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Após a morte em 24 de agosto de 1882 do advogado negro Luiz Pinto da Gama, em São Paulo
- cujo sepultamento fora acompanhado por cerca de 3 mil pessoas numa cidade que, na época,
tinha 46 mil habitantes - o promotor de justiça e depois juiz Antonio Bento, formado pela
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de São Paulo, jurou diante do túmulo de Gama
em continuar sua obra abolicionista.
Para tal empreitada, ele organizou uma sociedade secreta chamada "Os Caifazes", cujos
membros eram recrutados em todas as camadas sociais e nas três principais lojas maçônicas de
São Paulo: " América", " Piratininga" e " Amizade".
Essa sociedade retirava a força das fazendas paulistas os escravos e os encaminhava para o
Quilombo de Jabaquara, em Santos, ou então para quilombos do Rio de Janeiro (Castellani:
1998).
Já o enterro de José do Patrocínio, jornalista mulato, morto em 30 de janeiro de 1905, contou
com um roteiro previamente traçado pelos líderes abolicionistas, para que diversos oradores se
revezassem em discursos de louvação ao morto ilustre em determinados lugares da cidade -
como a Praça Tiradentes, Campo de Santana, por exemplo -, até chegar ao Cemitério do Caju,
em São Cristóvão, no Rio de Janeiro ( Junior: 1969).
Patrocínio, nos anos 1880 do século XIX, se tornara a face popular/militante do movimento
abolicionista, travando lutas ideológicas intermináveis com os representantes das elites
escravocratas. Era uma mistura de Espartaco com Desmoulins (Nabuco: 1999).
No entanto, seus amigos e a direção da então Escola Politécnica, no Largo de São Francisco, no
Rio de Janeiro, da qual fora aluno, professor e pioneiro em introduzir novas cadeiras de
engenharia civil, prestaram-lhe homenagens que se estenderam até o século XX.
Na verdade, ele era um ícone para demais abolicionistas, pois, com sua rara inteligência, era
uma espécie de civilizador do século XIX, segundo o historiador José Murilo de Carvalho, na
orelha da obra de Maria Alice Rezende Carvalho, onde ele estuda a trajetória de Rebouças
(Carvalho: 1998).
Outros dois negros também se destacaram nas lutas sociais do início do século XIX. O primeiro
deles é o médico e advogado Francisco Barbosa Gê Acayaba Montezuma, que chegou a ser a
maior autoridade maçônica do seu tempo, pois, fora, Grande Comendador Soberano do
Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, organismo que ele trouxe da
Belgica e que disciplinou a maçonaria brasileira ainda ascendente no Brasil.
Em 17 de maio de 1865, Acayaba, o Visconde de Jequitinhonha, apresentou no Senado vários
projetos de extinção gradual da escravidão. Entre os quais, se destacam: ao fim de 10 anos dali
em diante, seria concedida liberdade para escravos maiores de 15 anos e ao fim de 15 anos
liberdade para os demais, com a cláusula segundo a qual os senhores de escravos seriam
indenizados pelo fim do trabalho escravo. Era proposta conciliatória, bem peculiar dos liberais
da época, onde não queriam desagradar aos senhores de escravos nem se assemelharem com
refinados escravocratas.
Conservador e " caramuru " ( partidário de Dom Pedro I no período das regências) ,
Montezuma chegou a ser ministro de estado duas vezes e fundou a Ordem dos Advogados do
Brasil e Instituto Histórico Geográfico do Brasil ( Aslan: 1973).
Consta ainda que Montezuma fora o primeiro integrante do governo de Dom Pedro I a se
posicionar contra a escravidão no Brasil, segundo o Barão do Rio Branco, também maçom, e
autor do lei do ventre livre.
Trajetória não menos surpreendente pertence a outro mulato, o livreiro Francisco de Paula
Brito, descobridor do talento de Machado de Assis e editor do primeiro romance no Brasil, o " O
Filho do Pescador" ( 1843), de outro mulato, o escritor cabofriense Antônio Gonçalves Teixeira
e Souza.
De origem humilde, Paula Brito, que nasceu liberto, fora um dos primeiros tipógrafos brasileiro
da Corte, cujo mercado, na época, era monopolizado pelas tipografias francesas Nacional, Ogier
e Plancher. ( Lima: 2004).
Ao lado de sua tipografia, na Praça Tiradentes, num clube criado e intitulado por ele de
"Sociedade Petalógica", se reunia a nata da literatura brasileira da época que tornara o local o
centro da vida literária da Corte ( Azevedo:1998).
Paula Brito foi um dos primeiros afrodescendentes a participar dos debates raciais no início do
século XIX ao lançar, em 1833, o jornal " O Homem de Cor", num momento de surto nativista,
onde os brasileiros procuravam valorizar suas origens étnicas em relação aos colonizadores
portugueses.
Na época, em livrarias, bares, lojas comerciais, ruas e praças da Corte discutia-se a identidade
racial brasileira em contraponto a cor européia, e a imprensa fora um campo privilegiado onde
esse debate se visibilizou.
Havia uma mídia negra, digamos, assim, que repercutia a discussão racial através de jornais
com títulos bem sugestivos, tais como " O Crioulinho", " O Crioulo", "O Brasileiro Pardo" e
outros ( Lima: 2004).
Um traço marca a trajetória de todos estes cinco homens do século XIX: todos eram maçons
em Lojas cariocas e paulistas, e levaram para dentro da ordem maçônica a luta contra o
escravismo.
Também entre eles figurava o maestro mulato Carlos Gomes, autor da ópera o " O escravo",
também maçom, só que sem a militância dos demais.
Neste sentido, Gama, Patrocínio, Rebouças, Montezuma e Paula Brito, talvez tenham sido os
afrodescendentes que mais se destacaram numa sociedade antagônica a eles, naquele período,
pois, eram homens com personalidades-alma complexas: embora nascidos livres, sentiam dores
internas profundas ao verem a totalidade dos negros fazendo os serviços mais pesados e
humilhantes da sociedade brasileira. Para eles, a liberdade do escravo entrou na ordem do dia
de suas ações políticas.
Enquanto os demais negros estavam atados a correntes, eles, os maçons negros, podiam ter
escravos e ascenderem naquela sociedade, pois, estavam articulados com instâncias superiores
do poder que facultavam a eles uma certa ascensão em meio a negregada sem direitos.
Mesmo por isso, eles fundamentaram suas vidas em defesa da liberdade escrava, pois, sabiam,
que, naquela forma de organização da sociedade, estava contra as novas tendências de
sociedade - principalmente o capitalismo, que implicava um novo sistema, ou seja, a venda da
mão-de-obra no mercado de trabalho.
Em que medida, esta ascensão social faz parte de um esforço pessoal de "subir na vida" e não
do favor, tão comum na época ? Em que medida suas ligações maçônicas facilitaram a
propagação das idéias abolicionistas ? De que modo suas vozes e trajetórias raras - para os
demais mulatos livres da sociedade escravocrata - não teriam um limite político-ideológico, pois,
eles, eram, por outro lado, ligados as elites urbanas? E, por fim, que tipo de contribuição
político-estratégica é possível identificar nessas trajetórias para futuras ações negras no Brasil?
Acho muito difícil responder estas perguntas em virtude da magnitude dos problemas
levantados através delas. Neste sentido, acho mais importante perseguir algumas pistas
deixados por eles e por outros para entender uma época chave de libertação negra na corte
imperial.
Claro, era uma explicação liberal que atendia a determinados pressupostos históricos sobre
ascensão negra e maçonaria no século XIX, um dois mais politizados da história brasileira,
devido às tentativas constantes de mudanças provocadas através de movimentos populares.
Então, a influência francesa no Brasil ganha uma dimensão particular, pois, os principais líderes
da Revolução Francesa eram maçons ( Desmoulins, Marat, Mirabeau, Robespierrre, Danton)
juntamente com os enciclopedistas Diderot, Voltaire e Court de Geblin.
A maçonaria européia do século XVIII, além de seu caráter iluminista, era "escolas práticas de
governo", segundo Célia Marinho Azevedo, em Maçonaria, cidadania e a questão racial no Brasil
escravagista, baseando-se em estudiosos europeus.
Em geral, o papel dos " bodes negros" ( bode é como é apelidado o maçom brasileiro) era o de
ser o elo de ligação do liberalismo das lojas e a sociedade civil, ou seja, as idéias discutidas em
loja maçônica, podiam ser aplicadas para a reforma política do estado e da sociedade civil.
Em São Paulo, em meados do século XIX, Luiz Gama era o advogado da loja " América"
dedicado a libertar escravos através de ações judiciais ou mesmo tirando-os à força das
fazendas e, depois, encaminhado-os para esconderijos articulados com a luta abolicionista
como o Quilombo de Jabaquara, em Santos. Gama se tornara, então, um herói popular em todo
o Brasil, e é provável que tenha libertado centenas de escravos em ações judiciais, segundo
( Azevedo; 1999).
Existem várias biografias sobre André Rebouças. Destacamos algumas delas, quais sejam:
André Rebouças, de José Louzeiro; André Rebouças e seu tempo, de Sidney G. dos Santos; O
quinto século. André Rebouças e a construção do Brasil, de Maria Alice Rezende de Carvalho, e
André Rebouças. Reforma e utopia no contexto do segundo reinado, de Joselice Juca.
Cyro Flamarion Cardoso organizou estudos variados no livro Escravidão e Abolição no Brasil,
onde cita autores que mostram que o processo abolicionista foi um movimento social urbano,
apoiado pelas massas excluídas do processo de cidadania, com base na classe média, sem
posses agrárias, que surgia nas cidades, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Este
fato fica bem claro ao acompanharmos a trajetória de Patrocínio em A vida turbulenta de José
do Patrocínio, de Raimundo Magalhães Jr., onde as redes de relações do jornalista estavam
mais fincadas em novas elites urbanas, sustentadas pelo positivismo e pelas idéias
republicanas, que, dos meados do século XIX até 1889, caminharam juntas com o processo
abolicionista.
Neste sentido, ao nos aproximarmos, por exemplo, da análise dos jornais abolicionistas
(existiram vários), é necessário também consultar os jornais de linha escravocratas, que
também exprimiram as reações das elites agrárias expressas em golpes regimentais na Câmara
e Senado para que leis abolicionistas não fossem aprovadas; manipulações de processos
jurídicos; cooptação de líderes abolicionistas; apadrinhamentos e aplicação de políticas
imigracionistas, entre outras reações ao fim da escravidão no Brasil no século XIX.
Bibliografia
"AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário
das elites no século XIX. Paz e Terra, Rio de Janeiro: 1987.
"____________________________. Maçonaria, cidadania e a questão racial no Brasil
escravagista. Estudos Afro-Asiáticos no. 34/Ucam. Rio de Janeiro, 1998.
".BURKE, Peter (Org.).A escrita da história. Novas perspectivas. Unesp, São Paulo: 1992.
"NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical. Companhia das Letras, São Paulo: 1993.
http://www.glomaron.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=85:13-de-maio-
abolicao-da-escravatura&catid=1:noticias&Itemid=34