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LÍNGUA ESPANHOLA

E PORTUGUESA:
PROXIMIDADES E
DIFERENÇAS

Autoria: Elys Regina Zils

1ª Edição
Indaial - 2021

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Carlos Fabiano Fistarol
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Jairo Martins
Jóice Gadotti Consatti
Marcio Kisner
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2021


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
Z69l

Zils, Elys Regina

Língua espanhola e portuguesa: proximidades e diferenças. / Elys


Regina Zils. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

182 p.; il.

ISBN 978-65-5646-343-8
ISBN Digital 978-65-5646-342-1

1. Espanhol. - Brasil. 2. Português. – Brasil. II. Centro Universitário


Leonardo da Vinci.

CDD 400

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
Espanhol e Português: Línguas Irmãs........................................ 7

CAPÍTULO 2
Diferenças e proximidades: Línguas
Portuguesa e Espanhola............................................................. 59

CAPÍTULO 3
O Estranho Familiar.................................................................. 123
APRESENTAÇÃO
Em primeiro lugar, desejamos dar as boas-vindas à disciplina de Língua
espanhola e portuguesa: proximidades e diferenças.

Nesta disciplina, queremos convidá-lo a refletir acerca de questões a respeito


da língua espanhola e da língua portuguesa e do nosso próprio entendimento da
língua, como um meio de produção de significados individuais e culturais e para
interagirmos socialmente.

O espanhol e o português são línguas derivadas do latim vulgar, e, como


irmãs, possuem várias semelhanças, por reproduzirem, com certa fidelidade,
características da língua-mãe. Assim como se aproximam, uma da outra, em
vários aspectos, essa relação produz marcas em ambas. Contudo, existem várias
diferenças também, como veremos nesta disciplina.

No Capítulo 1 deste livro, conversaremos a respeito da nossa concepção de


língua para, posteriormente, traçarmos a história das línguas, desde as origens,
com os conquistares romanos que ocuparam a Península Ibérica, por volta de
cem anos antes de Cristo; a relação com o latim; e o desenvolvimento e a fixação
como línguas de Estados. Salientaremos algumas características linguísticas, para
que você possa compreender, um pouco mais, a riqueza desse percurso. Para
nos lançarmos nesse caminho, será necessária alguma organização periódica,
ainda que o intuito não seja estudarmos a língua diacronicamente. Apresentar as
situações política, social e econômica, em alguns períodos importantes, torna-
se necessário para compreendermos as histórias interna e externa da língua. Ao
fazermos essa caminhada, você perceberá como a língua muda constantemente.

No Capítulo 2, você poderá refletir a respeito das diferentes questões


que permeiam a relação do espanhol e do português, constatar afinidades
e perceber que essa relação não é uniforme. Se essas semelhanças podem
favorecer a aquisição da língua, inicialmente, podem vir a causar insegurança
em níveis mais avançados. Nesse aspecto, pensaremos em exemplos, como
os heterossemânticos, heterogenéricos e heterotônicos. A linguística contrastiva
pode ser de grande ajuda para apontar similaridades e diferenças entre o par de
línguas e contribuir para o ensino-aprendizado delas.

Dando continuidade, no Capítulo 3, trataremos, justamente, de algumas


questões que afetam o processo de ensino-aprendizagem dessas línguas.
Com esta disciplina, esperamos contribuir para ampliar o seu horizonte de
conhecimento e, consequentemente, melhorar a prática profissional. Aproveite
esta oportunidade para se aperfeiçoar ainda mais!

Bons estudos!

Prof.ª Elys Regina Zils


C APÍTULO 1
ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS
IRMÃS

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Saber a origem das línguas espanhola e portuguesa do Brasil.


• Refletir a respeito do conceito de língua.
• Analisar as mudanças ocorridas ao longo dos séculos nas línguas espanhola e
portuguesa.
• Constatar como as línguas mudam constantemente.
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

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Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo ao primeiro capítulo do livro da disciplina de
Língua Espanhola e Portuguesa: Proximidades e Diferenças.

Antes de começarmos o nosso percurso neste livro, é pertinente conversarmos


a respeito de alguns assuntos para expormos a nossa perspectiva aqui adotada.
Entendemos a língua como um sistema complexo. Ao pensarmos nos estudos
da língua, temos em mente muito mais do que a gramática normativa. Nesse
aspecto, recordamos Câmara Jr. (2007, p. 160), que faz referência a Saussure, ao
definir gramática como o “estudo da língua examinada como sistema de meios de
expressão”. Contudo, apesar dessa noção teórica, muitas vezes, do ponto de vista
didático, dividi-la em partes facilita o estudo. Sabemos que esse método tende a
resultar que cada recorte é estudado, costumeiramente, de modo separado, o que
gera uma visão/estudo fragmentado. De encontro com essa realidade, esperamos
conseguir alcançar uma visão da língua de modo amplo e em diálogo uma com a
outra: espanhol ↔ português.

Iniciaremos com uma breve conversa acerca da língua, para alinharmos


alguns pontos de vista, e seguiremos a nossa caminhada pela história da origem
das línguas espanhola e portuguesa. Ainda que, atualmente, com os avanços da
linguística moderna, os estudos diacrônicos parecem perder espaço, por assim
dizer, tampouco, cabe, aqui, provocar uma discussão entre filologia e linguística,
porém, ao trabalharmos com esse par de línguas, acreditamos que, partir da
origem das línguas, isso deve colaborar para a compreensão das proximidades e
das diferenças.

Cabe recordamos que se, ao longo da história da humanidade, encontra-se


a vontade de estudar a língua por diferentes motivos, somente quando evoluímos
nos estudos diacrônicos da língua que esse tipo de estudo ganha status de
ciência. Estamos falando do surgimento da linguística.

Quando, na primeira parte do século XIX, teve-se a noção


de que as línguas podiam ser objeto de um estudo científico
rigoroso, foi, justamente, quando despontou a ideia de que a
língua está sempre em mudanças e tem, pois, uma história.
A focalização dessa história é que ficou sendo o objetivo, o
escopo da linguística, ou seja, do estudo da língua como
ciência. Assim, a língua compreendida como fato histórico é
contemporânea da própria ciência da linguagem [...] (CÂMARA
JR., 1979, p. 65).

Nesse viés, foram várias décadas de estudo das línguas, da história e do


funcionamento para alcançarmos o desenvolvimento dos estudos descritivos

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

da língua, como a ciência que é hoje. Em outras palavras, através do estudo


diacrônico, foi possível a evolução dos estudos científicos sincrônicos da língua.
Através desses estudos, podemos explicar certos fenômenos novos que surgem
na língua, e que não devemos nos apegar a estudos diacrônicos para isso, pois
esses estudos têm os seus próprios méritos.

No âmago da linguística, estão os estudos históricos da linguagem e os


estudos descritivos: “em ambos, tomamos a linguagem como um traço cultural
da sociedade e tentamos chegar à natureza, ou explicando a origem e o
desenvolvimento através do tempo ou o papel e o meio de funcionamento real na
sociedade” (CÂMARA JR., 1975, p. 19-20).

Dada a introdução, estamos prontos para iniciar os estudos. Vamos lá!

2 A LÍNGUA COMO UM SISTEMA


COMPLEXO E HETEROGÊNEO
Antes de começarmos a conversa a respeito da língua, caro acadêmico,
pense na sua concepção de língua. Se preferir, escreva um pequeno parágrafo
e, assim, depois dos estudos, poderá retornar a esse texto para ver se mudou
alguma percepção.

Neste livro, debruçar-nos-emos sobre duas línguas, a espanhola e a


portuguesa, mas, antes de qualquer coisa, é importante refletir acerca da questão
da linguagem, afinal, ela é o nosso objeto de estudo e, por meio dela, ocorrem as
interações, a formação de identidades, as ideologias, os processos socioafetivos
etc.

A língua, aqui, é compreendida como uma prática social, artefato pelo qual
ocorre a interação. Em uma concepção pós-moderna, consideramos a língua
como meio pelo qual damos sentido ao nosso entorno, “uma lente através da
qual enxergamos a realidade que nos circunda [...]. Nesse sentido, a cultura não
está antes nem depois da língua, nem uma dentro da outra, mas estão no mesmo
lugar” (MENDES, 2004, p. 171). Assim, podemos afirmar que ela atua com a
cultura, modificando e sendo modificada. Nesse sentido, Mendes (2004, p. 12) vê
a língua como

[...] entidade viva, que se renova a cada momento, que se


multiplica e se auto-organiza através do seu uso pelos falantes
e pelo contato com outras línguas; língua que é, ao mesmo
tempo, reflexo da cultura e, também, instrumento de construção
e afirmação da cultura, marcando e sendo marcada por ela.

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Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Assim, a ênfase da nossa compreensão recai sobre o uso social da


língua, concepção em conformidade com a perspectiva da Linguística aplicada.
Reforçamos a língua como meio pelo qual organizamos os nossos pensamentos,
interpretamos a realidade que nos cerca, sendo o meio pelo qual se dá a
alteridade. Desse modo, a língua é compartilhada culturalmente e, por isso,
alguns teóricos, ao defenderem a indissociabilidade entre língua e cultura, usam a
expressão “língua-cultura”.

Para aclarar, segundo Mendes (2004, p. 171), língua-cultura “é um fenômeno


social e simbólico de construção da realidade que nos cerca, é o modo de
construirmos os nossos pensamentos e estruturarmos as nossas ações e
experiências e as partilharmos com os outros”. Nessa perspectiva, vê-se a língua
além de questões fonológicas, morfológicas, semânticas e sintáticas, para somar
a experiência completa de comunicação/códigos entre um grupo, como gestos,
tom de voz etc. Com isso, entendemos a língua como um sistema complexo
que precisa de todas as suas partes funcionando simultaneamente, e essas se
influenciam. As outras linguagens se unem à língua para construir o sentido.
Então, reforça-se a concepção de que a língua não é isolada do seu contexto de
uso.

Questões identitárias ganham importância nessa concepção e refletem nas


nossas práticas relacionadas ao ensino-aprendizagem de línguas, pois

se língua é entendida como veículo neutro responsável pela


transmissão de ideias para a comunicação, então, em geral,
tem-se uma noção de identidade como estável, como a
constituição fixa de quem o sujeito é, identidade que é, então,
expressa pela língua. No entanto, uma visão de língua enquanto
agência permite entender que, na língua e por meio dela, nas
relações sociais, as pessoas negociam a sua compreensão
de si mesmas em diferentes lugares e em momentos no
tempo (MASTRELLA-DE-ANDRADE, 2011, s.p.).

A primeira visão entende a língua como um instrumento neutro de transmissão


de ideias, e a considera apenas como um código, um sistema abstrato e social.
A preocupação recai apenas na forma do conteúdo, rejeitando a importância da
substância da expressão. Essa concepção vigorou por muitas décadas, e, ainda
hoje, encontramos resquícios em práticas de ensino muito estruturalistas.

Nesta disciplina, adotamos a segunda noção de língua, como prática social e


manifestação agenciadora, fundamentada criticamente. Compreendemos língua
como algo não estático, assim, ademais de termos uma concepção de língua
mais ampla e cambiante, em seu caráter evolutivo, também percebemos a língua
como o lugar da nossa subjetividade, onde construímos os significados e eles
são ressignificados, onde ocorre a organização social e as implicações políticas e

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

sociais são questionadas. A língua, como agência, produz, e não apenas reproduz
(MASTRELLA-DE-ANDRADE, 2011).

Para aclarar a nossa concepção de agência, vejamos o que


Mendes (2004) define como agência humana: A ação de professores
e alunos como agentes de interculturalidade, os quais promovem o
diálogo entre culturas através da interação e da produção conjunta
de conhecimentos, guiados por sentimentos de cooperação,
colaboração, respeito mútuo e respeito às diferenças, aceitação do
novo, humildade, tolerância, ao tempo em que agem como analistas
e críticos das experiências que partilham para que possam intervir,
complementar, modificar o seu processo de aprendizagem com
autonomia, criatividade e responsabilidade.

Por tudo isso, discutir a concepção de língua se torna tão relevante não só
nesta disciplina, mas para os professores que estão em sala de aula. Essa é uma
discussão que não fica somente no plano teórico, mas contribui para a construção
e a reconstrução da nossa prática pedagógica.

Caro acadêmico, no início, interrogamos a respeito da sua concepção de


língua. Agora, depois dessa breve conversa, a sua percepção de língua permanece
a mesma? Pense nas similaridades e nas diferenças da sua concepção com a
apresentada até aqui.

3 HISTÓRIA DAS LÍNGUAS:


ESTUDOS INICIAIS
O português e o espanhol são línguas irmãs de origem latina, ou seja, a
estrutura gramatical e o léxico, assim como algumas características sintático-
morfo-fonológicas, possuem origem no latim e no seu desdobramento nas línguas
românicas. Para entendermos melhor esse panorama, iniciaremos a nossa
caminhada de estudos lá nos primórdios da história das línguas. Vamos lá!

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Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

O espanhol e o português possuem, no latim, a língua-mãe,


mas qual a língua que originou o latim? Quase não existem registros
dessa época, pois remontam a um passado muito distante.

3.1 O DESENVOLVIMENTO
DA LINGUÍSTICA HISTÓRICO-
COMPARATIVA
A origem das línguas vem despertando a curiosidade de estudiosos há muito
tempo, e estudos linguístico-comparativos, entre o século XIX e começo do século
XX, perceberam semelhanças entre diversas línguas da Europa. Assim, as línguas
foram organizadas em famílias linguísticas, por exemplo, as línguas românicas,
como o francês, o espanhol, o italiano, o romeno, o português etc.; as línguas
germânicas, como o inglês, o holandês, o alemão, o islandês, o dinamarquês etc.,
que descendem da língua chamada de protogermânico (GONÇALVES; BASSO,
2010).

Caso você deseje saber mais a respeito das pesquisas dos


parentescos entre as línguas, sugerimos a leitura do livro História
dos Estudos Linguísticos, de Heronides Moura e Morgana
Cambrussi. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2008.

Em 1786, o inglês William Jones comprovou que o sânscrito (língua antiga


da Índia) era próximo ao latim, ao grego, ao protogermânico e ao persa. O filólogo
realizou um discurso para a Sociedade Asiática, publicado em 1788, considerado
o pontapé inicial da Linguística Histórico-Comparativa. A partir de então, surgiu o
termo “indo-europeu”, cunhado em 1813, pelo polímata inglês Thomas Young
(GONÇALVES; BASSO, 2010)

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

No século XIX, começou-se a escrever a história da linguística


moderna, com o surgimento de várias gramáticas comparativas das
línguas indo-europeias, como as dos filólogos Rasmus Rask, Franz
Bopp, Jakob Grimm, Wilhelm Von Humboldt e August Schleicher.

Desse modo, com base nos avanços dos estudos de filólogos, linguistas
e gramáticos comparatistas, foi possível determinar que a suposta língua que
originou o latim, o grego, o sânscrito, o protogermânico etc. seria o “protoindo-
europeu” (PIE). Contudo, praticamente não existe material escrito para essa
investigação, ocorrendo a partir de mudanças linguísticas e comparações entre
as línguas. Para termos ideia, alguns ramos da família indo-europeia mais antigos
datam por volta de 2000 a.C., como o anatólico, ou o grego, que pode ser anterior
a 1300 a.C. O latim teria origem por volta do século XI a.C. (GONÇALVES;
BASSO, 2010).

Para ilustrar, observe o quadro a seguir, com exemplos de algumas


semelhanças no vocabulário de línguas indo-europeias:

QUADRO 1 – COMPARATIVO DE VOCABULÁRIO DE LÍNGUAS INDO-EUROPEIAS

Português pai mãe irmão lobo


Latim pater mater frater Lúpus
Grego Antigo pater meter phrater lykos
Sânscrito pitar matar bhratar vrkas
Espanhol padre madre hermano lobo
Francês père mère frère loup
Inglês father mother brother wolf
Alemão Vater Mutter Bruder Wolf
PIE *phᵃtér *méhᵃter *bhréhᵃter *wlkᵂos

* As palavras acompanhadas de asterisco foram reconstruídas a


partir de dados históricos, sem registro em documentos.

FONTE: Gonçalves e Basso (2010, p. 15)

Como é possível perceber, essas palavras são muito semelhantes, incluindo


as reconstruções do PIE listadas.

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Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

A origem das línguas é um assunto interessante, complexo e


repleto de incertezas. Algumas questões permanecem no campo
das especulações, por exemplo, será que todas as línguas possuem
uma mesma descendência? Essa hipótese é defendida pelos
monogenistas (acreditam que todas as raças humanas derivam
de um mesmo ancestral em comum). Contudo, os poligenistas
defendem diferentes ancestrais para a língua e linhagens para as
raças humanas, e, por outro lado, há, ainda, quem defenda que a
língua tem origem ainda mais remota, começando na língua dos
gestos.

Seguindo a nossa caminhada, temos a passagem do protoindo-europeu


ao latim. Alguns fenômenos apontados dessa transição são interessantes para
pensarmos no nosso par de línguas, espanhol e português. Por exemplo, acredita-
se que o PIE possuía oito casos gramaticais:

[...] Sendo, eles, o nominativo (caso basicamente de


sujeito), acusativo (caso do objeto direto, como o “me”, do
português), o vocativo (o caso usado quando chamamos
um interlocutor), o genitivo (caso de posse, como o
genitivo woman’s, “da mulher”, do inglês), o dativo (caso
do objeto indireto), o ablativo (caso usado, geralmente,
para denotar afastamento espacial, proveniência, dentre
outras coisas, como em “ele veio da fazenda”), o locativo
(caso que se usa para dizer algo como “estou em casa”)
e o instrumental (caso usado para especificar o meio
ou o instrumento que se usa para fazer algo, como em
“ele quebrou a porta com o machado”) (GONÇALVES;
BASSO, 2010, p. 19-20).

Contudo, no movimento de passagem para o latim, permaneceram apenas


seis casos: o nominativo, o vocativo, o acusativo, o genitivo, o dativo e o ablativo.

Para saber mais das línguas românicas, sugerimos a leitura


Linguística Românica, de Rodolfo Ilari. São Paulo: Ática, 1992.

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

3.2 BREVE HISTÓRIA DO LATIM


A história do latim demandaria um espaço maior do que temos nesta
disciplina, por isso, a partir de agora, faremos uma introdução ou, até mesmo,
recapitularemos alguns pontos e características importantes para traçarmos o
nosso paralelo entre as línguas. O espanhol e o português são línguas derivadas
do latim vulgar, mas o que isso quer dizer exatamente? Para essa explanação,
temos que entender algumas diferenças entre o latim clássico e o vulgar e
conversar a respeito dos períodos históricos do latim.

O latim era a língua falada na região do Lácio, parte central da Antiga Itália, no
primeiro milênio antes de Cristo. Esse período foi marcado por grandes expansões
do Império Romano, miscigenação entre os povos vizinhos e imposição da cultura
aos povos militarmente conquistados. Por fim, isso gerou dialetos que se tornaram
incompreensíveis entre si, originando as línguas românicas, porém, a língua falada
era o latim vulgar, usado pelos soldados, mercadores e pessoas ditas incultas.
Assim, o latim vulgar ganhou território através dos próprios cidadãos romanos,
dentro do espaço interconectado que era o Império Romano.

FIGURA 1 – O IMPÉRIO ROMANO NA ALTURA MORTE DO IMPERADOR


TRAJANO, NO SÉCULO II D.C., NO SEU APOGEU

FONTE: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/
modelos/maparomano.htm>. Acesso em: 21 jan. 2021.

Cabe lembrar que o latim se desenvolveu como língua do Império,


principalmente, na parte ocidental, sendo que o oriente preservou grande
diversidade linguística.

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Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

3.2.1 Variações no latim


No nosso dia a dia, temos a expressão “tudo muda”, não é verdade?! As
línguas também estão sempre mudando e, com o latim, ocorreu o mesmo durante
a dominância do Império Romano, embora não possamos afirmar, com total
precisão, como o latim variou ao longo desse tempo, pois não temos registros das
falas, apenas textos escritos (e, como sabemos, a escrita e a fala podem divergir
muito).

Os primeiros registros do latim escrito que conhecemos datam de VII ou VI


a.C. Posteriormente, por volta do século III a.C., existiam textos literários em latim,
resultados do processo de assimilação da cultura e da literatura gregas. O texto
literário mais antigo encontrado escrito em latim são fragmentos de uma tradução
da Odisseia, de Homero, realizada pelo escravo grego Lívio Andronico, com fins
educacionais. Estamos falando de um latim arcaico, que ainda iria evoluir para o
chamado latim clássico (GONÇALVES; BASSO, 2010).

O estilo literário culto predominante no período, que compreende os séculos


I a.C. e I d.C., é o que chamamos de latim clássico, a variante com a qual
costumamos ter contato hoje em dia. São, desse período, grandes obras que
influenciaram a cultura ocidental, como a prosa de Cícero, a épica nacional de
Virgílio etc.

Ainda que o latim clássico seja a variante que ensinamos atualmente, não foi
do latim desses grandes escritores que se originaram as línguas românicas. Nesse
cenário, destaca-se o latim falado, mas não o latim culto, falado pela classe culta
de Roma. A origem das línguas românicas está no latim dito vulgar. Frisamos que
“vulgar”, aqui, não significa “baixo”, quer dizer apenas que pertence ao “vulgo”,
ao povo romano, em geral. Afinal, a língua do povo é a língua falada pela grande
maioria das pessoas, o que gera um grande impacto no desenvolvimento das
línguas. Por exemplo, Wyman (2017) afirma que muitas palavras e significados
presentes no latim falado não aparecem na língua escrita das elites, e cita o
exemplo da palavra “hablar”, do espanhol, e “parler”, do francês, que derivam de
termos com usos diferentes do latim clássico escrito.

Cabe lembrarmos que o latim vulgar está longe de ser uma língua
homogênea falada por todo o Império. Nesse sentido, segundo Wyman (2017),
existiam diferentes modos de falar, os quais ele chama de “sotaques” regionais.
Alguém de Roma tinha o jeito de falar, na pronúncia e no uso das palavras,
significativamente diferente de alguém da Espanha ou da África. De modo mais
concreto, por exemplo, a palavra deius, usada na Bretanha, em vez de deus,

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

influência da língua celta nativa, ou a palavra cerveza, em latim gálico, de origem


galesa celta, e que permaneceu no espanhol, mas foi substituída, no francês, por
uma de origem germânica.

3.2.2 Algumas características do latim


clássico e do latim vulgar
A fim de compreendermos melhor a história das línguas românicas,
consequentemente, a história do português e do espanhol, apresentaremos
algumas características relevantes do latim vulgar em comparação com o latim
clássico. Veremos algumas características das áreas da sintaxe, morfologia,
fonologia e léxico a partir das colocações de Gonçalves e Basso (2010).

Para saber mais dos latins clássico e vulgar, você pode ler:
CASTRO, I. Introdução à história do português. 2. ed. Lisboa:
Colibri, 2006.
RENZI, L. Introducción a la filología románica. Versión española
de Pilar García Mouton. Madrid: Editorial Gredos, 1982.

3.2.2.1 Sintaxe
A sintaxe, no latim clássico, dependia das características morfológicas
dos casos, e não apenas da ordem das palavras, por isso, os textos poderiam
apresentar grande variedade de ordem na estrutura. Gonçalves e Basso (2010)
citam o exemplo, no latim clássico, de Petrus Paulum videt (Pedro vê Paulo),
utilizando a ordem sujeito – objeto/complemento – verbo, ou SOV. Contudo, no
latim vulgar, a ordem fundamental seria sujeito – verbo – objeto/complemento, ou
SVO, que foi a adotada pelas línguas românicas.

A ordem das palavras no sintagma nominal também seguiu a tendência


predominante do latim vulgar, determinado – determinante, por exemplo, homo
felix (homem feliz). No latim clássico, usava-se determinante – determinado,
como felix homo, com algumas variações, dependendo do tipo de determinante
(GONÇALVES; BASSO, 2010).

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Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Outra observação importante é que, no latim clássico, não existiam os artigos


definidos e indefinidos, como conhecemos no português ou no espanhol. Já no
latim vulgar, encontramos a presença de alguns pronomes demonstrativos usados
com funções próximas às dos artigos definidos. Gonçalves e Basso (2010) citam,
como exemplo, os pronomes ille, illa, illud (aquele, aquela, aquilo), que cumprem
a função de artigos definidos “o, a, os, as”, ipse, ipsa, ipsum (o mesmo, a mesma),
com um sentido próximo de “o, a, os, as”, além dos pronomes unus, una, unum,
que eram numeral e passaram a ser usados como artigos indefinidos “um, uma,
uns, umas”, como conhecemos nas línguas românicas.

3.3 D A EXPANSÃO DO LATIM AO FIM


DO IMPÉRIO
A partir de agora, focaremos na România enquanto unidade linguística e
cultural, apresentando, também, alguns aspectos históricos e informações das
línguas românicas.

O termo “romanus” era usado, originalmente, para se referir ao


habitante da cidade de Roma. Contudo, com a expansão do Império,
o termo foi ampliado para todos os cidadãos romanos sob proteção
do imperador, em todas as províncias. Com o passar do tempo, o
termo passou a se referir “àquele que não é bárbaro”, quer dizer,
todos os não estrangeiros (GONÇALVES; BASSO, 2010).

Bassetto (2005) divide a história da România em três períodos: România


Antiga, România Medieval e România Moderna. O período da România Antiga é
o de maior expansão territorial e de desenvolvimento linguístico da língua latina,
nas primeiras décadas do século II d. C.

O período da România Medieval se refere às regiões em que se continuou


a falar o latim vulgar, após a queda do Império Romano, no Ocidente, em 476.
Nesse período, falava-se da Crise do Império Romano, marcada por crise
econômica, golpes, assassinatos de imperadores e, por fim, invasões germânicas.
Essas invasões e as dificuldades de movimentação e de interação nesse território

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

geraram grandes fragmentações políticas e linguísticas. No entanto, frisamos que


tudo isso foi um processo lento, e que a queda do Império ocorreu por uma série
de eventos intercalados por séculos. O latim se manteve homogêneo por muito
tempo e as províncias preservaram certa romanização em graus variados para,
então, ir desenvolvendo os dialetos. As outras línguas dos povos conviveram com
o latim por muito tempo, criando territórios bilingues.

Nesse cenário, podemos denominar as línguas dos territórios,


que já tinham sido conquistados, de línguas de substrato. Para
Cravens (1994), substrato é uma língua com pouca influência em
comparação a outra. Já as línguas de superestrato seriam as
dos povos que conquistaram os territórios de Roma, com grande
influência. Essas línguas se influenciaram entre si e em diferentes
níveis. Também podemos citar a categoria de adstrato, para nos
referirmos às línguas que convivem em um mesmo território e tempo,
em situação de bilinguismo, como os falantes do latim com os povos
falantes do grego (CRAVENS, 1994).

Desse período, é Desse período, é importante que você saiba que, com a queda
importante que você do Império Romano, começou o desenvolvimento das línguas
saiba que, com a românicas derivadas do latim vulgar, e que viriam a se transformar
queda do Império no espanhol e no português, como conhecemos.
Romano, começou
o desenvolvimento
das línguas A România Moderna, segundo Bassetto (2005), constitui a
românicas derivadas mais ampla das três, integra os territórios de fala românica, e isso
do latim vulgar, e inclui os vários territórios dominados pelos países de fala românica,
que viriam a se como a América do Sul, parte do Canadá, algumas partes da África e
transformar no da Ásia, onde encontramos, ainda hoje, o português, o espanhol e o
espanhol e no
francês como línguas oficiais.
português, como
conhecemos.
Caro acadêmico, lembre-se de que não existe uma clara
fronteira nesses períodos históricos apresentados por Bassetto, tampouco, entre
o latim clássico e o vulgar ou o latim vulgar e os dialetos românicos.

20
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

O adjetivo românico deriva de România, denominação dada


aos territórios conquistados pelos romanos que mantinham, na
língua, certo grau de unidade (a partir do século V d.C.). Esse latim
vulgar, falado por volta do século V, após as invasões dos povos
germânicos, chamados de bárbaros, pelos romanos, apresentava
aspecto hispano-românico, distinguindo-se do latim falado de
Roma, o barbarice fabulare. Continuava se modificando, a ponto de
não ser mais visto como latim, mas como um falar “à maneira dos
românicos”, o “Romanice fabulare”, oposto ao “Latine loqui”, o “falar
culto de Roma” (BOURCIEZ, 2000; BASSETTO, 2005).

3.3.1 Influências e inovações


O período entre os séculos V e IX d.C. foi marcado pelo início do O período entre
os séculos V e IX
romanço, quer dizer, período em que ocorreu a grande diferenciação
d.C. foi marcado
de falares em uma multiplicidade linguística. Esse desenvolvimento do pelo início do
latim vulgar, até a transformação nas línguas românicas, levou tempo romanço, quer dizer,
e dependeu de diversos fatores, como da duração da romanização período em que
nos territórios conquistados, período em que a romanização ocorreu ocorreu a grande
com influências locais das línguas de substrato. diferenciação de
falares em uma
multiplicidade
Os superestratos, que foram mais importantes para essa linguística.
transformação, foram os chamados “bárbaros” (germânicos no
Ocidente e eslavos no Oriente da România), no período da queda do
Império Romano, como os árabes, que invadiram o norte da África, a Ibéria e
parte da Sicília, no século VIII. Dentre os povos germânicos, os mais importantes
eram os visigodos, os vândalos, os burgúndios, os alamanos, os ostrogodos, os
ânglios, os saxões, os francos, os normandos e os longobardos, que se instalaram
em locais onde se falava latim (GONÇALVES; BASSO, 2010).

É uma consequência natural que as variedades faladas, somadas ao latim, ou


seja, uma em contato com a outra, acabassem passando algumas características
linguísticas, fonológicas e lexicais, rompendo com uma suposta uniformidade
do latim da península e propiciando a formação dos dialetos. Essas influências
acabaram sendo maiores nas regiões onde o contato com o latim se deu por mais
tempo, transformando-se em línguas incompreensíveis entre si. Pensemos, por

21
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

exemplo, na palavra alcaide (origem árabe), usada no espanhol; prefeito (origem


latina), usada no português; lechuga (origem latina), usada no espanhol; e alface
(origem árabe), no português (WYMAN, 2017).

Conforme aponta Wyman (2017), as línguas têm diferentes modos de dizer


as mesmas coisas. Por exemplo, no espanhol, usa-se o u para denotar um adjetivo
possesivo, com origem no latim suus. Já no francês, é usado o leur, com origem
no latim illorum. Ambas funcionavam no latim, mas, com o tempo e diferentes
espaços geográficos, um uso acaba sendo favorecido em detrimento do outro,
até que um fique em desuso. Esse processo ocorre, também, com mudanças
fonéticas, na sintaxe e no vocabulário.

Apesar das variáveis, é possível verificar certa uniformidade nas


características das línguas românicas, resultado de fenômenos de inovação
chamados de panromânicos. Confira alguns, segundo Castro (2006 apud
GONÇALVES; BASSO, 2010):

1. Todas as línguas românicas desenvolveram o artigo definido


a partir do pronome ille (com exceção do sardo e do catalão,
que se desenvolveram a partir de ipse).
2. Todas as línguas generalizaram os usos das preposições de
e a para substituir as funções dos casos oblíquos, ou seja, o
genitivo, o dativo e o ablativo.
3. Todas formaram comparativos analíticos a partir de magis
ou plus, enquanto o latim clássico fazia o comparativo sintético
com desinências, como –ior ou –ius.
4. Todas as línguas românicas desenvolveram tempos verbais
analíticos baseados nos verbos auxiliares habere, tenere e
esse (“ser”).
5. Todas utilizavam o pronome pessoal para marcar as pessoas
verbais (em latim, o padrão era não usar os pronomes, que
apareciam apenas para dar ênfase ao sujeito).
6. Todas formaram o novo futuro a partir das formas vulgares
habere + infinitivo (com exceção do romeno, com volo (“quero”)
+ infinitivo, e do sardo, com debeo (“devo”) + infinitivo).
7. Todas desenvolveram advérbios a partir do ablativo mente
afixado aos adjetivos (o latim clássico formava advérbios com
o sufixo –e ou –iter).
8. Todas usavam sufixos e prefixos estranhos ao latim clássico
(GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 44).

Ainda que línguas Ainda que línguas românicas passassem por particularidades,
românicas todas herdaram, do latim, o repertório léxico básico. Consideramos
passassem por herdadas as palavras que foram transmitidas, às línguas românicas,
particularidades,
diretamente do latim vulgar, pela fala do povo. Nessa lista,
todas herdaram, do
latim, o repertório estão incluídas as palavras não latinas (pré-românicas, gregas,
léxico básico. germânicas, eslavas, ibéricas etc.) que o latim vulgar assimilou. Para

22
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

ilustrar, Bassetto (On-line) afirma que, estatisticamente, considerando apenas as


formas simples, sem considerar derivadas ou compostas,

[...] dos 6700 vocábulos latinos do REW (Romanisches


Etymologisches Wörterbuch), cerca de 1300 são panromânicos
(20%), 3900 foram herdados por algumas línguas românicas
(60%) e 1500 (20%) por apenas uma. A mesma obra registra,
ainda, 1621 empréstimos, no latim vulgar, de línguas
estrangeiras, dos quais 25 são ibéricas, 70 bascas, 780 gregas,
746 de várias origens: celtas, lígures ou, simplesmente, “pré-
românicas”, quando a origem é incerta.

Ainda que os dados do vocabulário românico herdado são aproximados,


devido à imprecisão das fontes, comprovam a permeabilidade do latim vulgar a
empréstimos.

Para saber mais a respeito do léxico românico e das heranças,


recomendamos a leitura de O Léxico Românico – Herança Latina nas
Línguas Ocidentais, de Bruno Fregni Bassetto, disponível em http://
www.filologia.org.br/ixcnlf/16/14.htm.

4 AS LÍNGUAS ROMÂNICAS
Neste apartado, conheceremos um pouco mais das línguas chamadas de
românicas. Conforme Bassetto (2005), essas línguas se formam a partir das
contribuições culturais e linguísticas do latim e se expandem para diversas
regiões. Desse modo, para uma melhor visualização, comecemos conferindo o
exposto a seguir, com a classificação das línguas românicas:

QUADRO 2 – CLASSIFICAÇÃO DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS


Balcano-Românico Italo-Românico Galo-Românico Ibero-Românico
Romeno Dalmático Francês Catalão
Italiano Provençal Espanhol
Rético Franco-provençal Português
Sardo
FONTE: Gonçalves e Basso (2010, p. 56)

23
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

É interessante conhecer o processo de formação dessas línguas, pois saber


as particularidades nos ajuda a compreender o processo evolutivo pelo qual
passaram até as nossas línguas alcançarem as características que apresentam
na atualidade. Contudo, dado o nosso espaço limitado dos estudos desta
disciplina, poderemos comentar apenas superficialmente. Vamos lá?!

Romeno pode ser considerada a primeira língua românica a se separar


das outras, surgindo da invasão romana na província de Dálcia e da ocupação
por diferentes povos, especialmente, por eslavos; o Dalmático, para Bassetto
(2005), é a única língua românica morta, falada na antiga região da Dalmácia; o
Italiano, marcado pela grande diversidade de dialetos, sendo que o padrão, hoje,
é o dialeto da Toscana, por influência de autores literários, como Dante, Boccacio
e Petrarca; o Rético, conjunto de dialetos falado na região do extremo-norte da
Itália e na Suíça, relativamente semelhante entre si, mas que gera discussões a
respeito da unidade linguística (questão ladina); o Sardo, conjunto de dialetos
falado na ilha da Sardenha, a oeste da Itália, com forte influências castelhanas
e catalãs nas terminologias administrativa e eclesiástica; o Provençal, do antigo
grupo chamado de langue d’oc, um dos dialetos do ocitânico, com o qual, muitas
vezes, confunde-se, falado, ainda hoje, em uma extensa área do sul da França,
desenvolveu-se a partir da arte literária de trovadores, que usavam uma espécie de
koiné (língua comum) literária; o Francês, desenvolvido na região da antiga Gália,
derivado do conjunto de dialetos medievais identificados como langue d’oil, em
oposição ao grupo identificado como langue d’oc (dialetos do provençal), porém,
no fim do século XIII, com o forte desenvolvimento de Paris e a centralização da
cultura, o dialeto Île-de-France (frâncico), até então, despretensioso, projetou-se,
literariamente, para dois séculos depois, tornar-se a língua nacional; e o Franco-
provençal, conjunto de dialetos falado no Centro-Leste da França, na fronteira
com a Itália e a Suíça, países com alguma extensão coberta por eles, que possui
características do francês e do provençal, mas constitui uma língua diferente
(BASSETTO, 2005; GONÇALVES; BASSO, 2010).

O Catalão é, atualmente, falado por mais de 10 milhões de pessoas, em


países, como Espanha, Andorra, França e Itália, sendo a língua oficial da
Catalunha e das Ilhas Baleares. O catalão deriva do pan-ibero-romance e, já no
século XI, encontravam-se documentos feudais escritos integralmente na língua.
Por muito tempo, discutiu-se se o catalão era uma língua ou um dialeto, sendo
reconhecido, tardiamente, com status de língua. Para Bassetto (2005), essa
língua está mais próxima do provençal do que do castelhano, ao se compararem
os campos lexicais, fonológicos e morfológicos e questões históricas. A história,
em um primeiro momento, passou por uma fase nacional, com conquistas
de territórios no sul da Península Ibérica. Depois, do século XV até o XVIII,
migrou para um período de decadência para, posteriormente, adentrar na fase
de renascimento. Entre 1939 a 1975, ocorreu a ditadura de Francisco Franco,

24
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

proibindo o catalão e toda a amostra de catalanidade no território da Espanha.


Propagou-se uma série de revoltas separatistas ao longo da história, o que gerou
o recente plebiscito de independência da Catalunha, em 2017.

FIGURA 2 – PANORAMA DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS

FONTE: <https://www.ime.usp.br/~tycho/participants/psousa/cursos/
aulas/aula_latim_vulgar.html>. Acesso em: 18 jan. 2021.

Veremos o castelhano/espanhol e o português separadamente, na sequência


do nosso percurso, pois merecem atenção especial, uma vez que são o alvo dos
nossos estudos.

Caro acadêmico, se você tiver interesse em saber mais


a respeito da formação e da estrutura das línguas românicas,
principalmente, sob um ponto de vista mais filológico, recomendamos
o livro Elementos de Filologia Românica, de Bruno Fregni Bassetto.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

25
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

4.1 FORMAÇÃO LINGUÍSTICA DO


ESPANHOL E DO PORTUGUÊS -
PENÍNSULA IBÉRICA
Focaremos, a partir de agora, nas línguas ibero-românicas, especialmente, no
português e no espanhol, apresentando um pouco da história do desenvolvimento
linguístico. A proximidade entre essas duas línguas está relacionada com a origem
latina, mas, também, geográfica, ressaltando-se o Domínio Filipino, compreendido
entre 1580 e 1640, no qual Portugal viveu sob o domínio espanhol. Adiante, o
português e espanhol se tornarão dois idiomas distintos de povos diferentes e que
se tornarão grandes precursores da expansão marítima europeia.

Por outro lado, destacam-se os confrontos bélicos, os Tratados, como de


Alcaçovas (1479) e de Tordesilhas (1494), além de uma forte estratégia para a
preservação da língua portuguesa em relação ao domínio espanhol. Desse modo,
a partir de agora, veremos a história de cada uma dessas línguas separadamente.
Vamos lá?!

4.2 ESPANHOL
A língua espanhola é considerada a terceira língua mais falada no mundo,
ultrapassando os 300 milhões de falantes. Na Espanha, é a língua oficial, porém,
cabe lembrar que não é a única falada, coexistindo com o catalão, o valenciano,
o galego, o basco oua euskera, além de outros dialetos, como o andaluz,
o extremenho, o murciano, e o canário, que possuem tanta ou maior importância
para a população local.

A partir do substrato ibérico, além do substrato basco, o


A partir do substrato
ibérico, além do castelhano ganha características, as quais o diferenciam das
substrato basco, o demais línguas com origem pan-ibero-romance. Ademais, a
castelhano ganha latinização posterior da região de Castela converte o castelhano em
características, as uma língua com menos influência do latim, como em comparação
quais o diferenciam ao português, por exemplo, propiciando, ao castelhano, inovações
das demais línguas
próprias, como o caso do “f” latino a “h”, que, posteriormente, deve
com origem pan-
ibero-romance. ser não pronunciado — característica atribuída ao substrato basco
(GONÇALVES; BASSO, 2010)

26
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Em breve, conversaremos a respeito da denominação espanhol


ou castelhano.

Outras características próprias do castelhano que podemos citar são:

1. ditongação do e e do o latinos, como em bono > bueno, porta


> puerta, terra > tierra;
2. palatalização em ll /λ/ dos grupos latinos formados por
consoante + l, como plenum > lleno, flamma > llama;
3. sonorização das oclusivas surdas intervocálicas e posterior
fricativização, como em lúpus > lobo /loβo/, digitus > dedo /
ðeðo/;
4. palatalização das consoantes geminadas ll e nn, como ad
illic > alli /aλi/ “ali”, ante anno > antaño “então”;
5. passagem dos grupos ct e lt à africada /tʃ/: multum > mucho
/mutʃo/ (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 63).

Assim, podemos considerar que o castelhano começou a Podemos considerar


aparecer nos anos 800 e adquiriu características finais no período que o castelhano
começou a
medieval, com os escritores hispânicos, que passaram a escrever no
aparecer nos anos
vernáculo vulgar, e não mais em latim. 800 e adquiriu
características
O primeiro poema épico em castelhano foi Cantar del mio Cid, finais no período
de autor desconhecido, composto por volta de 1140, com quase medieval, com
quatro mil versos que narram a história de Rodrigo Díaz de Vivar, ou os escritores
hispânicos,
El Cid Campeador, importante personagem histórico. Foi publicado
que passaram
por Tomás Antonio Sanchez, em 1779. Confira esse fragmento inicial a escrever no
da obra: vernáculo vulgar, e
não mais em latim.
De los sos oios tan fuertemientre llorando,
Tornava la cabeça e estavalos catando;
Vio puertas abiertas e uços sin cañados,
alcandaras vazias, sin pielles e sin mantos,
e sin falcones e sin adtores mudados.
Sospiro Mio Cid, ca mucho avie grandes cuidados.
Fablo mio Cid bien e tan mesurado:
«¡grado a ti, Señor Padre, que estas en alto!
Esto me an buelto mios enemigos malos.»
Alli pienssan de aguiiar, alli sueltan las rriendas;
A la exida de Bivar ovieron la corneia diestra
e entrando a Burgos ovieronla siniestra.
Meçio Mio Cid los ombros e engrameo la tiesta:
«¡Albricia, Albar Fañez, ca echados somos de tierra!
Mas a grand ondra tornaremos a Castiella (ANÔNIMO, [1140],
s.p.).

27
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Nesse trecho, já podemos perceber algumas características que veremos


no castelhano futuramente, como “a ditongação do ‘o’, em ‘puertas’, do ‘e’ em
‘tierra’ e em ‘Castiella’; e a sonorização das oclusivas, como em mutados >
mudados, Pater > Padre” (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 64). De modo geral,
esse espanhol medieval é bem diferente deste que conhecemos atualmente, não
é verdade?! É interessante pensarmos nisso, pois as línguas permanecem em
constante transformação.

4.2.1 História da língua espanhola:


Península Ibérica
A Península Ibérica, que compreende, principalmente, Espanha e Portugal,
hoje em dia, foi, por muito tempo, alvo de disputas territoriais, pelas quais
passaram diferentes povos, deixando contribuições para a cultura espanhola e
para a formação da língua. Os romanos desembarcaram ali em 218 a.C., durante
a Segunda Guerra Púnica, conquistando todo o território. Os povos dominados,
na sua maioria, adotam o latim como língua e se converteram ao cristianismo.

Como resultado Como resultado do incansável movimento de conquistas


do incansável romanas, surgiram diferentes graus de romanização nas províncias,
movimento
sendo que os romanos vieram primeiro, e os dialetos mantiveram
de conquistas
romanas, surgiram grande conservadorismo linguístico.
diferentes graus de
romanização nas A distância em relação à Roma, ou o acesso às províncias,
províncias. também contribuiu para os variados graus de romanização. Por
exemplo, na Baetica, que era mais isolada, manteve-se um latim mais
purista, em comparação com a província Tarraconensis, pela qual passavam os
legionários, gerando mudanças na fala. Esse processo gerou muitas inovações no
latim vulgar, reverberando nas línguas desenvolvidas na região, como o catalão,
por exemplo (GONÇALVES; BASSO, 2010).

28
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

FIGURA 3 – HISPANIA ROMANA SOB O IMPÉRIO DE DIOCLECIANO (244-311 D.C.)

FONTE: <http://blog.brasilacademico.com/2013/03/a-evolucao-das-
linguas-na-peninsula.html>. Acesso em: 21 jan. 2021.

Os povos germanos (alanos, vândalos e suevos) se instalaram na península


ainda durante o domínio romano, conforme mapa a seguir. Posteriormente, com
a caída do Império Romano, os visigodos expulsaram esses povos germânicos,
tornando-se o reino dominante. Um dos reinos germânicos conquistados foi o dos
suevos, reino com fronteiras próximas à província da Gallaecia, que, devido ao
maior isolamento linguístico, propiciou o desenvolvimento de variações regionais
que, mais tarde, tornar-se-iam o galego-português, com formas diferenciadas
e próprias. Os visigodos (como os outros povos germânicos), por sua vez, não
interferiram significativamente nas mudanças linguísticas peninsulares, salvo
pequenas contribuições para o latim vulgar, como, na morfologia, há o sufixo “-ing”
(= eng), por exemplo.

29
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Visigodos se referem ao povo considerado bárbaro de origem


germânica, pelos anos 200, originários do leste europeu. Alguns
pesquisadores acreditam que o nome tem origem alemã e significa
“Godos do Oeste”. Em diversas ocasiões, entraram em conflito com
os romanos e sitiavam Roma. Permaneceram na Hispânia até a
chegada dos árabes, no início do século VIII d.C.

FIGURA 4 – HISPANIA ROMANA

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alan_
kingdom_hispania_es.svg>. Acesso em: 18 jan. 2021.

30
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

1 - Como estamos vendo, a língua e a cultura dos povos chamados


de bárbaros (germânicos) não vingaram na Península Ibérica. Por
qual razão você acredita que isso aconteceu? Será que esses
povos não deixaram nenhuma contribuição linguística ou cultural
na Península? Faça uma pesquisa a respeito e, em seguida,
escreva uma pequena redação acerca do assunto. Vamos lá!

O árabe foi um
O reino visigodo foi invadido e conquistado em 711, pelos árabes
superstrato
mulçumanos. Estes eram desenvolvidos em muitas áreas, como importante na
filosofia, botânica, agricultura, medicina, trazendo mudanças para a formação das
região e para a linguística. O árabe foi um superstrato importante na línguas românicas
formação das línguas românicas da península, podendo afirmar que, da península,
depois do próprio latim, o árabe foi a língua que mais influência teve podendo afirmar
que, depois do
sobre o espanhol. Enriqueceram o vocabulário com palavras, como:
próprio latim, o
azul, azúcar, albañil, aceite, alcachofra, almacén, alcohol, mazapán, árabe foi a língua
taza etc. O português contemporâneo também mantém empréstimo que mais influência
do árabe. teve sobre o
espanhol.
A península fora dominada por dois dialetos: o mozárabe, com
influência do árabe e do bereber (língua de povos do norte da África); e as línguas
romances, na zona dos reinos cristianos, como o asturiano, o galego, o basco, o
catalão e o castelhano.

Durante a ocupação árabe-muçulmana, o chamado "Condado de Castilla" foi


dado para os castelhanos e povoado pelos bascos. Esse condado se tornaria o
Reino de Castilla, em 1035. Ainda, o reino de Astúrias se expandiu no de Afonso
III, o grande (entre 838 e 910), e passou a integrar a Galiza e o Leão. Quando
o rei Ferdinando I de Castilha, em 1037, herdou Leão, uniu os reinos, criando
a primeira monarquia espanhola. Assim, o castelhano se ampliout nos séculos
seguintes.

Confira o mapa político da península com a distribuição das línguas


românicas na região por volta de 1300.

31
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

FIGURA 5 – LÍNGUAS DA PENÍNSULA IBÉRICA

FONTE: Adaptada de Ilari (1992, p. 178 apud GONÇALVES; BASSO, 2010)

Depois de muitos anos de batalhas, as ocupações mulçumanas vão caindo


uma a uma e, em 1492, ocorreu a conquista de Granada, a última que resistia,
consolidando o movimento chamado de Reconquista (conquista cristã). Então, a
Espanha ficou dividida nos seguintes reinos: reino da Castilha (língua castelhana),
reino de Navarro (língua basca), reino de Aragão (língua catalã), Principado de
Andorra (língua catalã) e reino de Portugal (língua portuguesa).

4.2.2 A formação do espanhol clássico e


o século de ouro da língua espanhola
A partir da Reconquista, em 1492, os reis católicos expulsaram, da
península, as minorias étnicas que não se converteram ao cristianismo, como
árabes e judeus. Além da unificação religiosa, destacou-se, nesse período,
uma preocupação linguística, além de uma série de medidas tomadas, visando
à unificação do território. Por exemplo, a língua castelhana se tornou a língua
oficial do território e foi publicada a primeira Gramática da Língua Castelhana
(1492), escrita por Antonio de Nebrija. É considerada a primeira gramática
sistemática e formal e tentou, pela primeira vez, unificar critérios linguísticos.

32
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Interessante, não é verdade?! Caso queira se aprofundar mais,


uma dica de leitura é BURKE, P. Linguagens e comunidades nos
primórdios da Europa Moderna. São Paulo: Editora Unesp, 2010.

Em 1512, o reino de Navarro foi unificado à Espanha, o que gerou o território


que conhecemos atualmente. Castilha possuía grande poder econômico,
propiciando que o castelhano se propagasse por todo o território, em detrimento
do catalão e do basco.

A partir de então, o reino passou a se fortalecer. Esse foi o período das


grandes navegações, e a Espanha descobriu uma nova rota para as Índias.
Além disso, ocorreram as expedições de Cristóvão Colombo para as Américas,
e o grande volume de riquezas foi retirado e levado para a Espanha. Em 1521, o
império Asteca foi conquistado e, o império Inca, em 1533.

Por volta de 1550, Espanha e Portugal dominaram, juntos, o continente


sulamericano, e a Espanha expandiu para América Central. Implantou-se uma
política linguística para reforçar a identidade nacional e a língua espanhola
migrou pela América, aumentando o número de falantes do castelhano no Novo
Continente.

O espanhol se tornou língua oficial em países, como Argentina, Bolívia,


Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, na América do
Sul; e, na América Central, os hispanófonos: Costa Rica, Guatemala, Honduras,
El Salvador, Nicarágua e Panamá.

Nesse cenário, a língua passou a sofrer modificações por A Espanha se


questões geográficas e pela própria singularidade da fala dos soldados transformou
em um grande
e dos falantes de diferentes origens que viajavam. Além disso, as
polo econômico,
influências das línguas indígenas já existentes contribuíram para o permeada
castelhano, enriquecendo a língua com contribuições de vocabulário. de intensivas
atividades culturais,
Fruto desses fatos, nas décadas seguintes, a Espanha patrocinadas pelo
se transformou em um grande polo econômico, permeada de ouro das Américas.
Consequentemente,
intensivas atividades culturais, patrocinadas pelo ouro das Américas.
a língua espanhola
Consequentemente, a língua espanhola também ganhou prestígio e também ganhou
adeptos. Acredita-se que, por volta de 1700, já se tinham mais de seis prestígio e adeptos.
milhões de hispano-falantes.

33
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Conhecido com o Século de Ouro, este apogeu cultural durou pelos séculos
XVI e XVII, abrangendo, cronologicamente, o Renascimento e o Barroco. Cabe
lembrar que se mantiveram, também, as tradições medievais, pela força do clero
na região e pela forte presença da Contrarreforma.

É, do período, a obra El Tesoro de la Lengua Castellana, de Sebastián


Covarrubias, em 1611, considerada a publicação do primeiro dicionário
monolíngue de língua espanhola. Ainda, é preciso citar outros grandes autores da
literatura de língua espanhola, como San Juan de la Cruz, Lope de Vega, Miguel
de Cervantes, Fray Luis de León, Luis de Góngora, Francisco de Quevedo e
Calderón de la Barca, que contribuíram para o fortalecimento da língua.

Caro acadêmico, caso tenha curiosidade de descobrir mais


a respeito da obra Tesoro de la Lengua Castellana o Española, de
Sebastián de Covarrubias Orozco, você pode a encontrar disponível
em http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/del-origen-y-principio-
de-la-lengua-castellana-o-romance-que-oy-se-vsa-en-espana-
compuesto-por-el--0/html/.

4.2.3 O espanhol moderno


No século XVIII, a língua espanhola já começou a ganhar
No século XVIII, a feições como a que conhecemos hoje em dia. Um marco importante
língua espanhola já
dessa época foi a criação da Real Academia Espanhola da língua
começou a ganhar
feições como a que (RAE), em 1713, por Juan Manuel Fernández Pacheco, além da
conhecemos hoje publicação do Diccionario de Autoridades (1726-39), pela RAE. Essa
em dia. Um marco instituição se tornou a mais importante na fixação das normas que
importante dessa regiam a língua espanhola e na regulação de novas incorporações
época foi a criação de termos e de empréstimos linguísticos.
da Real Academia
Espanhola da língua
(RAE), em 1713,.

34
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Para aprofundar os seus conhecimentos a respeito da RAE,


sugerimos a leitura da seguinte tese: https://www.teses.usp.br/
teses/disponiveis/8/8145/tde-20092018-125847/publico/2018_
AnaPaulaFabroDeOliveira_VCorr.pdf.

Seguindo o nosso percurso histórico, durante a Revolução


Esse período de
Francesa (1789-1799), as tropas de Napoleão Bonaparte invadiram o
agitação interna
território espanhol e concederam o trono da Espanha ao irmão, José favoreceu as
Bonaparte. Esse período de agitação interna favoreceu as lutas das lutas das colônias
colônias espanholas, na América, pela independência. Por volta de espanholas, na
1830, o império espanhol, na América, já estava perdido. América, pela
independência.
A imposição linguística, como única língua oficial da Espanha,
ganhou novo folego, durante os anos de 1833 e 1839, com a utilização nos
órgãos administrativos. Em 1898, a Espanha perdeu as ilhas de Cuba, Filipinas e
Porto Rico, após a guerra contra a América do Norte. Esse fato incentivou a força
colonialista na África, conquistando a Guiné Espanhola, atual Guiné Equatorial –
único país africano que fala, oficialmente, espanhol.

Nessa época, a Espanha começou a enfraquecer política e economicamente.


Após as eleições de 1931, que originaram a proclamação da Segunda República
Espanhola (1931 a 1939), a Constituição Espanhola liberou, oficialmente, as línguas
regionais, porém, essa liberdade durou apenas até a ditadura militar fascista, com
o general Franco, que instaurou a repressão linguística novamente.

As forças da ordem de Franco destruíram os livros de 257


bibliotecas populares nas academias espanholas: “Depois dos
acontecimentos de outubro de 1934, a força pública queimou os
livros das bibliotecas das academias. Destino semelhante tiveram
as bibliotecas das casas do povo ou dos sindicatos, como o dos
Ferroviários do Norte, que possuía mais de quatro mil volumes [...]”
(BÁEZ, 2004, p. 172).

35
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

FONTE: Báez (2004, s.p.)

Em 1975, morreu Franco e Juan Carlos I se tornou o rei da Espanha.


Aprovou a nova Constituição Espanhola, em 1978, e mudou a prática da língua
espanhola. O Estado descentralizou muito da autoridade, criando as comunidades
autônomas. Atualmente, a Espanha é dividida em 17 comunidades autônomas,
administradas pelos governantes locais. Ainda que o castelhano seja a língua
oficial para toda a Espanha, muitas regiões são bilíngues. Surgem muitas
línguas, como Euskera (falada em regiões, como Navarra, e nos países bascos),
Aranês (Vale do Arán), Galego (Galiza) e Catalão (falado nas Ilhas Baleares e
na comunidade valenciada). Foram reconhecidas na Constituição de 1978,
além do Aragonês (vale do Aragão), que, após a Lei de Luengas, aprovada em
2009, reconheceu o aragonês e o catalão como línguas próprias e estabeleceu
os direitos dos idiomas. Contudo, nem todas as línguas regionais recebem o
reconhecimento merecido ainda.

4.2.4 Castelhano ou espanhol?


Quando começamos a estudar espanhol, uma das primeiras dúvidas que
surgem é acerca da denominação espanhol ou castelhano para se referir à
língua-alvo. Na verdade, espanhol e castelhano são denominações diferentes,
mas se referem a uma mesma língua, porém, com sentidos históricos um pouco
diferentes. Para entender como surgiu essa polêmica, rememoraremos o nosso
percurso histórico da origem do idioma.

A denominação castelhano tem referência histórico-geográfica, mais antiga,


remetendo ao reino de Castela, na Idade Média. Nesse período, ainda não existia

36
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

a Espanha. Com a consolidação do país e a unificação dos reinos, o castelhano


foi adotado como língua oficial em 1492, como vimos, fazendo com que esse
dialeto ganhasse o status de língua de todos os povos ibéricos.

Denominar o idioma como espanhol pode gerar certo conflito, no sentido


de que o espanhol se torna um meio para tentar unificar a nação formada, mas,
nesse mesmo espaço, existem outras línguas que também podem ser chamadas
de “espanholas”, uma vez que estão nesse território. Como vimos, na Espanha,
existem outros idiomas, como basco, galego e catalão. Por isso, algumas
pessoas acreditam que seria mais coerente chamar de castelhano essa língua
com origem no Reino de Castela, em respeito às outras que coexistem aí. Afinal,
quando dizemos que falamos espanhol, não queremos dizer que sabemos todas
as línguas faladas na Espanha. Inclusive, a Constituição Espanhola denomina a
língua oficial como castelhano, e “línguas espanholas” as demais que são faladas
no território.

Recordemos que a Espanha conquistou vários territórios na época das


grandes navegações, colonizando grande parte das Américas do Sul e Central,
por exemplo. Então, optar por não usar espanhol, nesses lugares, também pode
ser um modo de se posicionar, afinal, o termo remete ao período colonial.

O termo espanhol vem do latim medieval Hispaniolus,


denominação romana da Península Ibérica. Desse modo,
inicialmente, também englobaria o território de Portugal (LAGARES,
2011).

Assim, dizer espanhol ou castelhano pode ser uma escolha pessoal ou


para refletir uma posição política, o que depende de cada um. O importante é
sabermos a origem e o entorno desses termos. Nesta disciplina, manteremos o
termo espanhol, pois é o nome mais conhecido entre nós, brasileiros.

37
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

E você, qual nome prefere? Castelhano ou espanhol? Mencione


o porquê.

4.3 DO LATIM AO PORTUGUÊS


A língua portuguesa é falada em vários países, como Portugal, Brasil,
Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e pode
ser considerada a mais recentes das línguas românicas. Agora, trataremos,
especificamente, dessa língua, das primeiras manifestações e da diferenciação
dos demais dialetos panromânicos até ser gerada a língua próxima ao que
conhecemos hoje. Seguiremos caminhando historicamente, a fim de conseguirmos
uma noção geral dos fatos que interferiram na evolução da nossa língua. Assim,
com o intuito de seguirmos uma rota organizada, dividiremos a história do
português em “português arcaico”, “português clássico” e “português moderno”.

4.3.1 O português arcaico (do século XII


ao século XV)
Como já estávamos conversando, a língua portuguesa tem origem na
romanização e na expansão do Império Romano, no enfraquecimento e na
fragmentação, devido às invasões dos povos germânicos. Podemos dizer que se
desenvolveu na região da Península Ibérica, onde, hoje, corresponde a Portugal e
Galiza, além da província romana da Lusitânia.

A nossa língua Durante esse período, acreditava-se que a língua falada, nessa
portuguesa seria região, era constituída pelo latim vulgar, com influências de línguas
muito diferente sem celtas, germânicas e árabes. Bassetto (2005), inclusive, afirma que a
a invasão árabe e
nossa língua portuguesa seria muito diferente sem a invasão árabe
as contribuições
linguísticas. e as contribuições linguísticas. Foram mais de setecentos anos
de dominação árabe na Península Ibérica e, com isso, surgiram
inovações linguísticas específicas, “o que gerou o isolamento dos
falares do Noroeste da Península, não apenas dos vizinhos do Leste, leonês e
castelhano, mas, também, dos dialetos moçárabes, que se desenvolveram no
Sul” (TEYSSIER, 1997, p. 14).

38
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Como dica de leitura para quem deseja saber mais a respeito do


português arcaico, sugerimos MATTOS E SILVA, R. V. O português
arcaico: fonologia. São Paulo: Contexto, 1991.

Assim, nos próximos séculos, IX a XII, surgiu o galego-português. Constituiu-


se como língua falada e escrita no ângulo noroeste da Península Ibérica. As
características morfológicas e de sintaxe eram próximas às do latim vulgar,
e não se distinguiam do galego falado na Galícia, ou seja, do espanhol e das
demais línguas românicas. Por exemplo, “a declinação nominal latina Os primeiros textos
se simplifica ao desaparecimento, e os substantivos acabam por dos quais se teve
apresentar somente as formas de singular e de plural, derivadas do registro, escritos em
acusativo latino” (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 81). Com a queda galego-português,
surgiram somente
do neutro, os gêneros foram reduzidos a dois. Os primeiros textos
no século XIII
dos quais se teve registro, escritos em galego-português, surgiram (TEYSSIER, 1997).
somente no século XIII (TEYSSIER, 1997).

A partir das guerras da Reconquista, no século XII, Portugal conseguiu a


independência com a expulsão dos árabes e venceu os castelhanos, que queriam
anexar o país. Com isso, houve o início da separação do galego com o português,
em 1185. Contudo, podemos considerar que ainda existem mais semelhanças do
que diferenças entre o galego e a língua portuguesa, ou seja, o galego manteve
proximidade com o português, apesar da influência castelhana (JESUS, 2020).

4.3.1.1 Formação do vocabulário Podemos considerar


que grande
parte do nosso
Podemos considerar que grande parte do nosso léxico léxico português
português veio do latim e atingiu a forma contemporânea através veio do latim e
atingiu a forma
de diversos processos fonéticos, ao longo de muito tempo, como a
contemporânea
erosão de certos fones e a inclusão de vogais para evitar encontros através de diversos
consonantais. Concomitante com esses processos naturais processos fonéticos,
decorridos da fala, também encontramos processos diferentes que ao longo de muito
testemunham o desenvolvimento histórico que envolve a forma do tempo, como a
léxico (GONÇALVES; BASSO, 2010). erosão de certos
fones e a inclusão
Se tomarmos como exemplo a palavra latina
de vogais para
planum, temos, como resultado da sua derivação evitar encontros
popular ou natural, a palavra portuguesa chão, consonantais.
e, através de uma derivação erudita, a palavra
plano. A diferença entre a derivação popular e a erudita está no
39
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

fato de que temos, na primeira, um processo vernacular, e, na


segunda, uma importação consciente de um étimo latino, em
geral, para fins literários. O mesmo se dá com o par olhos e
óculos, ambos derivados da palavra latina óculos, através das
derivações natural e erudita, respectivamente. Devido ao fato
de que o latim, mas, também, o grego, estão sempre disponíveis
para, deles, emprestarmos étimos e formarmos novas palavras
ou termos (basta pensar, no caso de étimos gregos, nos usos
recentes da raiz bio, como em biocombustível, biosfera,
biodegradável etc.), essas línguas podem ser chamadas de
adstratos permanentes (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 82).

Gonçalves e Basso (2010) afirmam que, ao lado dessas derivações naturais


e eruditas, também encontramos derivações semieruditas, com o uso de uma
forma intermediária. Por exemplo, “os étimos latinos macula e articulum geraram,
respectivamente, nas formas populares, semieruditas e eruditas, malha, mancha
e mágoa, mácula, e artelho, artigo e artículo” (GONÇALVES; BASSO, 2010, p.
82).

é·ti·mo
(grego étumon, -ou,
verdadeiro significado de uma palavra, de acordo
com a sua origem, do grego étumos, -ê, -on, verdadeiro)
1. [Gramática] Vocábulo considerado como origem de outro.
2. Origem de uma palavra. = ETIMOLOGIA
Leia mais em https://dicionario.priberam.org/%C3%A9timo.

Somadas ao Teyssier (1997) considera que, somadas ao “velho fundo do


“velho fundo do
vocabulário latino” que foi transmitido ao galego-português e, depois,
vocabulário latino”
que foi transmitido ao português moderno, estiveram palavras novas de empréstimos dos
ao galego- povos que habitavam já a Península antes da chegada dos romanos,
português e, depois, como barro, manteiga, sapo etc., aparentadas como basco. Contudo,
ao português os empréstimos mais importantes aconteceram posteriormente, na
moderno, estiveram época romana, além dos primeiros textos do germânico e do árabe.
palavras novas
de empréstimos
dos povos que Dos empréstimos de palavras de origem germânica ao
habitavam já a português, surgiram exemplos de determinados campos semânticos,
Península antes
da chegada dos
romanos.

40
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

do dia a dia, como da guerra (guerra, rouba, espia), da casa, do equipamento


(estaca, espeto), da indumentária etc. (TEYSSIER, 1997).

Devido ao longo período de permanência árabe na Península Ibérica, a


influência, no vocabulário, também foi significativa no português e no espanhol.
Acredita-se que “o número de palavras portuguesas de origem árabe andaria
por volta de mil (954, mais exatamente)” (MACHADO apud TEYSSIER, 1997,
p. 18). Algumas dessas palavras, hoje em dia, são arcaísmos, outras seguem
ativas. O léxico, aqui, reflete as áreas em que a civilização árabe-islâmica então
resplandecia, pertencendo aos campos semânticos: agricultura, flora e fauna
(arroz, azeitona, alface, javali); ciências, artes e técnicas, com instrumentos
(alfinete, alicate, almofada); profissões (alfaiate, almocreve); organizações
administrativa e financeira (alcaide, alfândega); alimentação (açúcar); guerra,
com armas e acerca da vida militar (alferes, refém) etc. (TEYSSIER, 1997).

4.3.2 O galego-português de 1200


adiante
No século XII,
Dando seguimento, no século XII, Portugal se tornou Portugal se tornou
independente de Galiza e de Leão, contribuindo para a origem da independente de
língua portuguesa, como veremos. Além da separação, Portugal Galiza e de Leão,
seguiu as conquistas de territórios, como dos mouros ao sul, assim, contribuindo para
a origem da língua
as fronteiras de Portugal já estariam bem definidas, sofrendo apenas
portuguesa.
pequenas modificações em relação ao que é hoje.

Até o século XIV, a língua falada era o galego-português. Em 1250, a capital


de Portugal foi transferida para Lisboa e a língua portuguesa, nascida ao norte,
foi levada ao sul nesse movimento. Lisboa se tornou a cidade mais povoada
e com o primeiro porto português. Com todo o progresso e o desenvolvimento
econômicos, com a fundação da Universidade (1290), sentiu-se a necessidade
de estabelecer o português como língua fixa. Na sequência, com as grandes
navegações, a língua foi difundida pelos diferentes continentes.

Ao longo desses séculos, a língua evoluiu e ganhou território. Passou a


ser usada em diferentes textos e sofreu influências de movimentos artísticos e
filosóficos, como o Humanismo e o Renascimento.

4.3.2.1 Textos do período


Os textos desse primeiro período da língua portuguesa pertenceram a
diferentes gêneros, a saber:

41
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

• Poesia lírica trovadoresca: essa poesia influenciou a produção da


literatura em galego-português em um período fértil. Basicamente,
surgiram três compilações organizadas do tempo dos provadores:
Cancioneiro da Ajuda (fins do século XIII), Cancioneiro da Vaticana e
Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, ambas, provavelmente,
dos primeiros anos do século XVI. Essas compilações de poesias
trovadorescas podem ser classificadas em “cantigas d’amigo; poemas
de amor, com eu lírico feminino; cantigas d’amor mais eruditas, com eu
lírico masculino; cantigas de escárnio e maldizer; poemas satíricos de
invectiva, mais grosseiros do que os anteriores” (GONÇALVES; BASSO,
2010, p. 83). Os textos mais antigos dos quais se sabe eram do início do
século XIII, e o gênero deixou de ser produzido em volta do século XIV,
com o último trovador, D. Pedro de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis
(GONÇALVES; BASSO, 2010).
• Prosa literária: com o século XIII, começou o início da tradição da
prosa literária em português. Merecem destaque os romances Demanda
do Santo Graal, Merlim e Livro de Tristan. No século XIV, surgiram
os documentos Livro de Linhagens, de D. Pedro, e a Crônica Geral
de Espanha, de 1344, primeiros textos da historiografia escrita em
português, além da versão portuguesa da Primeira Crónica General
de Espanha, redigida por ordem de Afonso X, o Sábio (GONÇALVES;
BASSO, 2010).
• Textos religiosos: nessa época, também encontramos várias obras de
espiritualidade e das vidas de santos, como a Regra de S. Bento, do
início do século XIV, e Vida de Cristo, do início do século XV.
• Documentos oficiais e particulares: nessa categoria, surgiram leis,
testamentos, títulos públicos, foros etc. Aqui, encontramos os dois textos
mais antigos escritos em galego-português, os quais temos acesso hoje
em dia, o Testamento de Afonso II e a Notícia do Torto, provavelmente,
escritos em 1214. Entre os séculos XI até XIII, foram expostos vários
documentos escritos em latim, mesclado com romance galego-português.
Já a partir do século XIII, apareceram documentos totalmente escritos
em “língua vulgar”. D. Dinis deu grande impulso à utilização da “língua
vulgar”, ao torná-la obrigatória nos documentos oficiais (TEYSSIER,
1997).

42
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Em 1290, D. Dinis criava a universidade mais antiga do país e


uma das mais antigas do mundo. Começou a funcionar em Lisboa,
sendo transferida, definitivamente, para Coimbra, em 1537, por
ordem do Rei D. João III. Com uma incontornável herança histórica,
a Universidade de Coimbra contou com os patrimônios material e
imaterial únicos, fundamentais na história das culturas científica
europeia e mundial, sendo, desde 2013, Patrimônio Mundial da
UNESCO (UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 2021).

4.3.3 O português clássico


A fase que
A fase que denominamos como clássica engloba o período denominamos como
que vai de 1415 até 1572. Nesse momento, surgiram as grandes clássica engloba
navegações portuguesas. Em 1415, ocorreu a conquista de Ceuta, o período que vai
de 1415 até 1572.
na África, dando o pontapé inicial para que a língua portuguesa
Nesse momento,
conquistasse muitas regiões para além do mar, como o Brasil, vários surgiram as grandes
territórios na costa da África, da Índia e de outros territórios asiáticos navegações
(GONÇALVES; BASSO, 2010). portuguesas.

Consideramos que o período clássico se estendeu até a publicação da obra


Os Lusíadas, o maior poema épico da língua portuguesa, publicado em 1572,
de Luís Vaz de Camões. Na verdade, esse período foi muito importante para a
consolidação de uma língua literária, em especial, durante a dinastia de Avis, com
os três filhos de D. João I: D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique. Os três tiveram uma
importante produção erudita inspirada por autores clássicos, como Aristóteles,
Cícero e Sêneca.

Durante o século XV, também prosperou a prosa historiográfica, na qual se


destacou Fernão Lopes. Assim, houve o estabelecimento do português clássico,
“especialmente, em virtude da produção renascentista, no qual a língua viria a
se consolidar e retomar vários aspectos do latim, perdendo diversas alterações
vulgares que vinham se desenvolvendo desde o período galego-português”
(GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 97).

43
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

A primeira gramática de língua portuguesa de que se tem registro


data de 1536, intitulada Grammatica da Lingoagem Portuguesa, com
autoria de Fernão de Oliveira. Nela, estabeleceu-se um sistema
ortográfico para a língua portuguesa.

4.3.3.1 Características do português


clássico
As grandes navegações também foram importantes para a consolidação
da língua portuguesa. Nesse afã expansionista, Portugal manteve contato com
diferentes povos, culturas e línguas que influenciaram a língua portuguesa durante
essa fase clássica, principalmente, no que se refere ao léxico. Alguns exemplos
de incorporações lexicais são: “zebra (do etíope), canja (do malabar, língua falada
no Sri-Lanka), chá (mandarim), condor e lhama (do quéchua), chocolate (asteca),
manga (indonésio), sagu (malaio), várias palavras de origem tupi, como ananás,
amendoim, mandioca etc.” (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 98).

Além dos empréstimos, Gonçalves e Basso (2010) recordam que o léxico


sofreu outras mudanças, como a perda do gênero neutro, fazendo com que muitas
palavras apresentassem flutuações de gênero, sendo, às vezes, masculinas,
e, outras, femininas. Diversas formas terminadas em consoante não possuíam
diferenciação para o masculino ou o feminino, por exemplo, a forma de “senhor”,
que também era usada para o feminino (GONÇALVES; BASSO, 2010).

Com o século XV, iniciou-se a regularização dos gêneros, inclusive,


Gonçalves e Basso (2010) acreditam que, possivelmente, pela influência do
surgimento da forma feminina “senhora”, outros “nomes terminados em consoante
começaram a receber uma forma feminina em –a”. “Assim, esse processo
analógico se estendeu a outras formas, como as terminadas em –agem, que
flutuavam em gênero, e passaram a ser femininas (“linguagem” e “linhagem”, por
exemplo, eram masculinas anteriormente)” (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 99).

44
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Para saber mais dos processos das áreas da morfologia, sintaxe


e fonologia desse período, você pode ler TEYSSIER, P. História da
língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Ainda, no campo lexical, com o Renascimento ganhando Com o


adeptos em Portugal e com o prestígio dos estudos latinos, a língua Renascimento
recebeu vários empréstimos latinos. Esse latinismo pode ocorrer ao ganhando adeptos
adotar uma ortografia etimológica das palavras mais próxima do latim, em Portugal e com
o prestígio dos
exemplo: doctor, por doutor. Nesse viés, destacamos os humanistas
estudos latinos,
eruditos Damião de Góis (1502-1574) e André de Resende (1500- a língua recebeu
1573), “cujas obras são escritas, sobretudo, em latim, e esse processo vários empréstimos
atinge limites extremos e chega a desfigurar os termos mais usuais. latinos.
Damião de Góis, por exemplo, escreve epse por esse, por causa do
latim ipse” (TEYSSIER, 1997, p. 57).

“Não raro, há de acontecer que o étimo, com base no qual se regulariza


a grafia, seja falso” (TEYSSIER, 1997, p. 57). Nesse período, o latim exerceu
grande interferência no português, algumas até permaneceram, e outras ficaram
para trás.

Outras mudanças desse período de transição, iniciado no século


XV rumo ao português clássico, referem-se ao plano fonológico.
Vejamos algumas das mudanças mais importantes:

Síncope do -d- na segunda pessoa do plural: em D. Diniz e


Fernão Lopes, já era possível perceber que o‘d’da segunda pessoa
do plural estava se resolvendo da seguinte maneira: estades > estaes
> estais, vendedes > vendees > vendeis. Um dado importante é o
fato de que, nas peças do dramaturgo Gil Vicente (c. 1465-c. 1536), o
-d- intervocálico de segunda pessoa do plural aparecia como marca
de arcaísmo na fala de pessoas mais velhas, o que demonstra que,
para o público do período, essa característica era percebida como
um traço de arcaísmo.

45
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Eliminação dos hiatos: como vimos, uma grande quantidade de


hiatos foi criada com as quedas de l, n, d e g intervocálicos. Além
disso, a recente perda do d, na segunda pessoa do plural, aumentou
a quantidade de hiatos. Esse período de transição, que iniciou o
período clássico, resolveu o problema dos hiatos através de três
processos básicos: a monotongação, a ditongação e a epêntese.
Observe:

1. Monotongação:
• quando o hiato consistia em vogais idênticas, ocorria a crase:
dolore > door > dor;
• quando o hiato consistia em vogais diferentes, em alguns
casos, houve, inicialmente, a assimilação de uma das vogais, com
posterior crase: palumbu > pa-ombo > poombo > pombo.
2. Ditongação:
• uma das vogais do hiato passou, inicialmente, a uma
semivogal, com posterior ditongação: deus > /dɛos/ > /dɛws/ > /
dews/;
3. Epêntese: Há dois tipos de epêntese para resolver os hiatos:
a vocálica, criando ditongos, e a consonantal:
• a epêntese vocálica inicial permite a criação de ditongo
posteriormente: credo > cre-o > creio;
• as epênteses de consoantes preenchem o hiato com uma
consoante diferente da que havia sido sincopada anteriormente: vinu
> vĩ-o > vinho (epêntese de //), uma > ũ-a > uma (epêntese de /m/)
(GONÇALVES; BASSO, 2010).

4.3.3.1.1 Permanência da distinção


entre /b/ e /v/ no português comum
No galego- Uma curiosidade para nós que temos interesse no par de
português, /b/ e línguas espanhol e português é a distinção entre /b/ e /v/, que ocorre
/v/ eram fonemas nessas línguas. Você sabia que, dentro do galego-português, isso
distintos e essa também já ocorria?
característica
permanece no
português de hoje. No galego-português, /b/ e /v/ eram fonemas distintos e essa
característica permanece no português de hoje, por exemplo, não

46
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

confundimos as palavras “bala e vala” ou “cabo e cavo”. “O fonema /b/ é realizado


como uma bilabial e /v/ como uma labiodental. Tal é a pronúncia de Lisboa e de
todas as partes central e meridional do país. Em uma larga zona do Centro e do
Norte, há, hoje, porém, um fonema único, como em espanhol” (TEYSSIER, 1997,
p. 40).

Conforme afirma Teyssier (1997), esse traço de pronúncia, “a troca do b


pelo v”, pode ser um indicador da origem provincial do locutor. Existem pesquisas
dialetológicas modernas que permitem traçar os limites do fenômeno: “a zona
de distinção entre /b/ e /v/ termina, hoje, a oeste, um pouco ao sul de Coimbra,
mas sobe a leste até Trás-os-Montes, penetrando, como uma cunha, na zona de
confusão que abrange o português do norte, o galego e o espanhol” (TEYSSIER,
1997, p. 40).

Para complementar o entendimento desses fenômenos linguísticos e da


respectiva região geográfica, confira o mapa a seguir:

FIGURA 6 – MAPA DOS FENÔMENOS FONÉTICOS NO


TERRITÓRIO DO PORTUGUÊS EUROPEU

FONTE: Teyssier (1997, p. 41)

No século XVI, Duarte Nunes de Leão, em Orthographia (1576), ao mencionar


a confusão do b e do v, afirmou que ela aparece “nos galegos e em alguns
portugueses dentre Douro e Minho”. Desde então, os gramáticos e os ortógrafos

47
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

portugueses não deixam de apontar esse “erro”, pelo qual os portugueses


do Norte se vinculam aos galegos e, de um modo mais geral, aos espanhóis”
(TEYSSIER, 1997, p. 41).

A origem do fenômeno atinge a Espanha e Portugal, contudo, dadas as


complexidade e falta de registros, os historiadores das línguas não chegam a um
consenso. Segundo Teyssier (1997, p. 42),

para a maior parte deles, toda a Península teria conhecido,


primeiramente, a distinção entre um /b/, que era uma oclusiva
bilabial, e um /v/, que era uma fricativa labiodental (como, por
exemplo, no francês contemporâneo); depois, a confusão ter-
se-ia generalizado e atingido todas as regiões, com exceção,
precisamente, do G e do Sul de Portugal. Contudo, para
outros, a distinção primitiva não teria sido entre uma bilabial e
uma labiodental, mas entre duas bilabiais, das quais uma seria
a oclusiva /b/ e, a outra, a fricativa / /; a oposição fonológica
já existiria, mas ela repousaria sobre um traço extremamente
frágil; na maior parte da Península, esse traço acabaria por
desaparecer, donde a confusão, mas, no centro e no sul de
Portugal, a oposição se estabilizaria graças à passagem de
/b/ bilabial a /v/ Lábiodental27. Seja qual for a explicação do
fenômeno, o certo é que ele teve, por efeito, marginalizar, mais
uma vez, os falares do norte em relação aos do centro e do sul.

4.3.4 Do português moderno ao


português contemporâneo
Começaremos vendo algumas mudanças pelas quais passou a língua
portuguesa e, posteriormente, conversaremos a respeito do português no Brasil.

Entre o fim do Estabelecer períodos para a história da língua é uma tarefa


século XVIII e início
complexa, dessa forma, fala-se que, entre o fim do século XVIII e
do século XIX,
ocorreu a transição início do século XIX, ocorreu a transição entre o português clássico
entre o português para o português moderno. Para um marco mais preciso, utilizamos
clássico para o a publicação Os Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões, como
português moderno. referência para essa passagem.

Teysser (1997) afirma que foi, na morfologia e na sintaxe, que a língua mais
evoluiu, principalmente, na fala. Por exemplo:

A segunda pessoa do plural, como dissemos, cai em


desuso; o emprego da mesóclise no futuro e condicional
fica reservada a certos registros da língua escrita; o
próprio futuro, bem presente no sentido modal (será
ele?), é cada vez menos empregado no sentido temporal;

48
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

o condicional conhece restrições de empregos análogos;


o mais-que-perfeito simples (cantara, tivera) se confina
na língua escrita, e somente com o sentido temporal.
Em compensação, o perfeito, o imperfeito e o futuro do
subjuntivo permanecem tão atuais quanto no português
clássico, e as regras da concordância dos tempos são
respeitadas, mesmo na conversa familiar (TEYSSER,
1997, p. 60).

O léxico da língua portuguesa importou muitos vocábulos de O léxico da língua


outras línguas, latinas ou não, através da literatura ou do contato com portuguesa importou
as culturas. Podemos dizer, também, que o vocabulário do português muitos vocábulos
de outras línguas,
cresceu muito, principalmente, com termos referentes a conceitos e a
latinas ou não,
objetos das civilizações científica e técnica. Algumas vezes, buscou- através da literatura
se, no léxico próprio da língua, para se denotar o objeto novo, outras ou do contato com
vezes, recorreu-se às raízes greco-latinas (ex.: automóvel, autocarro, as culturas.
televisão). Com isso, a língua segue o movimento iniciado desde as
origens, de criar termos eruditos. Desse processo, há várias formas
Algumas vezes,
resultadas da derivação de uma raiz, com sentidos próximos ou não buscou-se, no léxico
(ex.: artigo (forma semierudita), artículo (forma erudita)). Teysser próprio da língua,
(1997) acredita, inclusive, que as formas eruditas, muitas vezes, para se denotar o
substituíram as formas de origem popular usadas, fazendo com que o objeto novo, outras
português latinizasse mais nesse período do que fazia anteriormente. vezes, recorreu-se
às raízes greco-
Assim, para ilustrar, termo “fremoso foi substituído por formoso;
latinas.
esprito ou esp(e)rito por espírito; os ordinais, do tipo onzeno, dozeno,
trezeno, cederam lugar a décimo primeiro ou undécimo etc.; os
superlativos em -íssimo penetraram na língua falada etc.” (TEYSSER, 1997, p.
61).

Os empréstimos das línguas europeias também enriqueceram o Os empréstimos


nosso léxico. Por exemplo, de origem francesa, temos: chefe, boné, das línguas
blusa, blindar, camuflagem, vitrina, chique; de origem italiana, arpejo, europeias também
enriqueceram o
piano, sonata etc. Do inglês, a influência cresceu, particularmente,
nosso léxico. Por
depois da última guerra (TEYSSER, 1997). Alguns empréstimos, exemplo,
resultado do contato com outras culturas, tiveram a pronúncia e a
grafia aportuguesadas, e, posteriormente, dicionarizadas.

49
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Se você deseja saber mais a respeito da história da língua


portuguesa, sugerimos a leitura de MATTOSO-CÂMARA JR., J.
História e estrutura da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro:
Padrão, 1976.

Outras mudanças que podemos citar se referem à estrutura fonético-


fonológica do português:

1. o ditongo /ow/ sofreu monotongação para /o/, além de se


alternar, às vezes, com /oj/, como em touro – toro, louro – loiro;
essas mudanças também ocorreram por volta do século XVII;
2. ainda, no século XVII, a africada [tʃ] se simplificou em [ʃ]; tal
modificação se aplica a casos, como macho, chave;
3. passando ao século XVIII, encontramos a pronúncia
“chiante”, de /s/ e /z/, em finais de sílaba e de palavras, como
em dois [‘doiʃ], mesmo [‘meʒmu], paz [‘paʃ] (GONÇALVES;
BASSO, 2010, p. 109).

Dessas mudanças, as duas primeiras ocorreram, também, no português do


Brasil, de maneira generalizada. Já a realização “chiante”, de /s/ e /z/, em finais de
sílaba e de palavra, ocorreu em algumas regiões, de maneira generalizada no Rio
de Janeiro e em Belém, e, em diferentes graus, em algumas cidades litorâneas.
Encontramos, de maneira não generalizada, na região Nordeste (GONÇALVES;
BASSO, 2010).

4.3.4.1 O bilinguismo luso-espanhol


Por mais de dois séculos, o espanhol foi usado como segunda língua para
os portugueses cultos. Dentre os fatos históricos responsáveis, ocorreram os
casamentos de soberanos portugueses com princesas espanholas. Assim, esse
bilinguismo luso-espanhol da Corte partiu da metade do século XV ao fim do
século XVII.

Com o espanhol
sendo a segunda Com o espanhol sendo a segunda língua da cultura em Portugal,
língua da cultura em existiram muitos escritores que escreveram em espanhol, como Gil
Portugal, existiram Vicente, de Sá de Miranda, Luís de Camões e Francisco Manuel de
muitos escritores Meio. Esse bilinguismo não era visto como traição à língua, salvo
que escreveram em por um pequeno número de escritores humanistas, como António
espanhol.
Ferreira (1528-1569), que se recusavam a escrever em espanhol, a
favor de um patriotismo linguístico (TEYSSIER, 1997).

50
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Teyssier (1997, p. 33) chama a atenção para o fato de que o


espanhol dos escritores portugueses poderia ser bem peculiar,
inclusive, no vocabulário: “Sem saber como exprimir, em espanhol,
o sentimento que o português designa com o termo saudade, os
nossos escritores bilíngues forjam a nova palavra saludad”.

Soma-se a isso que, em 1572, durante a batalha de Alcácer-Quebir, Portugal


ficou sem o rei, Dom Sebastião, e sem deixar herdeiros. Foram oito anos de
discussão pela sucessão até o rei Felipe II, da Espanha, reivindicar a sucessão
real portuguesa. Assim, Portugal se tornou província espanhola de 1580 a 1640.
Esse panorama só chega ao fim com a restauração e a subida, ao trono, de D.
João IV. Então, a castelhanização recuou diante de certa reação antiespanhola.
Apesar da dificuldade de mensurarmos os efeitos, com certeza, surgiram
influências na língua (TEYSSIER, 1997; GONÇALVES; BASSO, 2010).

Esses sessenta anos que Portugal ficou sob dominação espanhola também
influenciaram diretamente na língua portuguesa, e de diversas maneiras. Por
exemplo, do ponto de vista estrutural,

podemos citar o uso da preposição a antes de objeto direto


(como em amar a Deus, ao invés de amar Deus), além da
assimilação de palavras espanholas em detrimento a palavras
portuguesas já existentes (por exemplo, a substituição do
português castelão pelo espanhol castelhano) (GONÇALVES;
BASSO, 2010, p. 108).

1 - Após a leitura desse primeiro capítulo e das demais pesquisas


que queira realizar para complementar o seu entendimento do
assunto, escreva um pequeno texto, refletindo a respeito da
origem das nossas línguas. Será que ocorreu de forma natural,
por derivação popular ou as intervenções artificiais, como
imposições políticas e comerciais, tiveram papel importante?

51
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

4.3.5 O português do Brasil - Unidade e


diversidade
Até agora, estávamos conversando a respeito do português europeu, da
origem e do desenvolvimento, agora, analisaremos como se deu o translado desse
português para terras brasileiras, em paralelo com a nossa história e a evolução
da língua, além de contrastá-lo como o português europeu, quando pertinente.

Ainda que diferentes pesquisadores possam apresentar periodizações


distintas, sem um consenso, por se munirem de diferentes estratégias,
apresentaremos a de Noll, para termos um panorama geral, facilitando a
visualização num todo desse processo, porém, cada diferente periodização tem
mérito e seguiremos a nossa conversa de forma menos rígida.

Vejamos a proposta de periodização de Noll (2008, p. 269-275):

a) 1500 a 1550: fase inicial, traslado da língua portuguesa para


o Brasil;
b) 1550 a 1700: fase formativa, surgimento e fixação de
algumas das características marcantes do português do Brasil;
c) 1700 a 1800: fase diferenciadora, nesta fase, acentuam-
se as diferenças entre o português falado dos dois lados do
Atlântico e começa o reconhecimento do português brasileiro;
d) 1800 a 1950: fase de desenvolvimento da escrita e do
ensino, nesta fase, há a implantação de políticas de ensino no
Brasil e da publicação de documentos diretamente em território
nacional;
e) de 1950 até o presente: fase de nivelamento, através dos
meios de comunicação, como rádio e televisão, e do avanço
da urbanização, ocorre certa homogeneização do português
no território brasileiro.

4.3.5.1 Panorama linguístico geral


A história do Brasil começou a ser contada em 1500, após a chegada
de Pedro Álvarez Cabral e da sua frota. A ocupação efetiva da colonização
portuguesa começou em 1532, e, em 1534, ocorreu a primeira medida real de
colonização, com a doação das 12 capitanias (que eram mais do que 12), por
Dom João III, para altos funcionários da Corte e comandantes militares. Assim, a
língua portuguesa passou a ser transportada para o Brasil.

Para termos uma noção da língua que foi trazida para o Brasil, podemos
tomar, como exemplo, a carta de Pero Vaz de Caminha, que, para alguns
estudiosos, é considerado o texto fundador da literatura brasileira. Desse modo,

52
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

o português que chegou ao Brasil ainda era o clássico, mas já em


O português que
transição para o moderno. A partir de então, a língua, que se propaga chegou ao Brasil
aqui, apresentará diferenças fonológicas, fonéticas e sintáticas ainda era o clássico,
em relação ao português de Portugal. Contudo, é no léxico que mas já em transição
percebemos, mais nitidamente, as mudanças. para o moderno.

Quando os portugueses vieram para o Brasil, o país já era A difusão do


povoado por índios, e se falava o tupi. As estimativas variam, mas se português foi mais
supõe que existiram cerca 1000 línguas indígenas diferentes faladas lenta e sofreu
pelos dois a seis milhões de habitantes nativos que tinham no Brasil influência de
(RODRIGUES, 1993). Ademais, ocorreu a importação de escravos palavras dessas
três bases:
vindos da África, que trouxeram língua, cultura e costumes. Por isso,
indígena, africana,
a difusão do português foi mais lenta e sofreu influência de palavras mas, sobretudo,
dessas três bases: indígena, africana, mas, sobretudo, portuguesa. portuguesa.

Diante desse grande número de línguas diferentes, os portugueses usaram,


como estratégia, as “línguas gerais”, línguas que serviriam como língua franca,
usada no comércio, por exemplo. Tivemos duas línguas gerais,

[...] para o Sul, conhecida como língua geral paulista, e uma


para o Norte, conhecida como nheengatu. A língua geral
paulista tinha, como base, a língua dos índios tupinambás, e
foi usada pelos bandeirantes a partir do século XVII, sendo
rapidamente levada para diferentes partes do país. Ela está
totalmente extinta e, dela, não temos praticamente nenhum
vestígio. A extinção foi resultado, dentre outras coisas, das
medidas adotadas pelo governo português, na figura do
Marquês de Pombal, de ensinar apenas o português, além
de punir quem falasse outras línguas (ver Capítulo IX). O
nheengatu foi a língua usada pelos jesuítas para a catequese
e, também, pelos portugueses, na conquista e nas relações
com os habitantes do Norte do Brasil. Diferentemente da língua
geral paulista, o nheengatu continua vivo até hoje e é uma
das línguas oficiais da cidade de São Gabriel da Cachoeira,
no estado do Amazonas. Tem, por base, também, línguas do
tronco tupi (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 129).

Contudo, posteriormente, o Império Português impediu o uso da língua geral


nas escolas e, em 1757, por iniciativa do Marquês de Pombal, foi proibido o uso
da língua geral na colônia. Assim, todos, inclusive, os índios, tiveram que usar a
língua portuguesa.
Com a
Com a independência do Brasil, em 1822, surgiu uma vontade independência do
de distinção em relação à antiga metrópole. Passou-se a valorizar Brasil, em 1822,
surgiu uma vontade
a cultura da França, e, a partir de 1818/1820, a acolher, também,
de distinção em
diferentes imigrantes europeus, principalmente, entre a passagem do relação à antiga
século XIX para o XX, o processo de imigração se sobressaiu com a metrópole.

53
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

vinda de, por exemplo, falantes de alemão, italiano, japonês, coreano, holandês
e inglês. Desse modo, o espaço de enunciação do Brasil passou a ter, “em torno
das línguas oficial e nacional, duas relações significativamente distintas: de
um lado, as línguas indígenas (e, num certo sentido, as línguas africanas dos
descendentes de escravos), e, de outro, as línguas de imigração” (GUIMARÃES,
2005, p. 25).

1 - Estudar a história das línguas nos ajuda a compreender melhor


a nossa própria língua na contemporaneidade. Nesse sentido,
reflita como essa compreensão histórica contribui para pensarmos
em algumas questões, como acordos ortográficos, gramáticas
puristas e apegos à norma culta. Escreva um pequeno texto a
respeito.

4.3.5.2 Algumas diferenças entre o


português do Brasil e o europeu
Como já comentamos, no vocabulário, o português do Brasil, em parte,
acaba se distanciando do de Portugal. Temos palavras que se distanciam na
forma escrita, como diretor, ação, ótimo no Brasil — director, acção, óptimo em
Portugal. Ainda, outras palavras que são brasileirismos particulares do Brasil e em
vários campos semânticos (TEYSSIER, 1997).

É o caso, por exemplo, das designações de objetos e de


noções peculiares ao mundo moderno nos aspectos científicos,
técnicos ou sociais: o comboio em Portugal é o trem no Brasil,
o autocarro em Lisboa é o ônibus no Rio de Janeiro; bonde
(Brasil) corresponde a eléctrico (Portugal); aeromoça (Brasil) à
hospedera (Portugal); caneta-tinteiro (Brasil) à caneta de tinta
permanente (Portugal); espátula (Brasil) à faca de cortar papel
ou corta-papel (Portugal); terno (Brasil) ao fato (Portugal); e
metrô do Rio ao metro de Lisboa (TEYSSIER, 1997, p. 70-71).

Há vários exemplos de vocabulário de origem tupi: capim, cupim, mingau,


guri, caatinga, curumim ou culumim, cunhã e moqueca. Alguns específicos da
nossa flora, como abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, mandioca, taquara,
imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jaboticaba. Outros exemplos
específicos podem ser encontrados no campo da fauna do país, como capivara,
quati, tatu, sagui, caninana, sucuri, piranha, urubu e sabiá (TEYSSIER, 1997).

54
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

Acerca do vocabulário de origem africana, Teyssier (1997) aponta certa


dificuldade em definir quais palavras passaram direto da África a Portugal, vindo
como os portugueses, ou vieram diretamente com os africanos para o Brasil.
Nas nossas terras, duas línguas tiveram importante papel: o ioruba (falado,
atualmente, na Nigéria) e o quimbundo (falado em Angola). Esse primeiro está na
base de um vocabulário próprio da Bahia, relativo às cerimônias do candomblé
ou à cozinha afro-brasileira (ex.: vatapá, abará, acará, acarajé). Já o quimbundo
trouxe um vocabulário mais geral, como caçula, cafuné, molambo e moleque
(TEYSSIER, 1997).

Para saber a respeito do português na África e na Ásia, leia o


Capítulo 5 do livro TEYSSIER, P. História da língua portuguesa.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Podemos apresentar algumas outras diferenças gerais do português


brasileiro em relação ao português de Portugal, vejamos:

1. a entoação brasileira, diferente da portuguesa;


2. a nasalização heterossilábica que há apenas no Brasil [‘
kɐ.ma];
3. a passagem de [ʎ] para [j], como no caso de milho ([‘ mi.ʎu]
para [‘ miju]);
4. a africação de /t/ e /d/ diante de /i/;
5. a assimilação [nd] > [n], como em falando e falano;
6. a queda de /r/ final;
7. a queda de /l/ e /s/ finais;
8. a neutralização de /r/ e /l/, como na pronúncia caipira de sol
(“sor”), animal (“animar”);
9. a quebra de encontros consonantais, como advogado por
“adivogado”; técnico por “téquinico” (grafia, aliás, que não é
incomum encontrar);
10. a aférese, como em “tá” por está, “cê” por você;
11. o uso dos pronomes ele e ela como objeto direto, como
“você viu ele?”;
12. a repetição da negação, como em “não quero não” (NOLL,
2008, p. 213-218).

A respeito dos itens de 1 a 5, atribui-se às influências indígena e africana. O


item 6 se refere a uma influência indígena. Já os itens de 7 a 12 apresentam uma
influência africana (Gonçalves; BASSO, 2010).

55
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

1 - Ademais das línguas indígenas já existentes em solo brasileiro,


das línguas africanas vindas com os escravos e das línguas
dos demais imigrantes europeus, a própria língua portuguesa,
que foi trazida para o Brasil, veio de diferentes localidades de
Portugal. De que forma essas variedades portuguesas podem
ter contribuído para a constituição do português brasileiro e as
características específicas? Escreva um pequeno texto refletindo
a respeito.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao fim do primeiro capítulo! Neste primeiro momento, você
conheceu e analisou um pouco da história da língua portuguesa e da língua
espanhola e refletiu como os fatores linguísticos e extralinguísticos influenciaram
no desenvolvimento de ambas. Assim, podemos comprovar que as semelhanças
entre esse par de línguas não é mera coincidência, tendo origem histórica. Ao
reproduzirem características do latim, o espanhol e o português mantêm certa
proximidade entre si. Inclusive, a relação eles, por questões geográficas, políticas,
e por terem a mesma língua-mãe, também fez com que um influenciasse o outro.

O nosso objetivo não foi de esgotar o assunto, mas apenas introduzir, a você,
a história das línguas românicas. Com isso, quem sabe, despertar o seu interesse
em se aprofundar mais. Um bom ponto de partida são as dicas de leituras aqui
apresentadas.

Para fins desta disciplina, a partir desse percurso historiográfico, nosso


intuito é que você perceba que as línguas se transformam ao longo dos anos,
conforme situações políticas e sociais. As línguas estão sempre mudando. Estar
ciente disso contribui não só para compreendermos a relação entre as nossas
línguas-alvo, mas para o nosso próprio entendimento do conceito de língua.
Como conversamos, inicialmente, a nossa concepção de língua deve influenciar
em como lidamos/trabalhamos pedagogicamente com ela.

Temos a certeza de que o percurso até aqui foi produtivo e esperamos


que você tenha gostado. Vemo-nos no próximo capítulo, no qual abordaremos,
especificamente, algumas semelhanças entre as línguas espanhola e a
portuguesa atuais. Até lá!

56
Capítulo 1 ESPANHOL E PORTUGUÊS: LÍNGUAS IRMÃS

REFERÊNCIAS
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www.uel.br/cc/dap/wp-content/uploads/2017/05/Hist%C3%B3ria-Universal-da-
Destrui%C3%A7%C3%A3o-dos-Livros-Fernando-Baez.pdf. Acesso em: 6 jan.
2021.

BASSETTO, B. F. Elementos de filologia românica: história externa das


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On-line. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/16/14.htm. Acesso em: 11
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Janeiro: CIFEFIL, 2000.

CÂMARA JR., J. M. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes,


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CÂMARA JR., J. M. Introdução às línguas indígenas brasileiras. Rio de


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CÂMARA JR., J. M. História da linguística. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1975.

CRAVENS, T. Substratum. The encyclopedia of language and linguistics.


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FONSECA, L. S. S. A agência na formação de uma professora de língua


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Universidade Católica de São Paulo, 2015.

GONÇALVES, R. T.; BASSO, R. M. História da língua. Florianópolis: LLV/CCE/


UFSC, 2010.

57
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

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JESUS, M. do C. Genealogia das línguas românicas. 2020. Disponível em:


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LAGARES, X. C. Continuidades e rupturas linguísticas na Península Ibérica.


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MASTRELLA-DE-ANDRADE, M. R. Crenças sobre si, crenças sobre erros:


identidades em jogo na sala de aula de LE. In: CONCEIÇÃO, M. P. Experiências
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MENDES, E. Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN): uma proposta


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RODRIGUES, A. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas.


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WYMAN, P. Como o latim se transformou nas línguas românicas. 2017.

58
C APÍTULO 2
DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Entender as características do sistema linguístico da língua espanhola em


contraste com a língua portuguesa.
• Conhecer algumas diferenças na escrita da língua espanhola em contraste com
a língua portuguesa.
• Identificar semelhanças e diferenças gramaticais na língua espanhola.
• Reconhecer as dificuldades de brasileiros ao aprenderem espanhol.
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

60
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo ao segundo capítulo do livro da nossa
disciplina! Ao longo da nossa conversa até aqui, vimos que a língua espanhola
e a língua portuguesa são derivadas do latim vulgar e, por isso, justifica-se a
proximidade entre essas duas línguas. Contudo, se são várias as semelhanças,
também existes muitas diferenças.

No intuito de aprofundarmos os nossos conhecimentos a respeito dos


aspectos linguísticos, faremos uma análise contrastiva das duas línguas, a fim de
chamar a atenção para algumas semelhanças e para algumas disparidades mais
notáveis. Acreditamos que, como professores de língua espanhola, podemos nos
beneficiar desse método, pois, ao contrastarmos as línguas, podemos compará-
las mais facilmente e apontar possíveis dificuldades para os nossos alunos.

Neste capítulo, veremos algumas noções básicas, envolvendo a gramática


do nosso par de línguas-alvo. Para quem tem uma trajetória maior na área de
Letras, muitos pontos, aqui, serão apenas revisão, contudo, achamos importante
partir de algumas noções básicas. Assim, a partir de uma abordagem contrastiva,
conversaremos acerca do funcionamento do espanhol e do português, com base
nas divisões clássicas da gramática. Tentaremos abordar os temas gramaticais
de forma mais simples e acessível, mas, também, eficaz, para que você, como
professor de língua espanhola, tenha uma base após ler este capítulo, sem que
seja uma leitura cansativa e pesada. Que tal? Vamos explorar? Boa leitura!

2 ALGUMAS QUESTÕES INICIAIS -


ORTOGRAFIA
O melhor modo de começar é pelo começo, não é verdade?! Por isso,
recapitularemos alguns pontos fundamentais, iniciando com o alfabeto espanhol.

Assim como o nosso alfabeto, na língua portuguesa, o alfabeto espanhol


é derivado do latino. Contudo, o nosso possui apenas 26 letras, enquanto o
espanhol tem 27, com a diferença da letra símbolo do espanhol “ñ”. Confira o
exposto a seguir, com o alfabeto espanhol e o nome da letra.

61
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

QUADRO 1 – ALFABETO
Letra Nome da letra em esp. Nome da letra em port.
A a á
b be (be grande) bê
c ce cê
d de dê
e e ê/é
F efe éfe
G ge gê/guê
H hache agá
I i i
J jota jóta
K ca cá
l ele éle
M eme ême
N ene êne
Ñ eñe -
O o ô/ó
P pe pê
Q ku quê
R ere érre
S ese ésse
T te tê
U u u
V uve (ve corta/chica) vê
W Uvedoble – doble u (uve) dáblio
X equis xis
Y ygriega ípsilon
Z zeta zê

FONTE: A autora

Ainda que “ch” e “ll” continuam sendo usados, são considerados dígrafos, e
não mais letras do alfabeto espanhol desde a reforma ortográfica, realizada pela
RAE, em 2010.

As letras K, W, Y foram reincorporadas ao alfabeto português com o Acordo


Ortográfico, que entrou, efetivamente, em vigor, em 2009 (SACCONI, 2011).

62
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

1 - No Brasil, há o jogo Stop, que consiste em escrever uma palavra


que comece com a letra sorteada para diferentes categorias.
Sabia que esse jogo é popular na língua espanhola também? Em
espanhol, além de stop, pode levar outros nomes, como tutti frutti,
basta. Para descontrair, propomos uma adaptação do jogo: que
tal escrever uma palavra em espanhol com cada letra do alfabeto
espanhol? Vamos lá!

É importante observar que os nomes das letras do alfabeto em


português são sempre do gênero masculino e, em espanhol, são
femininas. Em espanhol: la a, la be, la ce etc., ao passo que, em
português, o a, o bê, o cê etc. (BAGNO; CARVALHO, 2015).

Outra particularidade do espanhol está nas fricativas, pois, em espanhol,


existe apenas uma sibilante, [s], e, em português, há quatro, [s], [z], [ʃ] e [β].
Por outro lado, em português, não costumamos usar as duas fricativas [θ] e [x],
presentes no espanhol (BRITO et al., 2010).

Não iremos nos aprofundar muito em questões fonéticas e de


fonologia aqui, pois você tem uma disciplina dedicada a esse tema.
Desse modo, apenas para aclarar, recapitularemos alguns fonemas
da língua portuguesa. Confira!

[p] consoante oclusiva, bilabial, surda, oral – Ex.: pato.


[b] consoante oclusiva, bilabial, sonora, oral – Ex.: barco.
[t] consoante oclusiva, linguodental, surda, oral – Ex.: talão.
[d] consoante oclusiva, linguodental, sonora, oral – Ex.: dado.

63
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

[k] consoante oclusiva, velar, surda, oral – Ex.: casa.


[g] consoante oclusiva, velar, sonora, oral – Ex.: gato.
[f] consoante fricativa, labiodental, surda, oral – Ex.: faca.
[v] consoante fricativa, labiodental, sonora, oral – Ex.: vaca.
[s] consoante fricativa, linguodental, surda, oral – Ex.: sapo.
[z] consoante fricativa, linguodental, sonora, oral – Ex.: zaca.
[ʃ] consoante fricativa, palatal, surda, oral – Ex.: chato.
[ʒ] consoante fricativa, palatal, sonora, oral – Ex.: jarro.
[l] consoante lateral, alveolar, sonora, oral – Ex.: lado.
[ʎ] consoante lateral, palatal, sonora, oral – Ex.: alho.
[ɾ] consoante vibrante simples, alveolar, sonora, oral – Ex.: caro.
[R] consoante vibrante múltipla, uvular, sonora, oral – Ex.: carro.
[m] consoante oclusiva, bilabial, sonora, nasal – Ex.: mato.
[n] consoante oclusiva, alveolar, sonora, nasal – Ex.: nato.
[ɲ] consoante oclusiva, palatal, sonora, nasal – Ex.: unha.
[ɛ] vogal anterior ou palatal, semiaberta, oral – Ex.: médico.
[e] vogal anterior ou palatal, semifechada, oral – Ex.: camelo.

Assim como no português, as letras W e K são usadas, costumeiramente,


apenas em certas palavras de origem estrangeira. Lembramos, também, que as
letras B e V, em espanhol, não se distinguem na pronúncia, mas, na Espanha,
esse fenômeno é maior do que em países latino-americanos, nos quais o V fica
com um som mais intermediário.

O dígrafo ll (doble ele), na Espanha, possui som próximo ao do nosso LH,


[ʎ], enquanto que, em outros países, como na Argentina, pode soar como CH + j.
Frisamos que a letra L tem som semelhante ao do português, porém, não ocorre
o fenômeno tão comum, em português, de pronunciar, como U, nas ocorrências
ao fim de palavras (não há vocalização). Já o CH representa [tʃ], como, no Brasil,
falamos tio, tigela, com som t africado. Exemplo: ancho [′antʃo] (esp.).

Para aumentar a sua compreensão do assunto, convidamos


você a pronunciar os exemplos que trazemos para perceber os
movimentos bucais e as diferenças. Aproveitamos para dar outra
dica: para ouvir e diferenciar os sons que vamos apresentando aqui,
coloque essas palavras no Google Tradutor, para ouvi-las. Assim,
ficará mais fácil perceber as diferenças.

64
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Dígrafo se refere a um grupo de letras que simboliza um som


apenas, ou seja, um só fonema (CUNHA, 2013).

O G, antes de e e i, representa [x], próximo à pronúncia, do carioca, de


r, em cartar, por exemplo, em gente e girassol. Contudo, antes de a, o ou u e
consoante, a letra g representa [g], como em português, com valor fricativo ['ɤ],
principalmente, entre vogais, como em gallo, gordo, luego. O J representa [x]
quando, antes de e e i, equivale ao g espanhol, por exemplo jamás, cajá, hijo
(BRITO et al., 2010).

As letras m e n são sempre articuladas como consoantes, como


Agora, o ñ pode ser
em campo, canto, e, mesmo no fim de palavras, são pronunciadas considerada a letra
como se escrevem, pan, fin, estación. Não sofrem nasalidade de uma emblemática do
vogal, como ocorre em português. Agora, o ñ pode ser considerada a espanhol.
letra emblemática do espanhol, que equivale ao nosso nh, [ ɲ ], como
em niño, año (BRITO et al., 2010).

A letra ñ surgiu da necessidade de economizar esforços nas


impressões gráficas, então, nas palavras que possuíam “nn”,
escrevia-se n com outra n em cima, depois, transformou-se em
uma linha sobre a letra, semelhante à nossa grafia do ã. Confira o
vídeo a respeito da ñ com Lola Pons, investigadora, professora da
Universidad de Sevilla e autora do livro Una Lengua Muy Larga:
https://www.rtve.es/alacarta/videos/la-aventura-del-saber/aventuralp
ons/3940201/?fbclid=IwAR2wvmzPXyePRqaP_8rXPyp91LaRqHIPw
ZVvmapqkXBvMrigkHAd-j7MIn8

A letra r é sempre alveolar, e simples, como em caro, como múltiplo em tierra.


No início da palavra, é nítido como provoca uma vibração na boca. Sugerimos
que você pronuncie e tente perceber esses movimentos bucais. Destacamos que
o r nunca é uvular, como podemos fazer em rua ou carro em algumas pronúncias,
como a do Rio de Janeiro, que sai como um raspão na garganta.

65
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

O s também sempre é alveolar, mas ligeiramente palatalizado em posição


inicial como final de sílaba, por exemplo: listo, más. Diferente do português, em
espanhol, não existe distinção entre s surdo e s sonoro, sendo o s, entre vogais,
sempre surdo, como em mesa, masa. Em regiões, como sul da Espanha e da
América, a letra z [θ′] possui, sim, igual a [s]. Podemos dizer que também equivale
a ç ou s em português, em palavras como azúcar, mozo. Quando seguido pela
vogal o aberta, pronunciamos com a língua encostando nos dentes superiores,
como corazón, razón. Importante lembrar que antes de e e i não escrevemos
z, então, uma palavra, como luzes (port.), fica luces (esp.), reze (port.) fica rece
(esp.) (BRITO et al., 2010).

A letra y, em espanhol, possui valores de consoante, de semivogal e de


vogal. Funciona como consoante, [j], em alguns casos, como ya, yegua, mayor.
O som de j é encontrado em diferentes países latino-americanos, em palavras,
como yo, ayer. É semivogal em ditongos decrescentes, como ley, hoy. Ainda, atua
como vogal, pronunciada como [i], no caso da palavra y (e em português) (BRITO
et al., 2010).

Yeísmo
1. m. Fon. Desaparición de la diferencia fonológica entre
la consonante lateral palatal y la fricativapalatal sonora, de manera
que, en la pronunciación, no se distinguen palabras como callado
y cayado (RAE, 2017, s.p.).

Letras, como o D, diferente do que acontece em português, não apresentam


o som “dji”, podendo ser considerado um som puro. Pode ser oclusivo [d] em
posição inicial absoluta e depois de l e n. Ainda, ter um valor fricativo [ð] nos
demais casos, principalmente, entre vogais, como em nada, izquierda. Tampouco,
a letra t possui o som “tchi”, que fazemos em português, sendo sempre de forma
seca.

66
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Como em espanhol, não existe a distinção entre vogal aberta


e vogal fechada, usa-se apenas o acento agudo (la tilde). O acento
indica a sílaba tônica, mas sem modificar a pronúncia, ou é usado
em casos de acentuação diacrítica.

As vogais, em espanhol, são apenas cinco (fonemas), forma As vogais, em


espanhol, são
distinta do português, pois fazemos a distinção fonológica entre som
apenas cinco
aberto e fechado em e e o, por exemplo, como pode e pôde. (fonemas),
forma distinta do
Em contrapartida, as vogais espanholas são português, pois
pronunciadas com a mesma clareza tanto
fazemos a distinção
em sílaba tônica como em sílaba átona, e as
vogais átonas são sofrem “redução”, como
fonológica entre som
frequentemente acontece em português, aberto e fechado em
sobretudo, na variante europeia. Assim, pela e e o.
oposição entre o e u átonos, distinguem-se
romano e rumano (romeno), contraste que não seria possível
estabelecer no português europeu (BRITO et al., 2010, p. 38).

Ainda, diferente do que acontece em português, com vogais seguidas de


n, com um som nasalizado, em espanhol, mantém-se o som aberto nas vogais
mesmo seguidas de m, n ou ñ, como em campo, cama.

Em espanhol, a pontuação também se diferencia da que usamos


em português. Existem os pontos de interrogação e de exclamação
invertidos no começa da oração. Por exemplo: ¡Qué maravilla!, ¿Qué
hora es?

Dada essa introdução, estamos aptos para prosseguir e nos aprofundar.


Animados? Vamos lá!

67
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

3 ARTIGOS
No grego clássico, existiam artigos masculinos, femininos e neutros, mas o
latim levou ao extremo os sistemas de casos e de flexão nominal, que apagaram
os artigos. Então, nas línguas românicas, diante da confusão genérica que
acontecia com alguns nomes terminados em consoantes e em -e, introduziram-
se os artigos, nos casos do espanhol e do português, inspirados no pronome
demonstrativo latino ille-a-ud. A diferença é que o espanhol fez isso a partir do
nominativo ille-a-ud, conservando masculino, feminino e neutro, e o português
foi a partir do acusativo illum-am-ud, conservando apenas masculino e feminino
(MASIP, 2000).

Na língua portuguesa e no espanhol, também encontramos duas formas de


artigos: definido e indefinido. Recorde:

QUADRO 2 – ARTIGOS FORMAS SIMPLES

Definidos Indefinidos
ESP. PORT. ESP. PORT.
Masculino Singular El O Masculino Singular Un um
Masculino Plural Los Os Masculino Plural Unos uns
Feminino Singular La a Feminino Singular Una uma
Feminino Plural Las as Feminino Plural Unas umas
FONTE: Adaptado de Cunha (2013)

Contudo, esses artigos podem apresentar algumas particularidades de uso.


Vejamos alguns exemplos. No caso da introdução de algum título, o português e
o espanhol usam o artigo definido. Na indicação de hora, dias da semana e datas,
é obrigatório o uso do artigo definido, assim como se for indicar um horário sem
mencionar a palavra horas, como em “son las cuatro en punto”. Diante de nomes
de pessoa, país e região, não usamos o artigo definido em espanhol, a não
ser que esteja determinado por algum adjetivo ou complemento. Por exemplo:
España es un Estado muy bonito. Não há uma sistematicidade rígida, dentro das
línguas, quanto a isso.

Em situações com formas de tratamento, também utilizamos os artigos


definidos, salvo no caso de Don. Exemplo: la señora Martins no viene, don Juan
está enfermo. Para indicar a idade, português e espanhol também usam o artigo,
como em aos trinta anos, a los treinta años.

68
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Os artigos definidos
Os artigos definidos precedem o possessivo em português, mas, precedem o
em espanhol, isso é impossível. Exemplo: os meus livros (port.), mis possessivo em
libros (esp.) ou los míos, porém, estaria equivocado los mís libros português, mas, em
(esp.). espanhol, isso é
impossível.

O artigo La é substituído por el diante de um substantivo feminino


singular começado por a ou há tônica, para evitar a cacofonia (som
desagradável). Exemplos: el agua, el alma, el águila. Se o nome
feminino, começado por a, não for acentuado ou estiver no plural,
mantém-se a forma original. Exemplos: Las aguas, las almas, las
águilas.

Em português, há as formas contraídas com as preposições em, de, a e


por (por exemplo, nas formas masculinas: no, do ao e pelo) e, com a preposição
a, a forma feminina recebe a crase: à. Em espanhol, também ocorrem formas
contraídas com a e de: a + el >al; de + el > del. Exemplos: al libro, del libro (BRITO
et al., 2010).

A língua portuguesa e a língua espanhola usam o artigo indefinido plural para


exprimir uma quantidade plural não determinada de uma entidade. Por exemplo:
tenho uns livros para as férias (port.), tengo unos libros para las vacaciones (esp.).
Ou não empregam nenhum artigo, por exemplo: tenho livros para as férias (port.),
tengo libros para las vacaciones (esp.). Ainda, pode-se utilizar o quantificado
“alguns”, por exemplo, tenho alguns livros para as férias (port.), tengo algunos
libros para las vacaciones (esp.) (BRITO et al., 2010).

O artigo indefinido também serve para exprimir um valor aproximado, por


exemplo, Pedro tem uns 50 anos (port.), Pedro tiene unos 50 años (esp.) (BRITO
et al., 2010). “A afinidade entre os artigos indefinidos um (port.) e un (esp.) [...] se
explica pelo fato de serem derivados do numeral latino unus” (BRITO et al., 2010,
p. 109).
Em espanhol,
encontramos o
Além dos artigos definidos e indefinidos, em espanhol,
artigo neutro lo,
encontramos o artigo neutro lo, que não existe em português. Ele é que não existe em
usado para substantivar adjetivos e advérbios, por exemplo, lo mejor português.
de todo fue... lo bonito en… É uma das grandes dificuldades em

69
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

relação aos artigos espanhóis para os estudantes brasileiros. Inclusive, no início


dos estudos, é comum o estudante trocar o artigo masculino singular pelo neutro,
como em *lo niño, em vez de el niño (MASIP, 2000). No início dos seus estudos
da língua espanhola, você também fazia essa troca?

Artigo definido ou pronome? Uma origem comum

Em português e em espanhol, antes de um sintagma


preposicional, de um adjetivo ou de uma oração relativa, empregam-
se formas idênticas às dos artigos definidos. Ex.: a casa de Pedro e a
do João (port.), la casa de Pedro y la de Juan (esp.).

Tradicionalmente, considera-se que, antes de um nome, o, a,


os, as, em português, além dos correspondentes em espanhol, são
artigos, mas de um adjetivo, de um sintagma preposicional ou de uma
oração relativa são pronomes demonstrativos, o que é corroborado
pelo fato de o italiano e o francês exibirem, nesses contextos, as
formas quello, celui etc. A pesquisa diacrônica nos mostra que os
artigos definidos tiveram origem em certos demonstrativos latinos.
De fato, as formas de artigo definido derivam do demonstrativo latino
ille, que, quando funcionava como complemento do objeto direto,
tinha tomado as formas ello, ella, ellos, ellas no latim falado da época
imperial.

É o demonstrativo, empregado com valor de um simples artigo


e pronunciado sem acento tônico (porque formava um grupo fonético
com o nome que se lhe seguia), que deu origem a todas as formas
românicas indicadas. Como não tinha acento tônico, reduziu-se a
uma única sílaba. Foi, em geral, a segunda que “sobreviveu”: o esp.
la, los, las deriva diretamente de (el)lo, (el)la, (el)los, (el)las. Ademais,
no espanhol, el é a primeira sílaba que permaneceu.

No português, os artigos definidos derivam, também, de (ello,


(el)la, (el)los, (el)las), mas, depois de terem perdido a primeira sílaba
desse antigo demonstrativo, perderam, também, o “l”, passando das
formas lo, la, los, las às o, a, os, as.

70
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Acrescenta-se que o mesmo demonstrativo latino, pronunciado,


igualmente, sem acento tônico, deu origem, nas línguas românicas,
aos pronomes pessoais átonos. Por essa razão, a maior parte dos
pronomes tem, em espanhol e em português, as mesmas formas dos
artigos.

4 PRONOMES
A seguir, abarcaremos os pronomes para a posterior reflexão.

4.1 PRONOMES PESSOAIS Os pronomes


pessoais espanhóis
Você se recorda do que são pronomes pessoais? Designam os possuem
participantes de um discurso e substituem os substantivos (comuns classificação e
ou próprios) de uma oração. Os pronomes pessoais espanhóis função semelhantes
possuem classificação e função semelhantes às do português. Desse às do português.
modo, como no português, os pronomes pessoais, em espanhol,
podem ter diferentes funções sintáticas na oração, subdividindo-se em dois tipos:
pronombres sujetos (esp.)/pronome pessoal do caso reto (port.) e pronombres
objeto (esp.)/pronome pessoal do caso oblíquo (port.). Vejamos!

QUADRO 3 – PRONOMBRES SUJETOS/PRONOMES DO CASO RETO

Português Espanhol

Singular Plural Singular Plural

1ª pessoa Eu Nós Yo Nosotros, nosotras

2ª pessoa Tu, você Vós, vocês Tú, usted, vos Vosotros, vosotras, ustedes

3ª pessoa Ele, ela Eles, elas Él, ella Ellos, ellas

FONTE: A autora

71
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

No português europeu e no espanhol, o sujeito é, normalmente,


omitido quando é um pronome de 1ª ou 2ª pessoa (singular ou
plural), dado que a flexão verbal é suficiente para indicar o valor.
Nesses casos, a presença do sujeito exprime reforço, insistência. No
português brasileiro falado, é comum o uso do pronome sujeito eu
(BRITO et al., 2010).

Em espanhol, os pronomes usted e ustedes tendem a ser utilizados em


comunicações mais formais. Ainda que esses pronomes sejam de segunda
pessoa verbal, o verbo que os acompanha é flexionado na terceira pessoa. Em
português, esses pronomes podem ser considerados equivalentes às formas de
tratamento senhor/senhores. Exemplo: ¿Usted es profesor? (esp.), O senhor é
professor? (port.).

O pronome ustedes pode ser usado, independentemente de o contexto ser


formal, como plural de tú e de usted em alguns lugares na América Latina, em
outros, encontramos o fenômeno linguístico chamado de “voseo”. Nesse caso, o
verbo pode ser conjugado de diferentes formas, conforme a região. Na Espanha,
é comum o uso de vosotros e vosotras.

O voseo é um É importante frisar o voseo. Se você teve contato com alguns


registro informal argentinos, por exemplo, provavelmente, já ouviu esse fenômeno
que ocorre quando linguístico. O voseo é um registro informal que ocorre quando
usamos o pronome
usamos o pronome vos, no lugar do pronome tú, na segunda pessoa
vos, no lugar do
pronome tú, na do singular. Assim, salvo exceções, as estruturas gramaticais do vos
segunda pessoa do são as mesmas do tú, conjugando, assim, como tú. Exemplo: vos
singular. tenés.

O voseo é muito frequente em alguns países, como Argentina, Uruguai e


Paraguai. Nessa região rio-platense, o voseo é questão de identidade e de cultura,
usado, inclusive, nos meios de comunicação. Ademais, encontramos o voseo na
América Central e em alguns outros lugares, como Medellín, na Colômbia, e em
regiões do Chile, Bolívia e Equador.

O vos surgiu por volta do século IV, para se dirigir a autoridades supremas,
como o Imperador romano. Depois da queda do Império Romano, o vos perdeu a
exclusividade majestática e passou a ser usado como forma de tratamento para
autoridades, como políticos, militares e religiosos.

72
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Com o desgaste do voseo, na Espanha, introduziu-se uma nova forma de


tratamento cortês, o vuestra merced, que, posteriormente, transformaria-se
em usted (CARRICABURO, 1997). Muito interessante essas curiosidades, não
concorda?!

1 - Para praticar, que tal escrever cinco frases usando o voseo?

Na Espanha, o tú retornou ao tom mais informal, e o vosotros, transformação


do vos, instalou-se como segunda pessoa do plural informal. Contudo, na
América Hispânica, onde a Espanha já havia introduzido o vos, preservou-se
essa forma para a segunda pessoa do singular. As exceções são as duas grandes
capitais dos vice-reinos, Lima e México, pois permaneceram sob influência da
colônia por mais tempo e chegaram a receber as influências dessas mudanças
(CARRICABURO, 1997).
O uso dos
Cabe lembrar que, a partir de 1810, época das independências pronomes está
relacionado a uma
na América e da exaltação da identidade nacional, o tú passou a
questão identitária
ser negado por se identificar com a colônia. Por exemplo, no Rio da e à vontade de
Prata, intensificou-se o vos, que resistiu desde a conquista na voz distanciamento da
do gaúcho, figura muito importante no processo de independência. colônia.
Assim, o voseo constituiu a norma generalizada nessa região,
identificado como característica crioula e em homenagem às origens da pátria.
O uso dos pronomes está relacionado a uma questão identitária e à vontade de
distanciamento da colônia (CARRICABURO, 1997).

Nesse tema, para contribuir com a sua reflexão a respeito da


variação linguística, sugerimos assistir a uma palestra em https://
www.eventials.com/UNIASSELVI/variacoes-dialetais-do-espanhol-
com-a-dra-leandra-cristina-de-oliveira/.

73
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Em espanhol, também podemos falar do tuteo, que é o


tratamento informal das pessoas, ou seja, tratar como tú. Essa
característica é encontrada em regiões da Espanha e em outros
lugares. Se desejar quebrar a formalidade em uma conversa com um
espanhol, por exemplo, pode-se pedir: ¿Por qué no me tuteas?

4.1.1 Pronomes pessoais: formas de


complemento
Como ocorre em português, em espanhol, os pronomes pessoais também
podem assumir diferentes formas, conforme a função que assumem dentro da
frase. Os pronomes do caso oblíquo possuem a função de complemento verbal
não preposicional ou como formadores dos verbos pronominais. Na posição de
complementos verbais, podem atuar como objeto direto ou indireto. Vejamos
exemplos dessas ocorrências a seguir, identificando cada pronome-objeto com o
pronome-sujeito correspondente.

QUADRO 4 – PRONOME OBJETO DIRETO

Sujeito/reto Espanhol Português

Yo Me Me

Tú, usted, vos Te Te

Él, ella Lo, la Le, se

Nosotros, nosotras Nos Nos

Vosotros, vosotras, ustedes Os Os

Ellos, ellas Los, las Les, se

FONTE: Adaptado de Masip (2000)

74
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

QUADRO 5 – PRONOME OBJETO INDIRETO

Sujeito/reto Espanhol Português


Yo Me Me
Tú, usted, vos Te Te
Él, ella Le, se Lhe
Nosotros, nosotras Nos Nos
Vosotros, vosotras, ustedes Os Os
Ellos, ellas Les, se Lhes
FONTE: Adaptado de Masip (2000)

Lembramos que existem, também, os objetos preposicionais espanhóis: mí,


conmigo, ti, contigo, vos, si, consigo, nosotros(as), vosotros(as), él, ella, ello,
ellos, ellas, sí.

Como você já deve ter percebido no uso da língua, no português brasileiro,


o uso de si pode assumir dois valores: um de 3ª pessoa, com referência a um
sujeito determinado ou indeterminado que serve de antecedente. Exemplo: Cada
um pensa em si, ele só pensa em si. O outro valor é de 2ª pessoa, mas é pouco
usual no Brasil, por exemplo, isto é para si. Já no espanhol, o pronome sí está
sendo cada vez menos usado, sendo substituído por formas correspondentes de
3ª pessoa (BRITO et al., 2010).

As formas comigo, contigo, consigo (port.) e conmigo, contigo,


consigo (esp.) derivam do latim mecum, tecum secum.

Lembramos que, “como em português, com a forma o, o pronome Em espanhol,


lo, do espanhol, é a forma neutra nominal (lo que dices, lo difícil, lo encontramos vários
de tu padre)” (BRITO et al., 2010, p. 118). Ademais, em espanhol, verbos pronominais,
ou seja, que
encontramos vários verbos pronominais, ou seja, que se constroem,
se constroem,
obrigatoriamente, com um pronome, como acostarse, despertarse, obrigatoriamente,
presentarse, caerse etc. Assim, ao serem conjugados esses verbos, com um pronome,
devem estar acompanhados dos pronomes átonos (me, te, se, nos, como acostarse,
os, se), formando uma estrutura morfológica. Pensemos em exemplos despertarse,
no gerúndio ou no imperativo, como Rimena está peinándose ou presentarse,
caerse etc.
¡Levántate! Alguma característica chamou a atenção? Isso mesmo,
escreve-se tudo junto, diferente do português, que usa o hífen.
75
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Para saber mais a respeito dos pronomes, recomendamos a


leitura de GONZÁLEZ, N. T. M. Cadê o pronome? - O gato comeu.
Os pronomes pessoais na aquisição/aprendizagem do espanhol por
brasileiros adultos. São Paulo: FFLCH/USP, 1994.

4.2 PRONOMES POSSESSIVOS


Os pronomes possessivos são aqueles que dão a ideia de posse
Os pronomes em relação às pessoas do discurso (SACCONI, 2011). Como ocorre
espanhóis variam em português, os pronomes possessivos, em espanhol, podem
apenas em gênero e ser flexionados em número e em gênero. Contudo, os pronomes
em número na forma
espanhóis variam apenas em gênero e em número na forma plena.
plena.
Quando estão na forma apocopada, podem variar apenas em
número, conforme poderemos verificar a seguir:

QUADRO 6 – PRONOMES POSSESSIVOS


ESPANHOL PORTUGUÊS
Formas átonas Formas tônicas
(apocopadas) (completas)
Singular mi mío, mía meu, minha
Plural mis míos, mías meus, minhas
Singular tu tuyo, tuya teu, tua
Plural tus tuyos, tuyas teus, tuas
Singular su suyo, suya seu, sua, dele, dela
Plural sus suyos, suyas seus, suas, deles,
delas
Singular nuestro, nuestra nuestro, nuestra nosso, nossa
Plural nuestros, nuestras* nuestros, nuestras nossos, nossas
Singular vuestro, vuestra * vuestro, vuestra * vosso, vossa
Plural vuestros, vuestras vuestros, vuestras vossos, vossas
Singular su suyo, suya seu, sua
Plural sus suyos, suyas seus, suas, deles,
delas
* As formas nuestro(a) e vuestro(a) e os plurais não se apocopam.
FONTE: Adaptado de Masip (2010)

76
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

De modo geral, as formas vuestro(s) e vuestra(s) são


encontradas na Espanha. Na América Latina, utilizam-se as
formas suyo (s), suya (s).

Você se lembra das funções desses pronomes? Podem cumprir a função


adjetiva, quando acompanham um substantivo, ou, quando substituem um
substantivo, são sujeito da oração. Por exemplo, em éstos son mis materiales
(esp.), estes são meus materiais (port.), o mis possui a função de adjetivo. Agora,
em este material es mío (esp.), este material é meu (port.), mío possui a função
de pronome.

Chamamos a atenção para o fato de que os adjetivos podem ser átonos


ou tônicos, dependendo da posição que aparecem. São formas átonas quando
utilizados antes de um substantivo (mi, tu, su etc.). Ainda, são possessivos
tônicos quando aparecem depois do nome a que se referem (mío, tuyo, suyo
etc.). Nessa forma, concordam em gênero e em número com a palavra que estão
acompanhando.

4.3 PRONOMES DEMONSTRATIVOS


Os pronomes demonstrativos são expressões linguísticas usadas para indicar
pessoas, objetos, lugares, momentos, de acordo com o tempo e a distância que
ocupam em relação ao falante ou ao ouvinte.

Em português e em espanhol, a organização dos demonstrativos


obedece a um sistema ternário, indicando a pertença de um
objeto à vizinhança do locutor (este/isto); do interlocutor (esse/
isso); ou a uma esfera que não é nem a do locutor nem a do
interlocutor (aquele/aquilo) (BRITO et al., 2010, p. 133).

Em português e em espanhol, os demonstrativos apresentam Em português e


em espanhol, os
formas variáveis, conforme número e gênero do objeto referido, e
demonstrativos
invariáveis. Dentre estas, surgem os demonstrativos “localizadores”, apresentam formas
que seriam advérbios, do ponto de vista morfossintático (BRITO et al., variáveis, conforme
2010). número e gênero do
objeto referido.

77
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Vejamos o quadro a seguir:

QUADRO 7 – PRONOMES DEMONSTRATIVOS EM ESPANHOL


Espanhol
Singular Plural
Masculino Feminino Neutro Masculino Feminino
Próximo da pessoa que fala Este Esta Esto Estos Estas
Próximo da pessoa com
Ese Esa Eso Esos Esas
quem se fala
Distante das pessoas que
Aquél Aquélla Aquello Aquéllos Aquéllas
falam
Português
Próximo da pessoa que fala Este Esta Isto Estes Estas
Próximo da pessoa com
Esse Essa Isso Esses Essas
quem se fala
Distante das pessoas que
Aquele Aquela Aquilo Aqueles Aquelas
falam

FONTE: Adaptado de Masip (2010)

Como podemos observar, ambas as línguas possuem formas, como este,


para uma expressão nominal mais próxima, e, aquele, para uma expressão
nominal mais distante (BRITO et al., 2010).

Em português e em espanhol, os demonstrativos são usados como


articuladores textuais, podendo retomar ou antecipar outros termos. Contudo, em
português, há o diferencial de que existem as vogais tônicas dos demonstrativos
de som fechadas [e] no masculino e abertas [ɛ] no feminino (BAGNO; CARVALHO,
2015).

Em gramáticas da língua espanhola, anteriores a 2010, os


pronomes demonstrativos podem aparecer acentuados quando
substituem um substantivo, porém, a regra foi abolida pela Real
Academia Espanhola. Assim, atualmente, os demonstrativos não
levam acento.

Atenção, caro acadêmico: uma diferença entre o nosso par de língua no


que se refere aos demonstrativos, está no fato de que a língua espanhola não
permite contração com preposição, diferente do português, em que encontramos
nessa, nisto, naquela, desta. Em espanhol, então, acontece o seguinte: en esa,

78
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

en esto, en aquel, de esta. São possíveis apenas duas contrações: AL e DEL, por
exemplo, vamos al cine, venimos del cine.

Ocorrem, também, as formas neutras, que são aquelas que se referem


a conceitos abstratos, ou seja, não podem ser usadas diante de substantivos.
Aparecem sempre no singular e estão presentes nas duas línguas (esto/isto, eso/
isso, aquello/aquilo). Vejamos alguns exemplos: esto no me interessa/isto não me
interessa; eso tampoco/isso, tampouco; aquello menos/aquilo, menos.

Destacamos que as formas neutras são comumente usadas em orações


interrogativas quando não é necessário repetir o substantivo, pois já está claro a
que se refere, por exemplo, ¿Qué es eso?/Que é isso?; Esto es una fruta/Isto é
uma fruta.

No que se refere aos advérbios demonstrativos “localizadores”,


as duas línguas se comportam de modo muito semelhante.

Nas formas “localizadoras” que designam um espaço mais


circunscrito, o português e o espanhol têm um sistema ternário: aqui
(em relação ao locutor), aí (em relação ao locutário), ali (um espaço
que não pertence nem à vizinhança do locutor nem à do interlocutor)
(BRITO et al., 2010).

4. 4 PRONOMES INTERROGATIVOS
E EXCLAMATIVOS
Os pronomes interrogativos e exclamativos indicam quando se está
realizando uma pergunta direta (com ponto de interrogação), indireta (sem ponto
de interrogação) ou uma exclamação. As formas desses pronomes coincidem
com as dos pronomes relativos (salvo cuyo), porém, diferenciam-se das outras
classes gramaticais por receber o acento gráfico diacrítico e ser pronunciadas de
forma mais tônica.

Os pronomes interrogativos e exclamativos podem ser variáveis, modificando-


se em gênero e em número, ou ser invariáveis.

79
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Os pronomes interrogativos fazem referência a pessoas, coisas, lugares,


tempo, quantidades. Observe:

QUADRO 8 – PRONOMES INTERROGATIVOS


Pronomes interrogativos Referem-se a...
¿Qué? Pessoas e coisas
¿Quién? - ¿Quiénes? Pessoas
¿Por qué? Causas, finalidades
¿Cuál? - ¿Cuáles? Pessoas e coisas
¿Dónde? - ¿Adónde? Lugar
¿Cómo? Modo
¿Cuándo? Tempo
¿Cuánto? - ¿Cuánta? - ¿Cuántos? - ¿Cuántas? Quantidades

FONTE: A autora

Atente-se que, em espanhol, a forma pronominal quien pode ser flexionada


em número (quién, quiénes) (BRITO et al., 2010).

Os pronomes exclamativos expressam aspectos emocionais, como surpresa,


admiração, espanto, alegria etc. Vejamos alguns exemplos:

¡Qué!
¡Cuánto ¡cuánta, ¡cuántos! Cuántas!
¡Quién! ¡Quiénes!
¡Cuál! ¡Cuáles!

Já a gramática em português não apresenta essas categorias de pronomes,


considerando que os pronomes interrogativos são empregados, algumas vezes,
como exclamativos (CUNHA; CINTRA, 1985 apud MASIP, 2000).

O acento diacrítico distingue uma palavra, conforme a classe


gramatical. Ex.: enquanto tu, sem acento, é um adjetivo possessivo
(tu lápiz es azul), tú, com acento, é um pronome (tú tienes un
bolígrafo azul) (MICHAELIS, 2021).

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Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Em espanhol, usa-se um signo de interrogação ou de


Em espanhol,
exclamação, de acordo com a intenção, ao introduzir e ao encerrar a usa-se um signo
exclamação ou a interrogação. de interrogação ou
de exclamação,
de acordo com
a intenção, ao
introduzir e
ao encerrar a
exclamação ou a
interrogação.

Você sabia que os pontos de exclamação e de interrogação


duplos são usados apenas em espanhol? Isso mesmo, os símbolos
invertidos “¿” e “¡” são características só do espanhol.

Não existiram desde o início da língua, na verdade, demoraram


até para ser utilizados. Somente com a segunda edição da Ortografia
da Real Academia da Língua, publicada em 1754, que se incorporou
o signo inicial de interrogação. O signo de exclamação chegou ainda
depois, e com o nome de signo de admiração. Foi em um dicionário
de 1726 que se fez a primeira referência ortográfica a ele: “se llama
una nota, que en el periodo significa el efecto de la admiración, y se
escribe con una i vuelta al revés: como Oh cuán bueno es Dios!”.
Somente em 2014, na 23ª edição do dicionário da Real Academia,
que o signo foi rebatizado, agora, para “signo de exclamación”
(VELASCO, 2017).

Interessante, verdade?! Para saber mais, leia https://www.bbc.


com/mundo/noticias-40643378

5 NUMERAIS
Os numerais correspondem a uma classe gramatical com intuito de
“indicarmos uma quantidade exata de pessoas ou de coisas, ou assinalarmos
o lugar que elas ocupam em uma determinada série” (CUNHA, 2013, p. 211).
Podem ser de quatro grupos: cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários.

81
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Os cardinais são os números básicos e servem para designar a quantidade


exata de pessoas ou de coisas, caso acompanhem um substantivo, semelhante
ao que ocorre com os adjetivos. Ainda, indicam a quantidade em si mesmos,
tendo a função de substantivos (CUNHA, 2013). Até aqui, tudo isso é semelhante
ao português, mas se engana quem pensa que é exatamente igual. Veremos!

Vejamos os numerais cardinais em espanhol:

QUADRO 9 – NUMERAIS CARDINAIS


Número Espanhol Português
0 cero zero
1 un/uno/una um/uma
2 dos dois/duas
3 tres três
4 cuatro quatro
5 cinco cinco
6 seis seis
7 siete sete
8 ocho oito
9 nueve nove
10 diez dez
11 once onze
12 doce doze
13 trece treze
14 catorce Catorze ou Quatorze
15 quince Quinze
16 dieciséis Dezesseis
17 diecisiete dezessete
18 dieciocho Dezoito
19 diecinueve Dezenove
20 veinte vinte
21 veintiuno(a) Vinte e um
22 veintidós Vinte e dois
23 veintitrés Vinte e três
24 veinticuatro Vinte e quatro
25 veinticinco Vinte e cinco
26 veintiséis Vinte e seis
27 veintisiete Vinte e sete
28 veintiocho Vinte e oito
29 veintinueve Vinte e nove
30 treinta Trinta

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Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

31 treinta y uno(a) Trinta e um


40 cuarenta Quarenta
50 cincuenta Cinquenta
60 sesenta Sessenta
70 setenta Setenta
80 ochenta Oitenta
90 noventa Noventa
100 ciento/cien Cem
101 ciento uno Cento e um
200 doscientos Duzentos
300 trescientos Trezentos
400 cuatrocientos Quatrocentos
500 quinientos Quinhentos
600 seiscientos Seiscentos
700 setecientos Setecentos
800 ochocientos Oitocentos
900 novecientos Novecentos
1000 mil Mil
FONTE: Adaptado de Masip (2010)

Como podemos observar, em espanhol, o número um pode


variar de três formas: un/uno/una. Usamos un e una quando o Em espanhol, o
número um pode
número é seguido por um substantivo, variando em masculino ou
variar de três
feminino, como ocorre na língua portuguesa. Por exemplo: Ella es una formas: un/uno/una.
estudiante muy dedicada (esp.), ela é uma estudante muito dedicada;
su marido es um hombre muy trabajador (esp.), seu marido é um homem muito
trabalhador (port.).

Em espanhol, usa-se, também, uno, quando o termo não acompanha o


substantivo, quer dizer, uno faz referência a algo já referido anteriormente, que
não é repetido, por exemplo, ¿Tienes libros de español? Sí, tengo treinta y uno
(esp.), você tem um livro de espanhol? Sim, tenho um (port.). Nesse exemplo,
como podemos perceber, a palavra uno faz referência ao livro de espanhol.

A grafia dos números, depois do 30, é formada por duas palavras em


espanhol e em português: entre a dezena e a unidade, utiliza-se a conjugação
y/e. Antes, em espanhol, os numerais cardinais, entre 16 e 29, eram escritos
com apenas uma palavra, porém, em português, usamos a conjunção e entre os
números já a partir do 21 (veintiuno/vinte e um), o que ocorre a partir do 30 em
espanhol, até o 99.

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

No que se refere ao número cien/cem, referência ao número exato 100,


pode-se usar cien ou ciento, cem ou cento, por exemplo, Ella tiene cien años
(esp.), ela tem cem anos (port.); Ese pantalón cuesta ciento treinta y cinco euros
(esp.), essa calça custa cento e trinta e cinco euros (port.). Quando o numeral
representa mais de cem, diferente do que acontece em português, em espanhol,
não se utiliza a conjunção para ligar centena e unidade. Assim, em português,
surge cento e dois, e, em espanhol, ciento dos.

Que o número dos Cabe destacarmos que o número dos não altera o gênero,
não altera o gênero, como ocorre em português, com dois e duas, porém, para as
como ocorre em centenas, existem, sim, as duas formas, masculina e feminina, como
português. doscientos, doscientas.

Apócope sf

1 GRAM Supressão de fonema ou de sílaba no fim de uma


palavra, como em bel (de belo), mui (de muito) (MICHAELIS, 2021).

Os numerais uno, ciento sofrem apócope (supressão da última


vogal) quando são escritos seguidos por substantivo ou multiplicativo.
Ciento também sofre apócope quando seguido por substantivo
feminino.

Nos ordinais, também pode ocorrer apócope, em duas


ocorrências: primero > primer (primeiro), terceiro > tercer (terceiro),
quando seguidos por substantivo masculino singular.

E os numerais ordinais? “Indicam a ordem de sucessão dos seres ou dos


objetos numa dada série. Equivalem a adjetivos, que, no entanto, substantivam-se
facilmente” (CUNHA, 2013, p. 211). Os ordinais variam em gênero e em número,
concordando com os nomes ou os pronomes a que se referem. Vejamos:

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Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

QUADRO 10 – NÚMEROS ORDINAIS


Espanhol Português
1.º primero primeiro
2.º segundo segundo
3.º tercero terceiro
4.º cuarto quarto
5.º quinto quinto
6.º sexto sexto
7.º séptimo sétimo
8.º octavo oitavo
9.º noveno nono
10.º décimo décimo
FONTE: Adaptado de Masip (2010)

Apresentamos, aqui, apenas até o décimo, pois é o mais comum na


linguagem falada. Depois, costuma-se usar os cardinais.

Por falar nos cardinais, de forma semelhante ao que ocorre com alguns em
espanhol, dois numerais ordinais também sofrem apócope em espanhol. Confira:

QUADRO 11 – NUMERAIS ORDINAIS APÓCOPE

Sem apócope Com apócope


año primero primer año
año tercero tercer año
FONTE: A autora

As formas último, penúltimo e antepenúltimo também estão incluídas nas


categorias de numerais ordinais. postrero > postrer sofre apócope, exemplo:
examen postrero, postrer examen.

Os numerais multiplicativos são usados para indicar o número de vezes


que determinada quantidade é multiplicada. Confira:

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

QUADRO 12 – NUMERAIS MULTIPLICATIVOS


Núme-
Numeral Multiplicativo
ro
Espanhol Português
doble/duplo dobro, duplo

triple/triplo triplo, tríplice

cuádruple/cuádruplo quádruplo
2 quíntuple/quíntuplo quíntuplo
3
4 séxtuple/séxtuplo sêxtuplo
5
6 séptuple/séptuplo sétuplo
7
8 óctuple/óctuplo óctuplo
9
10 nónuplo nônuplo
11
12 décuplo décuplo

100 undécuplo undécuplo

duodécuplo duodécuplo

céntuplo cêntuplo

FONTE: Adaptado de Masip (2010)

Já os numerais fracionários servem para expressar as frações da unidade.


Veja:

QUADRO 13 – NUMERAIS FRACCIONÁRIOS

Espanhol Português
1/2 medio/la mitad Meio/metade
1/3 un tercio Um terço
1/4 un cuarto Um quarto
1/5 un quinto Um quinto
1/6 un sexto Um sexto
1/7 un séptimo Um sétimo
1/8 un octavo Um oitavo
1/9 un noveno Um nono
1/10 un décimo Um décimo
1/11 un onceavo Um onze avos
FONTE: Adaptado de Masip (2010)

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Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Atenção: Medio pode funcionar como adjetivo ou ter outras


funções gramaticais, como em:
Medio kilo de manzánas (adjetivo)

hemos escuchado muchas medias palabras y vagas insinuaciones


(locução adverbial)
se cayó en medio de la calle (advérbio)

Meio/meia e medio/media concordam em gênero com o designativo da


quantidade em espanhol e em português.

1 - Por falar em numerais, você sabe como dizer as horas em


espanhol? Sabia que as horas podem ser ditas de outra forma?
Que tal pesquisar? Faça um breve resumo do assunto com
exemplos.

Bastante coisa até, não é verdade, caro acadêmico?! Se sentir necessidade,


faça uma pausa, dê uma caminhada, tome algo e retorne para os estudos com a
atenção renovada!

6 PREPOSIÇÕES
Preposições são “as palavras invariáveis que relacionam dois termos de uma
oração, de tal modo que o sentido do primeiro (antecedente ao termo regente) é
explicado ou completado pelo segundo (consequente ou termo regido)” (CUNHA,
2013, p. 321).

Em geral, o uso das preposições coincide em português e em espanhol.


Existem, todavia, algumas divergências, por razões etimológicas ou históricas.
Vejamos o quadro a seguir, com preposições espanholas e portuguesas:

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

QUADRO 14 – PREPOSIÇÕES ESPANHOLAS E PORTUGUESAS

Preposições esenciaies españolas Preposições essenciais portuguesas


A, ante A, ante, após, até
Bajo
Com, contra Com, contra
De, desde De, desde
Em, entre Em, entre
Hacia, hasta
Para, por Para, perante, por
Según, sin, so, sobre Sem, sob, sobre
Tras trás
FONTE: Masip (2000, p. 118)

QUADRO 15 – LOCUÇÕES PREPOSICIONAIS PORTUGUESAS E ESPANHOLAS

Locuciones preposicionales españo- Locuções preposicionais portugue-


las sas
Acerca de, además de, alrededor de, Acima de, a despeito de, a respeito
a pesar de, antes de, cerca de, deba- de, a par de, apesar de, atrás de, em
jo de, delante de, dentro de, después atenção a, embaixo de, dentro de, junto
de, detrás de, encima de, en cuanto a, a, junto com, longe de, para com, perto
enfrente de, frente a, fuera de, junto a, de, por entre...
lejos de, con respecto a…
FONTE: Masip (2000, p. 118)

Uma diferença importante no nosso par de línguas está nas contrações


formadas por preposição + artigo ou pronome. Em espanhol, existem apenas
duas (al e del), compostas por preposição e artigo, mas, em português, existem
várias, a saber: ao, à, aos, às; do, da, dos, das; dele, deles, delas; deste, desta,
destes, destas, disto; desse, dessa, desses, dessas, disso; daquele, daqueles,
daquelas, daquilo; no, na, nos, nas; num, numa, numas; neste, nesta, nestes,
nestas, nisto; noutro, noutra, noutros, noutras; pelo, pela, pelos, pelas etc., além
das de uso coloquial, como pra, pras, pro... (MASIP, 2000).

Em espanhol e em português, usamos a preposição a com o complemento


indireto (dativo), por exemplo, “Le compró un perro a la hija/comprou um cão
à filha; Le presto un caderno al chico/emprestou um caderno ao
Com o complemento rapaz” (MASIP, 2000, p. 121), porém, em português, muitas vezes,
direto (acusativo) substituímos o a por para, como em comprou um cão para a filha,
de pessoa ou coisa
emprestou um caderno para o rapaz.
personificada, a
preposição a é
mais frequente em Com o complemento direto (acusativo) de pessoa ou coisa
espanhol do que em personificada, a preposição a é mais frequente em espanhol do que
português. em português, por exemplo, “via Juan por la calle/vi João na rua; he

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Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

encontrado a tu Hermano hoy/encontrei o teu irmão hoje” (MASIP, 2000, p. 122).

Em ambas as línguas, a preposição a indica direção (dativo). Em espanhol,


para também indica direção, porém, diferente do que ocorre em português, não
expressa, necessariamente, permanência no lugar de destino, por exemplo, “va
a Lisboa/vai a Lisboa; va para Lisboa/vai para Lisboa” (MASIP, 2000, p. 122).
Acrescenta-se que, no português coloquial, costuma-se falar, também, vou no
banco, vou na praia/voy al banco, voy a la playa (MASIP, 2000).

Em algumas locuções (ablativo), em espanhol, usa-se en ou nenhuma


preposição em casos que, no português, usa-se a. Para aclarar, vejamos os
exemplos: “ir de mal en peor/ir de mal a pior; tardó em venir más de lo que
pensaba/tardou a vir mais do que calculava; cuesta creer algo semejante/custa a
crer uma coisa dessas” (MASIP, 2000, p. 123).

Existem várias outras peculiaridades no que se refere às


preposições ao contrastarmos as línguas portuguesa e espanhola.
Para saber mais, uma dica de leitura é MASIP, V. Gramática
española para brasileños: fonologia, ortografía y morfosintaxis. São
Paulo: Editora Parábola, 2010.

Masip (2000) chama a atenção para a dificuldade dos aprendizes brasileiros


no uso das preposições espanholas a, de, em e para, pois, em latim, o genitivo e
o dativo eram usados sem preposição, o que gerou uma série de usos específicos
nas línguas românicas, especialmente, no português e no espanhol, à medida
que se solidificavam.

7 CONJUNÇÕES
Segundo Cunha (2013, p. 334), “os vocábulos gramaticais que servem
para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração
se chamam conjunções”. Contudo, a definição de conjunção dá margem para a
discussão entre diferentes teóricos. Assim, diante de uma indefinição, diremos
que as conjunções nunca estabelecem relações fixas ou necessárias, mas, sim,
sempre relações livres (MASIP, 2000).

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Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Em ambas as línguas, os gramáticos costumam dividir as conjunções em


coordenadas e subordinativas. “As conjunções que relacionam termos ou orações
de idêntica função gramatical têm o nome de coordenativas. Denominam-
se subordinativas as que ligam duas orações, uma das quais determina ou
complementa o sentido da outra” (CUNHA, 2013, p. 334).

A nomenclatura varia um pouco em cada uma das nossas duas línguas, mas
Masip (2000) propõe um quadro, reunindo-as, conforme a origem. Confira:

QUADRO 16 – CONJUNÇÕES E LOCUÇÕES CONJUNTIVAS


Coordinantes Latín Espanhol Português

(coordenativas)
Copulativas (aditivas) Ac atque, et, que nec, Y, e, que, ni, também, E, nem, não também,
neque, etiam quoque, no sólo… sino tam- ainda não só... mas
cum... tum bién também
Disyuntivas (alterna- Vel, aut, ve, sive, ne O, u, ya, o… o, ya… Ou, seja, ou… ou,
tivas) sive… sive ya quer... quer
Adversativas At, ast, sed, vero, Pero, mas, empero, Mas, porém, contudo,
autem, verum, tamen, sin embargo, con todavia, não só... mas
verumtamen todo, no sólo… sino também, por outro
también, por otro lado lado
Conclusivas Ergo, igitur,ergo, Em efecto, pues, Com efeito, pois, logo,
itaque, proinde, quare, luego, por tanto, por portanto, por isso,
quocirca, quapropter, eso, por lo que pelo que
propterera, igitur,
itaque
Subordinantes (sub- Latín Espanhol Português
ordinativas)
Causales Quia, siquidem, quo- Ya que, dado que, Visto que, porque,
niam, quod, propterea, porque, pues, porque, pois, com efeito
(causais) quod cum, nam, nam- en efecto
que, enim, etenim, en-
imvero
Finales Ut, uti, quo, ne, neve, Para que, a fin de que, Para que, a fim de
neu para que no que, para que não
(finais)
Consecutivas Ut, ut non, ita, adeo, De tal manera que, de De tal maneira que, de
sic, tum, tantum, talis, modo que modo que
tantus, is
Condicionales (condi- Si, sin, si non, nisi, ni Si, pero si, si no, a no Se, mas se, se não, a
cionais) dummodo, dum, modo ser que, siempre que, não ser que, contanto
en el caso de que, no caso de
Concessivas Etsi, etiamis, tametse, Aun, aunque, puesto Ainda que, embora,
quamqum, quamvis, que, si bien que posto que, se bem que
licet
Temporales (tempo- Cum, atequam, pri- Cuando, antes que, Quando, antes que,
rais) usquiam, postquam, después que, has- depois que, até que,
ubi, ut, simul, atque, ta que, mientras, tan enquanto, logo que,
dum, donec, quoad pronto como, ni bien, até que
en cuanto, mientras,
hasta que
Comparativas Ut, uti, velut, veluti, Como, así como, bien Como, assim como,
sicuti, ceu, tamquam, como, … que bem como... do que
atque, perinde ac, ...
quam

FONTE: Masip (2000, p. 133-134)


90
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Nessa lista de conjunções coordenativas, Masip (2000) não incluiu as


chamadas explicativas, em português, ou ilativas, em espanhol (pues/pois, por
ejemplo/por exemplo, por consiguiente/por conseguinte), pois não existiam em
grego nem em latim, por serem consideradas causais. Contudo, alguns autores
das línguas portuguesa e espanhola mencionam essa forma. Tampouco,
aparecem as chamas distributivas em espanhol (ya...ya, ora...ora, sea, bien...
bien, ahora... ahora), por considerá-las, na verdade, disyuntivas, ou copulativas
enfáticas (MASIP, 2000).

Recordamos que a regra que vimos, quando abordamos os artigos, aplica-


se aqui também, assim, diante de palavras que começam com i, substituímos y
por e: joven e inteligente. O mesmo no caso do artigo o, que substituímos por u
antes, e de palavras que comecem com o, exemplo, ¿hay panaderías u Hornos?
(MASIP, 2000).

Mientras é uma conjunção temporal espanhola cujo primeiro


registro escrito data do século X. É resultado da abreviação do antigo
demientras, o demientre, antigo domientre (século XIII), procedente
do latim dum (mientras), interim (entretanto). Equivale, em português,
a enquanto (MASIP, 2000).

8 ADJETIVOS
Para começar a nossa conversa a respeito dessa classe Em português
gramatical tão importante, que tal reavivar, na memória, o conceito e em espanhol,
de adjetivo? Adjetivo “é toda e qualquer palavra variável que, com um os nomes e os
adjetivos formam o
substantivo, indica qualidade, defeito, estado ou condição” (SACCONI,
feminino em -a, para
2011, p. 180). Em latim, os adjetivos eram a categoria gramatical o masculino, usa-se
responsável pela definição do gênero de muitos substantivos, de -o.
acordo com as três declinações e devido à ausência de artigos
(MATTOSO, 1975 apud MASIP, 2000).

A agrupação dos adjetivos nas três categorias de declinações reforça que,


em português e em espanhol, os nomes e os adjetivos formam o feminino em -a,
para o masculino, usa-se -o (derivado de us), além das terminações específicas

91
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

de masculino em -er, de feminino em -re, -ris e de adjetivos em -is


a exceção dos
nomes em -agem para ambos os gêneros (MASIP, 2000).
que são femininos
em português e Ainda que as duas línguas seja muito próximas nesses
masculinos em aspectos, sempre há algumas divergências. Pensemos nos nomes
espanhol. derivados com o mesmo sufixo, que são, em geral, do mesmo
gênero, porém, existe a exceção dos nomes em -agem que são
femininos em português e masculinos em espanhol. Ademais, ocorre uma grande
quantidade de palavras de gênero único, vacilante ou contraditório em português
e em espanhol (MASIP, 2010).

Como você já sabe, o adjetivo pode se flexionar em gênero, número e


grau. Vamos ver alguns exemplos? Começaremos com o gênero dos adjetivos
qualificativos:

Formação do feminino em espanhol:

• Os adjetivos terminados sem -o fazem o feminino em -a: guapo/guapa.


• Os adjetivos formados por um sufixo que acaba em e -o fazem o feminino
em -a: grandote/grandota; organizador/organizadora.
• Os gentílicos acabados em consoantes fazem o feminino em -a: andaluz/
andaluza; leonês/leonesa.
• Adjetivos invariáveis: os terminados sem -az (capaz), iz (feliz), oz (veloz),
al (elemental), -or (peor), -ble (agradable), -ense (matritense), -iense
(almeriense), -ante (ignorante), -ente (potente), -iente (independiente), -a
(maya), -i (cursi), -u acentuada (hindú).
• Masculino: - Ø (MASIP, 2010).

E os adjetivos determinativos? Já falaremos deles.

As gramáticas brasileiras e as portuguesas classificam os pronomes em


pronomes substantivos (quando substituem o substantivo) e adjetivos (quando
acompanham o substantivo). Já as gramáticas espanholas chamam, de
pronomes, as palavras que substituem o nome, e, os adjetivos determinativos, de
vocábulos, que acompanham o substantivo sem modificar, substancialmente, a
denotação. Nessa categoria, além de diferenças ortográficas entre o espanhol e
o português, ocorrem de concordância: usam diferentes marcas para masculino e
feminino, de acordo com os casos (MASIP, 2010).

Chamamos a atenção, também, para os numerais. Em espanhol, quando


acompanham o substantivo, são classificados como adjetivos, e, como pronomes,
quando o substituem. Em português, por outro lado, os numerais continuam
sendo considerados uma categoria à parte (MASIP, 2010).

92
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Neste ponto, você pode recapitular os pronomes possesivos,


demonstrativos, interrogativos, exclamativos e até os numerais, que
já vimos anteriormente.

No que se refere
No que se refere aos adjetivos da língua espanhola, é preciso aos adjetivos da
língua espanhola,
destacar algumas formas que se apocopam quando desempenham
é preciso
a função de adjetivos. Vejamos alguns exemplos de adjetivos destacar algumas
apocopados diante de substantivos masculinos: formas que se
apocopam quando
Bueno/buena: buen hombre/buena mujer desempenham a
Malo/mala: mal amigo/mala amiga função de adjetivos.
Alguno/alguna: algún dinero/alguna peseta
Ninguno/ninguna: ningún dinero/ninguna peseta
Uno/una: un hombre/una mujer
Veintiuno/veintiuna: veintiún días/veintiuna páginas
Tercero/tercera: tercer elemento/terceira etapa (MASIP, 2010,
p. 128).

Algumas palavras se apocopam quando desempenham a função de adjetivos


diante de substantivos de qualquer gênero:

Nueve: novecentos hombres/novecentas mujeres


Grande: gran hombre/gran mujer
Mío/mía: mi hermano/mi hermana
Tuyo/tuya: tu hijo/tu hija]suyo/suya: su amigo/su amiga (MASIP,
2010, p. 128).

Em espanhol, há a palavra mucho, que pode desempenhar múltiplas funções,


de acordo com o contexto, e que também se apocopa em algumas situações,
na função de advérbio com adjetivos, masculinos e femininos: muy amigo/muy
amiga. Contudo, quando desempenha o papel de adjetivo com um substantivo
de qualquer gênero, não se reduz: muchos hombres, muchas mujeres (MASIP,
2010).

9 INTERJEIÇÕES
Ah, as interjeições! Segundo Cunha (2013, p. 340), interjeição “é uma espécie
de grito com que traduzimos, de modo vivo, as nossas emoções”. Masip (2000),
por sua vez, destaca que o curioso das interjeições é que elas não respondem à
lógica sintática da língua, como as demais categorias. São veículos verbais que

93
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

transmitem todo tipo de emoção por meio do tom, da melodia, do


São veículos verbais
que transmitem ritmo, da duração e da intensidade, características da entonação.
todo tipo de emoção Assim, o valor de cada conjunção depende da entonação e do
por meio do tom, contexto.
da melodia, do
ritmo, da duração Ainda que seja possível compreender as interjeições de
e da intensidade,
qualquer língua e que existam algumas que podemos chamar de
características da
entonação. universais, cada língua tem as formas próprias, que identificam
os falantes pelo modo com que são verbalizadas ou escritas. Por
isso, uma vez que nos interessa contrastar os usos e os costumes linguísticos do
espanhol e do português, apresentaremos, a seguir, uma lista com as interjeições
mais comuns nessas línguas.

QUADRO 17 – INTERJEIÇÕES ESPANHOLAS E PORTUGUESAS


Interjeições portuguesas Interjeições portuguesas
Propias Essenciais
¡ah!, ¡ajá!, ¡ay!, ¡bah!, ¡chist!, ¡fuuh!, Ah!, oh! Ih!, bah!, pô!, quá!, ci!, xô!, ui!,
¡huy!, ¡ea!, ¡eh!, ¡pst!, ¡huy!, ¡uff! ué!, hum!, hem!, hein!, uh!, ô!
Derivadas
Vocablos – onomatopeyas Vocábulos - onomatopeias
¡puf!, ¡zas!, ¡plaf!, ¡hale!, ¡hola!, ¡olé!, Alô!, eita!, olá!, irra!, urra!, opa!, puxa!,
¡psche!, ¡puah!, ¡quiá!, ¡cataplum!, psiu!, psit!, eia!, eita!, fon-fon!, fiu-fiu!,
¡sus!, ¡pum!, ¡rin-rin!, ¡pit-pit! plaft!, pluft!
Palabras Palavras
¡alto!, ¡anda!, ¡arrea!, ¡diablos!, ¡de- Adeus!, diante!, danou-se!, pronto!,
monios!, ¡guay!, ¡hombre!, ¡porras!, avante!, fora!, viva!, morra!, tomara!,
¡Jesús!, ¡vaya!, ¡vamos!, ¡venga!, silêncio!, chega!, alto!, oxalá!, bravo!,
¡caray!, ¡rediez!, caramba!, ¡oiga!, ¡oye!, acabou!, olha!, maravilha!, será!, Vir-
¡vale!, ¡bestial!, ¡brutal!, ¡fenomenal!, gem!, rua!, legal!
¡estupendo!
Locuciones interjectivas Locuções interjetivas
¡Dios mío!, ¡la que nos espera!, ¡estás Ora essa!, ora bolas!, valha-me Deus!,
listo!, ¡que no me entere!, ¡ahí va!, de não diga!, ora viva!, muito bem!, eu
ninguna manera!, ¡eso faltaba!, ¡pero sabia!, alto lá!, nunca mais!, de jeito
qué te has creído!, ¡habrase visto!, nenhum!, nem morto!, eu mereço!,
¡será posible!, ¡no te fastidia!, ¡no me não acredito!, não faça uma coisa des-
digas!, ¡es el colmo!, ¡no me te digo!, sas!, não pode ser!, sobrou pra mim,
¡qué bien!, ¡para morirse!, ¡madre mía!, é sempre a mesma coisa!, é inacred-
tu padre!, ¡qué surte!, ¡qué horror!, ¡qué itável!, que loucura!, que sorte!, que
barbaridad!, ¡qué tontería!, ¡cómo es desgraça!, que bobagem!, como pode!
posible!
FONTE: Masip (2000, p. 137)

Como você deve ter percebido, não constam, no quadro das interjeições,
palavrões e blasfêmias, impropérios de conotação religiosa que não são raros na
linguagem coloquial da Espanha (MASIP, 2000).

94
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Tudo bem até aqui, caro acadêmico? Se necessário, faça uma pausa,
recapitule as partes em que ficou com dúvidas. Depois, seguimos para o próximo
tópico. Vamos lá!

10 INTRODUÇÃO: MORFEMAS
VERBAIS ESPANHÓIS E
PORTUGUESES
A partir de agora, falaremos dos verbos nas línguas espanhola “As categorias de
tempo/modo e de
e portuguesa. Como você deve imaginar, esse tema é bem amplo,
número/pessoa,
afinal, os verbos exercem papel fundamental na nossa comunicação. além das variações
Como já vimos, ambas as línguas têm origem latina, e essa origem aspectuais, são
comum “conferiu, à morfossintaxe do verbo em português e espanhol expressas mediante
[...], um padrão estrutural fundamentalmente idêntico” (BRITO et al., os mesmos recursos
2010, p. 136). Assim, frisamos que “as categorias de tempo/modo e gramaticais”
de número/pessoa, além das variações aspectuais, são expressas
mediante os mesmos recursos gramaticais” (BRITO et al., 2010, p. 136), porém,
existem algumas divergências no conjunto dos tempos e no emprego de algumas
formas, como veremos a seguir.

Começaremos recordando o que é verbo: “O verbo é uma palavra de forma


variável que exprime o que se passa, ou seja, um acontecimento representado no
tempo. Na oração, exerce a função obrigatória de predicado” (CUNHA, 2013, p.
220). Então, é uma palavra de forma variável, mas de que formas pode variar?

Segundo Masip (2000), com exceção dos infinitivos, gerúndios e


participativos, todos os tempos verbais conjugados, em português e em espanhol,
têm três pessoas:

Primeira (singular e plural): a pessoa que fala, corresponde aos pronomes


pessoais:

Yo canto/eu canto
Nosotros/nosotras cantamos/nós cantamos

Segunda (singular e plural): a pessoa a quem se fala, corresponde aos


pronomes pessoais:

Tú cantas/tu cantas
Vosostros/vosotras cantáis/vós cantais

95
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Terceira (singular e plural): a pessoa de quem se fala, corresponde aos


pronomes pessoais:

Él/ella, ello canta/ele/ela canta


Ellos/ellas cantan/eles/elas cantam

Em espanhol e em português, encontramos os mesmos modos verbais:


indicativo, subjuntivo, imperativo e uma série de formas nominais, que, em
espanhol, leva o nome de no personales. Nas formas no personales, a língua
espanhola engloba infinitivos, gerúndios e particípios porque se conjugam
diferente, uma vez que, no espanhol, não há infinitivos pessoais. No português,
essas formas recebem o nome de formas nominais (MASIP, 2000).

Destacamos que, “em português, existe uma forma infinitiva invariável


(cantar) e outra conjugada, chamada infinitivo pessoal (cantar; cantares, cantar;
cantardes, cantarem), que não existe em espanhol. Coincide, muitas vezes, com
o futuro simples do subjuntivo, mas não sempre” (MASIP, 2000, p. 52), como
poderemos ver a seguir, com os verbos ser, ter e estar.

QUADRO 18 – CONTRASTE ENTRE O FUTURO SIMPLES


DO SUBJUNTIVO E O INFINITIVO PESSOAL
Português
Estar Ser Ter
Futuro sim- Infinitivo pes- Futuro sim- Infinitivo pes- Futuro sim- Infinitivo pes-
ples do sub- soal ples do sub- soal ples do sub- soal
juntivo juntivo juntivo
Estiver Estar For Ser Tiver Ter

Estiveres Estares Fores Sermos Tiveres Teres

Estiver Estar For Ser Tiver Ter

Estivermos Estarmos Formos Sermos Tivermos Termos

Estiverdes Estardes Fores Serdes Tiverdes Terdes

Estiverem Estarem Forem Serem Tiverem Terem


FONTE: Masip (2000, p. 52)

Segundo Masip (2000, p. 52), o infinitivo pessoal se usa em contextos bem


determinados, como:

- vocês devem paciência.


- termos paciência? Justamente nós? Por quê?

96
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

O português e o
Destacamos que o português e o espanhol podem indicar a espanhol podem
pessoa do sujeito somente por meio da desinência verbal. Confira indicar a pessoa do
o quadro a seguir, com os morfemas de pessoa e o número mais sujeito somente por
comum nas nossas duas línguas: meio da desinência
verbal.
QUADRO 19 – MORFEMAS DE NÚMERO E DE PESSOA

Português Espanhol

Yo ø ø

Tú, usted, vos -s -s

Él, ella ø ø

Nosotros, nosotras -mos -mos

Vosotros, vosotras, ustedes -is -is

Ellos, ellas -m -n

FONTE: Adaptado de Brito et al. (2010)

Como podemos observar, o português e o espanhol apresentam grande


afinidade, com muitos pontos em comum, porém, uma dificuldade comum entre
brasileiros, com os morfemas verbais de pessoa em espanhol, está no uso da
primeira pessoa do singular ou a segunda e a terceira do plural, pois tendemos
a omitir ou a confundir o uso dos pronomes específicos na língua espanhola que
não existem em português: ello, nosotros, vosotros, vosotras (MASIP, 2000).

10.1 TEMPOS VERBAIS


Em espanhol e em português, encontramos as três conjunções verbais:

• A primeira composta pelos verbos com vogal temática a:


cantar, amar, comprar...
• A segunda, pelos verbos com vogal temática e: beber, correr,
comer...
• A terceira, pelos verbos com vogal temática i: partir, subir, ir...
(MASIP, 2000, p. 68).

A única diferença entre as duas línguas, segundo Masip (2000), é que, em


português, existe o verbo pôr, que, como os seus compostos (propor, supor,
compor...), apresenta uma série de particularidades em algumas das formas.

97
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Na realidade, o verbo pôr era escrito como poer (provém do galego-português


arcaico), o que remete à conjugação do verbo poner, em espanhol, que pertence
à segunda conjugação. Pôr e poner provêm do verbo pōno, is, ōsui, ōsĭtum, cujo
infinitivo é ponerse.

De acordo com Masip (2000), entre os gramáticos brasileiros, existe um


consenso para classificar os verbos em português. Já entre os espanhóis,
existem três perspectivas diferentes, de Andrés Bello e duas da Real Academia
Espanhola, de 1931 e de 1973. Adotaremos a segunda versão da Academia, e,
para complementar, as outras estarão entre parênteses.

Uma dica de gramática para quem deseja se aprofundar é a


Gramática de Español para Brasileiros, de Esther Matia Milani,
pela editora Saraiva, 2019. Trata-se de uma gramática normativa
com uma linguagem acessível e dinâmica.

Assim, veremos, agora, as conjugações completas do português e do


espanhol, com nomenclatura, caracterização temporal e alguns exemplos.
Usaremos, como base, o verbo cantar, modelo da primeira conjugação nas duas
línguas (MASIP, 2000). Pode parecer complexo à primeira vista, mas não se
preocupe! Conforme poderemos notar no quadro a seguir, não é nenhum bicho
de sete cabeças, ou um rompecabezas. Confira!

QUADRO 20 – CANTAR 1ª CONJUGAÇÃO ESPANHOLA E PORTUGUESA


Tempo esp. Tempo port. N o m e n c l a t u r a Nomenclatura C a r a c t e r i z a ç ã o exemplo
esp. port. temporal
Modo indicativo
Canto Canto Presente Presente Ação atual conti- Yo canto todos los
nua, inacabada días/eu canto todos
Cantas Cantas os dias
Canta Canta

Cantamos Cantamos

Cantáis Cantais

Cantan Cantam

98
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

He cantado Tenho can- Pretérito Pretérito perfeito Ação passada re- He cantado mucho
tado cente, relacionada (Acabada)/tenho
Has cantado Perfecto Composto (não com o presente cantado muito (in-
Tens cantado se ensina no acabada)
Ha cantado Compuesto Brasil)
Tem cantado
Hemos can- (pretérito
tado Temos can-
tado Perfecto,
Habéis can-
tado Tendes can- Antepresente)
tado
Han cantado
Têm cantado
Cantaba Cantava Pretérito imper- Pretérito imper- Ação passada con- Ayer cantava.../ on-
feito (copretérito) feito tinua inacabada tem cantava...
Cantabas Cantavas

Cantaba Cantava

Cantábamos Cantávamos

Cantabais Cantáveis

Cantaban Cantavam
Había can- Cantara Pretérito pluscua- Pretérito mais- Ação passada an- Cuando el llegó yo
tado mperfecto (ante- que-perfeito terior a uma outra ya había cantado/
Cantaras copretérito) passada, acabada quando ele chegou,
Habías can- eu já cantara
tado Cantara

Había can- Cantáramos


tado
Cantáreis
Habíamos
cantado Cantaram

Habíais can-
tado

Habían can-
tado
Canté Cantei Pretérito perfecto Pretérito perfeito ação passada pon- Canté a las cinco/
simple (pretéri- tual, acabada cantei às cinco
Cantaste Cantaste to indefinido, horas
pretérito)
Cantó Cantou

Cantamos Cantamos

Cantasteis Cantastes

cantaron Cantaram
Hube can- Não existe Pretérito anterior (não existe) Ação passada Tan pronto como
tado (antepretérito) imediatamente an- hube cenado, em-
terior a uma outra pecé a cantar
Huniste can- passada, acabada
tado

Hubo can-
tado

Hubimos
cantado

Hunisteis
cantado

Hubieron
cantado

99
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Cantaré Cantarei Futuro (futuro im- Futuro do pre- Ação próxima, in- Cantaré mañana/
perfeito) sente acabada cantarei amanhã
Cantarás Cantarás

Cantará Cantará

Cantaremos Cantaremos

Cantaréis Cantareis

Cantarán Cantarão
Habré can- Terei cantado Futuro perfecto Futuro do pre- Ação próxima an- Llegarás tarde; ya
tado (antefuturo) sente composto terior a uma outra habré cantado/você
Terás canta- (não se ensina próxima, acabada chegará tarde; já
Habrás can- do no Brasil) terei cantado
tado
Terá cantado
Habrá can-
tado Teremos can-
tado
Habremos
cantado Tereis can-
tado
Habréis can-
tado Terão can-
tado
Habrán can-
tado
Cantaría Cantaría Condicional (po- Futuro do pretéri- Ação possível Cantaria si.../
tencial simple po- to condicionada, re- mucho cantaria
Cantarías Cantarías spretérito) alizável, inacabada se...

Cantaría Cantaría

Cantaríamos Cantaríamos

Cantaríais Cantaríeis

Cantarían Cantariam
Habría can- Teria cantado Condicional per- Futuro do pretéri- Ação impossível, Cantaria si..../teria
tado fecto (potencial to composto (não condicionada irre- cantado se
Terias can- compuesto, ante- se ensina no alizável, acabada
Habrías can- tado pospretérito) Brasil)
tado
Teria cantado
Habría can-
tado Te r í a m o s
cantado
Habríamos
cantado Teríeis can-
tado
Habríais
cantado Teriam can-
tado
Habrían can-
tado

FONTE: A autora

100
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

QUADRO 21 – CANTAR 1ª CONJUGAÇÃO ESPANHOLA E PORTUGUESA


Tempos esp. Tempos port. Nomenclatura N o m e n c l a - C a r a c t e r i - exemplo
esp. tura port. zação tempo-
ral
Modo subjuntivo
Cante Cante Presente Presente Dúvidas ou Quizá cante,
desejos próx- ojalá cante/
Cantes Cante imos, real- tomara que cante
izáveis
Cante Cante

Cantemos Cantemos

Cantéis Canteis

Canten Cantem
Haya cantado Tenha canta- Pretérito perfecto Pretérito per- Dúvidas ou Quizá haya can-
do (antepresente) feito (não se desejos próx- tado, ijalá haya
Hayas cantado ensina no Bra- imos, já dissi- cantado/ talvez,
Tenhas can- sil) pados ou real- tenha cantado,
Haya cantado tado izados tomara que tenha
cantado
Hayamos cantado Tenha canta-
do
Hayáis cantado
Te n h a m o s
Hayan cantado cantado

Tenhais can-
tado

Tenham can-
tado

Pretérito per-
fecto

(antepre-
sente)
Cantara/cantase Cantasse Pretérito imper- Pretérito mais- Dúvidas ou Si yo hubiera (hu-
feito (pretérito) que-perfeito desejos remo- biese) cantada…/
Cantaras/cantases Cantasses (não se ensina tos frustrados, se eu tivesse
no Brasil) de impossível cantado…
Cantara/cantase Cantasse realização
Cantáramos/canta- Cantássemos
seis
Cantásseis
Cantaran/cantasen
Cantassem
Hubiera c./hubiese c. Tivesse can- Pretérito plus- Pretérito mais- Dúvidas ou Si yo hubiera (hu-
tado cuamperfecto que-perfeito desejos remo- biese) cantado…/
Hubieras c./hubieses (antepretérito) (não se ensina tos frustrados, se eu tivesse
c. Tivesses can- no Brasil) de impossível cantado…
tado realização
Hubiéramos c./
hubiésemos c. Tivesse can-
tado
Hubierais c./hubie-
seis c. Ti v é s s e m o s
cantado
Hubieran c./hubiesen
c. Tivésseis can-
tado

Tivessem
cantado

101
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Cantare Cantar Futuro (futuro im- Futuro simples Dúvidas ou Cuando yo can-
perfecto) tempo desejos distan- tare.../quando eu
Cantares Cantares em desuso em tes, realizáveis cantar…
espanhol
Cantare Cantar

Cantáremos Cantarmos

Cantareis Cantardes

Cantarem Cantarem
Hubiere cantado Tiver cantado Futuro perfecto Futuro com- Dúvidas ou Cuando yo hu-
(antefuturo) ti- posto (não desejos distan- biere cantado.../
Hubieres cantado Tiveres can- empo em desuso se ensina no tes, realizados quando eu tiver
tado em espanhol Brasil) cantado…
Hubiere cantado
Tiver cantado
Hubiéremos cantado
Tivermos can-
Hubiereis cantado tado

Hubieren cantado Tiverdes can-


tado

Tiverem can-
tado

FONTE: A autora

QUADRO 22 – CANTAR 1ª CONJUGAÇÃO ESPANHOLA E PORTUGUESA


Tempos Tempos port. Nomenclatura Nomenclatura Caracterização Exemplo
esp. esp. port. temporal
Modo imperativo
C a n t a / n o C a n t a / n ã o Presente Presente Ordem, manda- Canta esa canción…/
cantes cantes do (desejo vee- canta essa canção…
mente)
Cante/ no C a n t e / n ã o
cante cante

Cantemos/ C a n t e m o s /
no cante- não cantemos
mos
Cantai/não
Cantad/no canteis
cantéis
Cantem/não
Canten/no cantem
canten
Formas no personales/formas nominais
Cantar Cantar Infinitivo Infinitivo pessoal Dimensão sub- Me gusta cantar.../gos-
stantiva do verbo, to de cantar…
inacabada
Não existe Cantar Não existe Infinitivo pessoal Dimensão sub- Ao ouvirmos a canção,
stantiva do verbo, ficamos emocionados
Cantares personalizada, in-
acabada
Cantar

Cantarmos

Cantardes

Cantarem

102
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Não existe Ter cantado Não existe Infinitivo pessoal Dimensão sub- Após termos ouvido a
pretérito stantiva do verbo, canção, adormecemos
Teres cantado personalizada,
acabada
Ter cantado

Termos can-
tado

Terdes can-
tado

Terem canta-
do
Haber can- Ter cantado Infinitivo com- Infinitivo imp- Dimensão sub- Me gustó haber can-
tado puesto essoal pretérito stantiva do verbo, tado ayer/gostei de ter
(não se ensina acabada cantado ontem
no Brasil)
Cantando Cantando Gerndio Gerúndio Dimensão adver- Estaba cantando/es-
bial do verbo, in- tava cantando
acabada
H a b i e n d o Tendo canta- Gerundio com- Gerúndio pretéri- Dimensão adver- Habiendo cantado bas-
cantado do puesto to (não se ensina bial do verbo, aca-tante, se durmió/tendo
no Brasil) bada cantado bastante, ador-
meceu
Cantado Cantado Particípio Particípio Dimensão adjetiva Cantada la música de-
do verbo, acabada sapareció/cantada a
música, sumiu

FONTE: A autora

Vale lembrar que, em português, o infinitivo perde o –r final quando vem


seguido pelas formas -lo, -la, -los, -las, variantes dos pronomes átonos o, a, os, as
(ex.: cantá-la, vendê-la, achá-las) (BRITO et al., 2010, p. 167).

No gerúndio, “o espanhol tem uma desinência comum para Em espanhol, o


a segunda e a terceira conjugações, ao passo que o português gerúndio é usado
conserva as três vogais temáticas” (BRITO et al., 2010, p. 67). Em apenas para indicar
espanhol, o gerúndio é usado apenas para indicar ações instantâneas, ações instantâneas.
que ocorrem no momento que estão sendo relatadas. Nos demais
contextos recomenda-se usar o presente: actualmente trabajo em uma empresa
privada, hago sapatos.... Chamamos a atenção para isso, pois, no português,
acontece, muitas vezes, o vício de linguagem conhecido como gerundismo
(MASIP, 2000)

Os tempos futuros do subjuntivo do espanhol não costumam ser empregados


na linguagem coloquial e, poucas vezes, são encontrados em textos literários. No
português, por sua vez, o futuro do subjuntivo é uma forma verbal dinâmica e
muito utilizada em registros coloquiais e cultos (MASIP, 2000).

103
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

No pretérito imperfeito do indicativo, em português e em


espanhol, utilizam-se os mesmos grupos de terminações, um para a
primeira conjugação -port. -ava, esp. -aba, e outro para a segunda e
a terceira conjugações -port. -ia, esp. -ía (BRITO et al., 2010).

Vimos algumas formas compostas, e, ainda, que alguns gramáticos brasileiros


apresentam essas formas nas suas gramáticas. Os estudantes brasileiros não
costumam estudá-las, permanecendo, durante a vida escolar, nas formas simples.
Inclusive, Masip (2000) aponta que umas das dificuldades entre os brasileiros, ao
assimilarem os tempos verbais espanhóis, está no pretérito perfecto compuesto
(pretérito indefinido ou antepresente), como ha cantado, he vendido, he venido.
Esse tempo verbal se refere a um passado recente que mantém relação com
o presente. Ainda que se pareça com a forma composta brasileira “tenho feito”
(pretérito perfeito composto do indicativo), diferencia-se, pois, no português, é
usado para uma atividade recente, porém, ainda não concluída.

Chamamos atenção para a seguinte dificuldade: os brasileiros e o pretérito


anterior do espanhol, hube cantado, forma verbal que indica um passado
imediatamente anterior a outro passado. Usa-se esse tempo em locuções
indicativas de premência: tan pronto como hube salido de casa, llegó mi madre;
ni bien hubo sonado el teléfono, lo descolgué; en cuanto se hubo despertado,
llamaron al timbre. É um tempo verbal próprio da linguagem escrita culta. No
português, a fórmula mais próxima seria: ainda estava almoçando quando me
chamaram (MASIP, 2000).

Outra dificuldade que os alunos podem apresentar está na distinção do


pretérito imperfecto de subjuntivo espanhol cantara do pluscuamperfecto do
indicativo português: cantara. Nesse caso, Masip (2000) recomenda aconselhar a
usar a fórmula espanhola cantase, parecida com a portuguesa cantasse.

10.2 PRESENTE DO INDICATIVO E


SUBJUNTIVO
Uma das maiores dificuldades relacionadas aos verbos, no espanhol e no
português, está nas irregularidades de flexão. Não teremos espaço, aqui, para
discutir todas, mas apresentaremos algumas que ajudarão a ilustrar perfeitamente.

104
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Alguns verbos, cuja vogal temática (ou radical) é -e, mudam a vogal pro -ie
nas três pessoas do singular e na terceira do plural do presente do indicativo
(somam-se, nesse caso, os verbos adquirir e inquirir). O presente do subjuntivo,
em ambas as línguas, é formado pelo radical da primeira pessoa do singular
do presente do indicativo. A maioria dos verbos conserva as irregularidades
do indicativo, ainda que alguns (adquirir, inquirir, preferir...) mudam, também, a
primeira e a segunda pessoas do plural (MASIP, 2000).

Confira, no quadro a seguir, as conjugações em ar, er, ir:

QUADRO 23 – CONJUGAÇÃO AR, ER, IR - PRESENTE


DO INDICATIVO E SUBJUNTIVO
Despertar Querer Preferir
Espanhol Português Espanhol Português Espanhol Português
Presente do indicativo
Despierto Desperto Quiero Quero Prefiero Prefiro

Despiertas Despertas Quieres Queres Prefieres Preferes

Despierta Desperta Quiere Quer Prefere Prefere

Despertamos Despertamos Queremos Queremos Preferimos Preferimos

Despertáis Despertais Queréis Quereis Preferís Preferis

Despiertan Despertam Quieren Querem Prefieren Preferem

Presente do subjuntivo
Despierte Desperte Quiera Queira Prefiera Prefira

Despiertes Despertes Quieras Queiras Prefieras Prefiras

Despierte Desperte Quiera Queira Prefiera Prefira

Despertemos Despertemos Queramos Queiramos Prefiramos Prefiramos

Despertéis Despertéis Queráis Queirais Prefiráis Prefirais

Despierten Despertem Quieran Queiram Prefieran Prefiram


FONTE: Adaptado de Masip (2000)

Observem como a ditongação se faz presente em espanhol. Observem como


Esse é um fenômeno muito difundido, mas inexistente em português. a ditongação se
Por exemplo, em espanhol, temos: quero>quiero, pensar>pienso, faz presente em
morir>muero; em português, quero>quero, pensar> penso, espanhol.
morrer>morro (BRITO et al., 2010).

Outra característica que podemos destacar é a seguinte: em português, o


[e] e o [o] do radical dos verbos em -ir passam, respectivamente, a i e a u na
primeira pessoa do presente do indicativo. Exemplo: sirvo (servir), firo (ferir),

105
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

durmo (dormir), cubro (cobrir). Frisamos que essas vogais são pronunciadas
como abertas, respectivamente, [ɛ] e [ɔ], na segunda e na terceira do singular e
na terceira do plural (BRITO et al., 2010).

No espanhol e no português, o presente do subjuntivo é formado pelo radical


da primeira pessoa do singular do presente do indicativo. Exemplo: sirva, de sirvo;
cubra, de cubro; pida (peça), de pido (peço) (BRITO et al., 2010).

Encontramos certas modificações gráficas e algumas ocorrências que são


puramente ortográficas e se justificam para conservar a regularidade fonética das
formas verbais, dependendo das convenções gráficas das línguas. Por exemplo,
observem as alternâncias que se produzem no português e no espanhol:

Tocar > toco > toquemos


Pagar > pago > paguemos
Proteger > proteja > protejamos
Distinguir > distinga > distingamos

No espanhol, alcanzar > alcanzo > alcancemos.


No português, alcançar > alcanço > alcancemos (BRITO et al., 2010).

10.3 ALGUMAS IRREGULARIDADES


Ao falar de irregularidades, começamos mencionando a conjugação dos
pretéritos, que apresenta variedade no espanhol e no português. A base léxica
das irregularidades dos passados é o presente ou o pretérito perfecto/indefinido
de indicativo, contudo, é um tempo que causa insegurança quando os brasileiros
estão aprendendo a língua espanhola.

Vale destacar que o uso do imperativo espanhol também é uma das grandes
dificuldades dos estudantes brasileiros, devido ao fato de usarmos pouco os
pronomes pessoais tônicos de segunda pessoa na nossa língua. Muitas vezes,
o estudante confunde a segunda com a terceira pessoa, pois, no português, o
pronome de tratamento de confiança mais utilizado é o você, e o de respeito é
senhor/senhora, sendo que se flexionam na terceira pessoa. Apesar de também
termos o tu e o vós, de modo geral, salvo em algumas regiões do Brasil, usamos
menos esses pronomes, só em determinados contextos e, muitas vezes,
misturando a concordância com você (MASIP, 2000). Ainda, podemos dizer que,
de modo mais coloquial, o brasileiro emprega a forma da terceira pessoa do
presente do indicativo nas frases imperativas. Exemplo: vem comigo, faz isso pra
mim, deixa de ser bobo (BRITO et al., 2010).

106
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Observe alguns imperativos irregulares que os brasileiros costumam ter


dificuldade:

QUADRO 24 – IMPERATIVOS AFIRMATIVO E NEGATIVO


Hacer/Fazer Poner/Pôr Ir
Esp. Port. Esp. Port. Esp. Port.
Haz Faz Pon Põe Ve Vai

(no hagas) (não faças) (no pongas) (não ponhas) (no vayas) (não vás)

Haga Faça Ponga Ponha Vaya Vá vamos

Hagamos Façamos Pongamos Ponhamos Vayamos Ide

Haced Fazei Poned Ponde Id (não vades)

(no hagáis) (não façais) (no pongáis) (não ponhais) (no vayáis) Vão

Hagan Façam Pongan Ponham Vayan

FONTE: Adaptado de Masip (2000)

10.4 OS MODOS VERBAIS - VERBOS


AUXILIARES
Acreditamos ser importante, também, destacar os verbos auxiliares, entre
os quais há ser, estar, haber/haver, tener/ter. Dado o espaço limitado do material
da disciplina, apresentaremos apenas o ser e o estar. Vejamos os quadros
comparativos do português e do espanhol para que você perceba o panorama
verbal nas duas línguas, e como costuma ser ensinado.

QUADRO 25 – VERBO SER - AUXILIAR ESPANHOL E PORTUGUÊS


Formas esp. Formas port. Nome esp. Nome port.
Modo indicativo
Soy Sou Presente Presente

Eres És

Es É

Somos Somos

Sois Sois

Son São

107
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

he sido - pretérito perfecto com- -


puesto
has sido

há sido

hemos sido

habéis sido

han sido
Era Era pretérito imperfecto pretérito imperfeito

Eras Eras

Era Era

Éramos Éramos

Erais Éreis

Eran Eram
Había sido Fora pretérito plus- Pretérito mais-que-
cuam-perfecto perfeito
Habías sido Foras

Había sido Fora

Habíamos sido Fôramos

Habíais sido Fóreis

Habían sido Foram


Fui Fui pretérito perfecto Pretérito perfeito
simple
Fuiste Foste

Fue Foi

Fuimos Fomos

Fuisteis Fostes

Fueron Foram
hube sido - pretérito anterior -

hubiste sido

hubo sido

hubimos sido

hubisteis sido

hubieron sido

108
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Seré Serei Futuro Futuro do presente

Serás Serás

Será Será

Seremos Seremos

Seréis Sereis

Serán Serão
habré sido - futuro perfecto

habrás sido

habrá sido

habremos sido

habréis sido

habrán sido
Sería Seria Condicional Futuro do pretérito

Serías Serias

Sería Seria

Seríamos Seríamos

Seríais Seríeis

Serían Seriam
Habría sido - Condicional perfecto -

Habrías sido

Habría sido

Habríamos sido

Habríais sido

Habrían sido
Modo subjuntivo
Sea Seja Presente Presente

Seas Sejas

Sea Seja

Seamos Sejamos

Seáis Sejais

Sean Sejam

109
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Haya sido - Pretérito perfecto -

Hayas sido

Haya sido

Hayamos sido

Hayáis sido

Hayan sido
Fuera o fuese Fosse pretérito imperfeito Pretérito imperfeito

Fueras o fueses Fosses

Fuera o fuese Fosse

Fuéramos o fuésemos Fôssemos

Fuerais o fueseis Fôsseis

Fueran o fuesen Fossem


Hubiera o hubiese - Pretérito plus- -
sido cuam-perfecto

Hubieras o hubieses
sido

Hubiera o hubiese
sido

Hubiéramos o
hubiésemos sido

Hubierais o hubieseis
sido

Hubieran o hubiesen
sido
Fuere For Futuro Futuro

Fueres Fores

Fuere For

Fuéremos Formos

Fuereis Fordes

Fueren Forem
Hubiere sido - Future perfecto -

Hubieres sido

Hubiere sido

Hubiéremos sido

Hubiereis sido

Hubieren sido
Modo imperativo

110
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Sé/ no seas Sé/não sejas Presente Presente

Sea/ no sea Seja/não seja

Seamos/ no seamos Sejamos/não sejamos

Sed/ no seáis Sede/não sejais

Sean/ no sean Sejam/não sejam


Formas no personales/formas nominais
Ser Ser Infinitivo Infinitivo impessoal
Formas no personales/formas nominais
- Ser - Infinitivo pessoal

Seres

Ser

Sermos

Serdes

Serem
Haber sido - Infinitivo compuesto -
Siendo Sendo Gerundio Gerúndio
Habiendo sido - Gerundio compuesto -
Sido Sido Particípio Particípio
FONTE: Masip (2000, p. 82-85)

QUADRO 26 – VERBO ESTAR - AUXILIAR ESPANHOL E PORTUGUÊS


Formas esp. Formas port. Nome esp. Nome port.
Modo indicativo
Estoy Estou Presente Presente

Estás Estás

Está Está

Estamos Estamos

Estáis Estais

Están Estão
He estado - Pretérito perfecto -
compuesto
Has estado

Ha estado

Hemos estado

Habéis estado

Han estado

111
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Estaba Estava Pretérito imperfecto Pretérito imperfeito

Estabas Estavas

Estaba Estava

Estábamos Estávamos

Estabais Estáveis

Estaban Estavam

Había estado Estivera Pretérito plus- Pretérito mais-que-


cuam-perfecto perfeito
Habías estado Estiveras

Había estado Estivera

Habíamos estado Estivéramos

Habíais estado Estivéreis

Habían estado Estiveram


Estuve Estive Pretérito perfecto sim- Pretérito prefeito
ple
Estuviste Estiveste

Estuvo Estive

Estuvimos Estivemos

Estuvisteis Estivestes

Estuvieron Estiveram
Hube estado - Pretérito anterior -

Hubiste estado

Hubo estado

Hubisteis estado

Hubieron estado
Estaré Estarei Futuro Futuro do presente

Estarás Estarás

Estará Estará

Estaremos Estaremos

Estaréis Estareis

Estarán Estarão

112
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Habré estado - Futuro perfecto -

Habrás estado

Habrá estado

Habremos estado

Habréis estado

Habrán estado
Estaría Estaria Condicional Futuro do pretérito

Estarías Estarías

Estaría Estaría

Estaríamos Estaríamos

Estaríais Estaríeis

Estarían Estariam
Habría estado - Condicional perfecto -

Habrías estado

Habría estados

Habríamos estado

Habríais estado

Habrían estado
Modo subjuntivo
Esté Esteja Presente Presente

Estés Estejas

Esté Esteja

Estemos Estejamos

Estéis Estejais

Estén Estejam
Haya estado - Pretérito perfecto -

Hayas estado

Haya estado

Hayamos estado

Hayáis estado

Hayan estado

113
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Estuviera o estuviese Estivesse Pretérito imperfecto Pretérito imperfeito

Estuvieras o estu- Estivesses


vieses
Estivesse
Estuviera o estuviese
Estivéssemos
Estuviéramos o estu-
viésemos Estivésseis

Estuvierais o estuvie- Estivessem


seis

Estuvieran o estu-
viesen
Hubiera o hubiese es- - Pretérito plus- -
tado cuam-perfecto

Hubieras o hubieses
estado

Hubiéramos o
hubiésemos e.

Hubierais o hubieseis
e.

Hubieran o hubieses
e.
Estuviere Estiver Futuro Futuro

Estuvieres Estiveres

Estuviere Estiver

Estuviéremos Estivemos

Estuviereis Estiverdes

Estuvieren Estiverem
Hubiere estado - Futuro perfecto -

Hubieres estado

Hubiere estado

Hubiéremos estado

Hubiereis estado

Hubieren estado
Modo imperativo
Está/ no estés Está/não estejas Presente Presente

Este/ no esté Esteja/não esteja

Estemos / no estemos Estejamos/não esteja-


mos
Estad/ no estéis
Estai/não estejais
Estén/ no estén
Estejam/não estejam

114
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Formas no personales/formas nominais


Estar Estar Infinitivo Infinitivo impessoal
Formas no personales/formas nominais
- Estar - Infinitivo pessoal

Estares

Estar

Estarmos

Estardes

Estarem
Haber estado - Infinitivo compuesto -
Estando Estando Gerundio Gerúndio
Habiendo estado - Gerundio compuesto -
Estado Estado Particípio Particípio

FONTE: Masip (2000, p. 86-89)

Vejamos, também, o verbo lavarse, em espanhol, que, como já comentamos,


é pronominal, ou seja, constrói-se com a presença obrigatória de um pronome
átono.

QUADRO 27 – VERBO LAVARSE


Forma espanhola Nomenclatura espanhola
Me lavo, te lavas, se lava, nos lavamos, os Presente
laváis, se lavan
Me he lavado, te has l., se ha l., nos hemos l., os Pretérito perfecto
habéis l., se han l.
Me lavaba, te lavabas, se lavaba, nos lavába- Pretérito imperfecto
mos, os lavabais, se lavaban
Me había lavado, te habías l., se había l., nos Pretérito pluscuamperfecto
habíamos l., os habías l., se habían l.
Me lavé, te lavaste, se lavó, nos lavamos, os Pretérito indefinido
lavasteis, se lavaron
Me hube lavado, te hubiste l., se hubo l., nos Pretérito anterior
hubimos l., os hubisteis l., se hubieron l.
Me lavaré, te lavarás, se lavará, nos lavaremos, Futuro
os lavaréis, se lavarán
Me habré lavado, te habrás l., se habrá l., no Futuro perfecto
sabremos l., os habréis l., se habrán l.
Me lavaría, te lavarías, se lavaría, nos lavaría- Condicional
mos, os lavaríais, se lavarían
Me habría lavado, te habrías l., se habría l., nos Condicional compuesto
habríamos l., os habrías l., se habrían l.
Modo subjuntivo
Me lave, te laves, se ave, nos lavemos, os Presente
lavéis, se laven

115
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Me haya lavado, te hayas l., se haya l., nos ha- Pretérito perfecto
yamos l., os hayáis l., se hayan l.
Me lavara, te lavaras, se lavara, nos laváramos, Pretérito imperfecto
os lavarais, se lavaran
Me hubirea lavado, te hubieras l., se hubiera l., Pretérito pluscuamperfecto
nos hubiéramos l., os hubierais l., se hubieran l.
Me lavare, te lavares, se lavare, nos laváremos, Futuro
os lavareis, se lavaren
Me hubiera lavado, te hubieres l., se hubiere l., Futuro perfecto
nos hubiéremos l., os hubiereis l., se hubieren l.
Modo imperativo
Lávate, no te laves, lávese, lavémonos, lavos, Presente
no os lavéis, lávense
Formas personales
Lavarse Infinitivo
Haberse lavado Infinitivo compuesto
Lavándose Gerundio
Habiéndose lavado Gerundio compuesto
Lavado Participio
FONTE: Masip (2010, p. 176)

Como você pode perceber, a posição dos pronomes que estão


acompanhando o verbo está antes do verbo, isso acontece em todos os tempos
verbais e independe da posição na frase. Nesse aspecto, o espanhol se diferencia
da língua portuguesa, pois nossa gramática preconiza que não devemos começar
uma oração com um pronome pessoal oblíquo.

10.5 AS VOZES VERBAIS


As línguas espanhola e portuguesa abordam, de maneira semelhante, esse
morfema verbal, porém, existem algumas diferenças de enfoque e de terminologia
(MASIP, 2000). Vejamos o quadro a seguir, com a classificação mais habitual em
ambas as línguas:

QUADRO 28 – VOZES VERBAIS EM ESPANHOL E EM PORTUGUÊS


Vocês verbales españolas Vozes verbais portuguesas
Voz activa Voz ativa
El sujeto es el protagonista de la acción: los O sujeito é agente da ação: os ladrões assal-
ladrones han asaltado un banco. taram um banco.

Elementos: Elementos:

-sujeto agente: los ladrones -sujeito: os ladrões

-predicado verbal: han asaltado -predicado verbal: assaltaram

-complemento directo: un banco -objeto direto: um banco

116
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

Voz pasiva Voz passiva


Común O sujeito sofre a ação:

La acción recae sobre el sujeto; la inversión Analítica


de la acción se indica mediante los verbos
ser y estar: un banco ha sido asaltado por los A inversão da ação é apresentada sem alter-
ladrones. ações: um banco foi assaltado pelos ladrões.

Elementos: Elementos:

-sujeto paciente: un banco -sujeito paciente: um banco

-predicado verbal: ha sido asaltado -predicado nominal: foi assaltado

-complemento agente: por los ladrones -agente da passiva: pelos ladrões

Pasiva refleja Sintética

La inversión de la acción se indica mediante A inversão do processo é simplificada: as-


el pronombre se: se ha asaltado un banco. En saltou-se um banco.
este caso, la acción recae sobre el objeto, no
sobre el sujeto.
Voz reflexiva
No existe voz reflexiva. Se consideran verbos O sujeito é agente e paciente ao mesmo tem-
reflexivos aquellos cuya acción recae sobre el po.
propio sujeto (lavarse, peinarse, ducharse) y
recíprocos aquellos cuya acción recae sobre -simples: machucar-se, ferir-se
dos o más sujetos que son, simultáneamente,
objetos de la acción (dos personas se miran, -recíproca: abraçar-se, conhecer-se
se persiguen…).
-dinâmica: rir-se, ir-se

-pronominal: queixar-se, atrever-se


Voz media (dativo ético)
Conjugación propia de los verbos pronomina-
les no reflexivos ni recíprocos: me voy, te enfa-
das, se cansan.
FONTE: Masip (2000, p. 110)

Devido ao par de auxiliares ser/estar, o espanhol e o português distinguem


uma passiva de ação (ser) e uma passiva de estado (estar). Por exemplo:

Port.: a casa é aberta pelo porteiro/a casa está sempre


aberta.
Esp.: la casa es abierta por el portero /la casa está
siempre abierta. (BRITO et al., 2010, p. 192).

Os brasileiros
Nesse tema, Masip (2000) afirma que os brasileiros estudantes
estudantes da
da língua espanhola tendem a usar, com frequência, a voz passiva língua espanhola
comum, que não é habitual em espanhol. Em espanhol, usa-se, mais tendem a usar, com
frequentemente, a voz ativa ou a passiva reflexa: “los muebles son frequência, a voz
fabricados em vez de se fabrican muebles; mucha gente es esperada passiva comum, que
em vez de se espera mucha gente” (MASIP, 2000, p. 111). O autor não é habitual em
espanhol.

117
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

acrescenta que os nossos estudantes apresentam dificuldades em fazer “a


concordância de modo correto na passiva reflexa: se venden coches, se alquilan
casas, se compran muebles. Os brasileiros tendem a colocar o verbo no singular”
(MASIP, 2000, p. 111).

11 NOÇÕES DE SINTAXE
Já comentamos algumas diferenças nos tempos verbais anteriormente e no
que se refere à ordem sintática oracional, além das categorias, sendo que as
duas línguas pouco divergem. Contudo, sempre existem diferenças.

No que se refere às orações adverbiais, por exemplo, observam-se algumas


diferenças, por exemplo, nas subordinadas temporais introduzidas por quando,
em contexto de presente ou passado, a construção, em ambas as línguas,
é idêntica (port.: quando pude, saí; esp.: cuando pude, salí). Em um contexto
de futuro, observam-se algumas divergências. “Enquanto o espanhol requer o
presente do subjuntivo, o português adota o futuro do mesmo modo, solução que
era conhecida no espanhol antigo” (BRITO et al., 2010, p. 209). Exemplo: port.:
quando puder, sairei; esp.: cuando pueda, saldré (BRITO et al., 2010).

Nas orações subordinadas condicionais introduzidas, podem ser encontradas


mais algumas divergências. Vejamos os enunciados:

Se posso, saio/si puedo, salgo.


Se puder, sairei/si puedo, saldré.
Se pudesse, sairia/saía/si pudiese/pudiera, saldría.

No contexto de futuro, com o verbo subordinante no indicativo, em português,


encontramos algumas alterações de modo na oração subordinada, ao empregar
o futuro do subjuntivo. O espanhol moderno conserva o modo indicativo no tempo
presente (BRITO et al., 2010). Explanando melhor as condições de uso do futuro
do subjuntivo em português,

ele não é empregado, a não ser em orações subordinadas,


para a expressão de uma ação ou estado hipotético provável,
que, ordinariamente, situa-se no futuro, mas, também, pode
se situar no presente. Por essa razão, é frequente a permuta
entre o futuro e o presente do subjuntivo na expressão do
mesmo conteúdo temporal (BRITO et al., 2010, p. 211).

Para complementar, podemos citar outros exemplos de subordinadas:

a) relativas: com que, ex.: as pessoas que quiserem (ou


queiram) informação, poderão pôr-se em contato comigo;

118
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

b) comparativas: com como, ex.: será como quiseres (ou


queiras);
c) temporais:
-com depois que, logo que, ex.: logo que puder (ou possa),
apareço;
-com sempre que, ex.: pode chamar-se sempre que quiser (ou
queira);
-com enquanto, ex.: enquanto estiver aqui, fico à disposição
(BRITO et al., 2010, p. 221).

Brito et al. (2010) ainda nos recordam que, ao lado dessas conjunções e
locuções conjuntivas temporais desses exemplos, existem outras que introduzem
verbos no presente, o que não ocorre no futuro do subjuntivo. Por exemplo: antes
que (antes que amanheça, vou-me embora); até que (não descansarei até que
acabe este trabalho).

A dupla sintaxe do português corresponde à do espanhol antigo. Com esse


caso, há um exemplo de mudança que ocorre em uma das línguas apenas, uma
vez que, no espanhol atual, já não se figuram mais registros, mas no português
moderno sim (BRITO et al., 2010).

Segundo Masip (2000), no que se refere à sintaxe da língua


Os estudantes
espanhola, os estudantes brasileiros tendem a ter dificuldade brasileiros tendem
em distinguir objeto direto e indireto, pois, em espanhol, existe o a ter dificuldade
complemento direto precedido de preposição, quando se refere em distinguir objeto
a pessoas ou a coisas personificadas. Em português, não há essa direto e indireto.
característica. Outra dificuldade listada por Masip (2000) está na
compreensão do complemento predicativo espanhol, pois, em português,
dizemos que é um tipo de predicado verbo-nominal ou misto especial, não um
complemento.
Estudantes
Estudantes brasileiros de espanhol também costumam ter brasileiros de
dificuldade em distinguir as orações impessoais, como hay niños/há espanhol também
crianças, das que têm somente sujeito indeterminado, como em dicen costumam ter
que va a llover/dizem que vai chover. Ainda, é mais difícil distinguir difi culdade em
distinguir as orações
as orações reflexivas (él se lava/ele se lava) das pronominais de
impessoais.
diferentes matizes (él se precipitó/ele se afobou). Acrescentamos
a dificuldade com os pronomes átonos espanhóis. Os brasileiros
tendem a usar, por exemplo, *quiero le hacer un favor em vez de quiero hacerle
un favor; *me se ha olvidado el libro em vez de se em ha olvidado el libro; *dálelo
em vez de dáselo (MASIP, 2000).

119
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

11.1 LAÍSMO, LOÍSMO, LEÍSMO


Os pronomes lo, los, la, las, le, les, pessoais ou não pessoais, segundo o
contexto, na língua espanhola, podem desempenhar duas funções na oração: de
complemento direto e de complemento indireto. Vejamos alguns exemplos:

- lo, los, la e las são complemento direto nas situações:


quiero verlo (a mi Hermano; un partido…); quiero oírlos (a mi
hermanos; unos discos); me apetece acompañarla (a mi madre,
una canción); voy a verlas (a unas amigas, unas películas).
- le e les são complemento indireto nas situações: voy a llevarle
un regalo a Juan; les contaré lo sucedido a tus primos (MASIP,
2000, p. 189).

Como, no Brasil, os nossos complementos indiretos referentes a pessoas


são lhe, lhes e os diretos o, a, os, as, não costumamos cometer as irregularidades
laísmo, leísmo e loísmo, como os espanhóis, na fala, ainda que sempre surjam
dúvidas na função pronominal. Contudo, dada a importância do uso desses
pronomes, os vícios de linguagem também fazem parte da língua. Comentaremos,
brevemente, a respeito de cada um a seguir. Vejamos:

O laísmo ocorre quando usamos o pronome pessoal feminino de


complemento direto la no lugar do complemento indireto le, que não possui
marca de gênero. Por exemplo: ayer vi a María y *la dije...; *la conté lo ocurrido,
quando o correto seria le dije, le conté… (MASIP, 2000).

O leísmo consiste em usar o pronome pessoal sem marca de gênero le,


complemento indireto no lugar do direto masculino lo, por exemplo: estuve con
Andrés y le encontré deprimido; después de la charla, le noté mejor. Esse vicio
é muto comum na Espanha, a ponto de a Real Academia Espanhola considerar
uma variante do lo direto quando faz referência a pessoas no masculino singular,
como nos exemplos com asteriscos (MASIP, 2000).

O loísmo acontece quando se usa o pronome pessoal masculino direto lo em


vez do indireto le, que não tem marca de gênero, por exemplo: aunque Juan há
venido, *lo diré que se vaya; no *lo dé el recado a Barnabé. Dos três fenômenos
mencionados aqui, esse é o menos comum (MASIP, 2000).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao fim do segundo capítulo da nossa disciplina. Se o percurso, até
aqui, tenha sido cansativo em alguns momentos, temos certeza de que também

120
Capítulo 2 DIFERENÇAS E PROXIMIDADES: LÍNGUAS
PORTUGUESA E ESPANHOLA

foi produtivo. Por mais que já se tenha discutido, tantas vezes, a questão da
proximidade entre o nosso par de línguas, ao fim deste capítulo, correndo o risco
de sermos repetitivos, destacamos que a facilidade de aprendizagem de espanhol
é um mito, resultado da proximidade tipológica entre as línguas portuguesa
e espanhola. Mito esse que desfazemos ao analisar as referidas línguas e ao
perceber que, apesar das muitas semelhanças, presentam várias divergências.

Cientes de que, para o brasileiro que quer aprender espanhol, a língua


materna deve influenciar, pois o aprendiz precisa buscar, nos seus conhecimentos
preexistentes, soluções para os problemas de comunicação, assim, acreditamos
que esses estudos contrastivos entre as línguas podem ser de grande ajuda para
compreender o processo de aquisição da língua estrangeira, além de importante
instrumento pedagógico, contribuindo para o professor entender as causas de
alguns erros cometidos pelos alunos, o que oferece subsídios para elaborar as
aulas ou complementar o material didático.

Aproveitamos para reforçar, como já vínhamos discutindo no primeiro


capítulo, que a língua é muito mais do que um conjunto de regras, tampouco,
é estática. Os exemplos e as regras gramaticais discutidos neste capítulo não
representam todas as variedades existentes nas línguas espanhola e portuguesa.
Trouxemos alguns exemplos, mas é possível encontrar uma variedade de usos
muito mais ampla.

Neste capítulo, contrastamos alguns paradigmas gramaticais das línguas


portuguesa e espanhola e algumas dificuldades mais comuns entre aprendizes
brasileiros de espanhol. Na próxima etapa, conversaremos a respeito de algumas
questões de vocabulário, como os heterossemânticos, questões de interlíngua e
ensino. Vemo-nos lá!

121
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

REFERÊNCIAS
BAGNO, M.; CARVALHO, O. L. S. Gramática brasileña para hablantes de
español. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.

BRITO, A. M. et al. HOUASSIS: gramática comparativa Houaiss. Quatro línguas


românicas: português, espanhol, italiano e francês. São Paulo: Publifolha, 2010.

CARRICABURO, N. Las fórmulas de tratamiento en el español actual. Madri:


Arco Libros, 1997.

CUNHA, C. Gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon;


Porto Alegre: L&PM, 2013.

FARIAS, M. S. Estudo da interlíngua de brasileiros estudantes de Espanhol


apoiado na análise de erros. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2007.

GARCÍA SANTOS, J. F. Sintaxis del español. Salamanca: Santillana, 1994.

MASIP, V. Gramática española para brasileños: fonologia, ortografía y


morfosintaxis. São Paulo: Editora Parábola, 2010.

MASIP, V. Gramática española para brasileños. Tomo I. Morfosintaxis.


Barcelona: Editora Difusion, 2000.

MICHAELIS. Acentuação. 2021. Dicionário escolar espanhol. Disponível em:


https://michaelis.uol.com.br/escolar-espanhol/acentuacao/. Acesso em: 11 fev.
2021.

OLIVEIRA, L. C.; SOBOTTKA, M. A.; WILDNER, A. K. Espanhol para o turismo.


Florianópolis: Publicação do IFSC, 2014.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA (RAE). Diccionario de la lengua española.


2017. Disponível em: http://dle.rae.es/?w=diccionario. Acesso em: 11 fev. 2021.

SACCONI, A. L. Nossa gramática completa Sacconi: teoria e prática. 31. ed.


São Paulo: Editora Nova Geração, 2011.

VELASCO, I. H. Por qué el español es el único idioma que utiliza signos de


interrogación (¿?) y admiración (¡!) dobles. 2017. Disponível em: https://www.
bbc.com/mundo/noticias-40643378. Acesso em: 11 fev. 2021.

122
C APÍTULO 3
O ESTRANHO FAMILIAR

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Refletir acerca da interferência e do portunhol.


• Reconhecer algumas das interferências.
• Identificar dificuldades de brasileiros ao aprenderem espanhol.
• Saber o que são e alguns exemplos de heterossemânticos.
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

124
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo ao terceiro capítulo do livro da nossa
disciplina! Seguiremos a nossa conversa pautada na análise contrastiva da língua
espanhola e da língua portuguesa, agora, na categoria dos substantivos. Na
sequência, dedicar-nos-emos à subclasse dos falsos cognatos, heterossemânticos
e falsos amigos. Então, você deve estar se perguntando: mas tem diferença
entre os três termos? Calma, conversaremos a respeito! Veremos que essas
nomenclaturas envolvem vários fatores. Ainda, adentraremos na fraseologia, com
algumas expressões idiomáticas.

Dando prosseguimento, discutiremos o problema da interferência, ou será


que não é um problema? Há estudos que demonstram que a interferência é maior
no caso de línguas muito próximas, como o português e o espanhol. Por isso,
é importante refletirmos. Inclusive, discutiremos acerca dos temíveis “erros” no
processo de aprendizagem de uma língua estrangeira.

Por fim, mas não menos importante, abordaremos, especificamente, as


questões do ensino e da interculturalidade. Afinal, ensinar, além de aprender
uma língua, é ir muito além de estruturas formais e regras gramaticais. Essa
conversa se propõe a ir muito além da língua espanhola, para fomentar o respeito
à heterogeneidade. Preparados? Ótima leitura e uma excelente reflexão!

2 SUBSTANTIVOS
As definições
As definições da categoria substantivo podem variar entre as da categoria
substantivo podem
línguas espanhola e portuguesa. Como afirma Masip (2000, p. 141),
variar entre as
“em português, a tendencia é usar critérios semânticos. Em espanhol, línguas espanhola e
por outro lado, costuma-se seguir critérios morfossintáticos, dentro de portuguesa.
uma perspectiva estruturalista funcional”. Vejamos alguns exemplos:

QUADRO 1 – DEFINIÇÕES DE SUBSTANTIVO


Em espanhol Em português
Palabra flexionable, que posee géne- Palavra com a qual nomeamos os
ro y número; es núcleo del sujeto y del seres em geral, qualidades, ações ou
complemento predicativo; puede ser estados, considerados em si mesmos,
también complemento de otro nombre, independentemente dos seres com que
de un adjetivo y de un verbo (RAE, se relacionam (ROCHA LIMA, 1989, p.
1991, p. 401). 61).
Es un constituyente esencial del grupo É a palavra que designa um ser, sintati-
nominal, susceptible de adoptar dis- camente, pode funcionar como núcleo
tintas flexiones y portador de un signifi- do sujeito, predicativo e objeto (LUFT,
cado léxico referencial (SARMIENTO, 1989, p. 102).
1993, p. 26-27).

125
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Toda palabra capaz de cumplir la É a palavra com a qual designamos ou


función de sujeto explícito o la de ob- nomeamos os seres em geral (CUNHA;
jeto directo en los enunciados llama- CINTRA, 1985, p. 171; CEGALA, 1988,
dos oraciones; es una combinación p. 110; BECHARA, 1992, p. 73).
de signo léxico, morfemas derivativos
característicos, morfemas derivativos
característicos, morfemas flexionables
y artículo (ALARCOS, 1994, p. 59-60).
Es el núcleo del sintagma nominal,
constituido por un lexema y varios mor-
femas, algunos de los cuales indican
género y número (ANAYA, 1991, p.
1015).
FONTE: Masip (2000, p. 141)

Note, no quadro a seguir, que a classificação dos substantivos também pode


variar entre as línguas.

QUADRO 2 – CLASSIFICAÇÃO DOS SUBSTANTIVOS


Em espanhol (Anaya, 1991: 1016) Em português (Cunha & Cintra,
1985: 171-174)
•Concreto: representan personas, an- •Concretos: designam os seres pro-
imales o cosas con existencia real o priamente ditos, isto é, os nomes de
imaginada: lápiz, cuaderno. pessoas, lugares, instituições, de um
gênero, de uma espécie ou de um dos
•Abstractos: indican la cualidad en ab- seus representantes: homem, Pedro,
stracto, la esencia de lo que existe en Lisboa.
los seres o cosas: paz, odio.
•Abstratos: designam noções, ações,
estados e qualidade, considerados
como seres: justiça, verdade.

126
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

•Comunes: se refieren a todas las per- •Comuns: totalidade dos seres de uma
sonas, animales o cosas de una misma espécie: país, cidade.
especie.
-Coletivos: substantivos comuns que,
-Individuales: hombre, perro. no singular, designam um conjunto de
seres ou coisas da mesma espécie:
-Colectivos: ejército, enjambre, manada. regimento, boiada, bando.

-Contables: silla, pera, casa. •Próprios: indivíduo de uma determi-


nada espécie: Portugal, Lisboa.
-No contables: arena, aire.

•Proprios: se atribuyen a personas, ani-


males o cosas, para diferenciarlos de su
misma especie.

-Antropónimos o de persona: José, An-


tonio.

-Topónimos o de lugar: Valencia, Duero.

-Patronímicos o derivados del nombre


del antepasado: Rodríguez (descendi-
ente de Rodrigo).
FONTE: Masip (2000, p. 142)

Segundo critérios morfossintáticos, os substantivos também podem ser


divididos em:

• Simples: possuem um único lexema. Exemplos: carro (port.); coche,


cama (esp.).
• Compostos: possuem mais de um lexema. Exemplos: obra-prima, bate-
boca (port.); coche-cama (esp.).

Ainda, podem ser:

• Primitivos: carecem de afixos. Exemplos: pedra, limão (port.); pan, pelo,


cine (esp.).
• Derivados: possuem afixos. Exemplos: pedreiro, limoeiro (port.);
panecillo, peluquería, cinéfilo (esp.).

127
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

2.1 O GÊNERO DOS


SUBSTANTIVOS
O gênero nada mais
O gênero nada mais é que um morfema flexivo complexo em
é que um morfema
flexivo complexo português e em espanhol. A língua latina agrupava os substantivos
em português e em em cinco declinações, observe:
espanhol.
• Na primeira, incluíam-se os femininos, e alguns masculinos,
terminados em -a, com o genitivo em ae (rosae-ae).
• Na segunda, os terminados em -us, -er, -um, com o genitivo em -i
(dominus-i, liber-i, templum-i).
• Na terceira, os terminados em -o, -or, -es, is, us, -e etc., cujo genitivo
do singular em -is (leo-omnis, labor-oris, eques-itis, civis-is, corpus-oris,
cubile-is).
• Na quarta, os masculinos e os femininos terminados em -us e os neutros
em -u, com o genitivo em -us (sensos-us; genus-us).
• Na quinta, os femininos e os masculinos terminados em -es, com o
genitivo em -ei (dies-ei). (MASIP, 2000).

Recordamos que os adjetivos latinos determinavam o gênero de grande


parte dos substantivos ambíguos (MASIP, 2000).

Não confundir gênero com sexo.

Chamamos a atenção para um equívoco que costuma acontecer


em ambas as línguas: associar as noções de gênero e de sexo.
Os gêneros masculino e feminino não expressam, exatamente,
uma diferenciação sexual, como podemos comprovar ao comparar
algumas palavras heterogenéricas no nosso par de línguas: o sangue
(port.), la sangre (esp.); a árvore (port.), el árbol (esp.); a linguagem
(port.), el linguaje (esp.). Mesmo no reino animal, a partir do qual
poderíamos, à primeira vista, aplicar o critério de sexo, existem
incongruências, pois temos palavras que servem para ambos os
sexos (jacaré, cobra, onça...). Nesse aspecto, a RAE estabelece a
distinção entre gênero natural e gênero gramatical para evitar essas
confusões. Assim, podemos afirmar que a noção de gênero é apenas
um critério morfológico de classificação e que a distinção dos gêneros
ocorre pela tradição de uso.

128
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Em português e em espanhol, os substantivos latinos da primeira declinação,


de vogal temática -a, acabaram sendo identificados com o gênero feminino, e
os substantivos da segunda e da quarta conjugações, de vogal temática -o, -u,
respectivamente, com o masculino (o que se unificou em -o).

Os demais nomes, procedentes da terceira declinação, em sua maioria, que


vacilava entre a vogal temática -i e as consoantes temáticas diversas, definiram
o gênero com o auxílio de adjetivos e de artigos (que não existiam em latim,
mas foi um recurso encontrado em ambas as línguas para solucionar equívocos
genéricos). A quinta declinação, pouco extensa, composta por nomes femininos,
com vogal temática -e, acabou se fundindo com a primeira declinação. O gênero
neutro latino (que era muito frequente) desapareceu quase totalmente em ambas
as línguas. Em espanhol, converteu-se a artigo neutro (lo), pronome demonstrativo
(esto, eso, aquello) e em terceira pessoa do singular do pronome pessoal (ello).
Em português, só os pronomes demonstrativos preservam o neutro (isto, isso,
aquilo) (MASIP, 2010).

Agora, confira o quadro a seguir, no qual detalharemos as particularidades


de gênero em ambas as línguas:

QUADRO 3 – MORFEMAS FLEXIVOS DE GÊNERO


Em espanhol Em português
Masculino – (Ø) (universal negativo) Masculino – (Ø) (universal negativo)
Formación del feminino Formação do feminino
Os nomes que terminam em -o fazem o Pela desinência -a:
feminino em -a:
Gato/gata; pintor/pintora; aldeão/aldeã
Camarero/camarera; gato/gata
Os nomes que terminam em consoante
fazem o feminino em -a:

Redactor/redactora; juez/jueza
Certos nomes masculinos mudam ou Por sufixo:
acrescentam a terminação:
-triz: o imperador/a imperatriz
-triz: el empedador/la emperatriz
-esa: o duque/a duquesa
-esa: el duque/la duquesa
-ina: o herói/a heroína
-ina: el héroe/la heroína
-isa: o profeta/a profetisa
-isa: el profeta/la profetisa

129
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Os nomes comuns terminados em -e Pela concordância dos adjetivos com os


podem fazer o feminino em -a ou per- substantivos, chamados de comuns de
manecer invariáveis: dois gêneros:

El jefe/la jefa; el cantante/la cantante o artista plástico/a artista plástica

o estudante aplicado/a estudante apli-


cada
Os nomes comuns terminados em -a
permanecem invariáveis:

Artista/artista; belga/bela
No caso de nomes epicenos, é Por um adjunto especificador de sexo,
necessário acrescentar outro substan- no caso dos substantivos não biformes:
tivo:
-sobrecomuns: cônjuge varão/cônjuge
Cónyuje varón/ cónyuje mujer; mulher

Avestruz macho/ avestruz hembra -epicenos: cobra macho/cobra fêmea


Mediante palavras ou raízes diferentes Por uma forma opositiva de radical:
(heterônimos):
homem/mulher; cavalheiro/dama
Hombre/mulher; caballero/dama
Casos singulares Casos especiais
Existem substantivos ambíguos: Existem substantivos de gênero vacilan-
te: amálgama, personagem, tapa...
Mar; fim
Existem substantivos masculinos ter- Existem substantivos masculinos termi-
minados em -a: nados em -a:

El profeta, el guía O profeta, o guia


Existem substantivos masculinos ter- Existem substantivos masculinos termi-
minados em -o: nados em -o:

La mano A mão

FONTE: Cunha e Cintra (1985), Luft (1989), ERA (1991),


Anaya (1991) apud Masip (2000, p. 29)

Nesse assunto, recordamos que, em espanhol, quando o substantivo


feminino começa por -a, usamos o artigo masculino para evitar a cacofonia.

Segundo Masip (2010), uma das dificuldades de estudantes brasileiros de


espanhol está nos substantivos do espanhol terminados em -e ou consoante
e grafia parecida ou igual ao português, mas com gênero diferente. Alguns
substantivos espanhóis referentes a profissões, tradicionalmente masculinas,
que possuem somente a forma masculina, também podem causar dúvidas nos
alunos. Exemplo: María es médico; Julia es arquitecto. Contudo, como aponta
Masip (2010), é uma tradição que tende a desaparecer, ou melhor, a evoluir.

130
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

3 ATENÇÃO AO VOCABULÁRIO
Quando comparamos os sistemas de vocabulário das línguas, Quando
podemos dividir as palavras em três aspectos: forma, sentido e comparamos
distribuição. Pensar nesses aspectos é fundamental para o ensino os sistemas de
de uma língua. Ainda que o espanhol e o português sejam próximos, vocabulário das
línguas, podemos
possuem restrições que são características de cada língua. No que
dividir as palavras
se refere à distribuição, “as palavras, em uma determinada frase, não em três aspectos:
estão distribuídas ao acaso, mas em posições determinadas. Por isso, forma, sentido e
afirma-se que os elementos possuem uma distribuição-característica, distribuição. Pensar
e essa distribuição pode ser diferente em diferentes línguas” (SILVA, nesses aspectos é
2002, p. 3). A distribuição também se refere ao modo como são fundamental para
o ensino de uma
distribuídas as unidades em determinada língua, por exemplo,
língua.
algumas palavras são restritas ao uso literário e não encontradas em
falas no dia a dia (LADO, 1972; SILVA, 2002).

A forma das palavras compreende “a maneira de manifestação, e a maneira


de propriedade, identificadas pelos indivíduos da cultura” (SILVA, 2002, p. 3), isto
é, engloba os segmentos fônicos, o modo de falar como rapidez, intensidade, de
acordo com a situação etc.

O sentido, por sua vez, pode variar nas línguas, quer dizer, as línguas não se
diferem apenas na forma. Segundo Lado (1972, p. 109), "na verdade, os sentidos
em que classificamos nossa experiência são determinados ou modificados
culturalmente e variam consideravelmente, de cultura para cultura". Esse aspecto
exploraremos mais intensamente e que causa dúvida até nos aprendizes de
níveis mais avançados.

Isso posto, no nível lexical, quando tratamos do par de línguas espanhol


e português, encontramos muitas palavras semelhantes, pela origem comum,
porém, existem várias palavras que, aparentemente, são coincidentes, mas que
possuem implicações a nível semântico, por exemplo, “Espera um rato”, em que o
aprendiz quer dizer “espera um pouco”. “O macarrão estava exquisito’, ou seja, “o
macarrão estava muito gostoso” (LEIVA, 1994, p. 16).

131
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Léxico, em sentido geral, é o conjunto de palavras e de


locuções de uma língua. Esse amplo acervo se divide em duas
categorias principais: a das unidades gramaticais (artigos, pronomes
demonstrativos, pronomes pessoais, pronomes possessivos,
pronomes indefinidos, preposições, conjunções e verbos auxiliares)
e a das unidades lexicais (verbos, substantivos, adjetivos e advérbios
terminados em -mente).

O universo da primeira categoria é limitado, já os elementos


da segunda constituem conjuntos permanentemente abertos e
refletem as transformações pelas quais passa a sociedade. Daí a
criação de novas palavras, além do desuso ou da modificação de
sentido de outras. Em 1850, conforme estudo da Unesco, 240
palavras bastavam para designar todas as ciências, artes, técnicas
e profissões. Nos anos 60 do século XX, eram necessárias mais de
24 mil para a designação desse mesmo universo, agora, com novas
subdivisões (BRITO et al., 2010).

Nesse aspecto, estamos falando dos falsos cognatos. O termo é usado para
as palavras que são parecidas em línguas diferentes, na forma ou no nível fônico,
mas que, na verdade, são diferentes. Inclusive, podem ser chamadas de falsos
amigos, pois podem, facilmente, enganar os aprendizagem pela falsa semelhança.
Para aclarar, vejamos alguns exemplos de palavras em espanhol com significados
diferentes para os brasileiros: Apellido (sobrenome), Aula (sala de aula), Cachorro
(filhote de cachorro, lobo), Classe (aula), Cola (rabo), Cuello (pescoço), Esposa
(algema), Latir (palpitar), Pastel (bolo), Zurdo (canhoto) (ZAPPA, 2010). Esses
exemplos também podem ser chamados de heterossemânticos, pois são
palavras que retratam a diferença semântica entre o espanhol e o português.
Ficou confuso com essas três terminologias: falsos cognatos, falsos amigos e
heterossemânticos? Conversaremos a respeito de cada uma delas a seguir, não
se preocupe! Contudo, cabe salientar que, apesar de ser importante o professor
de línguas estrangeiras ter esse conhecimento para as explicações linguísticas
em sala de aula, não iremos nos delongar em uma investigação etimológica
acerca dessas três terminologias. O nosso foco é o ensino e, assim, os aspectos
sincrônicos interlinguísticos relacionados à significação.

132
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Existem inúmeros falsos cognatos no nosso par de línguas-alvo, ou são


heterossemânticos ou falsos amigos? Calma, veremos adiante a explicação
desses termos!

3.1 OS FALSOS COGNATOS


Antes de explicarmos o que é um falso cognato, é importante compreender
o que o termo cognato designa conceitualmente. Para isso, vejamos as palavras
subsequentes: “livro”, “livreiro” e “livraria”. O lexema livro provém do étimo latino
liber, libri, e, dele, há as palavras derivadas, como “livreiro” e “livraria”. Desse
modo, esses vocábulos possuem, em comum, a raiz {livr-}. Ao compartilharem
o mesmo morfema-base, fazem parte da “mesma zona de significação, mas, a
partir do processo de derivação, agregam novos sentidos, constituindo diferentes
lexemas (e, portanto, diferentes lemas em dicionários)” (REBOUÇAS, 2019, p.
54). Dessa maneira, as palavras livro, livreiro e livraria são palavras cognatas,
assim como libro, librero e libreria (esp.), pois mantêm a origem na mesma raiz
(REBOUÇAS, 2019).

Segundo a Real Academia Española (2001), cognato/cognado seria:

Del lat. Cognãtus ‘pariente por cognación’. Ao pensarmos nas


1. adj. Gram. Emparentado morfológicamente. palavras cognatas
2. m. y f. Pariente por cognación. entre duas línguas,
devem ter uma
Assim, ao pensarmos nas palavras cognatas entre duas línguas, origem em comum.
devem ter uma origem em comum, como no caso de “ouvir” (port.)
e oír (esp.), , em comum, o étimo latino audire, sendo emparentadas O falso cognato,
geneticamente e com o significado comum nas duas línguas. apesar de
Agora, o falso cognato, apesar de parecer provir do mesmo étimo, é parecer provir do
etimologicamente divergente, por exemplo, o caso do lexema polvo mesmo étimo, é
(esp.) e de polvo (port.), que possuem origem em étimos distintos, etimologicamente
divergente
mas, com o tempo, tornam-se semelhantes no aspecto formal.

133
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

QUADRO 4 – FALSOS COGNATOS - POLVO/“POLVO”


ESPANHOL-PORTUGUÊS PORTUGUÊS-ESPANHOL
POLVO POLVO

do latim: pulvus. do latim: polypus.

Fragmentos miúdos de terra muito seca. Animal. Molusco marino, con tentácu-
Partículas sólidas que flutuam no ar e los provistos de ventosas, y cuya
pousam sobre os móveis. Qualquer carne es apreciada. Pulpo.
substância sólida reduzida a pó. Pó.

“A carne do polvo é especialmente


Necesito barrer la casa, hay polvo en consistente, o que exige algumas es-
todo. [Preciso varrer a casa, tem pó tratégias na hora de fazer um prato
em tudo]. com esse ingrediente”. [La carne del
pulpo es especialmente consistente,
lo que exige algunas estrategias a la
hora de hacer un plato con ese ingre-
Quiero la leche con chocolate en polvo. diente].
[“Quero o leite com chocolate em pó”].
FONTE: Rebouças (2019, p. 44)

Como podemos verificar, no quadro anterior, a palavra, em português, polvo,


tem origem latina em polypus, já a palavra em espanhol se origina de pulvus.
À vista disso, essas palavras se constituem como falsos cognatos, pois, mesmo
com a proximidade formal, não possuem o mesmo significado nas duas línguas
(REBOUÇAS, 2019).

Sob outra perspectiva, há quem defina os falsos cognatos, também, como


“formas linguísticas que pertencem a duas línguas cognatas, que, historicamente,
têm uma fonte comum, mas que tomaram caminhos diferentes na evolução”
(LEIVA, 1994, p. 21). A partir dessa definição, a compreensão dos falsos cognatos
recai sobre a evolução linguística, ou seja, sobre as mudanças que ocorreram nas
duas línguas e que ocasionaram a diferenciação entre as palavras ao longo dos
anos. Essas mudanças podem ocorrer em uma ou nas duas línguas cognatas,
mas uma ou as duas conservam algum elemento originário. Podemos pensar
em um contexto de aplicação de uma palavra que foi ampliado ou reduzido em
uma das línguas a partir do seguinte exemplo: acento. Em espanhol, o termo nos
remete à primeira metade do século XV, com origem latina do termo accentus,
que deriva de canere- cantar. Em português, a palavra acento também vem do
latim accentu, mas conservou apenas o sentido de entoação, significando sinal
ortográfico; enquanto em espanhol, também se refere à entoação e ao sotaque.
Assim, em espanhol, foi mantido o significado primário e se ampliou o contexto

134
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

de aplicação. Com isso, queremos aclarar que algumas palavras,


Algumas palavras,
apesar de se conservarem semelhantes, ou mesmo iguais, na forma apesar de se
originária, distanciaram-se, semanticamente, entre si, no português conservarem
ou no espanhol. Desse processo, gera-se o que chamamos de falsos semelhantes, ou
cognatos (LEIVA, 1994). mesmo iguais, na
forma originária,
distanciaram-se,
O fenômeno pode acontecer por processos de substituição ou
semanticamente,
de conservação da palavra em uma das línguas. Leiva (1994) ilustra entre si, no
esses processos, exemplificando, com quatro categorias, onde o português ou no
português ou o espanhol substituiu ou conservou o significado de espanhol.
origem, a saber:

1. Duas formações baseadas em duas palavras latinas diferentes, porém, com


radicais idênticos. Ex.: vaso/vaso. Esp. Vaso.

Espanhol Português
Vaso Vaso

do latim: vas, vasis do latim: vasum, i

(=utensílio de cozinha) (=vaso. Navio. Veia, Recipiente. Vasilha)

Copo Recipiente para plantas e/ou flores

Vaso sanitário

2. Uma única palavra de origem: as duas línguas conservam o significado original,


e ambas (ou uma delas) acrescentam um ou mais significados ou estreitam o
campo semântico. Ex.: exquisito/esquisito.

Espanhol Português
Exquisito Esquisito

do latim: esquisitus, a, um do latim: esquisitus, a, um

(apurado, escolhido, distinto, elegante, (apurado, escolhido, distinto, elegante,


excelente, requintado) excelente, requintado)

Distinto, elegante etc. raro, fino

Gostoso séc. XVI, por extensão, passou a estra-


nho

135
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

3. Uma única palavra de origem com um ou mais significados, que são conservados
por uma das duas línguas. A outra conserva apenas um dos significados originais
ou nenhum (e pode até criar, mais tarde, um outro termo para suprir a falta do (s)
outro (s). Ex.: sugestión/sugestão.

Espanhol Português
Sugestión Sugestão

do latim: suggero, suggestíonís do latim: suggero, suggestíonís

(ação de construir, adição sucessiva, (ação de construir, adição sucessiva,


pôr debaixo, levar, trazer debaixo, for- pôr debaixo, levar, trazer debaixo, for-
necer, proporcionar, sugerir) necer, proporcionar, sugerir)

Indução hipnótica (Domínio, controle Indução hipnótica


da vontade)
Proposta

Insinuação

4. Duas palavras semelhantes (ou idênticas), porém, de origem e significado


diferentes. Ex.. rato/rato.

Espanhol Português
Rato Rato

do latim: raptus, us do grego: ratte

(rapto. Figurado, instante)

Instante, momento. Mamífero roedor.

Como estamos vendo aqui, compreender os falsos cognatos, nas nossas


línguas-irmãs, exige uma investigação etimológica. No entanto, você encontrará
muitos desses exemplos, dados como falsos cognatos, como heterossemânticos
ou falsos amigos, pois alguns autores usam esses termos como sinônimos.
Veremos, a seguir, cada uma dessas denominações, com as possíveis distinções,
afinal, você, como professor de língua espanhola, precisa entendê-los. Esse
assunto é muito rico, por isso, seguiremos com as nossas reflexões a respeito!
Siga conosco!

136
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

3.2 OS HETEROSSEMÂNTICOS
O caso do português e do espanhol terem a mesma base de O caso do português
evolução na língua torna comum encontrarmos palavras que se e do espanhol terem
assemelham entre esse par de línguas, porém, o que, inicialmente, a mesma base
pode parecer uma vantagem, pode criar confusão e desentendimento. de evolução na
Por isso, a compreensão dos heterossemânticos merece muita língua torna comum
encontrarmos
atenção e dedicaremos todo esse aparato ao assunto.
palavras que
se assemelham
Silva (2002, p. 2) faz referência ao fato de que a proximidade e a entre esse par de
presença de tantos cognatos e falsos cognatos entre as duas línguas línguas, porém, o
podem levar a uma maior ou menor facilidade na aprendizagem do que, inicialmente,
espanhol, que “[...] está associada, em grande escala, a uma maior ou pode parecer uma
vantagem, pode
menor transferência do léxico, tendo em vista os incontáveis cognatos
criar confusão e
entre essas duas línguas, somados à infinidade de falsos cognatos desentendimento.
que as sobrecarregam”.

Se compartilhar o léxico pode ajudar os aprendizes no início dos estudos, por


outro lado, também pode causar equívocos e insegurança. Muitos professores
podem considerar o aprendizado desse léxico, comum às duas línguas, como
parte de uma aquisição natural, dispensando estudos formais. “No entanto, pode
se tornar uma quantidade significativa de equívocos nem sempre perceptíveis,
com capacidade de perdurarem, se não receberem o devido tratamento
metodológico” (ALVES, 2016, p. 3).

Os heterossemânticos desmentem a crença de que, para brasileiros,


aprender espanhol é fácil, ou vice-versa. O professor deve desmentir esse mito
da facilidade na aquisição dessas línguas, tendo que ter um trabalho mais atento
já no início da aprendizagem dos alunos para tirá-los dessa zona de facilidade
enganosa causada pela proximidade linguística (ALMEIDA FILHO, 1995).

O termo heterossemânticos é composto, morfologicamente, por “hetero-“,


que significa diferente, e por “semânticos”, que, de modo geral, referem-se ao
significado. Desse modo, o fenômeno da heterossemanticidade está relacionado
com as diferenças semânticas (REBOUÇAS, 2019). Somando à discussão,
Bugueño Miranda (2002 apud REBOUÇAS, 2019, p. 37) “aponta que o fenômeno
abrange a multiplicidade de significados de uma palavra, decorrida, sem dúvida,
de diferentes fatores linguísticos, históricos, discursivos e socioculturais”. É o que
acontece no caso das nossas duas línguas que são próximas, com palavras que
nasceram de um mesmo étimo (palavras cognatas), mas, com o passar do tempo,
em cada comunidade linguística, novos significados foram agregados ou outros

137
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

se desgastaram semanticamente. O ponto é que essas palavras com a mesma


origem ganham significados distintos ou parcialmente distintos (LUGRÍS, 1997
apud REBOUÇAS, 2019), por exemplo:

QUADRO 5 – HETEROSSEMÂNTICOS COGNATOS - OFICINA/“OFICINA”

ESPANHOL-PORTUGUÊS PORTUGUÊS-ESPANHOL
OFICINA OFICINA

do latim: oficcina. do latim: oficcina.

Cômodo, sala ou conjunto de salas des- Lugar donde se hacen trabajos man-
tinadas à leitura, escrita, aos trabalhos uales. Lugar en el que se arreglan
intelectuais, administrativos, profission- automóviles. Curso práctico en el que
ais etc. se aprenden y se ejercitan actividades
artísticas o intelectuales.
Escritório.
Taller.

Podemos quedar una reunión en mi ofi-


cina. [“Podemos marcar uma reunião no “Meu carro está na oficina” [mi coche
meu escritório”]. está en el taller]. “Participei de uma
oficina de fotografia no sábado” [He
participado en un taller de fotografía el
sábado].
FONTE: Rebouças (2019, p. 43)

Como podemos observar nesse exemplo, os vocábulos oficina (port.) e


oficina (esp.) possuem a mesma origem (étimo latino: oficcina), mas já não
possuem o mesmo significado nas duas línguas. O que, prototipicamente,
chamamos, em português, de “oficina”, seria taller, em espanhol; por sua vez,
oficina, em espanhol, pode significar “escritório", em português. Assim, as palavras
mencionadas se constituem como heterossemânticas. Destarte, adotaremos
o termo heterossemânticos para nos referir “a unidades de duas línguas
tipologicamente próximas que apresentam, simultaneamente, proximidade formal
e divergência de significado” (REBOUÇAS, 2019, p. 38), em consonância com as
pesquisas contrastivas de línguas próximas, especialmente, em estudos léxico-
semânticos.

Vejamos um exemplo que ilustra bem a diversidade.

138
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

QUADRO 6 – UNIDADES HETEROSSEMÂNTICAS ENTRE O


ESPANHOL E O PORTUGUÊS - DESGRASAR/DESGRAÇAR
Espanhol Português
DESGRASAR DESGRAÇAR

Desengordurar, tirar a gordura que im- Desgraciar, causar la desgracia a algui-


pregna ou mancha uma coisa. en.

Después de desgrasar la carne, secar


bien con toalla de papel y condimentar
con vino blanco, pimienta y sal. [“De- “Ele desgraçou minha vida”. [Él me des-
pois de tirar a gordura da carne, secar gració la vida].
bem com papel-toalha e temperar com
vinho branco, pimenta e sal”].
FONTE: Rebouças (2019, p. 38)

Nesse exemplo, os vocábulos desgrasar e desgraçar são heterossemânticos.


As duas palavras possuem proximidade na forma, mas divergem no significado.
Ainda, Rebouças (2019) nos lembra que esses itens lexicais recebem valores
socioculturais opostos, uma vez que desgrasar, em espanhol, não possui a
mesma carga semântica negativa, como no caso de “desgraçar”, em português.

Heterossemânticos são unidade linguísticas “em sentido


lato, que, entre duas línguas, apresentam proximidade formal e,
simultaneamente, divergência total ou parcial no que concerne à
significação. [...] O fenômeno é característico, em geral, em línguas
tipologicamente próximas e suscitam dificuldades nos processos
de compreensão e de uso de uma língua estrangeira, de modo a
potencializar embaraços interacionais” (REBOUÇAS, 2019, p. 63-
64).

139
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

De acordo com Alves (2005, p. 17), podemos dividir os heterossemânticos


em:

I - completamente diferentes nas duas línguas;


II - com acepções básicas comuns, mas que se ampliam em
uma das línguas;
III - com alguma acepção arcaica em uma das línguas;
IV - com variações diatópicas [regionais].

Para ilustrar o caso de I, podemos recordar o exemplo que acabamos de ver,


“desgrasar (esp.)/desgraçar (port.)”, que possuem acepções diferentes. No caso
de II, tomemos o exemplo a seguir:

QUADRO 7 – ACEPÇÕES COMUNS E DISTINTAS SIMULTANEAMENTE NA


INTERFACE ESPANHOL-PORTUGUÊS - CASO DO LEXEMA COCINA

ESPANHOL-PORTUGUÊS
COCINA

Cozinha. Lugar ou parte da casa onde se preparam os alimentos.

El mejor lugar de mi casa es la cocina. [“O melhor lugar da minha casa é a coz-
inha”].

Cozinha. Arte de prepará-los. Arte ou maneira especial de cozinhar de cada país.


Cocina española. [“cozinha espanhola”].

►Fogão. Aparelho ou eletrodoméstico em que se faz fogo para cozinhar. Me


compré una cocina linda de vidrio negro, con cinco fuegos. [“Comprei um fogão
lindo de vidro preto, com cinco bocas”]. Divergência semântica.
FONTE: Rebouças (2019, p. 41)

Como podemos ver, palavras, como cocina/cozinha, encaixam-se na divisão


do item II da professora Alves (2005), pois cocina pode significar “cozinha”, lugar
onde se preparam os alimentos; a arte ou a maneira de prepará-los; ainda,
pode designar “fogão”. Assim, existe uma acepção comum e uma diferente
(REBOUÇAS, 2019).

A respeito do item III, proposto por Alves (2005), cabem, como exemplos, as
palavras latir/latir, tendo em conta que:

Existen palabras del portugués y del español que tienen un


origen común y que comparten el (los) mismo (s) significado (s)
en fases anteriores de ambas lenguas. Es el caso de latir (del

140
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

origen glattire, dar ladridos agudos), que en las dos lenguas


significaba: pulsar, latir (el corazón y las arterias) y también
ladrar (el perro). Actualmente, sin embargo, encontramos latir,
en portugués, solo con el sentido de ladrar, y en español,
solamente con el de la acción de pulsar para el corazón y
las arterias, que en portugués se dice: pulsar, bater (para el
corazón) y latejar (para las arterias) (FERNANDES BECHARA;
MOURE, 1998, p. 256 apud ALVES, 2005, p. 18).

O item IV se refere às variações diatópicas, que dizem respeito às diferenças


entre regiões. Dentro do Brasil, há o exemplo da palavra tangerina, que pode ser
conhecida como mexerica ou bergamota, dependendo da região. Em espanhol,
a professora lembra dos itens lexicais carro/carro. Nesse exemplo, em alguns
países latino-americanos, é utilizado “carro” como, no português, automóvel, mas,
em outros, carro pode significar “carroça” ou “carruagem”.

Álvarez Lugrís apresenta uma tipologia diferente para os


heterossemânticos, subdividindo-os em heterossemânticos cognatos
e alheios. Caso queira saber mais, confira o livro ÁLVAREZ
LUGRÍS, A. Os falsos amigos da traducción: criterios de estudio e
clasificación. Vigo: Servicio de Publicacións da Universidad de Vigo,
1997.

São inúmeros os exemplos de heterossemânticos. Confira a lista a seguir,


com mais alguns:

QUADRO 8 – EXEMPLOS DE HETEROSSEMÂNTICOS


Espanhol Português
Abonado Assinante
Acordar Lembrar-se/decidir/combinar
Alejado Afastado/distante
Apenas Quase não/assim que
Beca Bolsa de estudos
Billón Trilhão
Borrar Apagar
Cimiento Alicerce/base/fundamento
Coma Sinal de pontuação/vírgula
Copo Floco/mecha/pequena porção
Escritório Escrivaninha
Exquisito Excelente/delicioso

141
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Fechar Datar
Firma Assinatura
Ganacia Ganho/lucro
Habitación Dormitório/quarto da casa
Interés Juro/interesse
Largo Comprido/longo
Largura Comprimento
Logro Sucesso/êxito
Mala Má
Oficina Escritório
Prejuicio Preconceito
Polvo Poeira/pó
Pronto Logo
Presunto Suposto/presumível
Rato Momento/curto espaço de tempo
Reto Desafio
Rojo Vermelho
Sitio Lugar
Solo Só/sozinho
Sótano Porão
Talher Oficina
Taza Xícara
Tirar Jogar fora/chutar/atirar/esticar
Todavia Ainda/contudo/não obstante
Vaso Copo
FONTE: Adaptado de Zappa (2010)

1 - Caro acadêmico, são inúmeros os exemplos heterossemânticos


que podemos encontrar no nosso par de línguas. Nesse sentido,
convidamos você a pesquisar mais alguns exemplos e a
complementar a lista.

Além desse nível lexical, os heterossemânticos são um fenômeno mais


amplo. Conforme explica Rebouças (2019, p. 39):

Vejamos o exemplo da expressão em espanhol echar una


cabezada, na qual toda a construção compõe uma unidade
fraseológica heterossemântica. O vocábulo cabezada é
polissêmico em língua espanhola, podendo significar, dentre
outras acepções: “1. f. Movimiento o inclinación que hace

142
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

con la cabeza quien, sin estar acostado, se adormece/2. f.


Sueño corto y ligero” (RAE, 2001). No enunciado, Carlos
echó una cabezada después de comer, por exemplo, a
expressão significa “tirar um cochilo/cochilar”: “Carlos tirou um
cochilo depois de comer”. Observamos, desse modo, que a
ativação de significado se dá com base não apenas em uma
palavra isolada, mas com outros vocábulos do enunciado
(lexicogramaticalmente) sociointeracionalmente.

Desse modo, a proximidade formal engloba distintos níveis A proximidade


linguísticos, além da palavra isolada. Associa-se, assim, a diferentes formal engloba
formas, que apresentam divergência total ou parcial de significados, distintos níveis
como no exemplo da expressão anterior, echar una cabezada, que, linguísticos, além da
ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, não significa “dar palavra isolada.
uma cabeçada”, em português (REBOUÇAS, 2019). Conversaremos
mais acerca desse campo da fraseologia mais adiante.

Assim como o estudante transfere a forma, o sentido e a


distribuição da sua língua para a língua estrangeira, também
transfere elementos da cultura. Por isso, no processo de ensino-
aprendizagem de línguas, é necessário considerar os aspectos
culturais e interculturais que podem afetar a comunicação e a
aquisição da língua (SILVA, 2002).

O termo heterossemânticos abarca os termos heterotônicos e heterogenéricos


também, conforme veremos a seguir. Vamos lá!

3.3 HETEROGENÉRICOS
Heterogenéricos são os vocábulos que, dentre duas línguas, possuem
proximidade formal, mas com gênero gramatical diferente.

Vejamos alguns exemplos para ilustrar. No primeiro quadro, surgirão palavras


que, em espanhol, são masculinas, mas, em português, são femininas. No
segundo, o inverso: em espanhol, os exemplos são femininos, e, em português,
masculinos. Confira:

143
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

QUADRO 9 – HETEROGENÉRICOS - MASCULINOS EM


ESPANHOL/FEMININOS EM PORTUGUÊS
Espanhol Português
El acne A acne
El análisis A análise
El árbol A árvore
El color A cor
El coraje A coragem
El dolor A dor
El énfasis A ênfase
El fraude A fraude
El estreno A estreia
El hambre A fome
El insomnio A insônia
(el) internet A internet
El lenguaje A linguagem
El lunes A segunda-feira
El origen A origem
FONTE: Adaptado de Juez (2007)

Caro acadêmico, observe que as palavras em espanhol,


terminadas em -aje (agem, em português), costumam ser masculinas,
e, as terminadas em -umbre (-une, em português), femininas (el
viaje/a viagem; la costumbre/o costume).

QUADRO 10 – HETEROGENÉRICOS - FEMININOS EM


ESPANHOL/MASCULINOS EM PORTUGUÊS
Espanhol Português
La a, la b, la c... O a, o b, o c...
La alarma O alarme
La cárcel O cárcere
La costumbre O costume
La crema O creme
La leche O leite
La legumbre O legume
La nariz O nariz
La paradoja O paradoxo
La protesta O protesto
La sal O sal
La sonrisa O sorriso

144
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

La sangre O sangue
La risa O riso
La radio (aparato) O rádio
FONTE: Adaptado de Juez (2007)

Quantas diferenças, não é verdade?! Você conhecia esses exemplos? Além


desses, existem muitos outros, por isso, é importante essa reflexão no nosso par
de línguas, além da atenção, sempre. Uma tradução descuidada ou automática,
aqui, cairia, facilmente, em equívocos.

1 - Para praticar com o tema dos heterogenéricos, convidamos você


a identificar o gênero das palavras a seguir:

Substantivo em espanhol Gênero em espanhol


Origem
Nariz
Humo
Insomnio
Samba
Coraje
Pétalo
Leche
Señal

3.4 HETEROTÔNICOS
Heterotônicos significam que têm “tonicidade diferente”. Então, referem-se
aos vocábulos que apresentam proximidade formal, mas tonicidade diferente.
Assim, são as palavras que preservam o mesmo significado, pois, em português e
em espanhol, há várias que, graficamente, são semelhantes, porém, se se muda
a sílaba tônica, muda-se a pronúncia de uma língua para a outra. Confira o quadro
a seguir, lendo, em voz alta, para perceber, claramente, a diferença na tonicidade
dos exemplos:

145
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Espanhol Português
Nivel Nível
Nostalgia Nostalgia
Oxígeno Oxigênio
Magia Magia
Océano Oceano
Pantano Pântano
FONTE: Carvalho (2020, s.p.)

4 FALSOS AMIGOS?
Quando estamos aprendendo espanhol, é comum encontrarmos a
expressão “falsos amigos”, dada a proximidade das línguas e as palavras que
são semelhantes na forma, mas se diferem no sentido. Alguns autores se referem
a heterossemânticos, falsos cognatos ou falsos amigos para esse fenômeno. Há
quem prefere não usar o termo heterossemântico com a justificativa de que o
termo se limita somente à semântica, ou seja, a buscar o significado de cada
palavra, levando à interferência interlinguística, o que poderia gerar a falsa
percepção de domínio de uma língua sobre a outra, e, como sabemos, nenhuma
língua está acima da outra, todas têm o seu valor (SILVA, 2002).

Ojo! Con los falsos amigos: dicionário de falsos cognatos


em espanhol e português, de Suely Fernandes Bechara e Walter
Gustavo Moure. São Paulo: Editora Modera, 1998.

O conceito de falsos amigos vem da expressão francesa


é uma expressão ‘faux amis”, estabelecida pelos linguistas Maxine Koessler e Jules
metafórica para Derocquigny, em 1928, no livro Les Faux-Amis, ainda que não esteja
se referir a
totalmente claro e limitado o fenômeno a que se refere. Amigo seria
um fenômeno
que envolve usado de forma metafórica e falso para se referir a um traidor, ou
interferências seja, não se pode confiar.
interlinguísticas que
ocorre entre línguas Segundo Álvarez Lugrís (1997), é uma expressão metafórica
próximas e que para se referir a um fenômeno que envolve interferências
causa dificuldade
interlinguísticas que ocorre entre línguas próximas e que causa
para os aprendizes.
dificuldade para os aprendizes. Nesse sentido,

146
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Metaforizando a expressão em termos linguísticos, tratam-se,


contrastivamente, de unidades linguísticas que compartilham
semelhanças entre duas línguas, mas que ocultam algum tipo
de divergência, sendo, portanto, no âmbito da aprendizagem (e,
também, no da tradução). Um fenômeno ao qual professores,
aprendizes (e tradutores) devem estar atentos, tanto no que
se refere ao input quanto ao output em língua estrangeira
(REBOUÇAS, 2019, p. 56).

Encontra-se a definição para falso amigo: 1. m. Ling. Cada una de las dos
palabras que, perteneciendo a dos lenguas diferentes, se asemejan mucho en la
forma, pero difieren en el significado, y pueden dar lugar a errores de traducción;
p. ej., inglés actually 'efectivamente' y español actualmente.

Somando-se à discussão, Sanz (apud SILVA, 2013, p. 28) nos chama a


atenção para a importância dos estudos psicolinguístico e sociológico, com o
exemplo: “la franja horária que ocupa en España el saludo de Bom dia, es superior
a la portuguesa”. Não atribuindo importância a esse facto, é difícil entender quando
se usa corretamente essa forma de cumprimentar. Nesse sentido, a abordagem
pragmática e o indivíduo são fundamentais para a compreensão da língua.

Por que será que uma mesma palavra tem significado diferente
ou mais amplo ou restrito em determinada língua?

Ainda, para a autora, os falsos amigos podem ser classificados, usando


quatro critérios semânticos: primeiro, para aqueles que são totalmente diferentes
nas duas línguas; segundo, aqueles para os quais certa ampliação ou restrição de
sentido se torna mais adequada em uma língua, e não em outra; terceiro, quando
o significado é mais extenso em uma língua do que em outra; e quarto, quando
uma palavra não possui tradução na outra língua, favorecendo a distorção (SILVA,
2013).

147
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

4.1 EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS


As expressões idiomáticas não possuem uma tradução literal, o sentido
é construído a partir do contexto cultural, com todo o grupo de palavras que
compõe a expressão. Costumam ser criações linguísticas de origem popular e
cristalizadas nas comunidades. Assim, representam um traço cultural. Muitas
vezes, o repertório léxico de uma língua não dá conta de expressar determinadas
emoções ou sutilezas do pensamento, então, criam-se combinações inusitadas,
para surgir o efeito de sentido. Depois, essa combinação de palavras se difunde
pela comunidade dos falantes, originando as expressões idiomáticas cristalizadas,
que passam de geração em geração (XATARA, 1994).

Uma dica para complementar os estudos de tema é MARZANO,


F. Dicionário espanhol-português de falsas semelhanças. Mais
de 1400 falsos cognatos com definições e exemplos. Rio de Janeiro:
Campus, 2001. Neste dicionário bilingue, são apresentados alguns
cognatos, incluindo diferenças de uso entre Espanha e América
hispânica.

Cabe, ao A multiplicidade de expressões idiomáticas está relacionada


professor de
à diversidade cultural desse país. Desse modo, desempenham
língua estrangeira,
apresentar, papel importante na fluência do falante, que, além de conhecer o
ao aluno, as significado conotativo, precisa entender o significado metafórico e
expressões saber os contextos para usar as expressões. Cabe, ao professor de
idiomáticas língua estrangeira, apresentar, ao aluno, as expressões idiomáticas
contextualizadas contextualizadas em textos e em situações de uso reais, a fim de
em textos e em
ampliar os conhecimentos linguístico e cultural. Como as línguas
situações de
uso reais, a fim espanhola e portuguesa possuem essa proximidade, é possível
de ampliar os compreender algumas dessas expressões, outras nem tanto,
conhecimentos necessitando de uma análise mais profunda (SOLER, 2010). Os
linguístico e cultural.mesmos pressupostos teóricos que vínhamos discutindo, a respeito
dos falsos amigos e heterossemânticos, são válidos quando falamos,
especificamente, das expressões idiomáticas, e, de modo mais amplo, da área da
fraseologia.

148
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Você pode encontrar mais a respeito do assunto, pesquisando


por “fraseologia”, mas você sabe a que se refere esse termo?
Segundo a Real Academia Española (2017):

Fraseología

De frase y -logía.

1. f. Conjunto de modos de expresión peculiares


de una lengua,
de un grupo, de una época, actividad o individuo.
2. f. Conjunto de expresiones intrincadas, pretenciosas o falaces.
3. f. palabrería.
4. f. Conjunto de frases hechas, locuciones figuradas, metáforas y
comparaciones fijadas, modismos y refranes, existentes en una
lengua, en el uso individual o en el de algún grupo.
5. f. Parte de la lingüística que estudia las frases, los refranes,
los modismos, los proverbios y otras unidades de sintaxis total
o parcialmente fija.

Veremos alguns exemplos de expressões idiomáticas em língua espanhola e


o que podemos considerar equivalentes em língua portuguesa:

QUADRO 11 – EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS EM ESPANHOL


E EQUIVALÊNCIA EM PORTUGUÊS

Expressões Idiomáticas (Língua Es- Expressões Idiomáticas (Língua Por-


panhola) tuguesa)
Bailar al son que tocan. Dançar conforme a música.
Bailar en corda floja. Andar em corda bamba.
Jugar con dos barajas. Fazer jogo duplo.
Rasgarse la barriga. Ficar de papo pro ar.
Dar en el Blanco. Acertar na mosca.
Me importa un bledo. Não dar a mínima importância.
No tener oficio ni beneficio. Não ter nada que ver com o peixe.
Asomar la cabeza. Crescer na vida.
FONTE: Soler (2010, p. 6-9)

Nesses exemplos, as expressões possuem equivalentes em ambas as


línguas, e são de fácil compreensão, porém, nem sempre é assim. Quando

149
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

tratamos de expressões em espanhol, o aprendiz que tem, o português, como


língua materna, precisa, novamente, ter atenção redobrada, pois se algumas
expressões são semelhantes em ambas as línguas, como esses exemplos que
acabamos de ver, outras podem se diferenciar. Ainda que possamos ter um
exemplo que coincida na forma em ambas as línguas, podem surgir diferenças no
uso, ou seja, equivocações no nível pragmático (LUKEŠOVÁ, 2012).

Vejamos alguns exemplos de expressões que podemos considerar como


falsos amigos:

QUADRO 12 – EXEMPLOS DE FALSOS AMIGOS FRASEOLÓGICOS

Expressão em espanhol Expressão em português


abrir (el) juego abrir o jogo

1. en el fútbol y otros juegos deportivos, 1. passar a bola, num jogo de futebol,


lanzar la pelota desde un lugar donde de uma zona do campo em que há con-
hay gran acumulación de jugadores de centração de jogadores, para um joga-
ambos equipos, hacia un compañero dor isolado;
desmarcado en la banda contraria del
campo, para que pueda jugarla sin es- 2. começar a falar com franqueza, a rev-
torbos; elar segredos, verdadeiras intenções;

2. empezarlo;
abrir los ojos a alguien abrir os olhos a alguém

1.desengañarle en cosas que le pueden 1. desfazer erro, ilusão, ignorância de


importar; uma pessoa; dar-se conta da realidade

2. descubrirle algo de que estaba ajeno; 2. avisar uma pessoa contra perigo, ris-
co;
3. estar o ponerse en actitud vigilante;
3. estar atento, vigilante;

4. repreender silenciosamente, com o


olhar;
andar con el tiempo andar com o tempo

1. conformarse con él; 1. acomodar-se às circunstâncias

2. lisonjear a quien tiene mucho poder y 2. acompanhar a evolução das ideias,


seguir sus dictámenes; dos costumes;
echar tierra sobre algo botar terra sobre

ocultarlo, hacer que se olvide y que no 1. esquecer uma coisa;


se hable más de ello;
2. desistir de uma coisa;

150
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

caerse de maduro cair-se de maduro

estar cercano a la muerte; 1. ser previsível, ser inevitável, não


poder mais resistir;

2. estar no ponto máximo;


dar alguien cabezadas dar as suas cabeçadas

cabecear; inclinar la cabeza cuando se cometer erros, disparates, geralmente,


va durmiendo; os que são típicos da mocidade;
dar en la cabeza a alguien dar na cabeça a alguém de/para

1. frustrar sus designios, vencerle; tomar uma decisão inesperada; sur-


preendente;
2. hacer intencionalmente algo con-
trario a lo que la persona de que se tra-
ta espera o desea*;

3. desuso porfiar indiscretamente;


dar (el) golpe dar o golpe

causar sorpresa o admiración 1. proceder deslealmente;

2. enganar uma pessoa; fazer falcatrua,


engano
dejar caer deixar cair

1. desuso abandonar; 1. abandonar, desistir;

2. decir algo con intención oculta, con 2. deixar correr, não interferir;
astucia como si se hiciera sin querer*
estar caliente estar quente

estar lujurioso, muy propenso al apetito 1. diz-se, em certos jogos infantis,


sexual; excitado sexualmente quando uma pessoa se aproxima do lo-
cal em que está escondido um objeto;
aproximar-se da verdade, da razão, da
explicação;
hacer culebra fazer bicha/fazer fila

culebrear; andar formando eses y ocupar o seu lugar, aguardar a sua vez,
pasándose de un lado a otro geralmente, de pé, uma pessoa atrás
da outra;
hacer pompa fazer pompa

1. dicho de un árbol: extenderse con fol- ostentar, pôr em evidência, fazer alarde
laje hacia todas partes; de alguma coisa;

2. ahuecar una mujer las faldas, cogien-


do aire y sentándose de repente;

3. hacer vana ostentación de algo;

151
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

hervirle la sangre a alguien ferver o sangue a alguém

1. tener el vigor y lozanía de la juventud; 1. ser impaciente ou inquieto;

2. excitarse, acalorarse, apasionarse o 2. experimentar um forte sentimento de


entusiasmarse con algo*; revolta, fúria, ódio, raiva, indignação ou
desejo de vingança;

3. não parar em parte nenhuma;


quedarse alguien frito/estar frito ficar frito/estar frito

dormirse encontrar-se em situação desesperada,


embaraçosa, em apuros
llevar alguien por delante algo levar por diante

tener una cosa presente al hacer otra* 1. continuar o que se iniciou; prosseguir
com alguma coisa, fazer avançar;

2. realizar, conseguir o que se pretende


depois de longa insistência
meter alguien el diente/hincar algui- meter o dente em alguma coisa
en el diente
1. conseguir mastigar;
1. comer algo difícil de mascar;
2. vencer dificuldade;
2. acometer las dificultades de un asun-
to con ánimo y decisión; 3. perceber, compreender;

3. apropiarse de parte de la hacienda


ajena que maneja;

4. murmurar de alguien, desacreditarlo;

morir alguien como un perro morrer como um cão

1. morir sin dar señales de arrepen- morrer ao abandono, sem assistência


timiento, o sin el auxilio religioso; médica, moral

2. morir solo, abandonado, sin ayuda


alguna;
morirse de risa morrer de riso

1. reírse mucho y con muchas ganas; rir em gargalhadas sonoras e prolonga-


das, sem poder se conter;
2. dicho de una persona: permanecer
inactiva;

3. dicho de una cosa: estar abandona-


da, olvidada y sin resolver;

152
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

no ser alguien de este mundo não ser deste mundo

1. estar totalmente abstraído de las co- 1. diz-se de pessoa ou coisa muito rara
sas terrenas; pela sua excelência;

2. ser excesivamente bondadoso; 2. não existir;


ser alguien como las hormigas/ser ser como as formigas
alguien una hormiga
diz-se de uma grande multidão
ser ahorrador y laborioso
tener alguien el(los) diablo(s) en el ter o diabo no corpo
cuerpo
1. mostrar-se inquieto, turbulento, de-
1. ser muy revoltoso, atravieso e inqui- saustinado, travesso, insuportável;
eto;
2. estar muito atarefado;
2. ser muy astuto, tener habilidad e in-
genio para engañar, para evitar que le
engañen, o para conseguir cualquier
propósito;
FONTE: Adaptado de Lukešová (2012)

O estudo das expressões idiomáticas pode ir muito além do sistema


linguístico, para abranger as abordagens social e cultural dos países envolvidos.
Assim, o ensino pode ser muito rico, por envolver vários aspectos. Além do léxico,
pode-se trabalhar com situações históricas, culturais, personagens a que remetem
as expressões etc., porém, a maioria dos dicionários e dos materiais didáticos
não apresenta os falsos amigos no campo da fraseologia (LUKEŠOVÁ, 2012).

1 - As unidades fraseológicas heterossemânticas, como as


expressões idiomáticas que estamos vendo, costumam pertencer
à linguagem oral, nos níveis coloquiais e familiar, e refletem a
riqueza cultural de uma língua. Desse modo, sugerimos que
você faça uma pesquisa e apresente uma expressão idiomática
e a possível origem na língua espanhola. Para tornar ainda mais
rica a atividade, procure uma expressão que tenha significado
diferente em português, total ou parcial, ou apenas uma
ocorrência heterossemântica.

153
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

5 A INTERFERÊNCIA LINGUÍSTICA
EM LÍNGUAS PRÓXIMAS
Neste ponto dos seus estudos, já está bem claro como o português e o
espanhol são línguas próximas, por serem da mesma família, de origem latina,
porém, essas várias semelhanças lexicais, morfológicas e sintáticas podem
levar o aprendiz brasileiro de espanhol a uma zona de facilidade enganosa,
segundo Almeida Filho (1995). Lógico que há vantagens, e é uma tendência
natural o aprendiz se munir das estruturas da sua língua materna para assimilar
o espanhol. Na verdade, acreditamos não ser possível separar totalmente as
línguas quando estamos começando o processo de aprendizagem. Quanto mais
próximas são as línguas, mais fácil é a aprendizagem. Assim, o aluno pode usar o
seu conhecimento implícito da língua materna como referência na aprendizagem.

Por outro lado, se as convivências estrutural e léxica entre o português e


o espanhol favorecem a aprendizagem e a intercomunicação, também, há uma
transferência desses elementos nas línguas, o que pode levar a uma interlíngua.
O risco está se o aluno estacionar nessa interlíngua, que também pode ser
chamada de portunhol, como veremos mais adiante. Acerca disso, devido à
proximidade tipológica entre o espanhol e o português, Ferreira (1995, p. 40)
afirma que “existe o mito da facilidade. No entanto, se, por um lado, a semelhança
facilita o entendimento, por outro, são constantes as evidências de transferência
negativa e, eventualmente, de fossilização”. Então, caímos no problema que
ambas as línguas não são tão idênticas quanto parecem à primeira vista, e essas
questões, como semânticas, fonéticas, colocação pronominal e as várias outras
que vimos até nesta disciplina, podem gerar dificuldades e complicações futuras,
caso ocorra a fossilização no processo de avanço de aprendizagem. Importante
aclarar, desde já, que não vemos o que, costumeiramente, é chamado de erro
como algo negativo, mas como estamos tratando do ensino de línguas e das
diferenças e das proximidades entre o par de línguas espanhol e português, cabe
apontarmos as diferenças e os equívocos que podem acontecer e atrapalhar a
comunicação.

Você deve estar se perguntando aí, o que, exatamente, é essa interlíngua,


certo?!

Analisaram-se as produções de estudantes de uma língua estrangeira,


revelando que as produções desses aprendizes tinham características peculiares,
idiossincráticas, que não faziam parte da língua estrangeira nem da língua
materna. “De acordo com a Análise de Erros, os erros dos aprendizes nos indicam
os estágios pelos quais os aprendizes passam no processo de aprendizagem

154
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

da língua meta, ou seja, competência transitória” (FARIAS, 2007, p. 39). Dessa


concepção de erro, caminhamos para o conceito de interlíngua.

O termo interlíngua foi criado por Selinker (1992), para se referir É um sistema
ao sistema linguístico que o aprendiz de uma língua estrangeira linguístico
usa para aprender a língua-meta, ou seja, é um sistema linguístico intermediário que
intermediário que o estudante usa para conseguir os próprios o estudante usa
para conseguir os
objetivos comunicativos; está entre a língua nativa e a língua-meta.
próprios objetivos
comunicativos; está
Conforme escreve Farias (2007, p. 40), “esse é o marco teórico entre a língua nativa
que justifica o caráter positivo e necessário do erro como indício de e a língua-meta.
que a aprendizagem está se realizando”. Para Selinker (1992 apud
FARIAS, 2007, p. 40), o processo pelo qual o estudante aprende “se constrói por
um conjunto de estruturas psicológicas latentes na mente do aluno, que se ativam
quando se aprende uma língua estrangeira e que o centro de atenção deve ser a
tentativa de aprender, independentemente de se conseguir ou não”, pois poucos
aprendizes conseguem a competência de uma falante nativo.

Selinker (1992) desenvolve, na sua proposta, que as operações psicológicas


que organizam o desenvolvimento da língua materna e da língua estrangeira
geram manifestações linguísticas. A diferença dessas operações
Assim, é comum,
psicológicas para a estrutura latente da linguagem está no fato de o aprendiz de uma
que a primeira não possui um programa genético, como a Gramática língua estrangeira,
Universal, tampouco, existe a garantia de que isso se realiza em uma utilizar estruturas
determinada língua, afinal, muitos aprendizes não chegam, realmente, linguísticas ou
a aprender uma língua estrangeira (FARIAS, 2007). léxicas que não
são da língua-meta,
mas provêm da
Durão (2007) consegue sintetizar a interlíngua ao afirmar sua própria língua
que está entre uma língua e outra, tendo a língua materna como materna.
matéria-prima. Referente às variáveis que afetam a interlíngua, a
transferência linguística da língua materna para a língua estrangeira,
segundo Jarvis (2000 apud DURÃO, 2007, p. 35-36), “refere-se a Podemos entender
a interlíngua
qualquer exemplo de dados do aprendiz em que se prove que existe
como um sistema
uma relação estatisticamente importante (ou uma relação embasada linguístico do
na probabilidade) entre algumas características de desempenho da estudante de uma
interlíngua do aprendiz e a sua L1”. Assim, é comum, o aprendiz de língua estrangeira
uma língua estrangeira, utilizar estruturas linguísticas ou léxicas que em determinada
não são da língua-meta, mas provêm da sua própria língua materna. etapa do processo
de aprendizagem, o
qual se constrói de
Podemos entender a interlíngua como um sistema linguístico forma processual e
do estudante de uma língua estrangeira em determinada etapa do criativa e visível na
processo de aprendizagem, o qual se constrói de forma processual atuação linguística.
e criativa e visível na atuação linguística. Esse processo atravessa

155
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

sucessivas etapas e revela elementos da língua materna, da língua-meta e


outros, exclusivamente, idiossincráticos (GARGALLO, 1993). Ainda que diferentes
pesquisadores definam a interlíngua com certas diferenças, a língua materna
sempre se faz presente. Para Gargallo (1993), a interlíngua tem as seguintes
características:

• sistema linguístico dissemelhante entre a língua materna e a língua


estrangeira;
• sistema internamente estruturado;
• sistema constituído por etapas que se sucedem;
• sistema dinâmico e contínuo, que muda através de um processo criativo;
• sistema configurado por um conjunto de processos internos;
• sistema correto na sua própria idiossincrasia.

Para Fernández (1997), as descrições da interlíngua começaram devido


à análise de erros, impulsada por uma preocupação didática que gerou até
a investigação da aquisição das línguas. Com isso, podemos dizer que,
metodologicamente, as pesquisas acerca da interlíngua se encarregam de
analisar e de descrever a língua que o estudante de língua estrangeira usa
durante o processo de aprendizagem. Assim, descreve-se o sistema de
regras, utilizado pelo estudante na língua estrangeira, através de um processo
“rigoroso na metodologia, exaustivo no corpus de dados, fiel na interpretação e
empiricamente verificável nas conclusões” (FARIAS, 2007, p. 41). Destacamos,
conforme reforça Corder (1992 apud FARIAS, 2007, p. 41), que, nessa análise da
interlíngua, “deve-se levar em conta não só as frases desviadas, mas, também,
as corretas”.

Tarone (1982 apud GARGALLO, 1993, p. 137) enumera os passos de estudo


da interlíngua:

a) determinação do perfil do informante ou dos informantes;


b) determinação do tipo de análise, que pode ser longitudinal
(por um período de tempo com os mesmos informantes) ou
transversal (em um momento determinado do processo de
aprendizagem);
c) planejamento da tarefa, com a segurança de que o modelo
empregado seja mais apropriado para limitar os aspectos que
se propõem, como objetivo de estudo (tema de conversação,
lugar da prova, relação entre os informantes e interlocutores);
d) exame dos fatores que se levam em conta, como causadores
da variabilidade na interlíngua (os contextos nos quais uma
determinada forma linguística é obrigatória);
e) análise dos dados, seguindo o critério dos contextos
obrigatórios.

156
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Para Durão (2007), a interlíngua apresenta sistematicidade,


A interlíngua
porém, com menos consistência interna do que as línguas naturais, apresenta
pela falta de “conhecimento autônomo”. Esse conhecimento se refere sistematicidade,
àquele que “se adquire, naturalmente, nas comunidades linguísticas porém, com menos
maternas, as quais transmitem uma capacidade intuitiva de julgar a consistência interna
gramaticalidade e as adequações sociolinguística e discursiva-cultural do que as línguas
naturais, pela falta
dos enunciados” (DURÃO, 2007, p. 46). Com isso, a pesquisadora
de “conhecimento
menciona que o conhecimento dos aprendizes não chega a ser autônomo”
autônomo, pois é adquirido de forma artificial, ou seja, por meio dos
estudos.

Segundo Durão (2007), se a interlíngua tem sistematicidade, não é um


sistema caótico, portanto, muitos dos erros que aparecem nela são próprios do
conhecimento parcial dos estudantes em cada etapa de aprendizagem linguística.
A partir disso, podemos observar diferentes etapas desse processamento. Com
isso, não propomos prever, desvalorizar ou, simplesmente, justificar, com a língua
materna, os ditos erros dos aprendizes. O intuito é entender esse processo, além
de perceber as relações entre os sistemas linguísticos para que as nossas aulas
de língua espanhola sejam mais eficientes.

Um aspecto negativo, como comentamos, é se, esses erros, ou melhor,


inadequações da interlíngua, acabam fossilizando. Segundo Selinker (1992, p.
84-85),

chamamos de fenômenos linguísticos fossilizáveis aqueles


itens, regras e subsistemas linguísticos que os falantes de uma
língua materna particular tendem a conservar na sua interlíngua
em relação com uma língua-objeto dada, sem importar qual
seja a idade do aluno ou quanto treino tenha recebido na
língua-objeto. É importantíssimo observar que as estruturas
fossilizadas tendem a permanecer como atuação potencial,
ressurgindo na produção de uma interlíngua, inclusive, quando
já pareciam erradicadas.

Essa fossilização de inadequações pode ocorrer por diferentes razões, como


quando a atenção do estudante se volta para um tema novo ou difícil; por questões
psicoafetivas, como ansiedade, excitação ou muita falta de atenção; e quando o
aprendiz fica muito tempo sem praticar a língua estrangeira (SELINKER, 1992).

157
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Lembre-se do tempo em que você estava estudando espanhol.


Passou por esse processo de interlíngua? Cite alguns exemplos.

5.1 OS CHAMADOS “ERROS”


Relacionada com os estudos da interlíngua e da análise contrastiva, surge a
análise de erros. Inspirada na sintaxe generativa de Noam Chomsky e na teoria
desenvolvida por Skinner, acerca da aquisição de língua, a análise de erro se
destaca como revisão da teoria da aprendizagem e revalorização
O conceito de erro do conceito de erro (GARGALLO, 1993). Assim, podemos afirmar
evoluiu muito nas que o conceito de erro evoluiu muito nas últimas décadas. Já não
últimas décadas.
é mais visto como algo simplesmente negativo, para ser entendido
Já não é mais
visto como algo como parte do processo de aprendizagem. Inclusive, para Fernández
simplesmente (1997), se professores e alunos estivessem convencidos de que os
negativo, para ser erros, mais do que inevitáveis, são necessários, lidaríamos melhor
entendido como com o processo, e a superação do erro seria mais rápida, pois se
parte do processo criariam condições favoráveis para o desenvolvimento da língua.
de aprendizagem.
Acreditamos que o erro é necessário no processo de aprendizagem.

Em sintonia com essa visão, Durão (2007) afirma que a transferência pode
ser facilitadora (transferência positiva) ou interferente (transferência negativa
ou interferência). Nesse viés, a transferência positiva encurtaria a distância
interlinguística entre a língua materna e a língua de aprendizagem. Já a
transferência pode ser negativa quando ocorrem problemas de comunicação ou
de aprendizagem.

A mudança de postura, em relação ao conceito de erro, provém do interesse


pelo cognitivismo psicológico, consequentemente, pelo conhecimento, do
indivíduo, da realidade. Desse modo, “esse conhecimento passa por sucessivas
etapas de aproximação à língua-meta, daí o nome de competência transitória”
(CRUZ, 2012, p. 31). Podemos apontar as caraterísticas desse processo de
evolução em quatro tópicos:

É um processo interno do aluno;


Está em constante progresso;
É mutável, devido às diferenças de cada nível de competência
do aluno;
É o início do processo de aprendizagem da língua estrangeira
e do afastamento da língua materna (CRUZ, 2012, p. 31).

158
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Somando a esse entendimento, a aprendizagem de uma língua estrangeira é


vista como “fruto de um processo criativo, no qual se incluem estratégias mentais
complexas, como a criação de hipóteses” (CRUZ, 2012, p. 31). A partir dessa
ideia, objetiva-se descobrir as maiores dificuldades dos alunos, por meio de
uma lista de erros mais frequentes, que podem ser divididos entre mais e menos
graves. Com essa proposta, visa-se contribuir para o ensino com a análise de
erros. Nesse aspecto, é “[…] un procedimiento científico orientado a determinar
la incidencia, la naturaleza, las causas y las consecuencias de una actuación
lingüística y cultural que, en alguna medida, se aleja del modelo del hablante
nativo adulto” (GARGALLO, 2004 apud CRUZ, 2012, p. 32).

Gostaríamos de frisar que a noção de erro, no uso linguístico,


tende ao preconceito linguístico, e acaba por autorizar a exclusão
social. Nesse sentido, reforçamos que as línguas são sistemas
heterogêneos e a sistematização do que costuma ser visto como erro
é alvo dos estudos da Sociolinguística. Para entender melhor esse
ramo da linguística, sugerimos a leitura de GÖRSKI, E.; COELHO,
I. Sociolinguística e ensino: contribuições para a formação do
professor de língua. Florianópolis: EdUFSC, 2006.

Dando seguimento, no aspecto didático, o erro nos leva ao questionamento:


corrigir ou não? Se optamos por corrigir, como fazer isso de forma assertiva?
Gargallo (1993, p. 104) apresenta um conjunto de técnicas para auxiliar na
correção dos erros, vejamos:

a) ensinar o aspecto gramatical ou discursivo conflitivo a partir


de outro ponto de vista;
b) anotar, durante o discurso do estudante, os erros que,
posteriormente, serão escritos no quadro, para que os próprios
estudantes analisem e deem uma explicação;
c) gravar o discurso do estudante e fazer que ele o escute,
desenvolvendo o seu sentido crítico para detectar os seus
próprios erros;
d) fazer com que os estudantes anotem os erros dos seus
próprios companheiros;
e) frisar aqueles erros que se identificam com um grupo ou
nacionalidade;

159
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

f) falar das faltas ou equívocos que, inclusive, os falantes


nativos cometem, evitando o termo erro.
g) pedir aos estudantes que, diante do erro, busquem a regra
não cumprida, e a expliquem ao resto de sala.

A respeito do tema, Vázquez (1987 apud FARIAS, 2007) acredita que


somente devemos corrigir os erros gramaticais que estão sendo ensinados com
ênfase no léxico, na entoação e na pronúncia, pois considera esses elementos
fundamentais para a compreensão da mensagem.

Quando aprendizes ou, mesmo, em níveis mais avançados,


os erros podem acontecer, afinal, é quase impossível dominar
completamente uma língua. Então, se você cometer um erro, prefere
que corrijam a sua fala? Como? E quem? Reflita a respeito.

De fato, não existe uma técnica ou receita mágica para lidar


Não existe uma
com os erros dos nossos alunos. Cada situação pode exigir um
técnica ou receita
mágica para lidar encaminhamento diferenciado, mas é importante ter em mente que
com os erros dos a correção de um erro, muitas vezes, interrompe a comunicação.
nossos alunos. É preciso ter atenção se a correção está sendo, de fato, eficaz. Os
Cada situação diferentes erros dos alunos refletem as diferentes estratégias que
pode exigir um ele pode estar usando para superar as dificuldades na nova língua.
encaminhamento
Nesse aspecto, a análise de erros pode contribuir para proporcionar
diferenciado.
o conhecimento das diferenças e das semelhanças entre as línguas,
a língua materna do aluno e a língua-meta, além de contribuir para o professor
buscar maneiras mais eficazes para ensinar.

1 - Estamos conversando a respeito dos erros cometidos pelos


nossos alunos. Nesse sentido, qual a sua opinião acerca do
chamado erro? Considera positivo ou negativo? Como trabalhar
com a sua presença nas nossas aulas de língua estrangeira?
Escreva um pequeno parágrafo, colocando a sua posição.

160
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

5.1.1 Os erros e as estratégias


As experiências
Para analisar os erros dos nossos alunos, temos que ter em
de cada aluno
mente várias questões, a começar pelo entendimento de que nem são diferentes,
todos os aprendizes manifestam as mesmas condições. Analisar uma então, a interlíngua
interlíngua envolve considerar o conhecimento linguístico do nosso também pode variar,
aluno como variável de ordem extralinguística. As experiências de conforme o cenário
cada aluno são diferentes, então, a interlíngua também pode variar, que se tem.
conforme o cenário que se tem (DURÃO, 2007).

Diferentes teóricos apresentam taxonomias diferentes em relação à


classificação dos erros, assim, apresentaremos, aqui, a proposta de Vázquez
(1991, ampliada em 1999), por permitir diferentes possibilidades de análises e
segundo diferentes critérios. Vejamos:

QUADRO 13 – CRITÉRIOS APLICADOS PARA A CLASSIFICAÇÃO DE ERROS


Critério Tipos de erros
Critério linguístico de adição

de omissão

de justaposição

de falsa colocação

de falsa seleção
Critério etiológico interlinguais

intralinguais

de simplificação

Globais/locais
Critério comunicativo de ambiguidade

irritantes

estigmatizantes

de falta de pertinência

161
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Critério pedagógico induzidos vs. criativos

transitórios vs. permanentes

fossilizados vs. fossilizáveis

individuais vs. coletivos

residuais vs. atuais

congruentes vs. idiossincrásicos

de produção oral vs. escrita

globais vs. locais


Critério pragmático erros de pertinência (ou discursivos)
Critério cultural erros culturais
FONTE: Adaptado de Vázquez (1999)

O primeiro nível de análise se refere ao critério linguístico, útil para a


correção de erros. Já o segundo critério, o etiológico, fornece-nos informações
do processo de aquisição da língua estrangeira e em que lugar da aquisição da
língua o aprendiz se encontra. O critério pedagógico pode e deve permear todos
os demais, assim como os critérios comunicativo, pragmático e cultural devem
ser levados em conta para avaliar o nível do aluno (ainda que nem sempre isso
aconteça, ficando centrado no aspecto linguístico, apenas).

Nesse seguimento, é importante identificar a fonte do erro nas produções do


aprendiz. Como já comentamos, a fonte pode ser interlingual, pois o aluno utiliza
a transferência da língua materna para a língua estrangeira. Esses erros são mais
comuns nos estágios iniciais de aprendizado da língua espanhola, até o aprendiz
estar mais familiarizado com a língua-meta (FARIAS, 2007). Vamos ver alguns
exemplos?

São erros interlinguais:

a) extensão por analogia, como andávamos;


b) não distinção lexical na língua materna em relação à língua-
meta, como surpresa;
c) não distinção gramatical na língua materna em relação à
língua-meta, como fuimos pasar, no lugar de fuimos a pasar;
d) uso de palavras da língua materna em frases da língua-
meta, como igreja, no lugar de iglesia;
e) uso de formas estrangeirizadas, como various, no lugar de
vários;
f) tradução literal, como inesquecible, no lugar de inolvidable;
g) transferência de estrutura da língua materna, como mucho
leche, no lugar de mucha leche (FARIAS, 2007, p. 53).

162
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

Ademais, outras estratégias utilizadas pelos aprendizes também podem ser


responsáveis pelo surgimento de alguns erros na interlíngua. Estamos falando de
estratégias intralinguais, como uma tendência à generalização e à simplificação
do sistema da língua-alvo, que devem ser consideradas nesse momento. Essas
estratégias são comuns a todos os aprendizes, pois existe uma tendência a
reduzir, a simplificar o sistema à língua estrangeira, independentemente da língua
materna desse aprendiz. Essa estratégia de simplificação é encontrada em
diferentes níveis da interlíngua (FARIAS, 2007).

A tendência a generalizar as regras gramaticais, durante o processo de


aprendizagem, também é bem comum. Os alunos tendem a hipergeneralizar
certos elementos gramaticais que estão aprendendo na língua estrangeira, de
modo inconsciente. Esse processo ocorre em diferentes níveis de interlíngua, e
os erros cometidos são normais nesse processo de aprendizagem, e costumam
desaparecer, conforme o aluno avança nos estudos, porém, é necessário manter
atenção, pois alguns desses erros podem permanecer e se fossilizar (FARIAS,
2007).

Muitos erros intralinguais têm origem nos seguintes processos:

a) omissão, como el salio, no lugar de él salió;


b) adição: fuímos, no lugar de fuimos;
c) generalização: conocimos a un sitio no lugar de conocimos
un sitio (no Espanhol, somente se utiliza a preposição a
com complemento direto si esse complemento for pessoa
determinada).
d) formas alternadas: se lo da, no lugar de dáselo, ou dioselo,
no lugar de se lo dio;
e) ordem indevida de palavras: había me divertido, no lugar de
me había divertido;
f) invenção de uma nova palavra na língua-meta: suené, no
lugar de soñé;
g) confusão entre termos lexicais parecidos: medio dia, no
lugar de mediodía;
h) não relação entre letras e fonemas da língua-meta: mugeres,
no lugar de mujeres (FARIAS, 2007, p. 54).

Vázquez (1991), na sua tese, afirma que os erros intralinguais e interlinguais,


que se apresentam em cada um dos componentes, são fonológicos, léxicos,
morfossintáticos, semânticos e pragmáticos. Apoiada nisso, divide os erros
produzidos por interferência da língua materna ou da língua estrangeira, segundo
os itens afetados, confira:

163
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

QUADRO 14 – TIPOS DE ERROS


Tipos de erros Exemplos
Erros por interferência fonética Jamais (port.) – Jamás (esp.) /Ʒamás/
- /xamás/
Erros por interferência ortográfica Também (port.) - También (esp.) Léxico
com Interferência - tambiém
Erros por interferência léxica ¿Puedes leer la tirita?
Erros por interferência semântica Vaso (esp.)/Copo (port.)

FONTE: Adaptado de Vázquez (1991)

Os equívocos de ordem léxica são cometidos, frequentemente,


Os equívocos
no processo de aprendizagem do espanhol por nativos do português,
de ordem léxica
são cometidos, dada a proximidade entre as línguas, mas, também, as divergências
frequentemente, – os heterossemânticos são um exemplo claro disso. Diante disso,
no processo de para ilustrar alguns erros cometidos no processo de aprendizagem,
aprendizagem do veremos alguns exemplos centrados no campo léxico. Para isso,
espanhol por nativos demonstraremos os exemplos apresentados por Silva (2002), ao
do português, dada
descrever alguns erros encontrados em aprendizes de espanhol,
a proximidade
entre as línguas, nativos do português brasileiro, em aulas dos níveis fundamental
mas, também, as e superior. Esses erros, que ela prefere chamar de inadequações,
divergências – os são classificados como inadequações lexicais, e, dentro desse
heterossemânticos grupo, divide “três subgrupos quanto à inadequação na forma e no
são um exemplo sentido, considerando, como pontos críticos, alguns tipos de erros
claro disso.
que persistem mesmo em estágios avançados da aprendizagem de
LE” (SILVA, 2002, p. 4).

Dentre as primeiras inadequações lexicais colocadas por Silva (2002), há


as referentes ao uso da forma em português. Essa ocorrência indica “falta de
contato com o item lexical em Espanhol, suficiente para que o aprendiz faça uso,
decorrente do desconhecimento total da forma em Espanhol, ou da aparente
semelhança” (SILVA, 2002, p. 4). Vejamos dois exemplos:

1. ... las mujeres pueden executar. (Esp. ejecutar).


2. ... no son cumpridas en nuestro país.(Esp. cumplidas).

Outro subgrupo de inadequações se refere ao uso de uma forma mista,


que se caracteriza pelo uso inadequado das formas da língua estrangeira,
revelando o desenvolvimento do processo de aprendizagem desta. “A partir desse
ponto, devem ser reforçadas a conscientização e a aplicação de metodologia e
de atividades específicas através da análise contrastiva das semelhanças e as

164
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

diferenças entre as duas línguas” (SILVA, 2002, p. 4). Vejamos alguns exemplos:

3. Hoy me he acuerdado del viaje que hicimos a Itália. (Esp. acordado).


4. ... me acusa de ser exagerada en tudo aquello que haço. (Esp. todo/
hago).
5. ... muchas gracias por el envite. (Esp. la invitación).
6. ... viajé al extrangero. (Esp. extranjero).

O outro subgrupo se caracteriza pela inadequação léxico-semântica.


Considerado, pela autora, um dos mais complexos, ainda que, à primeira vista, não
apresente nenhuma inadequação lexical, envolve inadequações quanto à forma,
ao sentido e à distribuição. Encontramos, aqui, “as sutilezas e o emaranhado de
sentidos (primário, secundário, conotativo etc.) que cada língua e cada cultura
apresenta no léxico de forma muito peculiar” (SILVA, 2002, p. 4). Você se lembra
dos heterossemânticos que estudamos? Então, estão presentes nesse subgrupo,
pois merecem uma atenção maior, com estudos, leitura e produção de textos,
pois, mesmo o aprendiz já estando em níveis mais avançados de aprendizagem
da língua, podem permanecer certos bloqueios e inadequações de compreensão
e de produção (SILVA, 2002). Observe:

7. ... os envio un regalo, es un esquisito mantel bordado. (Esp. hermoso,


lindo).
8. ... el preconceito está sólo en la cabeza de las personas. (Esp. prejuicio).
9. El ladrón tiró de mi bolsa todo el dinero. (Esp. sacó/bolso).
10 .... aunque no creas, ocorrió un hecho que me dejó muy aburrida. (Esp.
Ocurrió/enojada).
11. Mi amigo está muy embarazado hoy en el trabajo. (Neste caso, para não
ocorrerem constrangimentos, é melhor usar desordenado/perturbado...).
12. La secretária está muy exquisita. (A palavra adequada seria rara/
extraña, pois exquisita tem sentido de deliciosa, de muito bom gosto...).
13. "Tiró al aire un largo cuchillo".
14. Le contestó que había borrado lo que estaba escrito. (Respondeu-
lhe que tinha apagado o que estava escrito).

Silva (2002, p. 4) chama atenção para os exemplos 13 e 14, nos quais


podemos observar “a incompreensão ou a compreensão inadequada quanto ao
sentido das palavras e da própria frase por parte dos alunos”. Ressaltamos que
todos os 14 exemplos foram retirados do seu trabalho.

165
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Com esses exemplos, espera-se mostrar a validade de analisar,


contrastivamente, as línguas espanhola e portuguesa, na produção oral ou
escrita dos estudantes, com a finalidade de promover a conscientização a
respeito das diferenças e das semelhanças entre as línguas e, assim, conseguir o
aprofundamento na língua estrangeira (SILVA, 2002).

Uma dica de leitura para você, professor de espanhol, de língua


estrangeira, é o capítulo “Uma metodologia específica para o ensino
de línguas próximas”, do livro ALMEIDA FILHO, J. C. Português
para estrangeiros interface com o espanhol. Campinas: Pontes,
2001.

Destacamos que a observação dos erros favorece a criação de estratégias


mais precisas de aprendizagem, contribuindo para o professor buscar estratégias
mais eficazes para o processo de ensino do alunado. Como afirma Fernández
(1995), a análise de erros nos revela o processo de aprendizagem e podemos
observar algumas das estratégias utilizadas na construção da língua meta; os
erros expõem um processo ativo, com uma série de constantes que nos permite
não só conhecer o momento desse processo, mas atuar didaticamente a partir
dele.

Em síntese, podemos dizer que a análise de erros contribui para:

- esclarecer o conceito de “dificuldade real” na aprendizagem;


- determinar, com maior rigor, o conceito de nível;
- precisar a definição de “erro grave” (VÁZQUEZ, 2009, p. 105).

Além de identificar o erro, é pertinente refletir acerca da causa dele. Contudo,


é normal que tenhamos mais de uma causa. Dentre as fontes que se destacam
como principais causas dos erros de um falante não nativo, Silva (2015) enumera
as seguintes:

166
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

QUADRO 15 – TIPOLOGIA DA CAUSA DOS ERROS


Causas dos erros
Distração Relacionada com os cansaços físico e
mental, com o grau de motivação, o grau
de confiança em si mesmo e o nível de
ansiedade.
Interferência Concretizada na adoção de formas,
de estruturas da língua materna (L1)
ou de outras línguas segundas (L2) ou
estrangeiras (LE) que o estudante con-
hece. O resultado desse fenômeno são
os erros interlinguísticos.
Tradução Trata-se de um caso específico de inter-
ferência que afeta, sobretudo, locuções
e frases feitas ao traduzir, literalmente,
uma forma ou estrutura da L1 na pro-
dução linguística da língua-meta.
Hipergeneralização e aplicação incom- Referem-se às hipóteses incorretas ou
pleta das regras da língua-meta incompletas do aprendiz, baseando-se
no conhecimento do funcionamento da
língua-meta. O resultado desse fenôme-
no são os erros intralinguísticos.
Induzidas pelos materiais e os proced- Referem-se àqueles erros que vêm mo-
imentos didáticos tivados pelas mostras de língua, concep-
tualizações ou procedimentos emprega-
dos no processo de aprendizagem.
Estratégias de comunicação Referem-se àqueles erros cuja origem
está no mecanismo que o estudante põe
em marcha quando se apresenta um
problema de comunicação.
FONTE: Silva (2015, p. 12)

5.2 PORTUNHOL COMO LÍNGUA DE


INTERAÇÃO COMUNICATIVA
Ao tratarmos do tema da interlíngua, logo, alguém lembra do portunhol, não
é verdade?! Ainda que muitas pessoas consideram ambos os termos sinônimos,
não é tão simples assim. Para entendermos melhor, precisamos saber que
existem várias concepções de Portunhol, defendidas por diferentes teóricos.
Nesse sentido, Miranda Poza (2014) nos brinda com três concepções distintas,
atente-se:

1. Portunhol entendido como interlíngua desde a perspectiva


específica da aprendizagem de uma segunda língua, isto é,
como um momento necessário do processo pelo qual transcorre
o aprendiz, com as correspondentes repercussões no âmbito

167
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

dos processos de ensino-aprendizagem de segundas línguas.


2. Portunhol entendido como um tipo de língua, que mescla
elementos de outras línguas em zonas de fronteira, e que
chega a se converter em “crioula” desde a perspectiva de uso,
o que se torna um tipo de normatização.
3. Portunhol entendido como uma aparição de idioleto ou
de fala, espontânea de um intercâmbio comunicativo que se
produz quando não se possui pleno domínio das línguas em
contato, fazendo com que o indivíduo insira, inconscientemente,
no discurso, termos ou expressões da língua estrangeira e da
língua materna (MIRANDA POZA, 2014, p. 23).

O Portunhol pode Assim, o Portunhol pode ser compreendido como um


ser compreendido dialeto híbrido, indicando uma interlíngua durante o processo de
como um dialeto aprendizagem da língua espanhola pelos falantes de português.
híbrido, indicando Entendido como um estágio instável no qual se misturam as
uma interlíngua
duas línguas. Por isso, muitas vezes, é visto como um falar mal o
durante o processo
de aprendizagem espanhol, ou seja, como uma prática linguística deficitária, ao receber
da língua espanhola uma conotação negativa. Contudo, como já vimos, essa interlíngua
pelos falantes de pode ser entendida como parte do processo de aprendizagem, e
português. não faz sentido o preconceito que recebe. Pior, esse entendimento
preconceituoso é levado, muitas vezes, para a outra concepção do
Portunhol, como uma língua que resulta do contato linguístico entre o português
e o espanhol, sendo uma língua de contato, quer dizer, étnica, realidade em
comunidades de fronteiras, ou seja, um “dialeto fronteiriço”.

A fronteira passa a ser vista como o lugar onde os limites geopolíticos se


tornam indefinidos, e esse território se caracteriza pela integração e pelo contato
entre etnias e línguas diferentes, no caso, espanhol e português, revelando
relações sociais entre grupos em uma zona hibrida “preenchida de conteúdo
social e onde a língua assume contornos próprios” (STURZA, 2019, p. 47). Nesse
entendimento, “a fronteira é, portanto, uma ficção. É um nome dado a linhas
abstratas que, na realidade, não existem como são” (LIMÃO, 2017, p. 2101).

Podemos citar as fronteiras do Brasil-Argentina, Brasil-Paraguai, Brasil-


Bolívia e Brasil-Venezuela, nas quais encontramos uma língua que não é a do
Estado, mas resultado “do cruzamento das línguas portuguesa e espanhola, da
extensão ou do influxo de uma língua em território linguístico da outra” (LIMÃO,
2017, p. 2102). Esse contato contínuo entre as comunidades de fronteira
“favorece a formação de novas identidades cultural e social” (LIMÃO, 2017, p.
2101). Nesse cenário, surge o Portunhol, que ainda carece de caracterizações
e de reconhecimento enquanto fenômeno de contato linguístico, porém,
destacamos a fronteira do Rio Grande do Sul com os países da bacia do rio da
Prata, principalmente, na zona fronteiriça do Brasil com o Uruguai, onde são vistos
os Dialetos Portugueses do Uruguai (DPUs), que possuem um reconhecimento

168
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

maior, com pesquisas e estudos regulares da linguística internacional (LIMÃO,


2017).

É necessário ter cuidado para não reduzir o Portunhol ao simples contato


entre as gramáticas, em uma visão formalista. O Portunhol é um dialeto marcado
pela heterogeneidade das línguas, sendo muito rico por apresentar grande
“variedade de sinônimos e palavras mais precisas para expressar conotações
específicas. Além de possuir uma grande riqueza fonética, ele não consiste em
uma simples mescla dos dois idiomas, pois não segue regras gramaticais destes,
de maneira precisa” (MELO, 2018, p. 54).

Lembramos que é necessário ter cuidado no que se refere à hierarquização


das línguas, uma vez que não podemos ter uma visão limitada e pejorativa entre
língua e dialeto, caindo em uma distinção política/social.

Para saber mais das práticas linguísticas, principalmente, a


respeito do Portunhol, recomendamos as leituras de STURZA, E.
R. Fronteiras e práticas linguísticas: um olhar sobre o Portunhol.
Revista Internacional de Linguística Iberoamericana, v. 1, n. 3, p.
151-160, 2004 e de ALBUQUERQUE, J. L. As fronteiras do Portunhol
Salvaje. Revista TB, Rio de Janeiro, v. 196, n. 1, p. 89-108, 2014.

Nesse cenário, “o fato de os falantes escolherem a língua,


Ao se comunicar
segundo as situações de uso, marca uma postura política, sobretudo, através do
se a escolha demonstra uma estratégia discursiva” (STURZA, 2019, Portunhol, o falante
p. 107). Ao se comunicar através do Portunhol, o falante marca “um marca “um lugar de
lugar de expressão cultural das fronteiras sociais e de símbolo de expressão cultural
resistência” (STURZA, 2019, p. 108). Com isso, queremos destacar das fronteiras
sociais e de símbolo
o Portunhol como uma língua com forças social e política, com valor
de resistência”.
identitário para a comunidade de fala e que busca e merece os
“reconhecimentos social e político via o reconhecimento do patrimônio cultural.
Falar Portunhol é reivindicar um código, mas, também, um lugar/um território”
(STURZA, 2019, p. 109).

Não podemos deixar de mencionar o Portunhol Selvagem/Portunhol


Salvaje. O Portunhol, como estávamos vendo, é resultado da mistura do espanhol
e do português nas necessidades comunicativas, assim, o portunhol selvagem é

169
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

uma “mistura do espanhol, do português, contaminado com o guarani e outras


línguas”, sendo usado, a priori, “como uma recreação linguística que os autores
experimentam, seguindo estratégias diferentes em cada caso: da transcrição
mais ou menos próxima à realidade linguística até a pura invenção” (LIMÃO,
2017, p. 2109). É uma língua cheia de vitalidade na escrita literária e, como os
demais portunhóis, não possui uma estabilidade ou regularidade para fixação de
uma gramática.

Tem uma gramática inventada, servindo, ao texto literário, como


recurso estético-linguístico. O uso na escrita tem inspirações
na realidade, na vida pulsante da fronteira, e os temas
abordados são costurados sobre um cenário fronteiriço no qual
a língua exerce um papel protagonista, como materialização
de um discurso de resistência, o que faz com que a fronteira
não seja um cenário qualquer, mas, também, significado na
língua (STURZA, 2019, p. 112).

Assim, pode-se levar o portunhol selvagem além da “fronteira geopolítica,


estando na base da criação de uma fronteira estética” (STURZA, 2019, p. 113).
Esse portunhol do meio literário se destaca em publicações alternativas das
editoras cartoneras, produzidas em materiais reciclados – movimento conhecido
como “lixeratura”.

As editoras cartoneras têm expandido nos últimos tempos, adquirindo cada


vez mais adeptos entre os países vizinhos, como Uruguai, Chile, Bolívia, Peru,
Colômbia, México, inclusive, fora do continente sul-americano, como Espanha,
Suécia, Alemanha e Moçambique (LIMÃO, 2017).

Confira o blog do poeta Douglas Diegues (Rio de Janeiro,


1965) para conhecer o trabalho no portunhol selvagem: http://
portunholselvagem.blogspot.com/2007/10/viernes-5-de-octubre-de-
2007-yiyi-jambo.html.

170
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

6 ENSINO E INTERCULTURALIDADE
No primeiro capítulo, introduzimos a reflexão acerca da língua. Comentamos
que a língua vai muito além de estruturas ortográficas, morfológicas, sintáticas e
fonéticas. Na escola, costumávamos (ou ainda costumamos) usar os
A língua é social
rótulos certo e errado, como conceitos pautados na norma linguística, e interacional, ou
porém, indo além dessa vista estruturalista, há a perspectiva seja, é a interação
sociolinguística que apresenta mudanças metodológicas de ensino entre os indivíduos
que contemplam aspectos de aprendizagem de língua com uma de uma comunidade
visão muito mais ampla. A língua é social e interacional, ou seja, é linguística que dá
significado a cada
a interação entre os indivíduos de uma comunidade linguística que
signo linguístico.
dá significado a cada signo linguístico. Para Bakhtin (2006, p. 79), a
língua é mais que uma superestrutura, é um fenômeno social. Com isso, podemos
dizer que é a cultura desses indivíduos que dá significado ao instrumento de
comunicação que é a língua. “Assim, a língua está entrelaçada à cultura. A língua,
por si só, é um corpo vazio, ou melhor, a cultura é a alma da língua” (FRAGA,
2016, p. 12).

Queremos evidenciar que ensinar uma língua estrangeira, Ensinar uma língua
no nosso caso, o espanhol, é ir além de aspectos formais, para estrangeira, no
nosso caso, o
oportunizar o conhecimento de usos, costumes, artes, crenças, visão
espanhol, é ir além
de mundo dos países que têm o espanhol como língua materna. Afinal, de aspectos formais,
toda a complexidade das sociedades interfere na língua, o que torna para oportunizar o
as línguas tão ricas e heterogêneas. Ao entendermos a língua como conhecimento de
produto social (SAUSSURE, 2006), toda essa diversidade social não usos, costumes,
pode ser rechaçada (FRAGA, 2016). artes, crenças,
visão de mundo
dos países que têm
Amplamente falada, a língua espanhola é a língua oficial em mais o espanhol como
de 21 países, e cada um possui riquezas culturais e particularidades, língua materna.
além de grande variação linguista. Especificamente, a respeito dos
nossos vizinhos, apesar das proximidades históricas, geográficas e políticas e de,
juntos, constituirmos a América Latina, o Brasil, muitas vezes, parece ignorar ou
abordá-los de forma superficial.

171
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Que espanhol falar? Como sabemos, a língua espanhola é muita


rica, falada em diversos países e, consequentemente, apresenta
diferenças, principalmente, de léxico e na forma de falar. Por isso, é
pertinente refletir acerca de que espanhol devemos falar/aprender/
ensinar. Importante deixar claro, para os nossos alunos, que todos
são válidos, e nenhum é melhor do que o outro, para que não exista
julgamento entre eles, caso usem espanhóis diferentes.

Dado tudo isso, somado à proximidade entre as línguas espanhola e


portuguesa, torna-se primordial abordarmos a interculturalidade como estratégia
pedagógica no ensino da língua espanhola. Assim, destaca-se a cultura dos
países hispano-americanos, que, muitas vezes, torna-se invisível nos processos
formais de aprendizagem em língua espanhola.

Antes de prosseguirmos, faz-se necessário nos interrogarmos a respeito


do conceito de cultura, pois é a base da interculturalidade. Para você, o que é
cultura? Reflita!

Definir o que é cultura é um processo complexo, pois o conceito pode divergir


entre autores e campos científicos, como sociologia e antropologia, por exemplo.
Em uma perspectiva semiótica, Geertz (2008, p. 4 apud FRAGA, 2016, p. 14)
expressa o entendimento de cultura:

Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal


amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo
a cultura como sendo essas teias e a sua análise, portanto, não
como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa à procura do significado.

Assim, Geertz percebe a cultura atrelada ao comportamento humano, e a


análise da cultura de uma comunidade deve estar vinculada à interpretação
do discurso social. Já para Almeida Filho (2011), em uma perspectiva vinda da
linguística aplicada,

[...] a cultura é, para o homem, o conjunto de crenças,


conhecimentos e técnicas, além de modos de pensar e de
agir formulados durante a história de seu determinado grupo
ou sociedade. Representa, portanto, a interação humana
com o meio (natureza) em que vive e viveu certo grupo de
seres humanos. Podemos dizer que a cultura é uma eterna
catalisadora e que nunca vai se caracterizar como alguma

172
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

coisa estática e imutável. A mutabilidade é, sem dúvida,


alguma coisa inerente à existência. Vale lembrar que a cultura
nasce com a operação social via linguagem e, é nela, mantida
em constante reajustamento ao longo do tempo (ALMEIDA
FILHO, 2011, p. 159-160).

Corroborando com essa visão que agrega, à cultura, flexibilidade e


dinamismo, podemos compreender cultura da seguinte forma:

a) engloba uma teia complexa de significados que são


interpretados pelos elementos que fazem parte de uma mesma
realidade social, os quais a modificam e são modificados
por ela. Esse conjunto de significados inclui as tradições, os
valores, as crenças, as atitudes e os conceitos, assim como os
objetos e toda a vida material;
b) não existe sem uma realidade social que lhe sirva de
ambiente, ou seja, é a vida em sociedade e as relações dos
indivíduos no seu interior que moldam e definem os fenômenos
culturais, e não o contrário;
c) não é estática, um conjunto de traços que se transmite
de maneira imutável através das gerações, mas um produto
histórico, inscrito na evolução das relações sociais entre si, as
quais se transformam em um movimento contínuo através do
tempo e do espaço;
d) não é inteiramente homogênea e pura, mas se constrói e se
renova de maneira heterogênea, através dos fluxos internos
de mudança e do contato com outras culturas;
e) está presente em todos os produtos da vivência, da ação e
da interação dos indivíduos, portanto, tudo o que é produzido,
material e simbolicamente, no âmbito de um grupo social, é
produto da cultura desse grupo (MENDES, 2015, p. 218).

Em detrimento dessas várias concepções a respeito da cultura,


Mais importante do
é importante aclarar que, mais importante do que escolher uma
que escolher uma
definição, é instigar a reflexão acerca desses aspectos para promover definição, é instigar
um ensino-aprendizagem da língua espanhola que seja culturalmente a reflexão acerca
sensível. “Língua e cultura são unas [...]. Pensar no ensino de línguas desses aspectos
sem relacioná-las à cultura dos grupos sociais é como ensinar a para promover
produzir um instrumento sem ensinar o modo de usá-lo” (FRAGA, um ensino-
aprendizagem
2016, p. 15).
da língua
espanhola que
No nosso cotidiano, nas relações interpessoais, nos meios de seja culturalmente
comunicação e nas expressões artísticas, a cultura se faz presente, sensível.
implícita ou explicitamente. Ela nos une e faz parte da nossa
formação social. O professor, ao ministrar aulas interculturais, “abre um leque de
possibilidades de conhecimento: de conhecer a si (cultura, identidade cultural,
processo de formação do povo) e de conhecer o outro (outros povos e culturas,

173
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

peculiaridades)” (JUNIOR; NASCIMENTO, 2019, p. 2). Assim, ao


Ao incorporar a incorporar a interculturalidade na didática, o professor cria uma
interculturalidade abertura para descobrir o outro, com semelhanças e diferenças. “A
na didática, o
aprendizagem de uma LE, ao contrário do que podem pensar alguns,
professor cria
uma abertura para fornece, talvez, o material primeiro para tal entendimento de si mesmo
descobrir o outro, e da própria cultura, já que facilita o distanciamento crítico através da
com semelhanças e aproximação com uma outra cultura” (MOITA LOPES, 1996, p. 43).
diferenças.
A interculturalidade, enquanto mediadora nas nossas aulas de
A interculturalidade língua espanhola, promove o respeito à cultura de estudo, pois uma
contribui para a aula intercultural fomenta a interação entre duas culturas ou mais
desconstrução sem hierarquização, de modo horizontal. Nesse viés, não existe
de ideologias e cultura superior a uma outra. Assim, a interculturalidade contribui
de preconceitos para a desconstrução de ideologias e de preconceitos gerados pelo
gerados pelo
desconhecimento e pela carência de contato com o “novo” (ALMEIDA
desconhecimento
e pela carência FILHO, 2002).
de contato com o
“novo”. Fala-se de competência intercultural, de propiciar, ao aluno, o
encontro com culturas díspares e valorização. A respeito disso,

[...] a competência intercultural proporciona, ao aluno, o (re)


conhecimento da sua cultura e o diálogo positivo com outras
culturas. Essa comunicação intercultural, no ensino de línguas,
oportuniza uma eficaz aquisição dos significados da língua-
meta e evita os choques culturais. Ademais, a incorporação da
competência intercultural erradica as visões estereotipadas e
distorcidas que o estudante tem sobre a (s) comunidade (s) da
língua-meta (FRAGA; FERREIRA, 2014 apud FRAGA, 2016,
p. 18).

Conforme desenvolve Fraga (2016), é mister, no processo de ensino-


aprendizagem, que exista um diálogo intercultural que instigue, no aluno, o
(re)conhecimento da sua própria cultura e da diversidade cultural na língua
estrangeira. Esse diálogo deve desenvolver a reflexão e a criticidade para que o
aluno se torne um cidadão global, respeitando as diferenças e as diversidades,
atendendo às demandas educacionais do nosso tempo. O autor acrescenta
que a interculturalidade, no processo de ensino-aprendizagem de uma língua
estrangeira, deve ir além do diálogo entre culturas, para se tornar

[...] uma ação integradora, capaz de suscitar comportamentos


e atitudes comprometidos com princípios orientados para o
respeito ao outro, às diferenças, à diversidade cultural que
caracteriza todo processo de ensino-aprendizagem, seja ele
de línguas ou de qualquer outro conteúdo escolar. É o esforço
para a busca da interação, da integração e da cooperação
entre os indivíduos de diferentes referências culturais. É o

174
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

esforço para se partilharem as experiências, antigas e novas,


de modo a construir novos significados em processo de partilha
(MENDES, 2012 apud FRAGA, 2016, p. 18).

Por conseguinte, a interculturalidade, nas nossas aulas de língua espanhola,


deve contemplar a diversidade cultural da língua estrangeira em diálogo com a
nossa cultura brasileira, “proporcionando a integração, a interação e a cooperação”.
No nosso caso, deve “contemplar a diversidade cultural hispano-americana em
uma perspectiva intercultural que propicie (re)conhecer a identidade continental
e se ver como latino-americano” (FRAGA, 2016, p. 18). Calma, caro acadêmico,
sabemos que abarcar todas as diversidades cultural e linguística é impossível,
porém, propomos que se mostre, ao aluno, que existe uma diversidade cultural, e
que a língua espanhola não é monocultural (FRAGA, 2016).

Para contribuir com a reflexão acerca da fala na língua


espanhola e da crítica a respeito da crença dos tipos, trazemos um
texto que discute a fala dos chilenos e a crença de que eles falam
mal a própria língua: MARSALL, M. H.; SOBOTTKA, M. A. W. ¿Cómo
hablan los chilenos? Conocer la historia de un idioma para traducir.
Entrevista al profesor Darío Rojas. Rónai Revista de Estudos
Clássicos e Tradutórios, v. 8, n. 2, p. 235-244, 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/ronai/article/view/32386/21790.
Acesso em: 11 maio 2021.

Confira, também, o seguinte vídeo:


https://www.youtube.com/watch?v=JfYLN6ovrAE&feature=youtu.
be&fbclid=IwAR0ki9VqmkGGcSWmmpNkqScTFGNG2a3pvnvs
YT2i8BhhnqkOnnUPwNCRzww&ab_channel=DARIOROJAS.

O ensino da língua espanhola, no Brasil, por muito tempo, restringiu-se a


aspectos culturais do espanhol peninsular. Com isso, o aprendiz acaba tendo
mais conhecimento de um país que está para além do oceano do que dos
nossos próprios vizinhos continentais. Tal realidade fortalece barreiras culturais
com os países hispano-americanos, sem contar que parece invisibilizar a nossa
percepção enquanto país também latino-americano. Isso se deve, dentre outros
fatores, ao investimento da Espanha no ensino da língua espanhola como língua
estrangeira (FRAGA, 2016).

175
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

Primeiramente, temos que considerar que, dentro do próprio Brasil, existe


uma forte imagem de monolinguismo, relacionada com “jogos de poder”, e, essa
visão, o aprendiz brasileiro estende para a língua espanhola. Soma-se, a isso,
uma política linguística desenvolvida pela Espanha, no Brasil. A promoção de uma
língua envolve a expansão do poderio econômico do país. Ademais, engajada
nessas vantagens econômicas, a Espanha incentiva o mercado editorial espanhol,
produzindo vários materiais didáticos com traços linguísticos, exclusivamente, da
variedade castelhana (ARAUJO; BUENO, 2014).

A hegemonia do espanhol peninsular no ensino de língua no Brasil


enfraqueceu após a década de noventa, com o interesse econômico no Mercosul
e a promoção da integração continental, porém, muitas vezes, a maioria dos
aprendizes de espanhol tem contato com a América hispânica apenas por meio de
mercadorias, como produtos naturais, ou de turistas, no litoral brasileiro no verão.
Ainda, há um longo caminho para uma real valorização, além da incorporação da
diversidade nas nossas aulas.

Muitas vezes, o desconhecimento dos nossos países vizinhos


é tanto que se torna uma brincadeira divertida localizar onde
fica cada um. Será que você consegue acertar todos? Pode ser
interessante propor para os nossos alunos também. Acesse https://
mapasinteractivos.didactalia.net/comunidad/mapasflashinteractivos/
recurso/paises-de-america-del-sur/55343e4e-621e-4bba-8f37-
ba956a6fd5ca.

Nesse cenário, um ensino-aprendizagem intercultural visa acabar com


o apagamento das riquezas linguística e cultural latino-americana. Devemos
romper com esse mito monocultural da língua espanhola (e, lógico, com a língua
portuguesa do Brasil também) e conscientizar os nossos alunos para a riqueza da
língua espanhola e a diversidade identitária latino-americana.

176
Capítulo 3 O ESTRANHO FAMILIAR

1 - Dada a riqueza da heterogeneidade da língua espanhola, não é


possível contemplar todas as variedades nesta disciplina. Então,
propomos, a você, um desafio: procure exemplos de vocabulário
típico de diferentes regiões de fala espanhola.

1 - Culinária também é cultura, inclusive, a culinária é um ótimo


exemplo de trocas desde a colonização na nossa América, pois,
assim como os colonizadores trouxeram elementos da culinária
deles, também incorporaram a dieta dos índios locais. Assim,
propomos que você faça uma pequena lista com pratos típicos
dos países hispano-americanos. Cite, pelo menos, cinco pratos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao fim do livro da nossa disciplina. Se a jornada foi longa, ela
ainda não se esgota aqui. Ser professor de língua estrangeira envolve desafios
inerentes à profissão, muito aprendizado, constantes atualização e reflexão
da própria atuação como docente. Nesta disciplina, introduzimos alguns
questionamentos e questões, assim, cabe, a você, professor preocupado com a
sua prática docente, aprofundar e aplicar nas suas aulas.

Iniciamos os estudos deste capítulo abordando os substantivos, desde


a conceitualização, os critérios e as questões de gênero, sempre analisando,
contrastivamente, a língua espanhola e o português. A seguir, a conversa recaiu
sobre os falsos cognatos, heterossemânticos e falsos amigos. Vimos que esses
termos podem ser aplicados indistintamente e costumeiramente, mas que alguns
teóricos apresentam aprofundamentos que os distinguem. Quantos exemplos
temos nessas categorias, isso que nem nos aprofundamos nas variações
diatópicas. A língua espanhola é falada em tantos lugares, pense em quanta
riqueza linguística podemos encontrar!

Ademais, discutimos a respeito da interferência. Aclaramos que ela faz parte

177
Língua Espanhol e Portuguesa proximidades e diferenças

do processo, além dos erros, necessários durante a aprendizagem. A interferência


ou a transferência pode ocorrer em diferentes níveis, como fonético, morfológico,
sintático, semântico e cultural. É importante citar que, aqui, abordamos uma
perspectiva sobre a noção de interlíngua e sobre os processos conhecidos como
“erros”, porém, existem outras visões dentro da Linguística Aplicada e da própria
Sociolinguística.

Dando continuidade, mencionamos o portunhol, mencionamos pois o assunto


é muito rico e abordamos brevemente. Deixamos claro que o termo pode se referir
a duas situações linguísticas diferentes: no caso de ser uma interlíngua durante
o processo de aprendizagem e uma língua fronteiriça, que surge do contato do
espanhol com o português. Em nenhuma acepção, deve ser estigmatizado.

Por fim, abarcamos, especificamente, o ensino e a interculturalidade. Nas


últimas décadas, o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras tem valorizado
mais a importância da cultura como integrante nesse processo complexo, que
é aprender uma segunda língua. Afinal, língua é muito mais do que estruturas
formais e regras gramaticais.

Ótimos estudos e sucesso na sua caminhada!

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