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Práticas
Sociocullurais o

linguagens e sociedade

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Antonio Escandiel de Souza
organizador

PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS,
LINGUAGENS E SOCIEDADE

EDITORACRV
Curitiba - Brasil
2012
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Revisão: Os Autores
Conselho Editorial:
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Prof. Dr. Celso Conti (UFSCAR - SP) Prof. Dr. Paulo Romualdo Hemandes (UNIFAL - MG)
Prol". Dr'. Gloria Fariãas León (Universidade de La Prol". Dr'. Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFS)
Havana - Cuba) Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Prol". Dr'. Solange Helena Ximenes-Rocha (UFPA)
Prof. Dr. GuiUerrno Alias Beatôn (Universidade de La Prol". Dr". Sydione Santos (UEPG PR)
Havana- Cuba) Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Prof. Dr. Joao Adalberto Campato Junior (FAP - SP) Prol". Dr'. Tania Suely Azevedo Brasileiro (UNIR - RO)
Prof. Dr. JailsonAlves dos Santos (UFRJ)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P925

Práticas socioculturais, linguagens e sociedade / Antonio Escandiel de Souza


(org.). - 1.ed. - Curitiba, PR: CRV, 2012.
228p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8042-5 I 5-4

1. Educação - Aspectos sociais. 2. Educação e sociedade 3. Sociologia


educacional. I. Souza, Antonio Escandiel de.

12-7068. CDD: 370.981


CDU: 37(81)

28.09.12 16.10.12 039505

Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004.


2012
Proibida a reprodução parcial ou total desta-obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela:
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Tel.: (41) 3039-6418
www.editoracrv.com.br
E-mail: sac@editoracrv.com.br
sUMÁRIo

APRESENTAÇÃO
DISCUTINDO PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS 7

AGENCIAMENTOS, RECURSOS E POLíTICAS CULTURAIS 11


Rodrigo Manoel Dias da Silva

CONSUMO E QUALIDADE DE VIDA NA MODERNIDADE REFLEXiVA 27


Solange Beatriz BiIIig Garces

A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE ROUSSEAU


NO DEBATE ILUMINISTA 41
Eduardo Lemos Leal
Tiago Anderson Brutti

VI SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA DA UNIVERSIDADE


DE CRUZ ALTA: vivências e desafios interdisciplinares 51
Aristeu Castilhos da Rocha
Maria Aparecida Santana Camargo

BELEZA QUE NÃO SE REPARA: análise de uma crônica


de Martha Medeiros sob a ótica do sistema da avaliatividade 65
Veronice Mastella
Cristiane Fuzer

ALTAS HABILlDADES/SUPERDOTAÇÃO NA UNIVERSIDADE:


uma discussão possível 81
Vaneza Cauduro Peranzoni

PROTAGONISMO DA ESCOLA NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO:


uma ação primeira 91
Janaíne dos Santos
Aline Aparecida Oliveira Copetti

SUSTENTABILlDADE NA EDUCAÇÃO 103


Caroline Giacobbo
Elenara de Oliveira
Scheila Kich

JOGOS PEDAGÓGICOS: a importância do aprender brincando


nos anos iniciais 113
Dirce Maria Teixeira Paz
Maria Aparecida Santana Cemerqo
Maria Christina Schettert Moraes
EQUOTERAPIA: um enfoque fisioterapêutico na inclusão social. 121
Maria Elena Neves da Silva
Mayara Rodrigues

DE PROFESSOR PRIMÁRIO A PRESIDENTA DA REPÚBLlCA. 129


Elizabeth Fontoura Domeles

DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR:


o desafio de constituir-se professor 139
Sirlei de Lourdes Lauxen

A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM O TEMPO E O VENTO:


uma perspectiva no plano histórico-social.. 155
Carta Rosane da Silva Tavares
Vânia Maria Oliveira de Freitas

A RELAÇÃO DE PODER NO "DEVER" DO PROFESSOR:


investigações sobre os parâmetros curriculares nacionais 171
Ieda Márcia DonatiLinck

O ENSINO DA LíNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS 185
Rubiamara Pasinatto
Déborah Maria Labandeira

RADICALlZAÇÃO DA RACIONALlDADE (HERMENÊUTICA):


a negação do fundamento 193
Filipe Silveira de Araújo
Vanessa Steigleder Neubauer

FORMAÇÃO DOCENTE: ciclos de vida pessoal e profissional 207


Fátima Terezinha Lopes da Costa
Maria Amélia de Mello Silva
Maria Aparecida Santana Camargo
Maria Christina Schettert Moraes

ANÁLISE DE GÊNERO DA PERSONAGEM PROTAGONISTA DA OBRA


AMAR, VERBO INTRANSITIVO, DE MÁRIO DEANDRADE 217
Dânae Rasia da Silva
Carta Rosane da Silva Tavares
APRESENTAÇÃO

DISCUTINDO PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS

É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.


Aristóte1es

Como sabemos, existe, no meio acadêmico, uma necessidade de constantes


produções, tendo em vista que a produtividade intelectual deve ser comprovada
através de publicações. Neste sentido, Motta-Roth e Hendges (2010)1 entendem que
essa pressão para escrever e publicar tem levado alunos, professores e pesquisado-
res universitários a um esforço concentrado na elaboração de textos de qualidade na
forma de artigos para periódicos acadêmicos e livros para editoras como meio de
assegurar o espaço profissional.
Com esta preocupação, o livro ''Práticas socioculturais, linguagens e socie-
dade", resultado desse esforço, reúne textos de diversos alunos, professores e pes-
quisadores, e traz relatos de práticas realizadas no contexto acadêmico, numa abor-
dagem que privilegia reflexões sobre temáticas diversas como recursos e políticas
culturais, consumo e qualidade de vida na modernidade reflexiva, a importância de
aprender brincando nos anos iniciais, sustentabilidade na educação, o sistema de
avaliatividade na linguagem, entre outras.
Iniciando a primeira parte, o texto "Agenciamentos, recursos e políticas cultu-
rais", de Rodrigo Manoel Dias da Silva, discute as políticas da cultura contemporânea.
O autor afirma que a cultura, desde a década de 1990, tem adquirido papéis mais
significativos na vida social e está no centro das principais questões de nosso tempo.
Na sequência, Solange Beatriz Billig Garces traz uma reflexão sobre os proces-
sos gerados pela globalização como o consumo e a qualidade de vida na contempo-
raneidade, destacando as práticas sociais dos atores que se inserem neste contexto. A
autora apresenta a reflexividade como uma possibilidade de mudanças nos processos
de sustentabilidade do meio ambiente e consequentemente da qualidade de vida.
Em "A singularidade do pensamento de Rousseau no debate iluminista", Eduar-
do Lemos Leal e Tiago Anderson Brutti buscam refletir sobre a crítica de Rousseau ao
culto das ciências, das artes e das letras, afirmando que "O Discurso sobre as ciências
e as artes" rendeu notoriedade à Rousseau no contexto europeu de sua época.
No texto "VI Semana da Consciência Negra da Universidade de Cruz Alta:
vivências e desafios interdisciplinares", Aristeu Castilhos da Rocha e Maria Apare-
cida Santana Camargo fazem um relato de vivências que permearam a VI Semana

MOTTA ROTH, D.; HENDGES, G. H. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
8

da Consciência Negra, promovida pelos Cursos do Centro de Ciências Humanas e


Comunicação (CCHC) da Universidade de Cruz Alta (UNlCRUZiRS) e realizada
no período de 16 a 19 e novembro de 2010. O objetivo principal deste texto é, de
acordo com os autores, publicizar e dar visibilidade às atividades desenvolvidas por
ocasião da realização do evento.
Cristiane Fuzer e Veronice Mastella, em "A beleza que não se repara - análise
de uma crônica de Martha Medeiros sob a ótica do Sistema da Avaliatividade",
apresentam um estudo que analisa a linguagem avaliativa usada em um texto joma-
lístico opinativo, pertencente ao gênero crônica. A análise está fundamentada teori-
camente em categorias do sistema da Avaliatividade de Martin e White (2005), que
busca explicitar como as pessoas, em suas escolhas linguísticas, posicionam-se em
relação a fatos, pessoas, objetos ou fenômenos sociais.
"Altas habilidades/superdotação na universidade: uma discussão possível", de
Vaneza Cauduro Peranzoni, faz referência a uma pesquisa que está sendo realizada
desde 2010, cuja temática versa sobre as altas habilidades no ensino superior e tem
como propósito levantar indicadores de altas habilidades/superdotação de acadêmi-
cos de três cursos de graduação da Universidade de Cruz Alta-RS, a saber, Comuni-
cação Social, Pedagogia e Letras. Trata-se de uma discussão importante, pois ainda
é pouco comum, no contexto universitário, reflexões sobre temáticas referentes às
altas habilidades/superdotação.
O texto "Protagonismo da escola na sociedade do conhecimento: uma ação
primeira", de Aline Aparecida Oliveira Copetti e Janaine dos Santos, tematiza a
apropriação, por parte da Escola de Ensino Fundamental Boa Vista do Cadeado/
RS, de um recurso tecnológico bastante usual na sociedade contemporânea, mas
que ainda não é tomado como necessário por considerável parcela das instituições
de ensino básico: um website institucional. A iniciativa partiu da ação de uma aca-
dêmica de pedagogia da Universidade de Cruz Alta e colaboradora da escola, que
a partir da disciplina de Tecnologias Educacionais vislumbrou a possibilidade de
desenvolver este recurso em prol do educandário.
Caroline Giacobbo, Elenara de Oliveira e Sheila Kich, em "Sustentabilidade
na Educação", buscam evidenciar a interface sustentabilidade e educação através do ,
relato de uma prática realizada em uma Escola Estadual de Panambi/RS, a qual teve
como propósito evidenciar a importância da educação ambiental para a formação de
cidadãos mais conscientes com a preservação do meio ambiente.
Na sequência, o texto "Jogos pedagógicos: a importância do aprender brin-
cando nos anos iniciais", das autoras Dirce Maria Teixeira Paz, Maria Aparecida San-
tana Camargo e Maria Christina Schettert Moraes apresentam resultados de uma inves-
tigação que tem como mola propulsora as leituras, vivências, pesquisas e discussões
desenvolvidas por professoras que trabalham com os fundamentos metodológicos nas
disciplinas de Matemática, Ciências e Arte dó Curso de Pedagogia da Universidade de
Cruz Alta (UNlCRUZ). Trata-se de um projeto de extensão que tem o apoio do PIBEXI
UNICRUZ, cujo objetivo é construir propostas pedagógicas que favoreçam o jogar e o
brincar como suporte para a construção de conceitos científicos e concepções estéticas.
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS, LINGUAGENS E SOCIEDADE 9

Maria Elena Neves da Silva e Mayara Rodrigues, em "Equoterapia: um en-


foque fisioterapêutico na inclusão social", trazem resultados de um estudo que tem
como objetivo tentar comprovar que é possível incluir e integrar uma pessoa surda
junto ao atendimento fisioterápico na equoterapia.
No texto "De professor primário a presidenta da República", Elizabeth Fon-
toura Domeles busca estabelecer discussão sobre a entrada na formação social
brasileira de uma nova estrutura linguística, na qual está a materialidade histórica,
densa, relativa à ascensão das mulheres a espaços de poder até então de domínio
masculino. A autora ressalta que as mulheres não tinham direito nem a flexão de
gênero no título designativo da profissão, professora, vista como uma das poucas
próprias às mulheres, e chegam, em quatro décadas, aos espaços de poder político.
Sirlei de Lourdes Lauxen, em "Docência no ensino superior: o desafio de
constituir-se professor", apresenta reflexões sobre os saberes docentes mobilizados
na prática dos professores da área da saúde da Universidade de Cruz Alta. O texto é
fruto das reflexões realizadas durante a elaboração da tese de doutorado da autora, e
tinha como objetivo identificar quais dos saberes são mobilizados pelos professores
na prática docente.
O texto "A representação feminina em O tempo e o vento: uma perspectiva no
plano histórico-social", de Carla Rosane da Silva Tavares e Vânia Maria Oliveira
de Freitas, traz as conclusões de estudos realizados no projeto "A representação da
mulher em O tempo e o vento: um panorama histórico-social". A pesquisa, de cará-
ter bibliográfico, hermenêutico e qualitativo, teve como objetivo geral possibilitar o
estudo da trilogia O Tempo e o Vento, do escritor cruz-altense Erico Verissimo, ana-
lisando o papel da personagem feminina. Para isso, as autoras búscaram contrastar
o perfil da mulher com o do homem, verificando-se as funções assumidas, a partir
do que se estabelece uma análise comparativa com o momento histórico-social em
que se apresenta essa figura feminina e suas implicações estéticas.
Na sequência, Ieda Márcia Donatti Linke busca discutir, no texto "A relação
de poder no 'dever' do professor: investigações sobre os Parâmetros Curriculares
Nacionais", a relação de poder constituída nos PCNs de Língua Portuguesa, im-
plantados em 1997, descritos como uma possibilidade de ruptura com o ensino tra-
dicional e autoritário. A autora busca compreender como se constitui a imagem de
sujeito-professor a partir das relações de poder que determinam a constituição do
discurso em questão. O texto tem como base teórica a Análise do Discurso (AD) de
linha pecheutiana, tal como vem sendo desenvolvida no Brasil, na sua articulação
com a História das Ideias Linguísticas (HIL).
No texto "O ensino da língua estrangeira na educação de jovens e adultos",
Déborah Maria Labandeira e Rubiamara Pasinatto apresentam uma revisão de lite-
ratura sobre o ensino da Língua Estrangeira Moderna (LEM) na Educação de Jo-
vens e Adultos (EJA), bem como um relato de observação in loco de uma turma de
EJA em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental de Cruz Alta - RS. A pesquisa
realizada pelas autoras teve como objetivo a aproximação com a docência da dis-
ciplina de LEM, mais especificamente na Língua Inglesa para o ensino de jovens e
10

adultos e justifica-se, segundo elas, perante a perspectiva de que é importante viven-


ciar experiências de inserção em sala de aula para aprimorar a prática pedagógica.
Filipe Silveira de Araújo e Vanessa Steigleder Neubauer, em "Radicalização da
racionalidade (Hermenêutica): a negação do fundamento" abordam fragilidades do
"irracionalismo", "relativismo", ou ainda "estetismo fraco" feitas à hermenêutica fi-
losófica, sobretudo por parte do racionalismo historicista, pensadores hermeneutas.
Em "Formação docente: ciclos de vida pessoal e profissional", Fátima Tere-
zinha Lopes da Costa, Maria Amélia de Mello Silva, Maria Aparecida Santana Ca-
margo e Maria Christina Schttert Moraes apresentam resultados de uma pesquisa
quali-quantitativa que utilizou como instrumentos, questionário e entrevistas com
perguntas abertas, através da Colcha de Retalhos para evocar memórias. Os sujeitos
foram professores de duas escolas estaduais do município de Cruz Alta/RS, onde
realizou-se a coleta de dados. A análise dos mesmos embasou-se em bibliografia de
reconhecidos estudiosos da área, apontando para a possibilidade de que a maneira
como o professor desenvolve o processo ensino-aprendizagem é influenciado dire-
tamente pelas lembranças de sua formação.
Por fim, Cada Rosane da Silva Tavares e Dânae Rasia, em "Análise de gênero
da personagem protagonista da obra' Amar, verbo intransitivo' , de Mário de Andra-
de", apresentam o trabalho resultado de um Trabalho de Conclusão de Curso inti-
tulado "A Representação Feminina na obra Amar, Verbo Intransitivo, de Mário de
Andrade", O referido trabalho teve por objetivo identificar e analisar, brevemente,
questões de gênero acerca da personagem feminina principal. Para isso, realizou-se
uma pesquisa bibliográfica com aporte teórico acerca do movimento Modernista no
Brasil, estudo da biografia do autor e teoria que versa sobre gênero e representação
da mulher. O estudo desses materiais confirma a marginalização da mulher ainda no
início dos anos 1920, um ser sem voz e amparada na figura masculina como parâ-
metro social. No decorrer deste texto, a posição feminina no ambiente patriarcal é
analisada de forma contemporânea a um novo período literário.
É com imensa satisfação que convido o leitor a compartilhar todas as reflexões
da diversidade temática apresentada, na certeza de que esta obra vem ao encontro
das expectativas dos interessados em discussões teórico-práticas envolvendo aspec- ,
tos socioculturais, linguagens e sociedade.

Antonio Escandiel de Souza


Organizador
A SINGULARIDADE DO
PENSAMENTO DE ROUSSEAU
NO DEBATE ILUMINISTA

Eduardo Lemos Leal


Tiago Anderson Brutti

Introdução

No percurso do século XVIII novas compreensões acerca do conjunto de rela-


ções que formavam a sociedade moderna puderam ser fortemente debatidas e culti-
vadas, no sentido de uma ruptura com a tradição medieval e de uma exigência por
reformas amparadas nos princípios da igualdade e da liberdade". Se a configuração
do pensamento humano, tal como se apresentou no século das luzes', foi em grande
parte responsável pelo entendimento segundo o qual a razão seria capaz de escla-
recer os mistérios da nossa própria existência e, por meio disso, solucionar os pro-
blemas do mundo, tal profecia indicava também que as eventuais injustiças sociais
não passariam de vitórias temporárias do irracionalismo. Acreditava-se, portanto,
que a sociedade guiada pela razão e pela ciência, compreendida como uma socie-
dade formada por cidadãos livres e autônomos, teria por destino o progresso e, por
conseguinte, a felicidade.
Qualquer análise que se faça sobre este complexo período não deve, contudo,
incorrer em reducionismos ou generalizações apressadas. Isso porque, por exem-

6 o filósofo Sérgio Paulo Rouanet distingue os sentidos das palavras Ilustração e lIuminismo no artigo Dilemas da moral
iluminisfa: "Trata-se de uma distinção entre Ilustração, considerada como uma corrente intelectual historicamente situada,
correspondendo ao movimento de ideias que se cristalizou no século XVIII em torno de figuras como Voltaire, Rousseau,
Diderot etc., e lIuminismo, que seria uma tendência transepocal, não situada, não limitada a uma época específica"
(2007, p. 207). Cassirer, por sua vez, realça que o lIuminismo "não acredita mais no privilégio nem na fecundidade do
'espírito de sistema': vê neste não a força, mas o obstáculo e o freio da razão filosófica' (1994, p. 10). A filosofia já não
significa "um domínio particular do conhecimento situado a par ou acima das verdades da física, das ciências jurídicas
e políticas, mas o meio universal onde todas essas verdades formam-se. desenvolvem-se e consolidam-se" (p. 10). A
filosofia do lIuminismo, observa o autor, não se reduz ao "conjunto do que foi pensado e ensinado pelos grandes mestres
do período [...] ela não se destaca da soma e da sucessão cronológica dessas opiniões porque, de um modo geral, ela
não reside numa doxologia, mas na arte e na forma de conduzir os debates de idéias" (p. 13).
7 Salinas Fortes esclarece que as luzes são caracterizadas pela valorização do homem e por "uma profunda crença na
razão humana e nos seus poderes', e que "revalorizar o homem significa antes de tudo encará-Io como devendo tomar-
se sujeito e dono do seu próprio destino, é esperar que cada homem, em princípio, pense por conta própria' (2004, p. 09).
O universo "deixava de ser visto como manifestação de uma transcendência no limite absolutamente incompreensível e
se convertia em um campo de exploração a ser submetido livremente à capacidade de julgar, comparar, pesar, avaliar,
juntar ou separar" (p. 18). O autor comenta, ainda, que "um novo objeto de estudos começa a se desenhar no horizonte:
o próprio homem", e que "uma nova 'ciência' começa a se impor: a História. Os homens percebem, através do estudo do
seu passado, que a massa de conhecimentos adquiridos pode ser utilizada e posta a serviço do seu próprio bem-estar.
Surge, por conseguinte, como um corolário necessário de todas estas descobertas, um novo mito, um novo ideal, uma
nova ideia reguladora, ou seja, a ideia de Progresso" (p. 20).
42

plo, em meio ao clima de euforia, Rousseau distanciou-se do pensamento de seus


contemporâneos já no seu primeiro discurso de caráter político ao fazer uma nova
leitura sobre as relações entre ciências, artes e moral, duvidando que as duas primeiras
fossem causa da terceira. Nesse sentido, Tzvetan Todorov comenta que para o filósofo
genebrino a característica distintiva da espécie humana "não é uma marcha para o
progresso, mas unicamente a perfectibilidade", isto é, uma capacidade de se tomar
melhor [...] mas cujos efeitos não são nem garantidos nem irreversíveis. Essa quali-
dade justifica todos os esforços, porém não assegura nenhum sucesso" (2006, p. 25).

Sobre a crítica de Rousseau ao culto das


ciências, das artes e das letras

o Discurso sobre as ciências e as artes rendeu notoriedade à Rousseau no contex-


to europeu de sua época. Na opinião de Nicholas Dent, nesse discurso o caráter singular
de sua interpretação pode ser reconhecido no fato de que o filósofo admitiu acreditar que
tanto as ciências como as artes e as letras se desenvolveram "frequentemente em socie-
dades que se encontravam num estado de decadência e enfraquecimento moral; e que,
inversamente, onde existe vigor moral e honra na sociedade é frequente haver pouca
erudição" (1996, p. 110). Tal concepção lhe renderia severas críticas, como a de Voltaire:

Se alguém deve queixar-se das letras, esse alguém sou eu, uma vez que, em
todas as épocas e em todos os lugares, elas serviram para perseguir-me; mas
devemos amá-Ias apesar do abuso que dela fazem, como devemos amar a
sociedade cujas amenidades são corrompidas, como devemos amar a nossa
pátria, por mais injustiças que nela soframos; como devemos amar e servir o
ser supremo, apesar das superstições e do fanatismo que amiúde lhe desonram
o culto. (1999, p. 248).

Em suas Confissões Rousseau (2008, p. 323-324) reconheceu que o primeiro


de seus discursos carecia de lógica e de ordem. Em todo caso, não aceitou de bom
grado que suas proposições fossem consideradas falsas ou mesmo contraditórias.
Em resposta a Voltaire, reafirmou suas convicções:

8 São esclarecedoras, para analisar a noção de perfectibilidade, as seguintes reflexões produzidas em tomo da obra
de Jean-Jacques Rousseau: "O que distingue o homem dos animais é juntamente com a liberdade ou sua qualidade
de agente livre, a perfectibilidade e as outras faculdades 'virtuais' que ele recebeu em 'potência' da natureza, tais
como a razão, a imaginação e a consciência. Estas faculdades virtuais, que, no estado de natureza são 'supérfluas'
e pennanecem em repouso, não podem se atualizar ou se tornarem ativas senão com a vida em sociedade a qual
é a condição de seus exercícios [...j A vida em sociedade, as relações entre os homens com seus semelhantes, são
as condições de desenvolvimento de nossas mais eminentes faculdades tais como a razão e a consciência. Não é,
pois, de modo absoluto nem definitivo que a sociedade se opõe a natureza' (DERATHÉ apud GARCIA, 1999, p. 57).
Garcia enfatiza que para Rousseau "o homem pode - pela consciência de sua liberdade e espiritual idade, por sua
qualidade de agente livre - escolher e produzir suas possibilidades. Pode aperfeiçoar-se em meio às circunstâncias e
desenvolver outras capacidades e paixões' (1999, p. 77). Acrescenta que "as desigualdades não são a fonte primeira
dos males do homem social. Elas resultam das faculdades da liberdade e da perfectibilidade as quais, uma vez postas
em atividade, desencadeiam as outras assim como as luzes, os erros, os vicios e virtudes dos homens em sociedade" (p.
77). Diferenças à parte, a perfectibilidade em Condorcet também parece caracterizar a condição humana e as indefinidas
possibilidades de sua ação sobre o mundo.
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS, LINGUAGENS E SOCIEDADE 43

o gosto das letras e das artes nasce entre um povo de um vício interior que
ele aumenta e, se é verdade que todos os progressos humanos são perniciosos
à espécie, os do espirito e dos conhecimentos, que aumentam nosso orgulho
e multiplicam nossos desvarios, aceleram logo nossas desditas. Chega um
tempo, porém, em que o mal é tamanho que as próprias causas que o fizeram
nascer são necessárias para impedir-lhe o crescimento. (1999, p. 252).

Rousseau, na apresentação do primeiro Discurso, deixou claro que sua pro-


posta não era a de maltratar as ciências, as letras e as artes, mas sim de refletir sobre
a falta de virtude em que estas foram moldadas". Contudo, mesmo que tenha con-
cluído que as ciências e as artes modernas não estariam necessariamente vinculadas
com o aprimoramento da moral, por estarem, antes disso, diretamente vinculadas ao
gosto excessivo pelo luxo e pela ostentação do status e do progresso, Rousseau não
desmerecerá totalmente suas virtudes em potencial, pois considerou a possibilidade
de uma reconciliação entre cultura e moral:

Que os sábios de primeira ordem encontrem em suas carreiras honrosa assis-


tência, e obtenham a única recompensa digna deles, a de contribuir com sua
reputação para a felicidade dos povos a que ensinaram a sabedoria. É só então
que se verá o quanto pode a virtude, a ciência e a autoridade, animadas por
uma nobre emulação, e trabalhando em harmonia com a felicidade do gênero
humano (1995b, p. 230).

Como bem ponderou Starobinski (2011, p. 50), para Rousseau o mal não re-
sidiria essencialmente no saber e nas artes, ou ainda na técnica, mas sim na desin-
tegração da unidade social. Nada impediria, pois, que servissem a fins melhores.
Nesse sentido, Rousseau estaria pronto a absorver a cultura, com a condição de que
se ela se tomasse parte integrante de uma totalidade harmoniosa, e não incitasse
mais os homens a buscar vantagens e prazeres separados. Entretanto, como afirma
Rousseau, "enquanto o poder estiver sozinho de um lado, as luzes e a sabedoria
sozinhas de um outro, os sábios raramente pensarão grandes coisas, os príncipes
mais raramente farão coisas belas, e os povos continuarão a ser vis, corrompidos e
infelizes" (1995b, p. 230).
A questão da unidade indiciada por Starobinski demarca outra singularidade
do pensamento de Rousseau no contexto iluminista. De acordo com a compreensão
de Arbousse-Bastide, se a princípio Rousseau foi seduzido pela ideia dos modernos
quanto à necessidade de uma reforma moral individual, logo se mostrou um pensa-
dor independente ao direcionar seu pensamento em um sentido oposto, que primava

9 Condorcet, de diferente modo, expressava abertamente sua convicção segundo a qual as luzes contribuiram para o
aperfeiçoamento dos costumes: "Mostraremos como a liberdade, as artes, as luzes, contribuíram para a suavização
e a melhora dos costumes; mostraremos que esses vícios tão frequentemente atribuídos aos próprios progressos da
civilização eram aqueles dos séculos mais grosseiros; que as luzes, a cultura das artes, os abrandaram quando não
puderam destruí-los: provaremos que estas eloquentes declamações contra as ciências e as artes estão fundadas em
uma falsa aplicação da história; e que, ao contrário, os progressos da virtude sempre acompanharam aqueles das luzes,
assim como os progressos da conrupção sempre seguiram ou anunciaram sua decadência' (1993, p. 67).
44

por uma reforma coletiva. E o que chama a atenção nesse conteúdo é seu ponto de
partida: uma reavaliação acerca do estado de natureza (1958, p. 275).

Natureza e Sociabilidade

Embora considerasse a teoria de um estado de natureza, Rousseau contrariou


as tendências filosóficas que se debruçaram anteriormente sobre esse tema. Diferen-
temente de Hobbes'", por exemplo, Rousseau acreditava na inocência natural do ho-
mem, creditando os males verificados na sociedade como oriundos de um processo
de desnaturação mal conduzido.
Referindo-se a um estado natural do homem, Rousseau destacou no Discurso
sobre a origem e osfundamentos da desigualdade entre os homens que as filosofias
que examinaram os fundamentos da sociedade já haviam sentido a necessidade de
remontar a um estado natural, mas que nenhuma delas teria chegado a isso, uma vez
que, segundo sua análise, essas filosofias, "falando sem cessar de necessidade, de
avidez, de opressão, de desejos e de orgulho, transportaram ao estado natural ideias
tomadas na sociedade: falavam do homem selvagem e pintavam o homem civil"
(1995a, p. 144).
Por essa perspectiva, Rousseau rechaçou a ideia de uma sociabilidade natural
intrínseca na condição humana e recriou, hipoteticamente, o estado de natureza.
Estava, pois, disposto a refletir sobre as faculdades do homem em sua constituição
primitiva. Isso para que, em seguida, pudesse defender a tese segundo a qual o ho-
mem natural é, no seu estado original, um ser desprovido de moral. Sua condição
originária não poderia, portanto, ser utilizada como referência para a descrição do
homem civilizado, uma vez que a socialização se deu exatamente pelo seu despren-
dimento em relação à natureza.
Em tom provo cativo, Voltaire desdenhou do conteúdo do segundo discurso
ao afirmar que 'jamais se empregou tanto espírito em querer tomar-nos animais;
sente-se vontade de andar de quatro patas, quando se lê vossa obra" (1999, p. 245).
Todavia, por mais que seja correto afirmar que Rousseau tenha tratado do homem
natural pela sua hipotética condição de inocência, também é verdade que em ne-
nhum momento ele defendeu o retomo da humanidade à vida selvagem, muito pelo
contrário, afirmou sim que esta transição poderia ser aperfeiçoada pela percepção de
que o homem é o único ser vivo capaz de evoluir em seu próprio beneficio.
O argumento segundo o qual a humanidade se organizou em sociedade por
necessidade de preservação, mediante uma ação racional, trouxe a possibilidade
de o homem ser um agente capaz de desdobrar sua própria natureza, tanto para o
bem como para o mal. Foi dentro dessa perspectiva de perfectibilidade humana,
no interior de um contexto favorável a mudanças, que Rousseau concebeu o seu

10 A esse respeito escreveu Salinas Fortes: "Rousseau concorda em certo sentido, mas se penmite a introduzir uma
correção no ensinamento de Hobbes. Os homens são maus, mas não intrinsecamente, não enquanto portadores dos
atributos da espécie de homem. A essência, a natureza do homem é essencialmente boa; o que vemos diante de nós é
uma degradação, uma degenerescência da natureza originária, em si limpida e rica em possibilidades' (1996, p. 32).
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Contrato social, no qual propôs um modelo de associação política que exigiria a


universalização da igualdade civil como condição primordial para a estruturação da
soberania popular, a qual teria por princípio uma mesma vontade geral 11 favorável
à efetivação do bem coletivo.
Rousseau, na compreensão de Nascimento, desenvolveu uma nova forma de
pensar a sociedade pelo Contrato, inovando "principalmente ao propor o exercício da
soberania pelo povo, como condição primeira para a sua libertação" (1998, p. 194).
De acordo com Dent, a ideia do Contrato, em linhas gerais, vincula-se a um projeto
moral coletivo válido para a totalidade dos homens que visava instituir uma con-
venção que propiciasse o surgimento de uma sociedade ordenada pelo princípio da
igualdade civil, segundo o qual todos são dotados dos mesmos direitos e deveres, o
que implica, também, a afirmação do direito inalienável à participação política, bem
como do direito de participação ou ratificação da legislação soberana (1996, p. 63).
Por essa via, Rousseau (2005, p. 108) advogava que o povo, submetido às leis,
deveria ser seu próprio autor, pois somente àqueles que se associam compete regu-
lamentar as condições da sociedade. Isso porque o direito legítimo na sociedade do
Contrato, segundo o filósofo genebrino, só existe a partir de convenções resultantes
de processos de discussão em que todos os indivíduos sejam dotados da mesma
condição perante os outros, formando assim um mesmo corpo político soberano que
represente a síntese dos interesses coletivos pela vontade geral.
Dentre as mais persistentes criticas feitas ao Contrato social destaca-se a de
que o filósofo submeteu a liberdade individual à vida civil. Benjamin Constant, no
início do século XIX, acusou Rousseau no ensaio Da liberdade dos antigos compa-
rada à dos modernos de ter se equivocado por afirmar princípios de uma Antigui-
dade longínqua que na verdade estaria muito distante das questões e dos interesses
modernos. Ou seja, a proposição de instituir uma soberania coletiva com elevadís-
simo grau de coesão social somente acarretaria prejuízo ao indivíduo, pois a parti-
cipação integral de todos os membros da sociedade no exercício da política jamais
suportaria a sustentação das independências individuais que, para Constant, muito
mais do que um direito, seria uma necessidade do homem moderno. Em suma, nesta
perspectiva o homem perderia sua liberdade particular, tomando-se assim refém de
sua própria condição de cidadão.
Contudo, foi a dificuldade em estabelecer um acordo entre os interesses pú-
blicos e privados que levou Rousseau a posicionar-se em tomo dessa questão nos
seguintes termos: a noção de soberania, por um lado, coloca o homem frente a um
duplo papel, o de "cidadão" enquanto participa do soberano, e o de "súdito" enquan-
to obedece aos princípios do pacto estabelecido em prol do interesse da totalidade
dos membros do corpo político. Por outro lado, quando o interesse comum não está
em jogo, abre-se a possibilidade para pensar o homem e o cidadão separadamente
em um mesmo indivíduo. Assim, estariam resguardadas as possibilidades e os lirni-

11 Vieira comenta que a noção de vontade geral não deve ser confundida com a vontade de todos, pois 'Rousseau estabelece
uma diferença básica entre a vontade de todos e a vontade geral: a vontade geral se liga apenas ao interesse comum,
enquanto que a vontade de todos visa o interesse privado e não passa da soma de vontades particulares" (1997, p. 73).
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tes de ação de cada um. Nesse caso, Rousseau, antes de se contrapor às genuínas
reivindicações republicanas posteriores, antecipa tanto a ideia segundo a qual ao go-
verno das leis republicanas todos estão igualmente submetidos, assim como a ideia
segundo a qual os interesses individuais, quando não se lançam contra os legítimos
interesses do bem comum, são igualmente legítimos:

o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito


ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a
liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. A fim de não fazer um
julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre liberdade
natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a liberdade civil,
que se limita pela liberdade geral (2005, p. 77).

De qualquer forma, seja para o homem atuar dentro dos limites de sua vida pri-
vada" ou para exercer sua condição de cidadão no espaço público, caberá à educação
a tarefa eminente de formá-lo, pois em ambos os casos a formação ética é condição
precípua para tal pretensão. Será por meio dela que este mesmo homem poderá desen-
volver os atributos morais que o encaminharão ao bom exercício da virtude política.
Nessa perspectiva, o direito político ocupa um ideal a ser alcançado e a educação um
meio capaz de harmonizar o conflito existente entre natureza e civilização.

Sobre a formação do homem e do cidadão

Rousseau já defendia no Tratado sobre a economia política, publicado pela


Enciclopédia de Diderot e D' Alambert, a tese segundo a qual "formar cidadãos
não é trabalho para um só dia; para termos homens precisamos educá-Ios quando
ainda são crianças [...] se os homens não forem ensinados a amar certas coisas, será
impossível ensiná-Ios a amar umas mais que outras - a preferir o que é belo ao que
não passa de uma deformidade" (2003, pp. 22-23).
Tal perspectiva explorada no Tratado aponta que a educação pública deve-
ria ser regra fundamental dos regimes políticos legítimos. Deveria, também, ser de
caráter igualitário e universal, no intuito de estimular a disseminação de valores
comuns entre todos, para que se pudesse conhecer o bem do ponto de vista ético
e moral, para que se pudesse pensar de fato na formação de cidadãos. Contudo, o
filósofo genebrino acreditava, tal como aparece no Emiiio, que essas instituições
inexistiam em seu tempo, o que em tese impediria a equalização da contradição
entre o homem e o cidadão":

12 Ação esta muito bem ilustrada por Rousseau em Júlia ou A nova Heloísa (romance epistolar), e em Emílio e Sofia ou os
solitários (prenúncio de romance epistolar inacabado).
13 Muruyama comenta que Rousseau percebia claramente a existência de uma contradição entre o homem e o cidadão,
sendo que nela 'as obrigações do homem civil ou do cidadão se opõem às inclinações naturais à medida que, de acordo
com estas, ele não agiria visando nenhuma espécie de utilidade coletiva ou bem comum, mas, antes, a satisfação de
seus desejos" (2001, p. 26).
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Não posso encarar como instituição pública esses ridículos estabelecimen-


tos chamados colégios. Tampouco considero a educação da sociedade, pois
tecendo essa educação a dois fins contrários, não atinge nenhum dos dois; só
serve para criar homens de duas faces, que sempre parecem atribuir tudo aos
outros, e nunca atribuem nada senão a si mesmos (2004, p. 13).

Rousseau entendia que se o homem é "forçado a combater a natureza ou as


instituições sociais, é preciso optar entre fazer um homem ou um cidadão, pois não
se podem fazer os dois ao mesmo tempo" (2004, p. 11). Nessa condição, segundo o
filósofo, "arrastados pela natureza e pelos homens a caminhos contrários, forçados
a nos dividir entre esses diversos impulsos, seguimos uma composição que não nos
leva nem a um, nem a outro objetivo" (2004, pp. 13-14).
Ao pensar no modelo de educação mais adequado para sua personagem, o Emí-
lio, Rousseau deixou claro que não pretendia educá-Io para outro fim senão o de viver
como homem. Anunciava, nesse sentido, que o Emílio, ao sair de suas mãos, não seria
nem magistrado, nem soldado, nem padre, mas, em primeiro lugar, um homem:

Mas o que se tomará para os outros um homem que tenha sido educado unica-
mente para si mesmo? Se por ventura o duplo fim que nos propomos pudesse
reunir-se em um só, suprimindo as contradições do homem, suprimiríamos
um grande obstáculo à sua felicidade. Para julgar sobre isso, seria preciso
vê-lo todo formado; seria preciso ter observado suas inclinações, ter visto
seus progressos, seguido sua marcha; numa palavra, seria preciso conhecer o
homem natural (2004, p. 14).

Rousseau, ao fundamentar sua proposta pedagógica para o Emílio, compreen-


deu que a educação deveria ocorrer de acordo com as diferentes etapas da vida veri-
ficáveis na natureza, desde a infância até o início da vida adulta, buscando estimular
no homem o desenvolvimento de suas faculdades de acordo com os preceitos da boa
condição natural humana. Deste modo, o filósofo se incluiu no debate educacional
sobre o tema da infância", época da vida a ser orientada pela natureza e mediada
pela intervenção de um preceptor sábio em um processo de longo prazo, no qual há
a separação entre educação e política, em que pese sua proposta pedagógica incluís-
se, para uma determinada época, a formação moral do indivíduo.
É no horizonte dessa compreensão que os primeiros passos da educação do
Emílio deveriam ser orientados em separado do meio social. Ao comentar o Emilio
de Rousseau, Freitag esclarece que "o primeiro cuidado do preceptor do menino
é subtraí-Io à influência negativa da sociedade, zelando por sua formação em um
ambiente saudável e alegre: a própria natureza" (1994, p. 71), isso porque, tendo
nascido frágeis e dependentes por natureza, teríamos nos tomado suscetíveis a acei-
tar como naturais os hábitos degenerados da sociedade que nos precede. Também

14 Rousseau assevera a esse respeiío: 'A humanidade tem seu lugar na ordem das coisas; a infância tem o seu na ordem
humana; é preciso considerar o homem no homem e a criança na criança; ensinar a cada um o seu lugar e nele fixá-Io,
ordenar as paixões humanas segundo a constituição do homem é tudo que podemos fazer para seu bem estar" (1973,
p.61-62)
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nesse sentido é que Hilsdorf comenta: "garantindo-se que o educando seja afastado do
convívio com os outros homens, isto é, recusando-se a 'educação dos homens', será
possível deixar agir a 'educação das coisas' e a 'educação da natureza" (1998, p. 78).
O plano sugerido por Rousseau para o Emílio só implica sua preparação para
o convívio social por volta dos 15 anos. Esse é que seria o momento de descobrir
o mundo dos homens, de conhecer de perto os sentidos da paixão sem deixar que
ela acabe por dominar as ações, pois o mais importante na edificação do homem
moral é, para o filósofo, a capacidade de controlar os desejos e sentimentos que nos
integram à natureza. Por essa via, a ação educativa foi concebida para tentar evitar
que o amor de si se transformasse em um sentimento essencialmente egoísta, que
requeresse para si o cumprimento irrestrito de todos os seus desejos como condição
primordial de sua felicidade. Para Dozol, aqui estaria um dos ensinamentos mais
importantes da perspectiva rousseauniana a respeito da formação do Emílio: "[...]
limitar seus desejos às próprias forças, pois toda a infelicidade vem do sentimento
de privação" (2003, p. 46).
Rousseau reservou para o início da idade adulta do Emílio uma educação de
ordem moral e política. Essa educação se daria através do estudo dos povos, dos
modelos políticos e das sociedades que, ao serem observadas em viagens a vários
países de culturas diferenciadas, serviriam de suporte para que o Emílio fosse capaz
de atuar como cidadão em qualquer Estado no qual decidisse se fixar:

Mas consideraiprimeiramenteque, querendoformarum homemda natureza,


nem por isso se trata de fazer dele um selvagem,de jogá-lo no fundo da flo-
resta; mas que, entregue ao turbilhão social, basta que não se deixe arrastar
pelas paixões nem pelas opiniões dos homens; que veja com seus próprios
olhos, que sinta com seu coração; que nenhuma autoridadeo governe a não
ser sua própria razão (1973, p. 286).

Nessa perspectiva de autonomia, Rousseau idealizou que a educação do Emí-


lio fosse realizada de maneira indireta, resultante de suas experiências e das refle-
xões delas oriundas, privilegiando sua capacidade para analisar e julgar o mundo
por si próprio, fundamentalmente no que se refere a sua formação moral e política,
pois uma ação pedagógica operada em sentido contrário somente resultaria na dou-
trinação do indivíduo de acordo com as convicções pessoais do preceptor".
Para além de uma educação voltada para o exercício da cidadania, Rousseau
dirigiu a formação do Emílio para que ele reconhecesse a si mesmo e para o domínio
de seus próprios desejos, de acordo com suas faculdades, tendo em vista unicamente
a sua felicidade. Para o filósofo genebrino, o processo educacional deveria conter
os elementos necessários para fazer do homem bem formado um possível cidadão
virtuoso, que compreende sua própria existência como parte de um todo social e
coletivo, e não apenas como um todo em si, essencialmente privado e individualista.

15 O que, por outro lado e de certa maneira, não deixa de ocorrer com o próprio Emílio - imagem do preceptor em sua fonna
final, idealizada e executada por métodos não convencionais.
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Considerações finais

As luzes, de acordo com Todorov (2006, p. 14), coincidem com uma época
mais de debate do que de consenso, de uma assustadora multiplicidade, mas na qual
se apresentou um projeto de mundo. A singularidade do pensamento de Rousseau,
nessa perspectiva, não recusa totalmente as bandeiras comuns da liberdade (autono-
mia) e da igualdade (universalidade) difundidas naquele período, porém questiona
seus fundamentos, bem como o caráter metafisico atribuído pelos iluministas ao
progresso das ciências, das artes e das letras.
Para Rousseau, os avanços nessas áreas não teriam de modo algum um fim
pré-determinado que nos conduzisse ao aperfeiçoamento da civilização. Em razão
do nosso livre arbítrio, as ciências, as artes e as letras tanto poderiam ser nocivas
quanto benéficas ao homem. No que se refere ao estado de natureza e a questão
da sociabilidade, Rousseau, ao dissociá-las, não apenas aponta para sua incompa-
tibilidade conceitual como coloca no homem a responsabilidade pela sua própria
degradação que impede a unidade social. Contudo, por meio da noção de perfecti-
bilidade, o filósofo acena, também, para a possibilidade de uma reconciliação entre
os homens, de uma reconciliação entre natureza e cultura.
Ao romper com as teorias que no seu entendimento não distinguiram correta-
mente aquilo que pertence ao indivíduo por sua condição natural daquilo que é arti-
ficialmente convencionado pelos homens, Rousseau se recusa a analisar a sociedade
sem antes refletir de forma rigorosa sobre a maneira pela qual esta se constituiu,
bem como se recusa a descrever o homem civil sem considerar a educação recebida
por ele em seu processo de socialização. Nessa perspectiva, o direito político ocupa
o espaço de um ideal a ser alcançado, e a educação um meio capaz de harmonizar o
conflito existente entre a natureza e a civilização.
Convém relembrar que, para Rousseau, a instituição da sociedade e o processo
civilizatório implicariam uma negação da nossa própria natureza humana. Diante
disso, surgiu a necessidade do estabelecimento de um contrato social para confor-
mar as particularidades individuais tendo em vista o bem estar coletivo.
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