Você está na página 1de 10
O STATUS DO ARTISTA: liberdades e direitos no plano internacional Alessandra Correia Lima Macedo Franca Jadgleison Rocha Alves INTRODUGAO A Recomendagio sobre o Estatuto do Artista, adotada pela Conferéncia Geral da UNESCO em 1980, trouxe um apelo para a comunidade internacional da época sobre o fortalecimento da situagao profissional, econdmica ¢ social dos artistas encorajando aos Estados- Membros a implementarem politicas culturais ¢ medidas concretas sobre condigées de trabalho, direitos sindicais, mobilidade internacional, liberdade de expressdo entre outros. Alargando-se 0 interesse sobre o tema, os Estados-Membros apoiaram ¢ aperfeigoaram a Recomendacao sobre o Estatuto do Artista em outros instrumentos internacionais, sendo primordial a Convengao da UNESCO sobre a Protesio ¢ Promogio da Diversidade das Expressées Culturais de 2005 que trouxe diversos artigos relacionados ao tratamento especial para artistas € profissionais da cultura como protecéo ¢ promog’o das expresses culturais em todo 0 mundo. Assim, destaca-se em um primeiro momento a importancia atual da andlise da Recomendacao sobre o Estatuto do Artista, como um rico ¢ atual aparato internacional de protegéo da situacio onal, econdmica ¢ social desses artistas. Em seguida apresenta-se profi 143 um levantamento baseado nas narrativas construfdas nos dois tiltimos Relatérios Consolidados do Sectetariado da UNESCO = 2011 ¢ 2015, sobre a Recomendago e 0 status atual do artista, onde demonstra-se medidas implementadas em diversos paises em busca de um possivel alinhamento que se mostre pertinente as tratativas de ordem internacional pautadas para implementagéo da Recomendagao. A RECOMENDAGAO SOBRE O ESTATUTO DO ARTISTA: UMA FONTE INDISPENSAVEL PARA O DESENVOLVIMENTO DE POLITICAS CULTURAIS A situagao do artista na sociedade é determinada por vezes pelas suas escolhas como cidadao através de suas responsabilidades civicas, mas também pela forma de atuagao do Estado na adogao de Politicas Culturais em beneficio desse artista. Além disto 0 Artista possui responsabilidades civicas especificas na obrigacdo do cultivo de seu talento mesmo em circunstancias que Ihe negue a oportunidade de se desenvolver, a ponto de se posicionar afirmando um papel ativo no monitoramento de estruturas politicas que incentive estados, organizagées culturais, ¢ instituigées a promoverem € criarem um ambiente favorével para 0 seu desenvolvimento. Apesar da Recomendacao sobre o Estatuto do Artista nao obrigar explicitamente aos Estados-Membros a adogio de legislacio especifica para implementagao ¢ aperfeigoamento de medidas que contribuam para a situagao atual dos artistas, diversos paises utilizam 0 teor normative da Recomendagao como ferramenta politica. Segundo os dois tiltimos Relatérios Consolidados do Secretariado da UNESCO ~ 2011 ¢ 2015 dos 47 Estados que apresentaram respostas @ consulta sobre essa questao, 41 Estados (87%) descreveram em seus relatérios 144 que a recomendagio “é ou tem sido, um modelo para o desenvolvimento de politicas que esto em andamento”, e 31 Estados (66%) afirmaram que a recomendacao “é (ou foi) uma ferramenta importante para a promogao de discussoes politicas”. Esse cenario ¢ impulsionado evidentemente pela adogio da Convengao da Diversidade Cultural de 2005 pelos Estados-Membros, uma vez que esta delineia uma série de medidas para o desenvolvimento de politicas que promovam a condicao de artistas profissionais. Vejamos: Artigo 7 - Medidas para a promogao das express6es culturais, (2) 2. As Partes buscaréo também reconhecer a importante contribuigéo dos artistas, de todos aqueles envolvides no processo criativo, das comunidades culturais e das organi- zagies que os apoiam em seu trabalho, bem como o papel central que desempenham ao nutrir a diversidade das ex- presses culturais. Como parte de suas obrigagées estatutérias 4 Convengao de 2005 traga objetivos aliados a Recomendacao sobre o Estatuto do Artista sendo pega fundamental no reconhecimento do importante papel desempenhado pelo artista no envolvimento da criag4o de bens ¢ servigos culturais, ou seja, na criacdo de expressées culturais. Ao promover a criagao de leis ¢ 0 incentivo de politicas que estimulem a expressao criativa garantindo um tratamento equitativo dado aos artistas, a Recomendago responde a circunstancias atuais ¢ singulares demonstradas através das realidades atipicas do trabalho artistico em todo o mundo. PROTEGOES SOCIAIS E SITUAGOES FISCAIS: CONDIGOES DE VIDA, DE TRABALHO E OUTRAS NECESSIDADES Quando se pensa sobre a vida de artistas no mundo todo, a figura que se materializa é a de encanto, fama e riqueza, néo sabendo que para 145 a maior parte dos que escolhem este oficio, a situagao de vida é instavel, precdria e por vezes perigosa. A demanda de emprego é imprevisivel ¢ irregular, e os acordos contratuais extremamente frageis nao tem qualquer tipo de controle que estabeleca um equilibrio de mercado. A preocupagao, em cardter global, em fortalecer as discussdes relativas as condigées do Artista se mostra consistente dada a importancia ¢ necessidade do estabelecimento de regras comuns aos Estados para a construgao de uma consciéncia artistica e intelectual da comunidade internacional. A recomendagio orienta que os Estados-Membros devem: ) Esforcar-se por tomar as medidas necessérias para garan- tir que os artistas gozem dos mesmos direitos conferidos a um grupo compardvel da populacio ativa pela legislagao na- cional ¢ internacional em matéria de emprego ¢ condigées de vida e de trabalho ¢ que os artistas independentes desfru- tem, dentro de limites razoaveis, de protegio em matéria de renda e seguridade social. No entanto, apenas uma parcela pequena de artistas esto empregados, como é 0 caso de artistas pertencentes a orquestras, companhias de danga, de balé, empresas de televisio, que por assim estarem desfrutam normalmente dos beneficios destinados aos trabalhadores em geral empregados. O relatério da UNESCO demonstra que na maioria dos Estados- Membros, o ntimero de artistas independentes ¢ auténomos é bem maior do que os empregados, definindo uma forma de trabalho atipica que deverd ser tratada de forma equitativa com outros trabalhadores em geral. E preciso fornecer um aparato legislative apropriado para artistas a depender do desenvolvimento de cada realidade estatal explorando 146 praticas adequadas para a implementagao de novas politicas culturais neste dominio. Com relacéo ao fornecimento de protegdo social aos artistas, em diversos paises as abordagens legislativas sao resumidas da seguinte forma, podendo atuar dentro de um mesmo Estado sob diversas categorias artisticas: a) O artista nao tem cobertura previdencidria, ou lhe é ofertado a possibilidade de obter uma previdéncia privada; b) O artista € colocado por analogia num status de empregado se beneficiando das mesmas condigées de um artistas empregado (Bélgica, Burkina Faso, Franca, Alemanha); ©) O Estado desenvolve ou financia um programa paralelo ao programa oficial destinado a empregados, ou define disposicées especiais para artistas autonomos; d) O Estado promove um sistema nao estatal complementar ou paralelo que geralmente ¢ implementado pelas associagées coletivas de direitos autorais. Na Franga, artistas autonomos desfrutam de um amplo sistema de beneficios que oferecem assisténcia médica, protecao para acidentes de trabalho, continuagao salarial em caso de doenga ou deficiéncia, subsidio de desemprego, formacéo profissional, férias, licenga maternidade, entre outros. J em varios paises da Africa Ocidental (Senegal, Burkina Faso e Togo), foram organizados beneficios sociais para alguns artistas profissionais pelas suas associacées de gestdo coletiva de direitos autorais ¢ outras sociedades. Na Australia, no Canada e nos Estados Unidos, alguns sindicatos de artistas desenvolveram programas abrangentes que fornecem cuidados a satide, seguros e pensées para os seus membros. Um ponto em comum elencado pelos Estados-Membros que responderam a consulta, é a dificuldade dos artistas no acesso ao seguro de desemprego sendo menos comum entre os Estados.' 1 Full Analytic Report (2015) on the implementation of the U tion concerning the Status of the Artist. SCO 1980 Recommenda- 147 Com telagio a situagao fiscal ea renda dos artistas, a recomendagio orienta que os Estados-Membros devem: ) 7..a) Convencidos da incerteza dos rendimentos dos artistas ¢ das suas Mutuagées repentinas, das caracteristicas especiais da atividade artistica ¢ do facto de muitos atores artisticos s6 poderem ser seguidos durante um periodo relativamente curto de vida, os Estados-Membros sao convidados a prever direitos de pensao para certas categorias de artistas em fun- sao da duragio da carreira e néo da obtengao de uma certa idade e de ter em conta no seu sistema fiscal as condig6es especificas do trabalho ¢ da atividade dos artistas; Um dos principais fatores que determinam a situac4o atipica do artista ¢ 0 nivel ¢ o fluxo de sua renda. A possibilidade de grandes flutuagées nos seus rendimentos conduz frequentemente a niveis mais baixos de protesées sociais, o que leva alguns paises a oferecem aos artistas auténomos a possibilidade de calcular sua renda a partir de determinados trabalhos criativos por um perfodo de tempo especificado, garantindo aos que trabalham por longos perfodos de tempo em um tinico trabalho individual e apenas serio pagos quando o trabalho for finalizado. A média de rendimento, segundo o relatério, também é um mecanismo amplamente utilizado para apoiar artistas ¢ outros contratantes independentes na Austrilia e varios paises europeus, a Bulgéria, a Dinamarca, a Alemanha, os Paises Baixos, a Noruega, a Suécia e o Reino Unido da Gra-Bretanha ¢ da Irlanda do Norte. Diversos Estados informaram da aplicagéo de isengdes fiscais relativas ao rendimento obtido com direitos de autor ou direitos conexos (Canad, Montenegro) ou produgées artisticas (Austrélia, Dinamarca, Finlandia, Quénia, Leténia, Federagio da Russia e Reino Unido da Gra- Bretanha e Irlanda do Norte). Na Irlanda, artistas como (, escritores, 148 compositores ¢ artistas visuais, que residem no pais sdo isentos de imposto de renda, enquanto que no México, um artista profissional reconhecido pode pagar seus impostos com obras de arte. Varios paises tém regras preferenciais em relagéo a dedugio de despesas materiais nos impostos pagos, incluindo, por exemplo, o custo de instrumentos musicais. A Recomendagéo também reconhece o dircito dos artistas de se organizarem em sindicatos ou organizagées profissionais que possam representar e defender os interesses de seus membros, orientando que os Estados-Membros devem: 4. (..)) assegurar, através de meios legislativos adequados, quando necessério, a liberdade criarem sindicatos ¢ organizacées profissionais da sua ¢s- colha e de se tornarem membros dessas organizacées, se 0 desejarem, e tornar possivel para organizagées que represen- tam artistas participarem na formulacio de politicas culeu- rais e politicas de emprego, incluindo a formagio profissio- nal de artistas, ¢ na determinagio das condigées de trabalho dos artistas. co dircito dos artistas de Um dos desafios enfrentados pelos sindicatos de artistas auténomos € que, em muitas legislagdes a “negociacao coletiva” por sindicatos de artistas que séo contratados como independentes ou auténomos podem violar leis de concorréncia comercial nestes paises, pois normalmente, apenas sindicatos de empregados tem permisséo legal para atuar nessas negociagées. E por essa raz4o que as leis adotadas no Canadé e em varias de suas provincias introduzem disposigées especiais para permitir as atividades de negociag4o coletiva das associagées de artistas. Em muitas partes da Asia, associagées que representam artistas estéo comecando asurgir em todaa regido, devido aos efeitos da globalizacéo 2 Idem 149 econémica. Na maior parte da América Latina, os sindicatos de artistas séo considerados iguais a todas as outras organizagées de trabalhadores, ¢ 0s acordos sindicais sé mais difundidos. O principal desafio para esses sindicatos é exercer com sucesso seus direitos em um ambiente em que hé um desequilibrio considerdvel de poder econémico. A Recomendagio convida, ainda, aos Estados-Membros a adotarem (...) todas as medidas adequadas para promover a livre cir- culagéo internacional de artistas ¢ dos artistas praticarem a sua arte no pais de sua escolha, assegurando que estes no prejudiquem o desenvolvimento de talentos endégenos e as condigées de trabalho e emprego de artistas nacionais; © impedir a liberdade Alguns artistas de sucesso so capazes de atravessar fronteiras facilmente, enquanto outros podem nao conseguir obter a permisséo necessdria ou visto para entrar em outro pais, mesmo que sejam profissionais estabelecidos. Quando os artistas fazem turnés, eles podem ser confrontados com outros desafios, como retengao de impostos, dupla tributacdo, falta de beneficios de seguridade social, etc. Esses problemas sao particularmente desafiadores em regides com um mercado de trabalho comum. Muitos desses problemas se agravaram com as crescentes preocupagées de seguranca internacional desde o atentado terrorista de 2001 e nao se limitam apenas & viagem de artistas de paises em desenvolvimento para paises desenvolvidos, mas também entre paises desenvolvidos. Um dos meios para enfrentar este importante desafio tem sido a conclusao de acordos bilaterais e multilaterais entre os paises, bem como, intercAmbios culturais que incluam a circulagao internacional de artistas. Por exemplo, o Acordo de Parceria Econémica da Unido Européia- 150 CARIFORUM, assinado em 2008 que prevé um visto especial para artistas caribenhos para facilitar mobilidade, embora o relatério nao tenha conseguido ainda avaliar seu impacto? Existem também alguns impedimentos que _restringem a circulagao de bens culturais, incluindo tarifas clevadas ¢ direitos alfandegarios. O desenvolvimento de tecnologias digitais esta, no entanto, ajudando a possibilitar que mais artistas alcancem mercados fora de sua regio de origem. NOVAS CONFIGURAGOES LEGAIS QUE FAVOREGAM A SITUAGAO ATIPICA DOS ARTISTAS Imenso é 0 desafio — ¢ quase paralisante — para alcangarmos 08 objetivos da Recomendagao, principalmente num cenério atual de ascensio de um nacionalismo na conjuntura politica mundial. Apesar de ser uma obrigagao dos Estados-membros da UNESCO a apresentagéo de relatérios periédicos sobre a implementagao das recomendacées adotadas pela Conferéncia Geral conforme os termos do Artigo VII da Constituigéo da UNESCO‘, apenas 55 Estados-Membros (dos 195 membros)* apresentaram relatérios, revelando a preocupacéo dada pelos Estados-Membros no envio dos relatérios, ¢ 0 acentuado desequilibrio de respostas entre as regides. Portanto, é importante ressaltar a grande urgéncia da adogéo de medidas politicas e inovagées legislativas no plano internacional destinadas 3 Idem| 4 Artigo VIII - Relatérios de Estados Membros - Nos momentos ¢ da forma a ser determina- da pela Conferéncia Geral, cada Estado Membro apresentari 3 Organizagio relatérios sobre a legislagio, regulamentos e estatisticas referentes as suas instituigbes e atividades de cardter educacional, cientifico e cultural, bem como sobre ages que tenham sido determinadas de acordo com recomendagées e convengées referidas no Artigo IV, paragrafo 4 5 hutps://www.unescoportugal.mne-pt/pt/a-unesco/sobre-a-unesco/estados-membros 151 a garantir uma rica diversidade de expresses culturais assegurando condigées legais, sociais ¢ econdmicas necessdtias para o exercicio do trabalho criativo do artista. E necessaria uma atengio especial as condigées atfpicas desses artistas tais como mobilidade, seguranga, renda, dupla tributacao, previdéncia social, com intuito de gerar um novo modelo normativo que incentive o desenvolvimento de estruturas estatais ¢ institucionais a fim de ajudé-los em procedimentos mais complexos resultantes de suas precérias condigées de trabalho e niveis flutuantes de renda e permitam vencer os obstéculos com que se deparam. REFERENCIAS UNESCO. Convengio sobre a protegio e promogio da diversidade das expressées culturais. Paris: Unesco, 2005. Disponivel em: htrp:// nesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224por.pdf . Constituigéo da Organizacao das Nagées Unidas para a Educagao, a Ciéncia e a Cultura. Londres: 1945. Disponivel em: hitp://unesdoc.unesco.org/images/0014/001472/147273por.pdf -Full Analytic Report (2015) on the implementation of the UNESCO 1980 Recommendation concerning the Status of the Artist. Paris: Unesco, 2015. . Recommendation concerning the Status of the Artist. Paris: Unesco, 1980. Disponivel em: http://portal.unesco.org/en/ev.php- URL _1D=13138&URL_ DO=DO_TOPIC&URL SECTION=201. heml 152

Você também pode gostar