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Ministério Público

Gabinete do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente do Tribunal de Contas da União, no


exercício da Presidência

Com fundamento no art. 81, inciso I, da Lei nº 8.443/1992, e nos artigos 237,
inciso VII, e 276, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado
pela Resolução 155/2002, o Ministério Público junto ao TCU vem oferecer

REPRESENTAÇÃO,
COM REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR,

com o propósito de que esta Corte de Contas, pelas razões a seguir expostas, no
cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil,
financeira, orçamentária e patrimonial da Administração Pública Federal, decida pela
adoção das medidas tendentes a conhecer e avaliar os procedimentos adotados pela Caixa
Econômica Federal para a concessão de empréstimos consignados aos beneficiários do
Auxílio Brasil, de modo a impedir sua utilização com finalidade meramente eleitoral e
em detrimento das finalidades vinculadas do banco, relativas à proteção da segurança
nacional ou ao atendimento de relevante interesse coletivo.

- II –

Venho diante do TCU externar extrema preocupação e denunciar atos praticados


pela Caixa Econômica Federal, possivelmente em desvio de finalidade, que se tornaram

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públicos e notórios, e ao final requerer dessa Corte de Contas as medidas cabíveis para
evitar prejuízo aos cofres daquele banco público, bem assim para reestabelecer a moralidade
da Administração Pública.
Permito-me a transcrição de matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo no
portal “UOL” em 17/10/2022 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/caixa-
liberou-r-18-bi-em-tres-dias-em-credito-consignado-no-auxilio-brasil-e-bpc-para-700-mil-
pessoas.shtml), essencial à compreensão do objeto da presente representação:

BRASÍLIA
A Caixa Econômica Federal liberou R$ 1,8 bilhão em empréstimos consignados
para 700 mil beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) em
três dias de operação na última semana.
O valor médio do empréstimo ficou em torno de R$ 2.600, segundo Daniella
Marques, presidente da Caixa, na entrevista coletiva do lançamento da ação Caixa Pra Elas
Empreendedoras nesta segunda-feira (17).
Marques disse que houve "muita tentativa de fraude no programa" nos primeiros
dias de operação, sem dar detalhes sobre o tema, e ressaltou que o banco leva 48 horas para
creditar os recursos na conta do beneficiário.
A Caixa começou a oferecer o novo empréstimo na última terça-feira (11). A taxa
de juros é de 3,45% ao mês —um pouco abaixo do teto de 3,5% ao mês fixado pelo Ministério
da Cidadania. O empréstimo poderá ser feito em até dois anos, em 24 parcelas mensais e
sucessivas.
Às vésperas do segundo turno das eleições, a Caixa anunciou que irá liberar R$ 1
bilhão em crédito para impulsionar a formalização de mulheres empreendedoras que hoje atuam
no mercado sem CNPJ.
Aquelas que estejam negativadas também poderão ter acesso ao crédito de até R$
1.000, a uma taxa de juros de 3,6% ao mês, desde que passem pelo processo de formalização
como MEIs (microempreendedoras individuais). O valor pode ser solicitado até 19 de
novembro, Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino.
Com a nova ação, a Caixa tem a expectativa de formalizar um milhão de mulheres.
Ao todo, são 30 milhões de empreendedoras no Brasil hoje, incluindo beneficiárias do Auxílio
Brasil, autônomas e informais.
Segundo Marques, pesquisas qualitativas mostraram que cerca de 70% dos
beneficiários do Auxílio Brasil têm algum tipo de atividade informal ou autônoma. O programa
atenderá, até o fim de outubro, 21,13 milhões de famílias, sendo mais de 80% chefiadas por
mulheres.
"Ela [empreendedora] abre uma MEI, realiza o curso no Sebrae gratuito, adaptado
para essa ação, também terá meio remoto por celular ou WhatsApp e ações locais por todo o
Brasil. Quando ela se formaliza, abre a MEI, faz o curso e já vai ter o acesso, mesmo se estiver
negativada, de crédito de até R$ 1.000 para dar esse primeiro passo", disse Marques.
As mulheres que recebem o Auxílio Brasil podem formalizar seus
empreendimentos sem perder direito ao benefício, afirmou a presidente da Caixa, reforçando
que as duas iniciativas de crédito oferecidas pelo banco podem ser conjugadas e não são
excludentes.

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"São complementares, quem está acessando o consignado do Auxílio [Brasil], e a


demanda é enorme, a gente quer usar essa ação para apoiar a formalização entendendo que boa
parte desses recursos tem como destino comprar mercadoria hoje, mas o negócio é informal",
disse.
"Isso é uma rampa de apoio para formalizar e, uma vez formalizado, ali na frente,
vai ter acesso a crédito mais barato e vai dar fôlego para o negócio", acrescentou.
De acordo com a Caixa, a nova iniciativa em parceria com o Sebrae tem também
como objetivos a promoção da capacitação e o oferecimento de soluções de crédito.
A população feminina representa uma parcela do eleitorado na qual o presidente
Jair Bolsonaro (PL) encontra resistência. Bolsonaro terminou o primeiro turno atrás de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e tem usado o Auxílio Brasil como trunfo em sua campanha de
reeleição.
Questionada sobre a nova liberação de crédito a menos de duas semanas do
segundo turno eleitoral, que será no dia 30, Marques afirmou ter "autonomia técnica para
exercer a presidência do banco".
A nova iniciativa faz parte de uma série de ações voltadas para mulheres
anunciadas por Marques desde sua posse, no início de julho, depois que Pedro Guimarães pediu
demissão sob acusações de assédio sexual contra empregadas do banco.
Em agosto, o banco lançou o programa Caixa Pra Elas, com a promessa de ações
de acolhimento, orientação financeira e atendimento exclusivo para o público feminino em
agências e outros canais do banco. Até o fim do ano, a expectativa é de que 4.000 agências da
Caixa contem com esse espaço.
A Caixa anunciou, em setembro, a ampliação de medidas destinadas para mulheres,
incluindo taxas de crédito mais baixas, pausa nos pagamentos de prestações em caso de
maternidade ou adoção e isenção de parte das tarifas de produtos do banco público.

De acordo com a Constituição Federal, art. 173, a exploração direta de atividade


econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
A Lei 13.303 de 2016 dispõe, por sua vez, que a constituição de empresa pública
para a exploração de atividade econômica dependerá de prévia autorização legal que
indique, de forma clara, relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional.
Por óbvio, a empresa pública deve ser capaz então de demonstrar na sua atuação,
e em toda e qualquer decisão relacionada à sua atividade fim, haver se orientado pelos
mesmos princípios que autorizaram a sua constituição, vale dizer, a defesa da segurança
nacional ou o atendimento de relevante interesse coletivo.
Não é o que parece haver se dado no caso acima relatado. Nada obstante a
autorização mediante a Lei 14.431 de 2022 para a concessão de empréstimos consignados
para os beneficiários do Auxílio Brasil, o ritmo acelerado com que a Caixa Econômica
Federal vem liberando o crédito – havendo alcançado já o assombroso montante de R$ 1,8
bilhão em apenas três dias – impõe dúvidas sobre as finalidades perseguidas mediante essa
atividade, bem como sobre se vem sendo respeitados procedimentos destinados a
salvaguardar os interesses do banco e, por consequência, o interesse público.
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Com efeito, não é desarrazoado supor, como sugere a matéria jornalística em


tela, que o verdadeiro propósito dessas ações, ou pelo menos da forma como elas vem sendo
conduzidas, seja o de beneficiar eleitoralmente o atual Presidente da República e candidato
à reeleição. As ações, além de se dar com agilidade inesperada e muito provavelmente de
maneira açodada, se organizam, conforme revela a reportagem, de modo a alcançar
sobretudo mulheres, parcela do eleitorado na qual o Presidente Jair Bolsonaro encontra
resistência.
No cenário atual, com a aproximação do segundo turno das eleições e com as
dificuldades enfrentadas pelo Presidente nas pesquisas de intenções de voto, tudo indica
tratar-se de medida destinada a atender prioritariamente interesses políticos-eleitorais, que
relegam o interesse público a segundo plano, com vistas à obtenção de benefícios pessoais
em detrimento da população.
Claro é que, se confirmadas as suspeitas, o fato em tela constituiria ocorrência de
extrema gravidade, inclusive com implicações criminais comuns e de responsabilidade,
alheias às competências dessa Corte de Contas. O ilícito, porém, tem também sua dimensão
administrativa, que não pode ser desprezada e exige a atuação do Controle Externo. Nessa
esfera, há a possibilidade de a empresa pública haver incorrido em flagrante desvio de
finalidade pública, utilizando-se indevidamente de seus recursos e de sua estrutura para
interferir politicamente nas eleições presidenciais, situação a demandar notoriamente a
atuação do TCU.
Importante lembrar que o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica
o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de
competência. Qualquer ato administrativo vinculado ou discricionário deve sempre se
conformar com o interesse público em três níveis de realização (constitucional, legal e
econômico). Independentemente de qualquer outro vício, se o ato foi praticado contrariando
a finalidade legal que justificou a outorga de competência para a prática do ato, ou seja, se
foi praticado com desvio de finalidade, ele é nulo.
Por fim, é de se observar, ainda, que os fatos noticiados denotam, em tese,
inadequado uso do cargo público, motivado supostamente por interesses político-pessoais,
podendo caracterizar eventual crime de responsabilidade, por atentar contra a
segurança interna do país e a probidade na Administração Pública, nos termos do art.
85, inciso IV e V, da Constituição Federal.
Em face do prejuízo iminente, não só para a Caixa Econômica Federal, mas
sobretudo para a lisura do processo eleitoral em curso, bem assim para a moralidade da
Administração Pública no Brasil, a questão ora em consideração encerra as condições
necessárias e suficientes para que, com base no que dispõe o artigo 276, caput, do
Regimento Interno do TCU, seja adotada medida cautelar determinando à Caixa
Econômica Federal que, independentemente de eventuais arranjos legais e infralegais,
se abstenha de realizar novos empréstimos consignados para os beneficiários do
Auxílio Brasil até que essa Corte de Contas se manifeste definitivamente sobre o
assunto.

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Ressalte-se que este Ministério Público junto ao TCU possui legitimidade para
representações junto a essa Corte, os fatos foram apresentados em linguagem clara e
objetiva e estão acompanhados, em anexos, de todos os dados informados no bojo desta
representação.

- III -

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas


da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237, inciso VII,
do Regimento Interno do TCU, requer ao Tribunal, pelas razões acima aduzidas, que adote
medidas tendentes a:
a) conhecer e avaliar os procedimentos adotados pela Caixa Econômica Federal para
a concessão de empréstimos consignados aos beneficiários do Auxílio Brasil, de
modo a impedir sua utilização com finalidade meramente eleitoral e em
detrimento das finalidades vinculadas do banco, relativas à proteção da segurança
nacional ou ao atendimento de relevante interesse coletivo.; e

b) fazendo-se presentes, no caso ora em consideração, o fumus boni iuris e o


periculum in mora, determinar, o Plenário do TCU ou o relator desta
representação, em caráter cautelar, à Caixa Econômica Federal que,
independentemente de eventuais arranjos legais e infralegais, se abstenha de
realizar novos empréstimos consignados para os beneficiários do Auxílio
Brasil até que essa Corte de Contas se manifeste definitivamente sobre o
assunto.

Propõe-se, ademais, encaminhar cópia da presente representação e da decisão que


vier a ser proferida aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ao
Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (MPF).

Ministério Público, 18 de outubro de 2022.

(Assinado Eletronicamente)
Lucas Rocha Furtado
Subprocurador Geral

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