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Práticas
Sociocullurais o
linguagens e sociedade
;kEDITaRA CAV
Antonio Escandiel de Souza
organizador
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS,
LINGUAGENS E SOCIEDADE
EDITORACRV
Curitiba - Brasil
2012
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Revisão: Os Autores
Conselho Editorial:
Prol". Dr".Andréia da Silva Quintani1ha Sousa (UNIR - RO) Prof. Dr. Leonel Severo Rocha (URI)
Prof. Dr. Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Prol". Dr'. Lourdes Helena da Silva (UFV)
Prol". Dr', Carlos Federico DominguezAvila (UNB - DF) Prol". Dr', Josania Portela (UFPI)
Prol". Dr", Carmen Tereza Velanga (UNIR - RO) Prol". Dr', Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UNIR - RO)
Prof. Dr. Celso Conti (UFSCAR - SP) Prof. Dr. Paulo Romualdo Hemandes (UNIFAL - MG)
Prol". Dr'. Gloria Fariãas León (Universidade de La Prol". Dr'. Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFS)
Havana - Cuba) Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Prol". Dr'. Solange Helena Ximenes-Rocha (UFPA)
Prof. Dr. GuiUerrno Alias Beatôn (Universidade de La Prol". Dr". Sydione Santos (UEPG PR)
Havana- Cuba) Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Prof. Dr. Joao Adalberto Campato Junior (FAP - SP) Prol". Dr'. Tania Suely Azevedo Brasileiro (UNIR - RO)
Prof. Dr. JailsonAlves dos Santos (UFRJ)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P925
APRESENTAÇÃO
DISCUTINDO PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS 7
MOTTA ROTH, D.; HENDGES, G. H. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
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Introdução
6 o filósofo Sérgio Paulo Rouanet distingue os sentidos das palavras Ilustração e lIuminismo no artigo Dilemas da moral
iluminisfa: "Trata-se de uma distinção entre Ilustração, considerada como uma corrente intelectual historicamente situada,
correspondendo ao movimento de ideias que se cristalizou no século XVIII em torno de figuras como Voltaire, Rousseau,
Diderot etc., e lIuminismo, que seria uma tendência transepocal, não situada, não limitada a uma época específica"
(2007, p. 207). Cassirer, por sua vez, realça que o lIuminismo "não acredita mais no privilégio nem na fecundidade do
'espírito de sistema': vê neste não a força, mas o obstáculo e o freio da razão filosófica' (1994, p. 10). A filosofia já não
significa "um domínio particular do conhecimento situado a par ou acima das verdades da física, das ciências jurídicas
e políticas, mas o meio universal onde todas essas verdades formam-se. desenvolvem-se e consolidam-se" (p. 10). A
filosofia do lIuminismo, observa o autor, não se reduz ao "conjunto do que foi pensado e ensinado pelos grandes mestres
do período [...] ela não se destaca da soma e da sucessão cronológica dessas opiniões porque, de um modo geral, ela
não reside numa doxologia, mas na arte e na forma de conduzir os debates de idéias" (p. 13).
7 Salinas Fortes esclarece que as luzes são caracterizadas pela valorização do homem e por "uma profunda crença na
razão humana e nos seus poderes', e que "revalorizar o homem significa antes de tudo encará-Io como devendo tomar-
se sujeito e dono do seu próprio destino, é esperar que cada homem, em princípio, pense por conta própria' (2004, p. 09).
O universo "deixava de ser visto como manifestação de uma transcendência no limite absolutamente incompreensível e
se convertia em um campo de exploração a ser submetido livremente à capacidade de julgar, comparar, pesar, avaliar,
juntar ou separar" (p. 18). O autor comenta, ainda, que "um novo objeto de estudos começa a se desenhar no horizonte:
o próprio homem", e que "uma nova 'ciência' começa a se impor: a História. Os homens percebem, através do estudo do
seu passado, que a massa de conhecimentos adquiridos pode ser utilizada e posta a serviço do seu próprio bem-estar.
Surge, por conseguinte, como um corolário necessário de todas estas descobertas, um novo mito, um novo ideal, uma
nova ideia reguladora, ou seja, a ideia de Progresso" (p. 20).
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Se alguém deve queixar-se das letras, esse alguém sou eu, uma vez que, em
todas as épocas e em todos os lugares, elas serviram para perseguir-me; mas
devemos amá-Ias apesar do abuso que dela fazem, como devemos amar a
sociedade cujas amenidades são corrompidas, como devemos amar a nossa
pátria, por mais injustiças que nela soframos; como devemos amar e servir o
ser supremo, apesar das superstições e do fanatismo que amiúde lhe desonram
o culto. (1999, p. 248).
8 São esclarecedoras, para analisar a noção de perfectibilidade, as seguintes reflexões produzidas em tomo da obra
de Jean-Jacques Rousseau: "O que distingue o homem dos animais é juntamente com a liberdade ou sua qualidade
de agente livre, a perfectibilidade e as outras faculdades 'virtuais' que ele recebeu em 'potência' da natureza, tais
como a razão, a imaginação e a consciência. Estas faculdades virtuais, que, no estado de natureza são 'supérfluas'
e pennanecem em repouso, não podem se atualizar ou se tornarem ativas senão com a vida em sociedade a qual
é a condição de seus exercícios [...j A vida em sociedade, as relações entre os homens com seus semelhantes, são
as condições de desenvolvimento de nossas mais eminentes faculdades tais como a razão e a consciência. Não é,
pois, de modo absoluto nem definitivo que a sociedade se opõe a natureza' (DERATHÉ apud GARCIA, 1999, p. 57).
Garcia enfatiza que para Rousseau "o homem pode - pela consciência de sua liberdade e espiritual idade, por sua
qualidade de agente livre - escolher e produzir suas possibilidades. Pode aperfeiçoar-se em meio às circunstâncias e
desenvolver outras capacidades e paixões' (1999, p. 77). Acrescenta que "as desigualdades não são a fonte primeira
dos males do homem social. Elas resultam das faculdades da liberdade e da perfectibilidade as quais, uma vez postas
em atividade, desencadeiam as outras assim como as luzes, os erros, os vicios e virtudes dos homens em sociedade" (p.
77). Diferenças à parte, a perfectibilidade em Condorcet também parece caracterizar a condição humana e as indefinidas
possibilidades de sua ação sobre o mundo.
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS, LINGUAGENS E SOCIEDADE 43
o gosto das letras e das artes nasce entre um povo de um vício interior que
ele aumenta e, se é verdade que todos os progressos humanos são perniciosos
à espécie, os do espirito e dos conhecimentos, que aumentam nosso orgulho
e multiplicam nossos desvarios, aceleram logo nossas desditas. Chega um
tempo, porém, em que o mal é tamanho que as próprias causas que o fizeram
nascer são necessárias para impedir-lhe o crescimento. (1999, p. 252).
Como bem ponderou Starobinski (2011, p. 50), para Rousseau o mal não re-
sidiria essencialmente no saber e nas artes, ou ainda na técnica, mas sim na desin-
tegração da unidade social. Nada impediria, pois, que servissem a fins melhores.
Nesse sentido, Rousseau estaria pronto a absorver a cultura, com a condição de que
se ela se tomasse parte integrante de uma totalidade harmoniosa, e não incitasse
mais os homens a buscar vantagens e prazeres separados. Entretanto, como afirma
Rousseau, "enquanto o poder estiver sozinho de um lado, as luzes e a sabedoria
sozinhas de um outro, os sábios raramente pensarão grandes coisas, os príncipes
mais raramente farão coisas belas, e os povos continuarão a ser vis, corrompidos e
infelizes" (1995b, p. 230).
A questão da unidade indiciada por Starobinski demarca outra singularidade
do pensamento de Rousseau no contexto iluminista. De acordo com a compreensão
de Arbousse-Bastide, se a princípio Rousseau foi seduzido pela ideia dos modernos
quanto à necessidade de uma reforma moral individual, logo se mostrou um pensa-
dor independente ao direcionar seu pensamento em um sentido oposto, que primava
9 Condorcet, de diferente modo, expressava abertamente sua convicção segundo a qual as luzes contribuiram para o
aperfeiçoamento dos costumes: "Mostraremos como a liberdade, as artes, as luzes, contribuíram para a suavização
e a melhora dos costumes; mostraremos que esses vícios tão frequentemente atribuídos aos próprios progressos da
civilização eram aqueles dos séculos mais grosseiros; que as luzes, a cultura das artes, os abrandaram quando não
puderam destruí-los: provaremos que estas eloquentes declamações contra as ciências e as artes estão fundadas em
uma falsa aplicação da história; e que, ao contrário, os progressos da virtude sempre acompanharam aqueles das luzes,
assim como os progressos da conrupção sempre seguiram ou anunciaram sua decadência' (1993, p. 67).
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por uma reforma coletiva. E o que chama a atenção nesse conteúdo é seu ponto de
partida: uma reavaliação acerca do estado de natureza (1958, p. 275).
Natureza e Sociabilidade
10 A esse respeito escreveu Salinas Fortes: "Rousseau concorda em certo sentido, mas se penmite a introduzir uma
correção no ensinamento de Hobbes. Os homens são maus, mas não intrinsecamente, não enquanto portadores dos
atributos da espécie de homem. A essência, a natureza do homem é essencialmente boa; o que vemos diante de nós é
uma degradação, uma degenerescência da natureza originária, em si limpida e rica em possibilidades' (1996, p. 32).
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS, LINGUAGENS E SOCIEDADE 45
11 Vieira comenta que a noção de vontade geral não deve ser confundida com a vontade de todos, pois 'Rousseau estabelece
uma diferença básica entre a vontade de todos e a vontade geral: a vontade geral se liga apenas ao interesse comum,
enquanto que a vontade de todos visa o interesse privado e não passa da soma de vontades particulares" (1997, p. 73).
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tes de ação de cada um. Nesse caso, Rousseau, antes de se contrapor às genuínas
reivindicações republicanas posteriores, antecipa tanto a ideia segundo a qual ao go-
verno das leis republicanas todos estão igualmente submetidos, assim como a ideia
segundo a qual os interesses individuais, quando não se lançam contra os legítimos
interesses do bem comum, são igualmente legítimos:
De qualquer forma, seja para o homem atuar dentro dos limites de sua vida pri-
vada" ou para exercer sua condição de cidadão no espaço público, caberá à educação
a tarefa eminente de formá-lo, pois em ambos os casos a formação ética é condição
precípua para tal pretensão. Será por meio dela que este mesmo homem poderá desen-
volver os atributos morais que o encaminharão ao bom exercício da virtude política.
Nessa perspectiva, o direito político ocupa um ideal a ser alcançado e a educação um
meio capaz de harmonizar o conflito existente entre natureza e civilização.
12 Ação esta muito bem ilustrada por Rousseau em Júlia ou A nova Heloísa (romance epistolar), e em Emílio e Sofia ou os
solitários (prenúncio de romance epistolar inacabado).
13 Muruyama comenta que Rousseau percebia claramente a existência de uma contradição entre o homem e o cidadão,
sendo que nela 'as obrigações do homem civil ou do cidadão se opõem às inclinações naturais à medida que, de acordo
com estas, ele não agiria visando nenhuma espécie de utilidade coletiva ou bem comum, mas, antes, a satisfação de
seus desejos" (2001, p. 26).
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS, LINGUAGENS E SOCIEDADE 47
Mas o que se tomará para os outros um homem que tenha sido educado unica-
mente para si mesmo? Se por ventura o duplo fim que nos propomos pudesse
reunir-se em um só, suprimindo as contradições do homem, suprimiríamos
um grande obstáculo à sua felicidade. Para julgar sobre isso, seria preciso
vê-lo todo formado; seria preciso ter observado suas inclinações, ter visto
seus progressos, seguido sua marcha; numa palavra, seria preciso conhecer o
homem natural (2004, p. 14).
14 Rousseau assevera a esse respeiío: 'A humanidade tem seu lugar na ordem das coisas; a infância tem o seu na ordem
humana; é preciso considerar o homem no homem e a criança na criança; ensinar a cada um o seu lugar e nele fixá-Io,
ordenar as paixões humanas segundo a constituição do homem é tudo que podemos fazer para seu bem estar" (1973,
p.61-62)
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nesse sentido é que Hilsdorf comenta: "garantindo-se que o educando seja afastado do
convívio com os outros homens, isto é, recusando-se a 'educação dos homens', será
possível deixar agir a 'educação das coisas' e a 'educação da natureza" (1998, p. 78).
O plano sugerido por Rousseau para o Emílio só implica sua preparação para
o convívio social por volta dos 15 anos. Esse é que seria o momento de descobrir
o mundo dos homens, de conhecer de perto os sentidos da paixão sem deixar que
ela acabe por dominar as ações, pois o mais importante na edificação do homem
moral é, para o filósofo, a capacidade de controlar os desejos e sentimentos que nos
integram à natureza. Por essa via, a ação educativa foi concebida para tentar evitar
que o amor de si se transformasse em um sentimento essencialmente egoísta, que
requeresse para si o cumprimento irrestrito de todos os seus desejos como condição
primordial de sua felicidade. Para Dozol, aqui estaria um dos ensinamentos mais
importantes da perspectiva rousseauniana a respeito da formação do Emílio: "[...]
limitar seus desejos às próprias forças, pois toda a infelicidade vem do sentimento
de privação" (2003, p. 46).
Rousseau reservou para o início da idade adulta do Emílio uma educação de
ordem moral e política. Essa educação se daria através do estudo dos povos, dos
modelos políticos e das sociedades que, ao serem observadas em viagens a vários
países de culturas diferenciadas, serviriam de suporte para que o Emílio fosse capaz
de atuar como cidadão em qualquer Estado no qual decidisse se fixar:
15 O que, por outro lado e de certa maneira, não deixa de ocorrer com o próprio Emílio - imagem do preceptor em sua fonna
final, idealizada e executada por métodos não convencionais.
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Considerações finais
As luzes, de acordo com Todorov (2006, p. 14), coincidem com uma época
mais de debate do que de consenso, de uma assustadora multiplicidade, mas na qual
se apresentou um projeto de mundo. A singularidade do pensamento de Rousseau,
nessa perspectiva, não recusa totalmente as bandeiras comuns da liberdade (autono-
mia) e da igualdade (universalidade) difundidas naquele período, porém questiona
seus fundamentos, bem como o caráter metafisico atribuído pelos iluministas ao
progresso das ciências, das artes e das letras.
Para Rousseau, os avanços nessas áreas não teriam de modo algum um fim
pré-determinado que nos conduzisse ao aperfeiçoamento da civilização. Em razão
do nosso livre arbítrio, as ciências, as artes e as letras tanto poderiam ser nocivas
quanto benéficas ao homem. No que se refere ao estado de natureza e a questão
da sociabilidade, Rousseau, ao dissociá-las, não apenas aponta para sua incompa-
tibilidade conceitual como coloca no homem a responsabilidade pela sua própria
degradação que impede a unidade social. Contudo, por meio da noção de perfecti-
bilidade, o filósofo acena, também, para a possibilidade de uma reconciliação entre
os homens, de uma reconciliação entre natureza e cultura.
Ao romper com as teorias que no seu entendimento não distinguiram correta-
mente aquilo que pertence ao indivíduo por sua condição natural daquilo que é arti-
ficialmente convencionado pelos homens, Rousseau se recusa a analisar a sociedade
sem antes refletir de forma rigorosa sobre a maneira pela qual esta se constituiu,
bem como se recusa a descrever o homem civil sem considerar a educação recebida
por ele em seu processo de socialização. Nessa perspectiva, o direito político ocupa
o espaço de um ideal a ser alcançado, e a educação um meio capaz de harmonizar o
conflito existente entre a natureza e a civilização.
Convém relembrar que, para Rousseau, a instituição da sociedade e o processo
civilizatório implicariam uma negação da nossa própria natureza humana. Diante
disso, surgiu a necessidade do estabelecimento de um contrato social para confor-
mar as particularidades individuais tendo em vista o bem estar coletivo.
50
REFERÊNCIAS
mens. In: Rousseau, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. São Paulo:
Cultrix, 1995a.
____ Discurso sobre as ciências e as artes. In: Rousseau, Jean-Jacques. O
o