Você está na página 1de 139

JUNHO SANTIFICADO

ou
Manual de Meditações e Orações
f ARA O MEZ CONSAGRADO
AO

SAlflSSl~O COllÇÃO DE JIESUS


,,.
''
FOR.TO

Typographia Cotholica de José F. da Fonseca


72-RU~ DA PICARIA-74'

1905
JUNHO SANTIFICADO
ou

MANUAl DE MEBIUCOES EORACõrn


PAR.A O MEZ CONSAGRADO
AO

Santissimo -Coração de Jesus


POR

D. MIGUEL SOTTO MAIOFl_

OBRA APPROVADA, RECOMMENDADA


E IN,l)UL6ENCIA.DA PELO EX.mo E REV.wo SNR, D. ANT01"410t
BISPO DO PORTO

- ' ...··~-
~ ~

PORTO
EDITOR JOSÉ FRU.CTUOSO DA P'O_N SECA
7'1-R·ua da Picar1a-i<i

.1805
PRELIMINAR

Ás meditações, que se conteem n’este livro, fo­


ram todas extrahidas das obras oratorias e mysti-
cas de différentes auctores, cuja sciencîa e piedade
teem sido sempre reconhecidas.
Da nossa pobre penna ha aqui muito pouco ;
apenas o preciso para ligar os diversos extractos
d ’aquellas obras, de maneira a formarem um todo
uniforme, na matéria e no estylo, em cada uma
das meditações.
As orações, reprodusidas de devocionarios ap-
provados pela auctoridade ecclesiastica, algumas
mesmo pelos Summos Pontífices recommendadas
aos fieis, tambem não são, nem podiam ser origi­
nalmente nossas, que não pertencemos ao corpo
docente da Egreja, mas apenas temos um humilde
lugar entre os discípulos d’esse venerando magis­
tério, a quem Jesus Christo disse : «Ide5 e ensinae
todas as gentes.»
Pertence-nos portanto apenas o modesto papel
de compilador; e esse não sabemos se o teremos
desempenhado cabalmente. Valer-nos-ha porém a
nossa boa vontade, e a fé que temos em que o
nosso trabalho não será de todo inutil ás almas
devotas que queiram empregar-se em piedosos
exercícios durante o mez de Junho, mais parti­
8 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

cularmente dedicado ao Santíssimo Coração de


Jesus. (*)
Começa pois, n’este livrinho, o exercício diá­
rio pela invocação ao Espirito Santo, seguida de
um acto preparatorio. Lê-se depois a Meditação
propria de cada dia, terminando tudo pelas encom-
mendações e oraçóes que adiante se acham, e pela
Ladainha do Coração de Jesus, que vae no fim do
volume.
Aos fieis, que d’este livro fizerem uso, pedimos
a caridade de rogarem a Deus pelos augmentos es-
pirituaes de quem o publicou e editou, com os
sinceros desejos de que a todos aproveite para a
salvação eterna.
3). S. 0IÎ.

(•) «0 Summo Tontifico roeoramenda o m ais p ossivel. e


com a maior solicilu d e a pia pratica, ja em muitas egrejas
introduzida, do Mez de Junho, consagrado ao C on i^ o de Je­
sus; e paia es?« flm se digna Sua Santidade conceder 300
dias de indulgências por cada vez que se assistir ao piedoso
e ie r c ic io , e indulgência pJenaria aos que tiveram assistido ao
roenos dez dias durante o m<*z.»—Circular de 21 de Jullio de
1899, dirigida, por Cotnnmxão de S- Santidade, a todos os
Bispos pelu Cardeal prefeito da Sagrada Congregação dos
R itos. '
JUNHO SÁNTIFJCÀDO 9

ÜCTOS PREPARATORIOS

Invoquemos 0 Espirito Santo, dizendo:


Vinde, Santo Espirito, enchei os corações dos
vossos íieis> e accendei n’elles o fogo ao vosso
amor.
f . Enviae, Senhor, o vosso Espirito, que de no­
vo creará os nossos corações.
Bj. E renovareis a face da terra.
OREMUS

Deus, que illustrastes os corações dos fieis com


a luz do vosso Espirito Santo: Concedei-nos que
pelo mesmo Espirito saibamos tudo o que é recto,
e nos alegremos sempre com a sua consolação.
Amen.

Oração para anles da Meditação


Amabilissimo Jesus, Senhor e Redemptor nos­
so: Aqui estamos prostrados ante o vosso divino
Coração para render-lhe as homenagens do nosso
amor e da nossa gratidão pelos assienalados bene­
fícios, que d’Elle temos recebido. Os desejos, que
temos, de o amar, são tambem obra vossa. Se Vós
não pensásseis em nós, não poderíamos pensar em
Vós. Amaes-nos mais do que nós nos amamos a
nós mesmos. Tudo quanto podemos fazer por Vós
é em nosso proprio proveito que o fazemos, Ado­
iô MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

ramos pois o mysterio das vossas misericórdias, e


rendemo-nos ao attractivo das vossas graças. Possa
a vossa yoz fazer sempre ouvir-se em nossas al­
mas, e que estas correspondam pelos seus suspiros
e pelo seu amor ao immenso amor, que Vós nos
tendes.
Mas em que estado nos achamos, ó meu Deusl
Tantas paixões a dominarem-nos, tantos defeitos
e vicios a corromperem-nos, tanta inclinação ao
mundo, ás suas pompas e aos seus prazeres, e ta­
manha repugnancia ao cumprimento dos nossos
deveres de christãos, tanta repulsa da nossa parte
aos toques da vossa graça, e tão grande frouxidão
no vosso santo serviço! i a l é a nossa miséria, Se­
nhor! Immensos peccados, e poucas ou nenhumas
virtudes I
Porém, 6 divino Coração, taes quaes somos vi­
mos recolner-nos ao vosso abrigo, implorar a vos­
sa protecção, e, quaes outros filhos prodigos^ pro­
curar na casa paterna o remedio das nossas neces­
sidades. Não ousamos ir até*Vós; chamar-vos-hao
porém a nós os nossos suspiros, as nossas lagrimas,
o nosso sincero arrependimento. Vinde pois, ó
Coração cheio de misericórdia! Está aberta a porta
dos nossos peitos, a entrada das nossas almas e dos
nossos corações; dignae-vos penetrar n’ellcsv e
obrar mais um milagre da vossa infinita bondade
e misericórdia. Assim seja.
JUNHO SANTIFICADO 11

Orações para depois da üeditação

Senhor, nós vos agradecemos a paciência, com


que nos soffreis, senao tão miseráveis peccaaores,
e as impressões, com que a vossa divina graça,
mediante •estes devotos exercidos, procura cha­
mar-nos ao caminho da nossa salvação. Perdoae-
nos as faltas que durante elles commetteriamos,
por desattençáo ou negligencia, e a resistencia,
que a nossa fragilidade haja opposto aos vossos
auxilios e amoravel chapamento. Fazei, pela vos­
sa infinita bondade, que a nossa devoção augmen­
te de dia para dia, até nos tornarmos servos fieis
do vos^o amantíssimo Coração.
E vós, Virgem Santíssima, Mãe de Jesus e Mãe
nossa, pois que aprendestes de vosso divino Filho
a orar e a viver constantemente no amor de Deus,
alcançae-nos tambem a tão importante e necessá­
ria graça de nunca nos afastarmos do saudavel
exemplo, que nos deixastes, amando e servindo a
Deus pela oração e pelas boas obras. Amen.

Encommendações
Meus irm ãos: Oremos ao Santíssimo Coração
de Jesus pela Santa Egreja e pelo seu Chefe visi-
vel, o Pontifice Romano, pelas nossas familias, pe­
los nossos bem feitores, amigos e inimigos, por to­
dos os fieis vivos e defunctos, pelos infiéis, hereges e
peccadores para que se convertam, e pelas neces­
sidades espirituaes e temporaes da nossa patria.
Oremos especialmente por nós todos, para que
12 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

Deus nos defenda das suggestões e embustes, com


que tantos homens perversos procuram em nossos
aias arrancar dos nossos corações a divina Fé e
a santa Religião, em que fomos creados. Para ob­
termos a graça da perseverança nas nossas cren-
as, recorramos ao Divino Coração, e recítemos-
Sie a oração seguinte:
«Clementíssimo Jesus, unica salvação, vida e
resurreição nossa, pedimos-vos, Senhor, que não
nos abandoneis no meio das angustias, persegui­
ções e enganos, com que a impiedade persegue
noje os filhos fieis da vossa Egreja; mas pela ago­
nia do vosso Santissimo Coração, e pelas dôres da
vossa Mãe Immaculada, vinde em nosso soccorro,
e ajudae-nos a triumphar dos nossos inimigos, que
o são tambem vossos, confundindo-os nas suas
perversas tentativas para arrancar a Fé dos nos­
sos corações; e fazei que permaneçamos sempre
unidos á vossa Santa Egreja. e ao Chefe visível
d’ella, o Pontífice Romano. Vós que viveis e rei-
naes com o Padre e o Espirito Santo por séculos
de séculos. Amen.
Padre Nosso, Ave-Maria, Salve-Rainha.
JUNHO SANTIFICADO i3

PRIMEIRO DIA

Meditação
Sobre as disposições com que se devem
fa zer estes devotos exercidos
Duas disposições são principal e indispensavel-
mente necessarias para os que se dedicam a hon­
rar o Coração de Jesus por meio dos devotos exer­
cícios d’este mez : i.» Plena confiança em Deus:
— 2.a Corajosos esforços sobre nós mesmos para
vencer as nossas más inclinações.
i.a Confiança em Deus. E ’ natural que nos des­
anime a consideração do muito que temos a re­
formar em nós, de tantos peccados a reparar, de
tantas paixões a vencer, de tantas virtuaes a pra­
ticar. Comparamos o que somos e o que devíamos
ser; vemo-nos tão afastados de Deus, e considera­
mos quantos esforços temos de empregar, quantas
distancias temos a vencer para nos approximar-
mos d Elle, que sômos tentados a d izer: Não; eu
não chegarei iámais até lá. Ouvimos^ como diz
Santo Agostinno, o mundo e as paixões a dizer-
nos: «Que? vós quereis abandonar-nos ? Já vos
não agradam os prazeres, não vos entreteem as
relações, não quereis conceder nadà ás inclinações
do vosso coracão? A hl como será triste e sombria
a vossa vidal Vós não podereis aguental-a.» D’ou-
tro lado vem o respeito humano a querer tambem
deter-nos no caminho; espantamo-nos e desespe­
ramos de romper os laços que nos ligam ao pec-
cado. ,
E na verdade, quem não contar senão com as
14 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

suas próprias forças, trepida e desanima certa­


mente. Mas contemos sobre tudo com Deus, por­
que Elle póde o que nós não podemos. Digamos
ainda com Santo Agostinho: Esses santos, cujas
virtudes admiramos, sem o auxilio de Deus, e re­
duzidos ás suas próprias forças, nunca seriam o
que fôram; ficariam sempre peccadores como nós
outros. Não receêmos pois que Deus nos abando­
ne; Aquelle que nos convida a entrar no seu Cora­
ção amantíssimo, não nos cerrará a sua porta. Te-
mámos pois unicamente de nós mesmos. Nada so­
mos, é verdade ■ mas esperemos tudo de Deus, que
quer a nossa salv?ção, e que nos ajudará a conse-
guil-a. Esta mesma homenagem ao Santissimo Co­
ração de Jesus, que aqui nos reune, é uma prova de
que Elle quer que o busquemos. Sabe que carece­
mos do seu soccorro, e ha-de conceder-no-lo. Se­
jamos-lhe nós fieis; e elle fará o resto. Aquelle
que nos deu o seu sangue não nos recusará a sua
graça. .
2.° Corajoso esforço sobre nós mesmos para
vencermos as nossas más inclinações. Custar-nos-
ha este esforço para a nossa conversão; mas esta
difíiculdade nós proprios a creámos. Se as paixões
nos tyrannisam, é porque consentimos em as dei­
xar aominar em nossos corações. A primeira pe­
nitencia, que devemos fazer, é pois vencer esta
difficuldade. Dg mais, estes obstáculos nfio serão de
muita duração; a primeira tentativa, os primeiros
esforços bastam muitas vezes para removêl-os. As
paixões, auando séria e corajosamente se comba*
tem, acabam por perder a sua doçura e attracti-
yos. Ém todo o caso, o combate é para nós de. tal
importancia, que não devemos hesitar ante as suas
difficuldades. Deus saberá aplanal-as se lhe for-
JUNHO SANTIFICADO X5

mos fieis. Temos n’Elle um amigo poderoso e de


uma liberalidade sem igual; mostremos-lhe pois o
nosso reconhecimento pela nossa exactidão em o
procurar, e em não desprezar nenhum dos meios,
ae que podemos dispor, para voltar para Elle.
Digamos-lhe pois cheios de fé e de esperança:.
—«Sim, meu Deus, eu vos protesto n’este santo
templo, na presença do Coração amabilissimo de
vosso Filho, e diante dos Anjos que o adoram,
procurar-vos só a vós, e procurar-vos de todo o
meu coração. Eu pequei; eu vos tenho offendido.
Não posso supportar a vista dos meus delictos.
Não serei ainda vosso; mas quero sêl-o; e é esta a
graça que sin&ramente desejo e ardentemente vos
imploro». Assim seja.
Dizem-se os Actos para o fim da Meditação, e
•termina pela Ladainha do Coração de Jesus , no
fim do volume.

SEGUNDO DIA

Meditação
Nós pertencemos, não a nóSj mas a Jesus Christo
Meditemos, meus irmãos, nas palavras do Apos­
tolo: Vós já não sois mais vossos, mas de Jesus
Christo, que vos resgatou por grande preço. Lem­
bremo-nos do estado em aue nos havia posto o
peccado; filhos de cólera, ja não tinhamos direito
á herança celeste. Jesus Christo entregou-se aos
trabalhos, aos tormentos e á morte para nos rem e'
diar; e para este fim derramou na-Cruz todo 0
t6 MANUAL DE MEDITAÇÔíS E ORAÇÕES

seu sangue. E nós, que tantas vezes nos mostramos


enternecidos e reconhecidos para com os homens,
só para com Deus nos mostraremos insensíveis?
Representemo-nos Jesus nascendo, Jesus viven­
do e morrendo por nós. Deus peie-nos um reco­
nhecimento correspondente a tão grande beneficio.
Recusaremos pois viver para Aquelle que morreu
por nós? Jesus consentiu que por nós fosse o seu
Coração aberto pela lança sacrílega de um soldado,
que todavia o não conhecia como Deus; e nós,
que como tal o reconhecemos, negar-lhe-hemos o
nosso coração tão pobre? E essa primeira graça de
quantas outras não tem sido seguid^jj*
Quantos desejos santos, quantos movimentos
piedosos, quantas reflexões, quantas inspirações
procedidas do salutar influxo d’aquelle Coração
misericordioso, não tem sido por nós desattendi-
das e despresadas? Um Deus, que sem se enfadar
das vossas infidelidades, vos segue em todos os
vossos caminhos para vos instar, para vos convi­
dar, para vos animar e para vos attrahir a s i! Que
pocüa EUe mais fazer aue não tenha feito? Quando
eu penso na vossa bonaade, ó meu Deus, aue pen­
samentos me agitam! que prazer ao vêr aa vossa
parte tanto am ôr! que desgosto ao encontrar em
mim tanta ingratidão! Que coração é pois o roeu?
Será esse coração empedernido que Vos reprehen-
dieis nos Judeus endurecidos contra Vós e contra
os vessos favores! Ah! mas não é este o coração
brando, o coração terno, o coração amoroso que a
vossa Lei devia formar era vossos filhos. E toda­
via eu jurei no meu baptismo que vos pertenceria.
Momento feliz, em que, lavado no sangue do meu
Deus, eu comecei a poder chamar-lhe meu pail
DifFundiu-se então sobre mim o seu Espirito, e o
JUNHO SANTIFICADO

seü coração me cumulou de todos os dons do seu


amor. Deu-se a mim, e eu me comprometti a per­
tencer-lhe.
Anjos do ceu, vós ouvistes os tneus juramen­
tos! Mil vezes os tenho reiterado ao pé dos alta­
res; e ingrato e perjuro-mil vezes os hei violado!
Estarei agora disposto a guardal-os? Desgraçado
de mim se um novo modo de proceder não vier
reparar as passadas iniquidades. Sobre os benefi-
cios de Deus e sobre os meus juramentos serei jul­
gado. Esquecei, Senhor, os meus desmandos e os
meus erros, e não permittais que eu o* esqueça,
para os reparar e acautelar-me de novos crimes.
Reconheço o que vos devo; o que devo ao vosso
Coração amabilissimo, e a Vós me entrego de to­
do o meu coração. Sou vosso e só vosso n’este
momento, e assim o desejo ser para todo sempre.
Mais felizes do que os Anjos, precipitados no
inferno sem que Vós, Senhor, lhes concedesseis
um instante para reconhecerem o crime da sua
rebeldia; mais felizes que o primeiro homem ex­
pulso do Paraiso logo em seguida ao seu peccado;
mais felizes do que esses desventurados, que de­
sejam no inferno um d’esses preciosos momentos
de conversão e de arrependimento, a nossa vida
tem sido preparada pela divina misericórdia até
este dia, afim de que pela dôr e pela penitencia
reparemos o mal que havemos fexto. Aproveite­
mo-nos pois d’esta amorosa dilação do nosso me­
recido castigo, e rompámos o curso dos nossos
maus hábitos e viciosos costumes, ponhamos de
uma vez silencio ás nossas paixões desordenadas,
e sirvamo-nos dos thesouros da vossa misericór­
dia, ó meu Deus, para alcançarmos os da yossa
gloria. Assim seja.
3
i& MAn u Al d e liíD IT A Ç Ô zS e q r a ç o e s

TERCEIRO DIA
M e d ita çã o

O Coração de Jesus para com Deus e para com


os homens
Quaes foram a indole, as propensões, os movi­
mentos d’este Coração Sagrado? Que fazia elle?
Que desejava elle? Glorificar seu Pae, reparar os
ultrages que lhe fez o peccado, cumprir as suas
vontades, vêl o conhecido, glorificado, respeitado,
invocado, adorado, amado em toda a extensão do
universo. í\ão tinha temores, nem esperanças,
nem alegrias, nem tristezas, nem dôr, nem con­
solação, nem movimento, nem repouso que não
tendessem para este fim; Trabalhar para Deus.
«Consinto (dizia Elle) e acceito a pobreza, os tra­
balhos, a morte de cruz, uma vez que meu Pae
seja glorificado, e se torne o Deus de todas as na­
ções. Que eu conquiste, reconcilie e restitua a
meu Pae os homens que Elle ama, e por este pre­
ço a morte mais cruel só terá para mim encan­
tos». ••
Ah I Quem nos dará um coração que tome o
de Jesus Christo por seu modelo? Que todo o nos­
so repouso, toda a nossa consolação n’este mun­
do seja amar a Deus, sentir-nos unidos com Deus,
obrar e soffrer para glorificar a Deus ! E será de
mais o meu Coração para um Deus que o pede,
que o merece, que o comprou á custa de tantos
beneficios e soffrimentos? Será licito dar ainda
partilha n’elle a outrem, franquear-lhe a entrada
a outros objectos, que o desviem do amor de Deus
JUNHO SANTiFICADO 19

e do seu serviço? Fm vão se dirá que Deus tem


n’eUe o pnm eiro logar, desde* que amamos algu­
mas creaturas em desconformidade com a sua lei.
Como poderemos dizer que havemos destinado
para Deus o primeiro logar nos nossos corações,
se mediocremente nos interessamos pela sua glo­
ria, e muito pelos nossos interesses n este mundo?
Uma pequena desgraça nos aíilige; uma ligèira
doença nos inquieta e impacienta; uma leve mju-
ria nos encolerisa; uma empreza, que lisongea a
nossa vaidade ou assegura a nossa fortuna, tira­
nos o repouso e a attenção para todos os nossos
deveres; um louvor, um pequeno successo encan­
ta-nos, apaixona-nos e embriaga-nos. E é assim
que nós somos para Deus, que queremos perten­
cer-lhe por inteiro, que lhe damos em nosso co­
ração o primeiro lugar ?
Üh meu Deus, quando vos amaremos nós pois
como devemos amar-vos? Vós não podeis tornar-
vos mais amaveis porque o sois infinitamente; nós
é que podemos tornar-nos mais sçnsiveis. Amor,
chamma da divina claridade, vinde a nós que abri­
mos o nosso peito aos vossos vivificantes influxos.
Tudo quanto amamos fóra de Vós, e que a Vós
se não refere, afastai-o, Senhor, e dai-nos o vos­
so amor. O’ Sangue de Jesus, correi sobre esta
terra sêcca e arida dos nossos corações, e tor­
nai-os brandos e productivos em fructos de vir­
tude. O’ Coração de Jesus, que ardeis em amor
por nós, quão culpados seremos se vos não amar­
mos tambem 1 Serão ouvidos os nossos votos, de­
feridas as nossas supplicas ? A h ! Mas nós já sen­
timos que vos amamos, e que não amamos senão
a Vós. Ceu, terra, parentes, amigos, n ’elles não
vemos mais que o nosso Deus. EUe é nosso, e nós
MÀNUÀL DE MEDITAÇÕES E ORAÇOES

somos d’Elle. Que tão doces laços jámais se rom­


pam. Amar e ser amado é já quasi que habitar
o Céu. Dae-nos, Senhor, a graça de vos amarmos,
e de vos amarmos cada vez mais. Assim seja.

QUARTO DIA

Meditação
O Coração de Jesus fonte de todas as divinas
graças
Coração de Jesusî E ’ d'este manancial profun­
do e divino que se derrama a immensiaade de
seus dons.
E ’ sobre tudo por este coração que Jesus é o
Deus das misericórdias.
Diz o Apostolo S Paulo que é desgraçada a
alma ingrata e soberba que julga dever a sipro*
pria os «eus méritos; porquanto, separada da gra-
de Jesus Christo, alhêa ao espirito de Jesus
â risto, a força humana não é mais que fraqueza
na ordem da salvação, a virtude não passa de um
titulo vão e esteril para a gloria immortal diante
de Deus remunerador; não se vai a Deus senão
por Jesus: Per quem et habemus acccssutn; nem
mesmo pensaríamos na nossa salvação se Elle nos
não inspirasse esse desejo: Non quod suficientes
simus congitare aliquid à nobis quasi ex nobis.—
E ’ do seio das suas misericórdias que partem as
luzes puras e vivas, pelas quaes somos guiados na
senda da justiça, e que nos mostram os escolhos
JUNHO SANTIFICADO 21

onde póde naufragar a nossa innocencia. E* Elle


que derrama n’uma alma, que se desencaminha e
se perde, esses remorsos, esses sobresaltos, esses
receios pelo futuro, esse desgosto do presente que
a arrancam aos seus vicios, perturbando-lhe e en­
venenando-lhe os prazeres. E’ Elle que pela tocan­
te operação da sua graça dá tamanhos encantos á
austera e ardua virtude. E' d’Elle que vem esta
claridade pura, que se compraz em immolar-se pe­
los sacrifícios mais dolorosos, e que -embriagada
do amor de Deus, alegremente se desprende dos
bens da terra. E ’ Elle que faz toda a santidade,
que faz todos os santos; Elle que ora no solitário,
que chora no penitente, que trabalha no apostolo,
que combate no justo, que triumpha no martyr;
Elle emfim que nos dá a esperança do ceu e os
merecimentos para alcançal-o: Per quem omnia
facta su n t
Cumulados de tantas graças, meus irmãos,
quando virá o momento feliz em que, fieis e re­
conhecidos, tomaremos o Coração adoravel de Je-r
sus como nosso modelo, como nosso guia, como o
objecto mais digno do nosso respeito e da nossa
confiança 1
Sennor Jesus, que a voz do Pae celeste nos en­
sine a reconhecer-vos como o Christo, o Filho 4 o
Deus vivo: Tu es Christusj Filius Dei vivi. Juntae
a este beneficio a ventura de lhe correspondermos
melhor pelos nossos sentimentos e pela nossa con-
ducta. Este fogó do puro amor, que vós trouxestes
do Ceu á terra, que alentou as primeiras edades
do Christianismo, que estendeu o seu império e a
sua actividade por rreio dos suspiros dos justos e
pelo sangue dos martyres, arde ainda inextinguí­
vel no vosso Coração amantíssimo. Qqe a vossa
22 m a n u a l d e m e d it a ç õ e s e o r a ç õ e s

graça o accenda tatnbem nos nossos corações, que


tantas vezes nos tendes pedido, e que nos, insen­
satos, tantas vezes vos temos recusado, entregan­
do-os ao mundo, ás paixões, ao demonio, de qúe
só havemos recebido desgostos, inconstancias, per-
fidias, amargas repugnancias e consumidores cui­
dados. Nós voltamos para Vós, bom Jesus; não
nos regeiteis Nossos gemidos, nossas lagrimas vos
pedirão sem cessar o perdão de nossos erros; e por
meio do vosso sdngue e das vossas dores havemos
de obtel-o. Inconsoláveis por não vos havermos
sempre amado, só desejamos amar-vos d’ora em
diante, viver do vosso amor no tem po; viver do
vosso amor na eternidade. Assim seja.

QUINTO DIA

Meditação

A caridade do Coração de Jesus


Jesus Christo, havendo-se dedicado a fazer a
nossa felicidade, parece não ter vindo entre nós
senão para estabelecer sobre a terra o império da
divina caridade, para ser o seu legislador, aposto­
lo e modelo. Para a fazer-respeitar advertiu que
o mandamento de amarmos a nossos irmãos é si-
milhante ao mandamento de amarmos ao nosso
Deus: Secundum autem simile est huic. Para a fa­
zer amar declarou ser ella o preceito que Elle nos
JUNHO SANTIFICADO 2$

quanto a nossos irmãos fizermos o considera co­


mo feito a Elle proprio: Quamaiu fecistis uni ex
his jfratribus meis minimis, vnihi fècistis. E por­
que as paixóes humanas p o lb m enfraquecer a ca­
ridade pelos odios que inspiram, pronuncia que
seremos perdoados na medida que perdoarmos aos
outros; Dimitte et dimiltemini. (a)
O Coração de Jesus, Coração terno, generoso
e compassivo, não pode supportar tranquillamen-
te o espectáculo das humanas misérias, e apressa-
se a allivial-as. O pae do filh pródigo, o pastor
caritativo, imagens são sob as quaes representou
a ternura admiravel do seu Coração amoroso;
mas imagens que só imperfeitamente a represen­
tam. i ocado do triste silencio da viuva de Naim,
revine-lhe os desejos e as supplicas resuscitando-
S ie o filho. I^ão póde vêr o pranto de Martha e
de Maria sem deixar-se com mover até ao fundo
d ’aima; á vista do tumulo que encerra Lazaro,
freme e chora. Derrama igualmente lagrimas pe­
los infortúnios de JerusaLem deicida; e caminhan­
do para o Calvário quer que as piedosas mulheres
chorem, não pelos soffrimentos d’Elle, mas pelas
desgraças do povo que vai crucificai-©-. Eundo
admiravel de compaixão e de ternura, que é tam­
bém um dos mais bellos presentes com que o Ceu
pód enriquecer uma alma, e que lhe dá ura dos
roai vivos traços de similhança com Jesus 1
Vós, ó pobres, não vos limiteis pois a perseguir
os opulentos do mundo com sol li citações impor­
tunas; trazei antes zo sanctuario a vossa dôr e as

<l) (Evaog. de S. Mslh. XXII, 33, € XXVI, 40, e de S. Lu»


cas, VI, 37,
24 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

vossas lagrimas; fallai ao vosso Deus, e pedi-lhe


pelos ricos e poderosos da terra para que Elle fa­
ça penetrar em seus corações a caridade e a com-
miseração do Coração de Jesus. Elles viráo á por­
fia procurar a gloria de alliviar a vossa indigên­
cia. Aquelles, a quem Jesus ama, não poiem ser
indifferentes ao que ama Jesus; e se entre vós se en­
contram tantas desgraças sem consolo, é porque
no christianismo ha poucos verdadeiros christãos.
Ot Jesus, ó Deus de paz e caridade! Que feliz re­
volução se operaria se, com effeito, doceis á vossa
voz e ás impressões da vossa graça, nos tornásse­
mos ura povo que fosse verdadeiramente o vosso
povo! Não mais haveria essas dissensÓes fataes
entre ricos e pobres, essas cubiças ávidas e deshu-
manas que assolam a terra. Em seu lugar vería­
mos a caridade compass va e generosa subir ao
throno para abrir a fonte da felicidade publica;
vêl-a-iamos assentar-se nos tribunaes para defen­
der o fraco contra as oppressóes do forte; vêl-a-
iamos velar á porta dos palacios, moradas da opu­
lência, para afastar d.’alli o fausto, o luxo, a vo-
luptuoíidade, e só permittir a entrada ao desejo
e ao prazer de fazer felizes; á porta das fabricas e
das officinas para ensinar a patrões e operários a
guardarem mutuamente o preceito da fraternida­
de christã, sem abusos, sem prepotencias e sem
relntancias; á porta, emfim, do sanctuario para
impedir á tribu sacerdotal a cubiça dos bens ter­
renos, o espirito de mercantilismo com o serviço
do altar, e para lhe fazer vêr que a religião pere­
ce muitas vezes nos povos menos pela audacia dos
seus inimigos do que pela corrupção e vil interes­
se dos seus ministros. Veriamos, n’uma palavra,
o grande, o rico chorar como perdidos os dias em
JUNHO SANTIFICADO 25

que se lhe não offereceu algum indigente para


soccorrer, algum infeliz para consolar, algum sof-
frimento para mitigar; veríamos o homem obscu­
ro e pobre só invejar ao rico o poder de dar, e ao
grande o poder de proteger; veríamos o universo
exclamar encantado: Beata gens cujus est Domi­
nus -Deus ejus ; bemaventurado o povo do qual
Jesus é Deus.

SEXTO DIA

Meditação

O Christianismo é um perfeito reflexo do


Coração de Jesus
Contemplemos, meus irmãos, o Coração de Je­
sus n*essa Religião santa, de que Elle é, por assim
dizer, o centro, assim como é ella o reflexo, a ex­
pressão do amor immenso que aquelle divino Co­
ração tem aos homens.
Religião toda divina, toda celeste na sua ori­
gem, e á vista da qual tinham os Judeus razão de
exclamar: quaenam doctrina haec nova —que é
isto? que nova doutrina é esta? (1) O mundo não
tinha ouvido até então uma linguagem como a
que Jesus lhe fallava: temer a prosperidade e de­
sejar a adversidade: preferir uma indigência vir­
tuosa a riquezas mesmo innocentes; não l.nçar
um olhar cubiçoso e invejoso sobre o que nos não
pertence, e ver com indjfterença os proprios ha­

(1) E?ang. de S. Marcos, I, 27.


a6 MANUAL D * MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

veres; reservar para os vicios e para as paixões


toda a nossa aversão, e dispersar áquelles que nos
odeiam os nossos obséquios e attençÓes; não pre­
zar a elevação e a opulência senão para se poder
proteger o fraco e aUiviar o infeliz; ser indulgen­
te para com as fragilidade« do proximo, e severo
para com os defeitos proprios; adiantar-se rapida­
mente no caminho da perfeição, suppondo sempre
qae se está ainda no começo da carreira; praticar
a virtude, e fueir da gloria que a acompanha; ter
como honra a numiliade, como lustre a pobreza,
como perigoso* os favores do mundo, e como de­
ver o amor da humanidade]
Que preceitos! que conselhos! que moral! Em
vão procuraríamos descobrir-lhes o germen no
nosso coração, a ideia no nosso espirito. Roma,
Athenas, os genios brilhantes do Portico e do Ly-
ceu não deviam ficar menos admirados d’esta dou­
trina do que Jerusalém e a Synacoga judaica. E l­
les não sabiam,' não podiam saoer nem ensinar
mais do que as respostas aa sciencia humana; Je­
sus ensinava os oráculos da sciencia divina. Gran­
des homens aquelles, por cerro, mas não passa­
vam de homens, e como taes fallavam e pensavam.
Jesus é Deus, e pensa, falia, obra e ensina como
Deus.
Religião santa, que a fim de banir todos os vi­
cios doma todas as inclinações, e penetra no mais
intimo da alma para ahi estancar a origem de to­
das as preversidades. Religião amavel qúe nos traz
ao coração delicias mais verdadeiras, mais tocan­
tes do que os prazeres que lhe arrebata; que não
o impede de se abrir á seducção lisongeira das
paixões senão para o ter fechado á sua agitação
cruel e aos seus furores homicidas. Religião doce
JUNHO SANTIFICADO 27
e poderosa, que só pede ao homem aquilJo que,
ajudado da graça, elle lhe póde dar; que accende
nas almas doceis e submissas uma chamina viva e
penetrante que consome os laços das affeiçóes ter­
renas, fazendo que, para estas almas, os sacrifícios
mais dolorosos tenham um encanto que as convi­
da e arrasta. Religião sabia, que não exige de mais,
nem de menos, que não exagera a virtude, nem
tolera o vicio; que não se eleva, nem se abaixa
demasiadamente; que purifica a te rra sem a tur­
bar, regula as condiçoes sem as confundir; que,
obra prima da sabedoria, uniu em um nó tão in­
timo a gloria de Deus e a felicidade do homem,
os deveres da virtude e as conveniencias da socie­
dade, a. innocencia e a paz do coração, a justiça e
a felicidade dos povos.
O’ coração amantíssimo, fonte d’esta religião
de amor e de paz, que abraçamos no baptismo, e
que dese.amos seguir até ao ultimo alento da nossa
vida m ortal! Vós saboiè, Senhor, que somos fracos
para contarmos só comnosco, e que carecemos de
appoiar-nos em Vós etia vossa divina graça. Fazei
pois que esta religião santa, que tornastes victorio-
sa do mundo, triumphe igualmente das resistencias
do nosso espirito, das opposiçÕes do nosso cora­
ção ; que ella seja sobre a terra a regra dos nossos
sentimentos e das nossas acções, e será tambem
no ceu a fonte da nossa gloria e bemaventurança
eterna. Assim seja.
28 MANUAL DE MEDITÁÇ ÕES E ORAÇQES

SETIMO DIA

Meditação
A paciência e mansidão do Coração de Jesus
«Aprendei de mim, que sou manso e humilde
de coração, e achareis descanço para as vossas al­
mas» (x). De cada pagina do Evangelho saha aos
nossos olhos a verdade d’estas palavras do nosso
divino Salvador.
Que paciência, que mansidão a de Jesus! Elle
tudo soffre em silencio e paz. A’ primeira vista é
reconhecido pela modéstia dos seus olhares, pela
calma do seu rosto, pelo tom penetrante e terno
da sua voz. E’ esse homem dôce e pacifico annun-
ciado pelos Prophetas, que nunca se alterará em
suas falias; não abrirá a sua bocca em murmura­
ções e queixumes; não acabará de apagar uma
véla que ainda fu m a \ imagem esta pela qual os
mesmos Prophetas qaizeram exprimir a immensa
doçura do coração de Jesus. Este mansissimo Cor­
deiro será immolado sem que a dôr lhe arranque
uma palavra, um movimento só de aspereza e de
impaciencja. Perseguem-no, desestimam-no, ultra­
jam-no, e a tudo responde com a mais inalteravel
resignação. Os discípulos pedem-lhe que fjça des­
cer o fogo do ceu sobre a pérfida Samaria, e Jesus
volve-lhes: «Vós não me conheceis; soffrer e não
fazer soffrer é o caracter do vosso Mestre.» Se os

(l) E van g. d e S, Matb. XI, 29,


jUNHO s A n t if ïc à d o

Apostolos pretendem umas vezes dispersar a mul­


tidão importuna que se apinha em volta d’EUe,
outras vezes afastar os meninos que por sua in­
discreta perseverança parecem fatigai-o, e ainda
em algumas occasioes defendêl-o contra os seus
inimigos, Jesus modera-lhes o zêlo:— «Deixai os
meninos, e não embaraceis que elles venham a
mim, porque d’estes taes é o Reino dos oéus.» E
a Pedro, que na noite da prizão desembainhava a
espada para 0 defender: «Mette a tua espada na
bainha (diz), porque os que pegarem da espada
por sua propria auctoridade, perecerão ao fio da
espada.»
Eíle escolhera os seus Apostolos, companhei­
ros dos seus trabalhos, das suas jornadas e do seu
repouso, entre homens grosseiros, sem nascimento
nem educação, sem polidez nem attençÓes; e to­
davia nunca se separa d’elles, nunca os despreza,
nunca os repelle ; ninguém lhe notou jámais esses
ares altivos, essas maneiraas duras e imperiosas
que tão de ordinário são notados nos homens re­
vestidos de alguma auctoridade. Jesus Christo vi­
via entre os seus‘discípulos como um d ’elles, sem­
pre prompto a servil-os, .e recebendo os seus ser­
viços, sempre com mostras de reconhecimento.
Esqueçamos, a exemplo de Jesus, o que somos
e o que são os outros. Para vivermos em união e
paz esperaremos por ventura que os homens se
transformem em Anjos? E ’ mais facil corrigirmo-
nos nós para os outros, do que reformal-os para
nós; obter de Deus a paciência do que tirar-lhes
os seus defeitos. Se temos tanto trabalho em nos
mudarmos, não devemos espantar-nos de que os
outros não mudem. Não queremos molestar-nos,
e exigiremos que os outros se constranjam? Se o
3Ô ilANUÁL ÍJÉ MEbitÀÇOES E ORAÇOES

homem não houvesse de ter alguma cousa que sof-


frer, não seria a paciência uma virtude tão util e
recommendada. Altivez, arrogancia, dureza, deli­
cadeza, sensibilidade, estima de nós mesmos, e
desprezo dos outros- convirá isto a um discípulo
de Jesus? Quanto teríamos a lamentar-nos se Deus
fôsse tão duro a nosso respeito como nós o somos
para com o proximo! Triumphemos pois, pela pa­
ciência, das injurias e offensas que nos fizer o pro­
ximo; triumphemos, pela paciência, do nosso pro­
prio coração reprimindo-lhe os impulsos do odio
e da vingança; e que a paciência nos faça trium -
phar até do coraçã j de Deus suspendendo os ter­
ríveis effeitos da sua justiça, afim de que, depois
de havermos procurado todos estes triumphos so­
bre a terra, a paciência e a mansidão, de que o
Coração de Jesus nos deixou tão sublimes exem­
plos, nos obtenham no Céu a corôa da eterna
gloria. Assim seja.

OITAVO DIA

M e d ita ç ã o

A bondade e a misericórdia do Coração de Jesus


Entre as perfeiçôes que formam o fundo, a
essencia da Divindade, são a bondade e a miseri­
córdia as que mais interessam os nossos corações;
e são tambem os seus principaes caracteres os que
mais resplandecem no coração de Jesus. Elles su-
perabundamemente se manifestam na plenitude
Junho s à n t i P j c a &o 3 í

das graças que decorrem d’esta fonte de amor o


mais terno e o mais generoso. Consideremos o que
Jesus ha feito, o que Jesus foi para com os ho­
mens, e não poderemos deixar de reconhecer que
no seu coração existe a mais perfeita similhança
que o Filho ünico pode ter com o pae das miseri­
córdias: Vidimus gloriam ejus, gloriam quasi
Unigeniti à Patre.
Para formarmos d’isto uma verdadeira ideia
basta aprofundar bem o estado de desgraça em
que se achava a humanidade desde a sua origem
em Adão, assim como a nobreza e as vantagens do
nosso renascimento em Jesus Christo. Com efFeito,
e em virtude da oblação, que Elle de si mesmo
fez no Calvario pelos peccados dos homens, Deus
não considerou em nos mais que o sangue derra­
mado em nosso favor por Jesus Christo; e a voz
d’este sangue falia mais alto e melhor que o san-
ue de Abel (*) A sua voz abriu -nos o coração de
ê ►eus, e o thesouro das suas misericórdias. Jesus é
nos^o, e nós temos tudo por Elle, não já a prospe­
ridade temporal, que tanto nos seduz, esses bens
frivolos e funestos, a que tantas vezes sacrificámos
a salvação de nossas almas, porém sim os thesóu-
ros da virtude, as riquezas da graça, a paz, 3 in»
nocencia, a pureza do coração, o império sobre as
pancóes, o despreso das riquesas, das honras, da
gloria; prosperidades que não são do tempo, nem
para o tempo, mas a herança da immortalidade.
Abramos pois os olhos, e conheçamos o no^so
verdadeiro Senhor, o nosso protector, o nosso

(1) Evangelho de S . João, 1, 14.


(2j S. Paulo, epist. aos Hebreus, XII, 24.
$2 MÀNUÀL Í)E toEÜITÀÇÓES E ORAÇÕES

pae, o nosso asylo, a origem da nossa felicidade,


o apoio da nossa esperança. Contemplemos no
Coração de Jesus, na sua bondade e misericórdia,
a fonte inexhausta das graças, onde podemos sa­
ciar a nossa sêde de felicidade.
Pois o que poderia ser o homem só, e sem re­
lação com Jesus Christo? Um joguete do seu espi­
rito que o engana, da sua razão que o desvaira,
dos sentidos què o surprehendem, da imaginação
que o captiva, das paixões que o tyranmsam, aos
prazeres que o embriagam, das angustias que o
amarguram, dos desejos aue o transpor cam, dos
temores que o dilaceram, aas esperanças que o il-
ludem, e de mil inimigos que de todos os lados
o perseguem. A sua sorte seria nascer na dor e
nas lagrimas, viver na desordem e na inquietação,
m orrer nas saudades do passado e sem esperança
no futuro; em summa, não poder jamais ser fe­
liz, porque para isto não bastam alguns fugitivos
momentos de felicidade. Eis aqui o homem sem
Jesus Christo.
Mas em Jesus Christo e com Jesus Christo tu ­
do muda completamente, tudo se nobilita e aper­
feiçoa, Sobre as ruinasdo homem de fraquezas e de
fragihdades levanta-se o homem immortal, o ho­
mem que, grande na própria humildade, feliz no
seio da desventura, está ao abrigo das esperanças
frivolas e dos receios, que nos agitam; é o homem
da ordem e da justiça; o homem sem as fraquezas
de homem. Apoiada em Jesus Christo, esta vida
que tão rapidamente passa, é apenas um ensaio,
uma preparação, um esboço de outra vida melhor,
cuja duração não será medida pela successão dos
dias e dos annos. O tumulo é para o discipulo de
Jesus o mesmo que foi para o Mestre;—a passagem
JUNHO SANTÍ7ICAOÇ) 33
para a eternidade. Esconde-se aos vossos olhos,
mas não morre, nasce, e começa de viver; e em-
quanto nós habitamos esta terra de esilio, Jesus
véla, do alto dos Ceus onde nos espera, pelos seus
filhos, Continuando a derramar sobre nós as tor­
rentes da sua misericórdia. Assentado á direita de
Deus Padre, apresenta-lhe nossos votos e nossas
supplicas, os nossos suspiros’ e as nossas lagrimas;
sustenta-nos nos perigos, fortifica-nos nos com­
bates, defende-nos contra as nossas paixões, e nos
torna vencedores do mundo ede todas as seducçóes
do mundo: Haec est victoria quce vincit mundum
jides nosira. (l )
Bemdito seja para sempre o boníssimo e mise­
ricordioso Coração de tão affectuoso Pae. Assim
seja.

NONO DIA

O Coração de Jesus manancial de todas


as virtudes
A santidade de Jesus, dôce, tranquilla, simples,
natural, corre de .um manancial sempre aberto;
vê-se qu? as suas virtudes residem no mais intimo
da aima, promanam de um Coração Santissimo.
Jesus passa successivãmente de uma a outra virtu­
de, sem que se possa notar alguma que seja mais
perfeita, porque todas nos apresentam o supremo
grau de perfeição, sem que uma brilhe mais que

fl) Ep-st. I de S João, V, 4.


3
34 m a n u a l d e m e d ita ç õ e s e o r a ç õ e s

outra; ou seja pelas outras obscurecida. O caracter


particular da santidade de Jesus é não ter caracter
algum particular, porque reune todos os caracte­
res: Caracter de innocencia e de penitencia, de
paciência e de coragem, de doçura e de íirmeza,
de condescendencia e de zelo, de descanço e de tra­
balho; virtude de rei e de vassallo, de rico e de po­
bre, de grande e de pequeno, de mestre e de disci-
pulo. de apostolo e de solitário, de homem retira­
do ao mundo e de homem vivendo no mundo.
Nenhum estado, nenhuma condição que não en­
contre em Jesus o seu modelo; modelo sem duvi­
da, que nem os maiores Santos, posto que ajuda­
dos pelos soccorros mais poderosos da graça, con­
seguirão imitar perfeitamente, mas do que o ceu
nos manda approximar o mais po-sivel.
Em vão alguns homens, no delirio do seu mais
louco orgulho, teem querido attingir a spblimida-
de da moral, ensinaaa por Jesus com a sua pala­
vra e com o seu exemplo, n ’uma outra moral que
preconisam feitura puramente humana, e que teem
a audacia de chamar independente 1 Desgraçada da
humanidade se se deixar illudir por estas loucas
utopias; e desgraçado o philosopho, cujaindocili­
dade o arrasta e desgarra pelos ambages d’este la-
byrintosem sahida. Quanto a nós, christãos, a fé e
a razão nos conduzem por caminho bem differen­
te. Nós vemos em Jesus uma santidade tão pura,
tão perfeita, tão invariavel, aue nenhuma mistura
deixa entrever das vicissituaes e fragilidades hu­
manas; uma santidade tão universal, tão propor­
cionada a todos os acontecimentos e a todas as >i-
tuações; uma santidade tão simples e tão natural;
uma santidade que acompanha e caracterisa tanta
grandeza, tania sublimidade, tanta dignidade e
JUNHO SANTIFICADO 35

magestade, que ella<não póde deixar de ser a san­


tidade de um Deus de si mesmo e por si mesmo
Santo; e d’aqui concluimos que nenhuma sciencia
humana, nenhuma doutrina humana, nenhuma
moral nos devem afastar dos preceitos, dos ensi­
nos e dos exemplos provindos do Santissimo Co­
ração de Jesus, que é o Coração de Deus-humana-
do, nosso Mestre, nosso guia e nosso exemplar
verdadeiro e divino. Verdade é que, para sêrmos
virtuosos, nós devemos imitar quanto nos fôr pos-
sivel os santos, que o fôram em grau eminente.
Mas o verdadeiro, e universal exemplar da santi­
dade, e que o foi tambem de todos os Santos, é
Jesus Christo, em quem se não descobriu um úni­
co vestígio das paixões e das fraquezas humanas.
Desgraçados filhos de um pae culpado, a santidade
dos maiores santos teve suas imperfeições ; quem
os imitasse em tudo, em alguma cousa se engana­
ria* nem acharia exemplos de toda a sorte de vir­
tudes, nem das virtudes proprias de todos os es­
tados; a que constituiria o mérito do vassallo, se­
ria um vicio no soberano; a que se admiraria no
solitário chamado ao retiro e ao silencio, condem-
nar-se-hia no pastor devotado ao zelo e á carida­
de; e por mais que a santidade seja sem mistura
de defeito, sempre ella traz o caracter e o cunho
da humanidade fragil e corrompida. D’onde se vê
que a virtude não tem o seu principio, a sua ori­
gem, a sua raiz no coração humano. De Deus nas­
ce, de Deus provem, e ao divino Coração deve­
mos pedir as graças necessarias para seguirmos
quanto nos fôr possivel os seus exemplos, e nos
prepararmos assim para o gôzo da felicidade eter­
na. Assim seja.
36 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

DECIMO DIA

A longarimidade do Coração de Jesus


para com os peccadores
■ Se, por mais justo que seji o homem, é ainda
assim tâo pequena cousa que fez exclamar ao san­
to Job: «Senhor, que cousa é o homem para que
o magnifiqueis e ponhaes junto d’elle o vosso Co­
ração?» o que diremos d’aquelle que, coberto de
peccados, inimigo declarado de Deus, só póde
avultar aos olhos d’este pela enormidade da sua
ingratidão para com o seu Creador, e pelo arrojo
da sua desobediencia á Lei divina?
Pois assim mesmo peccador tem o hemem par­
te na generosa e magnanima solicitude do Cora­
ção de Jesus, que positivamente nos declara não
te r vindo á terra chamar os justos, mas os pecca­
dores á penitencia. E quando os pharizeus o cen­
suravam por conviver com os peccadores, elle lhes
respondia com as commoventes parábolas do filho
prodigo voltando arrependido á casa de Seu pae,
que o recebe em seus braços transportado de ale­
gria, e do pastor solicito que, desgarrando-se-lhe
uma só ovelha das cem que possuia, deixa as no­
venta e nove, e vai procural-a pelo escuro da noi­
te, e encontrando-a a conduz sobre os hombros
cheio de contentamento. Por meio d’estas parabo­
las animava Jesus aos transviados do bom caminho
para que voltem á graça do Pae Celestial. «Sabei
(dizia elle ainda) que haverá no ceu maior jubilo
JUNHO SANTIFICADO ^7

por um peccaçlor que se arrepende, do que por


noventa e nove justos que não teem de que fazer
penitencia.»
E passando das palavras aos factos não foi a
longanimidade do Coração de Jesus quem o fez ir
da Judêa a Samaria, chegar ao poço de Sicar, e
dirigir à peccadôra samaritana uma pratica cheia
de divina uncção para a convencer a deixar a sua
vida peccaminosa? Com que bondade lhe fallal Com
que suavidade a argúe! Com que doçura a persua-
del Com quanta caridade a illustra! Vê-se alli
acaso a dureza feroz, o zelo indiscreto com que
por alguns conductores de homens sáo tratados os
peccadores? Pelo contrario, tudo nos mostra a ge­
nerosidade, o cuidado, a beneficencia, a caridade
em que se inflamma o suavissimo Coração de Je­
sus Chriáto.
E não foi do mesmo modo que elle procedeu
com a mulher adultera, por mais que os seus
accusadores o tentassem para que a sacrificasse ao
rigor da Lei? Com que admittiu a Magdalena
arrependida? Com que soccorreu a Cananêa, olhou
misericordiosamente a Pedro, que o negára, per­
doou ao bom ladrão, e intercedeu a seu Pae pelos
que o crucificaram?
E ainda dezesete séculos depois que, no sacri­
fício dò Calvario, Jesus Christo demonstrava o seu
immenso amor pela humanidade, quando uma
grande parte dos homens remidos pelo seu precio­
so sangue desertava da Egreja á voz de Luthero,
de Calvino e d ’esse herege disfarçado que se cha­
mou Jansenio, quando uma philosophia ousada,

(i) Kvan g. d e S. Lucas, XV, 7.


38 MANÜÀL DE MEDITAÇÕES E ORAÇOES

emancipandose da Fé, começava a engendrar sys­


tèmes cada vez mais anti-religiosos e àmpios, e
sentia-se approximar a epocha fatal, em que o rei­
nado de Nosso Senhor Jesus Christo sobre a terra
seria disputado pelos homens; foi então que o
nosso Salvador, revelando o seu Coração a uma
virgem humilde e desconhecida, quiz regenerar
novamente o mundo por meio da torrente de aguas
vivas, que brota d ’aqueile Coração amorosíssimo.
«Eis aqui (disse elle à'Sua serva Margarida Maria)
o Coração que tanto amou os homens, e em troca
de tanto amor não tem recebido da maior parte
d’elles senão ingratidões, despreso e indifferença».
Christãos! No meio dos perigos que nos amea­
çam, das calamidades que nos cercam, da guerra
atroz que nos está movendo o inferno, o Coração
de Jesus é o nosso refugio, a nossa esperança, a
ancora mais segura d’esta sociedade qye vai nau­
fragando por falta de Fé, de arrependimento,
de devoção e de caridade. São vindos os tempos
para os quaes, conforme a revelação do Dxscipulo
amado, S. João, a Santa Gertrudes} que lhe pergun­
tava: Porque motivo, tendo elle tido a dita de re­
clinar-se no peito do Salvador, deixára de fallar­
nos dos arcanos d’este adoravel Coração?—«Deus
reservou para si (foi a resposta do Apostolo do
amor) dá-los a conhecer mais tarde, em tempos
de grande tibieza, e guarda estas jparavilhas para
atear a chamma da caridade quando ella der uma
luz baça e ameaça apagar-se.» (1) Não hesite­
mos pois; não nos desanime o pezo e o numero
dos nossos peccados. Jesus Christo não faz distinc-

(1) R evelações de Santa Gertrudeg, liv . III, Cap. XYII.


JüNHO SANTIFICADO 39

çáo de mais ou menos culpados, antes declara ex­


pressamente que elle receberá á sua graça o pec-
cador que a buscar, tenha elle commettido um, ou
sete, ou innumeraveis peccados, e promette o mes­
mo prémio aos operários que, estando ociosos a
maior parte do dia, só na ultima vigilia veem em-
fim trabalhar na sua vinha. (l) Mostremos pois a
nossa confiança, e ao mesmo tempo o nosso reco­
nhecimento ao Santissimo Coração de Jesus, e se­
cundemos, pela nossa reforma de vida, pelo nosso
zelo no seu serviço, pela nossa Fé e pela nossa
caridade, as amorosas vistas que por sua longa­
nimidade se dignou mais uma vez lançar sobre a
humanidade ingrata, esquecida de Deus, da Reli­
gião e da sua própria e verdadeira felicidade.

DECIMO PRIMEIRO DIA

O Coração de Jesus é o modelo da Oração


O Propheta Zacharias, annunciando os thesou-
ros de misericórdia de que Deus Salvador enri­
queceria a terra, dizia que o Mediador da nova
alliança espalharia o espirito de graça e de oração
sobre a casa de David e sobre os habitantes de Je­
rusalem, quer dizer, sobre os filhos da Egreja.
Assim foi com effeito; e Jesus Christo não so nos
ensinou a oração mais perfeita—o Padre nosso—
mas ensinou-nos ao mesmo tempo, com a palavra
e com o exemplo, como deviamos orar, e instou

(1) E van g. de S. Math. XX, 1 e s e g .


40 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇOES

pai a que o fizessemos com recolhimento e assidui­


dade. Ensinou-nos com a palavra, como se vê em
differentes passagens do Evangelho. «Pedi e dar-
se-vos-ha; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-ha,
pòrque todo o que pede recebe; todo o que busca
acha; e ao que bate abrir-se-ha.» E para mais in~
sinuar esta doutrina no animo dos que o escuta-
vam, elle se serviu da comparação de um pae, a
quem os filhos pedem alimento, concluindo: «Ora
se vós sendo maus sabeis dar cousas boas a vossos
filhos, com quanta maior razão vosso Pae celestial
dará Dom espirito aos que lh’o pedirem?» t1)
Jesus Christo nos ensinou tambem a oração
c«m o exemplo. Antes de escolher os seus Apos-
tolos, elle subiu a um monte onde passou toda a
noite em oração a Deus (e), para nos advertir de
que em todas as nossas resoluções importantes
nos cumpre recorrer ao auxilio divino. E ao avi-
sinharem-se as horas dolorosas da stiá Paixão, Je­
sus entra com seus discípulos no Horto das Oli­
veiras, e principia por dizer-lhes: «Orai, para que
não entreis em tentação». Depois aparta-se d’elles
um pòuco, pondo-se de joelhos a orar tambem.
E que precioso exemplar nos deixou o nosso Sal­
vador n’aquelia oração do Horto! O reconheci­
mento do poder de Deus; a submissão á stu sobe­
rana vontade, a dôr e a penitencia do peccado; os
requisitos essenciaes da orsção perfeita, tuJo alli
se encontra, tudo alli se nos ensina. «Pae meu, se
é do teu agrado, transfere de mim este calix. Não
se faça comtudo a minha vontade, mas faça-se a

(tl Evaag de S. Lucas, XI, 9-13.


(2) Ibid. XXir, 39 e se?.
JUNHO SANTlFiC.MO

tua.» Havia tomado a natureza humana, e s u d -


portava-lhe os desfallecimentos; dando o exemplo
de orar e de submetter-se, encarava a morte com
o horror que ella inspira a toda a carne, e co­
briu-se de tão mortal tristeza, de uma agonia e de
um suor de sangue que tudo bastaria para o matar
se não fôra a sua humanidade sustentada pela vir­
tude da divindade para poder padecer muito mais
do que as forças humanas abrangiam. No meio da
sua afflicção recorre a Deus, de cuja suprema von­
tade tudo está dependente, e Deus envia um Anjo
a confortal-o. E ’ a realisação da promessa: Pedi e
recebereis. Nas nossas angustias recorramos tam­
bém a Deus que, se nos não allivia, dá-nos forças
para as supportarmos. Pede que o Pae do Ceu
transfira d ’elle o calix da amargura, se é possivel;
mas não se reçus? a esgotal-o até ás fezes, submet-
tendo-se inteiramente ao decreto divino. Aquelle
calix era o resgate de todos os mortos, era a ex­
piação de todos os peccados. Jesus, acceitando o,
ensmava-pos que é necessaria a dôr, a penitencia,
o arrependimento para que os peccados nos sejam
perdoados.
Jesus Christo não tinha peccados proprios, mas
pezavam sobre os seus hombr s todos òs delictos
da humanidade, passados, presentes e futuros. Re­
vestido da personalidade do peccador, elle chora­
va o peccado no sentimento da contrição mais vi­
va e da dôr mais enternecida. E ra um Deus peni­
tente, que soffriae morria pelos peccados do mun­
do, detestando-os e aborrecendo-os como Deus;
e expiando-os como homem, sem tam benyieixar
de aborrecel-os. Reparemos bem n isto: Nós não
podemos fazer uma ideia mais justa, mais natural
da Paixão do Homem Deus do que olhando-a como
42 M Anu AL ÚE MEDITAÇÕES E ORAÇOFS

a penitencia publica, universal, plena e inteira de


todos os delictos da humanidade.
Ora, segundo a doutrina dos Santos Padres, a
affeição ao peccado é um obstáculo aos effeitos da
oração; não se pôde achar nella a força, a effica-
cia emquanto se óra sem dôr, sem arrependimen­
to, e em vão se pede a força para vencer emquan-
to se faz gosto de ser vencido.
Longe pois de nós todos os vestigios de apego
ao peccado quando oramos. Os votos que a cubiça
forma, qjue o mêdo nos arranca, que o habito ou
‘ " votos estereis por-
sermos ouvidos é
preciso que o coração f Uie, que uma caridade pelo
menos nascente se levante contra um egoismo con-
summado, e que para obtermos a força de ven­
cer os nossos defeitos comecemos por aborrecêl-os.
Aproveitemos pois as lições e os exemplos que
nos offerece o Coração Santíssimo dê Jesus. Ore­
mos, mas com o verdadeiro espirito de obedien-
cia a Deus, de amor de Deus, de conformidade
com a vontade de Deus, e de aborrecimento de
tudo quanto Deus aborrece. Procuremos na oração
a força contra os inimigos que nós perseguem, a
resistencia ás paixões que nos dominam, a tran-
quillidade do espirito contra os pensamentos que o
inquietam; e nos sinceros louvores que dirigimos
a Deus na vida presente preludiemos aquelles que
da divina misericórdia esperamos ir dar-lhe com
os Anjos e Santos na eternidade. Assim seja.
JUNHO SANTIFICADO 4

DECIMO SEGUNDO DIA

O amor do Coração de Jesus na Eucharistia


O extremoso amor do Coração de Jesus para
corn os homens, não satisfeito com ter nascido e
morrido por nós, quiz ainda por um novo prodi-
gio ptentear-nos os seus extremos, e captivar
mais o nosso affecto com um beneficio nada infe­
rior ao • que anteriormente nos havia feito- Antes
de desapparecer aos nossos olhos, quiz apertar mais
estreitamente os laços que o prendiam á nossa hu­
manidade; pois se no mysterio da Incarnação Deus
se tinha feito homem, pelo mysterio da Eucharis­
tia os homens toçnam-se de algum modo partici­
pantes da divindade, não vivem já do espirito da
carne, mas sim do espirito t da vida de Jesds Chrís-
to : Quem come a minha carne e bebe o mm san­
gue, esse fica em mim> e eu nelle. Assim como o
Pae , que é vivo, me enviou, e eu vivo pelo Pae\
asiim o que me come a mim viverá também por
mrm. i1)
Na vespera da sua Paixão} e na própria noite
em que os judeus celebravam'a Paschoa, errt recor­
dação da mercê que Deus fizera aos filhos d’Israël
libertando-os do captiveiro do Egypto, e que era
tambem a imagem do que queria fazer a toda a
humanidade arrancando-a á escravidão do peccado
pelo sacrifício do seu divino Filho, estanao Jesus

(1) EvaDg- de S. João, VI, 67 58


44 m a n ü a l d e m e d ita ç õ e s e ô k a ç õ e s

á mesa com os seus Apostolos, tomou o pão, e


tendo dado graças a Deus, partiu-o e deu-lh’o, di­
zendo : «Este é o meu corpo, que vai ser entregue
por amor de vós: fazei isto em memória de mim».
E tomando da mesma sorte o calix, depois de cear,
disse: «Este calix é o novo testamento em meu
Sangue, que será derramado por vós». Eis o testi-
munho immortal do seu amor, que quiz deixar
aos homens; este augustissímo Sacramento da Eu-
charistia, em que Jesus Christo quiz dar-nos o seu
Coração, todo o seu Corpo e Sangue, Alma e Di­
vindade. Este o milagre de immensa caridade,
que se perpetua nos nossos altares, e que a Egreja
canta n’estes sublimes accentos: «Louva, ó Sião,
«ao Salvador; louva com hymnos e cânticos ao teu
«Principe e Pastor. Anima-te quanto podes'para
«o louvar, porque elle excede a todo louvor.. .
«N’esta mesa do rovo Rei, nova Paschoa e nova
«Lei terminaram as figuras da Lei antiga. A no-
«vidade d’este Sacramento aboliu os antigos sacri-
«ficios, como a luz desterra as sombras, e a ver-
«dade as figuras... E assim confessam os chris-
«tãos, illumxnados pela fé, que o pão se muda em
«carne, e o vinho em sangue do Salvador. Ot$ão
«e o vinho já não existem nas suas especies; e nas
«suas apparencias se occultam cousas maravilho-
«sas... Eis aqui pois o pão dos Anjos todo feito
«pão dos homens; e sendo elle pão aos filhos, não
«se deve dar aos cães».
Mas preveríeis vós, meu divino Salvador, quan­
do instituístes este Sacramento, a futura existen-

(i) Sequencia Lauda, Sion, n* Missa da festa do Coroo


de Deus.
ju n h o s a n t if ic a d o 45

cia de homens que neo corresponderiam ao vosso


amor senão com a perfídia e com o desacato, se­
guindo o exemplo de Judas, a quem tambem dés-
tes o vosso Corpo e Sangue, e n’essa mesma noite
vos entregou nas mãos dos vossos algozes ? Oh !
previeis £im, e sabieis que na longa série dos sé­
culos estes horríveis sacrilégios se renovariam mil
e mil vezes. Mas nem por isso o vosso amor se
esfriou com a vista de tão estranho espectáculo.
Parece que vos estamos ouvindo dizer: «As mi­
nhas delicias são estar com os filhos dos homens.
Se entre elles ha ingratos e traidores, tambem
existem almas santas e fervorosas que me pagam
amor com amor; que guiadas pela fé e pela cari­
dade veem buscar-me sobre os altares onde as es­
pero, offerecer-me o seu coração e receber o meu;
a sua fidelidade me consola da infidelidade dos
outros. Eu amo os homens; não posso consentir
em separar-me d’elles nem ura só momento, mes­
mo depois da minha morte.
«Deixarei pois desfallecer durante annos intei­
ros esses corações que longe de mim se conso­
mem na saudade e nas lagrimas?«
E ’ pois por vós, almas fieis, puras e castas,-que
o divino Coração de Jesus permanece sacramenta­
do em nossos templos, sohtario, abandonado, qua­
si desconhecido, sob um tecto pobre e rústico da
no meio de uma populosa
occupa, menos d’elle. E’
por vós que elle espera exposto ao desprezo dos
libertinos, ás profanações sacrílegas, ás impiedades
brutaes que ousa fazer-lhe o demonio por meio de
tantos peccadores audaciosos e incorregiveis. Ahl
meus irmãosI E seremos nós insensíveis a um
amor tão terno e tão fiel? Não; Deus tal não per-
46 m a n u a l d e m e d i t a ç õ e s e ORAÇÓES

mitta. Mysterio sagrado da Eucharistía! mysterio


de amor, e de puro amorl Seja tambem o amor
quem nos conduza á vossa santa Mesa. Levemos a
Jesus um coração que, pelo menos, esteja inflam-
mado dos desejos de o amar, de lhe ser fiel, de o
servir, e de ser com elle ditoso para sempre» Assim
seja.

DECIMO TERCEIRO DIA

O amor do Coração de Jesus aos homens


dando-lhes por Mãe a sua própria Mãe
Vai quasi no seu term o a dolorosa Paixão do
Filho de Deus. Jesus pende do madeiro em que
de mãos e pés o haviam cravado f aos lados da
Cruz está Maria Santíssima e S. João, o discípulo
amado. O que então se passou entre elles é o pro­
prio discípulo quem nôl-o conta: «Jesus pois, ten­
do visto sua Mãe e ao discípulo, que elle amava,
disse a sua Mãe: Mulher, eis ahi teu filho . Depois
disse ao discípulo: Eis ahi tua Mãe. E desde
aquella hora tomou-a o discípulo para a sua com­
panhia.» (x)
No sentir unanime de todos os Santos Padres,
João representava os filhos da Egreja. Por este
testamento da Cruz era dada a Maria por mãe a
todos os fieis, e enriquecido o Christianismo com
as superabundancias da consolação e da misericor-

(1) Evang. de S. João, XIX, 26, 27.


JUNHO SÜNflFICADO 47
dia. Como Maria tem cumprido fielmente este le­
gado sabem-no de sobejo todo o mundo e todas
as gerações. Ella tem sido sempre o refugio dos
peccadores, a consoladora dos afflictos, o nosso
amparo nas tribulações, a nossa esperança, o ca­
minho da nossa felicidade. Digam-no quantos tem
sido livres dos perigos, das enfermidades, até da
morte pela sua poaero-issima protecção. Diga-o
ainda em nossos dias essa gruta de Lourdes, tes-
timunha de tào estupendos milagres, e ao mesmo
tempo prova do empenho que a Santis.'ima Virgem
tem em salvar a humanidade resgatada pelo pre­
cioso sangue de seu Filho, e que esquecida de
que é Elle o unico caminho da verdade e da vida,
parece querer sepultar-se outra vez nas sombras da
morte. Segundo a expressão de S. Bernardo, Ma­
ria é o caminho ordinário por onde Deus quer que
os homens vão a Jesus, e ao mesmo tempo é o ca­
nal pelo qual as graças e os beneficios de Jesus
são aistribuidos sobre a humanidade.
T a l é a zelosa solicitude-com que María desem­
penha a missão de Mãe dos homens, que Jesus
Chrisio lhe incumbiu junto á Cruz. Mas Llle tam­
bém nos disse, na pessoa do discípulo amado, que
olhássemos Maria como nossa Mãe. E o Evange­
lista a tomou desde então para a sua companhia.
Não nos esqueçamos d’isto, meus irmãos; não nos
apartemos um só instante da companhia d’aquella
Mãe amabilissima; tratemol-a todos e sempre com
ternura e confiança filial. Ella foi sempre desde os
primitivos tempos da Egreja o objecto de um culto
e de uma devoção especial. Verdade é que a here­
sia lhe roubou, juntamente com o titulo de Mãe
de Deus, uma grande parte das homenagens que
lhe são devidas. Porém, mercê de Deus, nós não
48 m a n u a l d e m e d itv ç õ fs e o r a ç õ e s

somos herejes, mas fieis. Lembremo-nos pois do


que diz S. Francisco de Salles: Que ninguém se
afasta de Maria senão á medida que se afasta de
Jesus: que ninguém deixa a Maria senão depois de
ter deixado a Jesus: e que ninguém se retira de
Maria senão pelo caminho do erro, ou pelo braço
das paixões, pelo orgulho e indocilidade do espi­
rito, ou pela corrupção e peiversidade do cora­
ção.
Que Deus nos defenda da desgraça de nos re­
tirarmos ou mesmo de esfriarmos na nossa devo­
ção á Mãe de Deus. Se esta devoção fervente é
inquebrantavel é, na opinião dos Só. Padres, um
signal certo de predestinação: a frieza, o afasta­
mento d’esta devoç?o não póae deixar de ser um
prognostico da condemnação eterna, porque é um
ultrage ao amor, com que o Coração de Jesus nos
quiz deixar por Mãe sua própria Mãe, e fazer que
Ella a todos nos adoptasse por seus^filhos. Não
nos afastemos pois de junto d’esta Mãe cheia de
bondade e de misericórdia; demos-lhe em nossos
corações o pfimeiro lugar depois de Deus. Mas
lembremo-nos ao mesmo tempo de que o culto de
Maria nos obriga a uma vida pura e santa, e que
a invocação de »Maria não -aos será util se nós não
formos ardentes em desejar a graça divina, fer­
ventes em a pedir, e vigilantes em preparar os
caminhos por onde essa mesma graça se recebe,
que são a dor do peccado, a pratica das boas obras,
e a oração fervorosa e assidua.
O’ Klãe de D^us sarratissima, lembrai-vos que
as dôres que no parto virginal de vosso unigénito
Filho não tivestes, se vos dobraram ao pé da sua
Cruz, no parto espiritual dos peccadores quando
os tomastes a todos por filhos. Já que tãc caros
JUNHO SANTIFICADO 49

vos cintamos, tomai-nos por vosso? servos, ampa­


rai-nos e guardai-nos. Merecei-nos sêrmos d’este
Senhor ouvidos, possuídos, abraçados e mudados
todos em seu serviço e inteiramente á sua vonta­
de. Fazei comnosco, sacratíssima Virgem, o officio
de Mae, obtendo-nos a graça paraque se não per­
cam estes vossos indignos e miseráveis filhos, e
possamos ir um dia participar da gloria de que
vós gosais no Ceu com os bemaventurados, que
tambem foram fructos da vossa espiritual mater­
nidade. Assim seja.

DECIMO QUARTO DIA

O Coração de Jesus é a fonte dos


Sacramentos da Egreja
O assumpto da presente Meditação é fundado
na doutrina dos Santos Padres desde ós primeiros
séculos do Christianismo. S. Cypriano, discorrendo
sobre a mistura de agua e sangue, que jnanou do
lado do Salvador ferido pela lança de um soldado
(*), vê sahir d’alli a Egreja toda radiante de for­
mosura, dizendo: Quem tem séde approxime-se e
beba. Santo Agostinho, tão digno, pela elevação e
celeste ternura da sua alma, de penetrar os mys-
terios do Coração de Jesus, exclama: «Ohl como
«é própria a expressão do Evangelista quando diz:

(I) Evangelho de S. J u ïo , XIX, 3 i.


4
bO MANUAi, DE MEDITAÇÕES E OKAÇOES

« l ’»i dos soldados lhe abriu o lado com uma lan-


«ça. Não diz: feriu-lhe o lado, mas; abriu-lhe o
«lado\ isto e, abriu-se a porta da vida, d’onde se
«derramara pelo mundo os Sacramentos e todas
«as graças, a—«Cheguemo-nos pois, continua o san-
«to Doutor, a esta fonte de agua viva, cuja agua
«salutar elle nos dará gratuitamente, pois noscon-
«vida a ir buscal-a dizendo : Quem tem sêde venha
va mim. Eis a fonte purissima, que rebenta no
«meio do Parai'o e rega toda a terra.» E como
Santo Agostinho faliam ainda S. João Chn^sos-
tomo, S. Basilio, S. Grcgorio Nazianzeno, Santo
Ephrem e quasi todos os antigos Doutores da
Egreja.
Sobre este mesmo ponto discorre tambem o
nosso mystico Fr. Thomé de Jésus pelas seguin­
tes palavras: «Do lado do Senhor aberto sahiu lo­
go sangue e agua em tanta copia, tão distinctos
um do outro,, que com verdade p^de dizer S.
João Evangelista, que assim o testirnunhara por­
que o vira, e não podéra tão claramente ter vis­
to se sahira toda a agua misturada com o sangue.
E como a agua é o elemento de que se toma a
matéria do Sacramento do Baptismo, e o Sangue
sacratíssimo do Senhor lhe dû a virtude toda que
tem para santificar as almas, não ha duvida de
que d’esté divino lado sahiu este santo lavatório,
que nos faz limpos e filhos de Deus. E não só es­
te Sacramento, mas todos os outros, que teern a
virtude do Sangue de Christo em si, do seu sa­
cratíssimo lado procederam, como fonte de todos
os rios de graças e bens espirituaes e celestiaes».

(!) «Trabalhos do Jesus», Trabalho L, cap. I.


JUNÏÏO SANÏiFICADO Si
E já que acabamos de referir-nos a um tão pio
e devotíssimo varão, que deu gloria a Portugal,
sua e nossa patria, terminemos ainda o presente
exercicio com as suas proprias palavras:
«Oh! sacratíssimo Lado! O hí Porta do Paraíso;
Oh! entrada do divino amor; Oh! fonte divina que
sempre manas! Tu me has-de levar a ti com tua
virtude, pois de ti hei-de receber as graças edons
ue a ti me conduzam. Em ti me hei-de ver livre
3 e mim ; em ti me não chegarão os meus inimigos.
Verdadeiramente, Senhor, bem alto pozeste o meu
refugio e o seguro de todos os meus bens (como
disse David); nem póde a elle chegar algttm mal,
porque o pozeste dentro do-teu Coração. Por isso
quizeste que se me não abrisse senão depois de
teres vencido todos os meus males e inimigos com
vossa morte, e depois de haverdes desbaratado os
contrários, que vos tinham õerrado, para que já,
como fortaleza invencível, me acolhesse a esse
Coração, e como em terra pacifica caminhasse pa­
ra essa porta divina, aberta de par em par,seguro
de tudo quanto me possa fazer mal* Até chegar
ahi ando em guerra, em perigo, cada dia roubado,
cada dia acutilado e salteado, porque àndo entre
inimigos, e me occupo de bens que me podem ser
roubados. Ahi não chega inimigo, nem mal, nem
ladrão, porque estão todos os bens d’esse Coração
divino fóra do alcance da corrupção, e livres de
perda. Tudo qnanto em mim ha te deseja; minhas
misérias a ti suspiram por misericórdia ; meus pec~
cados a ti suspiram por perdão; meu captiveiro a
a ti suspira por liberdade ; minha morte a ti sus­
pira por vida. O’ divino Coração, ouve estes bran­
dos, pois não podem deixar d*e entrar por portas
tão abertas. O amor que as patenteou, esse move
$2 m a n u a l d e m e d it a ç õ e s e o r a ç õ e s

a receber-me em ti. Mereço não ser ouvido nem


recebido, pois muitas vezes me chamastes, e não
vos quiz abrir. Mas rtão haveis vós, Senhor, ser
como eu, pois quizestes ser Redemptor das ove­
lhas erradas, e viestes buscar os que vos fugiam.
Abri pois, Pastor meu soberano; abri, Pae de m i'
sericordia, a este coração necessitado. Dai-me en­
trada no vosso Coração; lêde o que n’elle tendes
escripto; alli me achareis no numero dos vossos
ridimidos; fazei-me tambem do numero dos esco­
lhidos. Mostrai o resplandor da vossa grandeza
em minha baixeza; porque se com vossa formosu­
ra prenderaes o perdido, e santificardes o malva­
do, e levantardes este miserável derribado, ficará
o vosso nome exalçado, e conhecida a grandeza
da vossa bondade. E será de todos os necessitados
buscado esse divino Coração, è vçr-se-ha rico e
acompanhado das almas que deseja.» Assim seja.

DECIMO QUINTO DIA

tHeditação

O Coração de Jesus modelo de resignação


Não devemos admirar-nos de que todos nós
choremos ao nascer. Estas lagrimas são o annun-
cio dos males que nos esperam, e a natureza faz-
nos pressentir que não encontraremos n ’esta vida
mortal senão objectos de dôr, que a nossa alma e
o nosso corpo serão igualmente susceptiveis de
soffrimento, e que por mais que procuremos evi-
tal-o nunca o conseguiremos completamente. Mas
JUNHO SANTIFICADO 53
Deus, impondo ao homem a necessidade de soffrer,
deixou- lhe todavia a liberdade de soffrer com re-
pugnancia ou com amor. Jesus Christo nos expôz
estas duas cousas quando disse aos seus Apostolos:
Se alguem quer vir após de mim, negue-se a st
mesmo, tome a sua cruz, e siga-me. (x) N’estas
palavras mostrou Elle a necessidade geral de le­
varmos uma cruz n’este mundo; mas para nos fa­
zer comprehender a liberdade que nos deixa de
fazermos d’ella bom ou mais uso, accrescentou :
Se alguem quiser, ou: Aquelle que quizer\ como
se dissçsse: Não quero fazer violência a ninguém;
eu sei que a minha Cruz será pezada, e que pare­
cerá insupportavel áquelles que só consultarem os
sentimentos da natureza; que, se attrahir alguns
pelas doçuras que occulta dentro de si mesma.,
desgostará outros pelos rigores que por fóra mos­
tra- Entretanto é esta a pena do peccado —levar a
cruz; mas é tambem a expiação do peccado—le-
val-a por vontade, com amor e com resignação.
Ahl meus irmãos 1 Se os interesses da nossa
alma nos são mais ciros do que os da nossa carne,
as palavras sahidas do Coração de Jesus serão para
nós mais um raio do seu divino amor, do que uma
ameaça de ira de Deus contra os peccadores.
As doenças* que nos affligem, tornar-se-ão
agradaveis desde que consideremos n’ellas um meio
de applacar a justiça divina; os .soffrimentos, as
contrariedades, as injurias, a pobreza, tudo o que
se chama 110 mundo infortúnio, terá para nós en­
cantos logo que nos convençamos de que tudo isso
é sim um veneno, mas do qual a mão de Deus fór-

(1) E van g. d e S. M atheus. XVI, 24.


54 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

ma o • antídoto que nos deve sarar. Se a própria


morte nos parece terrível por ser a pena do pec-
cado, ella se nos deve tornar agradavel porque é
filha da Cruz, e porque perdeu em Jesus Christo
tudo quanto tinha de rude e de espantoso. Aos
olhos dos discípulos de Jesus ella não é mais que
um somno, que acalma nossas dores, um extasis
que nos desprende da terra, uma rajada de vento
que nos arroja ao porto de salvação; porque, se foi
outr’ora o castigo do peccado, hoje é o seu re-
medio, como diz Santo Agostinho.
Levar a cruz é um supplicio; mas leval-a após
de um Deus, caminhar sobre as pizadas de Jesus
Christo é ura gosto que se concebe melhor pela
experiencia própria, do qué pelas palavras dS ou­
trem . Pois poderia alguem deixar de achar dôces
por Jesus Christo os sofírimentos que o seu aman­
tíssimo Coração achou dôces pelos homens? '
«Mas que 1(direis vós). Essas dôres^que, só em
pensar n7ellas, mergulharam o nosso Salvador em
uma tristeza quasi mortal, esses padecimentos que,
só ao virem-lhe á ideia, lhe pareceram tão cruéis,
poderiam ser-lhe effectívamente dôces e suaves?
Não o ouvimos nós pedir ao Padre Eterno que o
dispensasse de beber o calix cheio do amargoso fel
dos nossos peccados? Não o vimos nós cahir na
agonia e deixar-se surprehender do temor ao enca­
rar a funesta imagem da sua Paixão?» Mas repa­
rai, meus irmãos, que essa agonia, esse temor de
Jesus Christo são para nós mais uma ltção. Em-
quanto elle deixou obrar os movimentos da natu­
reza humana; emquanto só quiz ouvir a voz da
carne, apesar de santíssima, cahiu n’essas fraque­
zas apparentes, e os rigores da Cruz o fizeram
fallar e obrar como homem.
JUNHO SANTIFICADO 55
Assim, se nós consi^tarmos apenas os senti­
mentos da natureza e as inclinações da carne, sem
duvida que a vista dos soffrimentos nos fará tre­
mer. Aprendamos porém de Jesus Christo o se­
gredo de vencer esse temor cobarde e servil ; con­
sultemos, não a voz da natureea fraca e corrupta,
mas o amor de Deus e o proveito das nossas almas,
e então a nossa cruz não nos parecerá pezada, e
os soffrimentos, longe de nos contristarem, serão
para nós motivos de contentamento e de alegria.
E ’ certo que a mór parte dos homens encaram
os padecimentos "e os trabalhos como signaes de
ignominia, e que, como aquelles que são felizes no
mundo passam aos seus olhos por favorecidos do
ceu, persuadem-se de que os infelizes são objecto
da colera divina. Estes sentimentos são, porém,
injustos. A felicidade nem sempre é a recompensa
da virtude, nem os soffrimentos a punição do cri­
me. Se estes vem algumas vezes como castigo,
muitas ostras vem como advertência, como pro­
vação, como meio de expiação, e em todo o caso
como favores dà Providencia, de que ao homem
compete aproveitar-se, sendo só d’elle a1culpa se
se lhe tornarem inúteis.
Assim, os soffrimentos que affligiram o Cora­
ção innocente de Jesus, que este podia evitar, e
que todavia supportou com tão heróica resignação
por amor dos homens, agora que n’estes castigam
a carne rebelde, o aborrecêl-os e fugir-lhes será
um crime. Se Jesus Christo é o nosso Deus, que
nem as complacencias, nem os receios, nem o cos­
tume, nem os respeitos do mundo nos impeçam
de o seguir. Elle nos convida a tomar cada um a
sua cruz; vamos após d’elle e imitemo-lo na resi­
gnação e na constancia no meio das penas e tra-
56 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

balhos da vida. A Cruz, que foi a nossa salvação,


é tambem a nossa gloria. N?.o nos envergonhemos
de fazer conhecer que achamos as nossas delicias,
a nossa força, o nosso brazão na Cruz de Jesus
Christo, que será elle mesmo a nossa recompen­
sa Assim seja.

DECIMO SEXTO DIA

Meditação

O Coração de Jesus nosso auxilio no meio


das tribulações
Hontem contemplamos no divino Coração de
Jesus o mais perfeito.modelo da resignação; hoje
vamos ver comò Elle está sempre prompto a vir
em nosso soccorro no meio das nossâs tribulações
e trabalhos. Para que o contrario succedesse seria
mister que um Deus faltasse á sua palavra, pois os
sçus proprios labios pronunciaram estas consola-
doras promessas: Vinde a mim vós todos os que
andaes em. trabalho, e vos achaes carregados que,
eu vos ailiviarei. (*) Seria mister que Jesus Chris­
to, tendo enchido de benefícios, e deixado os ves­
tígios da sua bondade e misericórdia» emquanto
viveu entre os homens, por toda a parte por onde
passou fazendo o bem: Pertransiit benefaciendo,
mudasse agora os sentimentos de amor para com-
nosco, sendo, como é, immutavel a sua essencia..

(1) E van g. de S . M atheus, XI, 28.


JTUNHO SANTIFICADO 57
Não, meus irmãos, nãol O Coração de Jesus é sem­
pre a mesma fornalha ardente de amor pelos ho­
mens. Nas vossas necessidades, nos vossos traba­
lhos, moléstias, afHicções e dores, recorrei confia-
damente a Elle, e recebereis allivio e consolação.
Primeiramente, fazendo-nos vèr o abysmo e a
profundidade dos conselhos eternos, esse Coração
adoravel nos mostra que as nossas desgraças en­
tram no plano e na economia da nossa salvação:
«Se eu vos amasse menos (nos diz elle) poupar-
vos-ia mais.
«Lancei a turbação e os cuidados no vosso ca­
minho da vida para vos afastar da tortuosa verê-
da dos peccadores; havieis-me esquecido, e por
fim me obrigaríeis a esquecer-me tambem de vós.
Nunca terieis deixado as seducçoes do mundo se
as vossas desgraças vos não descobrissem quanto
o mundo tem de enganoso e pérfido. Terieis per­
dida a vossa alma se não perdesseis essas riquezas
que vos alimentavam a cubiça, essas honras que
vos fomentavam a ambição e o orgulho. Os laços
da prosperidade são bem doces e bem imperceptí­
veis; prendem-vos aos bens da terra, e fazem-vos
esquecer da eternidade; podieis desejal-a, mas não
faríeis por merecêl-a. Bemdizei pois o instante,
em que por mèio do soffri mento eu vos chamei
para mim. Vçde o que perderíeis perdendo-me, e
comparai a ventura passageira que vos tirei com
a felicidade eterna que vos promeito c asseguro».
Olhemos para os annos que temos vivido na
iniquidade. Consideremos o caminho que havemos
percorrido, e quantos crimes ahi deixaram impres­
sos os seus vestígios. A misericórdia divina não
decretou, ou antes, susteve o momento fatal do
castigo irremissível, e adiantou o tempo da pena
58 m a n u a l.d e m e d it a ç õ e s e o r a ç õ e s

para lhe abreviar a duração e mitigar-lhe o rigor.


Punindo o peccador n’esta vida, procurou evitar-
lhe a punição na eternidade. Reconheçamos isto
pois, meus irmãos; consideremos que devemos
ao nosso Deus e Senhor, a quern temos ofiendido,
um tributo de lagrimas que teremos de pa^arce­
do ou tarde. E ’ jiisto portanto que dias maus e
difficeis espiem os dias aas nossas culpáveis deli­
cias e loucos prazeres. Que será de nos no outro
mundo se n’este não marcharmos pela via doloro­
sa, que o nosso divino Mestre nos traçou até ao
Calvario?
E aqui nos falia outra vez o Coração de Jesus,
fonte de toda a consolação, dizendo-nos: «Vêde-
me no dia da minha morte, desfallecido, aniqui­
lado, saciado de dôres e de opprobrios, abandona­
do de meu Pae e dos meus discípulos, carregado
dos amthemas do Ceu e da terra, Hopnem ingrato
e pérfido t Se nada póde suspender as tuas quei­
xas, lamenta-te embora, mas lamenta-te a mim,
que no alto da Cruz te dei o exemplo do padecer
e do soffrer. Chora por mim, e commigo. As mi­
nhas dores bastam a fazer-te esquecer as tuas ; e
se ainda depois d’isto te lamentares, não será por
teres que soffrer, mas por não saber soffrer.')
Aos que confiados e humildes se dirigem nas

acima das fraquezas da natureza; um sentimento


vivo e delicioso da vantagem dos soffrimentos.
Não nos compete a nós, Senhor, penetrar os
mysterios, e descrever asoperaçoes potentes da vos­
sa graça. O que sabemos é que vós promettesies
consolar as almas afflictas: Vinde e eu vos allivia-
rei—e que o Ceu e a terra passarão, mas não pas­
JUNHO SANTIFICADO 59
sará a vossa palavra. O que sabemos é que muitas
almas christãs, prestes a succumbir ao pezo da
sua dôr, se teem refugiado junto dos vossos alta­
res, vos teem confiado as suas penas, e teem sen­
tido acalmar as ondas do mar agitado, que as
iam submergindo. Que palavras de vida e de sal­
vação ihe fizestes Vós ouvir ?
Tudo se passou entre Vós e elias. Talvez até
que ellas próprias o ignorem * mas è certo que sa-
hiram do sanctuafio consoladas, tranquillas e
muitas vezes felizes. Eveste o testimunho dos San­
tos. «Oh homem 1 (diz S. Boaventura); crê na mi­
nha palavra. Se forcejares por penetrar no Cora­
ção do dulcissimo Salvador pela abertura da sua
chaga; não só tua alma, como tambem o teu cor­
po gozará de um perfeito deseanço e de uma admi-
ravel doçura.»
As nossas lagrimas são menos amargas quan­
do, para as enxugar, se nos depara a mão de um
amigo enternecido e fiei Ora este amigo, tãodif-
ficil de encontrar na terra, lá o temos no Ceu: lá
está no terníssimo Coração de Jesus, e é nos aias
de aíHicção e de amargura que 0 seu amor se tor­
na de alguma sorte mais attento para comnosco.
Na solidão da nossa alma elle nos vem procurar
para se comtnunicar com eila, para receber os
seus suspiros , para enxugar o nosso pranto, para
ouvir e suavisar os nossos queixumes, para acal­
mar a nossa agitação, para cicatrizar as feridas dos
nossos corações. Recorramos pois a Elle no meio
das nossas tribulações, e seremos infallivelmente
consolados e alliviados. Assim seja.
6o MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

DECIMO SETIMO DIA

Meditação

O Coração de Jesus mediador entre Deus


e os homens
Jesus Christo nosso Redemptor e Salvador,
morrendo n’uma Cruz para expiar os peccados do
mundo, não só nos abriu as portas do Ceu, que
nos fechara o crime de nossos primeiros paes,
mas quiz ainda continuar a ser o nosso Mediador
junto do Eterno Padre afim de obter para cada
um de nós individualmente o perdão de nossas
culpas. E’ isto o que claramente nos diz o Apos­
tolo S. Paulo nas seguintes palavras: Jesus Chris­
to, Pontífice maximo dos bens futuros', tendo vin­
do ao mundo, . . . não entrou no Sanctuario feito
fo r mão de homem., que não era senão figura do
verdadeiro mas entrou no mesmo Ceu, afim de se
apresentar agora por nós ante a face de Deus. E
está á mão direita de Deus intercedendo por nós. (l )
Com efleito, parecendo ainda pouco ao aman­
tíssimo Coração de Jesus o derratnâr todo seu san­
gue para ro> renhir da culpa, e ensinar-nos o ca­
minho do Ceu subindo Elle mesmo ao seio da glo­
ria de seu Eterno Pae, quiz tambem ser alli o
nosso poderoso advogado para nos obter a entra­
da na gloria eterna, apresentando-se a Deus Padre

(1) E pist. aos H ebreu s, IX, 11, 24, e aos Rom anos, YJII,
34-
JüNHO SANTlFiCADO 6l
sob essa gloriosa carne, cujas cicatrizes constante­
mente estão faliando a favor dos homens. Verda­
deiro Deuse verdadeiro Homem ao mesmo tempo,
Jci>us Christo considera-se o chefe d’esta nature­
za humana, que não póde ser plenamente glorifi­
cada sem que toJos os seus membros se achem ao
seu chefe reunidos. Porque, sendo a cabeça ape­
nas uma parte do corpo, ella parece todavia achar-
se em todos os membros que o compóe, pela sym-
pathia que entre estes e aquella existe. E não será
por effeito d’esta sympathia, diz Santo Agostinho,
que Jesus Christo exclamou do alto dos Ceus, em-
quanto seus membros sofiriam perseguições sobre
a te rra , n ã o -p o rq u e perseguis os meus fieis?—
mas sim—«porque me perseguis?» Mevnbris adhuc
positis iti terra, Capud'exclamabat in Calo, et non
dicebat—quid persequeris Jideles meos—sed—quia
me persequeris? (x) Felizes pois os christãos que a
santidade de uma vida toda espiritual une a Jesus
Christo, e que, animados do seu espirito, podem
gabar se de serem unha parte d ’Elle mesmo, e de
serem, por conseguinte, os companheiros do seu
triumpho, pois que os membros do seu corpo mys-
tico, que é a Egreja, estão a Elle unidos como os
do seu corpo natural.
Consoante esta sublime theologia. Jesus Chris­
to não só nos conquistou o direito ae pretenden­
tes ao reino dos Ceus, mas interessa-se constante­
mente junto de seu Pae para nos obter parte da
gloria de que Elle mesmo goza. E' certo que da
nossa liberdade depende a acceitação ou o repu­
dio d’essa gloriosa herança. Nós vemoos segun-

(1) Serm So XIV, d e S a n c tis.


6a m a x u a l d e m e d it a ç õ e s e orações

do Adão, nosso Senhor e nosso Chefe, subir ao


Ceu como homem, e collocar a natureza humana
á direita de seu Eterno Pae, convidando-nos as­
sim, seus filhos e seus membros, a irmos reunir-
nos com Elle no Céu; vêmol o diante do throno
do Altíssimo intercedendo por nós, advogando a
nossa causa, obtendo-nos por sua omnipotente
mediação as graças necessarias, já para não nos
desviarmos do caminho do Ceu, já para voltarmos
a elle se por desgraça o houvermos perdido. Em
nossa mão está porém a escolha; ou ncarmos uni­
dos ao velho Adão, por quem entrou o peccado no
mundo, ou unir-nos ao novo Adão, que resgatan­
do-nos do mesmo peccado, nos retribuiu o direito
á herança da gloria eterna. E pois que este novo
Adão, nosso Senhor Jesus Christo, nada poupou para
estabelecer esta união salutar entre nós e Elle, nada
devemos poupar tambem para que Elle nos não
regeite quando vier no ultimo dia, como Juiz dos
vivos e dos mortos, e não profira a nosso respeito
estas tremendas palavras: Pois que vós desprezas­
tes a minha doutrina, não quizestes aproveitar-
vos dos meus trabalhos, do meu sangue, da minha
morte, e fostes rebeldes aos toques da divina gra­
ça, que de meu Pae implorei a vosso favor, hoje
não vos reconheço como meus filhos, como her­
deiros do meu reino, no qual não podem ter en­
trada os que dão escandalo e os que obram com
iniquidade. O vosso lugar será na Jornalha de
fogo, onde haverá só chóro e ranger de dentes (*).
Mas nós, mcús irmãos, estamos ainda sobre a
terra, e Jesus Christo não é ainda o nosso Juiz,

(!) Evang. de S . Math. XIII, 41, 42.


JUNHO s a n t i f i c a d o 63
mas o nosso Pae, o nosso Mediador, o nosso Advo-
gido, e a misericórdia divina concedeu-nos ainda
tempo de nos arrependermos, de evitar novos pec-
cados e de praticarmos a virtude. Recorramos
pois ao divino Coração que nos abrigue como se­
guríssimo porto nos naufrágios d’este mar tem­
pestuoso da vida; que, para o não temermos um
dia com esse temor que faz os réprobos, quando
elle vier no fim do mundo separar os justos dos
peccadores, nos concéda antes esse receio salutar
que faz os santos, que procede do amor filial, e
que nos abrirá a porta nas celestiaes moradas. As­
sim seja.

DECIMO OITAVO DIA

Meditação

O Coração de Jesus obediente atê á morte


Jesus Christo se abateu a si mesmo yJazendo~
se obediente até á morte de cruz, dig o Apostolo
S. Paulo: e ainda n’outro lugar accrescenta: Jesus
Christo, ao entrar no mundo, disse a seu P ae:
Eu venho Jazer a vossa vontade., meu Deus; e sa~
crijicar-vos o Corpo que vós me haveis dado.
—Assim as palpitações d’aqu<lle Coração adora-
vel foram logo para Deus, que lhe formara um
corpo humano, ou segundo a expressão do mesmo

(1) Epist. aos Pbiiipenses, II, 8; aos Hebreus, X, 6—7.


64 m a n u a l d e m e d íta ç ó e s e o r a ç õ e s

Apostolo, o fizera similhante aos homens em tudo


o que d’elle se via por fóra. O seu primeiro pro­
testo f j í da mais perfeita obediencia á vontade de
seu Eterno Pae. Elle se olha como uma victima
que deve ser o modelo de todas as outras, que deve
juntar o ardor da sua caridade á effusão do seu
sangue; e dá-nos desde o seu berço o primeiro
esboço d’essa Religião perfeita que sacrifica o co­
ração com o corpo, o espirito com a carne; que
não se descuida do sacrifício interior da carida­
de, mas que o faz conhecer pelo sacrifício exte­
rior da penitencia. D’isto nos dá Jesus Ghristo o
exemplo, quando, confundido com os peccadores
pelo seu nascimento segundo a carne, se distingue
d ’elles pela preparação interior do seu Coração,
pelo sacrifício invisível do seu amor, pela submis­
são completa do seu espirito ás ordens e ás von­
tades de Deus: Ecce venio ut facm m voluntatem
tuam.
Fechemos pois, por algum tempo, os olhos ás
dores sensíveis do seu corpo, e penetremos no
sanctuario dç seu Coração, adoremos os transpor­
tes do seu amor por seu Pae, a extensão d ’essa
caridade immensa, o sacrifício interior d’este di­
vino Infante, que apenas vindo ao mundo se sub­
mette a todos os designios de Deus sobre Elle,
acceitando desde logo os rigores que: lhe prepara,
considerando-se já como uma victima destinada
á morte, e á morte de Cruz. Nenhuns outros de­
signios n’esta alma divina além dos designios de
Deus; nenhuns outros desejos n’este Coração
innocente senão os desejos de Deus; nenhuma
outra vontade que não fôsse a vontade de Deus.
Até a ancia de se immolar pela salvação dos ho­
mens se modera, deante dos decretos de seu Pae,
JUNHO SANTIFICADO 65
até que seja chegada a hora marcada para o sacri­
fício : quomodo coarctor donec perficiatur. E d’ahi
tambem essa resignação perfeita do seu espirito
no meio dos terrores d i morte edas repugnancias
da natureza: Não se faça a minha vontade, mas
sim a vossa; porque serão estas as consequências
do sacrifício interior que EUe começou a oíFerecer
desde o berço, e os effeitos da submissCo espiri­
tual e perfeita que veio ensinar-nos.
Aproveitemos estes exemplos, nós que pomos
toda a nossa Religião no exterior, ou por vaidade
do espirito que prefere commummente o que se
manifesta aos olhos dos homens, ou pela corru­
pção da natureza, que pouco capaz das cousas es-
pirituaes, faz o seu capital d’aquillo que fere os
sentidos, e só busca ostentar-se no exterior sem
cuidar no interior e no coração. Muitos o corrom­
pem por maus motivos e por intenções impuras;
outros o repartem pelos respeitos humanos, ou
pela concupiscência; e quasi todos o desprezam
por tibieza e por inapplicação.
Ora a nossa obediencia á vontade de Deus deve
vir do coração, deve ser espontanea ç não' força­
da, deve ser sincera e não só apparente. Que a
vossa vontade seja feita, assim na terra como no
ceu; eis o que nos ensinou Jesus Christo c jm a
palavra e com o exemplo. Que nenhuns respeitos
humanos, nenhumas considerações terrenas nos
detenham quando se trata de obedecer a Deus.
Assim Jesus Christo, que veio á terra para ser o
nòsso exemplar e moaelo, mostrou uma perfeita
submissão á vontade de seu Pae, e desde o presepe
até á cruz toda a sua vida foi uma continua obe­
diencia á lei divina e aos designios do Altíssimo:
Factus objdiens usque ad mor km . Por esta obe-
66 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

diencia á lei, que não fora feita para Elle, porque,


como Deus, era superior a ella, quiz vingar, pela
maneira mais extensa, a gloria de seu Eterno Pa­
dre ultrajado por tantas desobediencias da nossa
parte aos preceitos que são para nós de estricta e
indispensável obrigação : preceitos de submissão e
de fidelidade para com Deus; preceitos de affecto
e de caridade para com o proximo; preceitos de
justiça e de equidade, que são a origem da concor­
dia e da paz entre os homens; preceitos de probi­
dade e de reconhecimento, que são os laços da so­
ciedade, e o encanto da amisade; preceitos de hu­
manidade e de generosidade, que são o apoio dos
fracos, o recurso dos pobres; preceitos de mode­
ração e de doçura, que tempéram o fausto e limi­
tam o poder dos grandes; preceitos de subordina­
ção, que unem todos os membros do corpo políti­
co e ecclesiastico; preceitos do pudor e da hones­
tidade, que asseguram a honra e a. reputação das
famílias; preceitos, emfim, para todas as edades,
para todas as condições e estados; preceitos da na­
tureza e da-graça, da razão e do coração, que se
não podem violar sem desmentir o caracter de
christão e de homem honesto, sem offender tanto
o ceu como a terra, sem ultrajar tanto a fé como
a razão. Mas todavia preceitos sem cessar trans­
gredidos no mundo pçlo mais ligeiro interesse, ao
sabor da mais louca paixão, pela esperança do mais
frivolo prazer, pelo menor pretexto, e até muitas
vezes sem pretexto algum, sem escrupulo e sem
remorsos.
Porque razão pois o Homem Deus, apesar da
grandeza e magestade do seu sêr, quiz sujeitar-se
a uma dependencia e a uma obediencia que chega
a parecer-nos indecorosa? Porque, repetimos
JUNHO SANTIFICADO «7

ainda uma vez, como Salvador elle vinha servir


de modelo a to los os homens, e etisinar-nos a
nos envergonharmos emfim d’essa independência,
que tem por unico fundamento o orgulho, d’essas
pretendidas distincções de classes, d’essas dispen­
sas imaginarias e privilegio» insensatos, que pro­
curamos na nossa posição so:ial, no nosso nasci­
mento, na nossa fortuna, nas nossas obrigações
civis, nos respeitos humanos, em summa, pira
nos recusarmos a obedecer a Deus, como se fos­
semos superiores a EUel
O' divino Coração de Jesus! Fazei nascer em
nossos corações o sentimento de obediência a mais
perfeita aos preceitos da Lei divina, e da mais com-
leta submissão aos designios e á vontade de.
Ê►eus, ainda quando a sua mão nos fira com os
soffrimentos, com as adversidades e com a morte.
Se é difficil o sacrifício que f izemos a vosso E ter­
no Pae, é maior a recompensa que Elle nos pro­
mette. Por um momento de combate uma eterni­
dade de gloria. Nós não hesitamos. Senhor, Aqui
Vós estareis todo em nós, Vós vivireis comnosco,
e nós reinaremos cocnvosco nos ceus. Assim seja.
68 MANUAL HE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

DECIMO NONO DIA

Meditcção

O Coração de Jesus, propiciação pelos


nossos peccados
Antes do dia feliz em que, pela encarnação do
Verbo divino, se deu principio á nossa redempção,
Deus não via senão peccadores sobre a terra; e sê
existiam alguns justos, estes eram homens; c o
que valia o homem diante da face de Deus? A
nossa salvação, segundo os designios da sabedoria
eterna, essa era ligada aos sofFrimentos de um ho­
mem que fôsse ao mesmo tempo Deusj de um ho­
mem que tomasse sobre si, não o peccado, deoue
era incapaz, mas o encargo e a pm a do peccado,
para dar ao Eterno Padre o direito de o tratar
como peccador, e que, como medeador entre
Deus e os homens, occupasse como que o meio
entre a santidade e o peccado, encobrindo-se sob
o véu e a sombra d’este para o expiar, satisfazen­
do, a justiça divina, e attrahindo sobre si a colera
celeste que pezava sobre os peccadores.
Tal foi Jesus Christo. N’elle se verificaram os
oráculos dos Prophetas, segundo os quaes o Deus
de toda a santidade set ia posto no numero dos
peccadores, a ponto de se tornar como desconhe­
cido aos olhos de seu mesmo Pae. N’elle se cum­
priu o prodigio de que tantas vezes falia o Apos­
tolo: Aquelle que náo tinha conhecido o peccado,
tornou-se' de certo modo o peccado mesmo; apa-
JUNHO SÀNTíFICADO 69

gou a cedula do peccado, que era contra nós, e


aboliu-a inteiramente pregando-a na sua cruz, e
lavando-a com o seu sangue.
Ah 1 Nos nossos corações existe tambem um
mysterio impenetrável. E ’ este: Nós cremos e pro­
fessamos que Deus Filho desceu do ceu á terra
para trabalhar pela nossa salvação; que para me-
recer-nol-a levou uma vida cheia de trabalhos, de
penas, de tormentos; que não se humilhou, não
padeceu, não morreu n’uma cruz senão para nos
salvar; e d’aqui, por uma bem justa consequencia,
deviamos concluir que o negocio da nossa salva-
ão é o negocio da nossa alma e da nossa eterni-
S ade, o, nosso grande, o nosso importante, o nosso
unico negocio. Nós cremos isto, e fazemos uma
honra, uma religião d ’esta nossa crença. E toda­
via na pratica, na conducta, nas particularidades
da vida, nas occasiões que repetidas vezes se apre­
sentam de mostrar e provar a nossa fé pelas nos­
sas acções, deixamos de o füzer, e desmentimos
com as obras a crença que professamos com a
boca !
Os interesses mundanos, as riquezas, as hon­
ras, os prazeres, a estima e o favor do mundo,
eis os grandes objectos, as grandes fortunas, os
grandes acontecimentos, os grandes intetjesses que
nos occupam, e sobre os quaes róLim os grandes
designios, os grandes projectos, as grandes empre-
zas; é com respeito a tuao isto que nos lançamos
nos grandes movimentos, nas grandes-agitações,
nas grandes intrigas; é d’aqui que decorrem os
grandes receios, as grandes esperanças e as gran­
des inquietações. Se se trata da fortuna temporal,
não ha obstáculos que não forcejemos por vencer,
ligações que não estejamos promptos a quebrar, com-
MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

promissos que não nos achemos dispostos a esque­


cer; não ha trabalho que nos cance, perigo que
nos assuste, difficuldade que nos embarace, sacri-
ficio que nos pareça penoso. E no meio d’este tu­
multo que excitam os desejos, os cuidados, as pre­
cipitações, a actividade, o fogo da cubiça, o que é
feito da salvação? Esquecida, desprezada, não se
pensa n’ella, ou foge-se mesmo de pensar n’ella;
arrisca-se, expõe-se, sacrifica-se, perde-se, e por
vezes nem sequer nos apercebemos de a havermos
perdido !
Mas, meus irmão?, perder a salvação é perder
o objecto dos mais insistentes votos do Coração de
Jesus, é perder o preço dos seus trabalhos, dos
seus soffVimentos, do seu sangue. Não; nós não
conhecemos o Coração de Jesus, porque, se o co-
nhecessemos não poderíamos recusar-lhe o nosso.
Ah I e quem nos impede de o conhecer? Não estão
os seus sentimento» as-sás manifestos nas suas
acções? Vede a sua sabedoria infinita empregada
em concertar os meios, em remover os obstáculos,
em aplanar o caminho da nossa salvação; vede-o
no Horto suando gotas de sangue; vede-o açouta­
do, cuspido, coroado de espinhos, e por fim pre­
gado n’um madeiro como victima expiatória dos
crimes da humanidade, e ao mesmo tempo victi­
ma propiciitoria para nos reconciliar com Deus e
obter-nos a entrada no celestial Parako. Depois
d’estes prodigios de misericórdia, que não pode­
mos admirar assás, será a nossa indifferença para
com o nosso Salvador outro prodigio de ingrati­
dão, que todas as nossas lagrimas não bastariam
para chorar. Confundamo-nos pois á vista d’este
excesso do desagradecimento, e peçamos a Jesus
que nos faça connecer devéras o seu amabilissimo
JUNHO SANTIFICADO 71

Coração, n’elle nos receba, nos prenda, nos refor­


me, nos ensine e nos disponha para podermos um
dia ser participantes da sua gloria e dar-lhe infin­
das graças pelos innumeraveis benefícios de que
lhe somos devedores. Assim seja.

VIGÉSIMO DIA

Meditação

O Coração de Jesus amargurado por


nossa causa
Representemos ao nosso espirito o estado em
que se achou JesusChristo n’aquella noite em qué
teve Drincipio a sua dolorosa Paixão. Que mudan­
ça se fez n’Elle em tão pouco tempo! Ao entrar,
ouco antes em Jerusale n, os applausos das turbas
S aviam-no recebido como em triumpho, e ellas
gritavam : Hosanna ao Filho de David ; bemdito
o que vem em nome do Senhor; hosannu no mais
alto dos Cens. .
Agora procuramol-o, e quasi que o não encon­
tramos, pois só vemos n’EÚe um homem fraco,
possuido pelo temor dos tormentos. A dor, o en­
fado, o aesfallecimento, uma tristeza mortal se
apoderam d’Elle, e parece succumbir por alguns
instantes ao horror do terrivel sacrifício que a si
mesmo se havia imposto. Nada do que tinha de
passar por Elle lhe era occulto. As injuria*, as
affrontas, a coroa de espinhos, oa açoutes, a via
dolorosa do Calvario e a Cruz, tudo estava presen-
72 m a n u a l d e m e d ita ç õ e s e o r a ç õ e s

te ao espirito e ao coração do nosso divino Re­


demptor.
Mas emfim, quem é este homem que soffre? E
por quem soffre EUe? S. Pedro nôl-o diz: Jesus
C/i ris lo sofíreiij e sojfreu por nós. E* Jesus Chris­
to que soffre; isto é, o Filho unigerito de Deus; o
Deus de gloria e de magestade; o Deus auctor do
mundo e que o mundo deveria adorar corro seu Se­
nhor. E os homens ousaram desconhecer o seu Deus,
repellir o seu Deus, perseguir e atormentar o seu
Deusl
Ah! meus irmãos; e quantas vezes o havemos
nós tambem abandonado por fraqueza, renunciado
por respeitos humanos, sacrificado aos nossos pra-
zeres, aos nossos interesses, á nossa vaidade, á
nossa soberba e aos r ossos resentimentos?! Quan­
tas vezes lhe temos nós descarregado golpes mais
sensiveis do que a morte?! Porque um peccado,
um peccado só, que nos parece leve^fflige mais o
Coração de Jesus do que todas as aftrontas que
padeceu.
Consideremos que é Jesus Christo que soffre,
quer dizer, o homem mais santo, mais justo, mais
aoce, mais amavcl que existiu e póde existir na
terra. E ’ esse homem pacifico, de qu:m disseram
os Prophetas que rã o abriria a boca a um| quei­
xume, que não acabaria de quebrar uma çana meio
partida, que nas mãos dos seus inimigos não sol­
taria uma palavra de impaciência, e que só sabe­
ria amar os peccadores, chorar sobre os seus de-
lictos e morrer por elles. Contra elle se levanta­
ram os Judeus, a quem só fizera bem, que ia mor­
rer por elles, mas que emfim não o conheciam.
Porém nós somos mais culpados do que os Judeus,
porque o reconhecemos por nosso Salvador, que
JTJNHO SANTIFICADO 73

padeceu e morreu por nós, c todavia nos atreve­


mos a offendel-ol
Jesus Christo padeceu, e podia bem deixar de
ter soffrido. Só a uma palavra sua milhóes de An­
jos viriam do ceu, e exterminariam esse povo im-
pio que ia pregal-o n* Cruz. Porque o não fez Eile?
Porque vinha ensinar-nos quão horrivel cousa se­
ja o peccado. Esse peccado, que eu não temo, que
eu não detesto, que eu não choro, chorou-o um
Deus, e por elle, e para nos resgatar d’elle verteu
todo seu sangue. Dissoluções, mentiras, aleivosias,
soberbas, vaidades, invejas, ódios, amor proprio,
tudo isto nos parece que não é nada. E todavia
po leremos nós chorar assás aquilk) que fez correr
as lagrimas de um Homem Deus? Toderemos ex­
piar bastante aquillo que custou o sangue de um
Homem Deus?
E seren os tão ingratos que façamos correr de
novo essas h grimas e esse sangue? Seremos tão
insensatos que nos expúnhamos ás vinganças de
um Deus que tão rigorosamente puniu seu Filho
unico que apenas tinha a sombra e a apparencia
do peccado? O’ peccado, que redusiste o meu Je­
sus a tão lastimoso estado ! Quanto dêvo amal-o;
mas ao mesmo tempo quanto dêvo detestar-te I
Sangue do meu Deus, cahi sobre nós para ex­
tinguir todos os nossos desejos profanos e todo o
fogo de nossas desordenadas paixões. Mas sobre­
tudo que á vi^ta d’esse sangue, derramado por vós,
Senhor, em tão grande abunaancia, o nosso amor
proprio se confunda e se aniquile e com elle toda
a impaciência, frouxidão e sensualidade; que tudo
isto convem mal 00 discipulo, ao adorador de um
Deus banhado em seu sangue. A’ vista de Jesus
p?decente, os Santos nada mais quizeram do que
74 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

soffrer. Ou padecer ou morrer; exclamava Santa


Thereza. Que nâo morramos cedo para sojfrer­
mos por mais tempo, dizia outra serva do Senhor.
Se a nossa saude nos não permitte seguir todo o
nosso fervor, e mortificar nosso corpo com gran­
des austeridades, ao menos mortifiquemos os nos­
sos desejos, e sofframos resignados as contrarieda­
des e os desgostos da vida, subjuguemos o nosso
amor proprio, e não transijamos com a negligen­
cia, com a sensualidade, com a vaidade, com a
curiosidade; acostumemo-nos a não satisfazer os
nossos desejos, e a praticar muitas vezes o que
repugna á nossa vontade, de maneira que ponha­
mos todo o ardor em trazer nos nossos corações a
Cruz de Jesus Christo. Ah! e será isto íazermuito
pelo nosso Jesus, que tanto padeceu por nós?
Fazei, Senhor, fazei passar para os nossos co­
rações uma parte do fogo celeste que consumiu o
vosso. Que nós vos amemos como w s nos amas­
tes ; que choremos como vós haveis chorado por
nós; que os nossos corações sejam commovidos
pelas vossas dores como o vosso foi pelas nossas
misérias. Assim seja.
JUNHO SANTIFICADO 75

VIGÉSIMO PRIMEIRO DIA

Meditação

O Coração de Jesus exhausto de sangue na Crua


A vista de Jesus crucificado ensina-nos a amar
a Deus: a amar a Deus que nos deu seu Filho úni­
co; a amar a Jesus Christo que se entregou e
immolou por nós. O amor só se paga com outro
amor. E quem terá m&is direit > á nossa ternura
do que Jesus? Descer do ceu á terra; nascer pobre
e sujeito a to ia s as misérias humanas; levar uma
vida penosa e laboriosa; sentir a fome, a sede? as
perseguições, as vigílias, os enfados de longas jor­
nadas; tudo isto, que seria já de mais para nós,
pareceu ainda pouco ao amor d’este coração bo­
níssimo para com os homens; eJesus Christo quiz
ainda subir á Cruz. e derramar alli todo o seu
sangue. A Cruz foi o epilo^o de tod^s .os soffri-
mentos, de todas as dores, de todos os opprobrios,
a que o no»so Salvador quiz sujeitar-se para nos
abrir as portas do ccu.
Todas as virtudes sublimes do Coração de Je­
sus alli, sobre o Calvario, simultaneamente res­
plandecem : a sua inteira obediencia á vontade do
Padre Eterno, a paciência e a resignação no meio
dos mais cruéis tormentos, a sua longanimidade
perdoando aos que o crucificam: Pater, dimitte
Mis, non enim sciunt quid faciunt. a sua misericór­
dia para com os peccadores arrependidos, tradu­
zida nas suas palavras ao bom l .drão: Hodiemecum
76 MÀNUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

cris in Paradiso ; emfim o seu amor immenso aos


homens, e a sede, que o abrasa, de salvar a to­
dos. í1)
Não quiz Jesus Christo que uma só gota do
seu sangue redemptor ficasse em suas veias; todo
se derramou sobre a terra que, embebida d’este
precioso sangue, não mais ficou sendo a terra mal­
dita, só productora de sarças e de abrolhos, mas
terra de benção que faz germinar a salvação, e
onde floresce a justiça e a virtude. «Bem como
(diz S. Bernardo) o ouro se espalha por toda a par­
te quando se rompe o saco oue o contem, assim
as graças de Jesus Christo se derramam com o seu
sangue sobre todos os homens. (*)» Mas se é certo
que este sangue reparador foi vertido em benefi­
cio de todos nós, tambem é infelizmente certo
que :-ão innumeraveis os que não procuram apro­
veitar-se d ’elle. Alem da multidão d’aquelles des­
graçados que, n ’estes tempos de descrença e de
impiedade, desconhecem ou abandonam a Jesus
Christo, e o insultam e blasphemam, ha ainda ou­
tros muitos que, apezar de o olharem como Mes­
tre, de o reconhecerem como Senhor e de o ado­
rarem como Deus, se deixam ficar todavia prezos
nos laços do peccado e do demonio, desmentindo
com as obras o que confessam com os labios. Se
estes taes fazem semblante de o adorar dobrando
os seus joelhos diante d’Elle, ultrajam-no ao mes­
mo tempo pelo desvario dos seus pensamentos,
pelo desregramento dos seus desejos, pela immo-

(I) Srli» hæc de ardore dileclionu , S Justiriiano.


(2; Tutu ■ concitso sacco pecun ium , quaz lalebat, effu-
d it. Serm. ], de Nat-
Ju n h o s a n t .f ic a d o 11
destia dos seus olhares, pela dissolução dos seus
costumes, pela dureza dos seus coraçoes.
U r a haverá c ò u s a mais odiosa, mais extrava­
gante e indigna do que este procedimento de um
tão grande numero de christãos? Jesus Christo dá
todo seu sangue para expiar o peceado, de que não
teve culpa; e nós que fazemos nascer o peceado
em nossas^ alrnss, longe de empregar o minimo
esforço para o sacudir e sufFocar com a peniten-
çia, antes o fomentamos com a nossa vida afem i'
nada e sensual, e para o expiar nem uma lagrima
derramamos! Nós, ao receber o Baptismo, nos alis­
tamos soldados de Jesus Christo, temos em nosso
favor a sua graça, os seus exemplos e òs seus soc-
corros; e com estas santas armas somos mais for­
tes que a natureza corrompida com todas as suas
inclinações, que o mundo com todas as suas se-
ducções, e que o demonio com todas as suas ten­
tações; e sem embargo deixamo-nos vencer ou nos
rendemos ao primeiro combatei Ah! quanto re­
ceio que o Sangue de Jesus, muito melhor que o
do innocente Abel, levante um dia contra nós a
sua queixa, e peça vingança, não só da nossa co­
bardia, mas tambem da nossa ingratidão] Ahl co­
mo me parece ouvir de seus divinos labios estas
palavras de justíssima indignação: «Vós outros a
quem eu hei chamado, e que parecia haverdes
abraçado com gosto o meu serviço; vós, p a r a quem
institui o Sacramento adoravel do meu Corpo e
do meu Sangue, convidando-vos a vir gostar co­
migo o Pão dos Anjos, continuaes a offender-me I
E ’ este o tributo de amor e de reconhecimento
que eu tinha direito a esperar de vós? E ’ este o
justo agradecimento com que me pagaes os pas­
sados benefícios ?»
78 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

Prostremo-nos pois, meus irmãos, diante do


coração amorosíssimo de Jesus, e digamos-lhe fer­
vorosamente: Fazei renascer em nós, Senhor, a
vida do amor pelo nosso zelo ardente, pela santi­
dade do nosso culto e das nossas adorações, a vida
da natureza pela nossa caridade para com o pro­
ximo, a vida penitente pelos nossos sacrifícios e
pela nossa paciência, e que os inimigos vejam re­
nascer em cada chri?tão um outro Jesus Chrísto.
E para que assim seja, fazei que atravez d’essas
sagradas chagas de vosso Corpo sacrosan to nós
respiremos a caridade, a humildade, a santidade
de que Vós tendes a plenitude; e que nossas bocas
applicadas a essas chagas adoraveis recebam por
el las o vosso e<pirito, sem o qual ninguém pó de
pertencer-vos, nem no tempo, nem na eternidade.
Assim seja.

VIGÉSIMO SEGUNDO DIA

Meditação

O Coração de Jesus fonte de agua viva que corre


até à vida eterna
Fallando Jesus á Samaritana peccadora, que
viera tirar agua do poço de Sicar, disse-lhe;
«Aquelle que beber da agua d’este poço, terá ain­
da sêde; mas o que beber da agua que eu lhe der,
nunca mais terá sede, porque a agua que eu lhe
der virá a ser n’elle uma fonte que brotará at é á
JUNHO s a n t if ic a d o 79
vida eterna». (1) Ora assim como o poço, d’onde
a Samaritana vinha tirar a agua, representa os
pj^sageiros gosos da vida terrena, cuja senda já-
mais se estanca no homem peccador, assim tam­
bém a agua viva de Jesus é a graça divina, que
satisfaz todos os desejos da alma, que sacia a sêde
da nossa felicidade n’este mundo, e que nos eleva
até á felicidade da vida eterna. E’ a graça esse
manancial fecundo, onde os justos vem beber a
sua innocencia e o seu fervor; os penitente* os
seus suspiros e as suas lagrimas; os apostolos o
seu zelo e a sua coragem; os martyres a sua intre­
pidez e a sua constancia.
Admiráveis são as vias pelas quaes a torrente
vivificadora da graça se insinua em nossas almas.
Tão felizes como a mulher de Samaria, a quem
Jesus Christo converteu, nós não só encontramos
a graça quando a buscamos, mas até muitas vezes
quando lhe fugimos. Que digo? E ’ pelos proprios
caminhos que tomamos para nos afastarmos d’el­
la que não raro a graça vem ao nosso encontro
para attrahir-nos a si. Se o mundo nos rouba a
Deus, que faz a sua graça? Emprega o-mesmo
mundo com os seus enganos, com os seús despre-
zos, com a sua inconstancia, com as suas injusti­
ças, traições e perfidias, para nos ir afastar da
agua corrupta d’este poço, e conduzir-nos até á
fonte de agua viva onne a nossa sêde ficará para
sempre saciada. São as paixões que nos precipitam
na desordem? Pois bem: Deus se servirá d’essas
mesmas paixões e dos seus inquietos desejos para
nos fatigar; dos seus temores c das suas suspeitas

(l) Evang. de S. Jo5o, IV, 13, 14.


8o MANUAL DE MEDITAÇÕES E OR4.ÇOES

para nos entristecer; dos seus revezes, e das des­


graças, que as acompanham, para nos apartar d’el-
las; da vergonha e do opprobrio, que as seguem,
para nos intimidar; dos seus mesmos exitos e pros-
peridades, para nos instruir, desilludir e enfastiar.
Cheio de despeito, de tedio, de amargura, triste,
agitado, importuno a si mesmo, o nosso coração
buscará uma sylo, e o amoroso Coração de Jesus
lh’o ofFerecerá então; a graça lhe inspirará o de­
sejo de vir alli esquecer os seus infortúnios e as
suas dores; a sêde de felicidade, que não conse­
guira até alli extinguir em parte alguma, achará
emfim aquella fonte de agua viva onde se de>alte-
re para sempre a sua secura.
Convem notar porém que debalde o nosso co­
ração deprimido, desilluaido das falsas prosperi-
dades do mundo, das delícias enganosas da volu-
ptuosidade, se envergonharia da sua indigna es­
cravidão. Sem a graça divina elja não chegaria
a libertar-se. Tal é a nossa mi^eria, observa S.
Bernardo, que não iremos a Deus sem que Elle
venha primeiro a nós; que não o procurare­
mos sem que E le nos haja procurado: Non quae-
res nisi primus quaestta. A’ doçura e amorosas
traças da graça preveniente deve o peccador os
primeiros desejos da sua conversão. Mas convem
não fazer d’esta graça uma ideia falsa, para que o
peccador se não escude do peccado com o pretex­
to de que Deus lhe faltára com a sua graça para
arrepender-se. Uma graça que obtem o concurso
da nossa vontade, tirando a esta a faculdade de
recusar o seu consentimento; uma graça que não
póde ficar inutil no homem pela frouxidão, pela
indolência, pela obstinação, pela indocilidade do
mesmo homem; uma graça, pela qual deixa-
/UNHO SANTIFICADO 8l
riamos necessariamente de peccar só pelo facto
de nos ter sido concedida; uma tal ideia da
graça, repetimos, não é admittida pela Egreja,
nem ensinada pelos seus doutores; é antes um
erro refutado e condemnado por tudo o que
nós experimentamos, por tudo o que o proprio
peccador experimenta aa força e do poder da gra­
ça. A verdade é pois que a conversão do peccador
não é obra só da graça de Deus, nem só da von­
tade do homem. «AttracçÕes, inspirações, movi­
mentos da graça (diz Santo Agostinho), eis aqui o
bem que Deus faz em nós, e sem nós. Consenti­
mento á graça, docilidade ás inspirações da graça,
eis aqui o bem que faz o homem, e que ao mesmo
tempo obra da bondade de Deus e aa vontade do
homem : Non grafia dei sola, nec ipse solus, sea
gratta ‘D eicum illo.» Em duas palavras : Unicamen­
te a Deus pertence a gloria da virtude; unicamen­
te ao homem a vergonha do vício; o justo salva-se
por beneficio da graça, e peia resistencia á graça
se perde o peccador.
Seguros n’esta doutrina, meus irmãos, simpli-
ces na nossa fé, e sem querermos aprofundar mys­
teriös superiores á nossa comprehensão, regule­
mos prudentemente a nossa conducta e os nossos
costumes pelo que ficamos sabendo a respeito da
graça : cheios de dôr e de arrependimento chore­
mos os nossos peccados e o abuso de tantas graças
que temos recebido sem as sabermos aproveitar;
cheios de reconhecimento nos acerquemos d’a-
quella fonte de agua viva que mana constante­
mente do divino Coração do nosso Salvador. As
nossas infidelidades ainda não conseguiram que
Elle nos repellisse para sempre ; deixemos pois de
o contristar por indignas e criminosas resistências.
f. »
$2 MANUAL 1>E m e d it a r d e s e o h a <;o e s

e. dóceis á graça pela qi'í£i Elle faz santos sobre a


terra, chegaremos tambem á graça pela qual faz
bemaventurados no ceu. Assim seja.

VIGÉSIMO TERCEIRO DIA

Meditação

O Coração de Jesus é a peça mais preciosa


dos thesouros do Eterno Pae
Deus, que creou o mundo para sua gloria, tam­
bem para sua gloria o reparou; e se a nossa salva­
ção se acha ligada á incarnação do Verbo, é que
o proprio Verbo honra a sua divindade pela nossa
salvação. Procuremos nas Sagradas ^scripturas os
monumentos da omnipotência divina, e vejamos
se ha ahi algum mais brilhante do que a incarna­
ção do Verbo. Será a creação do mundo? Mas o
mundo, diz o Sabio, foi apenas um ensaio do bra­
ço todo poderoso de Deus, que, por assim dizer,
brincava com a formação do Universo, ao passo
que a incarnação é a obra prima da divindade,
que esgotou o seu poder na form rç'o do Homem-
Deus. Tanto se eleva este acima das obras sahi-
das da mão do Creador, quanto a potência divina
resplandece na formação d’esta obra tambem di­
vina. Fazer ouvir a sua voz ao nada; fazer sahir
d’elle o uriverso a um sopro da sua boca, é o
proprio do creador. Que á sua palavra o mundo
se firme sobre os seus pólos, a terra se balancée
nos seus fundamentos, o ceu se desenróle sobre
nossas cabeças, o mar tenha um limite ás suas on­
JUNHO SANTIFICADO 83

das, tudo isto náo ultrapassa as leis da natureza.


A imag nacão assombra-se; mas a razão não se
confunde. £*elo contrario, admira o dedo de Deus
impresso nas suas obras, e nas maravilhas sensi-
veis d’este rnundo visivel a razão vê o Creador e
a creatura egualmente encerrados dentro dos seus
respectivos limites. Mas na incarnação do Verbo
nem a razão tem impeno, nem a natureza limites;
Creador e creatura parecem confundir-se. A po­
tência divina exerce-se sobre Deus mesmo, e para
o fazer carne isenta-se de todas as leis da natu­
reza.
Verbum caro factam es/: O Verbo se fez carne.
Quer dizer que de um lado o creador tornou-se Ho­
mem sem mudar de natureza, eque do outro lado a
creatura, sem torn.ir-se Deus, é toiavia um ser
inseparavei de Deus. A Divindade e a Humanida­
de, duas naturezas infinitamente afastadas, vem
unir-se em uma mesma pessoa por uma união sub­
stancia e hypostatíca, sem se confundirem, for­
mando um todo pessoal e theandrico—Deus feito
homem.
Este é o mysterio da Incarnação do Verbo, que
cremos pela Fè, comquanto a razão não possa com-
prehendel-o. Mas quanto é grato ao christão este
adoravel Myste;io, e como o nosso coração o abra­
ça em transporte? de jubilo e de reconhecimento!
Foi, segundo a linguagem dos Santos Padres, para
curar a humanidade enferma que o divino medico
das almas desceu do céu á te r r a ; foi para remir a
humanidade escrava que o Filho do Eterno como
que se escapou do seio de seu Pae; foi para puri-
hcar estas creaturas immundas que o Creador se
tornou victima; foi para arrancar estes filhos de
cólera ao braço vingador do Deus vivo que o juiz
&4 MANUAL t>E UEDiTArÓKS E ÒRAÇOES

dos vivos e dos mortos se fez anathema; foi era-


fim para tirar estes criminosos das prizões do in­
ferno que o auctor da vida se precipitou nos hor­
rores do sepulcho. Oh 1 meu Deus! Que achai ieis
vós no homem, abysrr.o de misérias, para assim
esgotardes sobre elle o abysmo das vossas miseri­
córdias? E que achará em si mesmo o homem
mais que uma indigência extrema para reconhe­
cer o dom ineflavei da Incarnação do Verbo que
veio levantai-o das profundezas dos seus males?
Se pois, como havemos ponderado, é a Incar­
nação do Verbo o mais brilhante monumento da
omnipotência divina, o corpo em que o mesmo
Verbo veio incarnar não podia deixar de ser a
obra f rima da mesma omnipotência. Ao crear o
mundo Deus comprafcia-se ae tudo o que havia
leito : Vidit Deus cuncta quce fi.ceratj et erante vai-
de bona (l).
Do mesmo modo, ao receber Jesus Christo o
baptismo das mãos do seu Santo PrÈcursor, soava
do ceu uma voz que dizia: Tu és aquelle meu es­
pecialmente amado Filho\ em ti é que tenho posto
toda a minha complacência (*). E estas palavras
recahiam sobre o Homem Deus, sobre aquelle em
quem as duas naturezas—divina e humana—se
achavam hypostaticamente unidas, sobre um Deus
que descera a revestir-se da nossa carne, e sobre
esta carne que se elevára até unir-se á divindade.
O Padre mostrava pois a sua complacência por esta
obra do seu infinito poder, que ultrapassou todas
as outras, e que jamais se repetirá em toda a eter­

(1) Genesis, I.
j2) Evaiig. de S. Locas, III, 22.
JONHO SANTIFICADO 85

nidade. E assim como nunca houve, nem hav erá


nunca outro corpo, e por consequencia outro co­
ração como o de Jesus Christo, assim tambem po­
demos affirmar que é elle a peça mais preciosa dos
thesouros do Eterno Padre. E’ de uso universal
entre os homens tomarem o coração pelo amor,
e até nas Sagradas Escripturas o amor infinito de
Deus é por vezes expresso sob o symbolo do co­
ração. O proprio Jesus Christo, mostrando o seu
Coração adoravel a sua serva Margarida Maria,
dizia-lhe: «Eis o Coração que tanto ama os ho­
mens, que a nada se poupa para lhes provar o seu
amor até esgotar-se e consumir-se.» E na verdade
onde palpitou jamais um amor tão ardente, tão
puro, tão heroico e sublime como n’aquelle Cora­
ção preparado pela mão de Deus para seu Filho
humanaao, unido portanto á divindade do Verbo,
adorado com Jesus Christo, e por causa das ex­
celi encias, da caridade e dos soffrimentos de Je­
sus Christo?
O’ Coração, rei dos coraçoes! Nós vos adora­
mos pois como o mais digno objecto das delicias
do Padre Eterno; nós vos tomamos desde hoje co­
mo unico objecto do nosso amor n’esta vida m or­
tal, para depois vos amarmos, adorar-vos e glori­
ficar-vos para todo o sempre no ceu. Assim seja.
86 m a n u a l d e m e d it a ç õ e s e o r a ç õ e s

VlGESilvlO QUARTO DIA

Meditação

O Coração de Jesus amigo das almas pelo


Sacramento do Baptismo
O Baptismo, primeiro annel d ’esta longa cadêa
de beneficios, que Jesus Christo, o novo Adão,
preparou para sustentar o homem no caminho da
vida, é o Sacramento que apaga o peccado origi­
nal, e nos faz filhos de Deus e da Egreja. Elle
apaga o peccado original, o peccado de Adão,
commum por transmissão a todos os homens; e
apaga-o applicando-nos os merecimentos do unico
Medeador Nosso Senhor Jesus Chpsto, que nos
reconciliou com Deus pelo seu Sangue* fazendo-
lhe nossa justiça, nossa santificação e redempção.
São estas as próprias palavras da Egreja, (*•) da
mestra infallivel da verdade; e o proprio Jesus
Christo nos diz que: «Aquelle que não renascer
ela agua e pelo Espirito Santo não entrará no
g eino do Céu». (8)..
O Sacramento do Baptismo é pois a demons­
tração c<ibal e a recordação ininterrupta dos im­
mensos beneficios que devemos ao divino Coração
do nosso Redemptor. Lembremo-nos dò que era
o homem e o mundo antes da consummação do
sacrifício do Calvario. Culpado porque nascera

(1) Cone. TrKlent Ses?. V, can. 3.


(2; Evaiig. (le S. Joãu, III,
JUNHO SANTIFICADO $7

de um pae peccador, decahido da adopção de


DeuSj marcado com o sêllo da reprovação e da
iniquidade, turbado pelas dores, consumido pelos
trabalhos, perdido no labyrinto das paixões e do
erro, o homem desfazià-se em lamentos vãos, em
saudades inúteis da innocencia e da felicidade que
tão depressa lhe haviam fugido. O mundo era um
pélago de corrupção, de erros e de crimes, em
que naufragava a verdade, a virtude e a propria
dignidade do homem; nuvens do espirito, obscu­
recimento da razão, império dos sentidos, forçà
da concupiscência, tndocilidade dás inclinações,
eis o que era a creatura, de sorte que o Creador
não podia reconhecer já a Sua obra assim desfigu­
rada. A terra opprimida sob o pezo dos seus vi-
cios e das suas desgraças, só oíferecii ao ceu obje­
ctos de cólera, e não descobria no ceu mais que
um Deus vingador, Testando-lhe apenas uma ténue
esperança de dias mais felizes, sem vislumbrar
comtudò d’onde lhe viria, e como lhe viriá a sal­
vação. ,
Ora esta veio-lhe de N o s s o Senhor Jesus Ghriso­
to, do Filho de Deus humanado, que, victima de
expiação, reconciliou pela sua morte o ceu com a
terra,* fez desapparecer o a f ta th e m a pronunciado
contra os peccadores apagou os vestígios da anti­
ga prevaricação, e cobriu a abuodancia do pecca-
do por uma superabundancia de graça: Ubi autetn
abundavit delictum, superabundãvitgratía. (Epist.
de S. Paulo aos Rom. V, 20). Eis aqui os inapre-
cíaveis beneficios que recebemos no Baptismo, que
é a porta por onde entramos na posse da liberdá-
de, que Jesus Christo nos comprou com o seu
sangue, e do direito á herança da immortalidádé.
Cumpre porém lembrarmos que Jesus Christç,
88 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

segundo diz S. Bernardo, ao acceitar a qualidade


de medeador entre seu Eterno Pae e os homens,
fez o que costumam fazer os árbitros para acommo-
dar desavenças: quiz que ambas as partes se com-
promettessem a estar pelo que Elle por ambas fi­
zesse. Deus prometteu-lhe que condescenderia em
tudo quanto elle podesse desejar em favor dos ho­
mens; e o homem prometteu-lhe crêr e submet-
ter-se a tudo quanto Elle quizesse revelar-lhe da
parte de Deus. Jesus Christo assegurou=-se da von­
tade de Deus e da fé do homem ; e por conseguin­
te eis-nos empenhados com o nosso Redemptor
por um pacto solemne a sacrificar o nosso espiri­
to a toaas as verdades que Elle nos ensinou, a
guardar todos os preceitos da sua lei divina, a re­
nunciar ao demonio, ás pompas e ás obras d’elle.
Estas são, com effeito, as promessas que fazemos
a Dens no baptismo, e que os Padres da Egreja
nos recommendam que renovemo§ muitas vezes,
afim de nos excitarmos a cumpril-as, e evitar a s ­
sim que o nos«o coração se endureça nas pompas
do seculo, reparando ao mesmo tempo as faltas
em que tivermos cahido contra estes votos sole-
mnes. (*)
Quão saudaveis são pois as aguas do Baptismo,
que manam sobre as nossas cabeças d’essa fonte
inexhaurivel do amor divino, symbolisada no Co­
ração adoravel de Jesus Christo ! A graça do Ba-
tismo é uma graça inherente á nossa alma, que
Î iva toda a macula do peccado, communica-Ihe
todas as virtudes, todos os dons do Espirito San­
to, tornando-a assim santa e agradavel a Deus; de

(t) C atb ecism o d e P er sev e r. M j5 o , XXXU1.


JUNHO SANTIFICADO 89
tal modo que, encorporando-nos com Nosso Se­
nhor como membros com a cabeça, faz que Deus
nos adopte por seus filhos, tornando-nos herdei­
ros do seu Reino, e coherdeiros de Jesus Chris­
to © - meus irmãos, que não percamos
Cumpre pois,
o inestimável thesouro, que achamos no Baptismo,
pelo nosso esquecimento e desprezo das obrigações
que n’elle contrahimos, para que Deus nos não
retire tambem os benefícios d’elle, e para que Je­
sus Christo, nosso fiador para com seu tte rn o
Pae, não possa dizerrnos, quando nos julgar como
supremo Juiz dos vivos e dos mortos: «Sois indi­
gnos de participar da minha medeação e do meu
sangue, porque faltastes á palavra, que me destes,
pondo os vossos interesses pessoaes, as vossas pai­
xões, a vossa razão individual e independente aci­
ma das doutrinas e dos preceitos do meu Evange­
lho >. Ohl divino Coração, fazei que não sejamos
dignos de ouvir tão terrivel sentença, e que saiba­
mos servir-nos dos thesouros da vossa misericór­
dia para chegarmos aos da vossa gloria. Amen.

(i) Concil. Trident. «Sess, VI, c . 7, e canon. XI, de Jus­


tifie,
90 MANUAL DE MEDiTAÇÕES E 0RA.Ç0ES

VIGÉSIMO QUINTO DIA

Meditação

O Coração de Jesus amigo das almas pela


confissão sacramental
Um dia approxima-se a Jerus Christo um le­
proso, e adorando-o dizia: 'cSenhor, se tu queres,
bem me podfs limpar». E Jesus, estendendo a
mão, tocou-o dizendo: «Pois eu quero; fica lim­
po.» E logo o leproso ficou limpo de toda a sua
lepra -1). Ora este leproso, com o corpo ulcerado
c dasfrze ndo-se aos ped.tços, objecto de horror a
qu2 ninguém ousava app oximar-se, é um espelho
ncl, no qual devem mirar-se todçs-os peccadores.
Porque o peccado é a lepra da alma, dizem os SS.
Padres; começa, como a lepra do corpo, por algu­
mas ligeiras manchas, mas cresce e estende-se ca ­
da vez mais até corromper toda a substancia; com-
munica-se tambem a quantos ousam approximar-
se-lhe, e por fim exclue-nos do '1 emplo e do Sa­
crifício, e só poderemos ser curados pela imposi­
ção das mãos de Jesus Christo operando pela pes­
soa de seus ministros.
No seu infinito amor pelos homens não pod a
o coração do Redemptor deixar de proporcionar-
nos perpetuamente um remedio para tão cruel
enfermidade; e este remedio é a confissão sacra­

(1) EvaDg. d e S. Math. VIII, 1-3.


JUNHO s a n t if ic a d o 91

mental. Mas como a cura do leproso do Evange­


lho seja a imagem da cura espiritual do peccador,
é preciso que nJesta se realisem as circumstancias
d ’aquella. Primeiramente a fé: «Senhor, se tu qui-
zeres, bem me podes curar». O poder de perdoar
os peccados reside em Jesus Christo, e n’aquelles
em que Elle o delegou: «Recebei o Espirito Santo ;
aquelles a quem perdoardes os peccados, ser-lhes-ão
perdoados; e aquelles a quem os retiverdes, ser-
lhes-ão retidos» I1). E’ o poder conferido por Je­
sus Christo aos Apostolos, e na pessoa d’estes aos
Sacerdotes Em segundo lugar o leproso acerca-se
do Salvador para mostrar-lhe o seu mal, e paten-
têa o desejo de ser alliviado d’elle. Do mesmo
modo o peccador deve descobrir francamente a
lepra, que lhe corroe a alma, e ter sinceros dese­
jos de obter a sua cura.
Se Je?us Christo não descobrisse n’aquelle le­
proso todas estas disposições que o tornavam me­
recedor de um milagre, não lhe haveria dito: «Eu
quero; fica limpo». Todos os dias os leprosos da
alma dizem a Jesus Christo: «Senhor, vós podeis
curar-me». Falta-lhes porém a luz çara reconhe­
cerem todo o horror do seu mal, a sinceridade
para o descobrir sem rebuço, e a ancia de serem
d'elle radicalmente limpos. _
A confissão sacramental! Que prova mais rele­
vante do interesse do Coração de Jesus pela salva­
ção das nossas almasrl As seducçóes do mundo,
as tentações do demonio, os estimulos da nossa
própria carne fazem com que, depois de havermos
sido lavados pelo Baptismo de toda a macula da

(1) E yaog. d e S . JoSo, XX, 22, 23,


92 m a n u a l d e m e d ita ç õ e s e o r a ç õ e s

culpa, voltemos ainda a cahir de novo nos laços


do peccado, e a alienarmos assim todo o direito
á herança do Ceu que Jesus Christo nos adquirira
com o seu Sangue. Mas as entranhas misericordio­
sas do nosso Deus não soffrem deixar-nos n’esse
lamentavel estado. Elle institue o Sacramento da
Penitencia para por meio d’elle sermos absolvidos
de todas as nossas culpas, quando a nossa confis­
são seja sincera e inteira, e verdadeiro o nosso ar­
rependimento. A este proposito diz um escriptor
nosso, cnja piedade igualava, se não excedia, a sua
sciencia: «Institue {Jesus Christo) um fundo de
misericórdia, para que depois de subir ao ceu,
quando vierem ao mundo muitos milhares de ho­
mens, que o hão-de offender, achem prompto e
junto de suas casas e a cada passo quem lhes per­
doe da sua parte tudo quanto tiverem feito de cri­
mes sem excepção algum?; e ordem expressa que,
se passarem cem annos sempre a offendel-o e a
mentir-lhe e a ser ingratos, se uma vez disserem
de veras que lhe tem amor, com o seu Sangue se
lave tudo». (J)
Convem porém não abusar do perdão genero­
samente offerecido, porque elle não póde recahir
senão sobre o crime humilde e sincerament ? con­
fessado, e chorado com 1grim as de verdadeiro
arrependimento. De mais, nada ha tão perigoso
para a salvação como a indifferença no peccado, e
as frequentes recahidas n’elle, que acabam por
apagar todo o horror que elle nos deve causar,
uma chaga quasi inviável pode transformar-se em
uma gangrena mortal, se é desprezada; e esta gan-

(1) Po P. Théodore de Àlratnja.


ÍÜNHO SANÍ í PICAd O 93

grena corrompe insensivelmente todo o corpo, in­


sinua-se nas veias, e vae até ao coração, tornan­
do-se incurável. Assim, depois de corrompida a
nossa alma pela persistencia no peccado, depois
de callejada a consciência pelo habito do crime, a
conversão do peccador tornar-se-ha mais difficil
e quasi imçossivel; e as palavras que deveriam tra­
duzir a dor e o proposito de emenda, mil vezes
repetidas aos pés do confessor, não passarão de
formulas vans, incapazes de produzir a nossa jus­
tificação perante o supremo Juiz, que tudo sabe,
que prescruta nos nossos corações os seus mais re-
conditos sentimentos.
Mas direis vós: Em vão temos pro;urado
emendar-nov, a nossa fragilidade arrasta-nos no­
vamente ao peccado. Não, meus irmãos, não fal-
lemos assim. Digamos antes: Verdade é que eu
me sinto endurecido no meu crime; porém Jesus
Christo, que resuscitou a Lazaro já corrompido no
sepulcro, póde do mesmo modo resuscitar-me;
estou coberto de iepra; mas a sua mão não é hoje
menos poderosa do que outr’ora para sarar me.
Com efleito, por maiores peccadores que sejâmos,
quanto não devemos esperar das santas e saluta­
res resoluções que, com o divino auxilio, podemos
tomar, das exhortações e conselhos de um confes­
sor instruido e prudente, e sobretudo das podero-
sissimas graças do Coração de Jesus Christo, que
saberá vencer a dureza de nossos corações, e por­
nos em estado de merecermos a gloria eterna ?
Assim seja.
94 MANUAL DE MITblTAçÓlS E ORAÇÕES

VIGÉSIMO SEXTO DIA

Meditação

O Coração de Jesus nosso escudo contra


as tentações

Uma alma que sahe das mãos de Deus para en •


tra r no mundo, acha-se e começa logo a navegar
em um mar onde são bem frequentes os naufra-
gios. O debil corpo, que ella anima, é o íragii bai­
xel em que se embarca; a razão é o leme que o
governa; o intendimento é o pharol que o guia; a
esperança é a véla que o move; o amor o vento
que o impelle; a sepu tura o escolho inevitável
que o espera; e o paraizo ou inferno o termo fe­
liz ou funesto d’esta perigosa navegação. Mas o
que ha mais perigoso para esta pobre alma assim
fluctuando entre as agitações do seculo, é que as
tempestades, que ella receia, surgem do seu pro­
prio seio.
Alem das ondas das tentaçóes exteriores que a
saltêam por todos os lados; alem das injurias que
a ferem, das doenças que a affligem, dos prazeres
que a corrompem, dos ventos impetuosos da boa
ou má fortuna, que umas vezes a alevantam até
ás nuvens, outras vezes a abatem até ao abysmo;
além de tudo isto a tormenta invisivel das paixões
a agita sem cessar; a concupiscência põe fogo ao
navio que ella conduz; a cólera desnortéa a razão
que a governa; a illusão apaga as luzes que a al-
ju n h o s a n tific a d o 95
lumiam; o temor abafa a esperança que a susten­
ta; a cupidez desordena o amor que a faz obrar;
e batida por tão diversos inimigos, não ha tempes­
tade que não supporte, tentação que não experi­
mente. E ’ pois inteiramente verdade, como não
podia deixar de ser, o que dizem os Livros San­
tos: Teníatio est vita Jiominis super terram. Ten­
tação é a vida do homem sobre a terra.
* Qual é a principal origem das tentações? E’ a
malicia do demonio, que nem ao proprio Jesus
Christo exceptuou de ser por elle tentado. Este
malaventurado espirito não póde soffrer que nós
gozemos do repouso por elle perdido. Sempre in­
vejoso da nossa felicidade, conspira sem cessar pa­
ra perder-nos, estuda as nossas inclinações, estu­
da o nosso temperamento, observa a nossa paixão
dominante, e servindo-se assim de nós contra nós
mesmos, sabe tomar nas suas tentações o encanto
da sympathia, e temperar os engodos, que nos
apresenta, ao sabor do nosso amor proprio. Umas
vezes é um leão que nos ataca á viva força, diz a
Escriptura, outras vezes uma serpente que se nos
acérca por imperceptíveis rodeios e por occultos
artifícios. Nem sempre emprehende corromper-
nos de um golpe, nem levar de assalto o nosso
coração; mas emprega manhosos rodeios para nos
perder; e para que não sintamos horror á vista
dos grandes vicios, vae nos conduzindo a elles
pouco a pou:o e por degraus. Começa por uns
olhares livres, continúa por umas conversações
familiares, adianta-se por uns pensamentos menos
honestos, perturba-nos a imaginação por imagens
seductoras, atiça o fogo dos desejos, faz-nos cahir
pelo consentimento, subjuga-nos pelo habito, e
eis-nos mergulhados erafira no mais fundo abys-
gê MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇOE5

mo do peccado, quasi sem comprehendermos co­


mo havemos podido descer até alli.
Quando meSmo o demonio deixasse o homem
em repouso, e abandonando-o a si mesmo, não
cuidasse mais de o tentar, como todos os dias está
fazendo a respeito dos grandes e endurecidos pec-
cadores, ai ! cada um de nós traz no seu seio um
inimigo domestico mais perigoso que o outro.
A concupiscência que Deus deixa ficar em nós
depois do Baptismo para exercitar a nossa virtude,
não será uma outra origem d.is tentações que ja­
mais se estanca? Ainda mais poderosa sobre nós
que o proprio demonio, ella exerce uma tyrannia
secreta em cada uma das partes dos nossos corpos,
levando-nos ao peccado não só por brandura, mas
por violência, como diz Santo Agostinho. Todavia
não penseis que n’estes rudes combates o homem
tem necessariamente de ficar vencido. A graça de
Jesus Christo, que nunca falta, nã^> será mais po­
derosa e mais suave do que a violência e as seduc-
ções dos nossos inimigos? Não temos nós o uso
aa nossa liberdade para resistir-lhes e combatêl-os,
sendo certò, como diz S. Bernardo que, se Deus
nos obriga ao combate, é para ser Elle mesmo obri­
gado a corôar-nos como vencedores?
As tentações são, propriamente fallando, as*
doenças da alma, pois como as do corpo consis­
tem em perturbações das funeções do organismo,
assim as da alma são a revolta das paixões contra
a razão, conspirando para perturbar e destruir a
bella ordem da graça. Ora Jesus Christo, o medi­
co divino das nossas almas, deixou-nos no Evan­
gelho o remedio efficaz, de que nos cumpre fazer
uso em taes doenças, e ao mesmo tempo, como
nosso Capitão e Mestre, apontou nos para o escu-
JUNHO SANTIFICA**) 97
do impenetrável, de que devemos aproveitar-nos
nas rudes pelejas contra os nossos inimigos. «Vi-
giae c orae para que não entreis em tentação. O
espirito na verdade está prompto, mas a carne é
fraca. Vigiae.» Vigiae sobre vós mesmos e vence­
reis; mas vigiae sem descanço, pois que ignoraes
a hora do ataque e o momento da surprcza; vi­
giae de todos os lados, porque indifférente é ao
inimigo o atacar-vos por qualquer d’elles. Se vos
acommette como leão, isto é cora tentações repen­
tinas e violentas, opppndo-lhe á força a paciência;
se emprehende surprehender-vos, como o faz quasi
sempre, pela manha e dissimulação da serpente,
opponde-lhe a todos estes artifícios uma prudên­
cia vigilante. Procurae sobre tudo cobrir-vos com
o escudo admiravel do Coração de Jesus, do qual
dizia S. Thomaz de Villanova: «Altar sagrado, re­
tiro inviolável onde a rôla (isto é a Egreja) ge­
mendo põe em segurança os seus filhos, até ao dia
em que, soltando as azas, p o d e r ã o revestir de im-
mortalídade este corpo incorruptível.» Clamaepois
a este Coração compassivo como outr’ora os Apos-
tolos quando uma tempestade os ia submergindo
nas aguas: «Senhor, salvae-nos, ou estamos perdi­
dos.» E quando sentirdes fallecer-vos a força para
vencer as tentações, acordae a Jesus, como fizeram
os A p o s t o l o s no meio de perigo, ide por meio da
oração até ao seu Coraçãô que tanto ama os ho­
mens, e alli encontrareis um poderoso auxilio, um
porto seguro, uma Victoria infallivel e uma «orôa
g l o r i o s a . Assim seja.

7
MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

VIGÉSIMO SEPTIMO DIA

Meditação

O Coração de Jesus e a fortaleza dos fracos

O homem, cheio de fraquezas e rodeado de


poderosos inimigos, sustenta um continuado com­
bate sobre a terra, em que necessariamente succum-
birá se lhe não acudir o soccorro do Ceu. Dentro
da sua alma o tum ultuar das paixões, em róda
d’elle o mundo com as suas seducções e enganos,
e pairando sobre a sua cabeça o demonio, procu­
rando lançar-!he as garras como abutre insacia-
vel, para o arrastar ao inferno a ser eterno pasto
do seu odio, socio da sua raiva e cçmpanheiro da
sua reprovação e dos seus torméntos. Ora este
estado de guerra permanente contra inimigos tão
fortes deveria fazer vacillar q nosío animo, e inti­
midaria a nossa natural fraqueza, se a Fé nos não
animasse, e se a palavra de Deus não garantisse a
victoria aos que combaterem até ao fim.
Sirva-nos pois de estandarte n’estas perigosas
batalhas o divino Coração de Jesus. Elle tambem
pelejou, não porque podesse ser vencido, mas para
nos ensinar a combater e a vencer. D’alli, d’aauelle
manancial inexhaurivel de fortaleza, promana a
constancia dos martyres no meio dos mais atrozes
tormentos; d’alli a intrepidez dos confessores;
d’alli a firmeza dos penitentes; d’alli a conformi­
dade de todos os justos com os trabalhos, soffri-
mentos e perseguições; d’alli finalmente o noíso
JUNHO SANTIFICADO 9$

proprio valor nos combates contra o mundo, o


diabo e a carne, os tres inimigos da alma conjura­
dos para a nossa perdição. Se ao encarar com os
tormentos da sua Paixão e morte Jesus Christo
permittiu por algum tempo á sua humanidade os
desf illecimentos proprios da natureza humana,—o
horror da agonia do Horto, passada aquella hora
EUe se encaminha cheio de força e de serenidade
para os que vinham a prendel-o, e lhes diz: Quem
procurcies? E como elles lhe respondessem: Jesus
de Nazareth—Jerus volveu-lhes: Sou Eu. O seu
Coração havia recuperado toda a sua fortaleza.
Antes d’isso havia Elle dito aos seus Discípu­
los: «Não tenhaes medo dos que matam o corpo,
e que depois nada mais lhe resta a fazer. Temei
sim Aquelle que, depois de matar, tem poder de
lançar no inferno- Entretanto não se perderá um
só cabello da vossa cabeça. Na vossa paciência pos­
suireis as vossas almas» (l ). Assim patenteava Je­
sus aos Discipulos o th eo u ro de graça e de forta­
leza, a que t o d ) S nós devemos recorrer para nos
provermos dos meios de resistencia contra os nos­
sos inimigos. Já David chamava ao Senhor a sua
fortaleza, dirigindo-lhe cocr.o a seu Deus e Salva­
dor, que tinha presente aos seus olhos. (Psalmo 42).
Nós, que agora temos presente aos nossos olhos
o divino Coração de Jesus, ponhamos n’elle tam­
bém a nossa esperança e a nossa força. Digarros-
lhe ainda com o Rei Propheta: «Senhor, restitue-
me a alegria da tua saudavel assistência, e fortifi­
ca-me com um espirito principal»— que, no inten­
der de Santo Agostinho, é o aom com que o justo,

(1) Evang- do S. Lucas, XII, 4, 5; c XXI, 18, l'J.


10& MANUAL n e MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

já seguro e firme, não só persevéra na virtude, mas


tambem a ensina aos outros. A’s almas que vos
amam (diz o mais fervoroso dos nossos escripto-
res mysticos) ides com vosso Filho e o Espirito
Santo, ceais com ellas, e teem ellas comvosco di­
vinos prrzeres, eue só os moradores experimen­
tam e conhecem. Eu dando amor a quem o não
devia, conheço que perdi a liberdade da virtude,
e estou captivo; perdi a saude e estou enfermo,
perdi a vida e estou morto. Que prazer po5so ter
vendo-me tão p erd id o !... Valei-me, Padre E ter­
no I restitui*me á primeira innocencia, vinde mo­
rar n ’esta alma, tornai-me a alegria do vosso di­
vino Salvador, e fazei-me alegrar com o meu Je­
sus, minha saude, m.nha força e todo o meu bem.
Ah! minha verdadeira alegria, arrebatai a vós todo
o meu interior ; e para que nenhuma outra cousa
fóra de Vós me contente, nem torne a minhas cos­
tumadas ingratidõss, confirmai-nie n’este desejo
que me dais com um espiri o principal, forte e in­
vencível, para que responda com todo meu inte­
rior e exterior ás obrigações que vos tenho, e aca­
bem minKas ingratidões em unido, afervorado,
constante e inseparavel amor vosso, minha saude,
minha gloria, minha bemaventurança, meu Jesus.»
Assim seja •(*)

(1) Fr. TJiomó dc Jesus, commuât, ao Psalmo M m r e n ,


nos Trabalhos de Jesus.
JUNHO SANTJFí CAOO IOI

VIGÉSIMO OITAVO DIA

Meditação

O Coração de Jesus é a verdadeira paz


das nossas aimas

Todos os bens que havemos perdido pelo pecca-


do (diz Santo Agostinho, só se podiam recobrar
pelos seus contrários : nâo voltamos á gloria senão
pelas humilhações, ao repouso senão pelo trabalho,
á immortalidade senão pelo sepulcro, á paz, que
é o mais doce e o mais amavel dos bens, senão pe­
los soffrimentos, que toda\ia são encarados como
origem de agitação e de inquietações.
Custa a conceber que a calma po^sa nascer do
seio da tempestade, a tranquiilidade da alma das
penas do corpo, a união com Deus da divisão con­
tra si proprio; n!uma palavra, é paradoxo para o
mundo sensual que seji mister solTrer qualquer
cousa para se tornar feliz e tranquillo.
Mas entremos em espirito no Cenacu'o de Jé­
rusalem; acerquemo-nos dos Apostolos n’;'quelle
lugar secreto onde o temor os havia reunido, re-
ceDimos com elles a paz que Jesus Christo lhes
annuncia; lancemos os olho.-; para aquellas chagas
que d ’essa paz são a origem, para aquellas mãos
traspassadas pelos cravos, d’onde ella distilla,
para aquelle Coração adoravel d’onde a lança a faz
rebentar com o seu Sangue, e comprehenderemos
então o que E.le sem duvida quiz ensinar-nos, isto
é, que a paz é o frueto dos soffrimentos d’Elle,
Í0 2 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

que a dôr que a produziu é só que pódem conser-


val-a, e que quando se é bastante desgraçado para
a perder, é só em Jesus Christo que ella se póde
encontrar por meio do arrependimento e da peni­
tencia.
Bastam as primeiras noções da religião para nos
convencerem de que os méritos de Jesus Christo
foram os que nos alcançaram a paz. Foi pelo seu
Sangue, f i peia suâ Cruz, diz o Apostolo, que Elle
apaziguou as inimizades entre o Céu e a terra, que
reconciliou Deus com o homem, e o homem com-
sigo mesmo. Foi pela sua morte que Elle pôz ter­
mo a essas divisões funestas que nos separavam de
Deus. e que nos revoltavam contra nós proprios; e
se nos o vimos n’uma guerra cruel sobre a Cruz,
abandonado de seu Pae, perseguido dos homens,
dividido em certo modo contra si mesmo, entre os
sentimentos da natureza que pediam a vida, e os
transportes do amor que desejavam a morte, é
porque cumpria que todas as inimizades, que nói
experimentamos, estivessem reunidas na sua pes­
soa p.\ra alli m orrerem : Erat interficiens inimici-
tias in semetipso. Logó se hoje temos paz, ou com
Deus, ou comnôsco mesmos, ella é o frueto dos
padecimentos de Jesus Christo.
Tu o sdbcs, peccador, e tu o experimentas to ­
das as vezes que, pelos teus crimes, perdes a paz
com De. s. Elle te persegue com as armas na mão
como inimigo declarado da sua gloria; rasga a tua
consciência pelos remorso", perturba o teu cora-
çco pelos terrores, agúa as tuas falsas alegrias por
mil amarguras, e tu não encontras senão trevas,
precipicios, terrores no caminho do peccado, e em
lugar da phantastica paz que procuras na licencio­
sidade das tuas paixões, empénhas-te em uma
JUNHO >NTIFICA'.)0 io 3

guerra terrivel contra o teu Deus. Porque não


creias, diz ainda Santo Agostinho, que Deus deixe
os peccadores em paz sobre a terra até ao dia te­
meroso do seu julgamento. Por mais tranquillos
que se vos afigurem nas suas mentidas prosperida-
des, a sua pena, talvez secreta, não é menos sen­
sível, e se são felizes na apparencia, são sempre
n iseraveis na realidade; porque é da bella ordem
do mundo que a deformidade do peccado não es­
teja ahi um só momento sem a belleza do castigo
que o perturba, que o inquieta, que o pune. 0 -)
Onde encontrar pois as doçuras d’essa paz,
sem a qual nem os mesmos peccadores podem vi­
ver? E ’ no Coração amorosíssimo d ’Aquelle que
nos diz: «Vinde a mim todos os que andais em
trabalho, e eu vos alliviarei; tomai sobre vós o
meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e
humilde de Coração, e achareis paz para as vos­
sas almas »
Se estamos turbados pelos desregramentos da
nossa vida passada, lancemos os olhos para aquelle
Coração misericordioso, que se deixou romper por
uma lança para que d’elle manasse um lavatorio
que nos purifica do peccado. Se nos desespera o
numero e o habito das culpas, encaremos às cha­
gas abertas no Corpo de Jesus Christo como ou­
tros tantos monumentos da sua misericórdia e do
nosso perdão. Se gememos sob o jugo de uma
carne sempre revoltada contra o seu Deus, impri­
mamos sobre ella a chaga d’aquelle Coração ferido
por nosso amor para a santificar, castiguemos este
nosso corpo sensual pela penitencia, humilhemos

(1) S. Agostinho dc lib. arh ilr. Cap. XVI.


ÎÔ 4 manual, d e m e d it a ç õ e s e o r a ç õ es

este nosso espirito ambicioso pelo pensamento sa­


lutar da Paixão de Christo, afoguemos emfim ttv-
das as nossas paixões no Sangue precioso que L lié
derramou por nós.
Que asylo mais seguro, Senhor, contra as in­
quietações, que ro s roubam a paz, do que o vosso
Coração que é todo paz e amor? «Aproximemo-
nos, (dizia S. Bernardo;) aproximemo-nos de Jesus;
estremeçamos, sejamos transportados de alegria
com a lembrança do seu Coração. Oh! Como é
doce, como é tom habitar no Coração de Jesus!»
Sim; se as tentações violentas nos drbilitam, é a
Elle, manancial de fortaleza, que devemos recor­
rer; se pensamentos impuros nos sollicitam, lá te­
mos uma fonte de agua puríssima para os expun-
gir do espirito; se o vento das tempestades do
mundo r.os saccde, lá achamos o sereno porto onde
nos abriguemos; porque não poderemos achar
n ’outra parte a segura aquietaçao das nosses pai­
xões desordenadas, e a paz e o soeégo das nossas
almas amotinadas pelo peccado.
Nós bem sabemos, Senhor, que a perfeição, a
plenitude e a estabilidade da paz só existem no
Ceu. Mas também sabemos pela boca do vosso Pro-
pheta Isaias que, com quanto seja o Céu a mansão
e o centro da paz, onde ella corre como um rio
em seu leito natural, Vós promettestes derivar
d ’elle alguns arroios sobre os santos da terra, e fa­
zer-lhes antegostar, no amor das vossas perfeições
e na pratica aas vossas Santas Leis, as suavidades
e o repouso da bemaventurançacelestial. Nós ouvi­
mos amda o cântico dos Anjos em torno ao berço
de Vos^o Filho humanado: »Gloria a Deus no mais
alto dos Ceus, e paz na terra aos homens a quem
Elle quer bem.» Fazei portanto, Senhor, que nós
JUNHO SANTIFICADO

pertençamos tambem ao numero d’estes, e que de­


pois de obtermos n’esta vida a paz das nossas al­
mas. vamos depois perpetuamente gozal-a nos Ceus
como fiíhos do Coração amoroso dc vosso Santís­
simo Filho. Assim seja.

VIGÉSIMO NONO DIA

Meditação

O Coração de Jesus, nas suas penas interiores, mo­


delo da nossa conducía nas penas que nos
affligent.

Contemplemos ainda a Jesus Christo no Horto


começando a sua amargurada Paixão, por meio da
qual :a conquistar-nos a herança do Ceu. Que faz
lille n’este doloroso estado? Começara por deixar
Jerusalem, e separar-se do grande numero dos seus
Discípulos. Na verdade, de que serve d£ ordinário
a effusão dos nossos corações queixando-nos das
nossas desgraças a muitas pessoas? Depois de al­
guns momentos de allivio que experimentamos
lamentando-nos a outrem, e ao ser por outrem
lamentados, voltamos a nós mesmos, e voltam
tambem as nossas penas e afflicçóes.
Que digo? Muitas vezes augmentam-se até pelos
remorsos e pela vergonha. Os nossos pretensos
consoladores dirigem-se pelo commum ao nosso
amor proprio; muitas vezes até nos irritam mais
do que já estamos ; faliam com íogo e vivacidade,
Io6 MANUAL IíE MEDITAÇÓl S E ORAÇÕES

mas a caridade é esquecida ■ depois de todas estas


vans consolações, firam todas as nossas penas, e
por vezes aggravadas com novos peccados. Quanto
seria vantajoso acostumarmo-nos a soíFrer na paz
e no silencio! Uma Cruz que sabemos ter secreta,
uma afflicção que só confiamos a Deus, é um
grande thesouro para uma alma pacifica, e origem
ae bastantes gr, ças. Lastimando-nos pelo modo
como costumamos fazei o, não soffremo< menos,
e perdemos o merito do que temos de soffrer.
Jesus Christo leva todavia comsigo très dos
seus Discípulos. Deus não prohibe que tenhamos
um amigo a quem patenteemos o nosso coração;
mas é preciso que o reconheçamos como avisado
e prudente, e ainda mais amigo de Deus do que
nosso. Aquelles que tudo sabem consolar inspiran
do-nos a pvz e a caridade, a estes e só a estes é
que nos convem failar. A confidencia mutua, que
costuma fazer-se no mundo, das nossas penas e aos
nossos desgostos, faz uma grande párte dos pecca-
dos do nundo.
Jesus Christo encontra seus Discípulos adorme­
cidos: eis aqui os homens; eis aqui o que temos a
esperar d ’elles.
O amigo verdadeiro e constante é Jesus. E
quando os homens nos amem, elles de ordinário
só poderão lastimar-nos, mas consolar-nos e alli-
viar-nos nunca. O nosso coração só depende de
Deus; só Elle nos pode restituir o socego. Por isso
Jesus Christo se dirige a seu Pae.
Como Elle venhamos tambem a Deus; queixe­
mo-nos só a Deus, e d'EIle esperemos, e não de
outro, a consolação, a alegria e a paz. Jesus Christo
o ra; e como? Humildemente prostrado, rojando
pela terra a sua divina fronte, diz: Meu Pae! Se
JUNHO SANTIFICADO 107
este calix não pôde passar de mim sem que eu o
beba, faça-se a tua vontade.
Nos nossos trabalhos e afflicções adoremos a
vontade e as ordens do nosso Pae e Senhor. A
Elle pe tence obrar, e a nós soífrer. Prescrutar as
suas ordens seria temeridade; murmurar ou rea­
gir contra os seus decretos impia loucura. Sub-
mettendo-nos a elles, e não recalcitrando, é que
poderemos desarmar o braço divino.
Jesus Chricto ora. E como? Dirigindo a Deus
o terníssimo nome de Pae. Assim nos havia Elle
ensinado a principiar a nossa oração: Padre
Nosso, que estaes no Ceu. . .
S im ; Deus é o nosso verdadeiro Pae. Para que
fiar-nos pois nos homens? Onde existirá maior po­
d er? Onde amor mais extremoso do que o do
nosso Salvador? Jesus Christo ora. E como? Per­
severantemente. Ora tres vezes, e até ao momento
em que os seus perseguidores apparecem para o
prender. Portanto não deixemos nós de orar tam­
bém assiduamente, porque Deus não se cança de
nos ouvir; Oremos submissos, mas confiados. Fal-
lemos a Deus das nossas penas mas deixemos-lhe o
cuid jdo de nossos destinos: Faça-se a vossa von­
tade . . .
Jesus Christo ora, e a sua oração é ouvida.
Porque, se o Padre Eterno não retira de seu Fi­
lho o calix da sua Paixão, envia um Anjo a forti­
ficar a sua Humanidade.
Jesus Christo não mais se queixa, não mais se
afflige. SofFre ainda, mas a sua alma não se entre­
ga mais ás impressões do temor. Seguindo este di­
vino modelo, as nossas supplicas nunca serão este­
reis ou inúteis; ou obteremos o que pedimos, ou
bens ainda superiores aos que pedimos. Tomemos
I0 8 MANUAL DE MEblTAÇOES E 0RAÇ0ES

pois a resolução firme e sincera de jímais buscar­


mos as nossas consolações senão em Deus. e com
Deus.
Doce Coração de Jesus! Nós que vos temos
acompanhado hoje na vossa agonia e na vossa Ora­
ção no Horto, gravai em nossos corações os exem­
plos que alli nos deixastes. Faça-se a vossa von­
tade em tudo, e não a nossa.
O h ! Como andamos cegos e perdidos quando
buscamos consolações fóra de Vós! Nem sabemos
sentir-nos como Vós, nem doer-nos dos nossos
males como Vós, nem pedir-vos como Vós dese-
jaes dar-nos. Que faremos pois, bom Jesus?
Offerecermo-nos, entregar-nos ao vosso amor.
Tratai-nos como quizerdes; mudai-nos como sa­
beis que havemos mister; captivai-nos como de-
sejaes; purificai-nos e limpai-nos como quereis; e
trazei-nos sempre a Vós unidos, e tçaptivos como
sabeis que nos cumpre; e que este nosso doce
captiveiro na terra nos traga a libertação do
peccado e da morte no Ceu, Assim seja.

TRIGÉSIMO DIA

Meditação

O Coração de Jesus na presença dos seus Juizes


Jesus Christo conhecia bem todas as nossas
paixões e todas as nossas misérias, e EUe tinha
vindo á terra para as destruir. A vaidade, a ambi­
ção! Quantos crimes teem manado d’esta envene­
JUNHO SANTIFICADO IÔ 9

nada fonte! D’ahi veio o primeiro peccado do


mundo, e desde então nunca ella tem deixado de
produzil-os. Não pareceu ainda bastante ao nosso
Salvador ensinar-nos a desprezar todas as vaida-
des, todos os insultos, todos os ultrages do mundo.
Era mister confirmar a sua doutrina com o pro­
prio èxemplo; e comparecendo ante os seus juizes,
não só começou a fazer penitencia pelos nossos
peccados, mas começou tambem a reparar, pela
sua resignação e humildade, o orgulho de todas as
nossas revoltas contra Deus. Jesus era o Rei dos
reis, e foi tratado como um escravo; Jesus era a
sabedoria de Deus, e foi tratado como um insen­
sato; Jesus era o Santo dos santos, e foi tratado
como um sedicioso e um ladrão.
Levado ante o tribunal presidido pelo Summo
Sacerdote Caiphás, e composto de juizes domina­
dos pelo odio a Jesus Christo, inquiridas testimu-
nhas falsas e contradictorias, Caiphás levanta-se e
interpella a Jesus: «Tu nada respondes ás accusa-
çóes que te fizeram?» Jesus permanece silencioso.
Então o Summo Sacerdote adjura-o por Deus vi­
vo a que lhe declare se é o Christo filho de Deus
bemdito. Aqui Jesus já não podia ficar calado. ELle
é a própria verdade, e interrogado em nome de
Deus, seus labios deviam abrir-se para attestar a
verdade: «Eu o sou, e digo-vos mais que vereis o
Filho do Homem assentado á mão direita da Ma­
gestade de Deus, que virá sobre as nuvens do ceu».
Assim nos ensinou Jesus Christo a respeitar aquelle
grande Nome, que os judeus não pronunciavam
sem um estremecimento de santo respeito, e que
nós os christãos nos atrevemos muitas vezes a
desacatar misturando-o aos mais frívolos e profa­
nos discursos. Caiphás, onvindo a resposta de Je-
110 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

sus, levanta-se, affectando um horror que não sen­


tia, e rasgando os vestidos exclama: «Blasphemou!
que julgaes vós?— «E’ reu de morte» bradaram
os da Sinagoga. E um criado do Pontífice dá uma
bofetada no rosto de Christo ; e uma turba de ser­
vos e de soldados começam a tratal-o da maneira
mais insultante e cruel; escarram-lhe, tapam-lhe
os olhos, dão-lhe punhadas, e perguntam-lne es
carnecendo a sua divindade: Adivinha quem te
deli!
E Christo era Homem e ao mesmo tempo Deus.
Se Elle quizesse, o raio abrazaria aquelles impios,
a terra abrir-se-hia para os engulir. Mas não;
Elle não se cança de softrer, e da sua divina boca,
não sae uma só queixa, uma palavra só de ira, ou
de impaciência. Apenas ao receber a affrontosa bo
fetada no rosto, se limita a dizer com brandura :
«Se fallei mal, dize cm que; se fallei bem, porque
me féres?» (!)
Do tribunal de Caiphás é Jesus conduzido a
Herodes, que se mostra contente de ver o homem,
de quem tantas maravilhas se contavam. Pede-lhe
pois um milagre; mas este pedido não provinha
aa fé; era filho da curiosidade. Espefava ver um
morto ressuscitado, dar vista a um cego, curar
um paralytico. Jesus porém guardou silencio. Que
maior milagre queria H eroies do que o que se
passava a seus olhos, e que todavh elle, cego da
alma, não comprehendia? A doçura, a paciência,
a paz e tranquillidade do Coração de Jesus no meio
de tantas affrontas, a sua nobre indifferença por
tudo quanto os homens mais prezam n’este mun-

(I) S. João XVIII, 73.


JUNHO SANTIFICADO III

do, qué é a vida e a gloria, não sçria isto o maior


milagre que Herodes podia desejar ?
INão seria preciso ser mais que um homem para
desprezar com tanta coragem o que tanto agrada
aos homens? E todavia Herodes nao penetra n ’este
mysterio. Olha o silencio de Jesus como estupidez,
a sua intrepidez como insensibilidade, a sua inacção
como fraqueza e impotencja; declara-o um louco,
mais di^no de compaixão que de odio, e fazendo-
lhe vestir uma túnica branca, que era a libré dos
doudos, assim o envia ao pretorio de Pilatos, no
meio dos sarcasmos, das zombarias e dos insultos
da populaça.
Pilatos tinha a fraqueza do homem que não
sabe manter as suas boas resoluções. Quantos d’en­
tre nós se não perdem por esta mesma fragilida­
de?! Pilatos rão queria mandar matar a Jesu%
porque reconhecera a sua innocencia, e todavia,
para transigir com o odio dos judeus, mandou-o
açoutar cruelmente. Primeiro crime contra a sua
própria consciência! Depois, como na solemni-
dade da Paschoi podesse o povo dar perdão e li­
berdade a um criminoso, e como na prisão esti­
vesse um malfeitor, chamado Barrabás, culpado
de roubo*, sedição e assassimo, Pilatos perguntou
aos judeus se queriam que lhes soltasse Jesus ou
Barrabás; e aquelle povo cego, esquecendo tanta
bondade como Jesus lhe havia mostrado, tantos
beneficios que lhe fizera, a cura de tantos enfer­
mos e até a vida restituída a tantos mortos, bradou
cada vez mais enfurecido: <Faze morrer Jesus e
solta-nos Barrabás.» Ohl Cumulo de ingratidão
e de obsecaçao de espirito ! Um ladrão preferido
ao que, na sua Lei Santíssima, prohibia o roubo;
um assassino anteposto ao que vinha dar a vida ao
112 MANUAL DE MEDITAÇOfcS E ORAÇÕES

mundo; um sedicioso com a primazia sobre o justo


que só ensinava a obediencia, a justiça e a cari­
dade I E como Pilatos insistisse ,i obreo que devii
fazer de Jesus, os homens do Templo e da Lei
gritaram com os seus satellites: « Crucifica-o, cru­
cifica-o /»
Terminemos a nossa meditação lembrando-nos
que todas estas injustiças, crueldades e aífrontas
foram padecidas por Aquelle que vinha para nos
remir e salvar. O Rei dos reis é tratado como um
escravo; Aquelle que é a própria sabedoria, tra­
tado como um insensato; o Santo dos santos tra­
tado como um ladrão. E ’ o nosso Deus quem re­
cebe todos estes tratamentos, e nós somos tão de­
licados em pontos de honra e de reputação I Mas
se nós não soffremos com paciência oí desprezos
dos homens, para que nos servirão as suas humi-
liações senão para um dia sermos condemnados?
Desçamos pois ao fundo dos nossos corações, per­
corramos tudo quanto ahi exista de vaidade, de
amor proprio, de immoderado desejo de agradar;
sacrifiquemos tudo isto ao pacientíssimo Coração
de Jesus, e lembremo-nos de que a sua gloria é só
para aquelles que trabalham por tornar-se humil­
des como Elle, e que com Elle consentem em ser
mortificados e perseguidos. Só assim poderemos
entrar no numero dos escolhidos, para os quaes
Deus reserva o premio da bemaventurança eterna,
e de que devemos pedir ao Coração de Jesus nos
faça participar tambem. Assim seja.
Ju n h o s a n t ir c a d o

TRIGÉSIMO PRIMEIRO DIA

Meditação

O Coração de Jesus durante o supplicio do Calvario


O demonio, a cujo poder Jesus Christo veio
arrancar o mundo, depois de vencido pelo nosso
Salvador na tentação que ousava mover-lhe no
deserto, deixou-o por algum tempo, dizem os
Evangelistas, para de novo o perseguir, segundo
pensam os Santos Padres, no tempo da sua Paixão.
A s s im o disse o proprio Jesus Christo aos que vie­
ram prendel-o no jardim das Oliveiras: E ’ esta a
vossa hora, e o poder das trevas (1). Eu tenho-me
rido da malicia dos homens e da raiva dos demo-
nios ; hoje porém é chegada a sua hora, a hora do
poder das trevas. Meu Pae vae entregar-me a esta
potência inimiga para servir de joguete á sua
crueldade. Creis vós que o Coração de Jesus se
revoltasse contra este decreto divino? Pelo con­
trario. No meio das suas dores e amarguras, Elle
sente comtudo uma intima delicia. Ve que por
meio d’esses soffrimentos glorifica a seu Pae, vin­
gando-o dos ultrages que lhe faz o peccado ; vê
que por meio das suas dores abre aos homens as
portas do Ceu, e com o seu sangue os lava da culpa
original; vê que padecendo e morrendo fará com
que seu Pae seja conhecido, glorificado, invocado,

(1) E van gelh o d e S . Lucas, XXII, 53.


8
114 MANUAL t>E M íÚlTAÇÓfá E ORAÇOES

adorado e amado em toda a extenção da terra.


Parece que lhe estamos ouvindo di/er : «Meu Pae
será de ora avante o Deus de todas as nações; Eu
resgatarei, reconciliarei e restituirei a meu Pae os
homens que Elle ama; e isto basta: a morte mais
cruel, por este preço, náo póde ter para Mim senão
encantos.» Ah! quêm nos dera um coração que ti­
vesse por modelo o de Jesus ! Que todo o nosso re­
pouso, toda a nossa consolação n’este mundo fosse
amar a Deus, viver unidos com Deus, obrar e
soffrer para glorificar a Deus, não ter outras inquie­
tações, outro empenho mais do que cumprir o que
Deus quer.
Caminhando, com a Cruz aos horrbros, pela
via dolorosa do Calvario, Jesus deitava olhares de
compaixão sobre o povo que o seguia; e o seu
Coração enternecia-se com a lembrança aos casti-
os, com que a indefectivel íustiça de seu Eterno
f ae puniria o horrendo deicidio. que os judeus
obsecados estavam perpetrando. ÁVpiedosas m u­
lheres que choravam vendo o lastimoso estado em
que ia aquelle Homem Deus, dizia: «Filhas de Jé­
rusalem, não derrameis por mim o vosso pranto;
chorae antes por vós mesmas e por vossos filhos;
porque tempo virá em que se diga : felizes as en­
tranhas que não geraram, os peitos que não deram
de mamar». Alludia á ruina do povo judaico e á
destruição de Jerusalém, sobre a qual já de outra
vez derramara lagrimas de compaixão.
Apenas pregaao na Cruz, Christo pede perdão
para os seus algozes, e peraôà Elle mesmo ao la­
drão arrependido, que crê na Sua divindade. Os
tormentos do nosso Redemptor não estavam ainda
terminados; uma sêde ardente lhe devora as en­
tranhas; e posto que ella podesse proceder de cau ■
ÍUNtíO SANTIFICADO Íl 5
sâs naturaes, provavelmente da grande evacuação
do seu Sangue, era tambem o effeito do seu amor,
e do fogo da caridade em que o seu Coração se
abrasava pelos homens. Ao pronunciar as pala­
vras: Tenho sêdej um dos circumstantes embebe
uma esponja n’um liquido amargoso, e lh’a chega
aos labios. Cnristo delibou apenas a repugnante
bebida; era preciso que se cumprissem as Escri-
pturas, e David havia prophetisado: Na minha sê~
de deram-me. a beber vinagre. E ’ ainda hoje o que
nós os peccadores ofterecèmos ao nosso Deus se­
quioso aa nossa salvação. Depois d’isto Jesus disse
ainda: «Consunmiatum est: Tudo está consum-
mado. Perdi a vida do amor no coração dos meus
discipulos pela sua infidelidade; perdi a vida da
honra no espirito dos homens pelos opprobrios
dos judeus; perco a vida da natureza pelos tor­
mentos que estou padecendo. Eis aqui, Padre
Eterno, executada a vossa sentença em toda a sua
extenção; eis a vossa justiça satisfeita, o homem
justificado, o demonio vencido, fechado o inferno
e os Ceus abertos. Recebei agora em vossas Mãos
o meu espirito: Pater, in manus iuas commendo
spiritum meam>>.
«A caridade de Jesus Christo, (diz S. Paulo),
nos excita, afim de que os que ainda vivem, ces­
sem de viver para si, e comecem a viver para
Aquelle que por elles morreu». Lancemos pois os
olhos para o calvario, vejamos Jesus espirando en­
tre affrontas e tormentos, e á vista do seu Sangue
digamos: Eis ahi quanto o seu divino Coração nos
amou! Que amor não tem elle pois o direito de
exigir de nós? M orrer tambem por Elle, se tanto
nol-o requeresse, não seria ainda de mais. Os mar­
tyres o teem feito, e nas mesmas circumstancias 0
Ii6 m anual de Me d i t a ç õ e s e üraçóes

deveríamos fazer como elles. E se para nós não


voltam ainda os tempos do martyrio, elevemos pelo
menos viver inteiramente para Elle; viver de
amor, de caridade, de ternura e de reconheci­
mento para Jesus Christo. Qualquer cousa que por
Elle façamos, ficaremos sempie muito longe do
que lhe devemos, porque nada faremos que possa
comparar-se aos seus benefícios e aos seus traba­
lhos.
Podemos apenas seguil-o, caminhar após d’Elle,
e ainda assim trabalharemos mais para nós, do que
para Elle, pois todas as vantagens, todas as recom­
pensas recahirão sobre nó*.
O ’ Senhor, nós vos offerecemos hoje todas as
nossas orações e soffrimentos d’este dia, unindo-os
aos merecimentos do vosso coração Santíssimo,
para obter o amor da Cruz para todos os que es­
pecialmente professam amar o vosso Coração, a
fim de que pela união d’estes dous amores, pos­
sam santificar-se a si mesmos, e trabalhar efficaz-
mente para a salvação de seus irmãos. Assim seja.

TRIGÉSIMO SEGUNDO DIA

Meditcção

O Coração de Jesus esperança dos moribundos


A morte, que entrou no mundo pelo peccado,
é o triste apanagio da natureza humana. Nascemos
para m orrer, e todos os dias se está executando
esta terrivel sentença». Calcula-se que mais de
JUNHO SANTIFICADO 117

cem mil creaturas humanas cahem diariamente,


como espigas ceifadas no tempo da colheita, sob
o gume implacavel da foice da morte. E quem nos
assegura de que alguns de n<Ss ou mesmo todos
nós que aqui nos achamos, não sejamos em breve
do numero das suas victimas V
A morte, quando não vem colher-nos de re­
pente, é precedida de um preludio mais ou menos
longo que se chama a agonia, e que não é senão
a lucta suprema entre a vida e a morte, «a vida
que tu io quer reter, e a morte que quer levar
tudo». Mas se ha lucta no corpo do moribundo
entre a vida e a morte temporaes, na alma, que
aliás é immortal, tambem ha combate sobre o es­
tado em que a sua vida será prolongada na eter­
nidade, e que poderá ser todo de gloria ou todo de
infelicidade. Este ultimo estado bem póde cha­
mar-se morte, mas morte que nãoterminará jamais.
A morte natural, com effeito, não é mais que a se­
paração momentanea da alma e do corpo; a morte
eterna, pelo contrario, é a separação definitiva da
alma e de Deus—de Deus, vida unica da alma, como
disse Santo Agostinho Ora estas duas separações
não pódem realisar-se sem lucta, e lucta tremenda,
especialmente a ultima. Na primeira a victoria da
morte não será difficil, visto que a vida corporal,
no dizer da Escriptura, é como ervasinha que séca,
flor que murcha, vapor que se dissipa. (Psal-
tno 102, iS.)
Mas o grande combate, a temerosa agonia, tem
lugar na alma entre a verdadeira vida, que c Deus,
e o peccado, que é a morte. E se não faltam pro­
babilidades, em muitos moribundos, de um trium-
ho feliz, em que a misericórdia e a graça de
Ê ►eus tanto pódem ajudal-os, tambem é certo que
I l8 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

contra outros ha terríveis probabilidades pelo


triumpho do demonio, que os não abandona até
ao seu ultimo suspiro.
Probabilidades, ou imminente perigo de uma
má morte ha, cm primeiro lugar, para muitíssi­
mos agonisantes de cada dia, que atascados no lôdo
das paixões, dos vicios e dos crimes, passam a vida
como se nunca houvessem de morrer. Outro pe­
rigo está nas tentações violentas do infernal in i­
migo que, vendo faltar-lhe o tempo, procura em ­
polgar a prêza que póde escapar-lhe. Outro peri­
go ainda na indiscreta amizade de carentes e ami­
gos, que dissimulando ao doentè o seu perigoso
estado, dizem: «Não vemos ainda necessidade de
se lhe ministrarem os Sacramentos.» Ou então, se
a doença prosegue rapida, observam com falso in­
teresse: «N’este estado seria um perigo fallar-lhe
em sacramentar-se.i> — Em todo o caso atraiçôa-se
o moribundo, arriscando-lhe a salvação eterna da
alma por alguns momentos problemáticos da vida
transitória. E por isso com razão chama S. Cy-
priano homicidas a uns taes amigos e parentes.
E não falíamos agora das prizões das seitas
malditas, cujos sequazes se interpõe, como tem
acontecido com Voltaire e ojtros sectários, entre
o sacerdote e o enfermo, entre este e Deus, para
que elle se deixe morrer na sua impeniten.ia re­
cusando todos os auxilios da Religião na sua ulti­
ma hora.
Probabilidades da Sòlvação para os moribundos
tambem não faltam, «graças á divina misericórdia
que nos segue, (como diz David) até ao ultimo
momento da nossa peregrinação terrestre» e gra­
ças ao empenho, que Deus pôe em salvar uma al­
ma, pois que para esse fim derramou seu Fjlho
JUNHO SANTIFICADO

até á ultima gota o precioso Sangue das suas


veias..
Na falta de confissão, muitas vezes impossível
no momento da morte, a infinita bondade de D^us
contentar-se-ha cora a dor verdadeira e contric-
ção sincera da parte do peccador. E a occasião
não póde ser mais favoravel. Ao contacto imme-
diato com a eternidade, todas as fibras religiosas
se commovem, todas as aspirações á immortali-
dade se tornam mais fortes. Se o moribundo se
volta para Deus, como o filho prodigo, Deus, como
pae misericordioso, vem ao seu encontro com
alegria. Quantos e quantos, de cuja conversão se
desespera, terão sido salvos nos instantes da ul­
tima agonia! Foi para merecer estes soccorros
inesperados, para servir de nosso modelo até n'es -
ses angustiosos momentos, e para obtermos uma
boa morte que Jesus Christo quiz que o seu Co­
ração fosse esmagado na prensa do amor na ago­
nia do Horto, an.es de o ser na Cruz na agonia
do Çalvario.
Ponhamos pois toda a nossa esperança no Co­
ração agonisante de Jesus. Não nos esqueçamos
comtudo de que a morte é para nós um momento
terrível e decisivo, e que, pela certeza que d'ella
temos, devemos trazel-a sempre diante dos nossos
olhos. Devemos receiar que seja tarde o preparar-
nos para morrer só no momento em que vamos
m orrer. E’ este o destino ordinário dos homens—
morrerem como viveram. Encaremos pois muitas
vezes e de bem perto este abysmo da eternidade,
e pecamos ao Coração do nosso Salvador que nos
faça absorver a longos tragos este calix da morte,
para termos tempo de pr. parar e de purificar a
victima d’este sacrifício, A vista dç uma alma cul-
120 MANtJAL T)E MEDITAÇÕFS E ORAÇÕFS

pada que se humilha; as supplicas dos santos An­


jos e de Maria Santíssima, que se interessam em
nosso favor; os votos da Egreja, nossa mãe, e mais
que tudo a protecção do Coração amoroso de Je­
sus, que devemos invocar todos os dias, nos obte­
rão a graça de morrermos, ó meu Deus, nos bra­
ços do vosso santo amor. Assim seja.

TRIGÉSIMO TERCEIRO DIA

Meditação
O Coração de Jesus reparador do presente estado
da sociedade
Observa Santo Agostinho que a humanidade
tem estado, desde a sua origem, dividida em duas
cidades: a cidade de Deus, que tem por divisa o
amor de Deus e o desprezo de nós mesmos, isto é,
a caridade; e a cidade de Satanaz, cujo principio
é o amor de nós mesmos exaggerado até ao des­
prezo de Deus, quer dizer, o egoismo. Ora a lueta,
que estamos presenceando na sociedade moderna
é o supremo esforço de Satanaz para fazer preva­
lecer o egoismo no mundo, e destruir comple­
tamente o reinado da caridade sobre a terra. Para
este fim elle serve-se da mesma seducção, que já
empregou no Paraiso com nossos primeiros paes
dizendo-lhes: Eritis sicut dii; sereis como deuses.
Effectivamente o homem hoje considera-se como
o Deus de si mesmo, senhor absoluto dos seus des­
tinos e dps da humanidade, não tendo outra guia
JUNHO SANTIFICADO lit

senão a sua razão, nem outra lei superior á sua


vontade. Renegando pois a Deus, olhando-o como
alheio a tudo quanto se passa uo mundo, repellindo
toda a influencia religiosa, e cedendo unicamente
ao impulso das paixões e dos interesses humanos,
a sociedade agita-se cm um cahos medonho, e en­
volvida nos ouropéis do progresso, caminha des­
norteada e ás cegas para a sua infallivel ruina.
Do egoismo procedem todos os males que pre­
sentemente nos affligem. Porque é que os nossos
tão gabados progressos, longe de accrescentarem
a somma do bem-estar na sociedade civilisada, se
transformam em meios de destruição? Porque é
que as nações esgotam em armamentos militares
os seus melhores recursos? D’onde procedem esses
odios de classes contra classes, mil vezes mais
mortíferos que as antigas rivalidades entre povo e
povo? Porque é que as familias se acham a um
tempo privadas da sua estabilidade e da sua fecun­
didade r D’onde a carência de fixidez nos princí­
pios, de grandeza nas dedicuções, de elevação nas
almas? Porque razão decahem as raças physica e
moralmente, e se vêem generalisar cada vez mais
as enfermidades que perturbam o espirito e que
destroem o vigor do corpo ? Não são todas estas
cousas signaes de dec epitude, e não tem tudo isto
uma só e a mesma causa —a invasão do egoismo?
Não ha pois que duvidar. Se nós devemos ser
salvos, como firmemente esperamos, só o podemos
ser pela caridade^ esse divino antídoto que já de
outra vez regenerou o mundo quasi afogado n’um
diluvio de egoismo. Este antídoto é o amor de
Deus sobre todas as cousas, é a dedicação levada
até ao sacrificio, é o cumprimento exacto dos nos­
sos deveres para com o proximo, é n’uma palavra
122 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORVÇOES

o exercício de todas as virtudes, das quies temos


contemplado no Coração de Jesus o mais perfeito
e admiravel modelo.
O inimigo que temos na frente, e que ameaça
a sociedade com uma completa desordem, chama-
se a revolução, e significa Deus em baixo e o ho­
mem em cima. Por conseeu'nte o que nos cumpre
fazer é que nas nossas almas suba Deus, o Crea-
dor, e desça o homem, a creatura. E’ esta a or­
dem estabelecida por Deus, e que o demonio for­
ceja por perturbar. Mas é preciso lembrarmo-nos
de que a montanha de iniquidades, que sobre a
terra se abriu agora em vulcão, cuja lava ardente
tudo ameaça invadir, formou-se com as pedras
que cada peccador conduziu. Desmoronar pois es­
tas pedras por uma reforma radical dos costumes,
é um dever sagrado imposto a todos em geral, e
individualmente a cada um de nós. Bem sabemos
ue esta missão reparadora não cabe só nas forças
S o homem; mas cabe-lhe implorar<*:om fé o au­
xilio div no, tornar-se digno d’elle pelas suas obras,
expiar pela penitencia os peccados q>.e as gerações
passadas vieram accumulando até darem lugar aos
castigos que agora estamos experimentando. Por­
que é esta a implacavel lei da solidariedade: Se
os merecimentos dos Santos são poderosos para
attrahir as bênçãos do Ceu sobre seus irmáos, as
iniquidades dos criminosos não são menos pode­
rosas tambem para fazerem chover sobre o mundo
os flagellos da ira de Deus.
Nós temos do nosso lado o divino Coração de
Jesus, que mais uma vez vem correndo a salvar a
humanidade. «E’ tão grande o amor aos homens,
em que arde o meu Coração (disse Elle á B. Mar­
garida Maria) que não podendo por mais tempo
JUNHO SANTIFICADO 123
conter as chammas da sua ardente caridade, neces­
sita que tu as espalhes e as reveles aos mesmos
homens, para que se enriqueçam com seus precio­
sos thesouros, onde se encerram as graças que só
os poderão tirar do abysmo da perdição >. Eis ahi
pois descoberto o instrumento principal de que a
Providencia vai strvir-se para regenerar a socie­
dade decrepita; — é a devoção ao Sagrado Coração
de Jesus Christo. Quererá ella aproveitar-se de
tão esplendido beneficio? porque é preciso saber
que, na distribuição das suas graças. Deus exige o
concurso da liberdade humana. Todos desejariam
salvar-se, posto que nem todos possam conse-
guil-o; mas ninguém o consegue contra sua von­
tade. Deus non saivabit te sine te, diz Santo Agos­
tinho; e pela bocca do Rei-propheta disse tam­
bém : «Se ouvirdes hoje a voz do Senhor, vede
não endureçais o vossó coração: hodie si vocem
Domini audierites, nolite obdurare corda vestra (1).
A graça de Deus exige pois o concurso da von­
tade humana, tanto da parte do homem, como da
parte dos povos e do mundo que, como diz um
sabio escriptor, não é mais que o homem em
grande escala (0 . «Assim {prosegue o mesmo es­
criptor) está daaa uma sentença de morte irrevo­
gável contra os filhos de Adãò: esta é a parte in­
flexível do decreto divi o', mas na mão do homem
está encurtar ou alongar os seus dias conforme
viole ou observe as leis da sua existencia; é a par­
te ftexivel do decreto divino». Do mesmo modo a
vida da sociedade e das nações póde ser alongada

(t) Psalmn XCIV, V. 8-


(2) P. Gdume, Para ond/J vamos?
124 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇüES

ou encurtada conforme os seus actos as tornem


merecedoras da misericórdia ou dos castigos do
Senhor.
Ora a sociedade actual caminha como um so-
mnambulo pela orla de um temeroso precipício.
Deus póde sacudil-a para que accorde, abrir-lhe
os olhos para que veja o perigo, e sustêi-a até á
beira do abystno para que não se precipite n’elle.
Fazendo-a reconhecer os seus erros, a omnipotên­
cia divina póde attrahil-a ao caminho da verdade;
e das próprias doenças que está soflrendo, póde
extrahir o remedio para a sua cura, contanto que
ella não persista em mostrar-se insensível, cega e
surda ao som da graca. E ’ isto, a conversão dos
homens e da sociedaae, o milagre do poder infi­
nito de Deus que só poderemos conseguir pela pe­
nitencia e pela oração, e especialmente pela me­
diação do Coração amoroso de seu divirto Filho,
que tão solemnemente nos promette enriquecer­
nos com os seus preciosos the&Suros de graça,
unico meio de nos livrarmos do abysmo da perdi­
ção. E ’ esta a nossa esperança, e é este o podero­
so incentivo que deve conduzir-nos junto d’este
Coração Sagrado, a pedir-lhe com todo o fervor
da nossa devoção: Senhor, salvae-nos, salvaea so­
ciedade que perece; fazei que augmente cada vez
mais o numero dos vossos fieis servos, para que,
ao menos por respeito d’ebtes, seja poupada a ter­
ra ao seu ultimo castigo, como outr’ora o teriam
sido as cinco cidades malditas se tivessem em seu
seio apenas dez justos». Assim seja.
CONSAGRAÇÃO
PARA

0 ultimo dia do M do SS. Coração de lesos (*)

O’ Sacratíssimo Coração de Jesus, que-ardeis


em amor pelos homens, ainda que não acheis em
seus corações senão dureza, esquecimento e até
despreso! Amaes e não sois amaao. Chegam mes­
mo a não conhecer o vosso amor, pois não se di­
gnam de receber os dons. pelos quaes ih’o quereis
m ostrar! Em reparação ae tantos ultrages e de tão
feias ingratidões, ó amabilissimo Coração, e para
evitar, quando está em nossas forças3 o cahirmos
etn similhantes desgraç s, vos offerecemos desde
hoje os nossos corações com todos os movimentos
de que elles são capazes. Inteiramente nos entre­
gamos a Vós, e desde este momento protestamos
sinceramente, segundo nos parece^ e auxiliados
pela divina graça, um total esquecimento de nós

<») E sta consagração d eve ser lida com a maior pausa


e clareza, para que possa ser seguida, pelo m enos m ental­
m ente, pelo$ assistentes.
MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇOEâ

mesmos e de tudo quanto póde ter ligação com-


nosco, para levantar todos os obstáculos, que po­
deriam impedir-nos a entrada d ’esse divino Cora-
ão, que tendes a bondade de nos abrir, e onde
S esejamos viver e morr r com os vossos mais fieis
servos, inteiramente penetrados e abrazados no
vosso amor. A este Coração ofï'erecemos tudo o
que somos pela graça, e tudo o que havemos de
vir a ser com o seu soccorro durante toda a nossa
vida. Pedimos-vos humildemente que acceiteis a
inteira doação, que vos fazemos das nossas pes­
soas, e que disponhaes d’ellas como fôr mais do
vosso agrado.
O’ Coração Sagrado de Jesus, ensinae-nos o
perfeito esquecimento de nós mesmos, e o que de­
vemos fazer para chegar á pureza do vosso amor.
Sentimos em nós um grande desejo de vos agra­
dar, e reconhecemos a impossibi idade de o con­
seguir sem uma graça especial, que somente de
Vos, Senhor, podemos esperar, .razei em nós a
vossa vontade. E’ certo que podereis encontrar
bastantes obstáculos da parte da nossa fraqueza e
miséria; mas nós queremos submetter-nos intei­
ramente á vo^sa vontade. Vós é que podeis fazer
tudo, e só Vós tereis a gloria da nossa santificação
se formos santos. Acabae pois, Senhor, em nós a
vossa obra. Amen.
P . Nosso, Ave Mar ia, Gloria.
ÍUNÜO s a n t if ic a d o

Recommend?-se aos fieis que não se esqueçam


de repetir todos os dias, e muitas vezes, a seguinte
jaculatória:

Lembrae-vos que vos pertenço,


Coração do meu Jesus.
A h ! guardae-me e defendei-me
A’ sombra da vossa Cruz.
L A D A IN H A
DO

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


Approvada pelo S. P. Leão XIII

Kyrie, Senhor,
eleison. tende piedade de nós.
Christo, Jesus Christo,
eleison. tende piedade de nós.
Kyrie, Senhor.
eleison. • tende piedade de nós.
Christe, audi nos. Jesus Christo, ouvi-nos.
Christe, exaudi nos. Jesus Christo, attendei-
nos.
Pater de Coclis, Deus, Pae do Céo, que sois
miserere nobis. Deus, tende piedade
de nós.
Fili, Redemptor mundi, F i l h o , Redemptor do
Deus, * mundo, que fois Deus,-
Spiritus Sancte, Deus, * Espirito Santo, que sois
Deus? •
Sancta Trinitas, unus Santissima T r in d a d e ,
Deus, • que sois um só Deus,*
1. Cor Jesu, Fili Patris Coração de Jesus, Filho
ffterni, • do Padre Eterno, •
2. Cor Jesu, in sinu Vir- C. de J., formado pelo
inis Matris a Spiritu
f ancto formatum, •
Espirito Santo no seio
da Virgem Mãe, •
3. Cor Jesu, Verbo Dei C. de J., unido substan­
substantialiter u n i- cialmente ao Verbo
tum, • de Deus,
r ' •
’ miserere nobis. • tende piedade de nós
JUNHO SANt JFICADO I2Q

4. Cor Jesu, majestatis C. de J-, de infinita ma­


infinitie, • jestade, *
5 . Cor Jesu, Templum C. de J., Templo santo
Dei sanctum, • de Deus, •
6. Cor Jesu, Taberna- C. de J., Tabernaculo
culum Altissimi, ■ do Altíssimo, *
7. Cor Jesu, Domus Dei C. de J., Casa de Deus
et porta cceli, • e porta do Ceo, •
8. Cor Jesu, fornax ar­ C. deJ , fornalha arden­
dens caritatis, * te de caridade, *
9. Cor Jesu, justitiae et C. de J., receptáculo de
am o r is receptacu- justiça e de amor, •
lum, •
10. Cor Jesu, bonitate C. de J., cheio de bon­
et amore plenum, • dade e amor, *
11. Cor Jesu, virtutum C. de J., abysmo de to­
omnium abyssus • das as virtudes, •
12. Cor Jesu, omni lau­ C. de J., digníssimo de
de dignissimum, * todos os louvores, •
13. Cor Jes*, rex et C. de J., rei e centro
centrum omnium cor - de todos os corações,*
dium, *
14. Cor Jesu, in quo sunt C. de J.j em que se en­
omnes thesauri s a - cerram todòs os the -
pientiae et scientiae7 * souros de sabedoria e
sciencia, •
15 . Cor Jesu, in quo ha­ C. de J., onde habita
bitat omnis plenitudo toda a plenitude da di­
divinitatis, • vindade, *
16. Cor Jesu, in quo Pa­ C. de J., em que o Pae
ter sibi bene compla- pôr toda a sua com­
cuit, * ' placência, •

* miserere nobis. • tende piedade de nós.


9
13o MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

17. Cor Jesu, de cujus C. de J., de cuja pleni­


plenitudine o r a n e s tude todos nós rece­
nos accepimus, • bemos, *
18. Cor Jesu, desiderium C. de J., o Desejado das
collium aeternorum,* collinas eternas, *
19. Cor Jesu, patiens et C. de J., paciente e de
*multae misericordiae, * muita misericórdia, •
20. Cor Jesu, dives in C. de J., rico para com
omnes qui invocant todos que vos invo­
te> * . cam, •
21. Cor Jesu, fons vit® C. de J , fonte de vida
et sanctitatis, • e santidade, •
22. Cor Jesu, propitiatio C. de JMpropiciação pe -
pro peccatis nostris, • los nossos peccados,' *
23. Cor Jesu, saturatum C. de J., saturado de-
opprobriis, * opprobrios, •
24. Cor Jesu, attritum C. de J., triturado de
propter scelera nos­ dor por causa dos
tra, • nossos crimes, •
25. Cor Jesu, usque ad C. de J.,’ obediente até-
mortem obediens fa­ á morte, *
ctum, •
26. Cor Jesu, lancea per­ C. de J., traspassado
foratum, • pela lança, •
27. Cor Jesu, fons to~ C. de J., fonte de toda
tius consolationis, • a consolação, *
28. Cor Jesu, vita et re- C. de J., nossa vida e
surrectio nostra, * resurreição, *
29. Cor Jesu, pax et re- C. de J , nossa paz e-
conciliatio nostra, * reconciliação, •
30. Cor Jesu, victima C, de J , victima dos
peccatorum, • peccadores, •

’ miserere nobis. • tende piedade de nós.


JUNHO SANTIFICADO

3 1. Cor Jesu, salu sin te C. de J , salvação dos que


sperandum, • esperam em vós, *
32. Cor Jesu, spes in te C. ae J., esperança dos
morientium, • que m rrem em vós,*
33. Cor Jesu, deliciae C de J , delicias de to­
sanctorum omnium, * dos os santos, •
Agnus Dei, qui tollis Cordeiro de Deus que
peccata mundi, parCe tiraes os peccados do
nobis, Domine. mundo, perdoae-nos,
Senhor.
Agnus Dei, qui tollis Cordeiro de Deus que
peccata mundi, exau- tiraes os peccados do
di nos, Domine. mundo, ouvi-nos, Se­
nhor.
Agnus Dei, qui tollis Cordeiro de Deus que
peccata mundi, • tiraes os peccados do
mundo, *
* miserere nobis. *tende piedade de nós»

f . Jesu mitis et humi- f . Jesus manso e humil­


lis corde. de de coração,
Fac cor nostrum se­ §. Fazei o nòsso cora­
cundum Cor tuum. ção semelhante ao
vosso.
OREMUS ORAÇÃO

Omnipotens s e tn p i- Deus, Omnipotente e


terne Deus, re.spice in Sempiterno, lançae o?
Cor dilectissimi Filii olhos sobre o Coração
tui, et in laudes et satis- do vosso amantíssimo
factiones, quas in no­ Filho; attendei aos lou­
mine peccatorum tibi vores e satisfações que
1 32 MANUAL DE MEDITAÇÕES E ORAÇÕES

persolvit, iisque miseri- I\ elle em rorse dos pec-


cordiam tuam petenti- cadores vos offerece; e,
fcus> tu veniam concede deixando vos applacar,
placatus, in norr ine ejus- perdo^e benignamente
dem Filii tuiJesu Chris­ aos que imploram a
ti, qui tecum vivit et vos^a n isericordia, em
regnat in unitate Spiri­ nome d’e.->te mesmo vos­
tus Sancti Deus, per so 1 ilho Jesus Christo,
omnia saecula steculc- que, sendo Deu*, com-
runi. Amen. (*) vosco vive e reina em
unidade do E s p i r i t o
Santo, por todos os sé­
culos dos séculos. Assim
seja. (*)

Deus seji bemdito:


Bêmdito o seu Santo Nome:
Bemdito Jesus Christo, verdadeiro Deus e ver­
dadeiro Homem:
Bemdito o Nome de Jesus:
Bemdito o seu Sacratissirr.o Coração:
Bemdito Jesus no Santíssimo Sacramento do
A ltar:
Bemdita a grande Mãe de Deus, Maria Santís­
sima:
Bemdita a sua Santa e Immaculada Conceição:
Bemdito o Nome de Maria, Virgem e Mãe:
Bemdito Deus nos seus Anjos e nos seus San­
tos.

(•} Trezentos dias d in du lgen cia (S. C. dos Kitos, 2 de


A brii de 1899;.
OUTRA FORMULA DE CONSAGRAÇÃO
F r e s c ip ta pelo S. Padre Leão XIII Da E iicyclica
de 25 de maio üe 1899

Dulcíssimo Jesus, Redemptor do genero hu­


mano, lançae um olhar favorável sobre nós, que
humildemente estamos prostrados l o pé do vosso
altar, Nós somos e queremos ser vossos; mas
para que possairo^ ser unidos a Vós por laços mais
solidos, n’este dia cada um de nós se consagra
espontaneamente ao Vosso Sacratíssimo Coração,
Muitos homens não vos têm jámais conhecido,
muitos vos tem desprezado, transgredido vossos
preceitos; tende compaixão de uns e de outros, ó
amabilissimo Jesus, e attrahi-os a todos para o
Vosso Coração Santíssimo. Sêde, Senhor, o Rei
não só dos íieis, que nunca se afastaram de Vós,
mas tambem dos filhos prodigos, que vos abando­
naram; fazei que estes voltem depressa á cisa pa­
terna, para não morrerem de miséria e de fome.
Sêde o Rei d’aquelles que estão dominados pe­
lo erro, ou estão separados da Egreja pelo scisma;
conduzi-os ao porto da verdade e á unidade da fé,
afim de que em breve haja um só rebanho e um
só Pastor. Sêde finalmente o Rei de todos os que
i 34 m a n u a l d e m e d it a ç õ e s e o r a ç õ e s

estão mergulhados nas antigas superstições dos


gentios e não recuseis arrancal-os ás trevas para
os conduzirdes á luz e ao reino de Deus.
Dae, Senhor, á vossa Egreja a salvação, a bo­
nança e a liberdade. Concedei a todas as nações a
paz e a ordem, e fazei que de uma extremidade da
terra á outra extremidade resôe uma palavra: Lou­
vor ao Coração divino, que nos deu a salvação; a
Elle seja dada honra e gloria por todos os séculos.
Assim seja.
CÂNTICOS
A todo o instante do dia,
Coração do meu Jesus,
Ganhe em mim novo incremento
Do amor vosso o Jogo e a luz.
*
■* #
Oh! Coração adoravel,
Meu prazer, minha alegria,
Que eu não cesse de louvar-te
A todo o instar,te do dia.
Pela senda da virtude,
-Que da terra ao Ceu conduz,
Ampare-me a vossa graça,
Coração do meu Jesus.
Vós que sois, Coração terno,
Das almas vigor e alento,
Dae que o desejo de amar-vos
Ganhe em mim novo incremento.
E já que para salvar-me
Quizestes m orrer na Cruz,
Vinde accender em meu peito
Do amor vòsso o Jogo e a lus .
m a n u a l d e m e d it a ç õ e s e orações

Ave, Maria,
Virgem Sagrada,
De ínnumeras graças
Por Deus ornada;
Mulher, que os dons,
Do Omnipotente,
Em ti resplendem
Qual sol luzente;
Entre as mulheres,
Abençoada,
Porque e's do Altíssimo
Acompanhada;
É ’ do teu seio,
Mirrosa flôr,
Divino fructo
O Redemptor.
Santa Maria,
Mãe do meu Deus,.
Roga a teu Filho
Pelos filhos teus;
Aos peccadores,
Soccorre, ó Mãe,
No lance extrem o
Da morte. Amen.
JUNHO SANTIFICADO

O’ coração benevolo,
Do meu doce Jesus,
Em ti acham os tristes
Consolo, esperança e luz.
Em ti acham os míseros,
Pobres filhos de Adão,
A força, com que rompem
Do crime a escravidão.
T u és divina alampada,
Que os cegos allumia,
Sol brilhinte, que muda
A noute em claro dia.
A luz, que esparges, fulgida,
Nos dá vida e cal>r,
E accende em nossos peitos
Chammas de ardente amor.
Em ti se encontra o mystico
O puro e doce mel,
Que das terrenas dôres
Mitiga o agro fel.
0 ’ Coração puríssimo,
Do meu doce Jesus,
Fonte de infindas graças
Aberta sobre a Cruz.
JUNHO SANTIFICADO

Ouve os devotos cânticos,


Dos pobres filhos teus;
Salva os que redimiste,
Jesus, Senhor, meu Deus!
Dirige os passos trémulos,
Dos miseros mortaes,
Na senda, que nos leva
Aos prados divinaes.
Dá que possamos férvidos
Louvar-te sem cessar;
Nossas passadas culpas
Em lagrimas lavar.
E alfim na eterna estancia
O excelso, o summo Bem
Felizes gozaremos
Por todo o sempre. Amen.
IN D IC E

P*sr-
P r e l im in a r ..................................................... 7
Actos preparatorios. ............................. 9
Oração para antes da meditação. . . . 9
Oração para depois da meditação . . . 11
Primeiro dia -Sobre as disposições com
que se devem fazer estes devotos exer­
cícios.......................................................... i3
Segundo dia —Nós pertencemos, não a nós,
mas a Jesus Christo................................... 13
Terceiro dia — O Coração de Jesus para
com Deus e para com os homens . . 18
Quarto dia - <) Coração de Jesus fonte de
todas as divinas graças............................. 20
Quinto dia —A caridade doCoração de Jesus. 22
Sexto dia O Christianismo é um perfeito
reflexo do Coraçío de Jesus . . . . 20
Selimo dia - A paciência e mansidão do
Coração de J e s u s .................................... 28
Oitavo dia —A bondade e a misericórdia do
Coração de J e s u s .................................... 3o
Mono dia— O Coração de Jesus manancial
de tod-as as v i r t u d e s ............................. 33
Decimo dia — A longanimidade do Coração
de Jesus para com os peccadores. . . 36
140 MANUAL DE MEDÍTAÇÕES E ORAÇÕES

Decimo primeiro dia —O Coração de Jesus


é o moielo da Oração.............................. 3o
Decimo segundo dia— O amor do Coração
de Jesus na E u c h a r is tia ....................... 4*
Decimo terceiro dia— O amor do Coração de
Jesus aos homens dando-lhes por Mãe a
sua própria M ã e ................................... 46
Decimo quarto dia —O Coração de Jesus c
a fante dos Sacramentos da Egreja . . 49
Decimo quinto dia —O Coração de Jesus
modelo de resignação............................. 52
Decimo sexto dia —O Coração.de Jesus nosso
auxilio no meio das tribulações . . . 56
Decimo setimo dia —O Coração de Jesus
mediador entre Deus e os homens . . 60
Decimo oitavo dia —O Coração de Jesus
obediente até á m orte.............................. 63
Decimo nono d ia — O Coração de Jesus,
propiciação pelos nossos pecçaçlos . . 68
Vigésimo aia - O Coração de Jésus amar­
gurado por nossa causa . . . . 71
Vigésimo primeiro dia - O Coração de Je­
sus exhausto de sangue na Cruz. . . 75
Vigésimo segundo dia —O Coração de Jesus
fonte de agua viva que corre até á vida
eterna.......................................................... 7S
Vigésimo terceiro dia— O Coração de Jesus
é a peça mais preciosa dos thesouros do
Eterno Pae . . .................................... 82
Vigésimo quarto dia —O Coração de Jesus
amigo das almas pelo Sacramento do
Baptismo.................................................... 86
Vigésimo quinto dia — O Coração de Jesus
amigo aas almas pela conhssáo sacra­
mental ..................................................... 90
INDICE 141
Vigésimo sexto dia —O Coração de Jesus
nosso escudo contra as tentações . . 94
Vigésimo setimo dia —O Coração de Jesus
é a fortaleza dos fracos . . . . . 98
Vigésimo oitavo dia —O Coração de Jesus
é a verdadeira paz das nossas almas. . 101
Vigésimo nono dia —O Coração de Jesus,
nas suas penas interiores, modelo da
nossa conducta nas penas que nos affli-
gem a m m • • • • • • • • io 5
Trigésimo dia — O Coração de Jesus na
presença dos seus J u iz e s ....................... 108
Trigésimo primeiro dia —0 Coração de
Jesus durante o supplicio do Calvario . n 3
Trigésimo segundo dia —O Coração de Je­
sus esperança dos moribundos . . . 116
Trigésimo terceiro dia —O Coração de Je­
sus reparador do presente estado da so­
ciedade • « . « . 120
Consagração para o ultimo dia do mez do
SS. Coraçao de J e s u s ............................. 125
Ladainha do Sagrado Coração de Jesus. . 128
O utra formula de consagração . . . . 133
Cânt i cos . . . . . . . . . . . 135
Ave M a r i a ........................ t . . . . 136
Ao Divino Coração.............................. . 137

Você também pode gostar