BALTAZAR OLIVEIRA
Baltazar Oliveira
Índice
INTRODUÇÃO À TEORIA DA CONSTITUIÇÃO ............................................................................................ 5
PARTE I – FORMAS POLÍTICAS.................................................................................................................. 7
1. TIPO HISTÓRICO DE ESTADO ........................................................................................................... 7
A) Estado de Direito ................................................................................................................. 8
B) Alteração dos elementos do Estado de Direito na sua evolução ....................................... 11
C) Justiça constitucional e o novo constitucionalismo ........................................................... 14
D) Papel da Constituição num Estado de Direito democrático ............................................... 15
E) Estado autocrático do século XX ........................................................................................ 18
F) Estado fundamentalista islâmico ....................................................................................... 20
2. FORMA DE GOVERNO.................................................................................................................... 24
3. REGIME POLÍTICO .......................................................................................................................... 25
A) Regimes de Estado autocrático.......................................................................................... 26
B) Monarquia constitucional .................................................................................................. 27
C) Governo representativo liberal e democracia representativa ........................................... 28
4. PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMA ELEITORAL ................................................................................. 31
A) Democracia representativa e partidos políticos ................................................................ 31
B) Sistema eleitoral ................................................................................................................ 32
C) Sistema maioritário e sistema proporcional ...................................................................... 33
D) Modalidades dos sistemas eleitorais ................................................................................. 34
E) Sistema eleitoral em Portugal ............................................................................................ 37
5. FORMA DE ESTADO ....................................................................................................................... 39
A) Estado unitário simples ...................................................................................................... 39
B) Estado federal .................................................................................................................... 40
C) Estado regional .................................................................................................................. 42
6. FORMAS POLÍTICAS NA HISTÓRIA DO CONSTITUCIONALISMO PORTUGUÊS................................. 43
A) Cronologia da história constitucional portuguesa ............................................................. 44
B) Constituições monárquicas ................................................................................................ 45
C) Constituição de 1911 ......................................................................................................... 47
D) Constituição de 1933 ......................................................................................................... 48
E) Constituição de 1976 ......................................................................................................... 49
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2. PARLAMENTARISMO ..................................................................................................................... 63
A) Parlamentarismo de gabinete e parlamentarismo de assembleia ..................................... 63
B) Parlamentarismo racionalizado ......................................................................................... 65
3. PRESIDENCIALISMO ....................................................................................................................... 66
A) Sistema presidencial clássico ............................................................................................. 66
B) Funcionamento prático e dificuldades de exportação ....................................................... 67
C) Presidencialismo adaptado ................................................................................................ 69
4. IMPEACHMENT PRESIDENCIAL ...................................................................................................... 71
A) História: impeachment na Inglaterra e sua importação ..................................................... 71
B) Impeachment nos Estados Unidos ..................................................................................... 72
C) Impeachment na América Latina ....................................................................................... 76
5. SEMIPRESIDENCIALISMO: TEORIA ................................................................................................. 80
A) Origens............................................................................................................................... 80
B) A descoberta do semipresidencialismo e a questão da designação .................................. 82
C) A autonomia do semipresidencialismo .............................................................................. 83
D) Expansão territorial............................................................................................................ 89
E) Definição ............................................................................................................................ 93
6. SEMIPRESIDENCIALISMO: CARACTERIZAÇÃO ................................................................................ 96
A) Os poderes do Presidente na definição do semipresidencialismo ..................................... 96
B) Poder de dissolução do Parlamento .................................................................................. 98
C) O equilíbrio no semipresidencialismo .............................................................................. 101
D) Variáveis dinâmicas de funcionamento do semipresidencialismo ................................... 103
7. SEMIPRESIDENCIALISMO: MATRIZES ........................................................................................... 107
A) As matrizes do semipresidencialismo .............................................................................. 107
B) Matrizes francesa (Presidente-liderante) e portuguesa (Presidente-moderador) ........... 109
C) Matriz austríaca (Presidente-cerimonial)......................................................................... 112
D) Finlândia .......................................................................................................................... 115
E) Novas democracias na Europa Central e de Leste ........................................................... 116
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Bibliografia:
– Teoria das Formas Políticas e dos Sistemas de Governo, Jorge Reis Novais
Notas:
– Estes resumos foram elaborados com base na bibliografia indicada para Direito Constitucional
I e II no ano letivo de 2019/2020, sob a regência do Sr. Professor Jorge Reis Novais.
– Antes da sua divulgação, não foram revistos (por falta de tempo) os seguintes pontos:
– Em 2021, saiu uma nova edição do manual Semipresidencialismo que não foi usada para estes
resumos, mudando um pouco a arrumação das matérias.
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Matéria a ser dada, em princípio, em Direito Constitucional II. Ficam algumas referências importantes para Direito
Constitucional I, que podem não ser objeto de avaliação. Para um maior desenvolvimento, ver a sebenta de DC II.
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O Estado absoluto é o tipo histórico de Estado que vigorou entre os séculos XIV e XVIII.
Havia uma concentração absoluta dos poderes no Rei, que não eram limitados juridicamente.
Não existia Constituição, separação de poderes, instituições representativas ou direitos
fundamentais. Podemos distinguir duas fases do Estado absoluto:
Estado patrimonial → o reino é propriedade feudal do Rei.
Estado de polícia (de polis, cidade) → o déspota esclarecido/iluminado intervém de
forma absoluta na vida política, social e económica.
A) Estado de Direito
Estado de Direito é o Estado organizado e limitado juridicamente, com vista à garantia
dos direitos fundamentais dos cidadãos sob a sua jurisdição, ou seja, os direitos reconhecidos
por força da dignidade da pessoa humana, e em que, por força da separação de poderes
instituída pela Constituição, os poderes públicos deixam de poder dispor livremente.
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e bem-estar gerais. Os únicos fins do Estado são garantir a paz social, a segurança dos bens
e das vidas, a abstenção da vida privada e a garantia dos direitos fundamentais.
A conceção das relações Estado-cidadãos era uma em que imperasse a previsibilidade e a
segurança, com a transformação progressiva de toda a atividade do Estado em atuação
fundada, organizada e vinculada juridicamente segundo regras gerais pré-estabelecidas.
Racionalizar o Estado é, então, e em contraposição com os exigências da razão do Estado
de polícia do Antigo Regime, assegurar que a intervenção estatal não ultrapasse níveis
mínimos e previsíveis, isto é, que o Estado não ultrapasse os seus fins garantistas e invada
a esfera da vida privada. Para que a atuação dos poderes públicos seja previsível e assegure
os direitos fundamentais, o Estado está limitado e organizado juridicamente. Há uma
submissão do Estado ao Direito:
o Império da lei – estabelecimento de uma hierarquia jurídica entre os diferentes atos
do Estado que permita controlo judicial baseado na verificabilidade objetiva da
conformidade dos atos com princípios legais e constitucionais pré-estabelecidos.
o Princípio da legalidade/princípio da legalidade da administração – os atos da
administração só são válidos se não contrariarem a lei (preferência de lei), e se tiverem
habilitação na lei, isto é, se tiverem base legal (reserva de lei), garantindo a
previsibilidade da atuação dos poderes públicos.
o Justiça administrativa – o Estado é pessoa jurídica titular de direitos e deveres, que se
relaciona com outros sujeitos de Direito com os particulares, através da lei e dos
Tribunais.
A conceção de direitos fundamentais era uma de direitos individuais e direitos negativos:
os que exigem que o Estado se abstenha. O direito fundamental por excelência era o direito
de propriedade.
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i) Progressiva diluição das fronteiras entre legislativo e executivo, que fazem ressurgir
preocupações no âmbito da separação e interdependência de poderes:
Aumento considerável da atividade legislativa por parte dos Governos,
institucionalizando-se uma competência legislativa própria ou delegada pelo
Parlamento.
Parlamentos invadem a área tradicionalmente reservada ao Governo, na medida em
que o conteúdo das leis aprovadas perde o seu caráter geral e abstrato para atender a
necessidades quotidianas e pontuais e de categorias particulares de cidadãos. Surge a
figura das leis-medida, destinadas a responder a necessidades governativas concretas.
Excecionalmente são até aprovadas leis individuais que configuram a prática, pelo
órgão legislativo, de atos administrativos, ainda que sob a forma de lei.
ii) Mecanismos de limitação efetiva do poder que, durante o Estado de Direito liberal,
não existiam ou não eram valorizados:
Reconhecimento e encorajamento do pluralismo, dos direitos da oposição, das minorias,
de alternância política e da importância da opinião pública e de uma imprensa livre.
Divisão vertical ou territorial de funções, através da regionalização ou da
descentralização política e administrativa.
Repartição social de funções, com o aprofundamento dos mecanismos de democracia
participativa e de integração dos cidadãos e das suas associações na vida política e no
próprio exercício das funções estatais.
Novos mecanismos de racionalização da democracia representativa e de limitação do
poder, como a limitação temporal de cargos públicos, a instituição de sistemas de
governo mais complexos e a valorização de escolhas institucionais decisivas para a vida
política, como as referentes ao sistema eleitoral e ao sistema de partidos.
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Desenvolvido no ponto seguinte – Parte I / Cap. 1 / Ponto C) – páginas 14-15
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Já na Europa, durante século e meio (até aos anos 1950), havia Constituição, mas não
era levada a sério como norma jurídica, pelo que não havia justiça constitucional.
No Estado de Direito liberal europeu, a Constituição tinha uma natureza de documento
fundador e programático, com valor político e simbólico, mas não aplicado pelos Tribunais
e nunca invocado como fundamento para a eventual desaplicação, por
inconstitucionalidade, de leis em vigor. Ao contrário dos americanos, os europeus, desde
o tempo das revoluções liberais, desconfiavam dos juízes, nomeados pelo monarca
absoluto, pois receavam que a casta judicial se pudesse converter num obstáculo às
transformações sociais, Era temido o “governo dos juízes”.
Até à 2ªGG, era possível o recurso à justiça administrativa como forma de controlar a
legalidade da atuação da Administração. Porém, a função legislativa estava isenta de
qualquer controlo, por se considerar que a lei era justa e garantia dos direitos. A
supremacia que tinha o Parlamento pode ser expressa na máxima de Rousseau “a lei é
intrinsecamente justa”, por ser feita pelos representantes do Povo. Para Montesquieu le
juge est la bouche qui prononce les paroles de la loi (o juiz é a boca que pronuncia as
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palavras da lei), visto que os juízes se limitavam a aplicar a lei, mecanicamente, não
apreciando a constitucionalidade dos atos do Parlamento (que podia violar direitos
fundamentais, por exemplo aprovando leis racistas), mas apenas dos da Administração.
Foi necessário que a Europa vivesse a experiência dramática dos regimes totalitários do
séc. XX, muitas vezes democraticamente eleitos e apoiados entusiasticamente pela maioria
da população, para que os europeus se convencessem da necessidade de proteger as
liberdades e os direitos fundamentais contra as maiorias no poder. Só no pós-guerra, com
o Estado de Direito social e democrático, se perdeu a confiança na justiça e racionalidade
imanentes à lei e se verificaram as insuficiências da justiça administrativa verificadas na
garantia dos direitos fundamentais, cujas violações não foram apenas praticadas pela
administração e pelo legislativo, mas também no decurso da atividade das magistraturas
judiciais. Para proteger os direitos fundamentais face às maiorias no poder, a instituição
mais adequada era e é a justiça constitucional.
Novo constitucionalismo:
No pós-2ªGG passa a atribuir-se a um poder judicial independente o controlo da
constitucionalidade dos atos legislativos e administrativos e a garantia dos direitos
fundamentais. Há um surgimento generalizado da justiça constitucional, posta em prática
pelos Tribunais Supremos ou por Tribunais especialmente criados para o efeito, os
Tribunais Constitucionais. Nos Estados europeus, predominam os segundos, já que quando
aderiram à ideia de institucionalização de uma justiça constitucional, os europeus não
entregaram essas funções, como algo natural, ao poder judicial comum (como nos Estados
Unidos) mas criaram, nas próprias Constituições aprovadas após a 2ªGG, uma nova
instituição, o Tribunal Constitucional.
Há também um reconhecimento do caráter formalmente superior das normas
constitucionais relativamente às leis ordinárias. A revolução constitucional do pós-guerra
inverteu o lema “direitos fundamentais à medida da lei” para “lei à medida dos direitos
fundamentais”.
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iii) A Constituição institui uma justiça constitucional que garante a sua supremacia face
aos poderes públicos
Para assegurar a subordinação do Estado, que tem o monopólio da força coerciva, à
Constituição, às normas jurídicas que limitam e vinculam os poderes públicos, bem como
a conformidade dos seus atos a essas normas e o respeito pelos direitos fundamentais, a
Constituição institui um poder judicial independente com a especial competência de
administrar a justiça em matéria jurídico-constitucional, ou seja, de fiscalizar a
constitucionalidade das leis. Assim, em Estado constitucional, os poderes públicos só
governam nos limites da Constituição, fixados por um Tribunal Constitucional ou Supremo
Tribunal.
Da mesma forma que o poder judicial garante a observância do Direito em vigor pelos
cidadãos, também garante a observância, pelos poderes públicos, da Constituição, norma
jurídica à qual estão especialmente vinculados (as imposições constitucionais dirigem-se
aos poderes públicos, e não aos cidadãos). Assim, cabe também ao poder judicial
independente verificar se os poderes públicos respeitam as imposições que a Constituição
lhes dirige, designadamente, verificar se o Governo e o legislador aprovam leis
inconstitucionais, se violam os direitos fundamentais
Desta forma, o edifício do Estado de Direito democrático só fica coroado com a instituição
de uma justiça constitucional.
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História:
Na governação islâmica clássica havia um equilíbrio institucional (esta é uma interpretação
controversa) em que os clérigos/jurisconsultos (considerados herdeiros do profeta,
interpretavam a lei e legislavam) tinham uma posição cimeira enquanto autoridade religiosa
e legal que o califa (sucessor ou representante do mensageiro de Deus) tolerava, reconhecia e
favorecia. Não existindo regras de sucessão (pelo menos entre os sunitas), a assunção do
poder como califa perante a comunidade dependia de uma legitimação religiosa, moral e
legal fornecida pelos jurisconsultos. Se aos clérigos cabia criar lei, o califa administrava as
condições da sua aplicação, assegurando a observância pelos juízes estatais das regras da
shari’a tal como tivessem sido apuradas pelos jurisconsultos.
O poder político na governação islâmica clássica acabava por ser limitado, já que estava
condicionado pela observância das regras vigentes, como as da shari’a. Ao contrário do que
acontecia no ocidente, a indissociação das esferas religiosa, moral, política e legal era um
fator de moderação do poder político, que trazia previsibilidade e estabilidade à vida social
e constituía garantia da propriedade face ao poder.
Nos séculos XVIII e XIX diversas convulsões internas e eventos político-militares com a
Rússia e com as potências europeias iniciaram o declínio do Império Otomano (que viria a
cair com a 1º Grande Guerra). Esta crise deste centro institucional do Islão foi imputada ao
domínio avassalador da religião na sociedade, relativamente ao que se passava no ocidente.
O Tanzimat (séc. XIX) foi o período de reformas com vista à modernização, secularização e
à ocidentalização do Império, que se traduziu em mais pluralismo e liberdade religiosa e na
aprovação de uma Constituição escrita (1876), ainda que efémera. A função legislativa foi
atribuída a assembleias de caráter parlamentar, houve uma estatização e burocratização
do sistema de justiça e um processo de codificação legal, que significava a positivação da
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shari’a. Estando a lei divina acessível aos juízes e aos tribunais estatais, a função dos
clérigos/jurisconsultos tornou-se dispensável.
Este processo de reformas culminou no fim da governação islâmica clássica, mas levou ao
estabelecimento de regimes ditatoriais, nacionalistas, repressivos, corruptos e dotados de
poder não limitado, que alienavam o apoio popular, sustentando-se na força militar e na
adesão das elites locais. Por beneficiarem de apoios frequentes dos Estados Unidos e de
países europeus, criou-se na esmagadora maioria da população (pobre, excluída e
profundamente religiosa) um sentimento de hostilidade ao processo de ocidentalização e
ao ocidente, e uma associação da secularização (acompanhada da desvalorização social dos
clérigos) às experiências dos regimes ditatoriais. O Tanzimat foi socialmente percebido
como uma tentativa de marginalização da religião e como o advento da opressão, do
autoritarismo e da corrupção. No plano das relações internacionais, a secularização
coincidia com a inferiorização do mundo muçulmano face ao ocidente, alimentando-se o
sentimento de frustração e humilhação nacional e religiosa.
Enquanto no ocidente a confusão entre Estado e igreja, e política e religião, foi um fator de
opressão, intolerância, perseguição e justificação para a instauração de um poder absoluto,
no mundo muçulmano aconteceu o oposto. A memória das tentativas de secularização
contrasta com uma memória da anterior governação islâmica clássica de equilíbrio,
contrapeso e moderação das tendências autoritárias do poder político.
Na década de 30 do séc. XX começa a criar-se uma nostalgia em relação à época dourada,
apelando-se a um reatamento dos laços com o Islão e com a shari’a. Movimentos islâmicos,
alguns transnacionais, fazem um apelo generalizado e bem-sucedido ao renascimento do
Estado islâmico, propondo-se a realizar os valores islâmicos de justiça e bem, e a pôr termo
à corrupção e à arbitrariedade dos governos, devolvendo prestígio à comunidade islâmica
no mundo.
Com a Revolução iraniana de 1979 o fundamentalismo islâmico ganha um novo folego. Os
clérigos/jurisconsultos não recuperaram apenas uma posição social cimeira, mas
governaram de forma exclusiva, sem limites e concessões no monopólio da interpretação
e aplicação da lei divina, legitimados pelo líder supremo da revolução, Khomeini. Depois da
revolução o projeto de instauração de um Estado fundamentalista replicou-se pelo mundo
islâmico. Se a religião servia outrora de limitação do poder estatal, surge agora como a base
religiosa de um poder jurídico-clerical radical e autoritário.
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2. FORMA DE GOVERNO
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3. REGIME POLÍTICO
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B) Monarquia constitucional
Monarquia limitada Monarquia orleanista Monarquia parlamentar
> Constituição normativa, que limita juridicamente o poder político, ou seja, há separação de
poderes. O Rei está sujeito a regras jurídico-constitucionais previamente estabelecidas.
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> Regime típico do Estado de Direito liberal > Estado de Direito social e democrático
> Séc. XIX até pós 1ªGG > Séculos XX e XXI
> Há uma grande afinidade nos princípios e valores de ambos os regimes, que assentam nas
ideias de soberania popular, democracia e dignidade da pessoa humana.
> Contudo, só com o sufrágio universal se tiram todas as consequências do princípio
democrático. Um eleitorado constituído por todos assegura verdadeiro pluralismo político,
alternância no poder e eleição livre e regular dos titulares do poder. Assim, só a democracia
representativa é verdadeiramente democrática.
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> Devido à restrita conceção de Povo, as > Corpo eleitoral, que se identifica com a
eleições ganham um caráter de designação do população adulta, é diversificado, disputando-
candidato, pertencente às classes se interesses contraditórios.
proprietárias, que apresenta maior > Assumem uma função de avaliação política
competência, habilitação e peso local do exercício do mandato do executivo
(caciquismo). anterior, dando origem à formação de um
> O candidato não se apresenta a eleições novo Governo.
com programa eleitoral nem vinculado a um > Eleição constitui instrumento institucional
compromisso político com os eleitores, tendo fundamental de participação no exercício do
grande autonomia e vontade própria. poder, da sua fiscalização e de garantia da sua
> A autonomia dos eleitos confere grande alternância.
peso e legitimidade ao Parlamento, saindo > Mais que a designação da pessoa a exercer
reforçado face aos outros órgãos. o mandato de Deputado, as eleições
Paradoxalmente, é a fraca legitimidade constituem uma representação de interesses
democrática dos Parlamentos que lhes dá o diversos e uma escolha entre orientações
prestígio de que beneficiavam no séc. XIX. políticas e programas de governo
> Sistema eleitoral pouco desenvolvido. Tende essencialmente diferentes.
a ser maioritário e uninominal. > Sistema eleitoral tende a ser proporcional.
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> Numa primeira fase, surgem organizações > A escolha do programa de governo é
políticas pouco estruturadas, sendo clubes de decisiva, adquirindo os partidos uma
reflexão e discussão, ou comitês eleitorais de importância muito maior.
apoio a candidatos, mas sem caráter de > São essencialmente partidos de massas,
permanência e sem ligação entre si. Nos que querem recrutar o maior número de
Parlamentos, os grupos parlamentares não aderentes. Caracterizam-se por deter a quase
têm grande coesão, disciplina e vinculação exclusividade da representação política
partidária. Têm intervenção limitada, mesmo (porque detêm a quase exclusividade da
em períodos eleitorais. competência para a apresentação de
> Só numa fase posterior surgem candidaturas). São estruturas de caráter
verdadeiramente partidos políticos. São permanente, com forte disciplina interna e
essencialmente partidos de quadros, uma direção centralizada. Os grupos
organizados em torno de notáveis locais, que parlamentares são assentes na solidariedade
dispõem de grande influência no seu círculo partidária e na disciplina interna, procurando
eleitoral. Não se preocupam com o uniformizar o sentido de voto dos seus
recrutamento de um grande número de Deputados, que são condicionados por
aderentes, não se estruturam de forma arriscarem o futuro da sua carreira política ao
centralizada, não dispõem de uma direção divergirem da orientação da direção
unificadora e têm uma grande fragilidade partidária. Assim, os deputados têm curta
programática. autonomia na atuação parlamentar.
> Há uma transferência do mandato dos
deputados para os partidos; a maioria dos
deputados não são sequer conhecidos pelos
eleitores.
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B) Sistema eleitoral
Sistema eleitoral:
Em sentido lato – inclui normas sobre delimitação, número, magnitude, agregação e
sobreposição dos círculos eleitorais, capacidade eleitoral ativa e passiva, competência
para a apresentação de candidaturas, regime de votação e contagem e método
eleitoral.
Em sentido restrito (método eleitoral) – método de conversão do número de votos
obtidos por cada candidatura em número de mandatos parlamentares.
Conceitos introdutórios:
Capacidade eleitoral ativa – capacidade para eleger (direito de voto); em Portugal
adquire-se aos 18 anos.
Capacidade eleitoral passiva – capacidade para ser eleito; em Portugal adquire-se aos
18 anos, exceto para Presidente da República (35 anos).
Sufrágio universal – todos os cidadãos adultos têm direito de voto.
Sufrágio restrito – restrições ao direito de voto, em função de requisitos patrimoniais
(sufrágio censitário), raciais (sufrágio rácico), de sexo (sufrágio masculino) ou de
instrução (sufrágio capacitário).
Maioria relativa – maioria dos votos
Maioria absoluta – mais de 50% dos votos
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pragmáticos, percebendo que o seu voto não está a eleger deputados, tendem a votar de forma
útil em partidos com maiores possibilidades de eleger no respetivo círculo, ainda que mais
afastados das suas posições. Assim, ao efeito de sub-representação, acresce o efeito de
polarização do voto nos partidos maiores, o que tendencialmente gera menos partidos com
representação parlamentar e consequentemente maior possibilidade de formação de maiorias
absolutas de sustentação de governos estáveis. É o que acontece nos Estados Unidos, onde só
têm representação os dois maiores partidos: Partido Democrata e Partido Republicano.
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Sistemas mistos (ou com tendência dominante de um deles, mas com elementos corretivos do outro)
Sistema misto é aquele que colhe elementos de cada um dos dois grandes sistemas,
agregando vantagens de ambos.
Uma modalidade de sistema misto é a agregação simples dos dois métodos, isto é, a
eleição, de forma independente, de parte dos deputados através de um sistema e parte
através de outro – Rússia, Japão e Itália, onde se elege cerca de ⅔ dos deputados em sistema
de representação maioritária uninominal (first past the post) e um cerca de ⅓ em círculos
plurinominais com representação proporcional.
Mas os sistemas mistos mais promissores são os sistemas proporcionais com adoção de
corretivos (ver abaixo).
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Procedimento: distribuição do número de mandatos que cada partido ganhou nos círculos plurinominais;
os deputados eleitos em círculos uninominais são deduzidos ao número de mandatos que cada partido
ganhou, em cada Land, nos círculos plurinominais – ex: o partido SPD elegeu, na Baviera, 25 deputados
pelo círculo plurinominal correspondente ao Estado. Nos círculos uninominais elegeu 15 deputados.
Então, esses 15 vão ser deduzidos aos 25; o SPD só elege 10 deputados pelo círculo plurinominal.
No caso de um partido eleger mais deputados pelos círculos uninominais do que pelos círculos
plurinominais, procede-se a um aumento do número total de deputados, que assegure
proporcionalidade (aos mandatos extra chama-se de overhang seats)-
Há ainda uma cláusula barreira – um número mínimo de votos ou mandatos a conseguir para poder ter
representação parlamentar – de 5% ou de três deputados eleitos em círculos uninominais.
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Explicação do Professor Pedro Delgado Alves
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Soluções:
Reforma profunda do sistema com várias propostas no sentido da adoção de sistemas
de tipo alemão/neozelandês.
Círculo nacional de compensação, evitando distorções à proporcionalidade.
Fundir círculos de menor dimensão e/ou distribuir número de mandatos a eleger em
cada círculo de forma mais equilibrada.
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5. FORMA DE ESTADO
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B) Estado federal
É aquele Estado em existe uma pluralidade de Constituições, de ordenamentos jurídico-
constitucionais e conjuntos de instituições de governo, entre os quais, um respeitante a todo o
território (Estado federal), ao qual se subordinam e em que se integram os Estados membros
da Federação ou União (Estados federados).
No plano externo, só o Estado federal tem personalidade jurídica reconhecida como Estado
soberano e por isso só ele pode gozar dos atributos tradicionalmente reconhecidos aos
Estados soberanos, como a condução das políticas externa e de defesa.
No plano interno, o Estado federal dota-se de órgãos próprios e exerce funções típicas de
qualquer Estado. As Constituições dos Estados federados têm de respeitar a Constituição
federal, não podendo, sob pena de inconstitucionalidade, violar os limites positivos e
negativos que ela lhe imponha. A partir do momento em que constituam a Federação, os
Estados federados não a podem abandonar, exceto por vontade do Estado federal. Não
obstante, respeitados esses limites, os Estados federados são ainda verdadeiros Estados, já
que elaboram as suas próprias Constituições e, no domínio das suas competências, têm
estrutura, órgãos e atividade tipicamente estaduais.
Em termos jurídicos o Estado federal é ficcionado como a vontade de agregação de vários
Estados que, com a aprovação de uma Constituição federal, constituem juntamente um
novo Estado; os Estados federados, anteriormente soberanos, passam a integrar-se, então,
na estrutura do novo Estado federal, a favor do qual abdicaram de uma parcela da sua
soberania. É o caso dos EUA. Contudo, em termos históricos, nem sempre se verifica este
cenário: o Estado brasileiro federal resultou da desagregação jurídica de um Estado
brasileiro unitário.
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Surgido inicialmente nos Estados Unidos, este modelo foi exportado para a Suíça, Alemanha
e muitos estados americanos, como o Brasil e a Argentina, tornando-se a forma de Estado
predominante no pós I Guerra Mundial.
Várias razões levam à adoção desta forma de Estado: conferir uma organização política
estadual aos grandes espaços em termos de igualdade e paridade; integrar culturas e
nacionalidades diferentes no mesmo Estado; encontrar novas modalidades de divisão
territorial do poder para uma melhor garantia das liberdades; por razões de afinidade
política com Estados vizinhos que tradicionalmente se tomam como modelo e que tinham
adotado essa forma de Estado.
O cidadão do Estado federal fica sempre sujeito a duas instâncias de poder político e a
dois ordenamentos jurídicos, integrados, mas sobrepostos: o do Estado federal, e o do Estado
federado em que o cidadão se encontre circunstancialmente; e integra-se e exerce os seus
direitos de participação política nos dois ordenamentos, votando, por exemplo no Brasil, para
a eleição do Congresso Federal e para a eleição do Governador do seu Estado federado. Assim,
do ponto de vista jurídico-constitucional, o Estado Federal apresenta-se através de uma dupla
estrutura:
Estrutura de sobreposição - instituições refletem a relação de subordinação dos Estados
federados ao Estado Federal:
o A autonomia constitucional dos Estados federados não é plena, já que as suas
Constituições têm de respeitar condições negativas (como o quadro constitucional da
distribuição de competências, atribuições e poderes entre Estado federal e Estados
federados) e positivas (como a forma de governo republicana – EUA) que a Constituição
federal estabelece.
o O Direito e as decisões políticas federais prevalecem sobre o Direito e as decisões
políticas dos Estados federados. Assim, é atribuída aos tribunais federais a competência
para julgar não só questões suscitadas pela aplicação do Direito federal, como questões
entre Estados federados ou entre estes e o Estado federal. O Estado Federal fiscaliza e
garante o cumprimento da Constituição e das leis federais por parte dos Estados
federados. Esta foi uma das razões que proporcionaram o surgimento precoce da
instituição de uma justiça constitucional nos EUA.
Estrutura de integração – instituições traduzem o processo de integração dos Estados
federados na Federação:
o Os Estados participam, enquanto tal, na reforma/emenda da Constituição federal.
o Os Estados federados participam, de forma institucionalizada, na formação da vontade
política do Estado federal, através de uma câmara parlamentar própria (normalmente
o Senado) constituída por representantes dos Estados, que podem ser designados pelos
órgãos dos estados ou ser eleitos pelas suas populações. O número de representantes
de cada Estado pode ser o mesmo para cada Estado federado ou ser função da sua
população.
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C) Estado regional
Estado unitário regional, Estado regional ou Estado autonómico é o Estado que
reconhece a entidades territoriais, as Regiões Autónomas, autonomia político-administrativa.
É uma classificação polémica, havendo quem a integre nas outras formas de Estado.
Um Estado regional reconhece às Regiões Autónomas uma autonomia tal que lhes permite
o exercício de funções políticas e não meramente administrativas. Desde a faculdade de
legislar, até à existência de órgãos de governo próprio que representam a população
respetiva e desenvolvem, dentro das suas competências, programas e iniciativas políticas
diferentes e até divergentes das do Governo nacional. São estas faculdades legislativas e de
governo que distinguem a autonomia das Regiões Autónomas dos poderes meramente
executivos e regulamentares que o Estado unitário reconhece às autarquias locais.
É relativamente fácil distinguir o Estado federal do Estado regional parcial, como o
português, em que apenas parte do território é constituído por regiões autónomas, já que
um Estado federal organiza todo o seu território em Estados federados. Noutros casos,
como o Espanhol (Estado regional integral), em que todo o território está dividido em
regiões autónomas, torna-se, no plano prático, e apenas nesse plano, mais complicado
fazer essa distinção. Esse facto vem agravar-se pelo facto de existirem regiões autónomas
nos Estados regionais que dispõem de maior autonomia, identidade regional ou até
nacional, que as que se encontram nos Estados federados. Algumas dessas regiões aspiram
até à independência.
Já no plano jurídico, as diferenças entre Estado federal e Estado regional estão
perfeitamente estabelecidas.
o Mesmo que mais profunda no plano prático, a autonomia das Regiões Autónomas
distingue-se da dos Estados federados por não ser uma autonomia constitucional.
o Enquanto as Constituições dos Estados federados são aprovadas ou reformadas pelos
seus órgãos, e entram em vigor independentemente da aprovação do Estado federal,
os Estatutos de Autonomia das R.A. têm de ser aprovados (e por vezes desenhados)
por órgão soberano do Estado central.
o Os Estados federados participam na formação de uma vontade estadual através de
uma câmara parlamentar própria (Senado), enquanto as Regiões Autónomas não estão
representadas, enquanto R.A, nos Parlamentos nacionais. Os seus deputados
representam toda a nação, e não só os círculos pelos quais foram eleitos (ainda que na
prática a sua preocupação central sejam os interesses da sua região).
o Os Estados federados participam na reforma da Constituição federal, enquanto as
Regiões Autónomas não têm esses poderes.
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Forma de governo:
Monarquia: até 1910
República: 1910 aos dias de hoje
Regime político:
Estado autocrático, monarquia absoluta: até 1820, 1823-26, 1828-34
Estado de Direito, monarquia parlamentar: 1822-23 e 1836-38
Estado de Direito, monarquia limitada: 1826-28, 1834-36 e 1842-1910*
Estado de Direito, monarquia orleanista: 1838-42
Estado de Direito, governo representativo: 1911-26
Estado autocrático, ditadura: 1917-18 e 1926-74
Estado de Direito, democracia representativa: 1976 aos dias de hoje
* A partir de 1852, a Carta de 1826 (de monarquia limitada) evoluiu no sentido da monarquia orleanista
Forma de Estado:
União real: 1815 a 1825
Estado unitário simples: 1825 a 1976
Estado unitário regional: 1976 aos dias de hoje
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B) Constituições monárquicas
Constituição de 1822 Carta Constitucional de 1826 Constituição de 1838
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O regime político da Carta evolui, entre 1942 e 1910, no sentido de uma monarquia
orleanista. Os Atos Adicionais de 1852 (solução de compromisso entre as linhas
radical/setembrista e cartista) e de 1885 democratizaram a Carta, instituindo: a eleição direta
para a Câmara dos Deputados, reduções nas restrições censitárias, eleição de alguns Pares, a
referenda ministerial para os atos do poder moderador e restrições do poder de dissolução do
Rei. Há assim uma atenuação progressiva do poder do Rei e a institucionalização da dupla
responsabilidade do executivo perante Rei e Parlamento. A própria Carta previa isto, já que
remetia a aprovação de futuras revisões constitucionais para as Cortes, embora com sanção
real.
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C) Constituição de 1911
As consequências da alteração da forma de governo não foram muito além de uma
maior amplitude da conceção de igualdade perante a lei, com a consagração (normal numa
primeira constituição republicana) da extinção dos privilégios de nascimento, dos foros de
nobreza e dos títulos nobiliárquicos.
Como é natural numa Constituição de Estado de Direito liberal, a Constituição de 1911
limita-se a declarar direitos e garantias individuais e a regular a organização dos poderes
públicos, não havendo qualquer menção à organização económica ou atribuição de tarefas ao
Estado nesse domínio. Há uma instauração plena da liberdade religiosa (que até aí não tinha
sido assumida), a abolição da pena de morte para crimes militares (a revisão constitucional de
1916 veio reintroduzir, por virtude da 1ªGG, a pena de morte para esses crimes) e a
consagração do habeas corpus, mas não são ainda consagrados direitos sociais, para além dos
direitos ao ensino e à assistência.
O regime político é de governo representativo republicano, uma vez que, mesmo não
havendo sufrágio censitário, os cidadãos eleitores não ultrapassavam os 9% da população:
mulheres e analfabetos não tinham capacidade eleitoral. Apesar disso, houve um
reconhecimento constitucional dos partidos políticos e dos grupos parlamentares.
A Constituição de 1911 é uma Constituição de república parlamentar. O Congresso
bicameral, eleito por sufrágio direto, é o centro de toda a vida política. O Presidente da
República era irrelevante e embora fosse, em conjunto com os Ministros, titular do poder
executivo, tinha o seu estatuto político diminuído por ser eleito e poder ser destituído pelo
Congresso. Não pode ser reeleito, não tem direito de veto e todos os seus atos carecem de
referenda ministerial. Ao contrário do que acontece com o sistema de governo parlamentar,
não pode dissolver o Congresso, o que deixa o executivo exclusivamente dependente do
Parlamento. A revisão constitucional de 1919, após o sidonismo, racionalizou o sistema,
atribuindo ao Presidente da República a faculdade de dissolver o Parlamento, como é natural
num sistema parlamentar.
Numa altura em que a fiscalização da constitucionalidade era desconhecida na
generalidade dos países europeus (e até ao pós 2ªGG) e em que a garantia da Constituição era
assumida pelo Parlamento, a Constituição de 1911 é uma das primeiras Constituições
europeias a consagrar o sistema de fiscalização judicial da constitucionalidade das leis e dos
diplomas emanados do executivo. A adoção deste sistema de fiscalização foi incentivada pela
prática inconstitucional, reiterada durante a vigência da Carta, de aprovação dos “decretos
ditatoriais”, isto é, a prática pelos executivos de, sem competência para tal, legislarem
enquanto o Parlamento estava dissolvido, com a garantia de que o futuro Parlamento, onde
estavam seguros de alcançar maioria, ratificaria a inconstitucionalidade. Esta desvalorização da
Constituição justificou a atribuição a órgãos independentes – os Tribunais – as funções de
garantia da Constituição. A adesão a este sistema aconteceu também por influência da
Constituição republicana brasileira de 1891, que acolhe o que era praticado nos EUA desde o
início do século XIX e segundo o qual os tribunais comuns teriam competência para aplicar ou
não leis consoante o juízo de constitucionalidade que delas fizessem.
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Em 1918, Sidónio Pais, que tinha chegado ao poder na Revolução de Dezembro de 1917,
fez uma rutura constitucional que teria, caso fosse bem-sucedida (não o foi porque Sidónio foi
assassinado, em dezembro de 1918), alterado o sistema de governo para presidencial, com
eleição direta do Presidente por sufrágio universal masculino. O Senado teria representação
territorial e das várias categorias profissionais.
D) Constituição de 1933
A Constituição de 1933 é uma Constituição de Estado autocrático de inspiração fascista,
com forte inspiração na experiência italiana. Não só pelo seu conteúdo e contexto, mas pelo
próprio processo de aprovação: é a única Constituição portuguesa que, reclamando-se de uma
pretensa legitimidade democrática, não é aprovada por uma Assembleia Constituinte eleita
pelo Povo. Ao invés disso, foi elaborada por um grupo restrito sob a égide de Salazar e
plebiscitada nacionalmente, numa votação para a qual os abstencionistas foram legalmente
considerados votos a favor do projeto. O regime político é de ditadura.
Numa primeira leitura, parece reconhecer o catálogo dos direitos e liberdades
consagrados nas Constituições anteriores. Todavia, o próprio artigo que reconhecia os direitos
(artigo 8.º) remetia para leis especiais a regulamentação de direitos políticos mais elementares,
como a liberdade de pensamento e os direitos de reunião e associação, impondo, quanto à
liberdade de expressão, o seu controlo preventivo e repressivo. Na prática, estas leis
restringiram drasticamente os direitos aparentemente consagrados na Constituição.
Diferentemente do que sucedera no Estado de Direito liberal, tendencialmente
abstencionista, esta Constituição tem uma muito maior preocupação com os direitos sociais,
dado o caráter intervencionista do Estado Novo, manifestada no tratamento que se dá à
família, ao ensino, à propriedade ou à contratação coletiva. Assim, a Constituição de 1933
assume-se pragmática, dirigente, regulamentadora da organização económica, atribuindo ao
Estado tarefas de planificação, coordenação e direção económicas.
Por influência direta do fascismo italiano, qualifica-se o Estado como república
corporativa, considerando-se que é através das sociedades primárias – família, organismos
corporativos e autarquias locais – que os indivíduos participam na vida da Nação. Estes
organismos tinham a sua constituição e funcionamento dependentes de autorização e controlo
do Estado, integrando-se no aparelho do Estado e tendo representação na Câmara Corporativa.
Quanto à organização política, havia uma relevância do chefe de Estado, que era eleito
por 7 anos, podendo ser reeleito. Tinha importantes poderes, como nomear e demitir
livremente o Presidente do Conselho de Ministros (PCM), dissolver a Assembleia Nacional e
direito de veto, e a não era responsável perante qualquer órgão, embora quase todos os seus
atos careçam de referenda ministerial. A eleição do Presidente era, inicialmente, direta.
Em 1958, no pós-2ªGG, para mostrar que em Portugal existia uma aparência de
democracia, na cena internacional, o regime permite que às eleições presidenciais se candidate
um candidato da oposição, Humberto Delgado. Contudo, o General sem medo (mais tarde
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assassinado pela PIDE) adquiriu apoio popular enorme, especialmente após responder a um
jornalista, quando essa lhe perguntou o que faria a Salazar caso fosse eleito, “Obviamente,
demito-o!”. O candidato do regime, Américo Thomaz, ganhou as eleições. Este episódio levou
à revisão constitucional de 1959, que alterou a eleição do PR, passando esse a ser eleito por
um colégio eleitoral cuja composição era controlada pelo regime.
A Assembleia Nacional surge numa posição subalternizada, pois tinha apenas 90
Deputados, a sua sessão legislativa durava apenas 3 meses e não podia demitir o Governo (ou
seja, não havia responsabilidade política do Governo perante a AN). Não era o principal órgão
legislativo, já que as leis que aprova restringem-se às bases gerais dos regimes jurídicos e que
outros órgãos, como a Câmara Corporativa e especialmente o Governo, tinham uma
competência legislativa muito mais alargada.
O Governo é o principal órgão político no regime de 1933, não só pelas competências
que lhe eram atribuídas pela Constituição, mas porque, na prática, o Presidente do Conselho
de Ministros (PCM) era o ditador-líder do regime. Era o órgão legislativo por excelência: até à
revisão constitucional de 1945 podia legislar em situações de urgência e necessidade pública
ou mediante autorização legislativa; a partir daí, os seus poderes legislativos foram equiparados
aos da Assembleia Nacional. Por outro lado, o chefe de Governo que dependia unicamente da
confiança política do chefe de Estado, acabou por transformar o Presidente numa figura
subordinada e politicamente dependente do Governo. Não só porque quase todos os seus atos
careciam de referenda governamental, mas também porque a liderança política do regime era
exercida pelo PCM, que concentrava nas suas mãos todo o poder de iniciativa e decisão,
sobrepondo-se ao chefe de Estado, cuja sobrevivência acabava por depender da confiança
política do PCM.
Embora o caráter autocrático do regime retirasse alcance prático ao princípio da
fiscalização da constitucionalidade, a Constituição de 1933 manteve esse instituto, embora com
uma reserva: a inconstitucionalidade orgânica e formal dos diplomas mais importantes era
apreciada pela Assembleia Nacional.
E) Constituição de 1976
A Constituição de 1976 é uma Constituição de Estado social e democrático de Direito.
Consagrou, de forma pioneira, um extenso elenco de direitos fundamentais e direitos sociais,
ainda que a doutrina tradicional portuguesa e a jurisprudência constitucional tenham, na
prática, frustrado quase integralmente o alcance desta inovação. Sendo a primeira Constituição
portuguesa de regime político de democracia representativa, teve extremo cuidado com a
igualdade de participação política (pela primeira vez há sufrágio universal), a proporcionalidade
da representação (adoção do sistema eleitoral proporcional), o pluralismo e o papel
determinante dos partidos políticos.
Durante um período de transição previsto, que terminaria com a revisão constitucional
de 1982, verificou-se uma dualidade de legitimidade, de poder e de simbologia entre a
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1. SISTEMA DE GOVERNO
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Chefe de Estado não tem Presidente eleito por sufrágio popular, que pode exercer
i) poderes significativos, mas poderes políticos significativos.
apenas formais/simbólicos. (no presidencialismo exerce sempre)
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Podemos dizer que, na prática, o sistema funciona de forma muito diferente daquela que
foi imaginada pela Constituição ou que a margem de variação de funcionamento é muito
ou pouco ampla, mas isso é um outro problema. Se a Constituição cumpre a sua função, se
é normativa, então o sistema de governo só pode mudar após uma revisão constitucional
ou a aprovação de uma nova Constituição.
Por isso faz sentido debater-se se o sistema de governo mudou com uma revisão
constitucional, mas não faz sentido discutir-se se mudou com certas eleições ou com certo
ato do Presidente da República. Dizer que o sistema de governo mudou porque o
Presidente da República esteve adormecido nos últimos anos é um absurdo, e tão grave
seria afirmar que ontem o sistema foi parlamentar porque o PR tinha uma grande dor de
cabeça e não interveio politicamente, e que hoje, terminada a dor de cabeça, é presidencial,
porque o PR decidiu demitir o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Haverá sempre algum jornalista ou politólogo a dizer, com grande sucesso mediático, que
em política o que conta é a realidade, e que a Constituição não é aplicada. Mas tal não é
verdade, porque em Estado de Direito a Constituição é aplicada, e mesmo nos casos em
que a sua violação não tem sanção jurídica efetiva, há sempre sanção política que recai
sobre quem a desrespeita, e que é tão mais desqualificante quanto mais estabilizado estiver
o Estado de Direito e mais desenvolvida for a cultura política democrática.
E se é a realidade que define o sistema de governo, e a Constituição é letra morta e pode
ser manipulada pelos agentes políticos, qual o interesse em fazer revisões constitucionais?
A verdade é que, no plano da realidade, as circunstâncias mudam muito rapidamente. Hoje
um Governo é forte e tem um Primeiro-Ministro forte, mas amanhã ambos podem ser
fracos, porque houve eleições ou uma cisão no grupo parlamentar. Hoje, um Parlamento
não passa de uma câmara de eco do que diz o Governo, mas, amanhã, pode condicioná-lo,
obrigá-lo a passar legislação, demiti-lo. Em função dessas alterações, o mesmo sistema que
ontem era parlamentar amanhã pode ser semipresidencial… Como se pode definir um
sistema de governo com base numa realidade que pode mudar todos os dias, em função
de fatores conjunturais?
Uma análise comum dos sistemas de governo, da perspetiva política (ou da sua combinação
com a perspetiva jurídico-constitucional), passa pela introdução de um esquema de fases e
de ciclos de funcionamento prático do sistema ou de grelhas comparativas de poderes.
Assim, podia concluir-se que um sistema de governo (parlamentar, presidencial ou
semipresidencial), tem fases (fase parlamentar, fase presidencial ou fase semipresidencial)
de acordo com o peso que têm, em cada momento, Parlamento, Presidente e Governo. Um
sistema semipresidencial (no plano jurídico) podia estar numa fase parlamentar,
presidencial ou até semipresidencial (no plano da realidade prática). A comunicação deixa
de ser possível e a confusão invade o mundo jurídico, que se devia caracterizar pela
segurança e pelo rigor.
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eleição indireta. Refere-se a qualquer eleição em que os eleitores são chamados a votar
com o fim específico e imediato de escolher uma pessoa para o exercício de um cargo,
independentemente das particularidades procedimentais da eleição. É certo que a
legitimidade democrática é tanto mais forte quanto mais atual e imediata for, pelo que ela
estará indiscutivelmente presente numa eleição universal e direta. Mas, admite-se que
mesmo uma eleição formalmente indireta possa proporcionar uma igual legitimidade
democrática, desde que os eleitores votem com a intenção específica de escolher um
candidato e o seu voto tenha essa virtualidade.
A distinção é importante ao analisar a legitimidade democrática de Presidentes eleitos
indiretamente por um colégio eleitoral, mas com a particularidade dos elementos desse
colégio terem sido escolhidos através de eleição popular com o estrito e específico fim de,
por sua vez, designarem o titular do órgão a eleger de acordo com o sentido político da
escolha popular, como é o caso do Presidente dos Estados Unidos4.
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Ver página 66 – eleição do Presidente dos Estados Unidos
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2. PARLAMENTARISMO
> A chave para distinguir estes dois modos de funcionamento do parlamentarismo é o fator
responsabilidade política do Governo perante o Parlamento. Tudo residirá em saber se, à
partida e durante o seu mandato, o Governo dispõe de um apoio parlamentar sólido e
maioritário ou não.
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B) Parlamentarismo racionalizado
Através da engenharia constitucional, e sem pôr em causa a natureza parlamentar do
sistema, pode recorrer-se a mecanismos jurídico-constitucionais que atenuem artificialmente
os fatores mais inconvenientes e geradores de instabilidade num dado sistema parlamentar,
garantindo maior governabilidade. Assim, em oposição ao sistema parlamentar clássico, surge
o sistema parlamentar racionalizado. Alguns dos mecanismos de racionalização são:
Limites jurídicos à dissolução do Parlamento – como a prévia rejeição do programa de
Governo.
Moção de censura constitutiva ou positiva – Espanha e Alemanha – para que a aprovação
parlamentar de uma moção de censura possa resultar na demissão do Governo, exige-se
que o Parlamento, quando aprove essa moção, aprove simultaneamente um novo Primeiro
Ministro, Governo ou programa de Governo que substituam o demitido. Tal torna muito
difícil para o Parlamento demitir Governos, porque obriga as oposições a concordar num
candidato alternativo a Primeiro Ministro.
Possibilidade de um governo minoritário fazer excecionalmente aprovar leis fundamentais
e indispensáveis à governação, como a lei do orçamento, mesmo sem o aval das oposições
– França – tais leis serão consideradas aprovadas, mesmo sem os votos necessários, desde
que as oposições não demitam o Governo ou não apresentem uma alternativa ao mesmo.
Este mecanismo garante uma maior governabilidade, especialmente em sistemas que
tendem a resultar em governos minoritários (que o Parlamento não consegue substituir),
desprotegidos contra maiorias negativas pontuais que as oposições possam formar.
Atribuição de prémios de maioria à lista mais votada – Grécia – atribuição de um número
extra de Deputados à lista mais votada, para que alcance maioria absoluta, ou se aproxime
dela, garantindo maior governabilidade.
Diminuição da magnitude dos círculos eleitorais – que faz reduzir a proporcionalidade e a
possibilidade de eleição dos partidos mais pequenos, facilitando a construção de maiorias.
Fixação de barreiras eleitorais – Alemanha – exigência de obtenção de uma percentagem
mínima a nível nacional para se poder ter representação parlamentar.
O sucesso destes mecanismos de racionalização tem levado a que, por vezes, se tirem
conclusões opostas a esse facto. Assim, há quem alegue que “como na Alemanha raramente
há apresentação de moções de censura então a moção de censura constitutiva não tem
utilidade”. Todavia, a conclusão devia ser a contrária, pois existência destes mecanismos
constitui, na verdade, um importante dissuasor. Quando se sabe que a aprovação da moção de
censura contém aquele requisito de exigência agravada, o efeito político e mediático de
anunciar essa moção, condenada ao fracasso, esvai-se.
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3. PRESIDENCIALISMO
5
Ver páginas 57-58 – princípio da legitimidade democrática do Presidente dos Estados Unidos
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Ver página 62 – equilíbrio por separação (presidencialismo) e equilíbrio por integração (parlamentarismo)
7
Ver páginas 14-15 – precocidade americana na instauração da justiça constitucional
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o maior risco do sistema presidencial é o de oposição frontal entre Presidente e Congresso, que
leve a bloqueios geradores de ingovernabilidades. Por essa razão, o sistema deve comportar
mecanismos de resolução de conflitos, de superação dos bloqueios. Mas os mecanismos
normalmente utilizados – demissão do executivo ou dissolução do Parlamento – são
incompatíveis com o presidencialismo. É necessário recorrer ao compromisso e à cedência,
como acontecia nos Estados Unidos.
Todavia, esta forma de resolução de conflitos, que perdurou nos EUA até
recentemente, é inviável na Europa, dada a diferente natureza dos partidos políticos e da vida
política norte-americanos quando comparados com o sistema partidário e a política europeia.
Europa: os partidos constituem-se como forças de combate, disciplinados, unidos em torno
de objetivos opostos, agregados por décadas de tradição, interesses de classe, história
própria, afinidades religiosas e especificidades linguísticas e regionais, não sendo fácil
resolver conflitos entre partidos através da cedência. Cada vez que houvesse, num eventual
sistema presidencial, uma dissonância entre as maiorias parlamentar e presidencial, o mais
provável seria um bloqueio que durasse até ao termo da legislatura ou mandato.
EUA: tem (tinha) sido impedida uma eventual oposição frontal e sistemática entre
Congresso e Presidente porque:
o A direção nacional dos partidos não impõe um funcionamento em bloco aos
congressistas, ou seja, não há disciplina partidária. Assim, os congressistas exercem o
mandato com enorme autonomia do partido, ainda que a prejuízo de essa vagatura de
influência sobre eles seja preenchida, entre eleições, por lobbies. Tal reduz a atividade
partidária a períodos de campanha eleitoral, sendo os partidos autênticas máquinas de
apoio a candidaturas, mantidas em hibernação até às eleições seguintes.
o Não há uma demarcação ideológica clara, estável e previsível entre os dois principais
partidos que não permita resolver disputas programáticas. Assim, as maiorias no
Congresso dependem menos da vontade dos partidos e mais da vontade individual de
cada Congressista, não havendo tendência para o bloqueio do sistema.
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C) Presidencialismo adaptado
O sistema de governo norte-americano é um modelo puro e perfeito de
presidencialismo (visto que é um produto da teoria política, concebido propositadamente para
os EUA). Contudo, na transplantação desse sistema para outros contextos, com adaptações às
realidades concretas de cada país, num modelo de presidencialismo adaptado, torna-se
bastante mais difícil conceber um sistema tão estável como o norte-americano. Como foi
explicado, foram mesmo fracassadas todas as tentativas (em democracia) de sistema
presidencial na Europa. Já nos países da América Latina o sucesso é maior, ainda que com
grandes riscos de disfuncionalidade e extrema dificuldade de adaptação.
Nestes países, havendo consonância entre Presidente e Congresso, o sistema funciona de
forma imperfeita, já que essa consonância em democracias não consolidadas estimula a
concentração de poderes e o risco de um exercício autoritário dos mesmos pelo Presidente.
Assim, o Parlamento tende a deixar de funcionar como um contrapeso e o poder judicial
independente fica progressivamente constrangido no exercício das suas funções.
Por outro lado, não havendo consonância entre os dois órgãos, qualquer divergência pode
conduzir a bloqueios institucionais, a permanente e sistemático confronto. Tal leva a que,
em contextos como o dos países da América Latina, de ausência de regimes democráticos
estabilizados e de profundas clivagens políticas e sociais, com fragmentação parlamentar,
e em que os executivos não dispõem de apoio maioritário sólido do Congresso, uma via de
adaptação do presidencialismo seja recorrer à constituição de Governos de aliança
multipartidária.
A formação destes executivos de coligação, muitas vezes formados por vias ilegítimas
(como a corrupção de congressistas da oposição, através da compra de apoios pontuais ou
sistemáticos para o garantir a viabilidade ao executivo), é depois pretexto para a instituição
do compadrio e dos negócios partidários não sustentados em diferenças ideológicas, como
seria exigível em democracia. A existência de coligações deste tipo, eventualmente muito
amplas e constituídas sem critério transparente e previsível pelo cidadão, no momento da
escolha eleitoral, funciona como pretexto para a desresponsabilização, impossibilitando o
eleitorado de dar uso a um voto retributivo.
Até aos anos 80 do século XX, uma via de resolução de bloqueios e crises políticas em países
da América Latina foi a dos interregnos autocráticos ou dos golpes de Estado que
instauravam ditaduras militares que só na aparência podem ser consideradas sistemas de
governo presidencial. A partir dos anos 80 surgiu, como forma de resolução desses mesmos
bloqueios e crises políticas, com grande repercussão, o impeachment como mecanismo de
responsabilização política.
O funcionamento do presidencialismo num quadro como o da América Latina,
insuficientemente institucionalizado e caracterizado pela fragmentação, incipiência,
regionalismo, instabilidade e inconsistência ideológica, afigura-se muito arriscado. Estas
experiências contrastam com a norte-americana, definida por uma Constituição
impenetrável, onde não existem bloqueios e o sistema funciona de forma estável. O sistema
parlamentar de assembleia seria, porventura, o modelo ideal de sistema de governo neste
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4. IMPEACHMENT PRESIDENCIAL
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O facto de não ser atribuída a última palavra sobre o destino político do acusado ao
Supremo Tribunal em processo de judicial review pode ser deduzido dos seguintes elementos:
Sentido literal da Constituição, que diz que a Câmara dos Representantes tem o “sole
power” de acusar e que o Senado tem o “sole power” de julgar.
O facto de os juízes do Supremo Tribunal, que fariam a eventual judicial review, serem
nomeados pelo Presidente e serem um número reduzido, o que os deixa mais sujeitos
a pressões políticas.
Se a decisão final sobre a destituição do Presidente fosse do Supremo Tribunal, esse
órgão estaria encarregue de decidir dois processos previstos constitucionalmente como
autónomos, o impeachment e um eventual processo criminal.
Seria irracional deixar decorrer um dramático, moroso e complexo processo de
impeachment que poderia vir a ser anulado pelo Supremo Tribunal. E nesse caso, o
Presidente manter-se-ia em funções numa posição politicamente insustentável.
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Mesmo aderindo a esta conceção, dominante, segundo a qual não há judicial review, o
processo de impeachment nos EUA é regulado juridicamente pela Constituição. O facto de a
presidência do processo de condenação ser do Juiz-Presidente do Supremo Tribunal reforça
esta ideia de sujeição do processo à legalidade. Portanto, mesmo que a decisão do Congresso
não seja sujeita a controlo judicial, a esse órgão são aplicáveis as disposições constitucionais,
nomeadamente o respeito pelo fundamento de impeachment “treason, bribery and other high
crimes and misdemeanors”. E por mais indefinida que seja essa norma, não são admissíveis
discordância ou desconfiança política como fundamentos da destituição.
A fórmula “high crimes and misdemeanors” gera algumas dúvidas sobre os
fundamentos que justificam o recurso ao impeachment.
Sabemos que a desconfiança ou discordância políticas não podem ser fundamentos.
Também se pode concluir que os atos incluídos em “high crimes and misdemeanors”
têm de ser tão ou mais graves que “treason and bribery”.
Exige-se que o que esteja em causa seja um delito contra o Estado e a sociedade,
revelador da falta de integridade ou inaptidão, necessárias ao exercício da função
presidencial. O objetivo do impeachment não é a punição, mas a proteção da sociedade
e do Estado de um risco da permanência em funções do Presidente.
É necessário que os atos apreciados pelo Congresso sejam tão graves e inadmissíveis ao
ponto de ser necessária uma destituição do Presidente antes do próximo ato eleitoral.
A avaliação da gravidade do ato e do risco da permanência em funções do Presidente
devem sustentar-se num consenso social expresso numa maioria de dois terços do
Senado.
A existência de um crime não é condição suficiente para a abertura do processo. Uma
infração que que nada revele sobre a eventual inaptidão do Presidente não deve ser
objeto de acusação. Não faria sentido um Presidente ser sujeito a um processo de
impeachment por conduzir em excesso de velocidade. Por outro lado, a prática de um
crime também não é condição necessária para que um Presidente pode ser removido
do cargo. Por exemplo, se foi de férias enquanto o país se deparava com graves
incêndios florestais, o Presidente não cometeu um crime, mas deve ser destituído.
Tendo havido uma rejeição da admissibilidade dos bill of attainder na Constituição,
pode concluir-se que o impeachment não aceita qualquer retroatividade da norma
sancionatória. Assim, o procedimento deve incidir sobre um delito que qualquer pessoa
razoável pudesse ter percebido ser abusivo ou inadmissível.
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5. SEMIPRESIDENCIALISMO: TEORIA
A) Origens
Com o objetivo de superação dos defeitos estruturais do parlamentarismo de
assembleia, de tipo francês, ou continental (cuja instabilidade se atribui ao excessivo poder das
assembleias parlamentares) surgiram, nos períodos de reconstrução que se seguiram às duas
guerras mundiais, diferentes tentativas de racionalização dos sistemas de governo.
Numa primeira estratégia, mecanismos de racionalização8 como a moção de censura
positiva (consagrada nas Constituições alemã de 1949 e espanhola de 1978) vieram trazer
mais estabilidade e governabilidade aos quadros parlamentares. Uma segunda orientação
pretende revalorizar o órgão chefe de Estado, através da sua eleição popular.
A inovação “chefe de Estado eleito por sufrágio popular” veio pôr em causa a dicotomia
clássica “Presidentes eleitos na América, chefes de Estado representativos e não eleitos na
Europa”, adquirindo uma enorme importância na história da evolução dos sistemas de
governo da europa do séc. XX. Recuperou-se, de algum modo, a tradição dualista das
monarquias orleanistas do século XIX, agora adaptadas à forma republicana de governo e
colhendo a legitimidade democrática do outro lado do Atlântico, que permite ao Presidente
exercer poderes significativos. O PR surge então como um terceiro novo polo de poder
democrático que veio acautelar os perigos das concentrações de poder dos
parlamentarismos, sejam de Gabinete ou de Assembleia.
Quando comparada com a outra estratégia de racionalização do sistema parlamentar, esta
era muito mais controversa, pois a esquerda era, tradicionalmente, muito mais reativa a
qualquer hipótese de reforço dos poderes presidenciais. A memória da II República
Francesa (de Napoleão Bonaparte) tinha ensinado à Europa que um Presidente eleito
diretamente rapidamente podia transformar-se num imperador. Em contraponto, a direita
tinha uma aversão histórica à concentração de poder nas assembleias parlamentares,
favorecendo propostas de reforço dos executivos. Assim, a eleição direta dos Presidentes
foi progressivamente adotada na Europa por partidos de direita ou conservadores, com a
oposição dos setores de esquerda.
Este processo refletiu-se em várias experiências constitucionais, como a Constituição alemã
de Weimar de 1919, a finlandesa de 1919 (primeiramente a eleição do PR era por colégio
eleitoral, e só mais tarde substituída por eleição direta), a austríaca de 1929 e a francesa de
1958-62, e encontrou acolhimento nas várias vagas de democratização da segunda metade
do século XX. Se, em 1950, havia na Europa apenas três Presidentes eleitos, em 2000 já
havia vinte.
8
Ver página 65 – mecanismos de racionalização do parlamentarismo
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Como dizia DUVERGER, a reforma constitucional de 1962 não veio dar mais poderes ao
Presidente da República, mas veio dar-lhe poder. A mudança na eleição do Presidente
francês alterou o sistema de governo de um parlamentarismo racionalizado para um
sistema a que se pode chamar, ainda que com a objeção da maioria dos autores franceses,
de semipresidencialismo.
9
Ver páginas 56-58 – princípio da legitimidade democrática na interpretação constitucional
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C) A autonomia do semipresidencialismo
Cabe agora justificar a autonomia do semipresidencialismo, isto é, o porquê de o
considerar um novo sistema de governo, ao lado dos dois sistemas clássicos, o parlamentar e
o presidencial. A recusa em reconhecer um novo sistema é claramente desmentida por uma
realidade com mais de meio século de existência: o sistema de governo da V República francesa
não se confunde nem com o sistema parlamentar, nem com o sistema presidencial. Para os
que identificavam o sistema francês como presidencial, os três períodos de coabitação
entretanto ocorridos deveriam ter sido suficientes para comprovar o erro.
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Ver páginas 54-55 – é a Constituição que determina o sistema de governo
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D) Expansão territorial
O semipresidencialismo desenvolveu-se, numa primeira fase, na primeira metade do
século XX, na República de Weimar (1919), na Finlândia (1919), na Áustria (1929), na Irlanda
(1937) e na Islândia (1944). À exceção da Finlândia, que teve um desenvolvimento particular11,
todas as outras experiências têm em comum, hoje, o facto de seu Presidente da República estar
apagado, tornando o funcionamento do seu sistema de governo quase indistinto do
funcionamento dos sistemas parlamentares. Não fossem os desenvolvimentos posteriores,
como os estudos de DUVERGER sobre o semipresidencialismo francês, só por estas
experiências não se justificaria mobilizar todo um arsenal doutrinário de estudo de um novo
sistema de governo.
A experiência semipresidencial da V República francesa (1958/1962) não era
confundível nem com o sistema parlamentar, nem com o sistema presidencial. Se inicialmente
a presença dominante dos vários Presidentes da República ainda justificava a doutrina
negacionista que considerava o sistema francês um presidencialismo, a partir da primeira
coabitação, em 1968, mesmo os mais céticos autores franceses foram obrigados a reconhecer
o evidente: o sistema francês não se enquadrava num dos dois sistemas de governo clássicos.
Ainda assim, as experiências existentes não eram suficientes para que se reconhecesse a
autonomia do terceiro sistema de governo. O semipresidencialismo seria algo de
especificamente francês, a que se deveria juntar, quando muito, a experiência relativamente
marginal da Finlândia.
Em 1976, a experiência portuguesa vem garantir um novo fôlego ao
semipresidencialismo. A III República portuguesa é interessante pelo seu inegável sucesso
político. Num país sem tradição democrática, saído de um longo período de ditadura, através
de um processo revolucionário desencadeado por um golpe militar, com um sistema partidário
em formação, num contexto de grandes dificuldades económicas, os mais de 40 anos de
semipresidencialismo demonstram a adequação da escolha feita pela Constituição de 1976.
Quando se avalia a aptidão do semipresidencialismo em Portugal, com um sistema partidário
típico da Europa do Sul, o termo de comparação só pode ser o sistema parlamentar (dada a
inviabilidade do sistema presencial12). Nas condições pós-revolucionárias da época, o sistema
parlamentar não podia ter proporcionado condições de integração, representação,
estabilidade e governabilidade que o semipresidencialismo conseguiu assegurar, seja no
período de transição, com presença dos militares no poder político, seja nas frequentes
situações de ausência de uma maioria parlamentar absoluta, ou até em situações de maioria
absoluta, em que o contrapoder do Presidente, inerente ao semipresidencialismo, veio trazer
equilíbrio e moderação.
11
Ver páginas 115-116 – sistema de governo finlandês
12
Ver páginas 67-68 – dificuldades de exportação do presidencialismo
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acaso que sucessivas vagas de países europeus que chegaram à democracia após períodos
prolongados de ditadura vieram posteriormente a seguir o percurso trilhado pela democracia
portuguesa em 1976. Aquilo que o semipresidencialismo promete a este tipo de sociedades
saídas de longos períodos de ditadura é a expectativa de algo tão velho quanto o próprio Estado
de Direito: separação de poderes e equilíbrio.
Tanto o sistema presidencial como o parlamentar são, para os novos países democráticos,
uma aposta arriscada, no depositar unilateral de expectativas numa única fonte de poder,
seja o Presidente, seja o binómio Parlamento/Governo. Como não ter em conta os perigos
da tendencial concentração de poderes ou da instabilidade governativa, ambos igualmente
ameaçadores para a sobrevivência do novo regime democrático?
Quase que intuitivamente, as novas democracias orientam-se para a separação e
interdependência de poderes, moderação e equilíbrio de não colocar todas as esperanças
num único centro de poder efetivo. A dupla eleição (e consequente legitimidade
democrática) repartida entre Presidente e Parlamento surgem como uma opção de bom
senso, tanto mais quando a debilidade e fragmentação do novo sistema partidário privam
o Parlamento de um exercício do poder com uma legitimação indiscutível e de se constituir
como exclusiva referência política de unidade nacional. Quando se compensam essas
deficiências através da sagração democrática do Presidente da República, mas se previnem
os riscos de um autoritarismo pessoal, é o caminho ao semipresidencialismo.
Mas a criação de um novo centro de poder em semipresidencialismo, quando comparado
com os sistemas clássicos, se bem que proporciona mais divisão e equilíbrio de poderes,
acarreta também um risco desconhecido pelos outros sistemas: o risco de conflito entre PR
e PM na liderança do executivo. Algumas experiências nas novas democracias surgidas com
a desagregação do bloco soviético podem ilustrar estes riscos. Numa democracia não
perfeitamente estabilizada, os conflitos entre esses dois centros de poder executivo
estimulam os perigos de bloqueio institucional, ou, alternativamente, de centralização
tendencialmente autoritária num desses polos, normalmente o Presidente.
De qualquer forma, as alternativas não abundam: ou se aposta no parlamentarismo, ou no
semipresidencialismo. Numa sociedade de transição, normalmente envolvida em grandes
dificuldades económicas, o risco de instabilidade política e de desagregação social apela à
criação de um executivo forte, de uma liderança individual que possa funcionar como
referência nacional do novo regime democrático, incluindo na representação do país na
cena internacional. Porém, nessa altura, o reforço unilateral da posição política do
Presidente proporciona a emergência de conflitos entre as duas instituições, ambas
igualmente legitimadas numa eleição popular. Ainda assim, há uma diferença substancial.
A criação de um novo polo de poder democraticamente legitimado por uma eleição
popular, o Presidente, conduz necessariamente ao presidencialismo ou ao
semipresidencialismo.
Enquanto para superar um conflito institucional entre Presidente e
PM/Governo/Parlamento, o presidencialismo não tem qualquer válvula de segurança, o
semipresidencialismo é bastante mais flexível, assegurando mecanismos institucionais
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E) Definição
Para REIS NOVAIS, semipresidencialismo é o sistema de governo de democracia
representativa que reúne as seguintes características:
i) Presidente eleito por sufrágio popular que pode exercer poderes constitucionais
significativos;
ii) Governo politicamente responsável perante o Parlamento.
13
Ver página 53, ponto 3 – circularidade de raciocínio na fixação dos critérios de uma tipologia de sistemas de
governo
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Por isso, alguns autores, como ELGIE, propõem a exclusão da ideia de “poderes
significativos” da definição de semipresidencialismo, considerando que não era possível
chegar a conclusões objetivamente comprovadas e partilháveis a propósito do alcance dos
poderes do Presidente, ficando em causa a viabilidade científica da classificação. Da mesma
forma, propõem também a inclusão no semipresidencialismo de quaisquer países onde os
elementos formais da definição estejam presentes, seja o regime político democrático ou não.
Assim, para ELGIE, semipresidencialismo seria o sistema de governo em que (i) o Presidente
é eleito pelo Povo para um mandato pré-estabelecido e (ii) o Governo e o Primeiro-Ministro
são responsáveis perante o Parlamento.
Embora admissível, prefere-se a definição apresentada, porque faz ressaltar a diferença
específica material que separa semipresidencialismo de parlamentarismo: a possibilidade
constitucional que o PR tem de desempenhar um papel político relevante, se o quiser. Foi
esta diferença substancial, centrada no papel político real do PR, que fez nascer a
necessidade de autonomização científica de um terceiro sistema de governo. A diferente
forma de eleição seria insuficiente, por si só, para provocar esse apelo, como se via, aliás,
pela indiferença científica que mereceram as experiências irlandesa, islandesa e austríaca.
Logo é adequado que o elemento “Presidente que exerce poderes significativos”, capital
para a diferenciação do sistema parlamentar, figure na definição de semipresidencialismo.
Em teoria, poderíamos conceber um Presidente da República eleito por sufrágio popular a
quem a Constituição não atribuísse quaisquer poderes. Faria sentido qualificar esse sistema
como semipresidencial?
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6. SEMIPRESIDENCIALISMO: CARACTERIZAÇÃO
Ainda que variem muito em cada experiência constitucional, podem destacar-se alguns
poderes presidenciais típicos:
Poderes de intervenção pontual, ainda que no seu conjunto deem consistência política
ao Presidente da República:
o Representação interna e externa do Estado.
o Nomeação do PM e do Governo, com maior ou menor influência e participação
do PR na formação, composição e funcionamento desse órgão.
o Demissão do PM e do Governo.
o Nomeação de titulares de altos cargos do Estado, civis e militares.
o Promulgação e veto de atos legislativos e regulamentares.
o Ratificação e negociação de convenções internacionais.
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Na análise destes poderes, várias circunstâncias podem levar a uma avaliação distorcida
do peso efetivo do Presidente.
Não basta dizer que o Presidente tem certo poder sem ter em conta a margem efetiva
de decisão que tem o PR no seu exercício – uma coisa é o Presidente poder dissolver o
Parlamento livre e autonomamente; outra, é só o poder fazer se antes o Parlamento
tiver inviabilizado a formação de um governo.
Não basta assinalar a presença de um poder, sendo necessário perceber o alcance
efetivo desse poder – uma coisa é o Presidente poder vetar uma lei que de seguida
pode ser confirmada pelo órgão que a aprovou, sendo o PR obrigado a promulgar;
outra, é a seguir ao veto o Parlamento só poder obrigar o PR a promulgar a lei caso
reúna maioria qualificada de dois terços dos Deputados.
É um erro não distinguir entre eficácia, alcance e consequências políticas dos vários
poderes presidenciais não dando a devida relevância à presença ou ausência do mais
decisivo dos poderes do PR em semipresidencialismo: poder de dissolução do
Parlamento (que potencia os restantes poderes).
Além do critério dos poderes do PR, outro critério que pode avaliar a relevância política do PR em
semipresidencialismo é o da importância das várias eleições num dado sistema político. Se o PR desempenha
poderes significativos, a sua eleição é disputada, discutida e preparada com antecedência, convoca o
empenhamento militante dos partidos políticos e a atenção dos círculos mediáticos, e é mobilizadora do
eleitorado. Por essa razão, em parlamentarismo as eleições são as eleições parlamentares (aliás, só há essas),
enquanto em presidencialismo as eleições são as eleições presidenciais (embora haja outras). Já em
semipresidencialismo as eleições parlamentares e as presidenciais têm idêntico interesse e importância. Apenas
pontualmente este critério falha, como acontece nos casos da matriz austríaca (em que o Presidente, tendo
poderes significativos, não os exerce), ou por razões de conjuntura (por exemplo quando há a expectativa segura
de que o candidato incumbente irá ser reeleito).
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Foi por não terem consciência da importância do poder presidencial de dissolução que
os autores da revisão constitucional de 1982 falharam, marcando decisivamente o sentido da
evolução e institucionalização do nosso sistema de governo. Inicialmente tendo uma clara
intenção de depreciar o estatuto constitucional do Presidente da República, PS e PSD (que à
altura se encontravam em conflito com o Presidente Ramalho Eanes) acabaram por reforçar
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involuntariamente os seus poderes do PR, ampliando o seu poder mais decisivo, o poder de
dissolução da AR, e cortando onde não doía: no poder de demissão do Governo14.
JRN: é absurda a desconsideração da especial relevância do poder presidencial de dissolução nas análises
mais recentes que procedem a estudos comparativos dos poderes dos Presidentes de semipresidencialismo.
Mesmo os autores mais reconhecidos internacionalmente neste domínio atribuem o mesmo peso relativo a
qualquer um dos outros poderes, como o poder de veto, de forma completamente injustificada. Em geral, a
metodologia da moda na ciência política é atribuir uma cotação quantificada a cada um dos poderes de que os
Presidentes dispõem, constitucionais e fáticos, independentemente da maior ou menor relevância relativa do
poder em causa, pois, supõe-se, essa diferenciação significaria a introdução de fatores subjetivistas. Atribuída a
cotação parcelar naqueles termos, depois, é somar as cotações atribuídas e proceder ao ranking dos
semipresidencialismos consoante a cotação média ou total obtida. Porém, na avaliação comparativa dos poderes,
estes autores equiparam, em absoluto, o poder de dissolução e a sua força dissuasora ou a um poder convencional.
Como cada Presidente possui um poder, seja de dissolução, seja convencional, é atribuído um ponto a cada
Presidente. Este método distorce significativamente os resultados da avaliação relativa dos vários
semipresidencialismos a que se pretende proceder a partir da comparação dos poderes presidenciais.
14
Ver Parte III / Cap. 3 / Ponto C) – impacto da revisão constitucional de 1982 nos poderes e estatuto constitucional
do Presidente da República
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C) O equilíbrio no semipresidencialismo
O equilíbrio é um objetivo de qualquer sistema de governo15:
Em sistema parlamentar, o Parlamento pode demitir o Governo e o Governo pode fazer
dissolver o parlamento. Há um equilíbrio por integração.
Em sistema presidencial, nem o Parlamento pode dissolver o executivo, nem o executivo
pode dissolver o Parlamento. Há um equilíbrio por separação.
15
Ver página 62 – equilíbrio nos sistemas de governo clássicos
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instabilidade e ingovernabilidade provocadas por essa situação – são comuns aos sistemas
parlamentar e semipresidencial, não a razão nenhuma para que não sejam adotados no
segundo, como já acontece na Polónia.
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funcionamento prático das várias modalidades deste sistema de governo, podendo distinguir-
se vários fatores conjunturais, aleatórios e não inteiramente previsíveis, que condicionam o
funcionamento do sistema semipresidencial, independentemente do enquadramento
constitucional.
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fazem pressão a uma maior intervenção presidencial. Há, pois, uma relação entre maioria
parlamentar absoluta e margem de atuação presidencial (salvo certas exceções), que é
particularmente notória nos dois principais poderes presidenciais:
Nomeação do Governo – não é um poder meramente formal, mas sim efetivo, pois é o
PR quem escolhe e nomeia o PM. Ainda assim, o Presidente tem que necessariamente
atender, em primeiro lugar, à composição política do Parlamento. Se o PM escolhido não
reúne o acordo da maioria parlamentar, o Governo é imediatamente derrubado ou nem
chega a entrar em funções, visto que o Governo depende politicamente do Parlamento.
Em situações de maioria absoluta, a margem de intervenção do PR é quase nula. O
Presidente só tem uma opção: nomear quem lhe for indicado por essa maioria. Mas se
nenhum partido ou coligação detém uma maioria, a margem de intervenção do PR
aumenta automaticamente: o Presidente tem de ponderar as várias hipóteses e ouvir a
opinião dos vários partidos acerca de quem deve ser nomeado Primeiro-Ministro. Em
certas situações, pode fazer escolhas realmente significativas. Assim, a margem de ação
do PR aumentou imediatamente pela inexistência de uma maioria parlamentar absoluta.
Em sistema parlamentar ou semipresidencial deve ser nomeado Primeiro-Ministro o líder do partido mais
votado? Para REIS NOVAIS, não. Em primeiro lugar, o importante para a nomeação do Governo não é ser
o mais votado, mas sim ter mais deputados no Parlamento. O Governo não responde diretamente perante
os eleitores, mas sim perante o Parlamento, e é do Parlamento que depende a nomeação, entrada em
funções e subsistência do Governo. Além disso, em certos sistemas eleitorais, um partido pode obter a
maioria dos deputados e não ser o mais votado. Em segundo lugar, essa opinião pressupõe que o partido
mais votado quer propor como PM o seu líder. Mas não tem de suceder sempre assim, como já aconteceu
em França. Em terceiro lugar, se o partido mais votado não tem maioria absoluta no Parlamento, a
situação complica-se, sendo chamado o Presidente da República a intervir.
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7. SEMIPRESIDENCIALISMO: MATRIZES
A) As matrizes do semipresidencialismo
Os sistemas de governo apresentam padrões de funcionamento prático
significativamente distintos, em função dos contextos e da presença de circunstâncias de
natureza aleatória, conjuntural, não inteiramente previsíveis. Enquanto nos sistemas clássicos
a variedade de possíveis modalidades de funcionamento prático é relativamente limitada (duas
modalidades para cada), a enorme complexidade do semipresidencialismo16 confere-lhe um
espectro de possíveis modalidades de funcionamento muito mais amplo. Assim, podemos
elencar várias experiências de semipresidencialismo que, por um lado, apresentam um quadro
constitucional muito semelhante (já que qualquer sistema de governo é definido
constitucionalmente), mas por outro, um funcionamento prático muito diferente.
Note-se que, quando se fala em padrão de funcionamento, nele se integra a
inevitabilidade de, dentro desse mesmo quadro, se verificarem variações de relacionamento
político e institucional entre os órgãos que exercem poder político, próprias e específicas de
cada padrão e que conferem, por isso mesmo, a cada um deles, uma identidade.
Mesmo tendo em conta que: (i) a Constituição não impõe nem limita as possibilidades
de funcionamento prático, ou seja, há uma neutralidade/indiferença constitucional; e (ii) a
especificidade do funcionamento prático dos vários semipresidencialismos é essencialmente
determinada pelas eventuais variações que envolvam o órgão Presidente da República, como
o seu perfil psicológico, o mandato que se propõe a desempenhar e a leitura que faz dos
poderes constitucionais; verifica-se que, na prática, cada uma das várias experiências funciona
de forma estável e relativamente previsível. A Constituição austríaca não impõe que o
Presidente tenha um perfil cerimonial, assim como não proíbe que seja interventivo, mas a
verdade é que esse perfil cerimonial se mantém ao longo do tempo…
Não obstante, pode o PR, em semipresidencialismo, afastar-se do padrão dos seus
antecessores e introduzir um novo curso de funcionamento das instituições?
Sem dúvida, a Constituição permite. Um Presidente eleito democraticamente tem a
legitimidade democrática que lhe permite o exercício efetivo (ou o não exercício) de todos
os poderes que a Constituição lhe atribui. Aliás, na eventualidade de o PR pretender infletir
o curso anterior, ele deve pré-anunciar essa sua intenção de mudança ao eleitorado e vê-
la sufragada na vitória eleitoral obtida, conferindo maior legitimidade à nova orientação
que pretenda imprimir ao mandato do PR.
Apesar dessa possibilidade ser possível, ela não se concretiza, mantendo-se praticamente
inalterado o padrão de funcionamento ao longo dos anos, após um período inicial de
estabilização e de consolidação do sistema de governo. Caso se concretizasse, o risco e a
responsabilidade recairiam sobre quem alterasse o padrão, o que é difícil e improvável, mas
possível.
16
Ver páginas 103-106 – amplo espectro de modalidades de funcionamento prático do semipresidencialismo
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governo é praticamente total por parte do PR francês. Por outro lado, quando tem de
disputar o poder com um PM adverso, apoiado por uma outra maioria parlamentar, vê-se
limitado por um contrapoder – há uma situação de coabitação.
A bicefalia do executivo é um traço característico do semipresidencialismo francês, caindo
alguns autores no erro de a considerar uma característica do semipresidencialismo. Reduzir
o esse sistema de governo aos sistemas em que há uma diarquia de executivo, seria
restringi-lo ao sistema francês. O sistema português, por exemplo, seria deixado sem-
abrigo. Assim, a bicefalia do executivo não é característica do semipresidencialismo, mas
da matriz francesa de semipresidencialismo.
A prática portuguesa, reiterada ao longo de quarenta anos, confirma: em Portugal quem
governa é o Governo e só ele. O PR desempenha importantes poderes, modera, arbitra,
intervém politicamente, por vezes de forma decisiva, pode opor-se pontualmente a certas
medidas do Governo ou à nomeação de altos funcionários, mas quem conduz, executa e se
responsabiliza pela política do país é única e exclusivamente o Governo, liderado com plena
autonomia pelo PM.
Esta clara contraposição entre as matrizes francesa e portuguesa do semipresidencialismo
no domínio da estruturação dos poderes e funções executivas não é resultado direto de
uma diferente configuração constitucional do estatuto e dos poderes presidenciais, mas é
produto da prática institucionalizada da vida política dos dois países.
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Por essas razões, cria-se uma confusão entre a matriz austríaca do sistema
semipresidencial e o sistema parlamentar, que são, todavia, distintos.
Alguns autores designam a matriz austríaca do semipresidencialismo como matriz
parlamentarizada do semipresidencialismo. DUVERGER designava Áustria, Irlanda e Islândia
de semipresidencialismos aparentes ou simbólicos, isto é, países com Constituições
semipresidenciais, mas que praticam efetivamente o parlamentarismo. Outros autores
integram mesmo estas experiências no parlamentarismo, considerando que os sistemas em
causa entraram num estádio de não retorno, ou seja, mesmo que os PRs quisessem alterar
o estado de coisas em que se encontram, já não o conseguiriam fazer. O erro destas
conceções é a já explicada confusão entre os conceitos de sistema de governo e de
funcionamento do sistema de governo17.
Podia até defender-se que, chegando-se à conclusão que se criara, num dado país, a
convicção generalizada da existência de uma imposição normativa, embora não escrita, que
impediria definitivamente o PR de desempenhar um papel relevante, então esse sistema
seria, nos planos prático e jurídico, parlamentar.
Mas o sistema de governo destes países distingue-se do sistema parlamentar: a partir do
momento em que um PR tem uma legitimidade democrática plena, ele pode exercer
poderes políticos significativos, sem que a Constituição seja invocada contra ele. Assim, o
turning point está sempre lá, até uma eventual revisão constitucional. Numa situação de
exceção, de crise, de bloqueio dos outros dois órgãos, o PR pode sempre invocar a
legitimidade democrática que possui para desenvolver, temporária ou continuadamente,
uma intervenção política significativa, direta e autónoma; e para tanto, não seria necessário
proceder a uma prévia revisão constitucional. O sistema é, por isso, semipresidencial.
Assim, há um apagamento voluntário ou uma neutralização do PR, pelo menos em períodos
de normalidade constitucional. Ora, atentando à estabilidade política que se vive, não faria
sentido que a intervenção do PR se alterasse, mesmo invocando legitimidade democrática,
sob risco de introduzir incerteza e perturbação num quadro perfeitamente estável,
consolidado e consensual.
No caso da Áustria, o Presidente tem de ser eleito por maioria absoluta, o que lhe
garante a legitimidade democrática necessária para exercer poderes relevantes que a
Constituição lhe atribui. A doutrina assinala até alguma flutuação relativamente à intervenção
política do PR austríaco, que tem alguma margem de intervenção no poder de nomeação dos
governos, sobretudo quando não é evidente uma solução governativa, tendo em conta a
composição do Parlamento; na manutenção e estabilização de coligações de governo; e na
nomeação de altos cargos. De facto, alguns Presidentes recentemente eleitos têm pré-
17
Ver páginas 84-86 – Áustria como verdadeiro semipresidencialismo
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anunciado, na campanha eleitoral, que se dispunham a um exercício mais ativo dos seus
poderes presidenciais. Estes sinais confirmam a ideia de que a possibilidade de inflexão no
curso do perfil presidencial existe.
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D) Finlândia
O mais velho semipresidencialismo vivo, que durante muitos anos praticou o
semipresidencialismo, procedeu a alterações constitucionais que tornam incerto o sentido da
evolução seu do sistema de governo.
O Presidente finlandês, que pode exercer poderes significativos, começou por ser eleito
indiretamente, por um colégio eleitoral, mas, após duas revisões constitucionais, passou a
ser eleito diretamente a duas voltas, por maioria absoluta.
A Constituição finlandesa, mesmo após a reduções nos poderes presidenciais, institui uma
bicefalia do executivo parcelar, na medida em que atribui grandes poderes ao PR em duas
áreas fundamentais da política finlandesa: o PR é corresponsável pela condução da política
externa, domínio particularmente importante na medida em que tinha de lidar com o
poderoso vizinho soviético; e, após vários mandatos do Presidente Kekkonen, o órgão PR
adquiriu uma posição de grande relevo na formação e nomeação dos governos, num
contexto de fragmentação partidária após eleições inconclusivas, e de necessidade de
recorrer a coligações parlamentares multipartidárias, que deveriam contar com o aval ou
iniciativa presidencial. O facto de não haver limite temporal à reeleição do PR e de
dificilmente se formarem Governos maioritários (no cenário de fragmentação partidária)
reforçava ainda mais a estabilidade e continuidade dos seus mandatos, contribuindo para
o que alguns autores chamam de semipresidencialismo forte.
Com a saída de Kekkonen, o desaparecimento da pressão soviética, a adesão à UE (e a
consequente diminuição do peso e da autonomia da política externa no conjunto da política
18
Ver página 80 – esquerda e direita na conformação dos semipresidencialismos
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No plano jurídico-constitucional:
O Presidente da República, eleito por sufrágio popular, não tem o poder de dissolução do
Parlamento ou, se o têm, só o pode exercer em termos muito estritos e
constitucionalmente pré-fixados (quando o Parlamento é incapaz de formar uma nova
solução governativa ou no âmbito de uma crise gerada pela demissão de um Governo), mas
nunca por razões estritamente políticas ou sujeitas exclusivamente à avaliação política do
próprio Presidente.
Em contrapartida, e ao invés do que acontece na Europa ocidental, é aqui bem mais comum
a instituição de uma dupla responsabilidade do executivo perante Presidente e Parlamento,
com existência do poder presidencial de demissão do Governo. Nos países com bicefalia do
executivo, o Presidente tem importantes competências executivas, como a presidência do
Conselho de Ministros e a direção de certas áreas da governação, como a política externa
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Ver páginas 56-58 – princípio da legitimidade democrática na interpretação constitucional
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Nomeação do Primeiro-Ministro;
o em função dos resultados eleitorais, e ouvidos os partidos representados na Assembleia
da República (condicionantes não sujeitas a qualquer controlo para além da eventual
sanção política do eleitorado).
Nomeação e exoneração dos restantes membros do Governo;
o Sob proposta do Primeiro-Ministro.
Demissão do Governo;
o Ouvido o Conselho de Estado, e apenas se tal for necessário para garantir o regular
funcionamento das instituições democráticas – condicionante substancial, mas não
sujeita a qualquer controlo que não seja a eventual sanção política do eleitorado.
Promulgação ou veto dos atos legislativos e dos decretos regulamentares e assinatura ou veto
de outros atos normativos;
o O veto é definitivo em relação aos diplomas aprovados pelo Governo; mas é suspensivo
para os da Assembleia da República. Para ser superado é necessária uma confirmação
parlamentar por maioria absoluta ou, no caso de diplomas mais importantes, uma
maioria qualificada de dois terços.
Ratificação e assinatura das convenções internacionais, com a possibilidade de recusa de tais
atos.
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Ver páginas 98-101 – poder presidencial de dissolução em semipresidencialismo
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ii) Aprovação de uma moção de censura ou (iii) não aprovação de uma moção de confiança:
Admitindo que o Governo passa na AR, a dependência parlamentar do executivo
mantém-se, através da possibilidade de aprovação de uma moção de censura por
iniciativa da AR (aprovada pela maioria absoluta dos Deputados em efetividade de
funções), ou da não aprovação de uma moção de confiança apresentada pelo Governo
(que fica destituído essa moção não for simplesmente aprovada).
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C) Conclusão
Considerar o sistema de governo português parlamentar, ou um parlamentarismo
racionalizado, como alguns fazem, seria um absurdo, pois nunca nesses sistemas seria possível
o Presidente da República exercer poderes políticos significativos, como o poder de dissolução,
de forma livre e autónoma, mesmo que, em parlamentarismo, a Constituição atribua ao PR
esses poderes de forma meramente formal e simbólica.
Também podemos concluir que o sistema de governo português não é presidencial, já
que, ao contrário do que acontece em presidencialismo, (i) o Parlamento pode ser destituído
pelo chefe de Estado e (ii) o Governo responde politicamente perante o Parlamento, não
apenas no mero sentido de que tem de prestar contas ao Parlamento – essa necessidade de
prestar contas existe em qualquer sistema democrático – mas no sentido de que o Parlamento
pode destituir o Governo ou impedi-lo de iniciar as suas funções.
Como explicado, o Presidente da República português é eleito por sufrágio popular e
pode exercer poderes significativos, e o Governo depende politicamente do Parlamento. Assim,
o nosso sistema de governo é um semipresidencialismo.
Ainda assim, cabe olhar às críticas a essa designação21. Para REIS NOVAIS, recusar a
qualificação de semipresidencialismo revela razões de pura discussão terminológica – como
fazem GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, que se referem ao sistema português como
sistema “parlamentar, mas com componente presidencial”, “misto parlamentar/presidencial”
ou até como “o chamado semipresidencialismo” – ou de ignorância – como fazem alguns
autores estrangeiros, nomeadamente SARTORI.
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Ver páginas 83 e 93-95 – designação do semipresidencialismo; definição de semipresidencialismo
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Não havia, à partida, uma ideia fixa sobre o sistema de governo a adotar na nova
Constituição. Entre abril de 1974 e novembro de 1975 (PREC), tudo estava em aberto: era um
período de instabilidade, de dualidade do poder e de confronto de diferentes projetos políticos
para o futuro, radicalmente opostos.
O Programa do MFA (Movimento das Forças Armadas), primeiro documento constitutivo
do regime revolucionário, veio consagrar a eleição direta do Presidente da República.
Contrariamente, a primeira Plataforma de Acordo Constitucional (I Pacto MFA/Partidos), de
em abril de 1975, optou pela eleição indireta do PR, por um colégio eleitoral composto
pelos membros da Assembleia do MFA e da Assembleia Legislativa. Compreende-se que,
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Ver páginas 96-97 – os poderes do Presidente na definição do semipresidencialismo
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ii) O PR acumula o cargo presidencial com o de Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas
Ramalho Eanes, um dos protagonistas do 25 de novembro de 1976, era Chefe de
Estado-Maior General do Exército quando foi escolhido como candidato presidencial, com o
apoio implícito do Conselho da Revolução. Esta circunstância já reforçava a ideia de um perfil
de independência partidária e de isenção política. Mas para além disso, já Presidente da
República, Eanes aceitou ser nomeado pelo Conselho da Revolução Chefe de Estado-Maior
General das Forças Armadas (CEMGFA), cargo que abandonaria em 1981. Dava continuidade à
opção do seu predecessor no cargo de PR provisório (não eleito), o General Costa Gomes, que
sendo CEMGFA, só aceitou a nomeação como PR se pudesse acumular os dois cargos. Para
JORGE MIRANDA, esta foi uma acumulação de cargos feita à margem da Constituição, mas
tolerada na perspetiva de assegurar uma subordinação das Forças Armadas ao poder político
democrático. A acumulação do cargo de CEMGFA exigiria um dever reforçado de isenção e
apartidarismo, já que o chefe das Forças Armadas não poderia tomar partido em questões
partidárias.
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Concluindo, é certo que nenhum dos três fatores apresentados determina uma
consequência necessária de atuação presidencial suprapartidária, mas a sua combinação
construiu uma lógica nacional e despartidarizada de atuação presidencial que nunca mais se
perderia. Cumprir o mandato conferido pelos eleitores deveria ser respeitar essa lógica; e
qualquer atuação a favor de uma força política seria defraudar o mandato recebido. Assim, a
matriz portuguesa de semipresidencialismo, e a existência de um Presidente da República
“Presidente de todos os portugueses”, não partidariamente empenhado, que pauta a sua
atuação pelo interesse nacional, que funciona com plena independência das eleições
parlamentares e dos seus resultados, ficou originalmente pré-definida com a eleição
presidencial de 1976.
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surgiu o bloco central (PS/PSD), também com maioria absoluta. Porém, o ativismo de Eanes,
o perfil interveniente do Presidente da República e a matriz portuguesa de
semipresidencialismo sobreviveram a essas maiorias absolutas.
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Ver páginas 56-58 – princípio da legitimidade democrática na interpretação constitucional
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Pinto, um dissidente do PSD (algo que foi visto como uma provocação a Sá Carneiro). O terceiro
foi chefiado por Maria de Lourdes Pintasilgo (que tinha o objetivo de preparar as eleições). A
tensão que se verificou entre o Presidente Eanes e os líderes partidários Sá Carneiro e Soares
deveu-se também à instabilidade que o insucesso dessas experiências criou.
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Vitorioso em 1980, Eanes ganha um novo folgo para se contrapor à hostilidade da AD,
agora enfraquecida pela derrota nas eleições presidenciais e pela trágica morte do seu líder.
O Presidente denuncia os perigos de concentração de poderes que se abrigavam no lema
“um Governo, uma maioria, um Presidente” e exalta as virtualidades constitucionais de uma
não consonância entre maioria parlamentar e Presidente da República.
Os anos que se seguem ficam marcados pela guerrilha institucional entre Eanes e a AD, com
inúmeros episódios de disputa pessoal e política, inclusivamente em torno da atuação do
Conselho da Revolução e da fiscalização da constitucionalidade, no uso de vetos, alguns
“vetos de bolso”, disputas na política externa, nas visitas de Estado, nas relações com as
Forças Armadas, nas audiências presidenciais a sindicalistas em greve, no domínio
legislativo ou em controvérsias politicamente simbólicas, por exemplo, nas comemorações
do 25 de abril. A desconfiança e tensão entre Eanes e Balsemão chega ao ponto de o PR
pedir que as conversas de quinta-feira entre os dois passem a ser gravadas para evitar
duplicidades de interpretação do que foi dito.
Neste quadro, Eanes desenvolve as virtualidades políticas de um poderoso novo canal de
contacto direto com as populações, que continuará a ser sistematicamente utilizado por
todos os Presidentes. Esse contacto era feito através de discursos e comunicações ao país
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e de viagens pelo território a convite de autarcas, através dos quais um PR pode reforçar a
sua imagem e implantação nacional, contactando com os notáveis locais e a sociedade civil.
O ónus pela não satisfação das aspirações ou das promessas é normalmente imputado ao
Governo a quem um Presidente não executivo se vê obrigado a endossar as reclamações.
Eanes adota um discurso anti-centralista e anti-partidos contra a classe política de lisboa e
o monopólio dos partidos políticos, e a favor da regionalização, que ensaiava o que poderia
vir a ser o registo de um futuro partido presidencial que, desde 1979 (com a nomeação de
Nobre da Costa para PM), pairava como ameaça sobre o sistema partidário.
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A) Contexto
Com o início da II legislatura, em outubro de 1980, a Assembleia da República adquire
os poderes de revisão constitucional e o processo de transição determinado pelo II Pacto
MFA/Partidos, termina, extinguindo-se o Conselho da Revolução e pondo termo à presença das
Forças Armadas na vida política. Contra entendimentos que consideravam que a Constituição
de 1976 tinha instituído um regime de ditadura militar, cumpriu-se o compromisso de transição
celebrado entre militares e partidos. A presença dos militares na vida política do pós-25 de Abril
não foi algo unilateralmente imposto à sociedade, mas a modalidade de transição que a
sociedade escolheu através da mediação dos partidos políticos. O “regresso aos quarteis” dos
militares foi integral e exemplarmente cumprido, segundo os procedimentos politicamente
acordados e juridicamente vertidos na própria Constituição. Os militares subordinaram-se ao
poder político democraticamente eleito sem qualquer resistência.
O período 1976-1980 foi um período de tenção entre os líderes dos dois maiores
partidos (Sá Carneiro do PSD e Mário Soares do PS) e o Presidente Eanes por várias razões.
Assim, a revisão de 1982 adquiriu uma dimensão de ajuste de contas entre esses protagonistas
políticos, no sentido de redução dos poderes presidenciais e do seu estatuto constitucional.
O PS, com a oposição de Mário Soares, tinha acordado com Ramalho Eanes, no processo
da sua reeleição, que se comprometia a manter o equilíbrio de poderes na revisão
constitucional se Eanes renuncia-se ao cargo de CEMGFA. Mas em 1981, quando Soares
retomou o controlo do PS, ressurgiu a questão da reavaliação dos poderes do PR no que
diz respeito à revisão constitucional.
Mesmo após a morte de Sá Carneiro, o ajuste de contas entre AD e Ramalho Eanes
continuava, no sentido de redução dos poderes presidenciais e de redução do estatuto
do PR relativamente ao Governo.
B) Alterações
1) Extinção do Conselho da Revolução e criação de novos órgãos: O Conselho da
Revolução foi um órgão de soberania político-militar que existiu durante o período de
transição, até à sua prevista extinção, com a revisão constitucional de 1982. Era presidido pelo
Presidente da República e constituído por vários militares de alta patente. Na versão original da CRP, “o Conselho
da Revolução tem funções de conselho do Presidente da República e de garante do regular funcionamento das
instituições democráticas, de garante do cumprimento da Constituição e da fidelidade ao espírito da Revolução
Portuguesa de 25 de Abril de 1974 e de órgão político e legislativo em matéria militar”. Com a revisão
constitucional, as suas competências tiveram de ser redistribuídas.
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2) Poder presidencial de dissolução da AR: Até 1982 este poder era fortemente
condicionado, pois o PR precisava da autorização do Conselho da Revolução. A partir daí, o
Presidente passou a poder exercê-lo de forma livre e autónoma. Tem de ouvir o Conselho de
Estado, mas o seu parecer é apenas consultivo, e não vinculativo (art. 133º/e).
O poder de dissolução tinha outros condicionamentos materiais antes da revisão. O PR
não podia dissolver a AR em consequência da rejeição parlamentar do programa de governo, a
não ser no caso de ter havido três rejeições consecutivas do mesmo. Estaria também obrigado
a dissolver a AR quando esta tivesse recusado a confiança ou votado a censura ao Governo,
determinando por tais factos a terceira substituição do Governo. Estes condicionamentos
desapareceram com a revisão de 1982, mas outros foram introduzidos (172º):
Condicionantes temporais – o PR não pode dissolver a AR nos seis meses que se seguem
à sua eleição ou no último semestre do mandato presidencial.
Condicionantes circunstanciais – o PR não pode dissolver a AR durante o estado de sítio
ou de emergência (já existiam na versão original da CRP).
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Enraizado o mito urbano acerca da pertença redução dos poderes presidenciais com a
revisão de 1982, importa perceber porque é falso, e porque na verdade houve uma ampliação
substancial dos poderes do Presidente da República. Para REIS NOVAIS, nenhuma das
alterações introduzidas pela revisão constitucional de 1982 significou uma redução, pelo
menos significativa, dos poderes presidenciais ou uma degradação do seu estatuto
constitucional. Contrariamente, várias das alterações feitas traduziram-se num aumento dos
poderes presidenciais.
1) Porque não houve redução dos poderes presidenciais: poder de demissão do Governo
Relativamente ao poder presidencial de demissão do Governo, ele foi formalmente
restringido, uma vez que o Presidente da República, que antes podia demitir o executivo de
forma livre e incondicionada, passa a poder fazê-lo apenas “quando tal se torne necessário para
assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de
Estado”. Todavia, na realidade prática, política, esta alteração não tem o alcance que
normalmente se lhe atribui, já que:
O que são “instituições democráticas” e o que é ou não é o “regular funcionamento das
instituições democráticas” são conceitos indeterminados; e cabe apenas ao Presidente da
República decidir quais são as instituições democráticas e se está em causa o regular
funcionamento das instituições democráticas.
O juízo de avaliação de quando a demissão do Governo é necessária para assegurar o
regular funcionamento das instituições democráticas é feito pelo PR. A sua interpretação
até pode ser abusiva ou errada, mas é a única juridicamente relevante. (Sobre esse juízo:
pode haver irregular funcionamento das instituições democráticas e a demissão do Governo nada
contribuir para resolver o problema. Se for a AR a funcionar regularmente, a demissão do Governo
não seria constitucionalmente admissível.)
A Constituição podia ter atribuído o controlo da regularidade constitucional deste ato a um
outro órgão, como o Tribunal Constitucional, mas não o fez. Logo, por mais errada ou
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inconstitucional que seja a decisão do PR, ela não está sujeita a controlo ou sanção
jurisdicional, mas apenas a sanção política. Se o PR emite um decreto de demissão do
Governo, o Governo fica juridicamente demitido, inapelavelmente.
A relevância desta limitação no poder de demissão no funcionamento do sistema político e
no alcance global dos poderes presidenciais é mínima ou, pelo menos, não tem, nem de
longe, a importância que lhe foi dada na altura, e que ainda é hoje lhe é atribuída.
o O Presidente francês tem um perfil interventivo, executivo, partidariamente ativo, líder
de uma maioria de governo ou de líder da oposição. Por isso se fala em afrancesar o
nosso sistema de governo quando se quer reforçar os poderes presidenciais. No
entanto, mesmo com esse perfil, o Presidente francês não tem o poder de demissão
do Governo. E mesmo assim, na realidade, muitas vezes força o PM a apresentar-lhe
um pedido de demissão. O PR português tem esse poder na Constituição, mesmo que
enfraquecido, mas nunca o usa. E o Presidente francês não tem esse poder na
Constituição porque, em semipresidencialismo, o poder de demissão do Governo não
é tão importante como muitas vezes se pensa.
o Porque o Governo depende politicamente do Parlamento, tem sempre o seu apoio, ou
pelo menos, a sua não oposição. Se há maioria absoluta na Assembleia da República, o
poder presidencial de demissão não existe na prática, pois a última palavra é sempre
do Parlamento. Como a composição do Parlamento não foi alterada, mesmo que o PR
demita um Governo, de seguida vai ter de nomear o Governo que a maioria
parlamentar indicar; qualquer outro será rejeitado. Assim, o poder de demissão só será
significativo quando não há maioria parlamentar absoluta de sustentação de um
Governo, ou seja, quando um Governo é minoritário (ou de coligação); mas mesmo aí,
o novo Governo, nomeado pelo PR, necessita do aval do Parlamento. De qualquer
forma, se uma maioria dos deputados concorda com a demissão do Governo, então a
Assembleia da República pode demiti-lo ela, não sendo necessária a demissão pelo PR.
o Quando o PR quer acabar com um Governo, ele não deve demiti-lo, mas sim dissolver
a Assembleia da República.
o Se um Presidente demite um Governo sem as garantias de posterior colaboração
parlamentar arrisca um desastre, como aconteceu com a demissão do II Governo
Soares e a nomeação dos três Governos de iniciativa presidencial indigitados pelo
Presidente Eanes. Essa experiência foi tão malsucedida que nunca mais foi repetida.
Mesmo tendo sido a intenção dos partidos reduzir o poder presidencial de demissão do
Governo, mesmo que o Presidente Eanes tenha ficado convencido de que tal aconteceu,
mesmo tendo em conta que o esse poder foi restringido em termos jurídico-formais, e
admitindo também que possa haver circunstâncias excecionais em que o poder de demissão
revele uma importância pontual, não houve uma redução significativa dos poderes
presidenciais ou do estatuto constitucional do Presidente da República, já que: (i) é o PR quem,
em última análise, continua a decidir, como antes da revisão e (ii) tanto o poder de demissão,
como a sua limitação não são politicamente significativos.
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2) Porque não houve redução dos poderes presidenciais: poder de nomeação das altas chefias
militares
Outra “prova” da restrição dos poderes presidenciais em 1982 foram as alterações
verificadas no poder presidencial de nomeação e exoneração das altas chefias militares. Dado
o peso que as Forças Armadas tinham na época, esta alteração atraiu a atenção da opinião
pública e foi percebida como uma drástica redução do estatuto constitucional do PR.
Antes da revisão era a lei ordinária (e não a Constituição) que atribuía ao PR o poder de
nomear as chefias militares (CEMGFA, Vice-CEMGFA e CEM dos três ramos das Forças
Armadas). Após 1982, o PR manteve esse poder, mas deixou de o exercer autonomamente,
pois ficou sujeito, para nomear e exonerar, às propostas do Governo.
Parece evidente que houve uma redução dos poderes presidenciais. Contudo, o Presidente
da República não tinha o poder constitucional de nomeação e exoneração das altas chefias
militares. Esse poder foi-lhe atribuído, ainda que de forma não autónoma (como acontece
com outras nomeações presidenciais para altos cargos, como o de Procurador-Geral da República
ou o Presidente do Tribunal de Contas), pela revisão constitucional de 1982.
Assim, a revisão veio proteger juridicamente o PR de eventuais maiorias parlamentares que
quisessem reduzir os seus poderes, pois antes da revisão o poder presidencial de nomeação
das chefias militares era um poder de consistência precária, que o legislador ordinário podia
modificar ou suprimir a qualquer altura, alterando a lei ordinária que o consagrava. Aliás, o
Presidente Eanes encontrava-se, nessa altura, nas mãos de uma maioria parlamentar
qualificada (AD e PS de Soares) que conseguiria superar um eventual veto presidencial a
uma alteração dos seus poderes de nomeação das chefias militares.
E mesmo sendo um poder partilhado, o poder presidencial de nomeação das chefias
militares continua a ser um poder significativo, ainda que o seu alcance vai varie em função
de circunstâncias de natureza conjuntural, como as relações entre PR e PM.
Considerando que este poder de nomeação, antes de 1982, não estava constitucionalizado,
pode dizer-se que a solução da revisão, isto é, de partilha do poder entre PR e Governo, foi
uma solução equilibrada, que não envolve uma redução dos poderes presidenciais ou do
estatuto constitucional do Presidente da República. Ainda que tenha significado, na prática,
uma restrição da margem de decisão de que o PR dispunha na altura, essa diminuição não
tem o alcance que normalmente lhe é atribuído, uma vez que o anterior poder de
nomeação derivava, não da Constituição, mas da lei ordinária.
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Ver páginas 98-101 e 122 – poder presidencial de dissolução em semipresidencialismo; poder de dissolução do
Presidente português
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Este percurso poderia, eventualmente, ter ido longe de mais na supressão dos poderes
do presidente da República, no sentido da matriz austríaca de semipresidencialismo. O
Presidente Eanes foi decisivo, nos anos que se seguiram à revisão, para impedir essa trajetória.
Não se precisou de refugiar no poder de veto para evidenciar a enormes possibilidades de
intervenção autónoma que a Constituição proporciona ao Presidente da República. Já não
poderia proclamar, como fizera nas vésperas da revisão de 1982, que caberia ao PR a “missão
de orientação superior da nossa vida política”. Mesmo que essa afirmação fosse concebível
antes da revisão, era impossível após 1982. Mas a sua margem de intervenção seria confirmada
nos anos seguintes por Eanes e pelos seus sucessores.
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uma intenção de partilha ou disputa do poder executivo com o Governo. Pelo contrário, uma
acusação desse tipo é imediatamente rejeitada pelos “acusados” no sentido de que nem
invadiram nem tentaram invadir as competências do Governo, a quem reconhecem plena
autonomia e exclusividade no exercício das funções de governo.
O facto de o Presidente da República não participar na função governativa em nada
diminui a sua importância. O Presidente pode exercer poderes de influência e de impacto direto
no exercício das funções governamentais, como os poderes informais (que permitem sugerir,
aconselhar, criticar, apoiar, influenciar e condicionar as funções do Governo), o poder de veto,
o poder de nomear titulares de altos cargos e o poder de nomear e demitir o Governo e os seus
membros. Todavia, dificilmente se podem enquadrar estes poderes na tradicional divisão
tripartida dos poderes de Estado (executivo, legislativo, judicial). Ganha peso a hipótese do seu
enquadramento num quarto poder, o poder moderador, teorizado por Benjamin Constant no
século XIX. Assim, a matriz portuguesa de semipresidencialismo assenta no perfil de um
Presidente moderador, regulador ou garante.
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