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k~AIA

-
VIGILANTE,.
ou
REFLEXOES
SOBRE
A EDUCAÇÃO DOS MENINOS,
defde a inf,meia até é! adolefeencia,

A' ILL,M ,~ E EX,MA SENHORA '

CONDESSA DE ,OEYRAS
Offereee
D, JOANN A ROUSSEA U
DE VILLENEUVE.

LISBOA:
Na Officina de ANTONIO VICENTE flA SILV.4.·,
Anno de MDCCLXVH.

Com tQdas aS. licenças necej[aria:•


. '
\ .
'ILL.MA E. (EX.MA. SENHORA.

T.·
&:;:;;~~=, FFERECER a v:
E~cellencia ejtas breves re-
.
flexões [obre a eduçaçao d0 4
*2 1ne 4
n.l~ninos ~ 1záQ .he oobfequio ,
ç.fn !?Úl~ 'h,e"obr.igação ; pois
lT. oExcellehcia ·com mão tão
~~ 1 ~

prõâ)ga l~e- tern c~eia de be.-


nefi(;ios, °que ingrata ·fora "
[eizão bufcaffi os meios de'o

mojtr~r-n2e .flg"qdecida.
_oi. fle tão °dev.i4o efle meu
tl~ibutô , qu'e d,à perfeita edu-
c,ação·,.O que V. Excellencia
dep a feus illuftres Filhos,
( I . •

he. gu§ aprendi as maximas,


tlue. nefla obra exponho. Que
Jtlãi nzaisoextremofa que V.
, ~x.cellencia? Mas quem ao'
1nefn..1o tel1lpo 1nais anciofa
,do feu enfino ~ Quem 1nai .
previ/ia 'o vigilante , e. oàd-t
ver-

.
"
. . . . .. ~,

vertid-a~ ~üfc~i:t-..'o fe"u ~apro­


veitanlento .:11:
"" . Excelle/ncia
. . ~ .
/' ~

encerra: em.fi todos ós)l:otes


da natureza" e fl fua {tr.an4e'
dlnza he othrono de toâqJ. as'
"
virtudes. .
Forá delnaziada ou[adia,
fe 'n1e'aireveJfe', á éircunftqn.
ciar as peljeições, e prçdi-,'
, cados , que re!plandecen.l e11'l
v.. Excellencia... · Tão alto .)

affiunpto he deftillado para,


penna mais elegante. Só o
que pertendo he in'l1nortali-
zar a n1inha gratidão, e que
O' rnundo conheça, que che.-
gou a minha ventura «n'ze-
recer o alto patrocinio de v:
~Ç,llCllcia., A
,-,.., '- ,-
.A. P eJlPCt de V. ~xcel­
lencia guarde Deos por "di..
latados annos, para ter o
i .pftt1vle ver', Netos dignõs
do.s· Pàis , 'e .:(fvós efclare'"
c'idos , a quem ~ ' Reino 'deve
afua lnaior gloria. '
, \

, lUu{hiffima " e Excellentiffima.


• . ..~', S~n'hora

Beija as maos de V. Excellencia

A mais humilde, e reverente ',


criada

\
N' Ao afpiro à gloria de ~Au...
~hora ; mas fim . defejo , [~r
util a .hpma N~ção '. ' qtle pelas
[uas ' virtudes, ' e natural· viveza
amo , e hoje".. c90fidero cômo
propria : e dependendo os nof-
fos bons , ou .máos coftumes da
boa , ou ma' , J
creaçao , que na
infapcia ·recebeinos , efcrevÍ ef-
tes apontamentos ~ que podepão
fer de algum aproveitamento
aos Pais de familias .
.Pudéra fazer .huma diffu[a
difrertaçâo , para molhar a for-
ça de huma boa educação , a-
montoar authoridades , accumu-
Jar allegações ' , referir ' o metho--
do que feguião os Antigos na
.. . edu-
e~ucaç~o c. .fep~' filllõs =;-~ citar
o s GregDs , os: Pérfas ' ,J e~ _o~
Chinas , pôr a . contribuição to-
d a~ as: N ~ções _, e todos (J~ AUi-
thores .; mas efia erudição.; a:: -
lém · de fafiidiofa , pareceria a"!'
]heia da ' noticia de huma mu'"
lher· , a quem fe não -favorece
pôucQ , quando 'lhe concedem Q
entêndimento neceírario , e [uf...
peiénte para reger a economia
dà Iua cafa. Direi porém fem-
pre , que a boa. educaçâo repri-
me~- a{) paixóes mais defordena-
das ; reÍrea o genio mais indó-
cil .1 1modera . o turbulento; do-
ma' o ·pertinaz; infiiga o inerte;
adianta o vagarofo , , e trans-
fOl:ma a mefma natureza.
.. A experi.enci~ de . muitos
<1..11:110S ·.me tem · defenganado de
rnuit,a:s . preoccupa~ges a .re[peit
da
da educação. Efié- fefá o motivo, ,' ,
por qqe ,'fe acharão 'talvez ' nef-
tes apontamentos algumas maxi- '
mas ~ontrarias ao cofl:mne ; mas
invefrigue-fe a natureza, eltúde-
fe o coração humano , pondére':"
ie a confiituiçã.õ do homem ·, e
eItou certa ql~e muitos· dos ' que
antes me '" cenfurariâo , depois
defl:e exame abràcarão o meu
;)

parecer. Não .duvido porém que .


alguns dos meus preceitos pare-
~ão frivolos a quem fe fatisfaz
com a fuperficie das coufas ; mas
quem cofruma profundallas , €
refle"él:Ír , .verá que daqllelle mef-'
mo:·. preceito , na apparenciã fri-
voLo ", emanão" verdades ' indubi-
taveis, e confequencÍas'~ de gran-
d~ ponderação: outros parecerão
demaziadaménte brandos.' Mas
e q~e ·ferve o. rigor , fenão . de · .
entorpec:er 'o ge~ió , <> .e[pl~tt~-'
e o ' temperamento da mocidade?,
Muitas , Mãis - ·me criminarao de
a[pera , vendo-me recornD?endaç
com' tanta ancia fe contrat:ie~
os appe.tite~ das c~ia'nças; fe n'a o
affaguem , nep] .. ~únimem . çom
demazia ; que de inverno n~o as
agazalhem exceffivarnente ; . que
aS' ~la vem a ' mindo em agna fful
na eftaçâo mais rigorofa ; que
as .deixem anciar á chuva , ao
Sol , &c. Ma~ efias amantes,
e extremofas .i\1âis nao coníide-
=-âo , que a melindro[a educaçao
quebranta as ' forças do cor-po,
e do efpirito.
. Nâo pertendo iníl:ituir-me
Legisladora. Se as maxirnas que
proponho parecem adequadas á
razão," e podem fer uteis' , oh..,
ferve'm-fe. FeI1z
,,
me ~chamára ~
mil
ve~
vezes , fe o e~ito correfpondef-
fe ao ' ~meu defejo. Rol1in' , e
L ockhe - são os meus abonado-
res"- Os --livros -- excellentes j -q~e
effrevêrão [obre - a educação,
próduzlrâo as minhas -tefl~xó_es ,
e 'eil.es . apontàméntbs sãô o fru-
to de1las. - -
. Póde [er 'cjué- ' no que efcre-
vi nada Te adie de novo; e que
julgando - _eu -expor as minhas
proprias idéas , ' hão ~aça outra
coufa" mais que tranfcrever as
'dos outros. Olhe-Je ' para o 'mo-
tivo que me fez pegar na pen ·
na ; . ~ attenda-[e ao meu ~e'lo,
deixando de parte , fe 1:') ollin ,
Lockhe, ou qualq~ler outro, an-
tes de mim differão as ·~ verdá-
des- que proponho.
.. '"I ~ .

LI-
LICENGAS
DO SANTO OFFICIO.

Cenfura do M R. P. MejJre Pr.


J ofé Malaq1lias , Prefentado
em S. ''IheoJogia, Gonfultor do
Santo OJlicio, Examinador Sy-
1lOdal do P atritircado , e das
'Ires Ordens .Militares , .Aca-
demico do numero da Real A-
cademia , e Lente de Prima
do Real Gollegio da Serenijfi-
ma Rainha D. Catharina, &c.
I LL.MOS S EN HO R ES.
Ste livrinho verdadeiramen-
E
. te de ouro , cujo titulo hé:
A Aia vigilante, ou Reflexões
,[obre a educação dos mellinos, ·
de/de a infancia até á adole fcen-
cia , e que pertende dar á lu.z
dQ
do,' prglo rua·AÚthora 'P'! loãij~
orla R:Ot;lÍreau de ViHeneuve ., he
não· fó , merecedor da )icença,
ql1e~ fe pede "nefie Santo Tribu-
Jlal ,; ' mas '. pela:, grande. utilidadê
'que dará á , Républica . política,
e, chrifl~ digno era dos maiores
louvores " e , majs authorizadas
'recommehda~óes ~ , para que nao
.fó as Aias dos meninos pobres,
, ~ quem~ a Amhor.a: principal~en­
~e o dirige , mas tambem tQ-
:dos .os -... Pais .'de familias Q yif-
fem , e leffem: .repetidas -ve:?es ,
a prendençlo na~ ruas , .maximas o
nlethodo verdadeiro 'de . eduç~­
,rem bem á [eus filhos; o qua1
deve , ,pl:mqpia-r -::Oe[de,-<.à inf:1n-
cia , {egundo as -regras de mf-
trucção , qLÍe dá a' Ãuthora nef-
·t a ol r a , ,mui femelhantes; e coil...
formes ás que dâo 'Os Fjlofofo~
... ~.. ti Mo -
-~I6~aês '~ -e e-nfim~ tt Tlíeorogia.
-Efie -he o II!et) parecer , V ofras
. . llufiriffimas mandarão O' que fo-
m 'fervidos. ;S . .Domingos de
Lisboa aos ", 4- de Fevereiro de
1767. ' . "-
r: " - '. Fr.
.
J f)fé
.
Mnlaquias. .

V Ifta a informação , PQd:e-


fe imprimir o livrinho, de
'q ue fe trata (, e depois conferi-
do t'Ornará para fe dar Jicença
que corra ~ e 'fénl ella l1ão cor-
.rerá. Lisboa , '6 '''de Fevereir .
de 1767, -

Mello. /IbOrêl. Lima


. . ,D O ~ O . RD IN:ARI O.'
Cenfura do .Lw. 'R. P. M Doutor
: Fr. Manoel do Cel1aculo , Reh· '
~ giofo da Terceira Or..dem. da Pe-
nitencia , Leitor Jubilado çm
Theologia , Oppojitor ás Cadei-
ras ila mefinl! Faculd(lite,. na Uni-
verjidaae de Coimbra, e Chro-
--nijla da tua Religião:, &é.
.
'. ILL.MO 'E REV.M9 SENHOR~
.
~ . .. ~

-'" S ·duas couras "l1).portante


..Ll... para er perfeita .qllalqu~!'
compofiçao literaria , ambas cqnr
correm no Efcrito , que fe 'apre-
fenta. ~,. à. - máteri util. ,. .~ a fór-
ma de a propor com dignidade.
Trata~fe nel1e da boa educação
0 0 : meninos. lfio he : da edu...
ta ~ao que prepara o homem pa--:
., ra
ra ,,'";ver 'j'egulado' pelas leis dO'
1

homem, e não ' como pura ma~


quina, que ' r~mov e ópportnna-
1~1ente ' os ~ defeitos ou difficeis,
ou . incuraveis no futuro " e que
produz nas idades ienras a · re~
prefen~açâo brilhante do qu~nto
lerá Jium ' dia re[peitavel á R~~
publica _, compáfia ' d~ V arõ~s
bem educados.. .As maxim,as, [o-
bre que eítabelece o edificio da
peifelta "educação {1,!a labia Au-
thora' , .Rão :cheias' de verdade,
e de zelo' 'pelo' ber:n'. da Nação,
q'ue lhe fefá femp re a gradec~~~~ ,
Conferem grande authoridade a
efies Documenteis as. aoutrinas
dos bons:.EfcrÍ!ores , que a in~
genuídadé da Authota não J[ou-
be' occuttar ; mas á fuà expé-J
ri~ncia ; } 'l~alificada por el~eltos
excellentes , a .enfinoll a Ullatar
~* a ma-
'a materia., com -reflexÕes " pat:ti-
culan!s , .que formarão perfeitas
Mãis de Familia " e Aias- de vi
gilancia , infiruida " " e - anima ',.
Efies , motivos dão titulo para .re
,efiampar efia ' Obra , que não
he certamente da confIderação
daquellas , pór que os Legislado~
res de hum , e outro Foro ne-
ga rão a voz púBlica ás Peffoas
do belIo fexo ; mas antes feme-
lhante magifierio , . fendo fabio,
e," util , excita. a curiofidade "pe-
las gr.a ças, queJhe são proprias,
e pela novidade, nafcida mais
do de[cofiume " que da jnfuffi-
ciencia. V. Senhoria determinará
como for fervido. ConVento de
N. Senhora de Jefus de :Lisboa
de R "ljgiofo~ d~ Ordem Ter-
: l:Clr~ m 4 de Março de I767..~
, Pr. Manoel do Cenacu/o . .
.' f
• . Vif-
~ '7 Ift~ 'a ~n~otma.ção , pode-
V _fe ImprimIr o lIvro, de que
fe trata, e depois. conferido tor-
~ rará para fe da r licença que
corra , e fem ella não correrá.
Lisboa, 9 de Março . de 17 6 7.

Coelbo.

D O P A C; O.
Cel1ftlra de Joft · Caetano de
. ]J![ejquita , ProfeJJor Regia dê
Rbetorica , e Logica no ColJe-
gio l~eaJ dos Nobres , ire.
S E N H O R.

s Reflexoes Jobre a qdllca-


A ção dos Me1Jinos ,qv V.
M .a geHade foi fervido ' mandar
í ** z que
q11e ~u vil1e , e efcreveo Doná
Joanna Roulfeau de. Villeneuve,
trata0 d'huma materia·, que cer:
ta mente he das mais importan.
tes ; pois nada póde . n1ais do
que .ella . contribujr para p adian-
tamento , .con! rvaçao , e feli-
cidade dos Efiados, fendo regu-
, lada p as maximas , que a ra-
zão dié1:ou a qu m a ouvio at-
tenta mente , e , a Religião efia-
b el~cida por hum Legislador in-
finitamente fabi o aperfeiçoou de-
pois. Tudo o que a Authora ef-
t:reve h d huma efcolha pru-
dente , e d fumma utilidade,
além de ter por fi grandes abo-
nadore . Lokhe , grande Filofo-
fo ) fabio Medico, tratou dOl1-
tamel'f"e a mat ria, fegundo o {eu
<.ren; e 'a fila Pro6f1 ao. Rol-
lin - he um M fire mCQmpara...
_" ) vel ;)
vel , e merece· .} ouvor o mais
diftinto- pelQ . continuo , dilata-
do ~, e ler' o efii1do ,. -que [obre
.;. . . marerÍa., fez : . <> feu . méthodo.
he regra geralmente na Europa
p.ara os Mefrres , que procnrão
acertar : eu ' pela propria expe-
iencia tenho obfervado o fru,.-
to , que delle refulta , cumprin-
do as obrigações , de que V.
l\1agefiade me ten1 encarregado.
A Authora pO['l effeito do feu
zelo , e amor do be~ publicO'
ajunta cuidadofa·mente tudo ci
que com. a rua quotid.iana ex
periencia tem alcanç'1rl q ., e de
que vemos bem preciofos ,
fijn1a veÍs teftemunhos entre pef-
foas de nafcimento muito iJ' f-
tre defl:a Corte. A' vifta difio ,
louvando-lhe muito a fua ' _plt-
caça0, e efrudo , julgo que
. . me-
merece a licen'ça que 'pede. V.
Mageftade rriandará o que for
lnais jufio. Lisboa , Collegio
Real dos Nobres, . em 22 de
Março aeI 767. -'
.7ojé (:futano de Mefquita.
Profelfor R egio de Rhetorica, e Logica.

Ue Ie poifa imprimir, vif-


Q tas as licenças do Santo
Officio , e Ordinario , e
depois c}.e impreífo tornará á
Meza conferido paria fe dar li-
<:ença para correr , e [em 'e1Ia
nao correrá. Lisboa , 24 de
Março de 1767.

Afol1fectl. Pacheco. Coflro. J7iegaJ.

A AIA
I
./
IA AIA VIGILANTE.

Im.
A
"
I] PRIMEIRA pet.
foa, a queJÍl ~s Gran-
des, e os RIcos en-
tregão a educação de
feus filhos , logo que fahenl dos
braços da Ama, he a Aia , que
f'Oi efcolhida para [eu enuno. As
iInprefsões , qüe. defta na infancia
recebem, são mais importante." t:
conuderaveis . do qüe fe im ~ Zi P3.;
não fendo de pouca contequeu.,
cia aquellas ., que . a Ama .lhes
.) A " ln~
;!Z -A A I A
'jnfl1nde. A experiencia quotidia-
na mofira , que as primeiras im-
pre[sões infl uem nas inclinacões
primeiras de hum menino ::> ef-
tas em feus primeiros, cofiumes;
e que fe defies não dependerem
algum dia as boas qualidades,
ou defeitos do [eu juizo , a el-
les ficarão quafi fempre fujeitos
as virtudes , ou vi cios do feu
,.J ,

coraçao.
Na eleição da Ama , pois,
haja grande cautella. Alénl das
• qualidades fy ~cas '. deve fer l!l0~
rigerada , e lntellIgente , ter o
coração igualmente são, conlO o
co' o. A intemperança das pai-
o s póde , como a dos humo-
'e~ alterar-lhe o leite. Demais
o upar-fe fá do fyfico , feria
.cou[egllir lmicamente a metad~
• do
VIGI LAN 'f E. J
do objeélo. O leite póde fer
excellente ; e a Ama péffima.
Hum bom cará'éler nâo he me~
nos e.fTencial, que huma boa co-o-
flituicâo. Tomando-fe por Ama
hum; mulher ~icio[a , não per:...
tendo que o menino contraha
feus vicias ; mas' certamente o
feu temperamen~o [e eftragará.
Não lhe deve elIa com o lei te
os cuidados , que pede tão mi-
mofa idade? Muito zelo , n1llÍta
paciencia , brandura, e limpeza.
Se for golo[a , intemperada , bre ...
vemente fe lhe corromperá o lei-
te: fe defcuidada , ou an"eba-
tada , a quantos perigos fe nao
verá expoHo aquelle defgra~állo;
que nâo tem forças para fe ne...
fen~er , nem p~lavras para {e
quelxar_,
Con..
;+ : 'A A I A
Con4derelTIOs . a criança no
infiante, em que abre os olhos á
luz do mundo .. Como a mi[eria',
~ a fraqueza são o primeiro ef-'-
tado , em _que .{e acha, as .[uas
primeiras vozes são os gemidos,
e as lagrimas. _Logo experimen-
ta neceffidades ; e naó podendo
fatisfazellas , inlpIora o [occorro
dos outros com [eus gritos. Se
tem fonIe , ou fede , chora ; [e
frio, ou calma, chora; [e pre-
ciza agitação , e o deixão face ...
gado, chora; [e quer dormir, e
o movem, chora. Menos o [eu
comp1odo della depende , cOln
mai frequencia pede que a mu-
.-J r .J
Clll ; e como nao tem ienao
hurr genero de de[commodo,
tanlbenl tem fó huma .unica Iin~
guagenl para o ' exprimir.. N!1-
1m .. •
imperfeição dos feliS orgaos -.,n~
r

diftingue as fuas diver[as impre[",


soes. Todos os males, que ex~
perimenta , ~ nao rem p~ra ella
mais , que a fenfação da dor. 1
.' Se efta na[ce da falta de 'ali':
mento , a Am'a diljge~te' , .e an~
CiOÚl , offerecendo-lhe o amante
p eito , a focega ; fe he pro'ce-
dida de moleftia , 'como a não
póde remediar , procura difira-
hiHa.. FalIa-lhe com mei.guice;
em feus braços o aperta, e af...
faga com ternura . .Efies de[vel.:
los, efias carfc ias , que feu .p ran-
to incita0, sao o primeiro conhe-
cimento que adquire, e para f)S
alcançar , brevemente com os
me[mos fina es declarará necef-
fidade menos urgente , e dores
menos Yivas. _Confegllidos, dará
\. ao
6 A A 1A
ao aepois fem neceffidade, nem
dor , novos gritos , derramará
novas lagrimas.
Ainda ~nvolto nas mantilhas,
ou lhe obedecemos, ou nos o-
bedece : fe chora , o acalantao:
para que fe cal1e , ou fe aquie-
te , o , lifongeao : [e continúa,
~ .
o ameaça0 , ou tyrannlcamente
he maltratado. N ao ha meio;
ou nos fobmettemos a {eus a p-
petites , ou o flljeitamos ás nof-
fas vóntades : dá ordens , ou as
recebe. Affim as primeiras id asI

que a criança concebe , e fe Ih


imFrimem , sâo as de imp rio,
o Drvidao. Antes de faber fal-
lar, ordena ; antes de poder o-
brar; ob dece. Algumas vezes
he cafiigada , antes que polTa
conl ecer , o que f, tia culpa, an~
tes
V I G lL A N'T E. ,
tes mermo que a paIra commet-
ter. DeRa [órte [e vão introdu-
zindo em [eu coracão ainda ten-
;)

ro as paixóes , que ao depois


fe imputão á natureza .; ' e ten-
do-a feito viciofa , queixão-[e de
a acharem tal.
A experiencia mofira , que as
primeiras lagriinas das crianças,
fendo fupplicas ; brevemente, fe
não houver cautélla , feráo or-
dens ; que começando por pe-
dir que lhes affiHão , acalJão
por te fazerem fervir ; e que da
fua propria fraqueza , de que
nafce o fentimento da rua de-
pendencia " procede infenfiYe1~
lllcnte a idéa da dominação;
mas fe refleélirmos , que fendo
eRa mefma idéa menos excita-
da pelas neç·effidades , que ~x-
pen-
S' A AI A
perimenta a criança ·, que pelos
ferviços , com. que lh~ lifongea-
mos os appetltes ; vuemos no
conhecimento , que efté he ' ó
ponto', em que começão a mof-
trar-fe os effeitos moraes , cttia
caufa immediata não eHá na na-
,J •

tureza ; e porque razao lmpor- '


ta defde a Infancia difiingl1ir a
i~tenção occult~ , que diéla o
gefto , ou o grito. Q.Iando a
criança efiende' o braço com for-
ça, [em proferir voz , julga que
pode chegar ao objeéto , que
procura , porque não avalia a
difiancja ; mas quando chora, e
gr' a efiendendo o braço, então '
Ja te lão engana a refpeito da
djfiancia ; ordena ao o~jeao de
fe aproximar , ou a quem fe a...
~ha orerellte
~ .
de lho trazer. No
.
pn...
V I G I L A N 'T E.' '9
primeiro- cafo deve a Ama leval,-
la ao ohjeélo lentamente, e co~
pafios vagarofos ; no fegundo
não mofirar que a ent~nde_ ; e
em quanto gritar, nunca . feja at-
tendida. He importante cofiumal-
la cedo a não otdenar . aos ho.::.
~

mens , porqu~ os nao go~erna,


nem aos objeétos , porque a não
entendem. Aílim quando a crian-
ça defejar alguma coufa que vê,
e [e lhe quer dar, he melhor .le-
vaIla aonde efiá , que trazer-lhe
o que pede. Defia pratica tirará
huma conclusão propria da fua
idade; e não conheço, para lha
fusgerir , oqtro , nem melhor
melO.
A Ama certificada da [aude
do n1enino , fe não advertir at-
tenta em reprimir aquelles. pri-;
melros
'10 A A I A'
meiros impulfos da ímpaciencia;
o menino contrahirá hum habito
difficil de defarreigar por efie
,defcuido. A' menor vontade , á
menor demora em contentaUo,
feguirâo altos gritos , movimen-
tos convulfivos. Q1;le nâo [ucce-
derá , fe a Mãi defvelada , não
fá determina , que fem dilação
fe obedeça a [eu filho; mas ain-
da ordena {e adiantem em [a-
tisfazer a feus minimos defejos?
Então não crefcerão fells a ppeti-
, tes , á proporção da facilidade,
com que verá cumprir fuas von-
tades ; fim em razão dos feus
quereres. Pertenderá coufas im-
putfiveis: quererá juntamente, e
nâo quererá : cada parro da [ua
vida ferá affinalaclo pelas vio-
I ncjas , que permittirem á [uà'
ida. .
VIGILAN1'E. ,lI
idade. Ainda nao viveo ' dous an.. ·
n.os ; e já fe acha com mil de-
feitos adquiridos!
O jubilo , com que os. Pais,
e Mais ouvem as primeiras ga-
guejadas vozes de feus filhos , e
a diligencia , qúe fazem as A-
mas , para que as crianças le
anticipem a faIlar , são capazes
de lhes callfar idéas confufas,
e de as coftumar a dizer o que
nao percebem, julgando preci-
pitados: vicio, que arrafta taes
confequencias , ainda para o fu-
turo , que profeffando as mais
nobres lciencias , o confervamos
fem o advertirmos, por nos ha-
vermos familiarizado com eI1e
defde o primeiro ufa da lingua.
Sendo as lagrimas a fraze
natural da'luelle , que com pa~
lavras
12 "~ A -A I A
lavras não pode explicar 0 - Iéti
fentimento ; logo que as crian-
ças COmeÇa0 à. fallar , chora0
menos. Efte progre[[o he natu-
ral. A huma linguagem ' !ubfii-
tu em oútra. Já que com as pa-
lavras podem expre[[ar que pa-
decem , por que darao gritos,
menos que a dor feja tao vehe-
,.I
mente, que conl as vozes a nao
pofsao exprimir ? Se continua0
a chorar, he fempre culpa, do
que eftao perto delIas.
. Se o menino for muito fenfi-
vel , e que naturalmen te chore,
ainda fem motivo, inutilizando
feus gri tos , e nao lhe conce-
dendo o que pede , de todo
fe emendará. Em ql1anto chorar,
llao fe chegue a Ama para elIe:
logo que ' fe cahl1~ , allciofa o to ..
me
VIG'ILAN T E. 13
me' em feus braços; carinhofa o
affague , e brevemente o filen-
cio , ou hum unico grito ., [erá
o [eu modo de a chamar. .
Logo que as crianças [e vão
reforçantio , menos são fttieitas
ao pranto. Podendo mais por ' fi
me[mas , com menos frequéncia
neceffitao de recorrer aos outros.
Com a fua força fe defenvol-
ve o conhecimento , que as póe
em eítado de [e regerem. Efte
he o [egundo gráo , em que co-
meça propriamente a vida do in-o
dividuo. Entao he que eIle [e co-
nhece a fi me[mo. A memoria,
dilatando o fentimento da idell"!
tidade, em todos os infiantes
da rua exiítencia ; o faz ca paz
da felicidade , ou nliferia.. Efie
he pois o tempo de começar .a
çon..

.
14 A A I' A
confiderallo como ente n10ral.
Affim que [e julgar defuecef..
faria a Ama , fe prive o lneni-
no da rua vifia. He certo que no
primeiro dia, [audofo derramará
enternecidas lagrimas. Se eilas
procederem de amor , e fenfibi~
lidade , fejão enxutas com cari-
nhos ; ' pois fempre moUrão hUln
coração meigo , e confequente-
mente difpoilo aos affeétos de
ternura , e piedade. Se nellas
houver demonfiração de máo ge-
nio , não' deixe porem de fer a-
mimado; mas diminuão-fe-lhe os
affagos á proporção qu a rua
rebeldia augnl ntar. Se pedir aI...
gtlma coura com lmpaclencla,
negue-fe-Ih com brandura, ad...
vertindo-o qu nada confegllirá
todas as vezes q~e o nao pedir.
[0-
V I G1 L A N Te E. J5
fobmilfo. Póde fer que nao per-
ceba a fubftancia deftas expref-
... ; mas percebera o tom , e
soes I

o modo , com que [e lhe faz a


advertencia ; e vendo que rião
alcança o que pertendia , por
confufo , cançado ., ou defatten-
dido, fufpenderá as .lagrimase
Efte he o iníhtnte de o fatisfa-
zero \
No fegundo dia, fe fará ma-
ior experiencia do feu foffrimen-
to; e affim infeníivelmente fe
irá continuando nos dias feguin- e
tes, contendo-fe de o affagar, ,
menos que o vejao focegado , e
obiervando negar-lhe as carícias,
ou reveftir-fe de feveridade, lo-
go que fe moUrar pertinaz , e
impa ciente. Efie methodo nada
te.m de defl brido , ou crueJ. o~
• me-


16 A A I A
menino brevemente perceberá,
que fómente o ameigâo , quan-
do . he moderado ; e que nada
alcança , fe o não pede com
manfidão ; e affiln mudará o
gemo.
. Dos braços da extremofa A ...
ma pafTou em fim o menino para
a direccão de huma Aia intel-
~

ligente. Como neíl:a fuppomos


todos os predicados necelfarios
para dar perfeita educação, a a.I-
ma do tenro infante, qual bran-
da cera, transformará como qui- I

zero Mas advirta em fe não dei·


xar illudir por li[ongeiras appa-
rencias; profiga attenta , e in-
veftigue incefIànte, até no in-
timo do coração , do mima fo
difcipulo as\ [I ment s dos d fei-
tos , ou viciqs , que ainda que
. . de-
V I G I L A N T E. 17
debeis , e occultas , devem fer
de'firuidas a penas defcubertas.
Vós , que tão importante em-
preza tomaRes a vofIo cuidado,
fe quereis defempenhaHa com fa-
cilidade , e certeza , e fem vio-
lentar o menino, obfervai , quan-
do lhe fallares , que as vofras ex-
prefsóes não excedão :.l {ua per-
cepção , e na fua prefença hum
procedimento fempre igual, mo-
rigerado , e lTIodefro ; pois não
he com di[curfos eloquentes , e
frazes elegantes , que fe educa
hum menino : efres poderão il-
lufirar [eu e[pirito ; lnas o voffo
ajuítado procedimento he quenl
formará o [eu caraéler.
Logo que for começando a
diflinguir os objeétos , importa
muito offereceUos a feus olhos
B 'com
18 .A A I A
tom efcolha. N aturálmente to."
dos os objeé1:os novos interefsão
o homem , porque o conheci-
lllento, que tem da fua fraque-
za , lhe faz temer tudo quan...
to não conhece. Coflumando-o I

pois defde a infancia a ver obje':


aos novos, os lnais horroroios
lhe farão pouca , ou nenhuma
imprefsáo ; e infenfivelmente def...
terrará de fi todo o temor.
, N o principio da vi~a , . em
Gue a m mona , e a Imagma..;.
·cáo fe achão ainda inaéhvas , o
~enjno não confidera C0111 ' at-
,.J •
tençao maIS que o que move a-
é1mdmcnte feus delicados fenti-
dos; e affim, fendo as fuas fen-
fações os primeiros materiaes pa-
ra o [eu conhecimento , offere . .
ccr-1hos b nl orden os he pre
parar
\r IG'ILANTE. .19
-parar 'a rua memoria a lnini[...
trallos algum dia na me[ma 01'-
-dem ao [eu entendimento. l\1as
como o menino efiá attepto fó ,:
mente ás fuas [el)façóes ', mo[-
trar-lhe bem difiinétamente ' a
correlação , e união , que efias
mefinas tem, e con[ervâo com
os objeétos, qüe as causâo , ferá .
o que bafte. Tudo quer tocar,
apalpar , mecher : eRa inquie-
tação tão propria da rua idade,
não deve achar algum obfl:acu~
lo, pois lhe ferve de lição, tanto
mais nece1fc'lria , e u~il , que a[-
fim aprende a fentir o calor, o
frio , a dureza , a brandura , o
pezo, a ligeireza dos corpos;
a julgar da grandeza ~ figura,
e de todas as qualidades fenfi-
v is , olllando , ouvindo , a pal~
B 2, panda,
20 .r A A I A
11undo , e 'principalmente com~
parando a vifia com o taao , e
avaliando com. os olhos, a fen-
fação, que nos dedos expen-
menta.
Com efie pratico eníino vai
cre[cendo o menino , e defen-
volvendo-fe imperceptivelmente o I

{eu entendimento. Seus olhos tem


vifio lnuior numero de objeétos;
fuas mãos adquirido mais vigo-
ro[o taao ; maior numero de
palavras [e introduzjrão enl feus
ouvido, eHas fempre acom-
panhada da pr ~ nça d c rtos
obj ao ; c como todos os inf-
tant ,todas as acçó s ampleião
fuas id as, lle as cOlllpara , e
I

fc u {pirita fe di[põe pouco a


pouco para as com bi ações mo--
ra s. Efra he hunla nova razão )
pa-
VI GIL AN1·E. 1-1

para molhar quanto he t iJnpor...


tante offerecer a feus olhos , e
a feu elpirito , objeélos capazes
de lhe infundirem idéas juítas,
e lhe infpirarenl fentimentos lou-
va vis. lVlas he t.al a cegueira,
e amor mal entendido dos pa-
rentes ~ ql1e parece fe propõe o
contrano.
Todas as crianças na[cem
com difpofição á colera , á ira,
e á impaciencia. ~em não ad-·
vertio eRas paixõ~s , não obfer-
vou com cuidado o natural das
crianças. Aconfelho á prudente
_ Aia, que affafie do feu difci-
pulo aquclles que o provocarem,
irritarem, e inlpacientarem. Tão
evidentes são as confequencias,
que daqui refultariâo , que me
parece .Íl.lr~rfluo deter-me em
mo[-
~1. A A I A
mofirar o quanto [eriao fllne[j
tas , e pn::judiciaes. Enl quanto
as criancas=>
acharem refifiencia
fá nos objeélos , e não nas von-
tades , nao fet-áo impacientes,
nem colericas , confe rvarão a fau-
de ; e reprimindo a uelIas pri-
meiras inclinações , fe lhes inf-
pirará f:" cilmente a n10deraçao,
e a eqUldade.
O primei ros mimos , que fe
offi rcc n1 a hüm menino , avi-
'Vao feus app tites , lj[ongeao a
fua vontad , ou irrita0 a [ua
gula. A viv za do feu juizo, a
perE iÇa0 da fua. figura , são o
ohj o o prime" ros louvore ,
ql1 lhe dão. Seu illufire na~ i-
mento , ou fu as riqu ·z s, ao
as primeiras id a , que de fi
I

m [11 Ih · intima0 ; como do


Jla[...
/

. V I G I L A N_T E. .23
riafcin1ento , e das riquezas nun-
.ca ouve fallar , [enao com ref-
peito, ou inveja, julga que ef-
tes são os bens mais eflimaveis,
e que a tudo preferem. Se per-
gunta , he engan~do ; fe o que-
.. rem divertir , dizem-lhe abfur:-
dos ; fe manda , logo lhe obe-
~ecem; fe pa pagueia , he ap-
plaudi-do'. As fuas maldades pro-
yocão o rizo. Enfinão-lhe a dar
pancadas, injuriar, arremedar,
e e[carnecer. O que lhe reCOffi-
mendão como racionavel , con-
fent 111 que o não pratique. O
que Ih prohi~em como repre-
henuvel ,. dis~arção .quan-do o
executa ; e mUlta v zes , o que
mais he para laflimar , con1 o
exemplo o inci ão. O cafligo
p.unc~ ~ g!le as âmea~as : a
froll-
24 A A I A
frouxidão ; ou o capricho deci-
dem os affagos , que fe lhe fa-
zem : fe o reprehendem , he fó-
ra de tempo , ou por paixao.
O que não alcança por fuppli-
cas , o confegue por importu-
no , por teimofa , ou com la- . .
grimas. Poderia feguir-fe Olltro
methodo '" fe intentaffem defor-
dcnar-Ihe o entendimento, ou
defiruir em feu coração até a
femente das virtudes?
Q.le imprefsâo podem fazer
na foa alma os principias que
lhe i nClllcão , quando tudo con-
tribue para , os extinguir ? Co-
mo refp ttará a Religiâo , quan-
do d pois d fe lhe enfinarem
o feus preceitos , o nâo obri-
ga0 a pl'aticallos com refpeiro,
e cuidado? Como te erá a fens
pa-
IG-ILAN1' E. 2S
parentes , fe eftes lhe não dão
a conhecer a fua authoridade-,
antes lhe tributão muito mais at-
ten~ões , que el1e lhes retribu.e?
Como faberá o que deve á [o-
ciedade , quando vê todos oc-
cupados em obfequiallo , e elIe
a todos trata ,com de[agrado,
e fuperioridade?
Todo engolfado na perverli-
dade dos fells gofios , e na def-
ordem das fuas idéa:s , ir-fe-ha
criando li[ongeira -- , e "branda-
n1ente. Mas que frutos fe po...
dem e[perar de huma educação
tão defarrazoada ! .~lalquer. ap-
petite apenas excitado pertende-
rá logo facial'. EUa propensão Je
reforçará p_elo habjto : os ruins
cofiumes [e multi plicarao ; e de
tão monfiru fa união fe forma- I
ra
"26 A, A I A
:r á no menino o habito geral d~
pão refpeitar a razão , e a juf.;.
tiça , e de attender fómente ás
fuas fantazias , e vontades.
Affim pa[sâõ efiragados os
primeiros fete annos da vida,
~ a tal auge tem crefcido feus
defeitos , que os proprios pa-
rentes · já os não podem disfàr-
.çar. O menino ainda fe f~jeita,
quando fevéros o reprehendem;
fobmettendo-fe ao pod r, e não
á advertencia ; por' m defde já
em ~ II coraçâo protefia nao re-
conhecer aut.horidad ,Jogo que
.a ida e lhe der forças para a
l'efifi ncia. A' Aia d [att nd ;
zomba de [eu confelhos; e pa-
ra L'lZer mai [eníivel tantos dil-
parat s , dc[preza aqu lIa , a
quem mais dev "ra ,qu ao~
pro-
I G. r L A N T E. ~ 7.
proprios parentes, fe a ' fuà ce-
ga paixão não pertu~bár.a o·s ef~
feitos da boa educação.
Entregue em fim ao cuida ...
do dos homens , o maior em-
penho confifie em reparar os a-
bufos , com que foi creado. Fa·
cil parece o cqnfeguil10 ; e an-
tes de trez mezes efperão que,
emendado, correfponda o feu
procedimento ás diligencias , e
djfvélJo, com que procura0 o feu
enfino. Mas quanto fe engana0!
Conl muito trabalho poderão
diminuir, talvez na apparencia,
feus habitos viciofos ; mas per-
maneçerão as raizes , que forti-
ficadas pelo tempo , com a al-
ma fe identificarão : feja-me li-
cito explicar-me affim ; e con[7
.titllirão hu ~ 1. [egunda natureza~
. N ão
28 A A I A
Não pareça exaggerada efl:a
lugubre pintura. A maior parte
das educações prova, que não
fou encarecida. Affim são crea-
dos ', não digo os filhos dos par-
ticulares , cuja má educação he
para .elles menos perigo[a, e pa-
ra a [ociedade menos iJnportan-
te , mas os filhos dos Grandes,
e dos Ricos , que são a e[pe-
rança da Nação , e que pela
rua riqueza, dignidade, ou na[-
cimento, influirão muito algum
dia m [ells cofiumes , e talvez
m [ eu deftjno , e gloria.
Per[u udem-fe muitos , que
nao d vem fer violentadas as
crianças em [eu prim iros an-
nos ; ma nâo advert lil que as
contradicçóes , que Íe lhes pou-
pão , são de poura confidera-
'"'
çao,
V IGILANT E. 29
.çao, é que as contrariedades,
que [e lhes prepara0, arraHarão
comfigo terriveis , e fllnefias con-
[equencias. Propõem fl1bjugallos ,
-quando forem . mais vigorofás.
Não fora mais facil, e mais
[egl1ro fazello quando mais de-
.beis ? Qlem examinou os ho-
mens na fua infancia , e os [e-
guio nos diverfos periodos da
vida , tem como eu ob[ervado,
que a maior parte dos defeitos,
que [e lhes conheciâo na idade
de [e te annos , os con[ervárâo
I I
ate a morte.
'remem. alguns , _ que repri ...
mindo huma criança , le per-
turbe a rua felicidade , ou fe
lhe altere a faude. He 111anifef-
tó por ' m , que aqL1elle que foi
çreado çom fobmifsâo , he ain-
da
ge A A'I A
da melmo no tenro· eftado da
infancia , mil vezes mais feliz,
-que o que foi mais amimado.
Inveftiguem-[e efies - effeitos , e
depois de n1aduro exame , def-
enganados conhecerão , 'que o
menino bem creado vive alegre,
{atlsfeito, e com aquelle placi-
·do focego , que nafce da inno-
cencia da mimofa idade ; que
tudo quanto alcança lhe he gof~
tofo , porque o confidera como
premio ; quando o outro pelo
contrario , anda fempr inquie-
to ; he colerico , pertinaz, Ín-
'confiante : fells app tites hun
aos outros fe d fi:roem : a me-
nor contradicção o irrita , nada.
;,

o diverte , porque tudo quanto


emprend , fem demora confe-
gue. li averá quem julgue , q~I(.~
._ oe~
"V I G I L A N 'T F.. 3.
o eltimulo violento , que de
continuo o agita , porra deixar
de influir em feu temperamen-
to ? ~le a inquietação do [~u
{'[pirito , a defordem das fuas
idéas pofsão deixar de lhe alte-.
rar do cerebro as- delicadas fi..,
bras ? Adiantemos mais a refle-
,.J ., . J ' '\
xao : poucas . sao as cnanças,
que educadas com mimo não ex-
perÍmentaífem nos primeiros . an~
nos [ymptomas de vertigens , e
depois de grandes , pelo de[or-.
denado procedimento , não dem ·
provas da perturbação · dos def-
concertados orgaos'.
MoLha a experiencia, que
morre maior numero de crianças
educadas delicadamente, <]ue das
que forao creadas [em melindre.
He certo_ que, n~o ~:xçedendo as-
... . me-


32 A A I A
medidas das ruas forças , ha me-
DOS ri[co em em pregallas , que
em pou.pallas. Exercitem-[e pois
as cnanças aos contratempos, a
que algum dia poderáo efiar [u-
jeitas. Endureça-fe-lhes o corpo
ás intemperanças das efiações,
e dos elementos, á fome, á fe-
de , e ao trabalho. Antes que o
corpo tenha formado habito,
com felicidade fe tran formará;
mas logo que houver adquirido
forças, e confifienci~ , qualquer
alteração fora p rigofa. Huma
criança tolerará a mudanças,
qu não toleraria hum homem
feito. As fibras do prim ira ain-
da Rcxiv i tom . . . o [em violen-
cia a fórma que [e lhes dá : as
do homem , mais endurecidas,
não fl1Ud ão 11 Dl grande difficnl-
dade
VIGILANTE. 3J
dade a configuraçao q ~ tomá..
rao : o que prova , que [e po-
de fazer huma criança 'obufia,
fem expor a fua " vida , e fau-
de ; e ainda que houveDe al-
gum perigo , nem por ilTo f~
deveria vacilar; pois já que ef-"
tes rifcos sao Ín[epàraveis da vi-
da humana , parece mais acer..
ado aventu rallos no tempo d
infancia , tempo em ue são
menos defaventajofos.
A con[ervacao do menino
;,

m r ce" ~ ~ duvida a m~is àef-


dada vigilancia ; mas r com-
mendo ' ""que fe attenda ao fu-
turo com "o mais particular cui~
dado. Contra os achaques da
lllocidade h qu fe d ve preve-
nir , antes que a ella tenha che-
gado ; pois [e o preço da vida
C au-
34 A A I A
até á idade, em que
poJfa [er tIril , que- loucura [e~á
poupar ~lgl1ns incommodos á in-
fancia , [e com iRo ao depois
[e multiplicarão os achaques na
idade da razaó?
Para [entir os grandes bens
he precifo conh cer os p que-
nos males. Affim o difpoz o Au-
thor da natureza. O homem ,
que nao conh· ce a dor , não
conhecerá a ternura' da humani-
dade, o deleite da commilera-
e çao ; nada commoverá .fi u co-
ração impedernido ; não [erá
fociavel , [erá hum monRro en-
tre [eu i guaes.
Par nt s c gos , que errado
metho o ~ guis , e quanto vos
• I •

enO'an:us ate nos motIvos, com


que proced is 1 Confiderais-vos
anlan... •
VIGILAN~E. 35"
amantes ,. e fois frou;:os ; não
amais a voifos filhos ; mas fim
o divertimento que vos causão!
Julgais que o Ceo os concedeo
a voifos rogos , para fer,em ob-
jeéto de huma louca cegueira,
ou para vos fervi rem de recreio ?
Ignorais que eIles' ão depofito,
I que de vós fiou o Omnipoten-
te , e que delle lhe dareis rigo-
fofa conta ? ~e fois refponfa-
veis á R' publjca , e á Polh:ri-
dade das [uns boas , ou má$
qualidades; pois da creação que
lhes deres, dependenl as virtudes,
ou feus vicios? Tempo virá , em
que os apparentes prazere ,que
vos deo a fua infancia , fe trans-
formarao em pezares. ~e ma-
goa ! Qle dor vos n~ o atravef-
fará o peito , quando vÍres o
C z, d f-
36 A A I A
defvelado objeRo dos volfos en~
ternecidos affeRos olhado com
geral"defprezo ! ~ando por pre-
mio da voífa effeminada indul-
gencia , eIle a vós mefmos def-
prezar ! ~ando efie filho in-
confiderado vos arguir deshllma-
no , de feres os allthores dos
feus vícios , os artífices da fua
ignomínia ! Então chorareis 1~.­
grimas de fangue : então culpa-
reis a Aia , criminareis o LVlef-
tre , o amigo , os domefiicos,
o univer[o inteiro. Parentes in..
jufios , fó de vós deveis quei.,.
xar-vos!
Pais, fe quereis defempe-
nhar efie precio o titulo, OCCll- \
pai-vos na educação de voifos
filh s , muito antes de ferem
nafcidos. Como o amor de Mãi
he
VIGILAN1'S. 37
l1e exceffivo , o feu extremo as
·d ifpõe . a fe deixarem facilmen-
te preoccupar. Se quizeres con-
ter feus afieB:os , nos jufios li-
lnites ; acautellai de ante mão
os funefios effeitos da fua dema-
ziada , e cega ternura. Fazei ob-
fcrvar á cara Efpofa a perverfa
edl cação, que voffos vjzinhos
dão a feus filhos : as defordens
a que fe entrega0 os mancebos
de igual , ou fuperior nafcimen-
to : os diffabores , que causa0
a feus Parentes : que a tal ex-
ceifo chega a rua relaxação,
que já [em remarias , e defca-
radamente pratica0 o vicio, ul-
trajando os diétames da N ature-
za. Efias reflexoes haveis pro-
por-lhe com affabilidade , agra ..
do , e brandura , -[em que ,po~
rem
38 A A I A
rém a fo ça , e vehemencia , que
vos deve infpirar intereIfe de tan-
'"' (tegenere
ta pon deraçao, , , e per-
ca o vigor. Vigiai [olHcito nos
extremos do feu amor; pois co-
mo Mãi he enternecida, como
Mulher he debil , e feria peri-
goro deixalla guiar pelas infpira-
cóes da rua fenfibir dade. Se nos
":t

braços da Ama com feus affa- ____


go , en mau voífo filho a [er
violento , appet' toro , e vinga-
tivo ; ainda que baixo da di-
rec~ã o de prudente ia, irá radi-
cando cftas perniciofas paixões,
multiplicando os ag rados, á pro-
porção , que o acariciado filho
o corre[ponder. lU vão o Mef-
tre.fi empenhará defvelado , em
introduzir no coraç'"' o do [eu dif-
cipulo as virtudes ; porque nos
bra...
·
VIGILAN E. 39
braços da propicia Mai achara
fempre refugio , no [eu .amor
defculpa , na fua indulgencia
amparo contra o caftigo. Não
vos defanimei porém ' : velai
confiante nos extremos da Mái,
e nos defacertos . do filho. Re-
primi huns , e ordenai os ou-
tros. Se hum · inftante vos der-
cuidais , [e hum infiante defam-
parais . volTo filho , talvez que
para fempre fique perdido.
Em quanto o ll1enino gozar
faude , não fe lhe confinta von-
tades , nem [e disfarce impa-
ciencia : e ainda que molefto,
raras vezes fe modifique efte
meth odo. Hum lllez de doença
he mais nocivo á fua educação,
que hUlll anno de cuidado , e
vigilancia lhe poderia Ler ve!lta~
jofo.

40 A AI A
jofo. Se I eriga a vida dº meni-
no , os afflittos parentes di[cor-
çoão , nada attendem mais que
o [eu [entimeoto : perturbados
todos [e defvelao em prevenir,
e ainda em incitar os ' [eus ap-
perires. N efie lance, em que he
t ao difficil moderar os affeéCos
da dor , deveria o Pai , como
mais conHante , deixar de ver a
{eu fiJho , para ao d~pois com-
municar á Mãi , e á Aia aqud-
la fortaleza , que ambas na af-
flicçao perdêrâo , e que tanto
precisa0 , pa ra inceffantes fegui-
rem o lnethodo da educação,
que fe havia com çado. Não he
a moleftia qu m o faz impa-
ciente ; he o habiro da impa-
ciencia , que a reforça quando
ha padcciment~ : he a frouxa ~ e
ti-
V I G I L A N T E: 41
tibia complacencia dos Parentes,.
que fazem ao menino tão excef-
fivamente infoffrido.
Efia lei de reprimir os defe-
jos , que nas crianças ,nafcem
mais da fantazja , que da ra-
zao , tem ainda outra excepçao,.
nao fei ú! diga abfolutamente in-
<li[pen[avel. Efta confifie em per-
mittir-Ihe no defcanço , e diver-
timento huma jnteira liberdade
.de brincarem como quizerern;
pois fendo indubita veI que o di-
vertimento , e brincos pueris sao
J)ao menos necefIarios á confri-
tuiçâo daquella idade , que o
mefmo alin1ento , e o defcanço
do [omno ; e nao havendo di-
vertimento , fenao o que he a-
prazível ; o que mais depende
da fantazia , que da razão ; íe
de-
4-2 A AIA
deve deixar ao feu arbitrio a e-
leiçâo do modo de divertir-fe,
ou íejâo ']uietos no mefmo lu-
gar , ou faltando, e correndo
por diverfos ; fem nifto haver
mais reparo , do que ao dam-
no , que fe podem caufar , fe-
rindo-fe , cahindo , ou maltra-
tando-[e.
~lando as crianças chór~o,
he facil diflinguir o motivo das
fuas lagrimas. Se ChOra0 para
alcan~ar alguma cou[a , que ap-
petec rão, ou fe lhes nega , he
t ima ,h impaciencia. Eftas la-
grima d vem fer r primídas com
~ v ri ade , pois a pcitinacia he
quem a faz derramar , e como
não podenl xecutar o que deIe-
jão, int ntao con[crvar por meio
de gritos, e das Iagrinlas o . i~
rel-
VIGILANTE. 43
reito , que pertendem , para o-
brar tudo quanto lhes diéta o feu
genio altivo, ou protefiar da
violencia , que imaginâo fe lhes
faz , confirmando-fe mais nas in::-
clinaçóes, que fe intentava 'fujei-
tar , ou mofirando pela liberda-
de ql e lhe deixão . de declarar
com as lagrimas .que são violen-
tadas , que tinhao jufios motivos
para fatisfazer os teus appetites.
Affim recommendo inftantemen-
te á Aia , que fe huma vez lhe
negar alguma coufa , e por irro
começarem a chora r , lha não
conceda, por mais que chorem,
e gritem, para que com o d f-
engano de que inutilmente fe la-
menta0 , e dcfefperâo nefia oc-
cafião , nâo repitão lagrimas nas
o tras4
As
44 A AIA
As lagrimas, que na[cem da ,
pertinacia , e defobediencia das
crianças , fervem fó de lhes con-
fervar , e lifongear os appetites.
Se com repugnancia obedecem,
de pouco fervirão os preceitos:
fe com rebeldia receberem o caf-
tigo ; a paixão , que' com elle fe
intentava domar , ficará viao-
riofa.
Se as crianças chorão pelo
mal que padecem, attenda-fe au
motivo, .r; ~ão foccorridas prom-
ptamente: procur -fe-lhes todo o
alivio; enxuguem-fi as Jagrimas
com brandura , perfuadindo-as,
que não ha caufa para chorarem;
offi recendo-lhes novos obj aos,
obj aos mais agradaveis , para
divertir a jdéa , que as afflige,
rindo-fe das fuas lagrimas , e
mof-
.~ IGILANTE: 4S
mofirando-Ihes que nao merecem
attençao; pois o cuidado que de-
genera em eftremecimento , per- .
{uadindo ao innocente menino;
que o mal que padece he , ffi,ui-
to grande, o faz demaziadamen-
te delicado .
Pelo fenfivel effeito dos fi-
naes he que as crianças avalia0
os feus [entidos. Por maior mal
que a fi meunas fe façao , he
rariffimo que chorem quando ef-
tão {ós , laIvo fe efperao , que
ouvindo feus gritos lhes acudao.
Se o volTo di[cipulo cahir,
e fizer alguma contusão, ou dei-
tar fangue , em lugar de vos
nl0firares inquieta , affliéla , e
cuidadofa , ficai focegada , ao
menos algum tempo. O mal já
nâo tem remedio, he precifo .
que
46 A AIA
que o t(llere. O vorro defvéIo
não ferviria mais que de au-
gmentar a fenfibilidade da crian-
ça. l\1enos afRige a pancada,
que o temor, quando ha contu-
são , ou ferida. Poupe-fe pois
ao menino efta ultima angufiia;
que elle julgará o feu mal como
vir que o a vallão os outros. Se
vir a [ua' Aia acudir-lhe a pref-
fada, e con[olalIo compadeci-
da ,juIgar-fe-ha perdido : fe a
vir focegada , brev mente el1e
nl [mo foccgará , e jul ará cu-
rado o mal, logo que não ft n-
tir a dor. O habito adquirido na
mais tenra i ade , d toI rar
foffrido os accid ntes da inf.:1 n-
cia , difpôe a Alma a [er inl-
p netra vel ás armas da ortuna.
Vós qu perten is dirigir
os
. .L ·ú I L A N T E. 47
os mal fegllros parros da Pueri-
cia no caminho da boa educa-
ção, ouvi meus confelh' s. Não
obreis como aquellas , que in-
difcretas cafrigâo , como fe fo-
ra fenuvel o pavimento, em que
cahio o [eu difcipulo , ou o inf-
trumento , com que ' íe maItra-
.tou ; pois lhe enfinarieis antici ...
padamente pernicio[as maximas
de vjngança. Não conGntais que
difpotico pertenda ftueitar os
'companheiros , porque fe habi-
tuaria á tyrannla. N âo deis ou- •
vidos ás queixas, que frequen-
temente fa zem as crianças humas
das outras ; o in ento que as
guia, he o vingarem-fe por meio
da pefloa , a quem fe queixa0.
E [e reprehendere o aggre[-
for , não o fi iba , nem fufpei-
te
48 A A I A
te o offendido. Nunca permittais
maltrate perroa alguma. O pou..
co damno , que as tenras mãos
faltas de vigor fazem , não fir·
va de razão para disfarça r, ou
applaudir aquelle de[ordenado
movimento de ira ; pois a ppro-
varieis a primeira origem da in.
jufiiça. Não confintais que o fe-
Jicitem quando vefiir algum ve[-
tido novo ; porque efre he o
caminho de fe fomentarem em .
feu coração os principios da [0-
. berba , e luxo. Enfin i-lhe, que
nenhuma cou[a artificial, ou na-
tural deve d {huir; e que todo
d vemo concorrer á utilid de
do Gen ro humano, e comm -
do d cada indivi uo. r une·
coníider is na acção d hum,
crian~a o damno, ou o effi Í-
to
V I G I L Á N T E. 49"
to pre[ente , por mais im portan-
te que reja, mas [ómen ~e o co[-
tume , e habito, que Jella pó-
de re[ultar. O difrurbio que fi-
zer por inadvertido , não lhe de-
ve fer efiranhado ; da ma' s leve
falta commettida de propofito po-
rém feja a[pera~ente reprehen-
dido. O cafiigo , que fe lhe da-
ria como pena do deliéto , que
con metteo por falta de adver-
tencia , e ufo da razão , feria
injuíl:o , e tyrannico ; e o que .
fe lhe não déi e pelo de caro
penfado , feria tacita approva-
..J
çao.
O excelfo no rigor , como
na indulgencia , fe deve evitar.
e pad cem as crianças, e lhes
não acodem , a não perigar a
vida , pode-f~-lhes alterar a fau-
D de :
SO A A I .A
de : po padas com demafiado
extremo , fe expõe~ a grandes
mife~ia s , e fe fazem delicadas,
e fenfiveis. Para não as expores
a alguns incommodos , que pro-
cedem da natureza , fereis arti-
fice dos achaques, que a natu-
reza lhes não deo .
. As primeiras vontades de
huma criança fempre são fracas:
são primicias faceis de reforçar,
e que a menor refifrencia aniqui-
. la. O menino fe coil: 1m rá a pe-
• dir com manfidao o que defeja ,
fe vê conq'ariar os feu.s appeti-
tes, quando impaciente. ~le ma-
ior prova de má educaçâo , que
~ello embravecer ao n1 nor re-
pudio?
Não perte~do porém que
fe afBijão as cnanças , contra..
nau. .
VIGILANTE. SI ·
~riando-lhes fempre a inclinação ,
porque poderia efte lnethodo fa-
zeIlas infociaveis , pOllCO fenfi-
veis , obfiinadas , e crueis. De-
[e-lhes {em demora o que pedi-
rem com manfidão , e modeilia;
e quando fe fu[pe!tar que não
pedem o que defejão , fejão pre-
venidas , recompenfando aflim a
fua moderação. IvIas o que fe
deve evitar he, que haja peifoa,
que lhes dê occultamente o que
já fe Ih s ti ver negado , faz~ndo
ob[ervar rigorofamente por to-
dos efl:e tão l1eceíIario preceito.
Nâo vos aflinlelheis com a
maior parte das Aias , que de
ordinario são afperas , freneti-
cas , impacientes , ou adulado-
ras de feus difcipulos , indul-
gentes, e frouxas. Algumas jun-
- D 1, tão
5'2 A A I A
tão amb s efies extremos, ido';:
"latras fucceffivamente , ou intra...,
i1:a veis. feu defmazelo , as
-fuas imperfeições são ~aufa da
maior parte dos defeitos , que
"as crianças adquirem. Confian-
te no procedimento , con ~ rvai
TIllúta igualdade no genio, bran-
dura nas palavras , alegria nas
lições. FaUai com o exemplo,
pois nada faz mais imprefsâo
nas crianças , como ainda nos
hon1 ns. P r mais ri! pida qu fe-
ja a comJ I iça0 do vorro difci-
pulo , jn~ nGvelment vereis a
fuavidnd ,e n anfidao da volTa
alma jntro uzir-fc na rua.
S quereis colher [azonado
'Üuto as vo s infl:rucçõ s, não
ofient is eloquencia, quando lhas
r s ,que fie vão apparato [ó
Ih
vIGILANTE. 5'3'
lhe póde fervir de d ifiracção,
ficando os diaames fem provei-
to. ~an d o o achares f0 cegado ,
. e a ttento , ee he o infiante de
lhe Íntrod lzi res os preceitos , de
o encanúnhares á verdade , e de
o Ínfiruire .as fuas obrigações.
uma Aja advertida póde a ca-
da pa o fazer na[cer eRus occa~
fióes.
Não vos acon[elho pois que
arrazoeis com o vocro di[cipulo,
porq 1 a ém de perderes o tem-
po , inca paz de reflexão , efia-
rá dia },údo , ou não vos com-
prehel d rá. Antes da idade da
razão não he poffiveI que for-
m mos hn rna idéa dos entes mo-
raes ,n das correlaçóes fo-:
cia veis : por elfe motivo evitai
quanto for poJliv 1 o ufo das pa-
la ..
54 A A I A'
la vras, ue os ' exprimem ; com
receio qt e a criança attribua a
dlas voze' id éas falfas ,. que não
fc~á poffivel de[vanecer ao de-
poi s. A primeira falfa idéa , que
entra no [eu delicado cerebro,
he a origem do erro ', e do vi-
cio , e ~ffim não podeis com
ema ziado cuidado acautelar tão
brande mal. Em quanto não for
pr occupado pelos objeél:os fen-
fiveis, brigai as ruas idéas a
fe afiringirem ás [enfaçóes , e
que lle não veja ao redor de
fi, e por todas as partes mais
que o mundo fyfico , pois fem
eIra cautela , ou vos não e[cu-
tará,. u c nc berá do mundo
moral , de que lhe falIai s , idéas
fantaD icas , qu já mais [e po-
rlerao d Hruir.
De
\f I G I L A N TE. 5S
De todas as faculdades do
homem a razão , que podemos
confidera r como hum compofio
de todas as mais , he a que fe
defenvolve mais difficilmente , -e
mais tarde. Arrazoar pois com
as crianç'as he c<?meçar pelq
fim, e querer fazer da obra o
infirumento. Além de que he
cofiumallas , por elfe meio a fe
íatisfazerem C01TI vozes , a con-
tradizerem tudo quanto . fe lhes
diz , a [e ju.lgarem tão h'lbias
como os Meftres , a fe fazerem
difputadoras , e teimofas, e na-
da alcançar del1as , [enâo pelo
incentivo do appetite, do te-
mor, ou da vaidade , quando
ficareis j.ulgando. con[e.guir tudo
por motlvos raClOnavelS.
~ando for capaz de alcan~
~ar
A A I
çar a grandeza ' de Deos ; ex";
plicai-lhe clara , e fimplesmen-
te , que () [eu poder ' fez , e do-
mina tudo ; que a rua bondade
nos dá todo o bem, que pof-
fuimos ; que a fua jufiiça nos
ampa ra , e defende; que como
Pai nos an a , e nos ha de dar
quanto cfperamos ; e que affim
dev mos adorallo, agradecer-lhe
o que temos , e pedir-lhe fob-
mi1l'os o que nos fa lta. Enfirui-
lhe o c l1to , que a Deos ie de-
ve ; as orações, que ha d di-
rjgir-lhe; corno ha d louvar
feLl b rndi to nome . e para o
jnfiruir s com o e' mplo , at-
tenta , e d vo a rezai com l-
I ,e na o ura a mais r ve-
rente; pois [allando affim a ~ us
olhos , hc que pocl r is perlua-
dir
LANrE. 51·
.dlr o feu entendi. nento.
Depois que houveres parti ..
. eipado ao menino a noção de
Deos , e como fe de e adorar ~
nunca conhntais fe efqueça -de
dar graças , nem que o faça em
pofiura pouco dec~nte , [alvo a-
chando-[e doente. N efie cafo em
lugar das oraçóes eofiumadas,
diga huma mais breve ; mas
nunca falte a eIla. .
Pouco a pouco lhe ireis en-
finando , e á proporção que o
u[o da razão com car a ter ex-
:l

ercicio , a incompr henfibilidade


de Deo 1 ~ us a ttri b\ltos , e os
myf rio da eligiao; a r fp i-
tar lua Omniporencia , e a obe..
dcc r a f us Divinos mnnda-
n1entos.
A fobmifsao , ob diencia, e
ref-
53 A- A r:).
refpeito , que ' os filhos devem a
feus Pais, ha de começar nos
primeiros annos da infancia. En- .
fine a Aia a [eu difcipnlo , que
a fua defgraça , ou felicIdade,
delle me[nlO depende : que o
[eu fer , o que poffile , a [eus
Pais deve: que ha de re[peitaI-
los como imagem do Creador,
repartindo Deos com eHes par-
te da fua bondade , do [eu po-
der , da Lua jufiiça , para o a-
linhar , o deD nd r , e o cafii-
gar : que o me[mo Deos orde-
na de os amar , e honrar, pro-
m tt ndo-lhes em recompen[a fe-
liz , e larga vida. Ma he ne-
ceffiuio que os Pai concorrão
para tão aj 11 fiado fim ; pois fe
o [eu procedÍln oto não corre[-
ponde ás voflas infirucçóes, def-
di-
VI . L ANTE: \
S9'·
izendo com as obras as boas
maximas , que lhes infi nuais , por
mais liçôes que deres ao meni-
no , todo o trabalho ferá , infru..
étifero
As primeiras faculdades, que
fe forma0, e fe aperfeiçoão em'
nós , são os feJ)tidos : efias pois
. fendo as primeiras , que fe de-
vem cultivar, são porém as uni-
cas , que nas educaçôes ordina-
rias efquecem, ou fe trata0 com
defcuido. Exercitar · os fentidos
não he f6 ufar delles , he apren-
der a bem julgar por meio del-
1 s , he a prender, para nos ex-
plicarmos affim , a fentÍr , pois
não fabemos apalpar , ver , e
ouvir, fenão como · o apren-
demos.
Não fe exercitem fó as for..
ças,
60 A A I ._ ~ · '
ças ~ exercitehJ-fe todos os fen-
tidos , (p.re as dirigem : tire-fe
de cada 1 um delles todo o par-
tido poffivel , e depo is verifi-
que-fe a impr [são de hum pe-
lo outro. Nunca empregueis a
força , fem primeiro avaliares a
refiHenci~; e fazei fempre o
poffivel , para que a avaliação
preceda o ufo dos meios. Inte-
refrai pois o menino a não fa-
zer esforço fuperfluos , ou in-
~ fuffici nte. Se o co umares a
prever affim o effi ito de to o
os [eus movim nros, a em n-
dar 11 urros , C1 lÍan 0-11 peJa
xp ri ncia ,h c rto que quan-
to mais obra r , tanto mais ju. .
diciofo
, f fu rá.
O taa he 'o fentido , que
mais deprdfa [e ap rb içoa , e
fe
VI ANTE. 6i
fe apura. A pro Y lda atureza
'o e[palhou em toda r uperficie
do noffo corpo , co o huma
guarda vigilante , para no~ avi..
far do que poderia offender-'nos.
~izera. pois [e cofiuma Hem as
crianças 'a caminhar' na e[curida-
de , a conhecer ~s corpos a que
podem chegar , a julgar dos ob-
jeétos , que as circunda0 , e fi-
nalmente a fazer e noite , e
fem luz o mefmo que os cegos
fazem de d 'a , e [em viRa.
A noite atemoriza natural-
mente o homem , e algumas ve-.
2es até os animaes. A razao, o
conhecimento , o efpirito , e
ainda o valor, livra0 poucas
p ([oas defie tributo. Mil pef-
foa' fobem huma brexa intrepi-
das, e nao fe atrev de noi-
te
6. l- A AI t
te a dar hUITl paffo. Attrlbuem
muitos el1e terror aos contos
funebres das Amas ; mas quan-
to [e engana0 ! Efie temor tem
huma caufa natural, e efia he
a mefina que faz aos [u rdos
defconfiados , e o povo [uperf-
ticioio : he a ignorancia dos ob-
jeél:os , que nos cerca0 , e do
que pa era ao redor de nós. Co[-
tumem-fe as crianças a entrar de
noi k em huma ca m ra ás efcu-
ras , a I ao pr cif: r fempre de
luz para bufcar m o que deíe-
jao , ou n ' ffi ao : nunca fe
onfinta qu para as experi-
P1 ntar vá algu m atemorizallas,
e mett r-Ih s m do ,porque fi
m rho o I? lzi ria ito co u-'
trnno III nto , e ~ rvirá ~/­
n1 11 a , z r as cn an ~as mal
11-
~IG AN'TE. I
~

irnoratas. Nem a razão , nem


o habito podem âef necer a
idéa de hum perigo ro~imo ,
de que fe não pode conhecer o
gráo , nem a efpecie. . -
Cofiumai pois o volfo dif-
cipulo defde a mais delicada in-
fancia a olhar as trévas fimples-
mente como falta de luz , por-
que de outra forte chorará , e
gritará logo que fe vir ás e[cu-
raso Não confintais que [e ame-
drente com hifiorias de fantaf-
mas , defuntos , demonios , e •
outras ferne1hantes ; porque ain-
da que deita caufa não proceda
o terror, que confervamos em
maior idade , com tudo a im-
. prefsão, que fazem no tenro ce-
rebro, he nociva, e de tal forte
pr occupa o efpirito ~as crian-.
~as "


'64 A A .. A
ças , ~ue .n~prefentando-fe de
noite em [anhos o repentino, e
grande rmedo , que os agita,
póde defordenar-Ihes a imagina-
ção , e totalmente o juizo.
O alimento , e o fomno ex-
aétamente medidos lhes lerão ne-
ceIrariamente indifpenfa veis nos
mefmos intervallos , e bre\ emCll-
te o de~ jo não procederá da ne-
ceflidade , fim do habito , ou,
para me explicar melhor, o ha-
bito accr [c ntará hl1ma nova ne-
ccffidacle á da natureza , o que
fc d ve acautelar. O unico ha-
bito , que.ll po{fa deixar tomar
ás crj n;:) ,h de não contra-
hi1' n nhum.
Nã h a amizade, fim
r fi eito , o pri meiro ~df\.:ao ,
Je
fc V pert nder d hum me! i
n .
VIC, . , ~A·NTE. 6S
t

no. A fttieiçâo nos primeiros an- '


nos não he obftaculo )ara o a-
, nlor em outra idade : a crian-
ça' , que na independencia fe
vai criando , fá a fi me[ma at-
tende , fó de fi me[ma fe occu-
pa , e [eu coração- fe endurece;
aquella pelo contrario , que íú-
bordinada fe ci-iou , conhece a
neceffidade que tem de amparo,
e naturalmente fe affeic., oa ás
pe.ffoas de quem depende.
Devem os Pais encubrir a
feus filhos o amor que lhes tem,
para que delle não abulem : vifi-
taUos raras vezes , ou fe o fize a
rem a nlludo , demorcm-fe pou~
co t mpo : pareça que mais vem
a informar-fe do [eu procedimen-
to , que a dar-lhes nlimoh'ls , e
aI gres demonihações do [cu af..
E fe..
66 . A -A
- feél:o. N une rinquem com eI.,.
les , per lt 1 ,-o-lhes demaziada
confianç ; ou faltando ellés mef-
mos a [eu decoro : 11"'0 os . tra-
tem como pa pagaios , ou bone-
cos. C omo póde hum Pai dei--
xar de conhecer o re[peito , e _
authoridade , que deve con[er-
var pa ra com feus filhos ? Váo
eíl:es to os os dias tri butar a
1( us P ais o que Ih s he devido:
feja breve a demo ra , menos
que lhes concedão como premio
• o ficarem mais tempo m fua
companhia. S correfpondem á
boa cria ção , que fe lhes dá,
iejão recebidos com agrado , a-
t)azalhado., com carinhos. Con-
cordem as palavras , as adver-
. , e as acço'" s C0111 o me-
tenClas
thodo , que foi efcolhido ; e
COll-



V I G'1 L A N~T E. 67
concorra o Pai , a Aia, e ain-
da os lne[mos domeltícos , a os
inlirllire,m com o exempl.o , e
com o co"nfelho. Para [e . con[e-
guir efia reciproca harmonia fe-
rá acertado , que huma peífoa
intelligente todas as manhans ve-
nha informar-fe do [uccedidri
com o menino , o que obrou,
o que íe lhe dilfe, e o que
convem dizer-fe-lhe. Se o feu
procedimento não defem penha
tantos defveIlos , e o Pai lhe
quer rnofirar o [eu de[ag rado,
não deixe com tudo o menino
e o buícar obediente. He obri-
'g3ção , a que nunca deve fal-
tar ; mas que a "fatisfação de
ver a [cus Pais , CO r110 c frigo ,
fe lhe negue. Eib priva'5ão tem
duvida lhe enfiará l11uitas lagri-
- E 2, mas.
68 _A A I
mas. Se ft: tir como deve,
não . aug . Aia mais dif-
fabores . o primeiro cafiigo:
confole-o , nl0fhe-fe condoida
da fua dor ; e , fignificando-lhe
quanto h juíla, convença-o de
a hav r merecido , e perfuada-
lhe ,qu na flla em nda efiá o
perdão, e o recuperar o amor,
e carícias de feus Pais. Se pe-
lo contrario , fecco r cebe efia
defgraça , prive-fe de tudo o
que lhe póde dar goíl:o , e com
o que mais [e entr t ln , para
lha faz r mais fenfiv 1 , fendo
efia p na , não a [ati fação do
feu prim iro 1'ro, mas o cafti-
go da lua infenfibilidad . Cora-
ção tão empedernido não ~ en-
contrará facilmente em hum ten-
1"0 infante , fl1enos qu a n1á
edu-
V IG LA TE. 69
educaçâo haja eHra~a Go as dif--
pofi~ões para as virtudes , que
a natureza lhe tem impreifo na:
alma. ' :
Não fallei até agora na obe·
diencia , ainda q\.~e eRa ft=>ja a
baze de toda a educa cão , e
;) ,

fem ella impoffivel o efl:abelecer


principio algum no efpirito do
menino. Deve pois radicar-fe
em feu coração, antes que co-
nhe~a o que feja obedecer. Já
allim o fuppuz, falIando nas
fuas obrigações antecedentes. As
criancas são defobedientes fó
;)

em quanto lho contentem. Ne-


nhum fe atreverá a repugnar ao
que fe lhe ord na , nem a o-
brar o que fi lhe prohibe , bem
perfuadido , que fem piedade ha
de ler caftigado., Nã~ fe confin-,
ta
70 A A I· A
ta que v c e , e feja punida
fem demor a lais leve defobe;..
diencia. Se àefde a mais tenra
jnfancia nao as cofillmarem a
fujeit ar-fe aos diB:ames · , que fe
-' I
1 es . '-opoe , feguramente em
idade mais avançada não fegui-
rao os confelhos de fua propria
,oi •

razao.
Em lugar de lhes alimentar
a foberba , dando-lhes a conhe-
cer , e encarecendo-lhes as fua
poíIes , o .G LI nafcimento , e
grandeza , intim r-fe-lhes-ha o
pouco a pr ço do .G u errado
pr fi I1t , moílran o-lhes , que
efprovida de tudo quanto o
homens mai fbmão , lias não
poífuem nem fcien ia , n m vir-
tu ,n m pr ndas , que as
diftingu~ O das lnai , que per fi
na-
V I GIL A N rr E. 7t
nada podem , e 1 inguem . dellas
neceffita.
Seja o menino humano, cor-o
tez , e agrad~cido ás attençôes·,
...
com que o tratarem , e nao
confrnta a Aia que o adulem 't
e lifongeem. Se a- grandeza do
[eu nafcÍmento - não permittir {e
difpenfem todos os ob[equios,
que a adulação introduzio , [erá
conveniente per[lladir-lhe, que
os rerpeitos , que lhe tributão,
fe dirigem a [eus Pais , e Pa-
...
rentes , e que em attençao a
elles he que lhos rendem , fen-
I do efies a retribuicao
:>
dos [ervi-
ços , que fizerao á Patria , ,e o
jufio premio das ruas virtudes.
Hum dos melhores meios de
cofillmar as crianças à fer hu...
manas , e li~rar de toda a cruel-l
da-
IA
dade , he °enlhallas a qtie tra-
tem com em , e civilidade as
pe{foas nferiores, e aos cria-
dos. Pouco a pouco [e lhes vá
fuggerindo, que fá á bondade
.. evem a commodidade,
e 11 111 .... es , de que feus Pais
goz~ o , que devem [er genero-
fas , beneficas , e modeftas;
porque qualquer Jeve incidente,
qualq u r eve mudança pó de re-
duzilla ao mais laroentavel e[-
tado , e as pôr na precisão da- o

qu lle n1e[mos, que [e achão


feus inferiores.
Não fe permitta que orde-
ne altiva ; affave1 peça: gra-
d ça COl"tez. ~ando mandar,
ningllem obed ça , e fe explicar
as fua vontaGes com a palavra
abfoluta EIt quero , efia me[ma
fe-
V I G I L . N T E. 73
f~ ja logo corno fentença profe-
·rida pela fua bo _, para não
.confeguir o que pert e.
-He proprio das crianças o
-pedir cobiçofas , e o negai a-
varas. Não fe póde co ~ma­
ziado cuidado domar hu 1 a p i-
xão , que he a raiz da injufti-
ça. Deve pois a Aia cofiurnar
a feu difcipulo a repartir. com
alegria o que tem ; a aceitar
difficilmente , e a nunca pedir.
MoJl:re-lhe quanto o receber hu-
lnilha , e o quanto o beneficiar
he agradavel , além de fer huma
obrig:.1ção que tem os que vi-
vem na abundancia a rerpeito
dos que fe achão em neceffi-
dade.
- Se encontrar algum pobre.;
ou dcfgraçado , advirta-lhe, que
o foc-
74 ,... A A 'I V-
() foccorrellos he aél:o , que '.~a
Deos , e a todos agrada : mof-
tre-Ihe o exemplo , que efie he
o melhor meio de o infiruir.
Favoreça o pobre na fua pre-
fenea , foccorra o defgraçado,
conCole o affliél:o " pois affim o
fará caritativo, humano, e com-
padecido. Se receber algum fer-
viço, ou mimo de pefloa , que
lhe 11 0a inferior, feja louvado
{e o remun ra1' , ou advertido
para o fazer , para que acari-
ciado , ou recompenfado pelo
<]ue deo , conheça por experien-
cia, que a ~iberalida e he huma
acção de fi boa , e a a quira
por cofiume , e inclinaçâo. .. i-
ca entendido , que os Pais da-
râo algum dinheiro a feus fi-
lhos , não fó para lhes enfinar
o ufo,
V I G I L A N TE. 7S
o fo, que delle devem- fázer,
mas principalmente ara lhes
in[pirar os primeiros elltimen-
tos de humanidade , generofida-
de , e jufiiça. Haja cuidado érn
os não deixar enthe[ol r. fie
dinheiro, ou defperdiçaH ,pa-
ra evitar que fe fação avaren-
tos , ou predigos.
Não bafia infiruir as crian-
ças a ferem liberaes ; mais que
tudo he necefTnrio enfiriar-lhes a
fe conterem , não tomando ás
outras coufa alguma , que fe
Ih nao dá voluntariamente,
nem de outra forte, offendendo
as leis da jufiiça; pois lem-
lhante falta não póde [er repre-
hendida com demaziada feveri-
dade. Como naquella idad não
obra ainda a razão, ou nãd
pon-
76 A A. I A
pondera , para alcançar as r,;-
gras da equídade , não he para
efiranhar , que a cada palro as
encontrem ; mas com quanta
maior facilidade podem [er vio-
ladas , com tanto maio! defvélo
fe deve atalhar tao facil tranf-
grefsao. Sejao nao fó reprehen-
didas afperamente, mas tambem
cafiigadas , logo que tomarelU
ao companheiro qualquer cou['1
ainda de pouco valor ; e para
lhes mofl:rar o horror que caufa
femelhante acçao , e que reco-
nheçao a neceffidade de todos
obiervarem a juftiça , por al-
guem ~ lhe mande ufurpar o
que ellas tiverem , e mais cfii-
rnarem.
N ao [e ouve da boca de
todos outro louvor , quando fal-
Iao
VIGIL j\ NTE. 71
lã com alguma criança , mais
que . da foa gentileza efperte~
za , e figura. São eftes os ob-
jeétos , que fe lhes devem. -of-
fefecer como efiima veis ? Qle
melhor meio para os ·fazer v '-
dofos , e frívolos ? Semelh n-
tes elogios pela maior parte são'
ridiculos , por ferem quafi fem-
pre faIros. Diante das crianças,
o que fe deve louvar he o que
realmente merece Jufio louvor..
O que nellas fe deve applaudit·,
e engrandecer " he a manfidao,
!\ obediencia , a exacçao , com
que cumprem com as ruas obri-
gações , o rerpeito , e affeélo,
com que tratão as peffoas , a
quem devem amor. Seja o [eu
merecimento a medida do Iou-
yor que fe lbes der. A Aia ad ..
ver...
78 A A I A
vertida lnhnlle pois a [eu di[r~i­
pulo , que fó [e louva a figura
de .hum menÍno , quando nelle
fe não acha mais que louvar.
Com o maior defvélo acau-
tele a Aia a corrupção , que
pode r fultar a ~ II difcipulo da
incivilidade , e má indole da-
quelles , que fervem , ou fre-
quentão a cafa. Nunca o deixe
na companhia dos criados : são
efie de or inario o maior em-
baraco ao ffi itos d huma boa
;)

educaç'"' ; pois não fó p rv r-


• I

t m a nança com o mao ex",:


emplo ,m ainda {; oppõcln
dir diétam ,e á
corre "'0 , qu fi 11 'dá.
por ju11 cu igo d" alguma fal-
ta -;'0 trata com dcfabrin n-
t ,c 11 s fc moUrão dd, onfo ...
la-o.
V I G IL N T E. 79
la as , logo eIles prOCUra0' com
mImos , ou li[o~ja s· confo]aIlas,
malogrando o eífeito que havia
de produzir aqnelle tratame!1to,
ou cafiigo. Só a pelf6as pru-
dentes, e civis feja aberto (: [eu
a pofento , para ~que am .a ,n
roefmos brincos con[ervem a de-
cencia , encommendando-Ihes,
que , praticando com elles, ou
refpondendo ás ruas perguntas ,\
nunca fe afa fiem do moral mais
exaéto , e puro.
~ando em cafa houver a- •
l juntamento , não conGnta a Aia
que o m nino appareça na fá-
la , pois n'"' o acharia fenão adu-
ladores , ou pelfoas , que olhan- '
do fó para o [eu divertimento
o incitaHe m a papaguear, ou o
enfina ffi n1 a ~ r def nvolto ; 'e
lleln


80 A A I A
nem huma , nem outra cou[a [e
pó de conformar com o intento
de Pais cordatos. -Os ' exemplos,
que veria, ferião mais nocivos,
que proveitofos ; as converfa-
çóes , que ouviria , mais frÍvo-
las, que infirué1:ivas. Muitas ac-
~óes , que parecern indifferentes
para homens , dão motivo a
huma criança para formar erra-
dos conceitos. Para hurna tao
tenra idade tudo he delicado.
Além de qu poucas são as p [-
roas , qu conh c m quanto fe
d ve r [p itar a inno encja da
infancia. O pr prios Par ntes,
ignorand as fun fias conIl qu n--
ias d fie ~ui . o, o não a-
callt lão , {( u xemplo {( rá
tanto nlai p rniciofo ao fi ni-
no , quanto 111ui os r fp itar.
ue
VIGILANTE. 31
S~ - quereis cultivar a inieIli-
gencia do voífo dilci pulo , cul-
tivai as forças., .que ~lIe deve
governar: exercItaI contmuamen..
te feu corpo , fazei-o robufie , e
fádio , para o fazeres fabio , e
racionavel. Trabalhe, .mova-fe,
corra, grite, agit -fe. Seja ho-
mem pelo vigor, e brevemente
o ferá pela razão.
He erro groíIeiro o perfua-
dir-fe ) qu o x r icio do cor-
po feja nocivo á operaçó s do
[pirita , como ~ fias duas ac-
çóes não dcveifem caminh r a-
ordes , e huma d' rigir ~ nlpr~
a outra. O menino aífim criado
,J ,

n o recorrera aos outro ,quan-


do fi baftar a fi .m fmo . Pr ve-
r' tudo , rcfleEtirá em tudo,
arrazoará [obre tudo , e juIga- ,
ra
A IA
rá de tudo o que tiver cClrre a-
.câo
:>
immedi ta com elle. O bra-
rá , ~ fará fempre bem o que
lhe convier. Como e!tará fem-
pre em movimento , forçofa-
f mente obfervará muitas coufas,
cónhecerá muitos effeitos , ad-
quirirá fedo huma grande expe-
riencia. A natureza ferá Lua Mef- .
tra , e não os homens ; e tanto
mais fe infiruirá , que em nin-
guem verá intento d o infiruir.
Affim {( u corpo , e {eu juizo fe
ex rcitarão ao In fmo pa{fo ; 0-
~rando fempre guiado pela fua '
. 'ldéa , e não pela dos outros,
unirá continuam nte dua op ra-
çoes , e quanto D1ai ~ refor-
ar , e ~ fiz r r bufio , tanto
111ais ~ fará prlld nte , e judi-.
ciofo.
Não

V I GIL A N T E. ', S}
Não fó o exercicio conti-
nuado , fortificando o corpo',
iIlufira '0 entendimento , mas
ainda fórma na crianca :I
'a unÍca
efpecie de raciocinio , de qlfe 'a,
primeira idade he fufceptivel , e
a mais nece{faria ~ todas as ida-
des ; pois enfina a conhecer o
ufo das proprias forças , a ana-
logia , e correlação do [eu co:-
po , com os corpos que o aVI-
zinha0 , e finalmente o ufo dos
inftrumentos naturaes , que con-
vêm á rua debil intelligencia , e
delicados orgaos.
Em quanto efies por flexÍ-
veis fe poderem conformar com
os <?hjeB:os , por quem [e diri-
gem , em quanto os [entidos ain-
da pUfOS forem izentos de illll-
.sóes , efte he o tempo de exer-
F 2, Cl-
,.

citar huns , e outros ás ft/nçóes


que lhes são · proprias : he o tem'
po de a prender a correlação fen:'
.fiv~] , que os objeétos tem com-
Dofco. Como porém tudo o que
entra no entendimento' humano,
entra pelos fentidos , a primei-
ra razão do homem " ainda que
fimplesmente feníitiva , não dei-
~a d fer a baze da razão intel-
leétuaI. O primeiros M lhes
de huma criança são os pés,
as mãos , os olhos : fubfti-
tllir-lhe livros, não lerá enfinar-
he a nrrazoar , ferá enfinar-Ihe
a crer tudo cegamente , e a não
fab r coufa alguma.
Para lhe enfinar a refle ir,
]1e ne {fario pois gu x rcitem
.i( llS In mbros , Du fen,tidos ,
f' us orgãos q'Lle s~ o os infiru...
meu..
V,I G I L A N T E. 8S'
nlento da rua intelJigenciâ'; e
para fe aproveitarem delles , -hê
neceffarío que fejão robufi:às , - ~
fádlas. O exercício vigorando o -
corpo , fortalece a alma , e ca[-
tumando as criancas ao traba---
;)

lho , as familiarizão com a dor.


O errar he tributo da hu-
manidade : affiin o menino, por
inadvertido , cahirá em muitas
falças. Se -a Aia for attenta,
, f
poucas commettera ; porem nun-
ca fl cafbgue, nem [e repre-.
henda com frequencia, para que
com a reprehensão fe não fami-
liarize o pejo , e perca o cafli-
go a força. Raras vezes mere-
cem as crianças cafligo, que
as Aias , e quem trata dellas
não tenhão cnlpa dos [eus dei..
cuidas , c . inadvertencias.
. Vós,
A AIA
r

Vós , de quem Illlill terna


Pai fia a educação do t;I1unoCo
filho , meditai attenta nas ma-
Xlmas , que vos vou expor.
~]anto mais igual, e ajuf-
tado for o voIfo procedimento,
tanto menos fe a treverá o me~
nino a tranfgredir a conduél-a,
que lhe pre[creveres. Qlanta
mais affabilidade ufares nas vof-
fas liçóes , quanto mais affeé10
nas voHàs advertencias , tanto
mais fa ilmente fe conformará
com ella. ~lanto mais o ad-
vertire das ruas. obrjgações,
tanto mar [e acantelará , para
não cahir no perigo de nao a~
Cl1mpnr.
Não confintai que no In ...
verno traga vdtidos muito aga..,
zalhados , nem no Verão mui
to
VIGILANTE. S7
to leyes. Com pouca differença
fejão da rne[ma q'ualidade enl
todas, as efiacôes. Endurecei-o
;)

ao frio , e nâo ao calor .: o


grande frio nunca lhe ferá in-
commodo , fe for cofiumado à
elle defde a mais -tenra infan....
cia ; quando pelo contrario o
maior calor lhe poderá [er fum-
mamente pr~judicial; porque o
tecido da fua pelle excefliva.!.
mente debil , e laífo , facilitan-
do a livre tranfpiraçao com de-
mazio , o extenuará inevitavel-
mente. Cofil:1mai-o pois á in'.
temperanças das efiaçóes.
Deixai-o andar no Inverno
ás vez s quaG ntÍ , e defcalço;
lavar a miudo , ainda no tem-
po mais defabrido , em agoa
fria ; que affim fe fortalecerão
feus
88 'A A I A
feus delicados membros , ~ cbnf-
tituiçao. O banhos quentes en-
fr~quecem , e atenUa0 ; os frios
fortifica0 , e endurecem. ~
. Deixai-o fem reparo fahir
ao · Sol, ·á chuva, ao vento,
e á neve ; attendendo fá que
nunca pnífe de hum extremo a
outro {( m alguma cautela. '
Seus veflidos fejão largos,
e pouco unidos ao corpo , pa,-
ra- que f us membros fe efien-
d.J o , fe r forcem , e crefçao á
ontad . Os fpartilhos, e ve[-
tidos apertado sã muito noci-
o ; porque fireitando o pei-
to c m notay 1 detrimento das
partes yjtae ,impedindo a p r-
~ ita difiribniçao do alimento,
cir ulação do fangue , fazem
rdinariamente na configm:ação
do
/
VIGILA. NTE. B9
,-do rpo defeitos maiores "do
que os que fe intenta0 reme...
.diar. .
Deitai-o em "cama . dura: a
mole , principalmente fendó de
penna viva , póde caijfar mil
mole.fiias , e achaques.
. Durma o menino. guanto
qlllzer ; o extremo exerCI CIO que
fazem as crianças , precifa hum
largo fomno. Hum ferve de cor-
reétivo ao outro , e de ambos
nece.ffitão. Nada he mais pro-
prio ao [eu temperamento; nem
contribue mais para a boa nu-
trição. Reforçando-fe a idade,
pouco a pouco fe irá cofiuman-
do a dormir menos. Nos pri-
meiros tempos o acordarao de
madrugada, falIando-lhe de man ...
o, Oll lnovendo-o brandamen-
te
9 A A I A
te , para o não affufiar , e lhe
agitar o cerebro com demazia-
da violencia. Pelo tempo adian-
te fe acordará na maior , _e pri-
meira força do [omno , repen~
tinamenfe , e [em cautela. '
O alimento de que ufar,
logo que for de[mammado , [e-
ja ordiriario , fimples , e de fa::.
cil digeftâo , fugindo de tudo o
que for capaz de accender os
e[piritos, alterar o tempera-
mento do fangue. Os laéhci-
Dios , e ovos frefcos , as frutas
fendo maduras , as hortalices,
e legumes , são alimento muito
proprios á primeira idade. Co-
Dla r.aras vezes carne , nunca
doce : a carne pó de pr~judiciar~
lhe a {aude, e na opinião de
muitos faz o caraéler fj fOZ , e
cruel;
VIGILANTE. 91'
Cf ei : o doce pelas particulas
acidas , e corrofivas , que tem,
póde formar hum temperalllento
efcorbutivo. · >

A quantidade do aliménto
feja moderada . , porque tudo o
que he exceffivo -, álém de fer
vicio , he prejudicial. Advirta-fe
porém , que na primeira idade
neceffita a natureza de mais fre.:.
(]uente repetição de a~Ílnento;
e affim quando o menino qui-
zer comer, nunca lho embara-
ceis : obfervai fómente no que
lhe deres o nâo incitares a fil a
gulodice, mas fim o fatisfaze--
res. a ~l1a neceffidade. Ainda que
a gula feja ' paixão da infancia,
nunca receeis que efie -vicio [e
arreigue. Na infancia fe efcolhe
o alimento ; na adolefçencia a·
cu. '
9Z r A A I A
cabaraó-fe os appetites ; ,tudo
fabe bem, tudo parece bom.
Brinque , falte , corra o meni~
no, nunca comerá demaziado;
nuncà terá indigefióes. M as fe
o trouxeres esfomeado, todas "as
vezes que efeapar á vorra vigi-
laneia encher-fe-ha até não po.;
der mais. O noIro appetite he
defordenado , e defmedido , por-
que o queremos afiringir a ou-
tras leis , que a da natureza . .
Nunca lhe pennittais , nem
tol reis o ufo do vinho : he ve-
neno para as crianças. A agoa
h o mais pod e ro~ cordeal,
refrig rante , e diluente : facili-
ta a circulação do fan gue , a-
br nda os eHimulos uccidos , e
evacua os far , que exaltados
p rturbarião a economia da fau-
d~ . A
VIGILANTE. 9l
tempérança , e,_o' traba...
lho ao os verdadeiros -medicos
do homem. O ,_ trabalho affia o
feu appetite " cujo abufo il!1pe,...
de a. temperança. N uncà amezi-,'
nheis o menino, nem por cau-
tela' , nem em leves molefiias,
'p orque enfraqueterieis a fua C011-
flituiçao ; e hüm corpo debil pa-
rece que até a mefma alma en-
fraquece. A próvida natureza
[occorre melhor, que a mais
approvada medicina ; . deixe-fe
obrar livremente : o tempera- f

lnento da criança , que· ainda


não teve tempo de fe eftragar,
não .loffre remedios , que não
ft:jão fimp es : direi mais ) de
nenhuns neceffita. O focego , a
dieta , muita agoa fria , ou
quente conforrn _ a indifpofiçao-..
Ef-
94 A.. A I A .
Efies são os verdadeiros , e llni-
cos remedios para a infancia , e
lne.- atrevêra a dizer que para os
homens, fe não receafIe fazer-
me de todos o.s Medicos tantos
mlffilgos.
Bafta que neRa primeira
idade vos a ppliqueis a não dei-
xar criar raizes aos habitos vi-
ciofos , e que ajudeis os paffos,
com que a natureza vai defcu-
brindo as prim iras luzes da ra-
zão , refpondendo clara-mente,
e com as palavras mais fimples
a tudo qu vo p rguntar , e
procurando r ifica r , e acc1arar
as idéas confufa ,incompletas,
e CJuaft 11 mpr enganofa da pri-
mira idad. Com brev s COI11-
parn çóe fa iljtai-Ihe a illt lli-
gencia do que perguntar, fe
u]-
VI .G IL-ANTE. \, 9S
Glguma~ vez el1e ' difcorrer no
que não entende, ou fizer jui-
zo fobre o que não percebe,
com algum argumento, ou Fer-
gunta a que não . faiba dar fahi.,.
da , atalhai a fua deIordenada
prefumpção , -e . a precipitação
com que decide , rnofirando-lhe
por efie modo a fer rnodefro,
prudente , e doeil, e a faIlar
com mais cautela.
A curiofidade ; com que as. ,
crjanças pergunta0 nmito , e ad- .
mira0 gnafi tudo, he hum pró-
vido inftinéto da natureza , qu
não fó facilita , mas provoca a
infl:rucçao , e o entno. Affim
nunca exciteis voffo difcipulo a
fallar muito, mas aproveitai-vos
das occafió s que vo offerecer,
para o ires enft'lando fem ap-
pa-

' 6
9
-pareQGia . d~ Mefira -, n€m appá~
rato de liç-âo. O 'verdadei'ro ine-
thodo de ' eôfinar ~ ascrianças . ,
he " fomentar~lhes 'a lilatural cu-
- ri~fidade de áprender , e infpi-
rar-Ihes amor:. , 'e inclinaçâo ao
que fe lhes enftQa , e' a quenl
a enl1na.
O genio -imitador , que nas
crianças procede- , affim · da fila
ignot~ncill , 'como ' da rua 'doci-
lidade , ,he iguâJ: Ínftriünento da's
primeiras infl:nicçõ ' s ;' ,mas não.
he m no p rjgofo , p -la diffi-
ulda de Ih offi r cer· femprc
bon ongma par~ a ' imitaçã ,
e d apartar da [ua · vifia aqu 1...
les , qu Ih pod rião fugg rir.
.id 'a contrarias ao intento , c
ao puro i am s ; que. íe Ih' s
quer infundir. e por aca[o' fu -
cc-
VIGILANTE. 97
ceder que em Jua . prefença ' [e
deixe alguem arrebatar de irà,
nao fó conheça no voífo - fe_m-
blante que he reprehellfiv~l a-
quella paixao- ; mas mofirai-lhc
em poucas palavras , e [em de ..
clamaçóes , que fe abate , fe
humilha, e [e faz digno de def!:"
prezo quem fe deixa affim veu-
çer , e tran[portar.
As razóes, que lhe propu-
zeres , fejão fenfiveis , claras J
breves , e proporcionadas' á fua
p rcepção. Os argumentos lar-
gos , além de infaftiarem a to-
dos , difirahem : . os difcnrfos
abfiratlos sao {uperiores á fua
capacidade.
r ão c nfific a verdadeira
infirucç~ o em fazer a memoria
~o dif i pulo hum ~[c, uro ,. e (on...
- j G fu ..
98 A A I A- ~.
t
fufo armazem de fatlos , ·mas
·fim em ordenar , e acdantr as
noçóes que .corre[pondenl · aos
lnais vulgares teFmos - .em -co[-
tumallo a diftinguil s bem , e
a conhecer exaÇtamente as pro-
porçóes , e analogias , que hu-
mas con[ervão ·,.con1 as outras.
N nnca lhe ~o.ncedais como
premio d ces ~ ou brjncos ; por-
que àilim lifong ar is huns a p-
. ' .
petlte por evltar outros ·, quan-
do o fim principal .da educ.açao
• deve ~ r arrancallos todos , ou
ao menos ·modeJaUos. . .
Efiudai o natur~l ' , genio,
e temperamento do volTo , di[ci-
pulo, para eIcolheres o lnetho...
do melhor para a fua educaç~o.
O rifpido não deve {el' tratado
como Q brando ; o tuybulento
CO~


V I G f L A N T E. 99
corno o focegado . : '0 melancoIi-
co como o ~Iegre~ Cultivai pois
-o genio , que ' a conforniRção
dos orgâos .lhe deo' ; em"endan"
do os defeitos i ·que podem i!1~
fluir cofiumes vici,ofoS4
Cofiumai-o uefde a prime~ ..
ta infancia a declarar [em pejo
que tem frio ; . (alma; fOlue,
feoe , [omno , e cançaflb; e
que o fatiga a applicação ; e
logo [em demora lhe a(udi , e
evitai femelhantes incommodos.
Nada çoncedei a [cus defe~
j os porque pede ; fim porque
neccffita. Ignore o que feja Obé-
diencia quando ~obrar , c ' impe-
rio quando obrarem por élle.
Sinta a fua liberdade igualmen-
te nas fuas ac~6cs , como nas
roifas. Suppri a força, que lhe
Gl fal-
JOO A A I A
fàlta , na proporção da [ua .ne-
c ilidade , para. [er livre, _ não
altivo , e para que , recebendo
os volTos {~rviço .COpl huma ef-
pecie de humilhaçâo , afpire ao
inflante de os nap precizar ,. e
de [ervir-[e a fi . me[mo.
Nunca le om reça á fila von-
tade indifcreta , [enáo obil:acll-
los fyfi os , ou cafligos qu
nafção das mefil1as acçóes , pa-
ra que dclle fe lembre na oc-
cafião.
Cofiumai-o a fervir-fe iguaI-
nte de ambas as mão , pai
lJada h mai contrario á natu-
r za , que Q ver qu no~ tendo
dado dua m.ão.s , pelo o1l:ume
.11~ mo fá de huma , fi ando a
outra quafi' pa ral!ti.ca.
âo vo c~m: i lU obrigar
o me..
.
V I G I L A-N T E. 101

o menino a ob[er\lar impertinen~


temente, e ex~aamente todas as
rniudas praticas dé-éortezia; qúe
o coftume " e t-alvez a perfidiâ
. tem inventado. N ad'a importà
que huma criança por inadver-
tida , ou inquieta .falte ás cere-
manias , como o nâo faça por
f oberba , ou máo natural. "Pé"ior
[erá fe por executar efre atto
cortez com menos a.r o repre-
henderes. A alegria: , a turbu-
lencia , a infra bí li dade , a in~
quietação , a ínadvertencia ' , e
a imperfeição no di[curfo são
proprias daqllella idade. Dos er.:.
ros, que dellas na[cem? deve [cr
advertida com doçura, e nunca
fer cafligada com rigor.
Não multipljqueis os precei-
tos, porque da foa lnultiplicida-.
de
J02, · .A A I A
de nafcerá a inob-fervancia. No
que quizeres erlfi~ar a volfo dif..
cipulo feja o ufo pratico .. e a
experi~ncia feus unic s meftres.
'Das faftqs , que commetter
por inconfideração , fuppofio,
como já diífe , que não mere-
ção caíl:igo , admàefiai-o fua ve-
. mente, para o cofiumares fer
n1als ~lttento , a refleél:ir , e re-
parar no que faz ; porém as
que procederem da vivacidade
do t mperamento , ou da pou-
ca reflexão da tenra idade , co-
o por exemplo o defalfocego
no correr , e brincar , o efiou-
vamento nas acçó s , o efiragar
o v ílido , e outras , que são
mais imperE ição da idade, que
defeito da peIfoa , não merecem
advertencias , nem neceffitâo d ,
emen-
V I q.'I L A N.T E. ~.o3
emenda.; o . reIl!po as .-eU1e~dará
iem o 'foccorro de .reprehensões ,
f}ue fe forem r~petida.s n·5.~ ; fa~
~.
rao r.~ fi-'
~mprelsa~ . nas occa lQeS . ,ne-;

ceíTarias ; e fe fizerem effeito,


entorpecendo a viveza , aggra-:
varão a aélivi-dade. Se os · feus
brincos parecerel;ll, 'pouco con'v e-
nientes ao .lugar , e companhia;
a parta~-o ; mas ~ão o reprehen-
dais ; pois não he' menoS. util
ao corpo, qn,e a,Q efpirito ,:co-
mo . p~OpllZ , o · efper,tar., pr.ov.o-
car , e , m-üver o gemo 'lnqluetO.,
defaffocegado , . e alegre ., que -a
natureza próvida concedeo á pri.-
meira idade, do que moderallo,
ou extinguillo , e , pervertendo-
lhe a confiituição , fazello pe-
zado , e trifie.
4 de[oberueneia , . a per~ina­
ela ,
104 ~ - -A ~ J .Â. 1 A
ela. <, 0 - difputar com feu-s ir':
n:tãos ,_. 0" n ~áltratar com pala-..
vras , 'ou acçóes a alguem , e
finªI men~e tudo, o qu pb 1e in-
dic'a:r_vicio , 0U mover a elle,
o que annunciar vileza de ani-
mo , - in[enúbilidade, e .dureza
de coração , eiles são os erros
.ind~rcuIpaveis " e que fem pie-
dade devem, fer caftigados.
Eftes me[mQs ferão trata-
dos' como crjmes capitaes qua1l-
do os commetter de caro pellfa-
do. , quando bQuver reinciden-
eia , ou habito ; pois fe deve m
<'0nGderar os erro d buma
crian a menos .pelo . que são na
r alidade, que · p lo. [eu princi-
pio , e p la confeql.lencias. qu
delle podem feguir.
O caftigo das faltas l eves
fe..
VIGILA.N -T,E. t-GS

[erá 'O ,informar ~ delras': ' b~' "paren-


tes ", e 'reprehefJâ~Uos ':, pn15lk1í::
mente- ~ ,"'e ~Índh.;;-qüe' or me~'iiío
inflan em ent-e f'oglfe , - 'pàfa ,'que
ailim o não caftigllem, feJais in-
exorave1. Nunca ' [e diffimulenl'
s':
efres erros , ant fe e-xãgerem,
para con[eguir édm . mais -facili-
dade a emenda: F a~ei.:.o -[eilfi"tl
á vergonha ; , paloa qne -áq.' de;
pois . a fua " alm~f 'fõ"mentem os
efiimulos "da 'honTa. -' As' ", faltns
mais - l,eves " fe - faráa ' gl"áves " á
proporção que áS~' c:omínetter com
lllenos>- pejo~ ~',:' "
o cafiig-o- das 'grandes cui-'
pas ferá a privação "dos carinhos
de -J [eus Pajs ; -e , -confÓ"nne , ~(
fua enormidade , a feparação
total da fua vifrà: Toda: a 'af '
Fereza ,. - com que foto-tratado ~'
. k-
106 ··A -. A I A
ferá neceffaria 'Confequencia ' da.'
culpa, e [e não reputará açcref-
cimo,
ao cafiigo.
. S\ja tratado'
.
a te no extenor com o maIOr
de[alinho , e como convem a
hum fllho , .. que p rdeo a graça.
de [eu Pai. Todas as pe{foas
de cafa olhenl para eIIe como
com de[prezo ', e delle flUâo .
.l âo {e lhe confinta mais dIver-
timento , que aquelle que for
n ceffario , para que languido
não e[moreça. A Aia [e molhe
com eIle féria , [em deixar de
[er affavel ; ' e ·, achando occa-
iJiÍo ,lhe xponha o [eu abati-
mento com aguellas cor s , que
julgar mais proprias , para que
as obfervaçóes , que fizer [obre
o leu eftado , augment rn a rua
ternura , e motivem o feu arr{'1
pen..
VIG.ILA._NTE. Í07

pendimento. -Lembnir:Te:.lhe-hà o
cafiigo , no infiante em que. mo-
firar - l1e "<-lelIe fê e[quece. A' du-
ração defl:e, ; dependerá da ' [9a
rebeldia , oU emenda. Nã:-o fe
diminua, paTa que fazendo mu- _
iQr ímp!efsão , nao feja necef-
faria repetir com frequencia o
cafiigo; e por mais promelfas
que taça, nâo reja ouvido, pôr-
que neR s caros as promeífas
na[cem 'do temor do caflige> , e
nâo sâo propofito ~ tb - emenda.
Para alcançar o - per :lão ' deve
mct"ecello. ; e nunca fc ·conceda.
por induIgencia , mas fim ao
exce{fo' da dor, e á mudança
dos coRumes. · .
. Anntinciando-lhe que fcus
Pais .compadecidos " e confian~
do ' no ·/eu -peza:r ., confentem a
ad..
108 · .:-A .' ~ A I A
adm}-ttillo á ft~a 'prefença , '~nca­
recel-1he o · exte(fo da rua bon-
dade , e lembFando-Ibe a gran~ '
rleia da culpa que cammetteo,
com eilas imâgêns enternecei a
[ua alma, pam- a penetrar ain-
da mais vivamente de gratidão,
e arrependimento. ' Logo que el-
les houverenl eon'firmado o _per...
dão com a fu~ bençâo , e f(~us
carinhos , reJa ·:reilituido' ao [cu
antigo eHado ~ , ~ e. agazalhado de
todos , como '[e nunca· houvef-
íe deJinquidp. "Advirtão os Pais,
e a Aia erri que as b ftivas de-
rnonfhaçóes do: ~ u beneplacito'
jgual m o rigor do fi u · clefagra-
do , para que () menino trema'
até da lembJ'aoça de incorrer'
nefia defgraça.
Efiabele~Q ·efte cafl:igo co
rnQ
....
-- VIGILANTE.
me: .hl}ffi - dos m;lÍúre§ , porque
P1~ _ ~ p_er(l1ado ·q~e.:, raras "v,ezes
deve ter ..1 ugar. ~2 .N.oo ,perdoal1dó
as fal(~S lev s · ; não he ' crivei
que o ,m~njno. te,·
atreva _a .. co·llJ.-
metter as de maior confidérqção.
. Qlanto á~ diciplinas , ·ná.o
fallei . nefie generü; de -..caftigo ,.
porque huma .boa educaç}ío fn-
4. (uperfluo o. (eu; ufo , ~x~epto
porém !e o ~~ni:p~ fo!' .i,prra-
étavel ., :inerte~ ,_ f~ou~~ ; ~ fen-
fiyel . fó á violencia_da dor ~ ,ou
porque ,eftragado::.colI! o·, mimo .:,
ou · creado com 4ef.c uido , ou pe-.
Ja debilidade . da -fua · cQnftitui-
ção- ,. "ou por . a.1gu!l1~ mol~fiia .,
fendo , c~ftumado a ver li.ronge~r
todos - ·os [ells ,appetites , tenha
chegado áqueIle ponto -rde perti~
naçia ,de IDllndar. ~~m. ·iIl?·péri o ,
... .' .J • ne-
110 .. 'A ,A rA " .~

negar com grofferia , ou teimar


com petulancia. Como neite ca-
fo he [ummamente importante
não ceder ás fuas ventacies , e
que a indulgencia feria ' mais' pe-
rigofa , e o cafiigo leve , não
faria imp~ fs ão , he necdfarip
recorrer ás diciplinas. Aconfe':'
Jhára que no impeto ~a ira
nunca ' {; cafiigalfem ' as crian-
ças , mas como receio que paf-
fada ,a colera , e[queça a culpa;
e fique impunida , fejão cafti-
5uda ainda que com alguma
. '"
palxao.
Em qualquer outro caro ,
logo que o 1.11 nino ~ d ixâl'
guiar pelos fiimnlos .do' brio,
deR: rrai a di iplinas. Ufa..fc
cl1as tanto a -ruiudo ; 01t com
tanta pai ao , .que -o ·· mefm
~ co~
V I G I L A N _T E. I I I

coftume faz i nfi-u ai fero efie ca[- ,


- tigo. Se , além de ' fer o annun-
cio,. e preluclio de outros cafli-
gos ', fhe' mprimilfem huma no-
ta · de pejo , e ignominia , efie
cafbgo feria para as ,crianças,
~ quem o infligiiTerp , hum Luc.;.
ceflo ' tão efiranhó , e raro,. que
a fimples lembrança delle as at':'
rraria : em lugal: que o modo
com -que o applicão , fazenpo-o
menos horrorofo , confiitue as
crianças relaxadas, e malhadi-

ç~.

As pancadas' são o cafiigo


dos e[cravos , voiTo di ~ 'ipulo fe-'
ja tratado como quem nafceo li-
vre. Se regeres com prudencia
a fenfibilida.de da fua alma, fl1il
meios achareis para o caftiga~
"res ou ' premiar~s, . Coftumai-o
pen..
112 :- A A I K '
a penCamentos nobres : ifio não
he tao facíl como parece. O
principio da honra, affim nas
crianças , como em o hOJnen ,
!te innato , pois em ambos exif-
te o amor proprio. O ponto cf-
tá em [abello dirigir , e attri-
buillo illvarjavelmente ás accóes;)

honeílas , e brio[as.
As crianças são incapazes
de difcu[são : . regnlão as coufas
pelo valor, que lhes vem dnr.
,Encarecei a volfo dj[cipu1o a-
quella qll ql1izeres que elIe e[-
time , e ver 1S qu d lla fará
apre;) . Infinuai-lhe huma ação
lollvav 1 , para o incitar a o-
brar outra p r fi , e jndep n-
t de adv rt ncla. fIe fia huma
f. eU ne conomia.
COl1C.cdei-lh · tudo P lll}
P f-
V I G I L A "'.T E. I 13
permitte a fna idade , :nâo ~por­
que feJa bom 'e1n ·fi . ,- m ~ s co~
-mo neceíf;uio á 'debilidade dos
feus ann s : negai-lhe ifiq . mef-
mo , nao .porque.. em fi -reja .éf-
timavel , mas -porque .0 . ama "
e [e nao deve ufa-r . de induIgen.-
cia' com huma 'criança , -que ',pro'-
cede com defacbydo. .. ~ ~ ,
. Não lhe offereçais eftes in-
tretenimentos' "como recompenfa
digna delle ; no~ objeétos efli-
" maveis, ' e que "eUe toda a vida
deve vén~rar , he qu:e deveis fa-
zer confifiir o verdadeiro pre-
mio; ·como :por 'exemplo :. a be-
nevolencia' ·de [eus parentes ; .aI-
~m precei.t<? · de .Religião , que
·nao tenha. cumpndo amda' ; -a l-
guma acçao fuperior á rua ida-
de , e que 'ainda nâo .fizelfe ; o
H gof..
114 A
• gofto de aprender alguma cou+
fã , que appeteêe ; a eíhmat::ão,
• :I

e os louvores ; p OIS ara o ha-


bituares ao exercic! (bs ã ~coes
101lvavei , he neceifario faze:-Ihe
amar os louvores.
Quando [e difiinguir por a,l-:-
guma qualidade digna de lou-
vor , pa ra mais a radicar, fe
poderia a pp Ilidar com o nome,
que a diHingue , chamando-lhe
o Prlldent ,o' Bel1ejico , o Cor-
tez , o Affavel , &c. pojs iRo.
·mefmo [ervindo-lhe de pr mio,
a [lia privaç,J o feria 1 um novo
gen ro de) calligo , e talvez não
. . os meno leniiveis.
Diil qu nunca [e deve in..
fligir o cafligo ás crianças como
\ punição , fim como conf~ nen oo4

cia natural da falta, em quer •


hi ..

VIGILAN'TE. tIS
hirao. °Affim não percais tempo •
em" molhar o horror , e igno~
minia , em ql1e cahem os men-
tíroD s ; J1em em 'cafiigares v'or-
fo difcipulo por- haver nlentido~
Fazei que experimente todos os
D1áos effeito da mentira , co'm o
e não fel' acreditado , ainda
que faUando verdade , de fcr
accnL1.do do lual que n~o fez,
ainda que a defculpa feja ge-
l1U' na.AqueHe que [ente o quan~
to n ceilita do amparo , e foc~
corro d s outros , que de con-
'nua experim nta a fuu b nevo-
lcncia , não póde t r utilidade
a]gl n a em enganar a quem con..
fidera como bem~ iro1' , antes
111 1 um interelfe fenfi rel Em
lhe molhar as cou[as cor;;o são,
com receio ~ 'lue fe enganem
H 2, em
116 . o --.A ~_ cA I A
em prejuizo [eu. Affim beni [e
o

vê que a mentira não he natu-


oral , ás criancas . • Da lei da obe-
;)

dienc~a fe origina a necefi1dade


de mentir ; porque fendo peno-
la a obediencia , cada hum [e
difp.en[a della em gredo o mais
o {;

(]ue pó e ; e o inter ffi prefen-


t d evitar o cafiigo , ou vi-
tuperio , he ft~perior ao provei to
remoto d :por a "erdade. Na
dllC~;) ão natural" e livre, qual
a p,r,oponho , porque razão "0[-
fi âj{; ipulo m ntlrj~ ? QIe tem
<]ue vo e[collder ? Vós não o
repr h nd i Olll arper za ; nao
o aftioai íl m jufio , e conhe-
ci o motivo ; não o onHran-
g~i$ a cou[a alguma ; porque
vos n~o ' °ria tu o, o que fàz,
com a me1l11a ing~nllid de <]tl
a [eu
V I G I L A N'.f E. I 17
a Leu camarada ? Q!lanto maiS
. independente for. o leu commb-
do das vont des , ou juizos a-
lheios , tanto ma-is -. deíhuir~i.s no
menino o inte'reffe de mentir.
Com tudo porém , para o cof-
turnares a explicar -firiceramente
os feus pen[ame~tos , fallai-Ibe
fempre verdade ; n~nca confin-
tais fe minta em rua pre[ença;
e fe alguma vez [ucceder que
ouça alguma mentira , lnofirai
admiração , e horror; porque
aílim [em outra lição, elle a a-
bominará. Nunca fe falte ao que
fe- lhe prometteo, e nunca [e
en~ane para o perIuadir a fe a-
qtuetar.
- Para que nunca minta, quan-
l o com 1etter alguma falta, que-

brar alguma coufa, &c~ nunca o


nc-
I 18 . ,-~~ A I A
.•
ac'cufeis de á haver feito ; nenl
lhe pergunt 1s, [e foi elIe , por-
qu vós ferie's quem 111c enfi-
naffe a nega llo , ou -·a difcul-
par-[e com exprefsões equivo-
cai, e cautelas diffimuladas. Se-
gue-~ daqui, que as mentiras
das crianças são todas obra do
meftres , e que intentar enfinar-
lhes a dizer a verdade , não he
outra cou[a mai , que nfinar-
lhes a mentir. .
Secruindo ell:c Dl tho °, ~
Ih pod rá infundir fentin1 "nto,'
[upcrjor á rua , i ad : ínfii a-
do pela emula 5:0 ,e amor da
gloria , a fua alma fc di por I

rec ber m fi, fi cun ar a


virtnd s : a propen ""0 , que Q
inclinaria para o mal, . en 'a- ~
lllinhará ao b m. A' prçporção
qu
VIGILANTE. 119

que forem brotando as [emen- •


, tes pi'eciofas , que nella houve-
res introduzido , culti vai-as com
-o m ímo difvélo , e praticando )
os mermos meios , com que as
fizefies nafcer : affagai o meni-
no , louvai-o, applaudi os feus
progreífos' ; e já _que a virtude,
e o brio guião as ruas acçóes,
eja tratado como homem.
. Qyando o menino chegar á
idade de fahir das voífas mãos,
e enfino , não deveis afrouxar do
voIro cuidado, nem confentir Ie .
defvie da cofiumada- obediencia,
poi he a mais reprehenfivel fem-
razão , ainda que commua , o
permittir , e approvar a inde~
pend ncia a quem vai entrar eln
um ado de maior fubordina....
,J ,-
ao.

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