, tais como o concurso de jardins, na qual incentivava as
esposas dos funcionários a cuidarem dos jardins de suas casas e premiar o jardim mais bem
cuidado, isso iria atenuar a ociosidade que esse tipo de empreendimento proporciona.
52
4 – AMAZÔNIA AMAPAENSE
53
4.1 – A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A BASE AÉREA NO AMAPÁ
No início da década de 1940, o cenário no Brasil e no mundo não era dos melhores, a
Segunda Guerra Mundial, que havia iniciado em dezembro de 1939, aproximava-se cada vez
mais das fronteiras brasileiras levantando uma nuvem de preocupação no ar. Passados quase
dois anos do início do conflito na Europa os embates expansionistas das nações do Eixo só
aumentavam e tudo levava a crer que tão cedo não iria dar sinais de término. Apesar do
epicentro do conflito se concentrar do outro lado do oceano Atlântico, as invasões a outros
países já tinham tomado rumos continentais. Pelo lado Asiático os Japoneses colocavam em
prática seu plano de expansão iniciado em 1930 e após sucessivas invasões às colônias
britânicas, holandesas e francesas, no arquipélago asiático em dezembro de 1941,
redirecionaram sua esquadra em direção ao leste para bombardear a base de Pearl Harbor, no
Hawai. O ataque forçou a entrada dos Estados Unidos da América na guerra. Sobre esses
episódios, descritos aqui de maneira sucinta e resumida, existe farta documentação para ser
consultada11. Ao relatar esses fatos temos como propósito para esta pesquisa, situar, no
cenário global, os anos que antecederam a criação do Território Federal do Amapá, bem como
o governo brasileiro se posicionava diante de projetos de implantação da industrialização do
país.
O ataque japonês não só motivou a entrada dos EUA na guerra com também apressou uma
aliança que já estava em curso junto aos países do continente americano e especialmente entre
o Brasil e EUA pondo fim a desconfianças e conflitos, principalmente com relação à
exploração do minério de ferro no Estado de Minas Gerais. Esse problema vinha se arrastando
ao longo de décadas entre as companhias estrangeiras e os governos de Minas Gerais e
Federal. Tudo começou em 1910, quando o minério de ferro encontrado em Minas Gerais foi
anunciado ao mundo no Congresso Internacional de Geologia de Estocolmo, naquele
momento as atenções se voltaram para as jazidas encontradas em Minas e sua possível
exploração tendo em vista a importância do minério para indústria do aço e seu alto valor no
mercado internacional. Essa exploração resultou na construção da estrada de ferro de Vitória,
Espirito Santo a Governador Valadares, em Minas Gerais. Esse processo de exploração das
minas fez voltar à tona conflitos de interesses das companhias de exploração com as culturas
nativas, habitantes naturais das áreas exploradas. Um impasse que resultou nos primeiros
54
registros pós-república do povo nativo krenák nessa região, remanejados das áreas em que
viviam para outras áreas localizadas próximo ao Rio Doce.
Assim, em março de 1942, quando são assinados os Acordos de Washington13, chegou ao fim
um conflito surgido anos antes sobre a exploração da mina de Itabira, em Minas. Nesse
mesmo lote de reestruturação da extração mineral no Brasil com as empresas mineradoras é
criada a Companhia Vale do Rio Doce.
12
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krenak
13
No caso do Brasil esse esforço deu os primeiros frutos em maio de 1941, quando o presidente do Export Import Bank,
Warren Pierson, visitou o Rio de Janeiro e assinou um acordo com o Brasil, pelo qual: a) o governo brasileiro comprometia-
se a vender com exclusividade aos Estados Unidos materiais considerados estratégicos; b) no caso de as empresas
particulares norte-americanas não absorverem a totalidade da produção brasileira, o governo americano comprometia-se a
adquirir o excedente produzido; c) o governo dos Estados Unidos comprometia-se a facilitar o embarque dos materiais
essenciais à indústria brasileira, cuja exportação dos Estados Unidos dependesse de formalidades governamentais.
Esse primeiro passo na colaboração Brasil-Estados Unidos ocorreu exatamente no momento em que as autoridades militares
norte-americanas pressionavam as brasileiras no sentido de permitir a presença de suas tropas em bases aéreas do Nordeste
brasileiro, tendo em vista seus planos de defesa hemisférica. A estes planos se opunham os militares brasileiros, que
admitiam a presença de tropas norte-americanas em solo brasileiro somente em caso de invasão, devendo a defesa inicial do
território contar com o esforço puramente nacional. O impasse começou a se romper rapidamente ao final de 1941, com a
entrada dos Estados Unidos na guerra. Imediatamente convocou-se a II Conferência dos Chanceleres para o Rio de Janeiro, a
fim de debater o rompimento de relações das nações americanas com o Eixo. A posição brasileira foi intensamente negociada
durante aquela reunião (15 a 28 de janeiro de 1942), especialmente em torno do reequipamento das forças armadas e de
questões econômicas.
Fonte FGV: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/washington-acordos-de
55
Outro ponto importante para a estratégia de unificação de cooperação entre os países do
continente americano era o controle do espaço aéreo por empresas norte-americanas, em
substituição as empresas europeias que exploravam o tráfego aéreo no território brasileiro. A
aviação comercial estava em expansão e até o final da década de 1930, as principais rotas
aéreas nacionais e internacionais do Brasil estavam sob controle de empresas de propriedade
do Eixo - Condor, subsidiária da Lufthansa alemã e a LATI, italiana - ou com expressiva
participação de capital alemão - Varig e Vasp (FERRAZ, 2015, p.34). Nesse cenário, teve
início às obras de construção da pista de pouso da Base Aérea de Amapá para utilização das
aeronaves da Panair do Brasil14 (subsidiária da Pan American Airways), em 1941,
obedecendo a decreto federal 3462, de 25 de julho de 1941 15. A companhia aérea já havia se
estabelecido da cidade de Macapá onde mantinha a pista de pouso e o pequeno aeroporto (fig.
22). Essa pista seria o último ponto de apoio dentro do território brasileiro para as aeronaves
que seguiam em direção ao hemisfério Norte e no sentido inverso a Base serviria como
primeiro ponto de pouso do espaço aéreo brasileiro. Com essa estratégia, gradativamente a
Panair do Brasil amplia sua área de atuação nos principais aeroportos do norte e nordeste,
estratégicos para que os EUA conseguissem seguir caminho para os combates na África.
Fonte: http://porta-retrato-ap.blogspot.com.br
14
Sobre a história da Panair do Brasil ver SASAKI, Daniel Leb. Pouso forçado: a história por trás da destruição da Panair do
Brasil pelo regime militar. Ed. Record, 2015.
15
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3462-25-julho-1941-413450-publicacaooriginal-1-
pe.html
56
Até então o Brasil não havia se posicionado diante do conflito. Sabe-se, no entanto, que
Vargas e alguns ministros do seu governo eram mais simpatizantes com os países do Eixo e
suas políticas autoritárias do que com os EUA. Contudo, o país tinha uma posição geográfica
privilegiada e estratégica para servir como ponto de apoio aos conflitos que brotavam na
África e na própria Europa. A localização de suas bases aéreas seriam excelentes pontos de
suporte para abastecimento e armamento, servindo de trampolim para aeronaves norte-
americanas atravessarem o oceano Atlântico chegarem com mais segurança às frentes de
combate no continente africano.
O fato é que, entre fevereiro e agosto de 1942, doze embarcações mercantes brasileiras foram
afundadas por submarinos do Eixo em águas internacionais (litoral norte-americano, Caribe e
Guiana) causando 133 mortes (FERRAZ, 2005). Esses sucessivos ataques forçaram um
posicionamento mais contundente do governo Vargas com relação a entrar na guerra e de qual
lado ficar. Os Aliados estruturaram uma aliança a partir do tratado de Washington e por conta
dos navios indo a pique, afundados por submarinos do Eixo, o posicionamento do Brasil de
juntar-se aos Aliados foi quase inevitável. Dessa forma, em 22 de agosto de 1942, o Brasil
declarava estado de beligerância contra a Alemanha e Itália. Em 01 de agosto, declarava
formalmente guerra a esses países (FERRAZ, 2005).
57
Figura 23: Foto Base Aérea do Amapá – Vista aérea, 1944.
Fonte: http://porta-retrato-ap.blogspot.com.br
Figura 24: Foto Blimps de patrulhamento da costa do Amapá - Base Aérea do Amapá, 1944.
Fonte: http://porta-retrato-ap.blogspot.com.br
58
4.2 - A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DO AMAPÁ
Dentro desse cenário de guerra, ampliado a cada dia por novas frentes de batalha e a com o
Estado Novo16 enterrado em crise, o presidente Getúlio Vargas, amparado por um dispositivo
da Constituição de 1937, decide criar, através do Decreto-lei nº 5.812, de 13 de setembro de
1943,17 cinco Territórios Federais, por serem áreas de fronteiras e estratégicas para o Brasil,
principalmente o Território Federal do Amapá, cujo limite fronteiriço no extremo norte se dá
com a Guiana Francesa (considerada a maior fronteira francesa em extensão dentro e fora da
Europa). Nesse período a França já havia sido ocupada pelos alemães, colocando o Brasil em
contato direto com fronteiras dominadas pelo Eixo, esse fato passou a ser um perigo eminente
dentro da nova realidade desenhada.
Sabedor do potencial de minérios na região acima da linha do Equador até a fronteira com a
Guiana Francesa, Janary estava convencido que a exploração mineral industrial seria a maior
chance de acelerar o desenvolvimento para do novo território em um curto período de tempo e
com essa ideia em mente não poupou esforços para que as pesquisas a respeito de minérios
com capacidade para exploração industrial avançassem. O governador já tinha conhecimento
de registros de geologia da região feita pelo geólogo do Departamento Nacional Produção
16
Período constituído de 1937 a 1945, em que o Brasil foi governado por Getúlio Vargas.
17
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del5812.htm
18
https://www.camara.leg.br/deputados/131261/biografia
59
Mineral – DNPM, Josalfredo Borges, em 1934 (CHAGAS, 2019). Sabe-se no meio da
geologia, que ações garimpeiras em uma determinada área, de certo modo, serve como linha
de frente para possíveis empreendimentos de uma atividade mineral industrial. Assim
aconteceu na exploração do ouro na região de Lourenço ao norte do Estado do Amapá, no
final do século 19, que se desdobrou em um episódio conhecido como terras de Concordada,
uma disputa territorial entre Brasil e França. No caso do manganês de Serra do Navio não foi
diferente. Para o geólogo alemão, Fritz Ackermann (1967) 19, contratado pelo Governo do
Território do Amapá para assessorar na área da mineração.
Devido à ação dos garimpeiros, em busca de ouro, em 1941 foi descoberto no rio
Vila Nova, Município de Mazagão, no novo Território Federal do Amapá, um
minério de ferro, a hematita, que foi considerado tão bom, de tão boa qualidade,
quanto à do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. (ACKEMANN apud
CHAGAS, p.26)
Em 1941, as prospecções que revelaram as jazidas de ferro no rio Vila Nova foram decisivas
para a descoberta das ocorrências de manganês às margens do rio Amapari, em Serra do
Navio (CHAGAS, 2019). Nesse período, essa área que faria parte do futuro TFA, ainda fazia
parte do Estado do Pará, no entanto. Ainda segundo Chagas, sabe-se que a empresa
americana Hanna Corporation, a mesma que ganhou a primeira licitação para exploração do
manganês em Serra do Navio, fez prospecções no leito do rio Vila Nova entre os anos de
1946 e 1947 (CHAGAS, 2019).
19
Pouco se sabe sobre o geólogo, no entanto, seu trabalho foi importante no processo de viabilização da exploração das
minas de manganês, Inserir referência apud Amapá- a mineração e o discurso de sustentabilidade de Augusto Antunes e
Eike Batista. Marco Antônio Chagas
60
informações a respeito da existência de ferro ou manganês na região, edital esse, amplamente
divulgada nos meios de comunicação existentes na época.
Mario Cruz era um “regateiro”, nome dado, na região amazônica, aquelas pessoas que levam
mercadorias nos seus barcos e canoas para vendê-las aos moradores das margens dos rios
(ribeirinhos) e garimpeiros. O comerciante frequentemente vendia mercadorias para
garimpeiros que estavam em busca de ouro ao longo do rio Amapari. Certa noite, quando
retornava de uma de suas visitas ao garimpo deste rio, uma chuva forte o impediu de
continuar a viagem e foi obrigado pernoitar nas margens do rio, na manhã seguinte, com a
canoa vazia e a correnteza intensa, apanhou algumas pedras pretas que estavam próximas e
fez o lastro de sua canoa para evitar algum acidente, já que se trata de um rio com correnteza
forte e com pedras grandes afloradas em seu leito. Assim desceu o rio Amapari e depois
seguiu pelo rio Araguari até a cidade de Porto Grande (um trajeto, que naquele período,
poderia levar até um dia inteiro para ser percorrido). Ao atracar sua canoa no porto se desfez
das pedras jogando-as na beira do rio. Tempos depois, ao saber da premiação oferecida pelo
governo do Estado para informações a respeito de minerais de ferro, lembrou imediatamente
do episódio e a possibilidade das pedras serem de ferro, retornou ao local e conseguiu retirar
as pedras. Levou-as em seguida a sede do Governo do TFA para analise, na cidade Macapá,
conforme estava no edital.
É bem provável que Mario Cruz estivesse mais interessado no valor financeiro oferecido pela
premiação e mais provável ainda que não tivesse nenhuma noção do que seu gesto poderia
causar à região em que as pedras foram encontradas assim como ao processo de exploração
mineral do TFA como um todo nos anos que estariam por vir. Esse episódio, narrado de
maneira simples pelo barqueiro20, é o ponto da virada na mudança que o Território Federal do
Amapá iria sofrer a partir dali até os dias atuais, uma transformação irreversível na realidade
econômica e geopolítica da região e principalmente dos habitantes nativos e de algumas etnias
que habitavam a região a centenas de anos, tais como os Waãpi. Todos os investimentos
20
História do aproveitamento das jazidas de manganês da Serra do Navio, volume I, ICOMI, 1984, p. 8.
61
materiais e financeiros que vieram depois, incluindo o projeto urbano e arquitetônico
realizados pelo arquiteto Oswaldo Bratke, assim como a construção de uma estrada de ferro e
do próprio porto de Santana, se deu por conta da iniciativa de um simples barqueiro. Segundo
a versão da ICOMI, Mario Cruz (Fig. 47) foi agraciado pelo seu achado com um contrato para
trabalhar na própria companhia mineradora. No entanto, há outra versão sobre esse episódio 21
em que o barqueiro não recebeu a premiação prometida e apesar de ser contratado pela
ICOMI, recebia um salário baixo e morava em uma pequena casa (doada pela mineradora) em
Macapá até o seu falecimento em 15 de junho de 197322.
21
Ver blog Santana do Amapá: http://santanadoamapa.blogspot.com/2018/06/45-anos-o-descobridor-do-
manganes.html
22
idem
24
O conhecimento de tal circunstância, o receio de que o fracionamento da área, por meio de pedidos de
pesquisa de diferentes postulantes, tornasse inviável o aproveitamento das jazidas e o desejo de que o
Território participasse, de forma direta e mais efetiva, dos resultados da eventual extração do minério, fizeram
com que o Governador Janary Nunes levasse o assunto à consideração do Presidente da República, General
Eurico Gaspar Dutra, que determinou imediatamente ao Conselho Nacional de Minas e Metalurgia, então
presidido pelo General Edmundo Macedo Soares, o preparo de minuta de decreto-lei (forma legislativa que a
Constituição do Pais, que acabara de ser promulgada, ainda autorizava) tornando reserva nacional todas as
62
Ainda no mês de setembro, o governador Janary faz um convite, via edital, a quem se
interessar em visitar o local dos afloramentos no Rio Amapari, com o intuito de atrair
possíveis empresas.
Ainda segundo Chagas (2019), nesse período, representantes da ICOMI, da Hanna Minning
Corporation, da United State Steel e da Union Carbon and Caribide Corporation, os
geólogos Fritz Arckermann e Glycon de Paiva, além de Viktor Leinz e o próprio Augusto
Antunes visitaram os afloramentos (fig. 25 e 26).
Figura 25: Foto da esquerda para direita. Mario Cruz, Augusto Antunes e Fritz Ackermann, data provável
dezembro de 1946.
Fonte:http://santanadoamapa.blogspot.com/2018/06/45-anos-o-descobridor-do-manganes.html
jazidas de manganês acaso existentes no Território do Amapá (e não apenas as da Serra do Navio) e
autorizando fossem procedidos pelo Governo Territorial, com a colaboração do referido Conselho, aos estudos
para o seu aproveitamento. Determinou ainda o Presidente da República que, da minuta, constasse ficar
assegurada ao Território participação direta nos lucros auferidos com o aproveitamento das jazidas, cujas bases
deveriam ser propostas ao Governo Federal pelo próprio Conselho de Minas.( História do aproveitamento das
jazidas de manganês da Serra do Navio, volume I, ICOMI, 1984, p. 11.)
63
Figura 26: Geólogo Fritz Arckemann nas jazidas de manganês em Serra do Navio, 1953.
Após a visita ao local das jazidas o passo seguinte foi a organização da licitação pública para
as empresas se manifestarem sobre as propostas de exploração das jazidas. A partir das
prospecções realizadas, a empresa vencedora do processo licitatório assinaria um contrato
para exploração do minério pelo período de 50 anos25. Depois de uma controversa análise das
propostas a mineradora brasileira ICOMI ganha à licitação para exploração do minério. Sobre
o trâmites do processo licitatório existem algumas contradições, mas o fato é que em um
primeiro momento a empresa americana Hanna Minning Corporation ganha à licitação, no
entanto, um recurso impetrado da mineradora ICOMI reverte à situação e a empresa brasileira
ganha o direito a exploração do manganês. Uma vez assinado o contrato a ICOMI se associa a
25
No dia 4 de dezembro de 1947 foi então sancionado o decreto n9 24.156, através do qual aprovava o
Presidente da República as condições sugeridas pelo Conselho Nacional de Minas e Metalurgia para o contrato
a ser celebrado entre o Governo do Território, na qualidade de delegado da União, e a Indústria e Comércio de
Minérios Ltda., que mais tarde, quando de sua transformação em sociedade anônima, alteraria ligeiramente
sua razão social, a ela incorporando a sigla “ICOMI". (História do aproveitamento das jazidas de manganês da Serra do
Navio, volume I, ICOMI, 1984, p. 17.)
64
companhia norte americana Betleem Steel, sendo que 51% das ações pertenceriam a
companhia brasileira e a mineradora americana com 49%.26
Figura 27: Foto em primeiro plano a jazida Clemente e ao fundo, na outra margem do Rio Amapari encontra-se
o acampamento provisório de Vila Terezinha – data provável da foto 1953.
26
Monteiro, Maurílio de Abreu. Novos Cadernos NAEA. V.6, n.2, p. 118, dez 2003.
65
As fotos abaixo (Fig. 28 e 29) indicam que tenham sido tiradas no mesmo dia da foto anterior.
Figura 28: Equipe de diretores e técnicos, Augusto Antunes, presidente da ICOMI é o primeiro da esquerda para
direita e o geólogo Fritz Arckermann é o terceiro, de camisa xadrez.
66
Em 02 de maio de 1953, fica estabelecido como a data inicial do arrendamento da exploração
do minério por 50 anos. Nesse ano o fotógrafo Tibor Jablonsky, faz uma viagem ao Amapá a
serviço do IBGE, todas essas fotos encontram-se do site da biblioteca digital do Instituto (fig.
30, 31, 32 e 33). Fez fotos do acampamento provisório, onde Bratke ficaria em 1955.. Outro
dois registros mostram uma panorâmica da Vila Terezinha e o transporte do minério via balsa
(fig.34 e 35).
67
Figura 32: Acampamento provisório Serra do Navio. Foto Tibor Jablonsky 1953.
Figura 33: Acampamento provisório Serra do Navio. Foto Tibor Jablonsky 1953.
68
Figura 34: Acampamento provisório Serra do Navio. Vila Terezinha. Sem data.
Figura 35: Balsa com carregamento de manganês, Rio Amapari. Sem data.
69
4.4 - FASE 2: COSNTRUÇÃO DA ESTRADA DE FERRO
Uma vez estruturado a viabilidade econômica da exploração das minas o passo seguinte seria
o transporte do minério até o porto que ainda estava por construir. Pensou-se em transportar o
manganês pelas balsas até Porto Platon, como na foto anterior, para depois seguirem por
caminhões até o porto de Santana, as margens do Rio Amazonas. No entanto, devido as
pedras dos Rios Araguari e Amapari que afloravam no período de estiagem, esse método seria
arriscado demais. No entanto, o montante econômico que as jazidas iriam produzir,
viabilizava com lastro a construção de uma estrada de ferro.
Assim, em 1954, inicia-se a construção da Estrada de Ferro (fig. 36, 37 e 38) com 200
quilômetros que ligaria Vila Serra do Navio ao Porto de Santana, próximo de Vila Amazonas.
Em outubro de 1956 a obra é concluída.
A Estrada de Ferro, assim como as Minas e o Porto era considerada um dos elementos
importantes do tripé do projeto.
Figura 36: Mapa Estrada de Ferro Serra do Navio – Porto Santana. 1985.
Fonte: http://www.ferreoclube.com.br/2016/11/29/e-f-amapa/
70
Figura 37: Construção da Estrada de Ferro. Sem data.
Figura 38: Construção de ponte sobre o Rio Amapari. 219 mt.. Sem data.
71
4.5 - FASE 3: CONSTRUÇÃO DO PORTO
Em 1953 é autorizado pela União a construção e concessão pela mineradora ICOMI, para
exploração do porto, localizado em Santana,. Um projeto ousado que previa a construção de
um atracadouro flutuante com quase 250 metros de comprimento e 48 flutuadores (fig. 39).
Aqui vale ressaltar que quando foi prevista a construção do Porto, não havia por parte da
Marinha do Brasil a demarcação de um canal de navegação para os grandes navios de carga.
Assim, encaminhou-se um pedido formal a Marinha para que executasse esse serviço, o que
foi aceito e em junho de 1952 atracava, no trapiche da Macapá, o navio hidrográfico Rio
Branco para começar a demarcação e em dezembro de 1955, os trabalhos são concluídos.
72
4.6 - FASE 4: A CONSTRUÇÃO DAS VILAS AMAZONAS E SERRA DO NAVIO
A experiência de projetar uma vila ou uma pequena cidade para dar suporte a projetos de
empresas de capital fechado ou aberto, apesar de não ser tão comum, a construção das duas
Vilas no Amapá não foi a primeira obra dessa envergadura no Brasil, como visto
anteriormente com Fordlândia e Belterra, em 1928. No entanto, outras pequenas cidades já
haviam sido projetadas nos estados, boa parte delas na década de 195027. Uma delas chama
atenção pela participação do arquiteto Lúcio Costa no concurso que escolheria o melhor
projeto para a “Company Town”, em Monlevade, em Minas Gerais, no ano de 1934 28 (fig. 42
e 43). Assim como Bratke sugere controle sobre a rotina das pessoas nas Vilas, Lúcio Costa,
em seu memorial é mais incisivo neste aspecto e defende um controle intenso sobre a estética
e vida de seus moradores, incluindo tipologia dos móveis, cor e modelo das louças, tipo de
decoração interna das casas, etc. Nas Vilas do Amapá, o controle foi visível enquanto durou o
interesse financeiro da companhia ICOMI na extração do minério, no entanto, Bratke sugere
que seja discreto e pelos relatos dos moradores havia certa liberdade com relação aos objetos
decorativos das residências.
O memorial de Costa sugere uma exposição que pudesse comparar o arranjo caótico,
comum nesses casos, a uma arrumação com os móveis “Standard” recomendados. Previa-se
ainda, que “…a arrumação da casamodelo poderia ser completada com utensílios de uso
domestico, economicos e despretenciosos, vendidos no armazem local: esteiras ou tapetes
de corda, linon com desenhos simples de pintas ou xadrez, louça toda branca, vasos de
barro, etc., etc”. Para coibir a a colocação de adornos ou “enfeites” agregados às novas
unidades residenciais, Costa ressaltava ainda a necessidade da “…administração da villa
simplesmente prohibir a venda no referido armazem de setinetas, falsos brocados e toda
essa quinquilharia de máo gosto com que industrias baratas costumam innundar os
suburbios e o interior” (LIMA, Fabio. Cidade Operária de Monlevade: Novos conceitos de
morar, 5° seminário Docomomo, 2003).
27
Sobre esse assunto o artigo de CORREIA, Telma de Barros. A Iniciativa Privada e a Transformação do Espaço Urbano e do
Território: Brasil, Década de 1950. Anais do XIII Encontro Nacional da ANPUR. CD-ROM, Florianópolis, UFSC, maio de 2009,
trata com bastante clareza algumas iniciativas de Company Town no Brasil na década de 1950.
28
O estudo aborda as propostas urbanísticas desenvolvidas para a Cidade Industrial de Monlevade em concurso promovido
pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira no ano de 1934. Dentre as 13 proposições apresentadas, nos deteremos nos
planos delineados pelo arquiteto Lúcio Costa e pelo engenheiro Lincoln Continentino. Ambos, ao seu modo, estavam
sintonizados com o que de mais atual se fazia nos grandes centros urbanos. Enquanto Costa arriscava os primeiros passos
na vanguarda do movimento moderno, ao adotar o sistema construtivo preconizado por Le Corbusier, em 1914,
Continentino se apoiava nos pressupostos das cidades jardins, segundo modelo proposto por Ebenezer Howard, ainda no
final do século XIX. De um lado, as soluções programáticas para a Cidade Operária de Monlevade antecipam estratégias que
serão empregadas para a construção da cidade moderna no Brasil ao longo desse século. De outro lado, elas revelam as
possibilidades de atuação profissional dos arquitetos e dos engenheiros, bem como os referenciais empregados, no
confronto de visões em jogo. (LIMA, Fabio. Cidade Operária de Monlevade: Novos conceitos de morar, 5° seminário
Docomomo, 2003). Disponível em: https://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/Fabio_lima.pdf )
74
Figura 42: Perspectiva de Lúcio Costa para projeto de Monlevade.
Fonte: http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/4173
Fonte: http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/4172
75
4.8 - ESTRUTURANDO AS FUNDAÇÕES: BREVE HISTÓRICO DA ICOMI NO
AMAPÁ
O dia 5 de janeiro de 1957 foi um sábado. Um dia que marcaria, também, a história da
mineração industrial da Amazônia brasileira e, principalmente, da história do Território
Federal do Amapá. Uma parte da população29 da cidade de Macapá e na pequena comunidade
vizinha chamada Santana sabia que algo de importante estava ocorrendo. Muita gente
diferente chegando a todo o momento de cidades distantes. Todas elas faziam parte, como
convidadas, do evento da inauguração do Porto de Santana30, um porto cuja construção havia
iniciado quatro anos antes, com o objetivo de escoar a exploração industrial do minério
localizado na Serra do Navio, nome dado à mina de minério de manganês que ficava as
margens do rio Amapari, distante 200 km, ao norte da cidade de Macapá. Nesse mesmo dia
foi oficialmente inaugurada a Estrada de Ferro do Amapá31 – EFA, que ligava as minas de
exploração do minério ao porto.
29
Dados IBGE/ICOMI indicavam que a população da cidade de Macapá não passava de 40 mil habitantes. História do
aproveitamento das jazidas de manganês da Serra do Navio, volume II, ICOMI, 1983, p. 207.
30
Em 29.04.1953 um despacho do Ministro da Marinha, autoriza a construção e uso do embarcadouro de minério, em
Santana, AP.
31
Decreto nº 32.451, de 20.03.53, aprova as cláusulas do contrato para concessão de uma estrada de ferro industrial no
Amapá.
32
A partida de todos os convidados foi centralizada neste aeroporto, ver História do aproveitamento das jazidas de manganês da Serra do
Navio, volume II, ICOMI, 1983, p. 207.
76
Aeroporto Júlio César, em Belém. Após essa rápida escala nessa cidade, em que os
passageiros desfrutaram de um breve café da manhã no próprio aeroporto, uma hora e meia
depois, estavam aterrissando no aeroporto de Macapá. Os pequenos hotéis da cidade não
seriam suficientes para atender o considerável número de pessoas, assim fretou-se o navio
Lobo d’Almada33, com intuito de suprir, com certo conforto, a demanda de convidados. O
navio tinha capacidade para quase 400 passageiros e sua arquitetura naval subdividia três
níveis de convés, com comodidade e acomodações distintas, sendo que os dois superiores
eram mais equipados com camarotes confortáveis destinados a primeira classe e segunda
classe. O navio ficou ancorado no trapiche da cidade de Macapá e se converteu em um hotel
flutuante.
Ao presidente da República foi dada a honra de apertar o botão que colocaria em movimento
máquinas que encheriam os porões dos navios com o minério e conforme previsto no contrato
só iriam parar em 50 anos depois, em 200335.
O sol estava forte quando todo o sistema de esteiras rolantes no Porto de Santana iniciou o
primeiro carregamento de manganês da mineradora Indústria e Comércio de Minérios S.A -
ICOMI. Assim, com esse ato comemorado com euforia por quase todos os presentes, dava
início oficialmente àquela que seria a primeira experiência de exploração mineral industrial da
33
Navio construído em estaleiro de Amsterdam, na Holanda, em 1955, com capacidade para 500 passageiros, fazia parte,
juntamente com os navios Augusto Montenegro, Leopoldo Perez, Lauro Sodré e Presidente Vargas, da famosa “Frota
Branca” da companhia Serviços de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (SNAPP) que operou durante
décadas em linhas fluviais da Amazônia transportando passageiros para principais cidades da Amazônia, tais como Manaus,
Belém, Rio Branco e Iquitos. https://www.navioseportos.com.br/web/index.php/uteis/filmeshistoricos/78-gerais/124-
juscelino-kubitschek-a-bordo-do-lobo-d-almada
34
Documentário Casa Civil – Presidência da República - Arquivo Nacional https://www.youtube.com/watch?v=IzszuVmErSs
35
Conforme contrato assinado em 1953 de concessão para exploração do minério pelo prazo de 50 anos. 09/05/1953, data
estabelecida como início do arrendamento
77
Amazônia brasileira36, como também, iniciava o processo de ocupação mineral industrial da
floresta Amazônica, tornando-se, em um futuro breve, um problema irreversível de
convivência entre os interesses dos povos nativos da floresta e dos grandes empreendimentos
estrangeiro e sobre a exploração mineral do seu território.
Figura 44: Foto da inauguração Porto de Santana – Presidente Juscelino Kubitschek, descendo as escadas do
navio Lobo D’Almada.
Fonte: http://santanadoamapa.blogspot.com/2017/01/naquele-dia-de-1957-jk-entregava-um.html
Já passava das treze horas, quando o presidente Juscelino desejou ir até Serra do Navio
conhecer de perto as minas e o complexo industrial montado para extração do minério, as
informações constam que essa viagem não estava prevista na cerimônia de inauguração.
Juscelino embarcou no vagão fechado junto com Janary Nunes, Augusto Antunes – presidente
da mineradora ICOMI, Amílcar Pereira – governador do TFA, Cláudio Nascimento - prefeito
de Macapá, dentre outros. Em outros dois vagões maiores sem cobertura (Fig. 45) foram os
demais convidados, dentre eles ministros, militares e jornalistas37. A viagem durou quatro
36
Monteiro, Maurílio de Abreu. Novos Cadernos NAEA. V.6, n.2, p. 114, dez 2003.
37
O relato dessa viagem pode ser lido na reportagem do jornalista Ossian Brito, enviado especial do jornal paraense Folha
do Norte para fazer a cobertura da inauguração do Porto de Santana.
78
horas para ir e mais quatro para voltar. Em Serra do Navio visitaram rapidamente as
instalações das minas e a estrutura industrial do projeto, vale lembrar que as obras para a
construção da Vila Serra do Navio ainda não haviam iniciado. Depois de algumas fotos e
conversas com operários da mineradora todos retornaram para Santana, chegando ao porto no
final da noite a tempo para o jantar de despedida.
Fonte: https://i2.wp.com/www.ferreoclube.com.br/wp-content/uploads/2016/11/1957-025-SAN-Santana.jpg
Fonte: http://santanadoamapa.blogspot.com/2017/01/naquele-dia-de-1957-jk-entregava-um.html
38
História do aproveitamento das jazidas de manganês da Serra do Navio, volume II, ICOMI, 1983.
79
5 - O MESTRE APRENDIZ
80
5.1 – FORMANDO O MESTRE
Com Oswaldo Arthur Bratke não foi diferente. Nascido em Botucatu, em 24 de agosto de
1907, era o caçula de uma família de três filhos, tinha duas irmãs mais velhas e ele era o único
filho homem. Seu pai nasceu na Alemanha, em 1874, imigrou para o Brasil em 1892 quando
tinha 18 anos, trouxe na mala sua origem cultural e, como relata o próprio Bratke, educou os
filhos de forma severa e exigindo o fazer bem feito.
Quando Bratke nasceu, seu pai era proprietário de uma livraria e papelaria em Botucatu (fig.
46).
Fonte: https://www.botucatuonline.com/2017/04/15/a-primeira-geracao-de-casas-de-comercio-em-botucatu/
81
Em 1914, a família resolve mudar para cidade de São Paulo, a fim de que as duas irmãs mais
velhas pudessem prosseguir com seus estudos (SEGAWA e DOURADO, 1997, P. 313) nesta
ocasião Bratke encontrava-se com sete anos de idade. Ainda nessa fase, costuma se divertir
com um brinquedo de montar (Fig. 47) e admitiu que este o influenciou no seu modo de
projetar. Bratke relaciona esse prazer pela tectônica com memória de sua infância: as horas
brincando com um jogo de armar chamado Meccano39.
Fonte: https://www.periodpaper.com/collections/vintage-advertising-art/products/1917-ad-meccano-toy-
engineering-wonder-book-building-boy-child-loom-creation-201824-yyc2-182
39
Frank Hornby é conhecido por ter inventado os brinquedos Hornby Model Railways, modelos de veículos
Dinky e kits de construção Meccano, apesar de não ter nenhum treinamento formal em engenharia. Além de
inventor, ele também era político e suas invenções o tornaram um empresário muito rico e bem-sucedido.
Viveu de 1863 a 1936.
Fonte: https://www.famousscientists.org/frank-hornby/
82
Já morando em São Paulo, é incentivado pelo seu pai, que gostava de desenho, a praticar e
consegue um professor de desenho que o ensina por alguns anos. Desse período ficaram
alguns registros (Fig. 48 e 49). Bratke tinha onze anos. No ano anterior, 1917, ingressa na
Escola Americana do Instituto Mackenzie40.
40
Instalou-se em São Paulo em 1870, casal norte-americano Chamberlain, o Reverendo George e sua esposa, a pedagoga
Mary, com os objetivos de cuidar da igreja presbiteriana já existente e criar uma escola que recebesse as crianças que não
eram aceitas nas escolas da cidade, independente da classe social, filhos de pais de outras religiões que não a católica
romana, abolicionistas, negros ou republicanos. Fonte: https://www.mackenzie.br/memorias/150-anos/nossa-
historia/arquivo/n/a/i/o-inicio-da-escola-americana/
83
Figura 49 – Desenho Bratke com 11 anos – plantas.
O desenho a mão livre em Bratke, o acompanhou durante toda sua carreira, ora como registros
de desenho de observação, ora como método de projetação um facilitador da expressão do
pensamento arquitetônico, tri-dimensionalizando a maioria das suas ideias por meio de
perspectivas livres, com traço leve e claro, desenhava de cidades, bairros, casas, móveis e
detalhes arquitetônicos.
Quando vejo isso, sinto que progredi muito pouco em desenho...Durante o período escolar,
em São Paulo, essa minha inclinação pelo desenho me levou (e também para ganhar algum
dinheiro) a trabalhar em reclames para lojas no bairro de Santa Ifigênia, onde morava.
Desenhava anúncios para filmes de cinema (ganhei prêmio com isso), até bordados para
uma agência de figurinos. Isso antes de chegar a desenhista de projetos em uma firma de
construções – Sociedade de Imóveis e Construções – e posteriormente quando estudante de
arquitetura no escritório de Kosuta e Santos, aquele meu professor (Francisco Kosuta).
(BRATKE apud SEGAWA e DOURADO, 1997, p. 58)
84
Em 1926, com dezenove anos, ingressa no curso de Engenharia da escola de Engenharia
Mackenzie. No mesmo ano começa a trabalhar como desenhista para seu professor Francisco
Kosuta. Cabe aqui uma breve reflexão sobre a aproximação de Bratke com o mercado ainda
tão jovem. A habilidade do desenho livre, independente da época, sempre será, para o
profissional arquiteto, uma meio eficaz e rápido de expressar seu pensamento, mais adiante
veremos como Bratke utilizou a perspectiva e o desenho livre para esclarecer para seus
clientes o que estava sendo projetado.
São Paulo, na década de 1920 possuía dois cursos de preparação para engenheiros-arquitetos:
o da Escola Politécnica, fundado pelo governo do Estado em 1894, e o da Escola de
Engenharia Mackenzie (fig. 50), organizado em 1917, pelo arquiteto Christiano Stockler das
Neves. (SEGAWA e DOURADO, 1997, p. 14). Personagem importante na formação
acadêmica (servindo em alguns momentos como contraponto) de Oswaldo Bratke.
Fonte: ALVIM, ATB., ABASCAL, EHS., and ABRUNHOSA, EC., orgs. Arquitetura
Mackenzie 100 anos FAU-Mackenzie 70 anos: pionerismo e atualidade [online]. São Paulo:
Editora Mackenzie, 2017, p. 74.
85
Christiano das Neves se formou como arquiteto na Universidade da Pensilvânia, EUA,
admitido nesta instituição em 1910, após passar no exame de proficiência em Desenho a Mão
Livre e em História da Arquitetura41, nesta mesma instituição recebeu orientação de dois
arquitetos importantes para os EUA, Warren Powers Loird e Paul Philippe Cret42. Este último,
enquanto professor da Universidade da Pensilvânia instaura a prática de atelier como
condição basilar da formação profissional43. Essa prática foi aplicada na metodologia da
Escola Mackenzie, por Christiano das Neves.
Nesse período, Bratke trabalhou para diversos engenheiros: desenhou inúmeros tipos de
portões, portas, rodapés, molduras. Os engenheiros mantinham em seus escritórios esses
desenhos para mostrar aos clientes, à maneira de catálogos 44.
Esse comentário se refere ao exercício de projeto do prédio da Praça do Patriarca (fig. 51)
publicado nas páginas da revista Architectura e Construções, em dezembro de 1930, pouco
41
Segawa, Hugo. Artigo Turma de 30, anais ICOMOS, 2014. p. 524.
42
Paul Philippe Cret nasceu em Lyon, França, em 1876. Frequentou a escola de arquitetura na Ecole des Beaux-Arts em
Lyon e Paris. Ele já havia ganhado muitos prêmios de arquitetura quando foi recrutado, aos 27 anos, para ensinar projeto
de arquitetura na Universidade da Pensilvânia. Na Filadélfia, ele foi professor de design na Universidade da Pensilvânia de
1903 a 1937, exceto por uma licença durante a Primeira Guerra Mundial, quando Cret serviu nos exércitos francês e
americano. Durante seu mandato na Penn, Cret influenciou vários jovens que se tornaram arquitetos famosos, incluindo
Robert McGoodwin , Sydney Martin , John Harbeson, Alfred Bendiner e Louis Kahn.
Fonte: https://archives.upenn.edu/exhibits/penn-people/biography/paul-philippe-cret
43
Artigo Hugo Segawa sobre a turma de 1930
44
Idem
86
antes da sua formatura45, ainda durante a sua formação acadêmica. Seu pai havia falecido dois
anos antes.
45
Segawa, Hugo. Artigo Turma de 30, anais ICOMOS, 2014. pg. 530
87
livros e até riscos para bordados contratados pela agência Lilla, em 1922. (SEGAWA w
DOURADO, 1997, p. 313)
Quando ingressa na vida acadêmica essa prática não se perde, pelo contrário, se expande.
Continua a trabalhar e produzir, e antes mesmo de se formar abre um escritório de topografia
com mais três colegas, dentre eles Oscar Americano, de quem se tornaria amigo por longas
datas realizando experimentos construtivos e urbanísticos juntos, dentre os quais o bairro do
Morumbi e a própria casa de Oscar Americano, no mesmo bairro, onde hoje está localizada a
Fundação Oscar Americano.
No entanto, foi no ano de sua formatura (Fig. 52) que sua carreira como arquiteto ganhou um
impulso extra na ocasião em que venceu o concurso de grande repercussão em São Paulo: O
viaduto Boa Vista (Fig. 53) . Um projeto de linhas Art Decó que trouxe uma atmosfera de
modernidade e a seu tempo uma das principais obras de arte de São Paulo, seus gradis de
ferro desenhados por Bratke passaram a ser adotados como padrão municipal (
SEGAWA:DOURADO, 1997, p. 58)
. Fonte: https://www.arquivo.arq.br/oswaldo-bratke?lightbox=image_1o3y
88
Figura 53: Perspectiva feita por Bratke do viaduto Boa Vista
Estava me formando quando soube pelos jornais de um concurso para este viaduto,
que deveria ter 100 m. ou mais. No edital não se mencionava a obrigatoriedade de
o autor da proposta ser engenheiro ou arquiteto. Estávamos na famosa crise da
recessão provocada pela queda da bolsa de Nova York em 1929. Apresentei um
trabalho e tive sorte de ganhar, garantir emprego na Companhia Mecânica e
Importadora (que construiu o viaduto) e poder me casar. Fiz o melhor que pude,
para uma estrutura esconsa, limitado evidentemente pelos meus parcos
conhecimentos de recém-formado. Mais tarde chamariam o que fiz no viaduto de
art decó. (BRATKE apud SEGAWA: DOURADO, 1997, p.57).
É oportuno fazer aqui uma breve colocação sobre o contexto histórico da época em que
Bratke iniciava a sua vida profissional, um período de extrema turbulência no mundo, entre
eles a crise da bolsa de Nova York. No Brasil, por sua vez, Getúlio Vargas candidato à
presidência derrotado nas eleições havia dado um golpe de Estado, impedindo a posse do
presidente eleito Júlio Prestes, criando assim um governo provisório e com a promessa de
89
realizar uma nova Constituição. No entanto, Vargas fechou o Congresso, passou a governar
por decreto e enviou interventores para governar os Estados 46. Em São Paulo, o
descontentamento na administração do Estado era visível e atritos cada vez mais acirrados
entre o Poder Central e a população do Estado ocasionava uma onda de protestos e
manifestações nas ruas. O estopim do conflito armado foi a morte de quatro estudantes
paulistas nos conflitos de rua, que viraram imediatamente mártires do movimento armado.
Assim, começou o conflito liderado por forças políticas paulistas contrárias a Vargas que
deixou um saldo de 934 mortos. Nesse cenário, Bratke é convocado para lutar junto aos
paulistas e serve como capitão reconstruindo pontes. O arquiteto estava com 25 anos.
46
Fonte: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/Revolucao30
90
Sobre essa obra é relatado uma história curiosa. Bratke estava fazendo uma casa
pra si, e no meio da obra acabou o dinheiro. Ele tinha feito amizade com os
operários (pedreiro, carpinteiro, serralheiro, encanador, etc.) e então lhes propôs
concluir as casas para vendê-las e cada um receberia o proporcional ao quinhão
investido. Deu certo, e ele conseguiu algum ganho para continuar tocando a vida.
Na primeira metade dos anos 1930. (SEGAWA: DOURADO, 1994, p. 12).
Bratke inicia sua carreira como a maioria dos profissionais engenheiros e arquitetos de sua
época, no canteiro de obras. Construía a edificação do início ao fim, do projeto a entrega das
chaves, realizando todos os procedimentos que uma obra necessita: conceber o projeto e
desenhá-lo, fazer perspectivas, contratar operários, acertar entrega de material com
fornecedores, fazer pagamentos da mão de obra, etc. e começa fazendo casas unifamiliares.
Essa prática do canteiro de obras vai ser muito útil ao arquiteto/projetista que se tornaria no
futuro, principalmente na logística que implicou a construção das Vilas no Amapá.
No ano de 1932, Bratke monta uma sociedade com Carlos Botti para participar de concursos.
Botti, assim como Bratke, se formou engenheiro/arquiteto pela Mackenzie, na turma de 1932,
os dois iniciaram uma longa carreira de trabalho e amizade que iniciou com o projeto para o
concurso do Matadouro Municipal de São Paulo (Fig. 55 e 56) e que se estendeu por nove
anos.
Com poucos meios para manutenção, bati em muitas portas de escritórios com um
rolo de desenhos debaixo do braço, e inclusive tentei um concurso para conseguir
emprego na prefeitura, para aprovar projetos. Então juntei-me ao amigo fraternal
Carlos Botti, para participar de concurso, pois a época era de recessão e não havia
muito trabalho na praça. Ganhamos um segundo lugar no concurso do Matadouro
Municipal de São Paulo e uma primeira posição no concurso de projetos para o
entorno do viaduto do Chá a ser construído, mas tivemos invalidado o projeto
definitivo do concurso do viaduto por havermos assinado com um pseudônimo,
quando era proibida qualquer assinatura (distração nossa na leitura do edital).
(BRATKE apud SEGAWA: DOURADO, 1997, p. 61).
91
Figura 55: Matadouro Municipal de São Paulo – Perspectiva Bratke.
92
Nas palavras do próprio arquiteto, foram momentos difíceis, vencidos pela bondade do pai do
meu sócio, ao custear o primeiro ano do escritório - que se chamou Bratke & Botti – iniciado
com a construção de uma casa na Freguesia do Ó (BRATKE apud SEGAWA: DOURADO,
1997, p. 62). (fig. 57)
Figura 57: Casa Freguesia do Ó – primeiro projeto do escritório Bratke & Botti
Percebe-se que no início da carreira, de forma compreensível e natural, Bratke & Botti
arriscam e inovam pouco na composição de seus projetos, não se vê o traço do arquiteto
marcado nas paredes edificadas, principalmente nos projetos residenciais. O que podemos ver,
através das fotografias dos projetos desse período, são casas mais tradicionais com telhados
de duas águas e um forte sotaque visual de uma arquitetura neocolonial (fig. 58 e 59).
Essa parceria entre os dois arquitetos-engenheiros durou nove anos o que resultou em diversos
projetos para a capital de São Paulo e também para o interior, como Campos do Jordão e Ilha
Porchat, como mostraremos mais adiante.
93
Figura 58: Residência Rua Marechal Bitencourt, São Paulo, 1938/1939
94
5.3 - O PONTO DA VIRADA
Em 1942, seu sócio Carlos Botti, falece em um acidente de avião. Além de perder o amigo,
perde também o sócio. Bratke começa então a administrar sozinho o escritório e as obras que
estavam em andamento. Tem uma estafa e adoece.
É provável que esse acontecimento provocou em Bratke uma mudança interna a ponto de
repensar modo produzir arquitetura. Isso fica visível nas ações que começa a tomar e
incentivado por Rino Levi, começa a migrar gradativamente do arquiteto-construtor para o
arquiteto-projetista. Deduzimos que deva ter sido uma decisão difícil para um profissional
liberal em tempos turbulentos em as estruturas das relações políticas e econômica entre as
principais nações do mundo estavam passando por momentos difíceis, em outras palavras o
mundo estava em plena segunda Guerra Mundial e por trás de tudo isso ainda poderia pesar a
sua origem alemã. Tirando os dois anos em que trabalhou na Companhia Mecânica e
Importadora (que construiu o viaduto Boa Vista) Bratke tirava seu sustento do seu trabalho
como arquiteto-construtor, a essa altura estava com 35 anos e dois filhos, dentre eles um
recém-nascido que se chamou Carlos em homenagem ao amigo falecido47.
Não foi fácil. “Cobrar papel?”, dizia-se com referência ao projeto, e fazer experiência com
o dinheiro do freguês? Nessa altura, os construtores não cobravam o projeto, que estava
incluído na conta da obra. Assim, o projeto parecia gratuito ao cliente. Não teria sido
pretensão de nossa parte? O cliente que se ao luxo de pagar o projeto exigia também
bastante da paciência do arquiteto: analisar e discutir detalhes vistos em revista para
possível cópia dos mesmos ou pelo menos croquizar sugestões que uma amiga da patroa
insinuasse... Mas deu tudo certo. Arrisquei com certa cobertura, sem dúvida, porque fiz
uma combinação muito interessante. Eu tinha bastante serviço e então combinei com meu
colega Guilherme Corazza, que construía, uma forma de passar as construções a ele, sem
prejuízo para um de nós e para o cliente, o que deu muito bons resultados. Ficamos todos
satisfeitos: o cliente, ele e eu, e firmamos uma grande amizade até o falecimento dele
(BRATKE apud SEGAWA: DOURADO, 1997, p. 70).
Ainda nesse período e após o falecimento do sócio, Bratke tralha em alguns projetos em
Campos do Jordão, nessa mesma época a cidade estava sofrendo um processo de
transformação no seu perfil, deixando de ser vista como uma Estância Medicinal para se
transformar em uma cidade com vocação mais urbana. Foram projetadas várias casas para lá e
47
Carlos Bratke viria se tornar arquiteto de referência no cenário da arquitetura paulista anos mais tarde.
95
concomitante deu continuidade ao projeto do Grande Hotel Cassino, iniciado em 1940 e
concluído em 1945 (Fig. 60), enquanto ainda era sócio de Botti.
Com características formais que lembravam os chalés europeus das regiões montanhosas, o
projeto possuía no térreo uma varando com colunas em forma de arco, o telhado era de duas
águas e estava estruturado em um partido que em planta baixa tinha o formato em “U”.
Não iremos nos ater aqui a analisar com profundidade as características do projeto e tão pouco
fazer juízo de valor ou sua funcionalidade, no entanto, vale registrar que esse projeto, com
cerca de 6.700 m² de área construída foi um marco em sua época48.
48
De estância medicinal no tratamento de tuberculose a cidade turística, Campos do Jordão passou a assumir
uma nova vocação urbana a partir dos anos 40. Nesse momento, a principal atividade local - os sanatórios –
começava a dar sinais de declínio: os avanços da medicina no tratamento da tuberculose, com a descoberta de
medicamentos específicos, apontavam para a obsolescência da antiga terapêutica baseada na recuperação
96
Atravessando por esse momento estratégico nesse processo de transformação da cidade,
Campos do Jordão se tornou atrativa para investimentos imobiliários do setor privado, dentre
ele o bairro residencial Jardim do Embaixador, onde Bratke participa do processo projetando
a estrutura urbana e algumas residências, no entanto um projeto em especial, o restaurante
Jardim do Embaixador (fig. 61 e 62), chama a atenção na sua estrutura formal por demonstrar
algumas soluções de projeto e configuração estética que flertam com modernismo. Nesse
projeto, com telhado quase plano e caimento de uma água, vemos um Bratke um pouco mais
ousado do traço da sua lapiseira que fugia, mesmo que de forma discreta, dos tradicionais
chalés alpinos. Levantamos a suspeita nessa pesquisa que possa ter sido esse projeto uma das
primeiras aproximações do arquiteto com o pensamento modernista na arquitetura.
natural do paciente, através de isolamento, repouso, boa alimentação e principalmente ar puro de montanha,
como o da região. Todavia, coube a Adhemar de Barros, então interventor do Estado de São Paulo nomeado
por Getúlio Vargas, consolidar definitivamente esse processo de transformação econômica/urbana da cidade.
Bem assinala Pedro Paulo Filho que Barros “a partir de 1938 autorizou a construção de importantes bases do
desenvolvimento de Campos do Jordão, como o Palácio Boa Vista, O Grande Hotel Cassino, o Parque Estadual”,
iniciativas que, nos anos seguintes, animaram o setor privado a promover diversos empreendimentos,
sobretudo loteamentos para casas de veraneio. O escritório Bratke & Botti atuou em vários desses encargos.
Além de parcela significativa de casas, projetou o Grande Hotel Cassino (1940/45), considerado em sua época
uma das principais obras de hotelaria no país. (SEGAWA:DOURADO,1997,p.71)
97
Figura 62– Restaurante Jardim do Embaixador - 1941
Fonte: https://www.guiacampos.com/cronicas-e-opiniao/apfelstrudel-em-campos-do-jordao-comecou-no-
restaurante-jardim-do-embaixador/1163
49
Situada próximo a São Vicente, na baixada Santista, a ilha Porchat firmou-se como polo de veraneio/ turismo
a partir dos anos 30. Era um local aprazível, praticamente intocado, que permanecia até então desabitado em
razão do seu difícil acesso. A construção de uma ponte de ligação com a faixa continental marcou o início de
sua ocupação, viabilizando a instalação de um cassino. Seguiu-se posteriormente a implantação de loteamento
para casas de férias. O escritório Bratke & Botti realizou vários trabalhos na localidade, participando
intensamente de seu processo de urbanização. (SEGAWA: DOURADO, 1997, p.73)
98
Figura 63 – Ilha Porchat - 1946
99
A década de 1940 marca na obra de Oswaldo Bratke um amadurecimento na sua arquitetura e
uma busca cada vez mais primorosa percebida nos detalhes e uma ampliação das experiências
arquitetônicas que o aproximavam cada vez mais do arquiteto de laboratório. Similar ao
cientista que testa seus ensaios exaustivamente em laboratório Bratke começa a fazer alguns
testes construtivos em projetos desse período e, principalmente, quando constrói sua própria
casa/ateliê, em 1947, na Rua Avanhandava, como veremos mais adiante.
Em 1948, Bratke faz sua primeira viagem à costa oeste dos EUA e conhece de perto as obras
de Richard Neutra e Frank Lloyd Wright, dois arquitetos dos quais era admirador. É bem
verdade que era mais apreciador da obra e da filosofia de trabalho de Neutra e como tal é
tentador exercitar a imaginação e supor o que deve ter sentido ao visitar essas obras in loco. O
que se percebe de fato, é que na segunda metade dessa década Bratke arrisca mais o traço e
introduz com mais frequência os conceitos modernistas em seus projetos e sua atitude de
começar a migrar e se posicionar como arquiteto-projetista.
Não foi fácil. “Cobra papel?”, dizia-se com referência ao projeto, e fazer experiência com o
dinheiro de freguês? Nessa altura, os construtores não cobravam o projeto, que estava
incluído na conta da obra. Assim, o projeto parecia gratuito ao cliente. Não teria sido
pretensão de nossa parte? O cliente que se dava ao luxo de pagar o projeto exigia também
bastante da paciência do arquiteto: analisar e discutir detalhes vistos em revista para
possível cópia dos mesmos ou pelo menos croquizar sugestões que a amiga da patroa
insinuasse... Mas deu tudo certo. (BRATKE apud SEGAWA: DOURADO, 1997, p. 70).
Aqui vale olhar para método de trabalho que o escritório de Bratke adotava no dia a dia,
tornava seus projetos mais minuciosos no que se refere a quantidade de detalhamento das
pranchas. Um método de trabalho em o construtor dificilmente teria alguma dificuldade em
entender o projeto no canteiro de obras.
100
“elemento vazado”, nome que pegou por aí. O esboço original, que nascia de uma planta do
estudo de massa, era apresentado ao cliente com as explicações necessárias à sua perfeita
compreensão. Aprovado, fazíamos um estudo mais cuidadoso de plantas, elevações e
perspectivas. Esse segundo, com o desenvolvimento do projeto, eram acompanhados de
croquis de partes da obra, que eram feitos em presença do cliente e que nos poupavam um
tempo enorme: você sabendo desenhar com facilidade, mostrava e desenvolvia na hora as
ideias e discutia com ele até chegar à solução ideal, dispensando a elaboração de
apresentação de apresentações gráficas mais sofisticadas para o dia seguinte porque você
tende a desenhar muito e às vezes perde tempo. Tinha tanta prática de perspectiva que eu
desenhava até de cabeça para baixo – essa habilidade agilizava o diálogo com o cliente. Em
seguida, um companheiro detalhava e outro, que não tinha tomado parte no trabalho,
checava o projeto. Essa verificação feita por alguém não envolvido com o projeto era muito
importante, pela isenção com que ele examinava o desenvolvimento do projeto. (BRATKE
apud SEGAWA: DOURADO, 1997, p. 79)
Quando Bratke projeta e constrói sua primeira casa, estava com 40 anos e haviam passados 14
anos desde que abriu seu primeiro escritório. O ano era 1947, a segunda Grande Guerra
terminara dois anos antes e uma efervescência de novas ideias e materiais construtivos
pairavam sobre o contexto mundial como um mantra para fazer a roda da vida girar.
É nesse projeto, da casa/ateliê, que o arquiteto avança em direção aos seus experimentos e
utiliza materiais inovadores que ainda não haviam sido utilizados.
101
Percebe-se que a estrutura adotada no telhado tipo “butterfly” havia sido experimentada no
projeto do Pavilhão Aricanduva, em São Paulo, em 1946, ou seja, um ano antes (Fig. 65).
Bratke a repete conceitualmente no projeto da sua casa. Um telhado de duas águas voltadas
para dentro com uma calha central para receber as águas pluviais
O programa da casa era simples (fig. 66 e 67) e pelo que podemos observar na distribuição
dos ambientes e suas dimensões, os espaços de convívio como salas de estar/jantar foram
mais generosos em suas áreas o que nos leva a acreditar que a família valorizava a
convivência entre seus membros e o prazer de receber os amigos. Nota-se também nesses
espaços, um diálogo com o jardim através de uma pequena varanda que é acessada por uma
generosa porta lateral, que quando aberta totalmente convida as flores do jardim e a luz do sol
a adentrarem na sala para participar das conversas que ali aconteciam, havia através do muro
102
tecido em elemento vazado, um diálogo da casa a rua, deixando a ventilação livre com certa
privacidade (fig. 68). A abertura lateral que dava para o jardim era constituída por uma porta
com duas folhas (Fig. 69 e 70) com larguras diferentes e que funcionavam de maneira
independente de maneira e quando abertas a maior delas se transformava em um painel
externo compondo o ambiente da varanda coberta com um telhado plano. Ao mesmo tempo o
painel protegia visualmente a casa do ateliê que ficava no fundo do terreno, como veremos
adiante. Esse conceito de casa varanda como extensão da sala de estar, Bratke irá repetir nas
casas dos funcionários graduados no projeto das Vilas do Amapá.
103
Figura 67: Perspectiva Casa/ateliê da Rua Avanhandava – São Paulo - SP.
Fonte: desenho realizado pelo autor a partir da análise da planta baixa e fotografias.
Figura 68: Foto fachada Casa/ateliê da Rua Avanhandava – São Paulo-SP. Detalhe para utilização do elemento
vazado no muro frontal.
105
Lívio Abramo, seu estagiário na época do projeto fez as perspectivas (fig. 71, 72, 73 e 74) da
nova casa assim como o painel da sala de estar, acima da lareira.
Figura 71: Sala de estar. A direita encontra-se a lareira com o painel de Lívio Abramo e ao fundo, a esquerda, a
porta com grade na diagonal que integra o pequeno terraço coberto visto nas fotos anteriores - Lívio Abramo
Figura 72: Perspectiva Lívio Abramo: Sala de jantar. Ao fundo vê-se a esquadria que conecta com a garagem.
106
Figura 73: Perspectiva de Lívio Abramo - Sala estar com o detalhe da porta de acesso ao jardim lateral.
Figura 74: Perspectiva de Lívio Abramo – cozinha: vê-se a porta ao fundo que dava acesso ao hall de entrada da
casa.
107
O historiador Carlos Lemos, publicou um artigo no jornal Folha de São Paulo, com o título
“A verdadeira Origem do Movimento Moderno da Arquitetura Brasileira”, em 1972, em que
faz uma análise da participação do arquiteto e sua relação com o movimento moderno
brasileiro.
Distante de considerar esse seu projeto tão relevante foi com ele, no entanto, que realizou sua
entrada no mundo da divulgação de suas obras em periódicos e livros. Essa publicação
ocorreu em 1948 mesmo ano em que fez sua primeira viagem aos EUA, na revista americana
Arts & Architecture que tinha alcance internacional e havia, em 1945, lançado um programa
chamado “Case Study House”, iniciativa que ao longo de dezenove anos, publicou 36 projetos
108
e/ou obras de moradias projetadas por arquitetos convidados, buscando demonstrar as
possibilidades de fazer casas com padrões de industrialização e estética moderna (SEGAWA;
DOURADO, 1997, p. 22). A revista publicou trabalhos de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa,
Roberto Burle Marx, assim como outros arquitetos importantes em seus países do continente
americano. Mas, provavelmente, o primeiro latino-americano publicado pela revista apareceu
na edição de outubro de 1948 e seria também sua primeira aparição num periódico
internacional: Oswaldo Bratke, com sua casa na Avanhandava (SEGAWA; DOURADO,
1997, p. 23).
O projeto do Ateliê construído nos fundos do terreno, apesar de simples e com planta livre,
utilizou um sistema de caixilhos por ele inventado composto de planos envidraçados que
abriam por gravidade, essa esquadria havia sido projetada para o restaurante do Jardim do
Embaixador, em Campos do Jordão, poucos anos antes (ver figura 64 e 64). Nas palavras de
seu filho, o também arquiteto Carlos Bratke (1942 – 2017) e foi estagiário no ateliê, podemos
imaginar como era o dia-a-dia de trabalho.
Para se chegar da casa ao ateliê era preciso sair à rua, andar uns cinquenta metros e entrar
num corredor decorado com tijolos furados cortados em quarenta e cinco graus, fotos,
telhas, cerâmicas. Enfeites bastante arquitetônicos. Havia uma saletinha com um sofá de
espera, onde era comum homens de terno escuro e gravata, pernas cruzadas, chapéu e
guarda-chuva nas mãos. Em frente, uma sala de reuniões iluminada artificialmente.
Passando esse obstáculo e mais um painel obrigando a um ziguezague lá estava ele. Minha
mãe o chamava de Alemão, algumas vezes usava o apelido que o pessoal do escritório do
escritório lhe deu: Mate Leão (já vem queimando) como dizia uma propaganda da época.
Não tinha secretária, atendia o telefone e batia ele mesmo seus contratos, gostava de ser
chamado de BRK, seu código de telégrafo quando acompanhava a construção das cidades
que havia projetado no Amapá. Por seu escritório passaram dezenas e dezenas de
estagiários ou jovens arquitetos, inclusive eu, meu irmão, meus primos. Era uma espécie de
cozinha fascinante. De ideias, de experiência, de livros e revistas. Muita coisa era
desenhada na parede, móveis em escala natural, alturas, larguras, medidas das pessoas de lá
mesmo. Crianças, gente grande, pequena, em pé, sentadas, agachadas. (do livro: Carlos
Bratke, Arquiteto/Architect; ProEditores, 1995 apud SEGAWA; DOURADO, 1997, p. 96).
Ainda sobre o funcionamento do ateliê e como se produzia projetos nas paredes daquele
ambiente, SEGAWA descreve com mais detalhes e retiramos aqui alguns trechos que indicam
o modus operandi do arquiteto. Bratke tinha um zelo na elaboração de um projeto residencial,
admirava e comungava com o método de trabalhar do arquiteto vienense Richard Neutra e sua
maneira de se relacionar com os clientes.
109
Bratke foi um dos mais requisitados e respeitados profissionais nesse segmento. Tal fama
decorria de um especial cuidado que o arquiteto dedicava ao cliente e sua família, tomando
o cuidado de identificar os seus valores, os interesses e as idiossincrasias dos futuros
usuários para elaboração do projeto. Tal atenção não era dirigida apenas ao cliente de
recursos: todo o processo de elaboração do programa de Vila Serra do Navio e Vila
Amazonas espelhava um princípio, não uma circunstância (SEGAWA; DOURADO, 1997,
p.40).
Bratke foi um arquiteto com percepções e método de trabalho muito próprios, delegando o
desenvolvimento dos projetos aos seus auxiliares em um escritório com oito pranchetas de
igual tamanho e uma um pouco maior, a sua. Ali desenhava junto com os demais dando o
ritmo aos projetos. Para o arquiteto se profissionalizar, precisa ter em mente como conduzir
um projeto, de maneira a sobrar tempo para encontro com clientes, visitas a obras, conduzir o
ateliê e para estudar projetos (BRATKE apud SEGAWA; DOURADO, 1997, p. 78);.
No escritório não abria-se mão do desenho livre e da perspectiva ao lado do cliente, agilizava
tempo e ia-se direto ao ponto. No projeto das Vilas Amazonas e Serra do Navio, no Amapá,
seu chefe de escritório, o búlgaro Zoltán Dudus, teve papel vital enquanto Bratke se ausentava
para visita a obra. Sobre o método de trabalho no escritório, achamos necessária a transcrição
do trecho em que Bratke explica como gerenciava a produção dos projetos em seu escritório:
O esboço original, que nascia de uma planta de estudo de massa, era apresentado ao cliente
com as explicações necessárias à sua perfeita compreensão. Aprovado, fazíamos um estudo
mais cuidadoso de plantas, elevações e perspectivas. Esse segundo passo, com o
desenvolvimento do projeto, era acompanhado de croquis de partes da obra, que eram feitos
em presença do cliente e que nos poupavam um tempo enorme: você sabendo desenhar com
facilidade, mostrava e desenvolvia na hora as ideias e discutia com ele até chegar a solução
ideal, dispensando a elaboração de apresentações gráficas mais sofisticadas e trabalhosas de
fazer. Nunca deixe a apresentação da perspectiva para o dia seguinte porque você tende a
desenhar muito e às vezes perde tempo. Tinha tanta prática de perspectiva que eu
desenhava até de cabeça para baixo – essa habilidade agilizava o diálogo com o cliente. Em
seguida, um companheiro detalhava e outro, que não tinha tomado parte do trabalho,
checava o projeto. Essa verificação feita por alguém não envolvido com o projeto era muito
importante, pela isenção com que ele examinava o desenvolvimento do projeto (BRATKE,
apud SEGAWA; DOURADO, 1997, p. 79).
O ateliê foi um espaço pulsante de ideias e pessoas, um espaço simples, porém, com muita
energia. Ao analisar fotos do ateliê, nota-se, na sala dos projetistas, o uso da iluminação
natural de tal forma que pouco se vê as luminárias sobre as pranchetas, seu espaço de trabalho
era modesto e minimalista, de um laconismo visual espantoso (fig. 75, 76, 77 e 78).
110
Figura 75: Corredor de acesso ao Ateliê.
111
Figura 77: Sala de pranchetas, vista da prancheta de Bratke.
112
O projeto e a construção da sua casa/ateliê é considerado o ponto da virada no pensamento
arquitetônico de Oswaldo Bratke. A partir dessa obra iremos perceber cada vez mais a
presença de elementos que se tornaram marca em seus projetos tais como o uso do elemento
vazado, telhados cada vez mais planos e uma combinação materiais na sua forma mais
natural, tais como a madeira.
A impressão que se tem é que Bratke usou a própria casa/ateliê como uma espécie de chave
para abrir e dissipar dúvidas de clientes que tinham dúvidas com relação a eficácias das
soluções e suas ideias modernistas. Sabemos que arquiteto/projetista precisa de outras
habilidades que vão além do ato de projetar em si, para conseguir esclarecer seus pensamentos
e propor, dentro da sua interpretação, o que acha a melhor solução para seu cliente, ideias
inovadoras, dentro da arquitetura, são mais difíceis de serem aceitas caso não fiquem claras
para o contratante. Aceitar ideias de vanguarda, sem estar convencido é uma decisão difícil
para quem quer construir. Demolir algo que não agradou e construir novamente sai muito
oneroso.
Desta forma, mostrar a edificação pronta e fazer o futuro cliente adentrar, literalmente, nas
ideias do arquiteto e no próprio espaço que ele projetou para si é um forte argumento para dar
segurança aos olhos de quem vê.
113
5.5 - A EXPERIÊNCIA NO AMAPÁ E O OLHAR DO OUTRO
Naquele ano 1955, a ICOMI já estava tocando as construções das instalações industriais, do
embarcadouro do minério e da estrada de ferro. Havia montado um acampamento
provisório, na Serra do Navio, junto ao rio Amapari; para chegar lá, só de barco. Os barcos
recebiam carga e passageiros do Porto Platon, no rio Araguari; e daí navegavam rio acima,
numa viagem de oito horas ou mais. (RIBEIRO, 1997, p. 19)
50
SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo: ProEditores, 1997.
114
Dessa viagem, Bratke faz várias anotações, tira fotografias, desenha e pinta a vida na região,
especialmente, ao longo dos Rios Amapari e Araguari. A seguir mostraremos uma série de
imagens realizadas pelo arquiteto (fig.80, 81, 82, 83, 84, 85 e 86)
Figura 79: Oswaldo Bratke, em primeiro plano de camisa clara, com o engenheiro Peter Wood.
115
Figura 80: Foto Bratke do Rio Amapari com pedras no seu leito.
116
“O homem das regiões e vizinhanças exercia suas atividades em função dos cursos d´água,
sua única estrada..O ubá, pequeno barco, era sua montaria. Seus trens, carregava-os num saco
de viagem, que continha pouco mais do que um mosquiteiro, rede e alguma peça de roupa.”
(RIBEIRO, 1992, p. 40)
117
“... seu rancho sempre sobre palafitas, obedecia princípios instintivos de conforto climático...”
(RIBEIRO, 1192, p. 25)
Essa tipologia é bastante peculiar pela similaridade da moradia dos Wajãpi (ver fig. 17), etnia nativa da região da
Serra do Navio.
118
Figura 84: Desenho Bratke.
120
Em seguida a viagem a Serra do Navio e a partir dos contatos feitos por lá, o arquiteto
percebeu que os exemplos similares de mais fácil acesso, foram projetos implantados pela
própria companhia Bethlehem Steel (empresa associada à ICOMI na exploração do Manganês
no Amapá) e pela United Steel, na Venezuela e no Caribe. Organiza uma ida a esses lugares e
diante do que vê, retorna com muitas anotações, em que os pontos negativos em maior
número do os pontos positivos. Nessa viagem Bratke percebe o quanto os projetos eram
displicentes para com seus usuários. Ninguém fazia cidade. Abriam uma rua central e lá se
instalavam negócios que vendiam coisas para os coitados. As casas dos chefes eram boas, as
demais muito precárias (BRATKE apud SEGAWA; DOURADO, 1997, p. 242). Percebeu
assim o que não deveria fazer na execução dos projetos da ICOMI.
Sobre o projeto de implantação das Vilas Serra do Navio e Vila Amazonas, conforme
comentamos na introdução desse trabalho, temos boas pesquisas que resultaram em artigos,
dissertações, teses de doutorado e dois livros que formaram a base da nossa pesquisa. O de
Benjamin Adiron Ribeiro, escrito em 1992 sobre a experiência de Vila Serra do Navio e o
livro de Hugo Segawa e Guilherme Mazza Dourado, publicado em 1997, mostrando a
trajetória de Bratke e dedicando um capítulo inteiro para os projetos no Amapá, as duas
publicações são zelosa e rica em detalhes, fotos e desenhos. A nosso ver, elas são as primeiras
chaves de entrada para abrir algumas portas sobre o tema das Vilas no Amapá.
121
Dito isto, vamos nos ater aqui a mostrar o pensamento do arquiteto na constituição das duas
Vilas, principalmente no que diz respeito ao controle do acesso e da rotina dos funcionários.
Tal qual Fordlândia e Belterra, mesmo sem serem cidades alinhadas com o pensamento
modernista, tinham no controle da vida dos moradores, aspecto intrínseco ao projeto como um
todo, nas duas vilas projetadas por Bratke, este alinhado com o pensamento moderno que
impunha seu traçado urbano como parte das estratégias de controle dos moradores, de certa
forma natural para pequenas cidades criadas com esse fim. Não era, porém, simplesmente um
contrato de projeto de vilas e casas, e sim, implicitamente, a responsabilidade pelo
funcionamento daquilo que se propunha (BRATKE apud RIBEIRO, 1992, p. 36).
Sempre acreditei que uma implantação uma implantação urbana deve ser feita à feição de
seu morador e não uma imposição À qual ele tenha de se adaptar. Isso para que ele se sinta
bem e coopere em seu aprimoramento. Nas vilas de propriedade de organização privada e
que proporcionam todo conforto e segurança, não incentivam o espírito de luta, necessário à
conquista de bens desejados a sua futura independência. Antes, desencorajam esses
indivíduos a possuírem suas próprias casas, tornando-se mais e mais dependentes.
Mantendo-a restrita ao uso da população ao uso da população de empregados da empresa,
habituados à disciplina hierárquica, esses logo se adaptam às obrigações e os regulamentos,
simplificando a administração e a manutenção. Bem dirigida, torna-se uma escola de vida
gregária, de responsabilidade e respeito mútuos. A presença da Companhia dirigindo e
administrando essas comunidades deve ser discreta, para não ser antipática. (BRATKE
apud RIBEIRO, 1992, p. 36)
Em vila Serra do Navio (fig. 87), Bratke separou bem as funções para evitar conflitos e
facilitar o controle, tem o cuidado de separar bem as funções e os alojamentos das casas, o
alojamentos dos solteiros ficava em frente ao prédio da administração. A localização dos
alojamentos de solteiros em relação às residências de famílias assume importâncias de caráter
moral, em localidades de rotina monótona (BRATKE apud RIBEIRO, 1992, p. 46).
Quando as Vilas entraram em operação, foi criado um setor específico para cuidar e controlar
chamado Departamento de Vilas. Cuja atribuição dentre outras coisas, estava dirigir,
coordenar e controlar as atividades relativas aos serviços de conservação, operação das vilas,
secretaria e nutricionista além de incentivar e promover atividades comunitárias objetivando
desenvolvimento social e sadias relações humanas fora do trabalho.51
51
Normas do Manual do Departamento de Vilas fornecido em fotocópia do original pelo engenheiro e ex-
diretor da ICOMI, José Ortiz Vergolino.
122
Figura 87: Planta urbana Vila Serra do Navio
Assim, a rotina nas Vilas Amazonas e Serra do Navio era ordenada para que tudo andasse sem
grandes atropelos levando a hierarquia administrativa do trabalho para a estrutura urbana das
Vilas os problemas diminuiriam tendo em vista que um era extensão do outro e cada qual
saberia seu lugar dentro do sistema estabelecido, no trabalho ou fora dele. Depoimentos
colhidos dos antigos moradores52 das vilas, principalmente, Vila Serra do Navio, demonstram
que durante o período do projeto a experiência de morar ali foi muito especial, especialmente,
para as crianças. No entanto, experiências sócias dessa magnitude e por longo período nem
sempre se encaminham linearmente como os vagões cheios de manganês que deslizavam
pelos trilhos da ferrovia.
A situação da mulher constitui um dos aspectos mais problemáticos das vilas pesquisadas.
A população masculina é absorvida em atividades profissionais, o que ocorre em proporção
muito inferior no caso da população feminina. Esta marginalização é sentida sobretudo
pelas esposas dos funcionários de nível administrativo, situação que a empresa 3 (ICOMI)
procura minimizar através da absorção da mulher em algumas atividades desenvolvidas nas
vilas, basicamente na área social. Aquelas que se identificam com estas atividades tendem a
52
Benjamin Ribeiro dedica o capítulo 5 do seu livro para relatar depoimentos e comentários coletados de visitantes e
funcionários da Companhia ICOMI. Outras opiniões sobre essa experiência pode ser acompanhada nas mídias sócias tais
como Facebook, com quase 14 mil inscritos: https://pt-br.facebook.com/groups/icomi/
123
se adaptar com relativa facilidade à vida local. Outro recurso importante que minimiza o
problema da adaptação da mulher são as atividades de lazer. A consideração da vivência
nas vilas como algo extremamente positivo para as crianças é o fator facilitador de sua
adaptação ao local. Cabe observar que é entre as mulheres que a questão da estratificação se
torna mais aguda. Tendo relativamente poucas atividades às quais dedicar-se vivendo numa
comunidade fechada em que o “status” é um atributo diferencial permanentemente
assinalado, desenvolveram-se mecanismos de competição e de controle bastante
acentuados. O nível administrativo, que é estratificado internamente, por sua vez é
especialmente afetado por esse tipo de processo. O convívio social permanente com as
pessoas, em uma comunidade fechada. É um dos aspectos da experiência sentidos como
negativos, comprometendo a liberdade e a privacidade de cada um (Relatório do IPT -
Instituto de Pesquisas Tecnológicas – apud RIBEIRO, 1992, p. 89).
A seguir uma sequência de fotos tiradas por lentes diversas, institucionais ou não, mostrando
um recorte da rotina nas vilas (fig. 88, 89, 90, 91, 92, 93 e 94)
Figura 88: Sra. Yolanda, esposa do geólogo Breno de Souza, com a filha do casal, Vila Serra do Navio 1964.
124
Figura 89: Foto do cotidiano em Serra do Navio - crianças.
Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=43206&view=detalhes
125
Figura 91: Foto do cotidiano da Escola Vila Serra do Navio.
Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=43207&view=detalhes.
126
Figura 93: Foto Clube da mina - Vila Serra do Navio
127
Com relação aos aspectos construtivos Bratke se preocupou com o conforto térmico e estético
das edificações, um fator primordial na elaboração do projeto, assim como o posicionamento
das vilas e movimento das vias para o melhor aproveitamento dos ventos.
A preocupação com o bem estar, principalmente com relação a baixa temperatura e dentro dos
ambientes assim como o fluxo dos ventos permeando (fig. 95 e 96) os ambientes fez com que
a ideia das venezianas móveis se tornasse uma das marcas principais do projeto.
Assim, todo esforço foi feito para tirar partido dos ventos que prevalecem no local,
particularmente à noite. Aberturas de ventilação foram feitas nos topos das paredes
exteriores, longitudinalmente e até nas empenas laterais das casas. Instalaram-se portas tipo
veneziana no acesso aos cômodos das casas; janelas e venezianas, abertas desde o teto até o
chão nas fachadas, possibilitando a ventilação e passagem do ar, beneficiando as pessoas
tanto sentadas quanto até deitadas (BRATKE apud RIBEIRO, 1992, p. 62).
Assim, a solução da veneziana móvel (fig. 95, 96 e 97) se adequou muito bem ao projeto,
tanto na sua função quanto na estética. Como vimos no capítulo anterior, esse elemento
arquitetônico não era um desconhecido do arquiteto, no entanto, foi no projeto das duas Vilas
que Bratke as utiliza com maestria.
128
Figura 95: Desenho Bratke: Estudos de movimentação solar e ventos.
129
Figura 96: Desenho de Bratke sobre os ventos e insolação nas edificações das Vilas Serra do Navio e
Amazonas.
130
Figura 98: Foto Residências dos operários. Provavelmente na década de 1960.
131
6 - ARQUITETURA AO VENTO
132
As estratégias logísticas adotadas para a construção das vilas no Amapá na etapa em que se
encontrava o projeto de exploração das minas não poderiam ser diferentes. Quando Bratke foi
contratado ele já era um profissional experiente e tinha capacidade tácita de colocar em
prática suas técnicas e soluções construtivas utilizadas nos projetos anteriores. Como visto no
capítulo anterior, ao se deslocar para sua primeira visita à região onde seriam implantadas as
vilas, as máquinas de extração do minério já haviam começado a operar, e desde fevereiro de
1954, a construção da estrada de ferro já estava em andamento com seus primeiros dormentes
colocados no chão e por sua vez, o porto, projetado pela empresa norte-americana Morgan,
Freeman e Muesser53 se estruturava para receber os primeiros navios para o embarque do
minério. O arquiteto já havia testado e utilizado com mais assiduidade em suas obras na
capital paulista, elementos arquitetônicos como uso de placas de compensado para forro e
armários, cobogós (elemento vazado), telhado plano dentre outras soluções arquitetônicas.
No entanto, uma das características mais marcantes nos projetos das edificações das Vilas
Amazonas e Serra do Navio foram as venezianas móveis, tão úteis na sua função e na sua
estética. Não obstante, o conceito de veneziana móvel não era desconhecido para o arquiteto
que já o havia utilizado em suas experiências na construção do seu estúdio, em anexo a sua
segunda residência, desta vez no bairro do Morumbi, em São Paulo, em 1951. Nesse projeto,
Bratke deu continuidade as suas experiências construtivas e apesar do pequeno tamanho da
edificação, fez valer seu espírito inovador com utilizando materiais pouco convencionais para
época.
Vale aqui registrar que esse projeto do Morumbi (fig. 100 e 101), realizado cinco anos antes
de assinar o contrato para construir as vilas no Amapá, foi um marco na arquitetura de Bratke
por sintetizar a sua interpretação do pensamento moderno da época.
53
VIRGOLINO, José L. Ortiz. Artigo escrito no Diário do Amapá, 29/06/2017.
133
Figura 100: Casa Morumbi em construção.
Fonte: https://arquivo.arq.br/projetos/residencia-oswaldo-bratke#&gid=1&pid=3
134
Sem dúvida a casa do Morumbi é um projeto maduro e marcante. No entanto, é o projeto do
estúdio/casa de hóspede (fig. 102) que nos chama a atenção pela utilização de conceitos
arquitetônicos presentes nas casas do Amapá. Neste projeto Bratke utilizou pilares estruturais
duplos (fig. 103) feitos em madeira e com um vão entre eles, utilizou também, esquadrias
móveis para facilitar o sistema de ventilação e insolação, ou seja, as venezianas móveis
chamadas aqui de quebra-sol (fig. 104) e muito similares às esquadrias projetadas para as
edificações das vilas de Santana e Serra do Navio, a diferença estava, no entanto, na largura
das palhetas e na engrenagem para abertura e fechamento da esquadria, que no caso do
Amapá, era em alumínio.
É no projeto do seu pequeno estúdio (fig. 105), que o arquiteto da continuidade as suas
experimentações com novos materiais e aparentemente frágeis para edificações.
135
Figura 103: Detalhe da base do pilar duplo em madeira
136
Figura 105: foto do estúdio finalizado, o destaque para os detalhes das esquadrias com quebra sol e dos pilares
duplos em madeira.
Uma variável oculta e, naturalmente, não prevista na implantação do projeto das duas vilas no
Amapá e que provavelmente não deve ter passado pelas planilhas da mineradora ou pelas
pranchetas do escritório de Bratke e tão pouco pelas mais otimistas previsões que o arquiteto
poderia ter tido sobre o impacto causado pelo projeto das vilas na região, diz respeito a
adoção por boa parte da população local dos principais elementos arquitetônicos presentes nas
edificações das duas vilas, tais como os pilares duplos para estrutura do telhado e as telhas de
fibrocimento, devido sua praticidade, leveza e baixo custo. No entanto, o sistema de
refrigeração dos telhados das casas da ICOMI, a bolsa de circulação de ar, não foi levado em
consideração na versão popular dos telhados com fibrocimento, tornando as edificações
quentes e insalubres.
Mas, como uma espécie de epidemia arquitetônica, as venezianas móveis foram absorvidas
por significativa parte da população local e introduzidas nas construções que se seguiram
concomitante e posteriores a conclusão das duas vilas, especialmente nas casas de madeira,
137
um fenômeno que se propagou em várias direções e foram utilizas especialmente em
residências, escolas (fig. 104), prédios públicos e até hospitais. Com relação, especificamente,
sobre essa esquadria, sabemos que ele não a criou nos moldes do que se encontrava no
mercado à época.
Figura 106: Colégio Santa Bartoloméa de Capitânio, primeira escola particular de Macapá, inaugurada em 1961.
Foi uma das primeiras edificações a utilizar veneziana móvel.
Fonte: https://www.alcinea.com/sem-categoria/sabe-que-escola-e-esta
. A patente da veneziana móvel (fig. 107) data de agosto de 1841 e pertence a J. Hampson 54,
de New Orleans, EUA. Hapson desenvolveu um projeto de fácil movimentação das paletas a
partir do conceito das venezianas popularizadas na Inglaterra e levadas aos EUA. No entanto,
o mérito de Bratke nesse caso, foi de criar um sistema mais simples e de fácil execução, que
pudesse ser confeccionada em marcenarias sem grandes equipamentos, essa pode ter sido uma
das razões para sua proliferação; fácil execução, segura e econômica.
54
Fonte: https://controlissblinds.co.uk/wordpress/the-history-of-venetian-blinds/
138
Figura 107: Detalhe do desenho de J. Hampson, anexado ao processo de patente.
Fonte: patents.google.com/patente/us2223
Segundo consta no depoimento que o arquiteto deu para Benjamin Ribeiro, a utilização desse
tipo de esquadria nas vilas do Amapá surgiu quase por acaso, Bratke relatou que nas primeiras
viagens que fez ao acampamento provisório no final entre os anos de 1955 e 1956, foi
solicitado por um engenheiro americano a fazer um desenho de uma esquadria específica (fig.
108) que foi aperfeiçoada com a introdução do mecanismo de fechamento em alumínio (fig.
109 e 110).
139
Cabe comentar, como curiosidade, que as famosas venezianas móveis de madeira,
para proteger os vão entelados, hoje amplamente utilizados na região, tiveram sua
origem logo no início, nos primeiros acampamentos de obra. Pelo que Bratke me
contou, ele montou o primeiro protótipo caseiro de veneziana para atender à
solicitação de um engenheiro americano que lá trabalhava. A coisa fez sucesso e
acabou sendo utilizada em todos os acampamentos e até em algumas casas de Macapá.
Posteriormente, já na fase do projeto, introduziram-se ferragens de alumínio, próprias
para esse fim, importadas dos EUA, que caracterizam até hoje as construções das vilas
da ICOMI. (RIBEIRO, 1992, p. 70)
Figura 108: Detalhe do desenho da primeira esquadria móvel, desenhada por Bratke.
140
Figura 109: Projeto da veneziana móvel para Hospital Vila Amazonas, com ferragens em alumínio.
Figura 110: Projeto da veneziana móvel para Hospital Vila Amazonas, com ferragens em alumínio.
141
Vale lembrar que a construção de casas em madeira na região Amazônica permaneceu e
permanece nos dias atuais, como uma alternativa rápida e relativamente barata para solução
da moradia. Desde a popularização do beneficiamento da madeira pelas serrarias da região,
principalmente das ilhas do arquipélago do Marajó, construir casas com esse material foi um
prolongamento da tecnologia desenvolvida na carpintaria naval remanescente das culturas
nativas e expandida no período colonial55. Em Macapá, na criação do Território Federal do
Amapá, já existiam casas em taipa resquícios do Brasil colônia, porém, a grande maioria eram
casas de madeira e na implantação do TFA o governo construiu várias edificações funcionais
dentre elas uma vila de casas em madeira (fig. 111) para servir de moradia para os primeiros
servidores do novo Território Federal.
55
GUALBERTO, Antônio J. P. História e Memória da Carpintaria Naval Ribeirinha da Amazônia. VI Simpósio
Nacional de História Cultural: Ver-sentir-narrar. UFPI. ISBN: 978-85-98711-10-2
142
No caso da construção das edificações das vilas da ICOMI, a necessidade para conseguir
operários habilitados era alta e o tempo era relativamente curto para execução do projeto, isso
levou o engenheiro Luiz de Mello Mattos, construtor responsável pela execução das obras, a
montar um sistema de treinamento da mão-de-obra (fig. 112) e assim se empenhou em
contratar e treinar os operários locais para cumprir os prazos.
Ele não podia levar todos os operários que precisava. Então ele montou uma oficina-
escola para treinar gente do lugar, que aprendeu rapidamente a fabricar tacos, janelas,
carpintaria. Os nossos desenhos foram feitos de maneira que esse pessoal pudesse
entender e executar com facilidade. Ele treinou muita gente, formando uma importante
mão-de-obra qualificada que depois continuou trabalhando na região, no ramo.
(BRATKE apud SEGAWA; DOURADO, 1997, p. 252).
143
Ainda sobre a o processo de treinamento de pessoal para execução do projeto Bratke comenta.
Essa mão-de-obra treinada e também absorvida para trabalhar nos canteiros de obras entre os
anos de 1956 e 1960, quando as duas vilas foram entregues, migrou para cidades próximas e
principalmente para as cidades de Macapá e Santana, além de Porto Grande, onde estava
localizado Porto Planton e a companhia mantinha uma estação de trem assim como o primeiro
acampamento de apoio para Serra do Navio.
144
Figura 113: Veneziana móvel desenvolvida nas marcenarias locais.
145
Levantamos aqui a hipótese, como rastro histórico, que três fatores ajudaram na proliferação
desse fenômeno. O primeiro deles diz respeito ao sucesso estético e pragmático da construção
das duas vilas, em outras palavras, o projeto de Bratke se adequou de forma excelente à
região, além das soluções técnicas eficazes e bem resolvidas ele conseguiu dialogar com a
cultura tradicional já existente. Bratke era um modernista e aplicou os princípios modernos
nas edificações das vilas. O clube dos funcionários graduados de Serra do Navio sintetiza as
suas ideias modernistas nesse projeto. No caso da utilização das venezianas móveis nas duas
vilas, as mesmas foram vistas como modelo a ser seguido, pois seu uso era democrático e
estava presente em todas as casas da mineradora, independente da posição funcional que o
funcionário tivesse na Companhia, do operário mais simples aos seus diretores e engenheiros.
Assim, o princípio de que se eram boas para os exigentes engenheiros provenientes de outros
Estados do Brasil e do exterior, deveriam também, ser boas para moradores locais. Além
disso, o modelo mais simples era esteticamente agradável, de fácil execução e relativamente
barato, e ao adotar essa versão nas construções locais, significava, de alguma forma, ter em
casa um elemento arquitetônico moderno presente também nas edificações da ICOMI.
146
Figura 114: Aerofogametria da cidade de Macapá - 1966
O terceiro e último ponto, mas não menos importante, é mais subjetivo e trata da questão do
status quo. Vimos que o projeto da Minerado ICOMI foi o primeiro projeto desta natureza na
Amazônia brasileira, ou seja, foi o projeto pioneiro na extração mineral em escala industrial
nessa região. Um projeto dessa envergadura tão essencial para indústria como um todo, trouxe
para então anônimo Território Federal do Amapá uma visibilidade em escala nacional e
internacional até então inexistentes. A circulação de profissionais contratados pela ICOMI
dentre eles professores, médicos, engenheiros brasileiros e de outras nacionalidades, gerou
uma troca social e estética entre os moradores locais e os funcionários da empresa, a
arquitetura nesse sentido se mostra presente aos olhos de quem a vê, e nesse caso, o conjunto
arquitetônico da Vila Amazonas não passaria desapercebido para os moradores das cidades de
Santana e Macapá, assim como a Vila Serra do Navio, não ficaria incógnita, mesmo estando
no meio da floresta por moradores ribeirinhos e nativos das pequenas cidades próximas. Além
da troca visual estabelecida entre os moradores das cidades, a mineradora contratou serviços
que não necessariamente era de funcionários da própria empresa gerando uma troca mais
próxima. É certo que o sistema de controle social da empresa era rigoroso e evitava o máximo
147
de contato com moradores locais, principalmente, na Vila de Serra do Navio, no entanto, era
inevitável que esse contato acontecesse entre empregados domésticos, fornecedores, etc.
especialmente no caso da Vila Amazonas, em Santana, que era uma vila aberta.
Relatos de pessoas que viveram nessa época apontam para a qualidade dos serviços de
educação, saúde, lazer, abastecimento de alimentos, além do entretenimento e qualidade de
vida eram exemplares. Segundo Botton (2014, p. 41) nossa noção de um limite adequado para
qualquer coisa – por exemplo, riqueza e estima – nunca é formada de maneira independente.
Ela provém da comparação da nossa situação com a de um grupo de referência, composto
pelas pessoas que consideramos nossos iguais. Levantamos esse pensamento como uma
hipótese e temos consciência que precisaria de uma pesquisa mais aprofundada para tal
afirmação, no entanto, as venezianas foram um elemento utilitário e com uma referência
estética forte e de adequação incontestável para o clima local. Querendo ou não, eram vistas
como símbolo de status tê-las em suas casas.
Assim, com essas três variáveis ocultas, imaginamos que a arquitetura de Bratke foi levada ao
vento e se proliferou como pólen nas casas pelas cidades e ao longo dos rios, principalmente
nas casas construídas por não arquitetos. Bratke propagou ideias simples, porém muito
eficazes, democratizando sua proposta. No caso da cidade de Macapá, seu uso foi tão intenso
que a mesma chegou “batizada” pelos habitantes da cidade com o nome de “janela-Macapá”.
Vamos mostrar a pesquisa realizada primeiramente no município de Santana (Fig. 115 a 122)
por ser a cidade onde Vila Amazonas foi construída. Utilizamos o método de amostragem a
56
Dispositivo do Google Maps utilizado nesta tese como método de pesquisa e documentação histórica que
registrou, através de fotografias, em 2012, diversas casas que nesta data (2020) já foram demolidas e outras
que, provavelmente, terão o mesmo destino.
148
partir do direcionamento de crescimento das cidades duas cidades. Percebemos um número
significativo de casas com esquadrias de veneziana móvel e também o uso de pilares duplos
(esses em quantidade menor), principalmente nos bairros mais antigos, no entanto, nossa
pesquisa fez um recorte e se deteve em mostrar apenas sete edificações que encontramos em
cinco bairros da cidade. Também foram realizadas pesquisas in loco tanto na cidade de
Santana quanto na própria Vila Amazonas, onde tivemos oportunidade de visitar o hospital
(ainda em funcionamento), a escola, administrada pela Fundação Bradesco, o antigo centro de
abastecimento (supermercado e cinema) e hoje funciona o Sesi e Sesc Santana, além de casas
destinadas aos funcionários graduados, algumas permanecem conservadas e conservaram o
projeto original, essas continuam arejadas e servindo para o mesmo fim que foram projetadas,
com o sistema de veneziana móvel funcionando e palhetas em cedro não apodreceram, as
casas que sofreram reforma na planta original, de um modo geral, são mais quentes a
necessitam de refrigeração artificial. Visitamos também casas destinadas aos funcionários de
graduações menores. Vila Amazonas mantém seu traçado urbano original, porém suas ruas
estão com pavimentação deteriorada, a caixa d’água permanece no mesmo local.
149
6.1 - ARQUITETURA AO VENTO: CIDADE DE SANTANA
150
Figura 116: Casa 1; utilização de veneziana móvel na lateral e pilar duplo frontal. Distância da Vila Amazonas
150 mts, aproximadamente.
Figura 117: Casa 2: utilização de veneziana móvel na lateral. Distância da Vila Amazonas, 150 mts,
aproximadamente.
151
Figura 118: Casa 3: utilização de veneziana móvel na lateral. Distância da Vila Amazonas, 150 mts,
aproximadamente.
Figura 119: Casa 4: utilização de veneziana móvel na lateral. Distância da Vila Amazonas, 400 mts,
aproximadamente.
152
Figura 120: Casa 5: utilização de veneziana móvel frontal e lateral. Distância da Vila Amazonas, 1500 mts,
aproximadamente.
Figura 121: Casa 6: Venda de Açaí. Utilização de pilares duplos. Distância da Vila Amazonas, 700 mts,
aproximadamente.
153
Figura 122: Casa 7: utilização de veneziana móvel frontal e lateral. Distância da Vila Amazonas, 200 mts,
aproximadamente.
A cidade de Santana nos dias de hoje se configura como uma cidade adoecida e com poucos
investimentos urbanos, sua via principal está deteriorada devido, em parte, a grande
movimentação de caminhões com toras de madeira pela empresa Amapá Florestal e Celulose
S.A. (AmCel) instalada nas imediações da cidade, próximo a Vila Amazonas. Até o ano de
2013 a empresa Anglo Ferrous Brazil continuou a exportar ferro e outros minérios retirados
das minas de Serra do Navio e imediações. Neste ano um acidente grave no Porto de Santana
construído pela mineradora ICOMI , com desabamento de parte da estrutura do porto, do píer
de embarque, e sistema de esteiras. Este acidente paralisou a ferrovia que está abandonada. As
responsabilidades do acidente ainda tramitam entre as paredes do judiciário. A cidade de
Santana continua uma cidade de baixos recursos. A dignidade estética conseguida nas casas
que foram pesquisadas pelo uso de esquadrias com veneziana móvel está chegando ao fim.
Uma hipótese que podemos levantar é que a maioria das edificações que utilizaram e utilizam
as esquadrias em veneziana são de madeira, o que leva a crer que enquanto houver
carpinteiros com habilidade para fazê-las eles ainda terão uma sobrevida, quer na terra firme,
quer em cima da palafita.
154
6.2 - ARQUITETURA AO VENTO: CIDADE DE MACAPÁ
O processo de absorção das venezianas e pilares duplos na cidade de Macapá foi mais intenso
e amplo, se espalhou por mais bairros e em edificações de madeira e alvenaria. Sabe-se que a
partir de um determinado momento, não pesquisamos as datas mas pelos relatos dos cbg4r
provavelmente entre as décadas de 1970 e 1980, as venezianas móveis são adotadas pelo
governo do Território e começam a ser especificadas nos prédios públicos, principalmente
escolas e unidades de saúde. Houve um tempo em que a janela passou a ser denominada
popularmente de “janela Macapá”. .e ainda nos dias atuais podemos observar ainda várias
residências com a esquadria em funcionamento
Na pesquisa realizada na cidade de Macapá pode-se observar ainda hoje que as janelas
permanecem na maioria das casas de madeira, principalmente na periferia da cidade, ou o que
era periferia na cidade antes do século XXI.
Elaboramos um mapa (fig. 123) onde podemos identificamos algumas edificações com
venezianas móveis. Reconhecemos que é uma amostragem pequena diante da quantidade de
edificações que utilizam a esquadria. No entanto, assim como a pesquisa realizada em Santana
partimos para essa averiguação com base nos estudos de expansão da cidade e nos detivemos
praticamente na mesma área mostrada na figura 114 (mapa da cidade de Macapá no ano de
1966) e a partir dessa amostragem, percebermos o quanto foi diversificado o uso desse
elemento arquitetônico na cidade.
155
Figura 123: Infográfico cidade de Macapá.
Fonte: Google Street – ano 2012. Desenho gráfico realizado pelo autor
156
Figura 124: Residência as proximidades do bairro Santa Rita. Apesar de ser um projeto simples o construtor
buscou um diferencial estético que lembra as inclinações utilizadas por Bratke.
157
Figura 125: Residência em madeira construída em área nobre da cidade. As venezianas estão presentes em
quase toda a casa. Na varanda notam-se as cadeiras com desenho do arquiteto que também se tornaram muito
populares.
Figura 126: A mesma residência fotografada em 2019. Nota-se que apesar da instalação dos aparelhos de ar
condicionado, as venezianas não foram substituídas.
158
Figura 127: Residência situada ao lado da casa da página anterior.
159
Figura 129: Residência situada ao lado da casa da página anterior.
160
Figura 131: Residência situada na esquina de uma das ruas principais da cidade.
161
Figura 133: Residência na zona norte da cidade. Presença das venezianas móveis nas fachadas frontal e lateral.
Figura 134: Esta residência foi vendida e demolida em 2018. Bairro central. As venezianas móveis estavam
presentes na lateral da casa.
Figura 136: Residência localizada bairro Santa Rita. Venezianas móveis na fachada.
163
Figura 137: Residência localizada em bairro do Trem. Venezianas móveis na fachada e lateral.
Figura 138: Residência localizada no bairro Santa Rita com venezianas móveis no andar térreo.
164
Figura 139: Residência localizada no bairro Santa Rita. Venezianas móveis no andar superior.
165
Figura 141: Residência na Zona Norte da cidade. Venezianas móveis no andar superior.
Figura 142: Residência na Zona Norte da cidade. Venezianas móveis na fachada lateral no andar superior.
167
6.3 - ARQUITETURA AO VENTO: ENTRE PORTO GRANDE E SERRA DO NAVIO
Essa pesquisa entre as cidades de Porto Grande (localizada ao lado de Porto Platon, primeiro
acampamento provisório da ICOMI) e Serra do Navio, aconteceu em dois momentos. O
primeiro, realizado de automóvel pela rodovia BR-210, conhecida como Perimetral Norte57,
em agosto de 2019, esse trecho de pouco mais de 100 quilômetros foi realizado em
aproximadamente quatro horas. A outra viagem foi realizada em fevereiro de 2020, em uma
pequena lancha a motor (similar às lanchas utilizadas no início do projeto – fig. 145) com
saída de Porto Grande e chegada em Serra do Navio (detalhada no capítulo 6), esse trecho foi
percorrido em seis horas. Para complementar algumas lacunas não fotografadas in loco,
realizamos também percurso pelo Street View – Google, ano 2012.
Figura 145: Acampamento Base Serra do Navio – data provável, início da década de 1950.
57
O processo de construção e o início do funcionamento das rodovias BR-230, conhecida como
Transamazônica; a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, a BR-210, conhecida com Perimetral Norte e a BR
163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Essas estradas fizeram parte do Plano Nacional de Integração (PIN),
instituído pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, em 16 de julho de 1970, e que previa que 100 quilômetros
em cada lado das estradas a serem construídas deveriam ser destinados à colonização. A intenção do governo
era assentar cerca de 500 mil pessoas em agrovilas que seriam fundadas. Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524054-construcao-de-rodovias-no-governo-militar-matou-cerca-de-8-
mil-indios
168
Figura 146: Infográfico da viagem Porto Grande – Serra do Navio.
169
Em Porto Grande realizou-se uma seleção do material pesquisado (fig. 147 a 152.) realizado
na viagem realizada em agosto de 2019 e fevereiro 2020, além de percurso pelo Google
Street. Percebeu-se que na maioria das casas com veneziana móvel são edificadas em madeira
e no caso da escola a construção foi em alvenaria. Não encontramos pilares duplos nesta
cidade, assim como nas demais desse percurso, no entanto, uma edificação religiosa fora da
cidade chamou atenção pela sua forma, como será mostrado mais adiante. Optou-se pelas
edificações mais próximas ao Rio Araguari e Porto Platon.
Figura 147: Residência próxima ao Rio Araguari. Venezianas móveis na fachada lateral.
170
Figura 148: Residência próxima ao Rio Araguari. Venezianas móveis na fachada lateral.
171
Figura 150: Residência 3 próxima ao Rio Araguari. Venezianas móveis na fachada lateral.
172
Dentro o material encontrado na primeira viagem, duas edificações localizadas próximas à
rodovia nos chamou a atenção. A primeira, uma pequena igreja (fig. 152) em madeira distante
aproximadamente 20 de quilômetros de Porto Grande, a margem esquerda da rodovia. O
interessa nessa edificação se deu em função da similaridade (guardada as devidas proporções)
com as colunas trapezoidais encontradas no projeto no antigo cinema e hoje quadra de
esportes da escola (fig. 153), projetada por Bratke em Serra do Navio.
173
Figura 153: Antigo cinema, atualmente quadra de esportes da escola. 2020.
Já no distrito de Cupixi, localizado entre Porto Grande e Serra do Navio, outra igreja que
chamou atenção pelo desenho frontal e a lateral com venezianas móveis. Essa igreja (fig.
154), um pouco maior que a primeira, está localizada a poucos metros da antiga estação do
trem da mineradora. Apesar de ser um pequeno lugar com poucas ruas de chão batido, a
mineradora ICOMI construiu um ponto de apoio para ferrovia (fig. 155) com uma Estação de
parada para o Trem e ao que tudo indica uma espécie de hospedaria (fig. 156). Não ficou claro
na pesquisa a razão dessas edificações. Um ano após as fotos do Google Street serem tiradas,
em 2013, ocorreu um acidente grave no Porto de Santana deixando-o inoperante. Com isso a
ferrovia deixou de ser utilizada e muitos vagões continuam parados ao longo da estrada de
ferro por questões judiciais. Nas duas viagens realizadas não houve parada em Cupixi,
acredita-se, no entanto, que tal como ocorreu em Porto Platon as instalações podem ter sido
saqueadas. Encontramos também, algumas casas e uma Escola Estadual (fig. 157, 158 e 159)
174
Figura 154: Igreja Cupixi. Lateral com venezianas móveis. 2012.
Figura 155: Casa de apoio para ferrovia. Venezianas móveis teladas. 2012.
175
Figura 156: Residência de apoio para ferrovia. Venezianas móveis teladas. 2012.
Figura 159: Escola Estadual Florença Torres de Araújo. Detalhe corredor. 2012
177
O último ponto desta viagem antes de chegar a Serra do Navio, foi a cidade de Pedra Branca
do Amapari (fig. 160 e 161). Aqui está construída a ponte da ferrovia ( com quase um
quilômetro de extensão ) que atravessa o Rio Amapari. Curiosamente a cidade que está mais
próxima a Serra do Navio (20 quilômetros) foi onde menos se encontrou as venezianas
móveis ou quaisquer outros vestígios, apesar da ferrovia passar dentro da cidade. Assim,
concluiu-se a etapa rodoviária da viagem para encontramos os vestígios por terra.
178
7 - RETORNO À TRILHA:
Registros de um caderno de viagem
179
É necessário conhecer as condições físicas, ambientais e humanas do habitat, na região. Seu
sistema de vida na selva e nos aglomerados. Sua habitação, moradia, meio de vida, enfim,
seus costumes... Composição do solo, vegetação. Adaptação do homem as condições
climáticas.58
58
BRATKE apud RIBEIRO, 1992, p. 20.
180
Para nós, Wajãpi não existe separação entre natureza, sociedade e cultura como o
conhecimento científico dos não-índio considera. De acordo com nosso conhecimento sobre o
mundo visível e invisível, não existe separação, porque o que os não-índios chamam de
natureza, para nós são outras gentes e suas comunidades, cuidadas pelos seus próprios donos
(ijarã).59
59
Plano de Gestão Socioambiental Terra Indígena Wajãpi. 2017, p.16.
181
7.1 – DIÁRIO DE BORDO
Em meados de 2019, sentindo a necessidade de percorrer antiga trilha utilizada pelos nativos,
pelos pequenos barcos e balsas da mineradora ICOMI e também, por Bratke (fig. 164) quando
este esteve pela primeira vez visitando o local onde seria construída a Vila Serra do Navio,
comecei a organizar uma viagem de campo pelos rios Araguari e Amapari (fig. 165) com o
objetivo de retratar o percurso e pesquisar possíveis indícios de elementos arquitetônicos
vistos no trajeto já realizado pela rodovia Perimetral Norte. Para tanto, foi solicitado apoio
institucional, via Universidade Federal do Amapá, através da Coordenação do Curso de
Arquitetura ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que nos
atendeu com o empréstimo da lancha e equipamentos de segurança, além da indicação do
barqueiro que iria nos conduzir rio acima. Com as autorizações encaminhadas e liberadas,
montamos a equipe composta por mim, o fotógrafo e geógrafo Herialdo Tavares, o professor
e pesquisador Pedro Mergulhão e o barqueiro Ribamar. Saímos dia 17 de fevereiro de Macapá
em direção à cidade de Porto Grande, ao lado da base de apoio da mineradora – Porto Platon.
Pernoitamos lá e no dia seguinte, às oito horas de manhã, embarcamos na pequena
embarcação a motor e seguimos em direção a Serra do Navio e Vila Terezinha (o primeiro
acampamento base da mineradora ICOMI). O que será visto daqui em diante são registros
realizados em desenhos, aquarelas e fotografias.
182
Figura 164: Mapa da viagem de Bratke, 1955 (data provável)
183
Figura 165: Mapa da Viagem. 2020
184
Figura 166: Sumaumeira no Rio Amapari. 2020
185
Figura 167: Diário da viagem: Macapá – Porto Grande. 2020
186
Figura 169: Diário da viagem: Embarque. 2020
187
Figura 171: Diário da viagem: mapa trecho Porto Grande e Serra do Navio. 2020
Figura 172: Diário da viagem: Encontro dos Rios Amapari e Araguari. 2020
188
Figura 173: Diário da viagem: Casa Sr. Antônio. Rio Amapari. 2020
Figura 174: Diário da viagem: Casa Sr. Antônio escada de acesso. Rio Amapari. 2020
190
Figura 177: Diário da viagem: Segunda parada. 2020
Figura 178: Diário da viagem: Casa Sr. Canuto e D. Maria Helena. Segunda parada. 2020
Figura 181: Diário da viagem: Sr. Canuto e o autor. Segunda parada. 2020
192
Figura 182: Diário da viagem: Terceira parada. 2020
Figura 184: Diário da viagem: Entorno casa Sra. Raimunda. Terceira parada. 2020
193
Figura 185: Diário da viagem: Casa Senhora Raimunda ao fundo. Terceira parada. 2020
194
Figura 186: Diário da viagem: Quarta parada. 2020
Figura 187: Diário da viagem: Quarta parada. Casa do Sr. Vitô e Sra. Oneide. 2020
195
Figura 188: Diário da viagem: quarta parada. Primeira casa do Sr. Vitô e Sra. Oneide, construída por ele junto
com o pai, ao longo da viagem foi a única casa com cobertura em cavaco que encontramos. 2020
Figura 189: Diário da viagem: Quarta parada. Primeira casa do Sr. Vitô e Sra. Oneide. 2020.
196
Figura 190: Diário da viagem. 2020.
197
Figura 192: Diário da viagem: Casas entre Distrito de Cupixi e cidade de Pedra Branca do Amapari. 2020.
Figura 193: Diário da viagem: Casa S. Francisco e D. Maria próxima à cidade Pedra Branca do Amapari. 2020.
198
Figura 194: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis próxima à cidade Pedra Branca do Amapari. 2020.
Figura 195: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis próxima à cidade Pedra Branca do Amapari. 2020.
Figura 197: Diário da viagem: Casa próxima à cidade Pedra Branca do Amapari. 2020.
200
Figura 198: Diário da viagem: Ponte da ferrovia sobre o Rio Amapari. Ao fundo à cidade Pedra Branca do
Amapari. 2020.
201
Figura 200: Diário da viagem: Chegada em Serra do Navio. 2020.
Figura 201: Diário da viagem: Chegada em Serra do Navio. Casa dos barcos. Posto avançado ICMBio. 2020.
202
Figura 202: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis entre Serra do Navio e esteira da extração do
minério. 2020.
Figura 203: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis entre Serra do Navio e esteira da extração do
minério. 2020.
203
Figura 204: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis entre Serra do Navio e esteira da extração do
minério. 2020.
Figura 205: Diário da viagem: Casa com venezianas móveis próxima a Serra do Navio. 2020.
204
Figura 206: Diário da viagem: antiga esteira da extração do minério. 2020.
Figura 207: Diário da viagem: Detalhe da antiga esteira da extração do minério. 2020.
205
Figura 208: Diário da viagem: Retorno à Porto Grande. Anotações finais.. 2020.
206
Figura 209: Diário da viagem: Estação ferroviária de Porto Platon. 2020.
207
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
208
A ação destinada a um público e que envolve recursos públicos sustenta o conceito de
políticas públicas. No caso da exploração do minério de manganês no Amapá, as ações do
Estado foram realizadas com o intuito de desenvolver a região pelo princípio econômico,
principalmente, por meio de pagamento de royalties pela empresa ICOMI com base em um
porcentual sobre cada tonelada de minério extraído. Em contrato, era essa a contra partida da
mineradora em retribuição a extração do manganês no território do Amapá. No entanto, fazer
uma análise a partir da contabilidade econômica refletidas nos números expostos nas planilhas
do negócio parece precipitado. Não restam dúvidas quanto aos números que aparecem após a
implantação do projeto, eles revelam que as articulações políticas da época para implantação
de uma cultura mineral no Estado surtiram efeito. É sabido que projetos de mineração deixam
nos lugares onde se instalam degradações características da própria peculiaridade do negócio
e isso implica em reverberações na estrutura sócio-política das cidades próximas à
implantação do projeto. Essas alterações são mais difíceis de serem mensuráveis em virtude
da complexa estrutura que envolve não somente o recurso econômico deixado na região, mas
também um legado cultural e social, muitas vezes às avessas e de difícil inserção nos gráficos
de balancetes das empresas mineradoras. A Companhia ICOMI, junto com sua sócia norte-
americana Bethlehem Steel abriram caminho para o avanço da exploração industrial de
minério na região e outros projetos grandiosos aconteceram na Amazônia, dentre eles Porto
Trombetas com exploração da bauxita e Carajás, a maior mina de ferro do mundo, ambos no
Estado do Pará. No Amapá, a exploração de minério continua acontecendo, ora de forma
industrial, ora de forma garimpeira causando danos ambientais e conflitos com moradores
nativos. Como já dito, não foi objetivo desta pesquisa analisar os impactos causados ao meio
ambiente e também no ambiente do meio onde vivem os moradores nativos. Não poderíamos
deixar de registrar que a Amazônia, desde Orellana até os dias atuais é vista, principalmente
pelo grande capital, com as lentes conquistadoras apontadas quase sempre para seus “recursos
naturais” que deve aos olhos destes, ser explorado a revelia daqueles que cuidaram desse
imenso jardim durante mais de 12 mil anos.
O problema dos impactos causados pela implantação dos grandes projetos na Amazônia quer
na exploração mineral em escala industrial, na indústria da exportação de madeira ou na
cultura do agronegócio, está assentado em uma linha do horizonte perceptível aos olhos, mas
209
ainda inalcançável aos seres nativos da floresta, haja vista, dentre outros megaprojetos, o que
acontece hoje na região de Fordlândia e Belterra60.
60
Belterra fica perto da BR-163, a cerca de uma hora ao sul de Santarém, num platô perfeito para o cultivo
mecanizado da soja. Em 2001, quase não se plantava na região. Hoje, dezenas de milhares de terras planas de
Belterra estão plantadas com soja. Custa caro derrubar a floresta virgem. O ex-presidente das operações da
Cargill no Brasil disse que custa cerca U$ 1.500,00 limpar um hectare, o que significa que uma plantação de,
digamos 500 hectares levaria anos para ser lucrativa, mesmo se considerarmos o alto preço da soja. É por isso
que os plantadores gostam de entrar em terras já limpas para a formação de pastos e em pequenas fazendas
(muitas vezes levando agricultores e criadores a reiniciar o ciclo do desmatamento). Também é o que torna
Belterra tão atraente, além do solo plano. Os homens de Ford já fizeram a maior parte do trabalho. (GRANDIN,
Greg. Fordlândia – Ascenção e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva, 2010, p. 364)
210
como em seu tempo o projeto de Fordlândia o teve, esse pensamento. A estratégia de deixar
seus moradores mais ocupados e menos preocupados, sobretudo com problemas domésticos,
era quase uma obsessão para a Companhia e teve um forte aliado no desenho urbano e
arquitetônico das edificações. A vida nessas Vilas tinha que ser tranquila, tanto para os
familiares dos empregados da empresa, em tese os que mais usufruíram das vilas, quanto os
seus próprios empregados, a ponto de que não precisassem se preocupar com muita coisa, a
não ser trabalhar da melhor maneira possível naqueles confins da floresta.
Por outro lado, como vimos no último capítulo desta pesquisa, a estratégia utilizada pela
empresa de engenharia contratada para construir as duas Vilas, sobretudo no que diz respeito
ao treinamento de carpinteiros locais, trouxe um legado estético e utilitário não intencional
para a cidade de Macapá, assim como para as cidades próximas ao projeto e ao longo dos rios
Amapari e Araguari, o que chamamos aqui de uma “epidemia arquitetônica”, materializada
nas edificações que surgiram nessas cidades e lugares após a construção das duas Vilas, como
pudemos observar também, durante o desenvolvimento da pesquisa. Esse fenômeno resultou
na assimilação e reinterpretação, por parte da população local, de elementos arquitetônicos
utilizados nas edificações das duas Vilas, especialmente a veneziana móvel, os pilares duplos
em madeira, e o uso do elemento vazado ou mesmo das paredes com cortes inclinados
observado em algumas casas de madeira. Essas construções realizadas por não arquitetos,
surgiram em parte, pelos profissionais contratados oriundos da região e treinados nas oficinas
de carpintaria e movelaria especialmente criadas para produção dos móveis, esquadrias e
carpintaria. Dessa maneira, o aproveitamento e treinamento da mão de obra local para a
produção das casas e mobiliário e a fixação desses operários nas cidades de Macapá, Santana
e adjacências, não estava previsto na proposta inicial do projeto, pelo menos não encontramos
diante do material pesquisado, alguma menção dessa possibilidade nos relatórios escritos pelo
arquiteto ou pela mineradora ICOMI.
A pesquisa nos mostrou também, que as ações do poder central na região, iniciado com a
chegada da Coroa Portuguesa e dando continuidade com a implantação do projeto de extração
do minério de Manganês pela ICOMI, foram e ainda o são, atitudes voltadas muito mais para
exploração das possibilidades econômicas que a terra pode ofertar do que uma preocupação
para um desenvolvimento mais holístico inclusivo e consciente a médio e longo prazo. Uma
situação percebida na exploração do minério de manganês foi o compromisso relativamente
tímido diante do montante econômico lucrado pela Companhia ICOMI ao longo do processo
211
exploratório por quase 50 anos. Isso fica evidente quando verificamos o resultado das contas
realizadas a partir da equação entre o que restou para a população local e o que foi extraído do
subsolo.
O que se nota dentre as ações do Estado com relação às políticas públicas nos dias de hoje são
similaridades com o passado remoto e com motivações semelhantes - explorar o máximo com
o mínimo de investimento. De lá pra cá não mudou muito o modus operandis do Estado e seu
jeito de tratar a região, o que se percebe por parte do poder central é a mudança na estratégia
de comunicação das ações do Estado para com os que habitam a região, antes eram
considerados nativos e agora se transformaram em eleitores.
Apesar da nova maneira de realizar ações de políticas púbicas em que muitos fatores
influenciam no processo de delimitação e implantação dessas ações, ainda assim, o Leviatã
passeia pelas ruas da cidade como o grande lobo protetor com pele de cordeiro que apadrinha
os seus a partir da outorga daqueles que se comprometem com ele.
Não obstante aos entraves políticos, a sensibilidade de Bratke foi um ponto fora da curva ao
estabelecer nos seus projetos para as Vilas Amazonas e Serra do Navio um diálogo com as
características culturais e climáticas da região e levando em conta algumas soluções
desenvolvidas pelas culturas nativas e suas moradias. Realizou um diálogo honesto entre
culturas diferentes e sem abrir mão das convicções e experiências adquiridas ao longo dos
anos em centros urbanos de vanguarda no Brasil e no exterior ou em contato com outros
profissionais da mesma linha de pensamento. Bratke levou na bagagem para sua viagem ao
Amapá, princípios construtivos pautados em elementos adotados pelo movimento moderno
assim como o seu modo pragmático e objetivo de construir. Fez com que a experiência da
construção das duas Vilas se tornasse uma referência positiva nos estudos sobre como
construir moradias salubres para Amazônia e foi por um tempo, exemplo de êxito urbano e
arquitetônico no ensino das escolas de arquitetura, especialmente do Pará e Amapá, assim
como em outros centros de referência no Brasil. Assim como os povos nativos o arquiteto
demonstrou para aqueles que habitam a selva das árvores e para os nasceram sob as copas dos
pilotis que temos condições de realizar projetos com qualidade, salubres, esteticamente bem
resolvidos, de baixo custo e atemporais. E quando sai de cena e deixa de projetar no final na
década de 1960, com quase 60 anos, dedica-se a viajar e desenhar o que vê especialmente a
arquitetura vernacular. Desenhos que demonstram uma busca quase existencial sobre a
essência do fazer arquitetônico.
212
O diálogo entre a forma de pensar do Ser (self) arquiteto e os saberes nativos (estar no espaço-
floresta) é o que vemos como maior contribuição desta pesquisa. Isso porque resulta da
aceitação e tradição (entrega da coisa) pela população local de uma das principais marcas do
projeto arquitetônico das duas vilas – a veneziana móvel – visto que a palavra tradição não
significa apenas receber de um ancestral com purismo totêmico. Muito diferente disso, as
tradições orais, por exemplo, pela genuína diferença no jogo articulação fala-escuta realizam
novas formas e modulações para o presente estético sem deixar de honrar a matriz, o que dá
sentido ao objeto do seu fazer (opus).
O Arquiteto é esse ser alquimista que realiza o novo ouvindo atentamente o que os mestres,
sejam eles (legitimados ou não) tem a nos ensinar.
213
REFERÊNCIAS
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anos FAU-Mackenzie 70 anos: pioneirismo e atualidade [online]. São Paulo: Editora
Mackenzie, 2017, 384 p. ISBN 978-85-8293-726-6 , disponível em:
http://books.scielo.org/id/xrrzx/epub/alvim-9788582937266.epub. Acesso: 25/09/2020.
AMARAL, Laura Regina. As casas de Oswaldo Arthur Bratke: uma análise gráfica da obra.
Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo – USP, São Paulo – SP, 2019.
ARCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
BARATA Jr, Mario L. A comunicação do Design nos objetos artesanais. 2002. 107p.
Dissertação de mestrado – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia,
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BOBBIO, N., Estado, Governo e Sociedade. Para uma Teoria Geral da Política. 4ª edição.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.
BONETI, L. W. Políticas Públicas por Dentro. 2ª edição. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.
214
KUWAHARA, Letícia Martel. Detalhes construtivos de Oswaldo Bratke em Serra do Navio
– AP: estudo e levantamento físico. II S A M A – Seminário de Arquitetura Moderna na
Amazônia, Palmas – TO, março de 2017.
CORREIA, Telma de Barros. Bratke e o projeto civilizatório da ICOMI. In: pós v.19 n.31:
São Paulo, 2012.
215
DUARTE JR., Antônio Marcos. Fordlândia e Belterra: as cidades de Henry Ford na
Amazônia. FGVcasos. Volume 5, número 1, jan/jun 2015. Doc 1. ISSN 2179.135X.
FERRAZ, Francisco César. Os Brasileiros e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 2005.
GALLOIS, Catherine. Wajãpi rena: roças, patios e casas. Museu Nacional do Índio.
Conselho das Aldeias Wajãpi / Alpina, Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação em Educação
Indígena, Rio de Janeiro – RJ, 2009.
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