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SEM TÍTULO - ADRIANO MACHADO

A fotografia expandida a grandes dimensões – a impressão tem 4,40 m x 2,80 m – na lona


recorrente na boleia dos caminhões que cruzam, dia a dia, as estradas do mundo engolfa quem a vê
presencialmente. Talvez causando um efeito aproximado a uma das convenções da estilística barroca, no
auge na Europa por volta de 1500 e nas Américas ao longo dos 1600-700, que demandava o
apequenamento da pessoa diante da magnitude da arte configurada, essencialmente, por
motivação/finalidade religiosa. Mesmo período em que começaram a ser propagadas pelas monarquias
portuguesa, inglesa, espanhola, francesa, entre outras mais do oeste europeu, as políticas de instalação
do progresso por intermédio das navegações para alcançar terras estrangeiras.
Progresso este continuamente medido por escalas de desenvolvimento baseadas em
quantitativos: de recursos minerais, riqueza acumulada, exportações realizadas, assim como de rodovias,
indústrias, modais de transporte, que, séculos depois, passam ao plano do trabalho sem título ou “lote 4”,
de Adriano Machado. Obra constituída pela ação de registrar a duplicação da BR-101, uma das maiores
vias da União, iniciada em 1950, que se estende do Rio Grande do Sul ao do Norte, paralela ao oceano
no trecho entre as cidades baianas de Feira de Santana e Alagoinhas. Cujas raízes são as políticas
extrativistas que vêm desmaterializando as terras no Sul global, retoricamente disfarçadas de iniciativas
para o bem popular – no caso, diria-se, da otimização da circulação.
De forma que as camadas de rochas, lentamente sedimentadas, ainda que revolvidas por
retroescavadeiras, tratores e demais máquinas pesadas em frações de segundos, de acordo com o
artista, apontam para o lado perverso da realidade social contemporânea, substancialmente no governo
Bolsonaro. No qual vêm sendo desmanteladas, igualmente, as frágeis seguridades estatais em relação ao
meio ambiente, ao trabalho, enfim, em que são esgarçados os limiares forçados da especulação fiscal
que segue regendo a tessitura de políticas públicas, verticalmente imputadas, no Brasil.

Rogério Félix

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