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-
VIGILANTE,.
ou
REFLEXOES
SOBRE
A EDUCAÇÃO DOS MENINOS,
defde a inf,meia até é! adolefeencia,
CONDESSA DE ,OEYRAS
Offereee
D, JOANN A ROUSSEA U
DE VILLENEUVE.
LISBOA:
Na Officina de ANTONIO VICENTE flA SILV.4.·,
Anno de MDCCLXVH.
T.·
&:;:;;~~=, FFERECER a v:
E~cellencia ejtas breves re-
.
flexões [obre a eduçaçao d0 4
*2 1ne 4
n.l~ninos ~ 1záQ .he oobfequio ,
ç.fn !?Úl~ 'h,e"obr.igação ; pois
lT. oExcellehcia ·com mão tão
~~ 1 ~
mojtr~r-n2e .flg"qdecida.
_oi. fle tão °dev.i4o efle meu
tl~ibutô , qu'e d,à perfeita edu-
c,ação·,.O que V. Excellencia
dep a feus illuftres Filhos,
( I . •
.
"
. . . . .. ~,
\
N' Ao afpiro à gloria de ~Au...
~hora ; mas fim . defejo , [~r
util a .hpma N~ção '. ' qtle pelas
[uas ' virtudes, ' e natural· viveza
amo , e hoje".. c90fidero cômo
propria : e dependendo os nof-
fos bons , ou .máos coftumes da
boa , ou ma' , J
creaçao , que na
infapcia ·recebeinos , efcrevÍ ef-
tes apontamentos ~ que podepão
fer de algum aproveitamento
aos Pais de familias .
.Pudéra fazer .huma diffu[a
difrertaçâo , para molhar a for-
ça de huma boa educação , a-
montoar authoridades , accumu-
Jar allegações ' , referir ' o metho--
do que feguião os Antigos na
.. . edu-
e~ucaç~o c. .fep~' filllõs =;-~ citar
o s GregDs , os: Pérfas ' ,J e~ _o~
Chinas , pôr a . contribuição to-
d a~ as: N ~ções _, e todos (J~ AUi-
thores .; mas efia erudição.; a:: -
lém · de fafiidiofa , pareceria a"!'
]heia da ' noticia de huma mu'"
lher· , a quem fe não -favorece
pôucQ , quando 'lhe concedem Q
entêndimento neceírario , e [uf...
peiénte para reger a economia
dà Iua cafa. Direi porém fem-
pre , que a boa. educaçâo repri-
me~- a{) paixóes mais defordena-
das ; reÍrea o genio mais indó-
cil .1 1modera . o turbulento; do-
ma' o ·pertinaz; infiiga o inerte;
adianta o vagarofo , , e trans-
fOl:ma a mefma natureza.
.. A experi.enci~ de . muitos
<1..11:110S ·.me tem · defenganado de
rnuit,a:s . preoccupa~ges a .re[peit
da
da educação. Efié- fefá o motivo, ,' ,
por qqe ,'fe acharão 'talvez ' nef-
tes apontamentos algumas maxi- '
mas ~ontrarias ao cofl:mne ; mas
invefrigue-fe a natureza, eltúde-
fe o coração humano , pondére':"
ie a confiituiçã.õ do homem ·, e
eItou certa ql~e muitos· dos ' que
antes me '" cenfurariâo , depois
defl:e exame abràcarão o meu
;)
LI-
LICENGAS
DO SANTO OFFICIO.
Coelbo.
D O P A C; O.
Cel1ftlra de Joft · Caetano de
. ]J![ejquita , ProfeJJor Regia dê
Rbetorica , e Logica no ColJe-
gio l~eaJ dos Nobres , ire.
S E N H O R.
A AIA
I
./
IA AIA VIGILANTE.
Im.
A
"
I] PRIMEIRA pet.
foa, a queJÍl ~s Gran-
des, e os RIcos en-
tregão a educação de
feus filhos , logo que fahenl dos
braços da Ama, he a Aia , que
f'Oi efcolhida para [eu enuno. As
iInprefsões , qüe. defta na infancia
recebem, são mais importante." t:
conuderaveis . do qüe fe im ~ Zi P3.;
não fendo de pouca contequeu.,
cia aquellas ., que . a Ama .lhes
.) A " ln~
;!Z -A A I A
'jnfl1nde. A experiencia quotidia-
na mofira , que as primeiras im-
pre[sões infl uem nas inclinacões
primeiras de hum menino ::> ef-
tas em feus primeiros, cofiumes;
e que fe defies não dependerem
algum dia as boas qualidades,
ou defeitos do [eu juizo , a el-
les ficarão quafi fempre fujeitos
as virtudes , ou vi cios do feu
,.J ,
coraçao.
Na eleição da Ama , pois,
haja grande cautella. Alénl das
• qualidades fy ~cas '. deve fer l!l0~
rigerada , e lntellIgente , ter o
coração igualmente são, conlO o
co' o. A intemperança das pai-
o s póde , como a dos humo-
'e~ alterar-lhe o leite. Demais
o upar-fe fá do fyfico , feria
.cou[egllir lmicamente a metad~
• do
VIGI LAN 'f E. J
do objeélo. O leite póde fer
excellente ; e a Ama péffima.
Hum bom cará'éler nâo he me~
nos e.fTencial, que huma boa co-o-
flituicâo. Tomando-fe por Ama
hum; mulher ~icio[a , não per:...
tendo que o menino contraha
feus vicias ; mas' certamente o
feu temperamen~o [e eftragará.
Não lhe deve elIa com o lei te
os cuidados , que pede tão mi-
mofa idade? Muito zelo , n1llÍta
paciencia , brandura, e limpeza.
Se for golo[a , intemperada , bre ...
vemente fe lhe corromperá o lei-
te: fe defcuidada , ou an"eba-
tada , a quantos perigos fe nao
verá expoHo aquelle defgra~állo;
que nâo tem forças para fe ne...
fen~er , nem p~lavras para {e
quelxar_,
Con..
;+ : 'A A I A
Con4derelTIOs . a criança no
infiante, em que abre os olhos á
luz do mundo .. Como a mi[eria',
~ a fraqueza são o primeiro ef-'-
tado , em _que .{e acha, as .[uas
primeiras vozes são os gemidos,
e as lagrimas. _Logo experimen-
ta neceffidades ; e naó podendo
fatisfazellas , inlpIora o [occorro
dos outros com [eus gritos. Se
tem fonIe , ou fede , chora ; [e
frio, ou calma, chora; [e pre-
ciza agitação , e o deixão face ...
gado, chora; [e quer dormir, e
o movem, chora. Menos o [eu
comp1odo della depende , cOln
mai frequencia pede que a mu-
.-J r .J
Clll ; e como nao tem ienao
hurr genero de de[commodo,
tanlbenl tem fó huma .unica Iin~
guagenl para o ' exprimir.. N!1-
1m .. •
imperfeição dos feliS orgaos -.,n~
r
.
14 A A I' A
confiderallo como ente n10ral.
Affim que [e julgar defuecef..
faria a Ama , fe prive o lneni-
no da rua vifia. He certo que no
primeiro dia, [audofo derramará
enternecidas lagrimas. Se eilas
procederem de amor , e fenfibi~
lidade , fejão enxutas com cari-
nhos ; ' pois fempre moUrão hUln
coração meigo , e confequente-
mente difpoilo aos affeétos de
ternura , e piedade. Se nellas
houver demonfiração de máo ge-
nio , não' deixe porem de fer a-
mimado; mas diminuão-fe-lhe os
affagos á proporção qu a rua
rebeldia augnl ntar. Se pedir aI...
gtlma coura com lmpaclencla,
negue-fe-Ih com brandura, ad...
vertindo-o qu nada confegllirá
todas as vezes q~e o nao pedir.
[0-
V I G1 L A N Te E. J5
fobmilfo. Póde fer que nao per-
ceba a fubftancia deftas expref-
... ; mas percebera o tom , e
soes I
•
16 A A I A
menino brevemente perceberá,
que fómente o ameigâo , quan-
do . he moderado ; e que nada
alcança , fe o não pede com
manfidão ; e affiln mudará o
gemo.
. Dos braços da extremofa A ...
ma pafTou em fim o menino para
a direccão de huma Aia intel-
~
. V I G I L A N_T E. .23
riafcin1ento , e das riquezas nun-
.ca ouve fallar , [enao com ref-
peito, ou inveja, julga que ef-
tes são os bens mais eflimaveis,
e que a tudo preferem. Se per-
gunta , he engan~do ; fe o que-
.. rem divertir , dizem-lhe abfur:-
dos ; fe manda , logo lhe obe-
~ecem; fe pa pagueia , he ap-
plaudi-do'. As fuas maldades pro-
yocão o rizo. Enfinão-lhe a dar
pancadas, injuriar, arremedar,
e e[carnecer. O que lhe reCOffi-
mendão como racionavel , con-
fent 111 que o não pratique. O
que Ih prohi~em como repre-
henuvel ,. dis~arção .quan-do o
executa ; e mUlta v zes , o que
mais he para laflimar , con1 o
exemplo o inci ão. O cafligo
p.unc~ ~ g!le as âmea~as : a
froll-
24 A A I A
frouxidão ; ou o capricho deci-
dem os affagos , que fe lhe fa-
zem : fe o reprehendem , he fó-
ra de tempo , ou por paixao.
O que não alcança por fuppli-
cas , o confegue por importu-
no , por teimofa , ou com la- . .
grimas. Poderia feguir-fe Olltro
methodo '" fe intentaffem defor-
dcnar-Ihe o entendimento, ou
defiruir em feu coração até a
femente das virtudes?
Q.le imprefsâo podem fazer
na foa alma os principias que
lhe i nClllcão , quando tudo con-
tribue para , os extinguir ? Co-
mo refp ttará a Religiâo , quan-
do d pois d fe lhe enfinarem
o feus preceitos , o nâo obri-
ga0 a pl'aticallos com refpeiro,
e cuidado? Como te erá a fens
pa-
IG-ILAN1' E. 2S
parentes , fe eftes lhe não dão
a conhecer a fua authoridade-,
antes lhe tributão muito mais at-
ten~ões , que el1e lhes retribu.e?
Como faberá o que deve á [o-
ciedade , quando vê todos oc-
cupados em obfequiallo , e elIe
a todos trata ,com de[agrado,
e fuperioridade?
Todo engolfado na perverli-
dade dos fells gofios , e na def-
ordem das fuas idéa:s , ir-fe-ha
criando li[ongeira -- , e "branda-
n1ente. Mas que frutos fe po...
dem e[perar de huma educação
tão defarrazoada ! .~lalquer. ap-
petite apenas excitado pertende-
rá logo facial'. EUa propensão Je
reforçará p_elo habjto : os ruins
cofiumes [e multi plicarao ; e de
tão monfiru fa união fe forma- I
ra
"26 A, A I A
:r á no menino o habito geral d~
pão refpeitar a razão , e a juf.;.
tiça , e de attender fómente ás
fuas fantazias , e vontades.
Affim pa[sâõ efiragados os
primeiros fete annos da vida,
~ a tal auge tem crefcido feus
defeitos , que os proprios pa-
rentes · já os não podem disfàr-
.çar. O menino ainda fe f~jeita,
quando fevéros o reprehendem;
fobmettendo-fe ao pod r, e não
á advertencia ; por' m defde já
em ~ II coraçâo protefia nao re-
conhecer aut.horidad ,Jogo que
.a ida e lhe der forças para a
l'efifi ncia. A' Aia d [att nd ;
zomba de [eu confelhos; e pa-
ra L'lZer mai [eníivel tantos dil-
parat s , dc[preza aqu lIa , a
quem mais dev "ra ,qu ao~
pro-
I G. r L A N T E. ~ 7.
proprios parentes, fe a ' fuà ce-
ga paixão não pertu~bár.a o·s ef~
feitos da boa educação.
Entregue em fim ao cuida ...
do dos homens , o maior em-
penho confifie em reparar os a-
bufos , com que foi creado. Fa·
cil parece o cqnfeguil10 ; e an-
tes de trez mezes efperão que,
emendado, correfponda o feu
procedimento ás diligencias , e
djfvélJo, com que procura0 o feu
enfino. Mas quanto fe engana0!
Conl muito trabalho poderão
diminuir, talvez na apparencia,
feus habitos viciofos ; mas per-
maneçerão as raizes , que forti-
ficadas pelo tempo , com a al-
ma fe identificarão : feja-me li-
cito explicar-me affim ; e con[7
.titllirão hu ~ 1. [egunda natureza~
. N ão
28 A A I A
Não pareça exaggerada efl:a
lugubre pintura. A maior parte
das educações prova, que não
fou encarecida. Affim são crea-
dos ', não digo os filhos dos par-
ticulares , cuja má educação he
para .elles menos perigo[a, e pa-
ra a [ociedade menos iJnportan-
te , mas os filhos dos Grandes,
e dos Ricos , que são a e[pe-
rança da Nação , e que pela
rua riqueza, dignidade, ou na[-
cimento, influirão muito algum
dia m [ells cofiumes , e talvez
m [ eu deftjno , e gloria.
Per[u udem-fe muitos , que
nao d vem fer violentadas as
crianças em [eu prim iros an-
nos ; ma nâo advert lil que as
contradicçóes , que Íe lhes pou-
pão , são de poura confidera-
'"'
çao,
V IGILANT E. 29
.çao, é que as contrariedades,
que [e lhes prepara0, arraHarão
comfigo terriveis , e fllnefias con-
[equencias. Propõem fl1bjugallos ,
-quando forem . mais vigorofás.
Não fora mais facil, e mais
[egl1ro fazello quando mais de-
.beis ? Qlem examinou os ho-
mens na fua infancia , e os [e-
guio nos diverfos periodos da
vida , tem como eu ob[ervado,
que a maior parte dos defeitos,
que [e lhes conheciâo na idade
de [e te annos , os con[ervárâo
I I
ate a morte.
'remem. alguns , _ que repri ...
mindo huma criança , le per-
turbe a rua felicidade , ou fe
lhe altere a faude. He 111anifef-
tó por ' m , que aqL1elle que foi
çreado çom fobmifsâo , he ain-
da
ge A A'I A
da melmo no tenro· eftado da
infancia , mil vezes mais feliz,
-que o que foi mais amimado.
Inveftiguem-[e efies - effeitos , e
depois de n1aduro exame , def-
enganados conhecerão , 'que o
menino bem creado vive alegre,
{atlsfeito, e com aquelle placi-
·do focego , que nafce da inno-
cencia da mimofa idade ; que
tudo quanto alcança lhe he gof~
tofo , porque o confidera como
premio ; quando o outro pelo
contrario , anda fempr inquie-
to ; he colerico , pertinaz, Ín-
'confiante : fells app tites hun
aos outros fe d fi:roem : a me-
nor contradicção o irrita , nada.
;,
•
32 A A I A
medidas das ruas forças , ha me-
DOS ri[co em em pregallas , que
em pou.pallas. Exercitem-[e pois
as cnanças aos contratempos, a
que algum dia poderáo efiar [u-
jeitas. Endureça-fe-lhes o corpo
ás intemperanças das efiações,
e dos elementos, á fome, á fe-
de , e ao trabalho. Antes que o
corpo tenha formado habito,
com felicidade fe tran formará;
mas logo que houver adquirido
forças, e confifienci~ , qualquer
alteração fora p rigofa. Huma
criança tolerará a mudanças,
qu não toleraria hum homem
feito. As fibras do prim ira ain-
da Rcxiv i tom . . . o [em violen-
cia a fórma que [e lhes dá : as
do homem , mais endurecidas,
não fl1Ud ão 11 Dl grande difficnl-
dade
VIGILANTE. 3J
dade a configuraçao q ~ tomá..
rao : o que prova , que [e po-
de fazer huma criança 'obufia,
fem expor a fua " vida , e fau-
de ; e ainda que houveDe al-
gum perigo , nem por ilTo f~
deveria vacilar; pois já que ef-"
tes rifcos sao Ín[epàraveis da vi-
da humana , parece mais acer..
ado aventu rallos no tempo d
infancia , tempo em ue são
menos defaventajofos.
A con[ervacao do menino
;,
•
•
V I G'1 L A N~T E. 67
concorra o Pai , a Aia, e ain-
da os lne[mos domeltícos , a os
inlirllire,m com o exempl.o , e
com o co"nfelho. Para [e . con[e-
guir efia reciproca harmonia fe-
rá acertado , que huma peífoa
intelligente todas as manhans ve-
nha informar-fe do [uccedidri
com o menino , o que obrou,
o que íe lhe dilfe, e o que
convem dizer-fe-lhe. Se o feu
procedimento não defem penha
tantos defveIlos , e o Pai lhe
quer rnofirar o [eu de[ag rado,
não deixe com tudo o menino
e o buícar obediente. He obri-
'g3ção , a que nunca deve fal-
tar ; mas que a "fatisfação de
ver a [cus Pais , CO r110 c frigo ,
fe lhe negue. Eib priva'5ão tem
duvida lhe enfiará l11uitas lagri-
- E 2, mas.
68 _A A I
mas. Se ft: tir como deve,
não . aug . Aia mais dif-
fabores . o primeiro cafiigo:
confole-o , nl0fhe-fe condoida
da fua dor ; e , fignificando-lhe
quanto h juíla, convença-o de
a hav r merecido , e perfuada-
lhe ,qu na flla em nda efiá o
perdão, e o recuperar o amor,
e carícias de feus Pais. Se pe-
lo contrario , fecco r cebe efia
defgraça , prive-fe de tudo o
que lhe póde dar goíl:o , e com
o que mais [e entr t ln , para
lha faz r mais fenfiv 1 , fendo
efia p na , não a [ati fação do
feu prim iro 1'ro, mas o cafti-
go da lua infenfibilidad . Cora-
ção tão empedernido não ~ en-
contrará facilmente em hum ten-
1"0 infante , fl1enos qu a n1á
edu-
V IG LA TE. 69
educaçâo haja eHra~a Go as dif--
pofi~ões para as virtudes , que
a natureza lhe tem impreifo na:
alma. ' :
Não fallei até agora na obe·
diencia , ainda q\.~e eRa ft=>ja a
baze de toda a educa cão , e
;) ,
razao.
Em lugar de lhes alimentar
a foberba , dando-lhes a conhe-
cer , e encarecendo-lhes as fua
poíIes , o .G LI nafcimento , e
grandeza , intim r-fe-lhes-ha o
pouco a pr ço do .G u errado
pr fi I1t , moílran o-lhes , que
efprovida de tudo quanto o
homens mai fbmão , lias não
poífuem nem fcien ia , n m vir-
tu ,n m pr ndas , que as
diftingu~ O das lnai , que per fi
na-
V I GIL A N rr E. 7t
nada podem , e 1 inguem . dellas
neceffita.
Seja o menino humano, cor-o
tez , e agrad~cido ás attençôes·,
...
com que o tratarem , e nao
confrnta a Aia que o adulem 't
e lifongeem. Se a- grandeza do
[eu nafcÍmento - não permittir {e
difpenfem todos os ob[equios,
que a adulação introduzio , [erá
conveniente per[lladir-lhe, que
os rerpeitos , que lhe tributão,
fe dirigem a [eus Pais , e Pa-
...
rentes , e que em attençao a
elles he que lhos rendem , fen-
I do efies a retribuicao
:>
dos [ervi-
ços , que fizerao á Patria , ,e o
jufio premio das ruas virtudes.
Hum dos melhores meios de
cofillmar as crianças à fer hu...
manas , e li~rar de toda a cruel-l
da-
IA
dade , he °enlhallas a qtie tra-
tem com em , e civilidade as
pe{foas nferiores, e aos cria-
dos. Pouco a pouco [e lhes vá
fuggerindo, que fá á bondade
.. evem a commodidade,
e 11 111 .... es , de que feus Pais
goz~ o , que devem [er genero-
fas , beneficas , e modeftas;
porque qualquer Jeve incidente,
qualq u r eve mudança pó de re-
duzilla ao mais laroentavel e[-
tado , e as pôr na precisão da- o
•
80 A A I A
nem huma , nem outra cou[a [e
pó de conformar com o intento
de Pais cordatos. -Os ' exemplos,
que veria, ferião mais nocivos,
que proveitofos ; as converfa-
çóes , que ouviria , mais frÍvo-
las, que infirué1:ivas. Muitas ac-
~óes , que parecern indifferentes
para homens , dão motivo a
huma criança para formar erra-
dos conceitos. Para hurna tao
tenra idade tudo he delicado.
Além de qu poucas são as p [-
roas , qu conh c m quanto fe
d ve r [p itar a inno encja da
infancia. O pr prios Par ntes,
ignorand as fun fias conIl qu n--
ias d fie ~ui . o, o não a-
callt lão , {( u xemplo {( rá
tanto nlai p rniciofo ao fi ni-
no , quanto 111ui os r fp itar.
ue
VIGILANTE. 31
S~ - quereis cultivar a inieIli-
gencia do voífo dilci pulo , cul-
tivai as forças., .que ~lIe deve
governar: exercItaI contmuamen..
te feu corpo , fazei-o robufie , e
fádio , para o fazeres fabio , e
racionavel. Trabalhe, .mova-fe,
corra, grite, agit -fe. Seja ho-
mem pelo vigor, e brevemente
o ferá pela razão.
He erro groíIeiro o perfua-
dir-fe ) qu o x r icio do cor-
po feja nocivo á operaçó s do
[pirita , como ~ fias duas ac-
çóes não dcveifem caminh r a-
ordes , e huma d' rigir ~ nlpr~
a outra. O menino aífim criado
,J ,
A quantidade do aliménto
feja moderada . , porque tudo o
que he exceffivo -, álém de fer
vicio , he prejudicial. Advirta-fe
porém , que na primeira idade
neceffita a natureza de mais fre.:.
(]uente repetição de a~Ílnento;
e affim quando o menino qui-
zer comer, nunca lho embara-
ceis : obfervai fómente no que
lhe deres o nâo incitares a fil a
gulodice, mas fim o fatisfaze--
res. a ~l1a neceffidade. Ainda que
a gula feja ' paixão da infancia,
nunca receeis que efie -vicio [e
arreigue. Na infancia fe efcolhe
o alimento ; na adolefçencia a·
cu. '
9Z r A A I A
cabaraó-fe os appetites ; ,tudo
fabe bem, tudo parece bom.
Brinque , falte , corra o meni~
no, nunca comerá demaziado;
nuncà terá indigefióes. M as fe
o trouxeres esfomeado, todas "as
vezes que efeapar á vorra vigi-
laneia encher-fe-ha até não po.;
der mais. O noIro appetite he
defordenado , e defmedido , por-
que o queremos afiringir a ou-
tras leis , que a da natureza . .
Nunca lhe pennittais , nem
tol reis o ufo do vinho : he ve-
neno para as crianças. A agoa
h o mais pod e ro~ cordeal,
refrig rante , e diluente : facili-
ta a circulação do fan gue , a-
br nda os eHimulos uccidos , e
evacua os far , que exaltados
p rturbarião a economia da fau-
d~ . A
VIGILANTE. 9l
tempérança , e,_o' traba...
lho ao os verdadeiros -medicos
do homem. O ,_ trabalho affia o
feu appetite " cujo abufo il!1pe,...
de a. temperança. N uncà amezi-,'
nheis o menino, nem por cau-
tela' , nem em leves molefiias,
'p orque enfraqueterieis a fua C011-
flituiçao ; e hüm corpo debil pa-
rece que até a mefma alma en-
fraquece. A próvida natureza
[occorre melhor, que a mais
approvada medicina ; . deixe-fe
obrar livremente : o tempera- f
•
V I G f L A N T E. 99
corno o focegado . : '0 melancoIi-
co como o ~Iegre~ Cultivai pois
-o genio , que ' a conforniRção
dos orgâos .lhe deo' ; em"endan"
do os defeitos i ·que podem i!1~
fluir cofiumes vici,ofoS4
Cofiumai-o uefde a prime~ ..
ta infancia a declarar [em pejo
que tem frio ; . (alma; fOlue,
feoe , [omno , e cançaflb; e
que o fatiga a applicação ; e
logo [em demora lhe a(udi , e
evitai femelhantes incommodos.
Nada çoncedei a [cus defe~
j os porque pede ; fim porque
neccffita. Ignore o que feja Obé-
diencia quando ~obrar , c ' impe-
rio quando obrarem por élle.
Sinta a fua liberdade igualmen-
te nas fuas ac~6cs , como nas
roifas. Suppri a força, que lhe
Gl fal-
JOO A A I A
fàlta , na proporção da [ua .ne-
c ilidade , para. [er livre, _ não
altivo , e para que , recebendo
os volTos {~rviço .COpl huma ef-
pecie de humilhaçâo , afpire ao
inflante de os nap precizar ,. e
de [ervir-[e a fi . me[mo.
Nunca le om reça á fila von-
tade indifcreta , [enáo obil:acll-
los fyfi os , ou cafligos qu
nafção das mefil1as acçóes , pa-
ra que dclle fe lembre na oc-
cafião.
Cofiumai-o a fervir-fe iguaI-
nte de ambas as mão , pai
lJada h mai contrario á natu-
r za , que Q ver qu no~ tendo
dado dua m.ão.s , pelo o1l:ume
.11~ mo fá de huma , fi ando a
outra quafi' pa ral!ti.ca.
âo vo c~m: i lU obrigar
o me..
.
V I G I L A-N T E. 101
pendimento. -Lembnir:Te:.lhe-hà o
cafiigo , no infiante em que. mo-
firar - l1e "<-lelIe fê e[quece. A' du-
ração defl:e, ; dependerá da ' [9a
rebeldia , oU emenda. Nã:-o fe
diminua, paTa que fazendo mu- _
iQr ímp!efsão , nao feja necef-
faria repetir com frequencia o
cafiigo; e por mais promelfas
que taça, nâo reja ouvido, pôr-
que neR s caros as promeífas
na[cem 'do temor do caflige> , e
nâo sâo propofito ~ tb - emenda.
Para alcançar o - per :lão ' deve
mct"ecello. ; e nunca fc ·conceda.
por induIgencia , mas fim ao
exce{fo' da dor, e á mudança
dos coRumes. · .
. Anntinciando-lhe que fcus
Pais .compadecidos " e confian~
do ' no ·/eu -peza:r ., confentem a
ad..
108 · .:-A .' ~ A I A
adm}-ttillo á ft~a 'prefença , '~nca
recel-1he o · exte(fo da rua bon-
dade , e lembFando-Ibe a gran~ '
rleia da culpa que cammetteo,
com eilas imâgêns enternecei a
[ua alma, pam- a penetrar ain-
da mais vivamente de gratidão,
e arrependimento. ' Logo que el-
les houverenl eon'firmado o _per...
dão com a fu~ bençâo , e f(~us
carinhos , reJa ·:reilituido' ao [cu
antigo eHado ~ , ~ e. agazalhado de
todos , como '[e nunca· houvef-
íe deJinquidp. "Advirtão os Pais,
e a Aia erri que as b ftivas de-
rnonfhaçóes do: ~ u beneplacito'
jgual m o rigor do fi u · clefagra-
do , para que () menino trema'
até da lembJ'aoça de incorrer'
nefia defgraça.
Efiabele~Q ·efte cafl:igo co
rnQ
....
-- VIGILANTE.
me: .hl}ffi - dos m;lÍúre§ , porque
P1~ _ ~ p_er(l1ado ·q~e.:, raras "v,ezes
deve ter ..1 ugar. ~2 .N.oo ,perdoal1dó
as fal(~S lev s · ; não he ' crivei
que o ,m~njno. te,·
atreva _a .. co·llJ.-
metter as de maior confidérqção.
. Qlanto á~ diciplinas , ·ná.o
fallei . nefie generü; de -..caftigo ,.
porque huma .boa educaç}ío fn-
4. (uperfluo o. (eu; ufo , ~x~epto
porém !e o ~~ni:p~ fo!' .i,prra-
étavel ., :inerte~ ,_ f~ou~~ ; ~ fen-
fiyel . fó á violencia_da dor ~ ,ou
porque ,eftragado::.colI! o·, mimo .:,
ou · creado com 4ef.c uido , ou pe-.
Ja debilidade . da -fua · cQnftitui-
ção- ,. "ou por . a.1gu!l1~ mol~fiia .,
fendo , c~ftumado a ver li.ronge~r
todos - ·os [ells ,appetites , tenha
chegado áqueIle ponto -rde perti~
naçia ,de IDllndar. ~~m. ·iIl?·péri o ,
... .' .J • ne-
110 .. 'A ,A rA " .~
honeílas , e brio[as.
As crianças são incapazes
de difcu[são : . regnlão as coufas
pelo valor, que lhes vem dnr.
,Encarecei a volfo dj[cipu1o a-
quella qll ql1izeres que elIe e[-
time , e ver 1S qu d lla fará
apre;) . Infinuai-lhe huma ação
lollvav 1 , para o incitar a o-
brar outra p r fi , e jndep n-
t de adv rt ncla. fIe fia huma
f. eU ne conomia.
COl1C.cdei-lh · tudo P lll}
P f-
V I G I L A "'.T E. I 13
permitte a fna idade , :nâo ~por
que feJa bom 'e1n ·fi . ,- m ~ s co~
-mo neceíf;uio á 'debilidade dos
feus ann s : negai-lhe ifiq . mef-
mo , nao .porque.. em fi -reja .éf-
timavel , mas -porque .0 . ama "
e [e nao deve ufa-r . de induIgen.-
cia' com huma 'criança , -que ',pro'-
cede com defacbydo. .. ~ ~ ,
. Não lhe offereçais eftes in-
tretenimentos' "como recompenfa
digna delle ; no~ objeétos efli-
" maveis, ' e que "eUe toda a vida
deve vén~rar , he qu:e deveis fa-
zer confifiir o verdadeiro pre-
mio; ·como :por 'exemplo :. a be-
nevolencia' ·de [eus parentes ; .aI-
~m precei.t<? · de .Religião , que
·nao tenha. cumpndo amda' ; -a l-
guma acçao fuperior á rua ida-
de , e que 'ainda nâo .fizelfe ; o
H gof..
114 A
• gofto de aprender alguma cou+
fã , que appeteêe ; a eíhmat::ão,
• :I