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Ciência

CORONAVÍRUS · PESQUISAS MÉDICAS · ASTRONOMIA · ASTROFÍSIC

Maior estudo da
história não encontra
relação determinante
entre genes e
comportamento sexual
Análise de 500.000 pessoas
sustenta que é impossível predizer
por sua informação genética se
uma pessoa será homossexual ou
heterossexual

MANUEL ANSEDE
29 AGO 2019 - 19:09
ATUALIZADO: 29 AGO 2019 - 19:12 BRST

Manifestação do Orgulho em Montreal (Canadá), em 18 de


agosto.
DAVID HIMBERT/EUROPA PRESS

MAIS INFORMAÇÕES“Eu sou gay, e meu


irmão, não”, escuta
frequentemente o
psicólogo Juan Ramón
Ordoñana em suas
“O sexo de
neandertais entrevistas com os
com outras membros do único
espécies
demonstra que registro de gêmeos da
eram muito Espanha, uma base de
mais sociáveis
do que nós” dados de 3.500 adultos
da região de Murcia.
Os irmãos gêmeos são
um laboratório vivo
para tentar
compreender a
EUA aplicam influência da genética
edição genética
a embriões no comportamento
humanos pela humano. A existência
primeira vez
de pessoas que
compartilham 100% de
seus genes e apresentam diferentes
comportamentos sexuais indica que a
chave deve ser buscada em outros
fatores. Mas Ordoñana também ouve
a frase contrária: “Somos irmãos
gêmeos e os dois somos
homossexuais”. É um dos mistérios
mais fascinantes da natureza humana.

Uma equipe internacional de


cientistas apresenta nesta quinta-feira
o maior estudo já feito sobre a
influência da genética no
comportamento sexual. Foram
estudadas quase 500.000 pessoas, 100
vezes mais que no maior trabalho
anterior. “Nossa pesquisa mostra que
não há um só gene gay, e sim
muitíssimos genes que influenciam a
probabilidade de que uma pessoa
tenha parceiros do mesmo sexo”, diz o
geneticista Brendan Zietsch, diretor
do Centro de Psicologia e Evolução da
Universidade de Queensland, na
Austrália.

"Não há um só gene gay, e sim


muitíssimos genes que
influenciam", diz o geneticista
Brendan Zietsch

Os pesquisadores empregaram duas


bases de dados: 410.000 pessoas de 40
a 70 anos do Biobank do Reino Unido,
e outras 68.500 dos arquivos da
empresa norte-americana 23andMe,
com uma média de idade de 51 anos.
Sua primeira análise mostrou que os
parentes próximos, pelo menos
primos, tinham mais chances de
apresentarem comportamentos
sexuais similares. Mediante um
complexo procedimento estatístico,
os autores calcularam que um terço
das diferenças observadas no
comportamento sexual destes
familiares se explica por fatores
genéticos herdados.

A segunda análise foi além. O manual


de funcionamento de uma pessoa está
escrito em três bilhões de letras no
núcleo de cada célula. A equipe de
Zietsch procurou variantes genéticas
mínimas — uma só letra —
correlacionadas com
comportamentos homossexuais.
Segundo seus cálculos, o efeito
somado de todas essas pequenas
variações na sequência de DNA
poderia explicar entre 8% e 25% das
diferenças detectadas no
comportamento sexual. A
disparidade destas cifras com os 33%
da primeira análise poderia ocorrer
porque as tecnologias utilizadas não
são suficientemente sofisticadas para
localizar todas as variantes genéticas.

As demais diferenças decorreriam


dos chamados fatores ambientais.
“Neste caso, a palavra ambiental só
significa que não são influências
genéticas. Não precisa ser nada
relacionado a educação ou cultura.
Poderiam ser efeitos biológicos não
genéticos ou o ambiente pré-natal no
útero. Nosso estudo não lança luz
sobre estas influências”, salienta
Zietsch, que assina a pesquisa com
geneticistas, psicólogos, sociólogos e
estatísticos de centros como a
Universidade de Cambridge e o
Instituto Broad do Instituto
Tecnológico de Massachusetts e
Universidade Harvard.

As variantes genéticas
poderiam explicar entre 8% e
25% das diferenças detectadas
no comportamento sexual

Os autores do estudo, que sai nesta


quinta-feira na revista Science, só
identificaram cinco variantes
genéticas correlacionadas com o
comportamento homossexual, mas
com uma influência mínima.
Somados, seus efeitos explicariam
menos de 1%. “É basicamente
impossível predizer a atividade sexual
ou a orientação de uma pessoa por
sua genética”, afirma o estatístico
Andrea Ganna, do Instituto Broad.

“Não existe um gene da


homossexualidade nem da
heterossexualidade nem da
inteligência. São comportamentos
muito complexos, provavelmente
vinculados a centenas ou milhares de
variantes genéticas distribuídas por
todo o genoma”, diz Ordoñana, um
pesquisador da Universidade de
Murcia que não participou desse
estudo. Os efeitos combinados dessas
milhares de variantes genéticas hoje
desconhecidas somariam essas
influências detectadas de 33% ou de
8%-25%, dependendo do tipo de
análise.

Das cinco variantes identificadas,


duas são compartilhadas por homens
e mulheres, outras duas são
masculinas, e uma é feminina. Seu
efeito individual é tão pequeno que só
pode ser detectado em pesquisas com
centenas de milhares de indivíduos.
Por exemplo, 4% das pessoas com
uma variante na posição rs34730029
do genoma apresentam um
comportamento homossexual, frente
aos 3,6% que não têm essa variante.
Para identificar mais diferenças
relevantes no DNA é preciso estudar
milhões de pessoas.

Os pesquisadores encontraram
“uma correlação genética”
entre o comportamento
homossexual e a depressão

Os pesquisadores também
encontraram “uma correlação
genética” entre o comportamento
homossexual e alguns traços da
personalidade, como o sentimento de
solidão, a abertura a novas
experiências e os hábitos de risco,
como o consumo de tabaco e
maconha. Também observaram uma
correlação genética com alguns
problemas de saúde mental. Em uma
escala do 0 a 1, em que o zero significa
que as influências genéticas não se
sobrepõem em dois traços diferentes,
a depressão chega a 0,44 em mulheres
e a 0,33 em homens, enquanto que a
esquizofrenia alcança 0,17 em
mulheres e 0,13 em homens.

“É importante salientar que a


causalidade não está clara. Uma
possibilidade é que o estigma
associado ao comportamento sexual
com pessoas do mesmo sexo
provoque ou exacerbe problemas de
saúde mental”, salienta Zietsch. “Mas
não temos suficientes dados para
desenredar as diferentes opções”,
admite.

Os autores tentaram entender os


mecanismos biológicos das cinco
variantes genéticas relacionadas ao
comportamento homossexual. Uma
delas está localizada em um trecho do
DNA que abriga genes relacionados
ao sentido do olfato, vinculado à
atração sexual. Outra variante está
associada à calvície masculina e a um
gene relevante na formação das
gônadas, o que “respalda a ideia de
que a regulação dos hormônios
sexuais poderia estar implicada no
desenvolvimento de um
comportamento sexual com pessoas
do mesmo sexo”, segundo os
pesquisadores. “As variantes genéticas
heterossexuais são a outra cara das
não heterossexuais: nas mesmas
localizações, mas simplesmente com
outras letras do código”, resume
Zietsch.

A regulação dos hormônios


sexuais poderia estar implicada
no desenvolvimento do
comportamento homossexual,
segundo os pesquisadores

O pesquisador Simon Heath,


entretanto, acredita que “não há uma
base científica potente” que vincule as
variantes genéticas detectadas aos
genes relacionados com o olfato e a
calvície. “Baseiam-se em olhar genes
próximos. E sempre se pode construir
uma boa história esteja onde estiver a
variante genética”, diz Heath, do
Centro Nacional de Análise
Genômica, parte do Centro de
Regulação Genômica de Barcelona.

No entender desse especialista, o


novo estudo está “bem executado”,
mas apresenta algumas limitações,
como colocar uma pessoa na etiqueta
de comportamento homossexual
simplesmente por ter tido uma só
destas experiências em sua vida. “É
uma definição muito simples que
esconde grande parte da
complexidade da orientação sexual”,
opina.

Além disso, aponta Heath, há outros


elementos a levar em conta. Os
410.000 participantes do Reino Unido
preencheram um questionário geral
em que 4% dos homens e 2,8% das
mulheres afirmaram ter tido pelo
menos uma relação sexual com uma
pessoa do mesmo sexo. Nos EUA, essa
pergunta era voluntária, e os que
responderam de maneira positiva
chegam a 19%, “o que pode se dever a
que pessoas com estilos de vida não
convencionais estariam mais
dispostas a responder”, cogita Heath.
“Essa diferença nos conjuntos de
dados dificulta a interpretação dos
resultados”, conclui.

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