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PLANO MONOGRÁFICO
Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da Biblioteca
ESPM
AGRADECIMENTOS
Este trabalho busca compreender quais são os aspectos da cultura pop japonesa, com
foco nos animês e mangas, que inspiram os seus admiradores no modo de se vestir. Para
cumprir tal objetivo, é realizada uma retomada da história dos quadrinhos e animações
japonesa, uma apresentação das suas principais características e dos outros elementos que
compõem a cultura pop japonesa. Além disso, recorre-se aos conceitos de cultura, gosto,
identidade e moda, aliados a uma pesquisa qualitativa que utiliza de entrevistas em
profundidade, para coleta de dados empíricos, e pesquisa bibliográfica no campo teórico.
Acerca dos resultados obtidos, destaca-se a relevância que a cultura pop japonesa teve e tem
no desenvolvimento das identidades sociais dos jovens adultos admiradores, pois ela é
utilizada uma referência tanto visual, no que tange ao estilo de vestimenta, como pessoal, no
que se refere a valores e personalidade. Dessa forma, a cultura pop japonesa, principalmente
os animês e mangás, pode ser vista não somente como entretenimento, mas sim como um
espaço que oportuniza a aprendizagem, a sociabilidade e a inspiração para o modo de vestir
dos fãs de cultura pop japonesa.
This study seeks to understand what are the aspects of Japanese pop culture, focusing
on the animes and mangas, that inspire their admirers in the way they dress. In order to
achieve thats goal, a review of the Japanese comics and animations is carried out, a
presentation of their main characteristics and the other elements that make up Japanese pop
culture. In addition, the concepts of culture, taste, identity and fashion are used, together with
qualitative research that uses in-depth interviews to collect empirical data, and bibliographic
research in the theoretical field. About the results obtained, we highlight the relevance that
the Japanese pop culture had and has in the development of the social identities of young
adult admirers, because it is used as a reference both visual, in terms of dress style, and
personal, in terms of values and personality. In this way, Japanese pop culture, especially the
animes and mangas, can be seen not only as entertainment, but also as a space that provides
learning, sociability and inspiration for the way fans of Japanese pop culture dress.
Palavras-chave: Japanese pop culture; Animes and mangas; Culture; Identity; Fashion.
LISTA DE FIGURAS
4. MODA ............................................................................................................................. 50
4.1 Moda: comunicação e cultura ..................................................................................... 50
1. INTRODUÇÃO
No final do pós-guerra, a partir de 1955, o Japão deu início a uma fase de crescimento
econômico cujos efeitos foram notados em várias áreas, dentre elas o entretenimento. Desde
o final do século XX, formas diversas de entretenimento nipônico tiveram um processo de
reconhecimento e popularização internacional, atraindo indivíduos de diferentes idades e
culturas (LUYTEN, 2005). A partir dos anos oitenta, os mangás, os animês se os dramas
japoneses passaram a ser vistos e acompanhados pelo continente asiático e, em seguida, pelos
países do ocidente (AOKI, 2004). Os mangás, histórias em quadrinhos japonesas, lidos de
trás para frente, seguindo a orientação oriental. Quando um mangá alcança determinado
sucesso de vendas ou reconhecimento no país, é comum que ele seja adaptado para animação,
os animês, para ser transmitido por canais de televisão local e aumentar, ainda mais, as
vendas do mangá (SATO, 2005).
No Brasil, no decorrer das últimas décadas, o entusiasmo por esses produtos
nipônicos tem ganho cada vez mais admiradores, em especial jovens, ensejando assim a
realização de eventos tanto nacionais quanto locais. Embora a colônia japonesa seja muito
numerosa em São Paulo e isto oportunize a realização de eventos desse tipo, em outras
regiões do país, como o Rio Grande do Sul, há interesse crescente sobre atividades que
tematizem a cultura nipônica, em particular aqueles aspectos ligados ao que se pode chamar
de cultura pop japonesa. Na capital do estado há pelo menos três eventos que congregam e
reúnem centenas de admiradores, em especial jovens, são eles: AnimeExtreme, Festival do
Japão e Anime Buzz, conforme informações coletadas em suas respectivas fanpages na
rede social Facebook.
Tais circunstâncias têm promovido o renovado interesse por animês e mangás, e
claro as características estéticas que os singularizam, o que sugere que uma parcela deste
segmento juvenil de fãs venha a constituir uma identidade comum (CUCHE, 199). A base
geradora e organizadora de práticas e representações que possibilitam tal identidade comum
remete ao conceito de habitus formulado por Bourdieu (2008). Isto porque o habitus
propicia o surgimento de um estilo de vida que, conforme as escolhas culturais, pode
abranger diferentes assuntos, como: alimentação, linguagem, gostos musicais, maneira de
se vestir, esportes e entre outros (JOURDAIN; NAULIN, 2017).
Ademais, de acordo com Crane (2006), um dos fatores que desempenha maior
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de animês e mangás”, realizado em 2002 por Mariana Bonome de Souza Marques e “Estudo
da recepção de peças publicitárias: como propagandas japonesas são interpretadas pelo
público jovem brasileiro”, realizado em 2015 por Nicole Di Cunto Bracco, ambos da ESPM-
SP, e “Fantasia, representação e pertencimento: o cosplay e a sociabilidade juvenil na
hipermodernidade”, realizado em 2015 por Camila Roussos Mariú Lodeyro na ESPM-Sul.
Já em outras faculdades de Porto Alegre, como UFRGS e PUCRS, há apenas dois trabalhos
de graduação com temas próximos: “O ser Otaku: um estudo do comportamento online e
offline em Porto Alegre”, realizado em 2017 por Vitoria Maldonado Cabral na UFRGS, e
“Vestindo o personagem: a contribuição da experiência cosplay para o bem-estar do
consumidor”, realizado em 2017 por Rafael Rodrigues de Mello na PUCRS. Assim, nenhum
dos trabalhos encontrados busca compreender os elementos do entretenimento pop japonês
que inspiram os seus admiradores no modo de se vestir e na sua expressão de estilo. Portanto,
o tema deste trabalho torna-se relevante para estudos acadêmicos, pois ele avalia quais
elementos da cultura pop japonesa inspira, compõe e impacta as referências estéticas de moda
dos jovens adultos fãs de animês e mangás.
Além disso, para aspectos mercadológicos, a temática que essa pesquisa busca
solucionar e compreender pode auxiliar o desenvolvimento de marcas e lojas de roupas
voltadas para o público que se interessa por animês e mangás, pois poderão obter informações
que exemplificam a influência da cultura pop japonesa na vida desse público.
Já no âmbito social, por abordar a relação da cultura na formação de identidade e,
consequentemente, o estilo de vestuário é expressado, o presente estudo mostrar como uma
cultura estrangeira pode interferir na expressão e consumo de roupas, como também o que
leva alguns indivíduos que se interessarem. Portanto, pode auxiliar na realização de novos
eventos voltados para a cultura pop japonesa na cidade de Porto Alegre e região
metropolitana. Também, ajudar os organizadores de eventos, que já ocorrem na cidade, a
compreenderem novas necessidades para estes eventos.
Ademais, o autor deste estudo é fã e consumidor de animês, mangás, tem fascínio
pelo Japão e por sua cultura desde a sua infância. Apesar de não possuir ascendência
japonesa, os animês e mangás fizeram e ainda fazem parte do crescimento pessoal, diversão,
entretenimento, conhecimento e, principalmente, no estilo. Além disso, há um interesse por
moda, estilo e estética, que, futuramente, levarão o autor realizar uma segunda graduação, no
caso, em Design de Moda. Também, há o desejo por compreender como cada indivíduo
desenvolve, mantém e apresenta a sua estética e estilo pessoal e como ele busca ou se afasta
da sua autenticidade.
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Nos seguintes capítulos, inicia-se a revisão teórica dos temas relevantes para a
execução desta pesquisa. No primeiro momento, será estudada a história da indústria do
entretenimento japonês contemporâneo. Para isto, buscou se por autores que tratassem do
assunto, como: Braga Jr. (2011), Gravett (2006), Luyten (2005), Nagado (2005), Rocha
(2008), Sakurai (2007), Sato (2005). Com base neles, se aborda a origem e as características
dos mangás e animês e, também, a cultura pop japonesa a fim de tornar o leitor ciente das
peculiaridades e diferenças desse universo de quadrinhos e animações orientais.
Em seguida, a forma que a cultura impacta os indivíduos, como as identidades
individuais são formadas e como inspira a moda e o estilo de roupas de cada pessoa serão os
objetos de estudos do terceiro capítulo. Logo, foram utilizados os seguintes autores: Bourdieu
(2008), Cuche (1999), Étienne et al (1998), Hall (2001), Johnson (1997) e Jourdain e Naulin
(2017) para tratar de cultura, gosto, grupos e identidade. E, para tratar o modo de se vestir
dos indivíduos: Barnard (2003), Crane (2006), Garcia e Miranda (2005) e Godart (2010).
Dentro deste capítulo, os conceitos que permeiam a relação da cultura como um impacto na
identidade de cada indivíduo e a maneira que cada um expressa sua identidade por meio da
moda são aprofundados.
Após os capítulos teóricos, a metodologia adotada para a presente pesquisa é
apresentada. O trabalho segue a vertente qualitativa, pois busca compreender, de forma
aprofundada, quais elementos da cultura pop japonesa inspiram as identidades sociais e a
expressão de estilo dos admiradores de animês. Logo, é necessário entender com
profundidade a origem desse interesse, as preferências e, posteriormente, como os indivíduos
observam essa influência nas suas respectivas vidas. Dessa forma, com o intuito de dar
suporto teórico para o estudo, foi realizada pesquisa bibliográfica. Para a coleta de dados,
optou-se por entrevistas em profundidade, pois é com ela que se consegue obter as
informações mais profundas a respeito da unidade de estudo.
Na seguinte etapa, inicia-se o processo de análise dos dados coletados, como também,
as hipóteses que surgem por meio das interpretações dos conhecimentos obtidos nas
entrevistas. Por fim, as considerações finais apresentam as realizações alcançadas com a
presente pesquisa.
Este trabalho aborda aspectos da cultura, individualidade e sociabilidade humana: a
sua formação de identidade e como uma cultura pode inspirar os indivíduos no momento que
é expressada no estilo de roupas. Aqui, a cultura em análise é o entretenimento japonesa, com
foco nos animês e mangás, e como conhecimento nipônico que é transmitido por ele. Neste
momento, o(a) leitor(a) é convidado(a) a descobrir a origem e a história de como os animês
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e mangás começaram, cresceram e foram reconhecidos por outros países, a fim de identificar
quais aspectos da cultura pop japonesa são tratados como referências pessoais e visuais pelos
seus admiradores no momento que apresentam seu estilo de vestimentas.
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A cultura pop, no geral, é um reflexo da sociedade, pois ela não se limita apenas a
estética de música e arte, mas atinge todas as pessoas numa forma mais ampla no sentido
cultural. Portanto, no Japão, a cultura pop do país pode ser vista e entendida de várias formas,
como: música, karaokê, animês, mangás, filmes, novelas, videogames, entre outras. Todavia,
os quadrinhos japoneses, os mangás, e as animações japonesas, os animês, são os maiores
reflexos da cultura e visual do país, pois eles são consumidos por milhares de pessoas e
mostram as mudanças políticas e culturais do país (LUYTEN, 2005).
2.1.1 MANGÁS
De acordo com Gravett (2006), os mangás nasceram do encontro do Oriente com o
Ocidente durante o período da Segunda Guerra, por sua vez, representou o encontro do velho
e do novo, também conhecido como wakon yosai, “espírito japonês, aprendizado ocidental”.
Logo, esse espírito japonês seria a essência visual da linguagem japonesa, que utiliza da
escrita, kanjis, ou caracteres chineses. Esses ideogramas que não representam de modo
realista objetos, mas sim, de forma simbólica e dinamizada com traços rápidos. Assim, o
autor acrescenta que talvez o fato de a escrita japonesa envolver o uso de símbolos e a sua
leitura exigir uma decodificação, os japoneses poderiam ter uma facilidade maior na
compreensão de como os quadrinhos funcionam.
Ademais, outra característica que pode explicar a fácil adaptação e desejo por
quadrinhos é a atração dos japoneses por arte pictórica, pois ela se assemelha aos mangás.
Conforme apresentado por Gravett (2006), Fusanosuke Natsume, crítico de quadrinhos,
classificou essas artes narrativas como “pré-mangá”, visto que elas, datadas no século XII,
foram pintadas em rolos de papel de até seis metros de comprimento e organizadas em
sequência para contar lendas, lutas e eventos da vida do cotidiano da época.
Posteriormente, entre os séculos XVII e XIX, o material de custo mais baixo, mais
acessível de comercialização ao público e, mais próximo do espírito do mangá, eram as
gravuras ukiyo-e. Essas impressões, por meio de xilografia e com até 15 cores, retratavam
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assuntos do cotidiano, afinal: “Uma gravura podia ser dedicada a uma noite de paixão com
uma cortesã, outra à performance de um ator de kabuki ou a luta de sumô, e outras ainda à
observação de belas gueixas, cerejeiras ou mudança de estações” (GRAVETT, 2006, p 24).
Dessa maneira, Gravett (2006) explica que a relação com os mangás é ainda mais
presente quando a história é ambientado no passado japonês, visto que os artistas
frequentemente se inspiram e referenciam aos ukiyo-e e outras imagens (Figura 1). Outros
ancestrais dos quadrinhos japoneses são os Toba-e, do século XVIII, e os Kibyoshi, do século
XIX. Os primeiros eram compilações de situações cômicas representadas em imagens com
humor visual e pouco texto, e, inicialmente, foram produzidos por Oka Shumboku. Já os
segundos também chamados de “livros de capa amarela”, eram produzidos em grandes
quantidades e feitos de xilogravuras, porém seus assuntos eram ironias focadas na
autoridades da época.
FIGURA 1 - Ukiyo-e
Outrossim, o termo “mangá” como é conhecido, surgiu em 1814 e foi criado pelo
artista Katsushika Hokusai. A palavra é composta por dois ideogramas chineses: man, que
significa “involuntário” ou “a despeito de si mesmo”, e ga, que significa “imagens”. Desse
modo, o termo foi utilizado para se referir aos rascunhos inconscientes em que o artista pode
brincar com exagero e a caricatura. Contudo, Hokusai não adicionava narrativa em seus
rascunhos, algo que se faz presente nos mangás atuais (GRAVETT, 2006).
diversidade atuais sem seu exemplo de pioneirismo” (GRAVETT 2006, p. 28). Assim sendo,
Tezuka, conhecido como “Deus do Mangá”, tornou-se o principal agente da mudança de
imagem que os mangás tinham sua época, entre 1946 a 1989, pois o desenhista apresentava
diferentes gêneros e temas, a caracterização, planos repletos de movimento e uma ênfase em
ter uma história relevante (GRAVETT, 2006).
No início da sua carreira, Osamu Tezuka, procurou por pequenas editoras, que eram
especializadas em mangás de capas duras e impressão a baixo custo, na cidade de Osaka.
Essas impressões eram chamadas de akahon, ou “ livros vermelhos”, por causa da sua capa
repleta de tinta vermelha. O primeiro trabalho de Tezuka nesse tipo de impressão foi desenhar
a história Shin-Takaranjima, ou “A Nova Ilha do Tesouro”, porém o título havia sido
reduzido para 60 páginas, menos de um quarto da ideia original. Contudo, apesar das
alterações, a maneira que Tezuka desenhou e o dinamismo das sequências, o livro acabou
sendo um sucesso, vendendo mais de quatrocentos mil exemplares (GRAVETT, 2006).
Ainda que Osamu Tezuka tenha alcançado reconhecimento pela maneira que
desenhava e abordava diferentes assuntos nos seus quadrinhos, o desenhista ainda era
obcecado por cinema. Logo, Gravett exemplifica “Se o mangá era sua noiva, como ele
confessou certa vez, então a animação era sua amante. O dinheiro de seus mangás financiaria
o sonho de adaptar seus personagens para filmes” (GRAVETT, 2006, p. 34).
Em seguida, Osamu continuou aceitando trabalhos e usou o seu lucro para abrir sua
própria produtora de animação a Mushi Productions em 1961 e, por meio dela, adaptou seu
mangá Tetsuwan Atomu, exibido em 1963 e Jungle Taitei, o primeiro feito em cores, em
1965. Por fim, o sucesso nacional e internacional de Tezuka mostrou a relação direta entre
mangá e animês, sendo um modelo que segue sustentando as duas indústrias até os dias de
hoje (GRAVETT, 2006).
Embora a imagem cultural do Japão fosse ligada a samurais, katanas, quimonos de
seda, gueixas, bonsais e cerejeiras, aos poucos esse lugar foi sendo tomado por uma imagem
mais moderna e tecnológica. Afinal, não eram mais as gravuras ukiyo-e que representavam o
Oriente para os ocidentais, mas sim as histórias em quadrinhos, os mangás, com personagens
de olhos grandes, corpos magros e cabelos coloridos (Figuras 2 e 3).
Também, foi por meio da televisão que vários países do mundo, na metade do século
XX, conheceram um Japão menos histórico e aristocrático. Dessa forma, as animações
japonesas foram exportadas e televisionadas, como uma forma de diversão diferente e
despreocupada, a diversos países entre 1960 e 1970 (SATO, 2005).
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FIGURA 2 - Ukiyo-e
FIGURA 3 - Shin-Takaranjima
FIGURA 4 - Hakujaden
FIGURA 5 - Momotaro
2.1.3 ANIMÊS
De acordo com Sato (2005), apenas na década de 1950 que a palavra animê, derivada
de animation, começou a ser utilizada para se referir às produções animadas do país. Portanto,
com difusão das animações no exterior, o termo animê se tornou sinônimo dos desenhos
japoneses, pois eles apresentavam estética e técnica específicas, embora no Japão, ela
signifique qualquer desenho animado, japonês ou não.
Desta forma, um divisor na cultura de mangás e animês foi desenhista Osamu
Tezuka, também conhecido como manga no kamisama (deus dos quadrinhos). Ele foi um
dos poucos a conseguir equilibrar o compromisso comercial com a parte artística da
produção, tanto nos mangás quanto nos animês. Assim, em 1959, já consagrado na área de
quadrinhos, o desenhista conseguiu a oportunidade de participar da sua primeira animação,
como codiretor e roteirista, Saiyuki (“Alakazam, o Grande”), um longa-metragem produzido
pela Toei Animation (SATO, 2005).
No início dos anos 1960 ocorreu a popularização das televisões nos lares japoneses,
segundo Sato (2005), Tezuka percebeu um mercado para a animação em grande escala e,
para tornar viável, seguiu a ideia de produção limitada. Contudo, em 1962, o primeiro anime
em formato de série foi exibido na TV, porém, foram produzidos poucos episódios e foram
ao ar de maneira irregular. Assim, apenas no ano seguinte, em 1963, Tezuka lançou sua
primeira série de TV, Tetsuwan Atomu, referente a série que mesmo desenvolveu em mangá
(Figura 6).
FIGURA 6 - Tetsuwan Atomu
O primeiro animê de Tezuka foi produzido e exibido durante três anos com
episódios semanais, além de ter recebido patrocínio e alcançado bons índices de audiência.
Portanto, Tetsuwan Atomu, foi considerado o primeiro animê televisionado, pois apresentava
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regularidade de exibição e, dessa forma, abriu portas para que a indústria de animação visse
oportunidades na TV japonesa (SATO, 2005).
Conforme Sato (2005), é complicado mensurar a influência e impacto de Tezuka e
suas obras na cultura do país, pois a animação no país evoluiu na forma e na técnica, todavia,
a essência se mantém no que foi criado por Osamu Tezuka. Assim, a autora diz:
Além disso, na década de 1980, as animações para TV japonesa atingiram seu ápice,
assim, concentrando mais de dez mil animadores profissionais na cidade de Tóquio para a
produção em massa para o povo. Por outro lado, nas produções de longa-metragem, novos
diretores se destacaram ao longo dos anos. Hayao Miyazaki, que era estagiário na Toei
Animation, um dos principais estúdios de animação japonesa na época, percorreu diversos
estúdios enquanto trabalhava em séries para TV, mas, ao se associar a uma grande empresa
editorial, formou a Studio Ghibli. Assim, Hayao produziu alguns dos longas mais bem-
sucedidos da animação japonesa como: Tonari no Totoro (Meu amigo Totoro) de 1988 e
Majõ no Takyuubin (“O serviço de entregas da Kiki”) de 1989 (Figura 7 e 8). Os dois longas-
metragens foram premiados como melhor filme do ano pela Academia Cinematográfica
Japonesa (SADO, 2005).
contornando o desenho, assim como os seus personagens que costumam ter traços simples e
definidos com poucas linhas. Todavia, há um cuidado com as expressões, faciais e corporais,
e com o cabelo, que interferem na forma dos personagens, pois são desenhados com cortes,
formas, volumes, tamanhos diferentes da realidade. O autor explica:
Existe, portanto, uma grande preocupação com a cabeça dos personagens e suas
vestes que sempre são bem trabalhadas, nos mínimos detalhes. [...] Os desenhos
tendem a uma caricatura e ao estereótipo. Ou os rostos são extremamente perfeitos
e equilibrados do ponto de vista estético ou apresentam características peculiares
que são levadas ao extremo, deformando as feições, por exemplo. (BRAGA JR,
2011, p. 4)
A cerca das animações japonesas, Rocha (2008) diz que o padrão que os animês
possuem consiste em explorar opções de cores de olhos, como vermelho, amarelo e lilás, mas
também construir personagens com cabelos azuis e verde, sendo algo depende da imaginação
do artista criador (Figura 9). Assim, cada desenhista tem a liberdade para adaptar o mangá
ao seu próprio estilo de animação, como se fosse uma marca de cada artista. Logo, para os
espectadores acostumados com os desenhos japoneses, é possível perceber os autores pelo
estilo dos seus traços.
FIGURA 9 – Nanbaka
deixam de ser arredondados e, na idade adulta, o tamanho dos olhos fica menor. Já outras
produções distinguem os personagens principais e coadjuvantes por meio dos olhos grandes
e brilhantes nos principais, mas olhos simples e rápidos de serem desenhados para os
personagens secundários (ROCHA, 2008).
Outra característica relevante na estética dos animês e mangás é as produções que
seguem o estilo kawaii, ou seja, personagens meigos, fofos e bonitinhos, com olhos grandes
e brilhantes e cores contrastantes. Por outro lado, as produções que têm os adultos como seu
foco, apresentam trações que seguem menos o estilo kawaii e se aproximam mais do real,
sendo as produções para o cinema um exemplo disto. Contudo, a autora expõe:
Acima estão os dois extremos [versão kawaii para crianças e realistas para adultos]
quando tentamos descrever a expressividade plástica do animê. Porém, mais uma
vez, é importante considerar a pluralidade dessa forma de arte. Há escapes dos
padrões a serviço da renovação e novidade. (ROCHA, 2008, p. 33)
científica, assim, formando uma produção diferenciada dos demais quadrinhos japoneses
(BRAGA JR, 2011).
De acordo com Rocha (2008), os quadrinhos e animações japonesas retratam as suas
histórias em vários capítulos ou episódios, isto possibilita que seja desenvolvido as
descrições dos aspectos psicológicos, de modo que haja um amadurecimento dos
personagens ao longo da narrativa. Por consequência, os personagens trazem personalidades
que mostram conjuntos de valores bem estruturados, alguns são perfeitos e outros tem
defeitos ou hábitos estranhos. Deste modo, Rocha (2008) diz “Mesmo quando esses tem
visual irreal [...] e vivem em mundos que não são o nosso, nos identificamos com eles porque
todos tem objetivos, ambição, esperança, sonhos e garra para lutar por eles” (2008, p. 33).
Quando aborda os assuntos e temática presentes nos animês e mangás, Rocha (2008)
compara as produções orientais e ocidentais. Segundo ela, as animações americanas são feitas
seguindo os limites determinados por censura para tipos de relacionamentos, atividades
sexuais, violência e, até mesmo, conteúdos intelectuais. Contudo, no Japão, a classificação
ocorre por gêneros, como comédia, drama, ficção cientifica, terror e outros, mas são
separados pela faixa etária, assim, as possibilidades de desenvolvimento narrativo é infinito.
A autora cita os exemplos de temáticas que podem ser trabalhadas:
Podemos citar temas relacionados a assuntos em evidência no mundo
contemporâneo: globalização, preservação do meio ambiente, avanço tecnológico.
Histórias baseadas em lendas japonesas, crenças populares e nos clássicos contos
orientais. Temas históricos: revoluções, guerras, miséria humana. Viagens
espaciais ou a outras dimensões. Questões pacifistas, ecológicas, filosóficas,
antológicas, éticas etc. (ROCHA, 2008, p. 34)
Ao passo que os animês apresentam um conteúdo que apela pelo emocional, uma
trilha sonora é desenvolvida para marcar cada situação da história. Até mesmo as produções
para televisão apresentam músicas elaboradas apenas para a animação e voltadas para os fãs,
japoneses e internacionais, cantaram em karaokês e comprarem os CDs. Além disso, Rocha
(2008) diz que as composições servem efetivamente para as construções de momentos de
vitória, situações difíceis, derrotas e mortes que afetam os personagens.
As produções do estúdio Ghibli, dirigido por Hayao Miyazaki, que receberam
reconhecimento internacional e prêmios pela excelência estética (ROCHA, 2008). Além
disso, em determinados momentos, o estúdio trabalha com mundos imaginários, visualmente
bem elaborados e belos, e, em outros, abordam a realidade das crianças que enfrentaram
dificuldades durante a Segunda Guerra; além de sempre trazerem mensagem ecológicas e
que buscam a paz (Figura 11).
Logo, a percepção de tempo é algo relevante nos quadrinhos e nas animações, explica
Braga Jr (2011), pois é por meio dele que se desenvolve o sequencialíssimo dos elementos
da história. Entretanto, a noção de tempo é desenvolvida em cada cultura e serve como
instrumento de orientação, sendo assim, por ser definida pela cultura e sociedade, acaba por
refletir diretamente na forma que são contadas as histórias.
Nas produções ocidentais, que seguem a influência norte americana, o tempo,
chamado de “time”, é imediato, veloz e frame por frame, assim como nos cinemas que as
sequências acontecem diretamente. Dessa forma, cada quadro representa um momento, um
segundo, e, quando isso não acontece, os textos narrativos são utilizados para explicar quanto
tempo passou. O autor explica que nos quadrinhos influenciados pelo estilo norte-americano
28
abordagem do mangá de ficção ou tokusatsu (efeitos especiais). Este último engloba filmes
de ficção e fantasia, porém tem seu foco naqueles que apresentam monstros e super-heróis e
são voltados para o público infantil e juvenil (NAGADO, 2005).
Consolidado nos anos 1950 com o filme Godzilla (Figura 9), de acordo Nagado
(2005), os tokusatsu recebeu reconhecimento como gênero televisivo entre 1960 e 1970, por
meio de séries como Ultraman e Kamen Rider. Embora faça parte da cultura pop japonesa e
seja conhecido no exterior, o tokusatsu é um gênero menor em comparação com a indústria
de animês e mangás. Por sua vez, por se tratar de um gênero voltado para a televisão, sua
relação com mangás é direta.
FIGURA 12 - Godzilla
essas animações, seiyuu. Em vista disso, é possível perceber que, em comparação com outros
países, a dublagem é algo valorizado na sociedade japonesa.
Além disso, o sucesso na TV expandiu ainda mais o mercado e gera milhões de
dólares para suas matrizes que, no seu início, nunca pensaram que seus personagens iriam
virar produtos de exportação e não apenas produtos de consumo local. Dessa forma,
brinquedos, peças de vestuário, jogos, alimentos, papelaria e videogames tornaram-se
produtos de consumo baseados nos personagens de animês e mangás (NAGADO, 2005). Por
conseguinte, a indústria de música encontrou uma maneira de interagir com as animações
japonesas, assim, desenvolveu-se as animê songs.
Nagado (2005) explica que as animê songs, também conhecidas como anisongs,
fazem parte do mercado fonográfico nipônico, além disso, o gênero abrange as trilhas sonoras
de animês, games, e produções de live-action. Dessa forma, este mercado proporciona o
surgimento de CDs e de DVDs de shows, assim, atestando o reconhecimento das anisongs
como um gênero de música. O autor complementa:
Não existe um ritmo ou batida específico, já que animê song indica a finalidade da
música, mas as do subgênero hero song, com músicas de ritmo vibrante, tão
comuns em desenhos de ação e seriados de tokusatsu, são mais fáceis de serem
reconhecidas. (NAGADO, 2005, p. 54).
animê e mangá. Contudo, no ocidente, o termo é conhecido e referenciado apenas aos fãs de
cultura pop japonesa de forma genérica, sendo uma característica daqueles que gostam das
produções animadas e quadrinhos (NAGADO, 2005).
O autor aborda as convenções voltadas para esse público, ele acrescenta que estes
eventos começaram a atrair as grandes mídias, pois mostram um pouco do universo pop e
que oferece atrações como: feiras de mangás, palestras, dubladores, karaokê, lojas de
produtos, exposições e concurso de cosplay (Figura 10). Ademais, o cosplay, abreviação de
costume play, é a prática de utilizar roupas para representar as personagens que os fãs gostam
e se identifiquem por meio dos trajes característicos de um personagem. Todavia, não basta
apenas vestir a roupa, também é preciso saber as falas, gestos e expressões. Portanto, são essa
fidelidade e desejo em representar o mundo dos animês e mangás que esses eventos atraem
tanta atenção do público e das mídias (NAGADO, 2005).
FIGURA 13 - Cosplay
Por fim, Nagado (2005) complementa que a indústria de animês, mangás e seus
derivados segue mostrando os desejos de uma sociedade consumista e que esses sonhos
auxiliam no alívio das tensões que esse consumo provoca nesta sociedade. Por outro lado,
Sato (2005) questiona se a expansão da cultura pop nipônica não é apenas um modismo
passageiro. Dessa forma, ela indica que deve ser feita uma análise mais consistente desse
fenômeno dentro e fora do Japão.
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Sakurai (2007) ainda aborda que os jovens e crianças japoneses passaram a criar
espaços particulares e isolados com seus fones de ouvido após o lançamento dos videogames,
em que a superação depende apenas daquele que está jogando. Assim, enquanto os filhos
focavam em seus jogos, os pais se isolavam assistindo programas de televisão, deixando o
coletivo familiar. Ainda hoje, a indústria do entretenimento japonês busca adaptar-se ao seu
público infanto-juvenil e, ao mesmo tempo, ensinar os valores do país moderno. Como visto
no lançamento no videogame Game Boy em 1989, o jogador ficava isolado com o seu
aparelho em suas mãos, mas participava ativamente da saga do Pokemons, tendo como
responsabilidade o destino do seu personagem no jogo e enfrentar as dificuldades necessárias
para atingir seus objetivos, além de existirem conselheiros mais velhos e experientes que
serviam de referência para os personagens (Figura 11). Logo, se a ideia de lucro for deixada
de lado, observa-se que, de alguma forma, os japoneses estão tentando transmitir uma
mensagem por trás dos jogos e mídias.
FIGURA 14 – Gameboy
apenas uma pequena parte da sua culinária, com determinados pratos que agradam, foram
reconhecidos e aceitos, junto com a tecnologia e a indústria do entretenimento.
Jourdain e Naulin (2017) apontam que, embora Pierre Bourdieu não tenha se
direcionado exclusivamente ao estudo da classe operária, ele pensa sobre a cultura de classes,
pois ele busca desenvolver uma ligação direta entre as práticas culturais e os grupos sociais.
A cultura1, por ele analisada, compreende as formas de se alimentar, organizar uma
residência e se vestir, além da relação com as obras de arte, ida a museus e teatros ou práticas
de leitura. Tendo como partida a análise de práticas culturais diversas, como: cinema, pintura,
literatura, música etc., o sociólogo francês afirma que há uma relação próxima que une as
práticas culturais, as opiniões conducentes, ao capital escolar, que é medido pelos diplomas
que uma pessoa tem, e, em seguida, a sua origem social, medida por meio da profissão do
pai. Logo, conforme sua classe social de origem e seu nível de instrução, os indivíduos não
apresentam os mesmos padrões de práticas culturais. Bourdieu (2007, p.18) diz “o fato de
que, no caso de capital escolar equivalente, aumenta o peso da origem social no sistema
explicativo das práticas ou das preferências quando nos afastamos dos domínios mais
legítimos”. Assim, quando o nível de escolaridade é o mesmo, as diferenças se encontram
nas práticas que não são desenvolvidas pela aprendizagem escolar, como na a culinária ou a
decoração da residência, nas quais a origem social se demonstra um fator mais relevante
(JOURDAIN; NAULIN, 2017).
A sociologia da cultura desenvolvida por Bourdieu envolve uma teoria de classes
sociais, que é contrária àquela de Karl Marx, pois esta não estabelece a classe social dos
1
O conceito de Cultura, com significado socio antropológico e próximo das definições contemporâneas, foi
definido pela primeira vez por Edward Tylor (1832-1917) e aplicado ao vocábulo inglês como Culture. O autor
aponta que, partindo de um sentido amplo etnográfico, o termo é todo um conjunto que inclui os conhecimentos,
moral, leis, crenças, costumes, arte ou qualquer outra aptidão ou hábitos assimilados pelo indivíduo como
membro de uma sociedade (LARAIA, 2001). Ademais, François Laplantine (2003) propõe que a cultura é um
conjunto de comportamentos, saberes e saber fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade
dada, sendo estas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de
seus membros.
36
indivíduos pelo seu poder econômico. Dessa forma, as classes são teorizadas, acima de tudo,
por sua relação diferente com a cultura, e, principalmente, a cultura erudita. Contrariando
Marx, Bourdieu explica que as classes sociais que ele estuda e se refere são “classes no
papel”, pois estão são classes teóricas. Assim, as classes sociais dependem de uma
classificação prévia constituída pelo sociólogo que permite prever suas práticas e suas
características.
O princípio de classificação assim posto em prática é verdadeiramente explicativo:
não se contenta em descrever o conjunto das realidades classificadas e sim, como
as boas taxionomias das ciências naturais, vincula-se a propriedades determinantes
que, por oposição às diferenças aparentes das más classificações, permitem
predizer as outras proprie-dades e distinguem e agrupam os agentes que mais se
pareçam entre si e que sejam tão diferentes quanto possível dos integrantes de
outras classes, vizinhas ou distantes (BOURDIEU, 2008, p. 24).
2
Esta Teoria da Legitimidade Cultural é vista como um modelo perante o qual os sociólogos que abordam
cultura são questionados a se posicionar. Embora haja outras abordagens possíveis, a presente investigação
adotará somente aquela proposta por Pierre Bourdieu.
37
um esporte legítimo. Logo, são as classes dominantes que definem o que é dito como “bom
gosto”. Desta forma a cultura legítima é a cultura da classe dominante, pois uma prática pode
então tornar-se legítima ou ilegítima conforme a posição social dos indivíduos que exercem
e a adotam (JOURDAIN; NAULIN, 2017).
A exposição desses preceitos envolvidos na Teoria da Legitimidade Cultural foi
trazida em A Distinção de 1978. Nesta obra Bourdieu demonstra, por exemplo, através da
análise estatística e de entrevistas, que nem todos definem o que é belo da mesma maneira;
somente os grupos sociais mais diplomados partilham do conceito de belo proposto pelo
filósofo Immanuel Kant, o qual afirma que o belo é aquilo que agrada a todos. Assim, as
pessoas menos estudadas apresentam um conceito de belo diferente, pois, para elas, o belo é
referente ao contexto. Logo, essas pessoas se atraem mais pela utilidade, caráter moral e
dimensão informativa das obras (JOURDAIN; NAULIN, 2017).
Sendo assim, ao mesmo tempo em que as escolas ensinam pouco sobre a arte, o capital
escolar, sendo medido pelos diplomas que um indivíduo obtém, é o que explica de melhor
forma as diferenças – e eventuais desigualdades – presente na apreciação das obras culturais.
Dessa forma, a competência estética não é vista como uma questão de aprendizagem de
diferentes conteúdos, mas, sim, como resultado de uma disposição que a escola desenvolve
por meio dos ensinamentos artísticos ou não. Entretanto, a escola não é o único ambiente de
transmissão da cultura, pois a família também costuma ter um papel relevante nesse
momento. Por sua vez, aqueles que se satisfazem com o gosto legítimo de maneira mais fácil,
são mais diplomados e de têm origem em um ambiente “mais cultural”. Deste modo, a escola
apenas serve para validar uma cultura já adquirida na família. Assim, Bourdieu explica:
Já nas famílias, explicam Jourdain e Naulin (2017), o “bom gosto” é adquirido desde
a infância, mesmo que de maneira inconsciente por estar inserido em um ambiente cultural.
Assim, ao realizarem experiências que geram aprovações ou reprovações, os indivíduos
aprendem, inconscientemente, como agir para que suas práticas e seus gostos sejam
valorizados por aqueles que estão ao seu redor. Ademais, essa familiarização com a cultura
legítima, por meio das relações familiares, leva os indivíduos a crerem que o seu “bom gosto”
38
é natural e espontâneo, embora, segundo Bourdieu, ele não passe do reflexo da cultura
recebida dos seus familiares.
Todas as escolhas culturais, para Boudieu (2008), são a demonstração de um habitus
de uma determinada classe, por sua vez, as diferentes condições de vida de cada classe social
produzem um habitus próprio. Dessa forma, o habitus é explicado como uma base geradora
e organizadora de práticas e representações. Isto é, ele não se resume apenas à origem dos
gostos e das práticas, principalmente culturais, mas ele também é o que produz um vínculo
entre cada prática e garante sua compatibilidade. Assim, o habitus favorece a aparição de um
estilo de vida que, conforme as escolhas culturais de uma classe social, pode abranger
diferentes domínios: tipo de alimentação, linguagem, gostos musicais, escolha de decoração,
maneira de se vestir, esportes e entre outros. Portanto, o habitus estimula o mesmo tipo de
prática, mas em domínios diferentes (JOURDAIN; NAULIN, 2017). Neste sentido as
distinções de classe social também atuam por meio de oposições simbólicas: por exemplo,
as classes populares valorizam a força, a quantidade, a substância, e os burgueses dão
preferência pela forma e leveza, tanto no domínio alimentar como no domínio esportivo. Em
seu livro Razões Práticas (2008), o sociólogo explicita o modo pelo qual o habitus de classe
opera:
Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas - o que o
operário come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua
maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem
sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário
industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação,
princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças
entre o que é bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar
etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento
ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para
outro e vulgar para um terceiro (BOURDIEU, 2008, p. 22).
As diferenças nas práticas, nos bens materiais e nas opiniões expressas, quando
analisadas por meio das categorias sociais de percepção e de diferenciação, tornam-se
diferenças simbólicas e que formam uma linguagem própria. Dessa forma, as diferenças
ligadas às posições distintas (bens, práticas e maneiras) servem, em cada sociedade, para
constituir diferentes sistemas simbólicos, como os fonemas de uma língua ou traços e
separações diferentes de um sistema religioso, gerando, assim, signos distintivos
(BOURDIEU, 2008).
As três principais classes (burguesia, pequena-burguesia, classe popular) da
sociologia de Bourdieu se caracterizam pela forma que cada uma se relaciona com a cultura.
Assim, a burguesia, denominada classe dominante na hierarquia social, define quais são os
gostos ditos como legítimos que, por sua vez, servem de referência ao conjunto da sociedade.
39
O capital cultural condiz aos recursos culturais que dão aos indivíduos a capacidade
de apreciar os bens e as práticas da cultura erudita. O capital cultural pode ser apresentado
em três formas: em estado incorporado, como forma de disposições, de estudos e de
habilidades originadas por um determinado habitus; em estado objetivado, por meio de bens
culturais (pintura, livros, dicionários, máquinas...); e em estado institucionalizado, referente
aos títulos escolares obtidos pelos agentes (JOURDAIN; NAULIN, 2017).
O capital social é definido como o conjunto de recursos potenciais ou atuais
relacionados à posse de uma rede de contatos durável e de relações mais ou menos
desenvolvidas pelo interconhecimento e de inter-reconhecimento. Logo, um agente dispõe
de um capital social conforme for a sua rede de contatos e quanto mais as pessoas que ele se
relaciona tiverem capitais econômicos e culturais. Todavia, nem todas as relações apresentam
a mesma relevância, pois algumas se mostram mais convenientes do que as outras
(JOURDAIN; NAULIN, 2017).
O capital simbólico reforça os ideais de prestígio e de reconhecimento social; quando
o capital econômico ou cultural se torna conhecido e recebe reconhecimento pelos outros
indivíduos. Assim, apresentar capital simbólico é ter um certo poder sobre aqueles que estão
inclinados a dar crédito (JOURDAIN; NAULIN, 2017).
Dentro de uma família ou no centro de uma classe social, a transmissão e acumulação
dos capitais não ocorre da mesma maneira para todos os capitais. Ademais, o capital
econômico, por se tratar de um capital material, pode ser transmitido entre as gerações por
meio de herança. Já o capital cultural, quando em estado incorporado, necessita de um
trabalho de assimilação durante um tempo para ser transmitido, contudo, quando em forma
de objeto, o capital cultural necessita de disposições prévias para poder ser apreciado como
um bem cultural. Por outro lado, o capital social necessita de um empenho constante no
desenvolvimento e manutenção de vínculos duradouros e úteis para que, dessa forma, seja
possível a transmissão desse capital. Por fim, o capital simbólico também utiliza de
estratégias de acumulação para que seja transmitido, assim, a honra ou o reconhecimento
social são exemplos de capital simbólico que os indivíduos desejam aumentar e manter para
si (JOURDAIN; NAULIN, 2017).
aprendem a participar de sistemas sociais por meio de símbolos e sistemas de ideias, como a
linguagem e as relações que eles criam nos sistemas sociais. De modo geral, as pessoas não
socializadas para verem os sistemas como sistemas e nem para pensarem como eles
funcionam e possíveis consequências. Embora seja mais comum observar a socialização no
desenvolvimento da criança, ela é um processo que está presente ao longo da vida e ocorre
quando cada indivíduo obtém novos papéis sociais. Quando os indivíduos se casam, passam
por um longo processo de socialização, o mesmo acontece quando se tem filhos. Além disso,
a socialização segue presente quando seus filhos crescem e se tornam independentes, um fato
inevitável e que demanda que os pais reformulem seus papéis em relação ao dos seus filhos.
Já a velhice, os papéis podem se inverter, pois os pais podem se tornar inválidos e
dependerem dos cuidados dos filhos (JOHNSON, 1997).
Atrelada ao conceito de socialização está o conceito de grupos de referência.
Conforme Johnson (1997) os grupos de referência auxiliam a compreender como os
indivíduos se veem e se avaliam a si mesmo e os outros. Dessa forma, os grupos de referência
são um conjunto de indivíduos que é usado como padrão de comparação, sendo irrelevante
se é cada um faz parte ou não desse grupo, assim, quando se pertence a um determinado
grupo, é dado o nome de grupos de pares. O autor aponta:
Utilizamos grupos de referência para avaliar o valor ou desejabilidade relativos de
nossa aparência, pensamentos, sentimentos e comportamento; como origem de
modelos que imitamos, não raro na esperança de tornarmo-nos membros desse
grupo; e como fonte de expectativas que podemos usar para julgar a adequação de
nossa aparência e comportamento. Não é incomum que nos orientemos na mesma
ocasião por mais de um grupo de referência, sobretudo quando estão em jogo
grupos a que não pertencemos (JOHNSON, 1997, p. 121).
3.3 IDENTIDADE
membros são os autores que decidem os significados vinculados. Dessa forma, deve-se ter
em mente que a identidade é construída e reconstruída constantemente no âmbito das trocas
sociais. Esta concepção é oposta àquele que toma a identidade como algo permanente e que
não poderia evoluir. Assim, acrescenta o autor, não há identidade para si ou em si, pois ela
existe em relação a uma outra. Logo, a identidade e a alteridade são diretamente ligadas e
vivem uma dialética, visto que a identificação segue a diferenciação (CUCHE, 1999).
Ademais, segundo Cuche (1999), a dificuldade de se delimitar e definir a identidade
surge da sua dinâmica e multidimensionalidade, portanto, confere-se a ela uma
complexidade, mas, também, uma flexibilidade. O autor explica que, para identificar esta
dimensão mutável, certos autores utilizam do conceito de estratégia de identidade e, nessa
perspectiva, a identidade é vista como uma maneira para alcançar um objetivo. Segundo ele:
“O conceito de estratégia indica também que o indivíduo, enquanto ator social, não é
desprovido de certa margem de manobra. Em função de sua avaliação da situação, ele utiliza
seus recursos de identidade de maneira estratégica” (1999, p. 196).
Todavia Cuche (1999) aponta que, ao recorrer ao conceito de estratégia, não
significaria que os atores sociais são totalmente livres para determinar sua identidade por
meio dos interesses materiais e simbólicos do momento. Dessa maneira, o conceito de
estratégia possibilita explicar as variações de identidade, sendo possível chamar de
deslocamentos de identidade, pois deixa clara a relatividade dos fenômenos de identificação.
Assim, segundo o autor, a identidade é construída, destruída e reconstruída de acordo com as
mudanças sociais que o indivíduo realiza.
Enquanto Cuche (1999) inicia sua análise sobre a identidade abordando a psicologia
social, Hall (2001) traz, inicialmente, uma abordagem histórica de três conceitos para
conceituar a identidade. O primeiro, o sujeito do Iluminismo, tratava o ser humano como um
indivíduo centrado, capaz de raciocinar, unificado e consciente, que, desde seu nascimento
até seu desenvolvimento, possui um núcleo interior que permanece essencialmente o mesmo
durante a sua existência. Portanto, o centro do eu é a identidade do indivíduo, sendo assim,
considerada uma concepção individualista do sujeito e de sua identidade (HALL, 2001).
Em seguida, a noção de sujeito sociológico. Conforme Hall (2001), ela expressa o
crescimento do mundo moderno e a sua complexidade, além da consciência de que o núcleo
interno do sujeito não é livre e autossuficiente. Consequentemente, esse núcleo seria formado
nas relações com pessoas importantes que, assim, serviriam como mediadores dos valores,
sentidos e símbolos do mundo que os indivíduos habitassem. De acordo com esse conceito,
a identidade seria formada na interação do sujeito com a sociedade, ainda que cada indivíduo
46
tenha uma essência interior, seu núcleo seria modificado pelas trocas com os mundos
culturais e as identidades que eles oferecem.
Outrossim, a identidade na concepção sociológica ocupa o lugar entre o “interior” e
o “exterior”. Este fato projeta o próprio sujeito nas identidades culturais, ao mesmo tempo
em que internaliza seus significados e valores, e o tornam parte do indivíduo, assim,
contribuindo para alinhar sentimentos subjetivos com lugares objetivos que são ocupados no
mundo social e cultural. Dessa forma, a identidade coloca o sujeito numa estrutura que
estabiliza tanto o sujeito quanto os mundos culturais que ele habita, por sua vez, acaba por
torná-los mais unificados (HALL, 2001).
Contudo, Hall (2001) argumenta que essas mudanças estão provocando a
fragmentação da identidade dos indivíduos, que deixa de ser unificada e estável. Esse
processo dá inicia o sujeito pós-moderno, isto é, conceitualizado como não tendo uma
identidade fixa, essencial e constante. Destarte, a identidade é definida pela história e não
biologicamente, por isso um sujeito assume diferentes identidades em momentos diferentes.
Assim, o autor explica:
3
DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault: Beyond Structuralism and Hermeneutics. Brighton:
Harvester. 1982
49
resiste a globalização; por fim, as identidades nacionais estão enfraquecendo, mas novas
identidades, tidas como híbridas, estão se formando.
Conforme Hall (2001), quanto mais a vida social se torna influenciada pela
globalização de estilos, lugares e imagens, viagens internacionais, mídia e pelos sistemas de
comunicação, mais as identidades se tornam desassociadas de tempos, lugares, tradições e
histórias. Portanto, os indivíduos são confrontados por diversas identidades e é dado a eles a
decisão de qual de escolha, pois, no interior do consumismo global, as diferentes e distintas
culturas, que definiam as identidades, se tornaram reduzidas a uma moeda de troca
internacional. Assim, esse fenômeno, conhecido como homogeneização cultural, mostra que
é possível traduzir diferentes culturas de formas distintas e de maneira global (HALL, 2001).
Dessa forma, é encerrado o capítulo direcionado tratar dos conceitos de cultura,
gosto e identidade que serão utilizados para entender os diferentes impactos que a cultura
pop japonesa teve e tem na formação pessoal e social dos seus admiradores. Em seguida, no
próximo capítulo, é trazido as teorias que buscam relacionar a identidade social com a moda
e como os indivíduos expressam seus estilos de vestimenta.
50
4. MODA
Este capítulo visa tratar a apresentar a moda como parte da cultura e um meio de
comunicação e de expressão das identidades sociais. Assim, se dedica a compreender como
a moda está atrelada ao Eu de cada pessoa e como roupas servem para reforçar as aspectos
das personalidade de cada indivíduo.
roupas são meios que possibilitam que os indivíduos comuniquem não apenas seus
sentimentos ou humores, também valores, desejos e crenças de grupos sociais que eles
pertencem (BARNARD, 2003).
A definição de moda é ambígua, podendo ser compreendida de duas formas
diferentes, conforme Godart (2010). A primeira definição a apresenta como a indústria do
vestuário e do luxo, que diferentes protagonistas, profissionais e empresas, desenvolvem
carreiras e estratégias. Além disso, essa primeira perspectiva acrescenta que as modas de
consumo dos indivíduos, grupos ou classes sociais são utilizadas para definir suas
identidades.
A segunda concepção classifica a moda como um tipo de mudança social específica,
além do vestuário, ela se manifesta em diferentes domínios da vida social. Essa mudança é
considerada regular pois é produzido intervalos constantes e curtos, no caso do vestuário,
duas vezes ao ano (primavera/verão e outono/inverno). Todavia, essa mudança não é
cumulativa, pois não são acrescentados novos elementos às alterações e coleções passadas,
mas sim, são substituídos (GODART, 2010).
Essas duas definições da moda são ligadas pelo fato da moda, como indústria,
produzir estilos que são caracterizados por mudanças frequentes e não cumulativas. Embora
não seja visto que alguns fatores da moda ultrapassam no que se refere à indústria, como
utilização de determinado estilo de barba pelos homens, ou que alguns pontos da indústria
da moda não são diretamente ligados à mudanças regulares que não se cumulam, como as
técnicas de produção de tecidos (GODART, 2010).
Ademais, Godart (2010), aponta que, além de constituir uma atividade econômica
importante pelo fato de produzir objetos, a moda representa um cruzamento entre as artes e
a indústria, que não se contenta em produzir apenas roupas, mas sim, em criar objetos
portadores de significado. Consequentemente, a moda também é uma indústria criativa ou
cultural, pois as divisões exatas entre essas duas indústrias não são precisas e variam de autor
para outro, mas elas contemplam diferentes espaços como: arquitetura, artes plásticas,
cinema, videogames, imprensa, publicidade, televisão, música etc. Essas duas indústrias,
cultural e criativa, tem como ponto comum entre elas o fato de produzirem lazer no processo
de consumo, além do foco na criatividade e estética na sua produção. O autor acrescenta:
Assim, Godart (2010) explica que o fato social total4, conceito elaborado pelo
etnólogo Marcel Mauss, é um fato que compromete profundamente as pessoas e seus grupos
sociais e que a sua compreensão considera os indivíduos na sua totalidade. Assim, o conceito
de fato social total possibilita quebrar a fragmentação científica e reguladora que define o
intelectual acadêmico. Logo, a moda é considerada um fato social total, pois, além de ser
artística, econômica, política e sociológica, ela provoca alterações na expressão da identidade
social dos indivíduos.
4
Existe aí um enorme conjunto de fatos. E fatos que são muito completos. Neles tudo se mistura, tudo o que
constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as nossas – até às da proto-história. Nesses
fenômenos sociais “totais”, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas
instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo –; econômicas
– estas supondo formas particulares da produção e do consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição
–; sem contar os fenômenos estéticas em que resultam esses fatos e fenômenos morfológicos que essas
instituições manifestam (MAUSS, 2007, p 187).
5
TARDE. G. Les lois de l’imitation: étude sociologique. Paris: F. Alcan, 1990.
53
sem a ondulação, que é o princípio básico dos mecanismos de difusão, mas também não pode
existir sem a geração, que proporciona os itens que serão propagados (GODART, 2010).
Assim, diante deste conceito que Tarde (ano apud GODART, 2010) desenvolve o
seu pensamento sobre a moda, pois para ele, ela se opõe ao costume. Por sua vez, ambos são
formas de imitação, mas, enquanto o costume é uma imitação rotineira do passado para um
conjunto social, a moda é a imitação do temporal ou espacial. Dessa forma, Godart (2010)
ainda acrescenta a visão de dois autores sobre o conceito de imitação, Thorstein Veblen
(1899) e Georg Simmel (1904). Eles adicionam um quarto conceito, a diferenciação, que,
embora tenham diferenças notáveis, apresentam muitos pontos comuns nas suas teorias sobre
moda.
Para Veblen, conforme Godart (2010), a moda deve ser entendida como um efeito
consequente do consumo ostentatório, mas, no seu estudo, Veblen começa por meio da
diferenciação entre a classe ociosa e a classe trabalhadora. Ele aponta que, enquanto as
classes trabalhadoras, burguesia e proletariado, usam o tempo de maneira produtiva, a classe
ociosa não utiliza seu tempo para a produção de riquezas. Logo, Godart (2010) acrescenta:
O outro autor explorado por Godart (2010) para acrescentar no conceito de imitação
é Simmel. Para ele, a moda é uma temática singular e que permite a percepção de tensões
centrais na vida social, sendo ela o resultado da necessidade de diferenciação das classes mais
elevadas. Assim, quando classes superiores segue um determinado estilo, este é copiado pelas
inferiores, que, quando as imitam, buscam receber o mesmo prestígio das classes superiores.
Logo, isso leva as classes mais elevadas a adotar um novo estilo para se diferenciarem das
classes mais baixas, que em seguida é novamente imitado.
Contudo, apesar da dinâmica entre diferenciação e imitação estarem presentes na
teoria de Simmel, Godart (2010), aponta que o interesse pela moda se encontra na capacidade
de manter um equilíbrio entre os polos opostos da vida social e psicológica. Assim, a moda
é aquilo que conecta e aproxima o individual e o coletivo e permite que os indivíduos façam
valer suas preferências dentro de uma sociedade.
54
O modelo “de cima para baixo”, classe superior adota um estilo e a classe inferior o
adota depois, formulado por Simmel, era dominantemente espalhado na moda em sociedades
do ocidente até 1960, quando alterações demográficas e econômicas aumentaram a influência
da juventude em todo os níveis sociais. Logo, desde 1960, o modelo de “de baixo pra cima”,
em que novos estilos surgem nos grupos de status inferiores e mais tarde são seguidos pelos
grupos superiores, têm explicado um segmento relevante na moda (CRANE, 2006).
57
Neste modelo, o status perde relevância e a idade torna-se a variável que transmite
reconhecimento ao inovador de moda. Assim, estilos que emergem de coletivos
socioeconômicos inferiores são frequentemente gerados por adolescentes e jovens adultos
que pertencem a subculturas ou “tribos de estilo”, que apresentam modo de se vestirem
específicos, chamam a atenção e, por fim, levam à imitação por outros grupos. Todavia,
subculturas das classes médias como, comunidades artísticas e homossexuais, também
provocaram o surgimento de novos estilos.
Assim, para Godart (2010), a moda é um elemento primordial para a construção das
identidades dos indivíduos e dos grupos sociais. O vestuário é uma peça importante, mas não
única, pois apenas são utilizadas para expressar uma posição de status dos indivíduos e de
seus grupos, ainda assim, esse status social não é a única parte das identidades pessoais e de
coletivas. Dessa forma, a identidade é uma questão de estilo, sendo produzida no início como
um fenômeno de grupo que se vincula a uma subcultura. Uma subcultura é conjunto de ações
e de representações que diferem um grupo de pessoas de outro. Ela é composta de diversos
traços, desde roupas características e gostos musicais, até ideais políticos e sua maneira de
se expressar. Portanto, a moda, quando interage com diferentes campos culturais, possibilita
que os indivíduos e os grupos sociais percebem os sinais para que eles construam a sua
identidade, sendo ela não mais um fator de status, mas sim, de estilo (GODART, 2010).
Por fim, se encerra os capítulos de teorias e estudos que contemplam o referencial
teórico desta pesquisa. No seguinte capítulo será apresentado o embasamento teórico de
metodologias que serão utilizadas para a execução e exploração dessa pesquisa.
58
5. ESTRATÉGIA DE METODOLÓGICA
Segue neste capítulo a metodologia escolhida para orientar a pesquisa que busca
solucionar o problema proposto. Logo, serão apresentadas a vertente e o tipo da pesquisa, a
unidade de estudo, as técnicas de coleta dados e técnica de análise de dados.
A pesquisa proposta utilizou três técnicas de coleta de dados para obter os dados
necessários para trabalhar o problema que será tratado. Portanto, será aplicada pesquisa
bibliográfica, para o nível teórico, e entrevistas em profundidade, para o nível empírico.
60
6
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências: a pesquisa qualitativa em educação.
São Paulo: Atlas, 1990.
62
Além disso, a análise de conteúdo pode ser composta pelas seguintes fases,
conforme Gomes (2001): pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. A
primeira fase é a organização do material que será analisado, assim, de acordo com os
objetivos e problema de pesquisa, é definido a unidade de registro, unidade de contexto,
trechos relevantes e categorias. Já a segunda fase é a aplicação do que foi definido, sendo
essa a fase mais longa e que pode ser necessário diversas leituras do mesmo material.
Ademais, acrescentam-se as explicações de Gil (2008) para a segunda fase, que tem como
objetivo sistematizar as decisões, também, refere-se ao processo de codificação: escolha das
unidades, das regras de contagem e da classificação.
Conforme Gil (2008), a terceira fase, tratamento de resultados, proporciona a
objetivar os dados e torná-los válidos e significativos. Dessa forma, são estabelecidos
quadros, diagramas e figuras que possam sintetizar e expor as informações obtidas e, assim,
contrapô-las a outros dados já existentes e concluir a análise dos dados.
Por fim, de acordo com Franco (2008), a análise de conteúdos necessita do processo
de categorização. Isto é, a operação de classificar os elementos que constituem um conjunto,
por meio de diferenciação seguida do reagrupamento dos dados, baseado em critérios
definidos. Todavia, o processo de desenvolvimento de categorias é desafiante, pois, mesmo
que o problema esteja claramente definido e as hipóteses estejam claras, a criação de
categorias necessita de esforço do pesquisador.
Assim, é possível ter dois caminhos para a elaboração de categorias: categorias
criadas a priori e a posteriori. A primeira consiste na predeterminação dos indicadores e
categorias em função da busca por uma resposta específica. Já a segunda surge da “fala” e
do conteúdo das respostas recebidas e provocam uma constante pesquisa entre o material de
análise e a teoria. Assim, na categorização a posteriori, inicia-se o processo pela descrição
dos sentidos expressos nas respostas dos entrevistados, destacando as particularidades de
cada resposta. Logo, as categorias vão surgindo à medida que se analisa as respostas e são
relacionadas a teorias (FRANCO, 2008). Portanto, para a presente pesquisa, a análise dos
conteúdos ocorrerá por meio de categorias a priori, estás foram estabelecidas a fim de
responderem os objetivos específicos desse trabalho. Dessa forma, os objetivos específicos
fora finalizadores para as categorias de análise, sendo elas: Descobrindo os animês e mangás,
Inspirados pela cultura pop japonesa e Expressão seu estilo pop japonês.
Diante disso, finaliza-se o capítulo de metodologia para a pesquisa do problema em
proposto. No seguinte capítulo, efetua-se o cruzamento dos dados obtidos nas entrevistas em
profundidas com as teorias previamente explicadas.
63
Produtora de eventos e
Larissa 22 Cursando Direito Gramado
maquiadora
*Nomes fictícios.
Fonte: Autor.
Quadro 2 – Entretenimentos
Não assiste muitas séries e nem filmes. Vê animes, Assiste animes e, caso se interesse,
Gabriel
livestream e Youtube. procura o mangá.
Acompanha séries que são principalmente de terror, Coleciona mangás. Por gostar muito de
Larissa mistério e suspense, assim como os filmes que animes, costuma assistir os mesmos várias
aprecia. vezes.
Fonte: O autor
66
Quando questionados sobre quando tiveram seu primeiro contato com os animês e
mangás, eles responderam que ocorreu durante a infância ou pré-adolescência por meio dos
programas de televisão de desenho, TV Globinho e Bom Dia & Cia. Esses dois programas
tiveram na sua programação, ao longo dos seus anos de exibição, diferentes animês que
alcançaram reconhecimento mundial em suas grades, sendo eles, conforme os entrevistados:
Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Naruto, Pokémon e Inuyasha.
Como percebido por Sakurai (2007), de 1920 em diante, o Japão, junto com os
Estados Unidos, se destacou na produção de conteúdo para os consumidores infantis, por dos
desenhos de fantasia, e adquiriu uma posição no mercado como exportador e influenciador
nos gostos infantis. Assim, os heróis japoneses se tornaram competidores das animações
produzidas por estúdios norte-americanos. Além disso, as histórias, voltados para meninos
ou meninas, a mensagem da luta do bem contra o mal sempre aparece presente e de forma
clara, logo, os personagens precisavam lutar muito para vencer esse mal. A autora explica
que essa é uma fórmula que os japoneses ainda utilizam e não se cansam dela, além de se
inspiraram em sua própria história.
Apesar de servirem como porta de entrada, os animês citados pelos entrevistados
seguem a fórmula japonesa de muita luta física para vencer o mal, entretanto, alguns dos
entrevistados não se identificavam com essas histórias que focavam apenas na ação e nas
lutas. Assim, Julia expressa que:
Eu descobri que animê existia quando eu era pequena porque, enfim, passava
Pokémon na Tv. Naruto, Blayblade e dava pra ver que era uma coisa diferente.
Era um estilo diferente da animação ocidental, mas naquela época eu não gostava
muito. Eu não gostava de Pokemon. Não gostava de BlayBlade. Não gostava de
Cavaleiros do Zodíaco. E eu fui ser “otakinho” depois de velha. Acho que eu tinha
uns treze, catorze. Eu lembro que um amigo me mandou um link e eu “o que é
isso”, ele “só assiste, tu vai gostar” e eu “ta bom, vamos”. Aí era Death Note. E
foi, tipo, amor à primeira vista. Eu comecei a assistir dublado, mas depois decidir
ver com a voz original dos personagens e aí foi um segundo amor à primeira vista.
E daí eu só fui procurando sozinha, assisti uns animês que ninguém assistiu só
porque eu queria continuar assistindo mais daquele estilo. E assim foi.
cultura do Japão. Por fim, a autora diz “Involuntariamente e sem planejamento prévio ou
direcionado para esse objetivo, os animês se tornaram um veículo rápido de divulgação da
cultura japonesa” (SATO, 2005, p. 41).
Além disso, Rafaela apontou que, por ter muito tempo ocioso na época de escola,
assistia regularidade o canal SBT e acabou conhecendo Naruto e outros animês de esporte
que não entendia completamente a história, mas achava interessante. Contudo, foi com o
filme Princesa Mononoke do Studio Ghibli que começou realmente se interessar, ela diz:
Eu acho que a primeira coisa que eu assisti e realmente me interessei a procurar
além daquilo que eu tava assistindo, foi quando eu assisti Princesa Mononoke, que
é do Studio Ghibli. Acho que foi o primeiro filme do Studio que eu assisti e que eu
parei e pensei... eu achei muito bonito assim, a representatividade da natureza. E
foi o primeiro que eu fui pesquisar sobre o que se tratava, de onde vinha, quem é
que fez. Foi aí que eu comecei a assistir mais filmes do Studio e acompanho até
hoje o que eles lançam. [...] acho que foi o primeiro filme que eu assistir e gostei
muito e fui procurar até sobre a religiosidade e o que representava. Procurar, sei
lá, vídeo no Youtube fazendo resenha sobre o filme.
Teve seu primeiro contato com Naruto e Pokemon, Um amigo indicou um anime (Death
Julia porém aos treze anos que realmente começou a Note) e se interessou e passou a procurar
gostar. mais sobre o assunto.
Primeiro contato foi com Naruto, mas se interessou Interesse próprio, desejava beber de todas
Rafaela
de fato quando assistiu Princesa Mononoke. as fontes de cultura e cinema.
Animes da TV aberta: Pokemon, Tenchi Muyo e Interesse próprio nos animes e, por
Fernando
Evangelion. consequência, nos mangás.
Assim, após terem apontado como tomaram conhecimento dos animês e mangás,
buscou-se entender quais os fatores que os mantiveram interessados nas animações e
quadrinhos japoneses. Dessa maneira, observa-se que a variedade de temas e a profundidade
da narrativa são umas das principais motivações que os entrevistados destacaram sobre os
animês e mangás. Além disso, a qualidade visual e apelo emocional presente nessas obras foi
igualmente relevantes para que eles se mantivessem interessados ao longo de suas vidas. O
Quadro 4 expõe as respostas de cada entrevistados:
Copiava o que as pessoas achavam bonito, depois começou a entender o que as pessoas
Matheus gostam e juntar com o que faz sentido para ele. Contudo, segue um estilo próximo ao street
style japonês.
O estilo de narrativa japonesa, que conseguem abordar assuntos mais profundos nas suas
Julia
animações.
A maneira que as histórias são contatas e o uso de metáforas, além das temáticas históricas
Rafaela
presentes em algumas animações.
No início eram as indicações dos seus amigos que o mantiveram interessado. Atualmente
Fernando
são as temáticas dos animes.
Larissa A forma que a cultura japonesa era expressada por meio dos animes e como os personagens
poderiam ser interpretados de maneiras diferentes pelos espectadores.
Fonte: O autor
acho que foi isso, os assuntos que falam sobre as nossas questões emocionais,
como a gente se relaciona um com outro [...] muitos animês que falam de política
e essas coisas que têm mais a ver com nós seres humanos e não só com relações
bobinha de brincadeira de criança. Acho que foi isso. Animações que são para
crianças, com formas mais lúdicas, só que com assuntos mais interessantes.
Há uma diversidade de temas trabalhados nos animês e mangás, mesmo que alguns
assuntos sejam recorrentes, nenhuma temática é mais importante que a outra. Braga Jr. (2011)
explica que os quadrinhos japoneses são criados pensando no público que o lerá, pois o Japão
apresenta uma distribuição social e cultural para diferentes classes sociais e faixas etárias.
Ainda assim, os temas ficção científica, fantasia medieval e esportes costumam ser os mais
comuns, todavia, há alguns quadrinhos que abordam: temáticas policiais, situações históricas,
trabalho e hobbies, humor, conteúdo erótico e de instrução.
Rafaela, por outro lado, aponta que o motivo que a manteve interessada nas
animações japonesas vai além das opções de temáticas ou o traço dos personagens, ela diz:
Eu acho que como as coisas não são muito... reais. Assim, porque tudo é figurado.
Tudo metáfora. E as histórias não são realmente lineares. Não tem
necessariamente uma ordem. E eu acho isso muito legal. Tu ficar pensando sobre
o que que aquilo quer dizer ou porque que aconteceu isso. Porque é tudo muito
ambíguo, tudo pode entender mais de uma coisa. Mas eu acho que me interessou
primeiramente foi o visual, depois foi a questão de tipo, tu entender que tem muita
história.
Dessa forma, percebe-se que as características dos animês e mangás são percebidas
de diferentes formas pelos fãs. Os entrevistados demonstraram interesses que vão desde a
história e forma narrativa, como também pelos aspectos visuais das obras. Assim, quando
questionado sobre as características que mais se destacam nas animações e quadrinhos
japoneses, Matheus explica que se impressiona pela animação e os movimentos dos desenhos
animados, além de se impressionar com animês que apresentam um traço muito diferente de
outros animês que já existe, já nos mangás se impressiona com a qualidade e, principalmente,
com a velocidade que os mangás são produzidos, ele aponta: “Claro que a história chama
atenção. E o traço também. Principalmente quando o traço é bom. E quando o traço é bom
e a história é boa, eu fico impressionado que eles conseguem fazer um capítulo toda semana.
[...] Eu fico horrorizado”.
Assim, de acordo com Braga Jr. (2008), os mangás seguem um traço limpo, com
poucas sombras, que apenas contornam o desenho, e os seus personagens costumam ter traços
simples e definidos com poucas linhas. Isto acontece pois há uma preocupação com as
expressões da face e do corpo, como também o cabelo, que auxilia na forma de expressar a
71
personalidade dos personagens, pois são elaborados cortes, formas, volumes, tamanhos
diferentes da realidade.
No entanto, Gabriel diz que nos mangás, o que mais se destaca para ele é a história e
arte fixa, ou como ele chama “o quadro a quadro”. Além de apontar que nos quadrinhos ele
consegue perceber melhor os detalhes do desenho do mangá. Já sobre os animês ele diz “na
animação é mais o conjunto todo da obra. Acho que a animação me toca muito mais fácil
que o mangá. Por exemplo: se eu chorei numa coisa no mangá, eu certamente vou chorar na
animação. Mas tem coisa eu choro na animação que eu não choro no mangá”.
Ademais, Julia complementa que os mangás apresentam a história com mais
profundidade, sendo este, o principal fator que a leva buscar pela forma impressa em
quadrinhos das obras que ela gosta e, assim como ela aponta, encontra um drama maior que
o só o mangá pode proporcionar. Contudo, ela prefere assistir aos animês e complementa “É
que é visual. Eu sou uma pessoa muito visual. Então, tu junta cor, com movimento, com
forma, com textura, com som, com tudo. Tipo o audiovisual é muito imersivo e eu acho que
é isso que eu amo no animê. Por mais que eu goste de mangá”.
Assim sendo, os artistas que criam os animês, conforme explicado por Rocha (2008),
utilizam da sua imaginação para explorar características diferentes para cada personagem,
como as cores de olhos (vermelho, amarelo, lilás etc.) e cabelos azuis e verde. Portanto, cada
desenhista pode adaptar o mangá com total liberdade e seguindo seu próprio estilo de
animação, o que acaba deixando uma marca de cada artista. Dessa forma, para os
espectadores que já são acostumados com as características dos desenhos japoneses,
conseguem perceber os diferenciais de cada autor pelo estilo dos traços. Além disso, os
animês costumam ter um conteúdo mais emocional e que utiliza de trilhas sonoras para
desenvolver ainda mais o clima emotivo em determinados pontos da história. Deste modo,
essas as composições são comumente ouvidas em momentos de vitória, situações
dificuldade, lutar perdidas e mortes próximas aos personagens, enfatizando o clima
emocional da narrativa. Logo, até mesmo as produções televisivas desenvolvem músicas para
abertura do anime, momentos-chave e encerramentos voltadas para os fãs.
Em contrapartida, Fernando destaca o traço presente nos mangás e a linguagem
utilizada são, de certa forma, acessíveis aos leitores, mas que a maneira que as histórias são
contadas possibilitam que diversas questões sejam abordadas. Ele complementa:
Gosto muito das tramas que têm nos animês. As histórias. Acho que tem questões
que você consegue abordar assim. E eu acho muito bom a narrativa oriental,
porque ela contextualiza o cotidiano do personagem. Bastante. Você consegue se
enxergar no personagem. Eles trabalham muito com estereótipos. É muito doido
72
isso. Tem estereótipos que se repetem nos animês. Então você sempre vai achar
algum que chama atenção.
Enquanto para Gabriel a forma que as histórias são contadas é um diferencial, Rafaela
expressa que a maior diferença é a mitificação do conteúdo presente nas histórias japonesas.
Além disso, ela aponta que as produções ocidentais abordam as suas temáticas são muito
literais nas coisas que eles fazem: “Eu acho que o Japão, principalmente, usa muito da
mitologia deles e da religião como alicerce de muitas coisas”.
E eu acho que essa que é a parte interessante, cada pessoa vai ter um significado
aquilo que ela ta assistindo. E eu acho que tipo, eu sou uma pessoa que não gosto
73
de assistir coisas muito literais que eu sei o que vai acontecer, que é muito
previsível. Então acho que foi isso que gostei mais quando eu comecei a assistir
ne. É a parte mais interessante assim, tu conhecer a parte religiosa, lenda e a parte
mística. Até a ficção de outros lugares. Acho que a forma de falar e expressar...
até a situação de família de outros lugares. Eu acho legal de conhecer.
De acordo com Rocha (2008), os animês e mangás contam suas histórias em vários
capítulos ou episódios, assim, possibilitando que sejam apresentadas as descrições dos
psicológicos, a fim de que se perceba o amadurecimento dos personagens ao longo da
história. Por consequência, o conjunto de valores de personagem é bem estruturados, sendo
alguns trabalhados como perfeitos e outros com defeitos ou hábitos estranhos. Deste modo,
mesmo quando esses personagens têm um visual irreal e vivem em mundos de fantasia, eles
apresentarem defeitos e qualidades, que acaba fazendo os espectadores se identifiquem com
determinados personagens pelos objetivos, ambição, esperança, sonhos. Ademais, as
temáticas presentes temas podem ser relacionadas ao mundo contemporâneo, abordando a
globalização, preservação do meio ambiente e avanço tecnológico. Ou tratarem de lendas
japonesas, crenças e clássicos contos orientais. Também, são apresentados temáticas
históricas, como revoluções, guerras, miséria humana. Ou irem para o lado da fantasia,
trazendo viagens espaciais ou a outras dimensões.
Em paralelo a isto, Fernando diz que as maiores diferenças são as temáticas presentes
nas produções japonesas. Ele diz: “As animações orientais têm esse tipo de temáticas que
trazem questões, sei lá, psicológicas e, sei lá, da sociedade. Normalmente as [animações]
ocidentais... hoje em dia tão começando a trazer isso, mas normalmente é coisas bobinhas
tidas pra crianças”.
Está diferença é analisada por Rocha (2008) que compara as produções orientais e
ocidentais. Conforme a autora, as produções americanas são realizadas de acordo com os
limites de censura para as temáticas de relacionamentos, abordagens sexuais e violência do
país. Entretanto no Japão, está classificação acontece por meio dos gêneros narrativos, como
comédia, ficção cientifica, drama, terror e outros. Dessa maneira, por serem separados pela
faixa etária, as opções de narrativa são infinitas. Por sua vez, possibilita que os animês e
mangás retratem problemas da vida do mundo real, logo é comum ver massacres,
personagens sendo agredidos ou desacreditados, porém, a autora destaca que é nesses
momentos que o traço de personalidade comum entre os principais personagens é relevado,
eles não desiste.
De acordo com Gabriela, as animações ocidentais estão melhorando, há boas opções
de desenhos brasileiros, como Irmão do Jorel, em serviços de streaming, em que houve um
74
Esta percepção é analisada por Braga Jr. (2011) e Rocha (2008), que apontam a
preocupação em detalhar as características físicas dos personagens, como a cabeça e suas
vestes, para ajudar na percepção da personalidade pelos espectadores. Assim, na arte visual
japonesa, o padrão de estética para representar os personagens mais jovens é o mais limpo
possível e sem traços marcados. Todavia, linhas extras são utilizadas para mostrar a idade,
situações onde o personagem está sujo ou ferido. Portanto, os artistas japoneses seguem uma
influência da arte chinesa e, assim, buscam por uma excelência no visual, dos seus cenários
e na representação dos personagens.
Por fim, Matheus acredita que é bem evidente a diferença entre as produções.
Enquanto animação japonesa tem traços mais finos e mais definidos, as animações ocidentais
são ou em 3D, que não apresentam contorno, ou são com um contorno pesado igual HQs,
que todo um contorno, mas não apresentam os traços internos. Ele acrescenta que nos mangás
percebe uma fluidez melhor que nas animações ocidentais. Matheus utiliza de um exemplo
para retratar essas diferenças:
Vamos pegar Jovens Titans, que passava na TV Globinho, era tudo grudado a
roupa não se mexia do personagem. Meninas Superpoderosas as roupas eram
grudadas nelas. No Scooby-Doo tudo ficava grudado. Então parece que animação
ocidental tudo se move ao mesmo tempo, enquanto na animação oriental parece
que a roupa tem uma fluidez maior.
Após perceber quais os aspectos mais relevantes dos animês e mangás são
percebidos pelos seus admiradores e o porquê da preferência pelas produções japonesas, os
entrevistados foram questionados acerca do seu interesse pelo mundo da moda, se
identificam, ou não, se apresentam um estilo próprio e como buscam as suas referências.
Assim, da mesma forma que cada um apresentou suas críticas, preferências e diferenças sobre
a cultura pop japonesa, quando se aborda o seu interesse por moda, estilo e como se
expressam pelo vestuário, cada entrevistado apresenta suas percepções e individualidades
75
sobre o seu consumo de moda, busca por referências e impacto que a cultura pop japonesa
tem em suas vidas.
Camisetas, Lojas de
Muito baixa, por
Gabriel Moderado. moletons e departamento e
questão financeira.
casacos. lojas online.
Consome muito
conteúdo e No mínimo, uma vez Camisetas e calça Lojas de
Ricardo
acompanha marcas por mês. preta. departamento.
que gosta.
Lojas de
Mensalmente, uma
Consome por Camisas e departamento ou
Rafaela vez por mês compra o
necessidade. camisetas. lojas online
que está precisando.
asiáticas.
Não gostava do
assunto, porém, com Acessórios, Lojas de
É “consumista”. Mais
Gabriela o tempo, desenvolveu camisetas, tops, departamento e
de duas vezes ao mês.
uma relação mais blusas, camisas. lojas online.
“amigável”.
Ele [o interessse] não era muito grande, até um ano e meio atrás. Quando eu
comecei a trabalhar, eu comecei a ver que as pessoas olhavam pro que tu vestia.
Daí eu ia de abrigo todo dia pro trabalho e a reação das pessoas era “humm não
tá bom”. Aí eu pensei “tá, tenho que me vestir melhor”.
Essa mudança trazida por Matheus se atrela ao conceito de socialização por Johnson
(1997), que é o processo pelo qual se aprende a participar de determinados sistemas sociais,
utilizando símbolos, linguagens e as relações o que dará posteriormente forma aos sistemas
sociais. Cabe lembrar que esse conceito está ligado à ideia de grupos de referência, que
auxilia a entender como os indivíduos se veem e se avaliam. Étienne et al (1998)
complementam este raciocínio, pois os grupos de referência que, no caso de Matheus são
seus colegas de trabalho, se apresentam como base para os indivíduos se avaliarem e
avaliarem aos outros. Portanto, os colegas de trabalho servem de modelo para o indivíduo,
geram uma normatividade e levam que o indivíduo se adapte a eles.
Enquanto o interesse de Matheus surgiu no ambiente de trabalho, Gabriela conta
que em um primeiro momento não se interessava pelo assunto, pois, de acordo com ela,
acreditava que se gostasse de moda estaria se declarando “uma mulher feminina”. Contudo,
a estudante aponta que, depois de começar a sua graduação em Design Visual, percebeu que
a moda não é apenas “salto alto e roupa de grife. Existem várias subdivisões e aí eu comecei
a me identificar mais”.
A este respeito Godart (2010) aponta que a definição de moda pode ser
compreendida de duas maneiras distintas. Enquanto a primeira apresenta a moda como uma
indústria do vestuário e do luxo, com diferentes protagonistas e profissionais que
desenvolvem carreiras e estratégias, a segunda classifica a moda como um tipo de mudança
social que está presente em diversos momentos da vida social. Além disso, a primeira visão
aponta que as modas de consumo dos indivíduos, grupos ou classes sociais são utilizadas
como caminho para definir suas identidades. Contudo, essas duas definições são ligadas pelo
77
fato de que a moda, como indústria, produz estilos que são caracterizados pelas mudanças
frequentes e não cumulativas.
Todavia, dois entrevistados não demonstram interesse significativo ou não o
desenvolveram qualquer interesse sobre moda ao longo do tempo. Assim, Gabriel, por
exemplo, aponta que seu interesse por moda é moderado e acrescenta “eu até me interesso,
mas eu não vou parar algum momento do meu dia para ver isso. Tipo, eu tô vivendo normal,
apareceu. Ah! Vou dar uma olhada”. Além dele, Rafaela explica “acho que meu consumo
de moda é mais por necessidade. Eu não sou muito ligada. É mais o que é confortável e o
que eu tô precisando. E o assunto não é algo muito relevante, não costumo procurar muito”.
Jourdain e Naulin (2017) explicam, seguindo os pensamentos de Pierre Bourdieu,
que, conforme a origem da classe social e o nível de instrução, os indivíduos podem
apresentar padrões de práticas culturais diferentes, neste caso o consumo de moda. Contudo,
o nível de escolaridade dos dois entrevistados é o mesmo, pois ambos estão cursando a
mesma graduação, mas em faculdades diferentes. Logo, as diferenças entre os dois se
concentram nas práticas que não foram desenvolvidas na aprendizagem escolar e na família
de cada um, pois esses dois fatores estão diretamente relacionados à origem social, que é
facilmente percebida.
Por outro lado, alguns dos entrevistados, quando questionados sobre seu interesse,
apontam que a moda e o consumo de roupas são relevantes no seu dia a dia e estão presentes
de diferentes formas, tanto para os entrevistados quanto para as entrevistadas. Assim,
Fernando diz que se interessa bastante por moda, busca se vestir bem e ter uma variedade de
peças, do mesmo modo, Ricardo explica “Eu consumo muito conteúdo de moda. Eu gosto
de grifes. Eu costumo muito ir atrás das marcas de roupas, ver os trends do momento. Ver o
que tá em alta. Em todo tipo de moda. Embora não vá comprar nada, eu gosto de me
informar”.
Godart (2010) aponta que, além de constituir uma atividade econômica importante
pelo fato de produzir objetos, a moda representa um cruzamento entre as artes e a indústria,
que não se contenta em produzir apenas roupas, mas sim, em criar objetos portadores de
significado. Consequentemente, a moda também é uma indústria criativa ou cultural, pois as
divisões exatas entre essas duas indústrias não são precisas e variam de autor para outro, mas
elas contemplam diferentes espaços como: arquitetura, artes plásticas, cinema, videogames,
imprensa, publicidade, televisão, música etc. Essas duas indústrias, cultural e criativa, tem
como ponto comum entre elas o fato de produzirem lazer no processo de consumo, além do
78
foco na criatividade e estética na sua produção. Posto isto, Julia, acerca da sua relação com
a moda, diz:
Eu sou bastante próxima da moda. Tanto que eu entrei na faculdade cursando
design de moda e depois troquei pra Design Visual. Mas desde pequena e
principalmente no ensino médio que eu comecei a querer me destacar através das
coisas que eu me vestia [...]E eu gosto muito, me atrai muito. Eu não sei o porquê,
mas é tudo muito visual, textura e o que uma peça de roupa conta sem eu precisar
dizer as coisas é muito legal, muito importante.
Após compreender qual o interesse dos entrevistados por moda e vestuário, eles foram
indagados se seguem um estilo ou se identificam com algum e como buscam as suas
referências visuais e estéticas. Crane (2006) aponta que as diferentes escolhas de estilo dos
indivíduos formam indicadores de como são experimentadas as variadas formas de sociedade
e posições presentes nela. Afinal, as roupas desenvolvem comportamentos que distinguem
diferentes identidades sociais. O Quadro 6 aborda os respectivos estilos com os quais cada
entrevistado se identifica:
Gabriel Estilos alternativos: punk e grunge. Suas bandas preferidas são as referências
Ricardo Foca em peças básicas e combinação entre elas. Poucas cores, predominância da cor preta.
79
Copiava o que as pessoas achavam bonito, depois começou a entender o que as pessoas
Matheus gostam e juntar com o que faz sentido para ele. Contudo, segue um estilo próximo ao street
style japonês.
Vive em constante mudança, mas reconhece que a cultura oriental a influencia, tanto a
Julia
japonesa como a coreana.
Nenhum estilo específico. Há peças que deseja ter e as peças que acaba comprando, por
Rafaela conta do tamanho pequeno das peças que seguem padrões orientais. Por conta disto, busca
expressar seu estilo por meio da maquiagem e de acessórios.
Um estilo mais militar, preferência por coletes e coturno, porém se vê como um “camaleão
Gabriela
de estilo”.
Fernando Sempre se interessou por estampa, mas não identifica um estilo definido.
Larissa Aprecia e tenta acompanhar o visual key, mas mistura com estilos que fizeram parte da sua
adolescência.
Fonte: O autor
O estilo das roupas segue os movimentos e atitudes dos indivíduos, que, por meio
das peças de roupas, representam significados manipuláveis ao senso pessoal. Dessa forma,
Larissa, quando questionada se segue algum determinado estilo, conta que acompanha o
visual kei7, mas que tenta relacionar este estilo com outras referências, como o emo8 e gótico,
que fizeram parte da sua adolescência. Assim como ela, Gabriel também se identifica com
um estilo mais alternativo “Acho que o estilo punk eu gosto bastante. Eu me inspiro um
7
Estilo popular entre os jovens que curtem J-rock de diversas vertentes como pop, heavy metal, hard rock, punk
rock, pós-punk, death rock, ska etc e música eletrônica e influências ocidentais, como glam, gótico e cyberpunk.
8
O termo vem emotional hardcore, um estilo de música dos anos 1980 pertencente ao punk rock caracterizado
pela musicalidade melódica. Tem origem na palavra em inglês emotion ou emotional (emoção ou emocional).
80
pouco, mas muito de leve num grunge9, punk10 assim. É o que mais se encaixa no que eu me
visto”. Além disso, Fernando também compartilha dessa identificação com um estilo desde
sua infância ou adolescência:
Quando eu era menor, eu sempre gostei de olhar animê e sempre tinha esses
personagens meio diferentão meio descolado. E eu achava daora essa estética,
então eu sempre meio que busquei seguir isso. Algumas informações, mas algumas
aparentes, tipo brincos [...] Um pouco, esses cortes mais retos. Esse estilo meio
anos 80 japonês.
Ademais, Julia, quando questionada sobre seu estilo, conta que depende do seu
momento atual, “Eu sou de fases. Muito de fases”, pois seu estilo muda conforme as suas
referências que está consumido mais naquele período. Contudo, afirma:
Mas é inevitável mencionar que a cultura oriental me influencia muito. Começou
sendo a japonesa porque eu amo animês e toda a cultura japonesa, tradicional e
popular, mas com o tempo eu também fui olhando pra outros países asiáticos. Não
sei, é um jeito muito diferente, um estilo que eu gosto muito e acabo trazendo pro
meu guarda-roupa.
9
Subgênero do rock alternativo que surgiu no final da década de 1980 e início dos anos 1990, em Seattle (EUA).
O estilo de música derivou da mistura dos movimentos de punk e heavy metal.
10
Estilo que teve seu início nos anos 1970 como uma forma de expressão artística de uma visão de contracultura
do mundo moderno nos Estados Unidos, com bandas formadas por jovens de classe média que rejeitavam e
criticavam a mentalidade e o estilo de vida da classe que faziam parte.
11
Um dos personagens principais do anime No Game No Life, baseado na light novel de Yuu Kamiya e
produzido pelo estúdio Madhouse em 2014.
81
Sendo assim, Godart (2010) explica que a moda, como indústria, produz estilos que
são formados por mudanças frequentes e que não se acumulam. Além disso, a moda
representa o cruzamento entre as artes e a indústria, pois não se resume em apenas produzir
roupas, mas sim, em criar objetos portadores que tenham significado. Logo, a indústria da
moda serve de ponto de entrada para as indústrias da cultura em geral, que contempla
diferentes espaços como: artes plásticas, cinema, videogames, publicidade, televisão, música
etc. Ademais, as duas indústrias, cultural e criativa, produzem lazer no seu processo de
consumo, além terem foco na criatividade e estética enquanto ocorre a sua produção.
Destarte, após identificar quais os estilos dos entrevistados, buscou-se entender como
eles buscam e encontrar as referências que servem de inspiração para os seus estilos e como
a cultura pop japonesa se apresenta como referência. O Quadro 7 apresenta as respostas de
cada entrevistado:
Filmes, séries, bandas e artista que gosta, Twitter e Por conta do interesse, deseja inserir um
Gabriel
Instagram. estilo mais street style japonês na vida.
Bandas que escuta que seguem visual key, por meio Como segue um estilo original do Japão,
Larissa dos vídeos e das redes sociais. E a estética de o visual key, a cultura pop japonesa está
animes específicos que aprecia. presente em tudo.
Fonte: Autor
A estudante Gabriela conta que gosta da cultura asiática no geral, tanto japonês
quanto coreana, e que se inspira nela pois “sei que se andar com eles, eu tô andando na
frente”. Por outro lado, Ricardo observa que as suas referências estão mais relacionadas com
as estampas que ele usa nas suas camisetas, que são inspiradas nos animês que assiste.
Contudo, ele conta que o conteúdo que ele salva em redes sociais ou em aplicativos como
Pinterest são de roupas com características da moda japonesa, “aquelas calças meio
asiáticas, aquelas roupas com coisas ligadas e coisas de encaixe. As correntes, as camisetas
de duas cores”. Do mesmo modo, Julia afirma que às vezes a referência de animês e mangás
não é direta quando se vê o seu guarda roupa ou o que ela está vestindo, pois, de acordo com
ela:
Para Crane (2006), o vestuário é um dos fatores que desempenha maior importância
na construção social da identidade. Assim, cada escolha de roupa possibilita a observação de
como os indivíduos transcrevem determinada forma cultural para o seu estilo próprio.
Portanto, o vestuário é uma das marcas mais evidentes de status social e gênero, pois
fundamenta como, em diferentes épocas, as pessoas compreendem a sua posição social, sua
identificação e seu status.
83
Por outro lado, Gabriel, quando questionado sobre onde busca suas inspirações, conta
que costuma buscar com mais frequência as suas referências visuais em filmes, series e
músicas. Além disso ele complementa:
Eu acho que é uma influência mais subconsciente. Tipo, eu gosto de X personagem
e eu tenho uma noção de como é o estilo de roupa dele, se eu ver algo parecido, aí
eu tenho uma propensão mais a comprar e ver como fica em mim porque eu já
acho massa em alguém.
Da mesma forma, Matheus compartilha que a cultura pop japonesa está presente há
mais de dezesseis anos da sua vida “Eu gostava muito, era viciado [...] 24 horas por dia.
Hoje em dia é toda segunda, terça e quarta, porque tem os mangás que lançam. E domingo
quando tem algum mangá que lança e eu acho que vale a pena começar a ver”. Assim como
o estudante, Julia compartilha da mesma paixão pela cultura de animês e mangás e afirma
que é uma das maiores influências e que “faz muito parte da minha vida, se separasse eu de
Japão, eu não iria existir. Foi um formador de gostos, personalidade e jeito de ser”.
Se interessa pelo Japão como um todo, desde o seu entretenimento, até sua arte e cultura.
Gabriel Os animes e os mangás apresentaram uma mensagem de valor e de honra. Se sente
convidado a descobrir mais sobre o país.
Vê o Japão como algo estranho e que não tem contato no seu dia-a-dia e é por isto que se
Ricardo
interessa constantemente.
Aponta que o contato com a cultura japonesa de diferentes maneiras representa longos anos
Matheus da sua vida. Está presente no seu dia a dia, sendo consumida frequentemente e de diversas
formas.
Não consegue explicar o porquê de ter se apaixonado tanto pelo país e sua cultura. Além
Julia disso, aponta que não tem como separar ela da cultura pop japonesa, pois foi e é um
aspecto que influenciou sua formação como pessoa, gostos, valores etc.
85
Observa que o Japão e sua cultura formaram muito das suas preferências e gostos, ao ponto
Rafaela de desejar fazer uma graduação na área que atua. Costuma seguir as referências orientais
para seus trabalhos. O desejo de fazer cinema vem da cultura japonesa.
Um estilo de vida que se inspira, se sente conectada e confortável para seguir e sempre se
Gabriela
interessou ao longo da sua vida.
Fonte: Autor
Além disso, Gabriel conta que os animes e mangás servem de influência para seu
âmbito pessoal, pois esse entretenimento apresenta muitas mensagens que variam de obra pra
obra, ele complementa:
Eu uso muito animê e mangá pra pegar visões diferentes. Tipo: é introduzido nesse
animê aqui x assunto e tal personagem age assim e outro personagem age desse
jeito. Então tem esse ponto de vista e tem aquele. Animês fazem eu refletir muita
coisa. E tem coisas que eu vi e aprendi em animê que eu tomei como valores. A
honra e a educação japonesa. Eu não consigo reproduzir tudo, mas deixou uma
marca em mim.
Assim como ele, Fernando tem o mesmo pensamento sobre o impacto dos animes
na sua vida “Até mudou bastante a minha personalidade. Sei lá, se espelhar em ícones e
personagens. Acho que foi meio que mudando bastante a minha personalidade. Acho que é
bem o papel do entretenimento. Ajudar a moldar personalidades”. Da mesma maneira, Julia
explica:
Eu percebi que ao longo da minha vida, desde que descobri animê, que já faz
bastante tempo, não acho que a minha personalidade mudou, mas o jeito que eu
me expresso. A minha linguagem corporal mudou muito e tem muito a ver com
isso, animê e mangá. E as coisas que eu compro, que não tem só ligação com
roupa. O meu estilo de desenho, as cores e formas que me chama atenção. Outros
interesses também. Eu gosto muito de estudar japonês. Tudo.
assim, alinhando os sentimentos subjetivos com lugares objetivos ocupados no mundo social
e cultural. O autor, seguindo Sigmund Freud, aponta que a identidade é formada no decorrer
dos anos, por meio de processos internos dos indivíduos, e não por algo que existente no
consciente desde seu nascimento. Logo, de acordo com o autor, a identidade permaneceria
sempre incompleta e em processo de formação.
Sempre que compra uma roupa, procura por algo que se encaixa nos seus gostos, como:
Gabriel
músicas, animes, séries e filmes. Gosta o seu gosto nas roupas que usa.
Prioriza sempre comprar roupas pretas, pois dá mais atenção a esse tipo de peça e acha
Ricardo
possível combinar com tudo.
A frequência se tornou maior e aconteceu “naturalmente”. Pesquisa por camisetas que acha
Matheus
legais e seguem seu estilo.
Identifica que é uma “ação inconsciente”, mas sabe que tudo que compra se encaixa no seu
Julia
estilo. Normalmente por meio de jaquetas e calças.
87
Encontra dificuldade pois não encontra as peças no seu tamanho, apenas em lojas
Rafaela
especificas, logo, acaba comprando peças mais comuns.
Ao longo dos anos sempre encontrou dificuldades de encontrar peças que servissem no seu
Gabriela
corpo e que seguissem o estilo que gosta e acompanha.
Sempre compra peças que seguem seu estilo, tanto para seu dia a dia, quanto para festas e
Fernando
aulas. Atualmente está descobrindo que pode ser mais “casual”.
Larissa Busca frequentemente. Sempre que tem a oportunidade de compra ruma roupas novas
procura por peças que seguem seu estilo.
Fonte: Autor
expressar melhor, explica “[...] moda também é uma forma de se expressar. As vezes tu tá
andando na rua e vê uma pessoa como ela tá se vestindo e tu meio que tem uma noção de
como é essa pessoa. Ai eu também busco fazer isso com a minhas roupas pra mostrar os
meus gostos”. Do mesmo modo, Ricardo, que frequentemente usar as peças de roupa que
gosta, tem o mesmo pensamento que Gabriel sobre a forma o uso de roupas, ele diz:
Até porque eu acho que o tipo de roupa que tu usa é uma expressão corporal que
tu tem. Assim como a tua fala, expressões faciais. E isto é uma coisa que se fala na
psicologia, que o teu estilo é uma forma de se expressar. Então, uma maquiagem
que tu usa, uma roupa que tu usa, um cheiro que tu adota pra ser teu. Todas essas
características fazem parte de uma linguagem não verbal.
Outrossim, Barnard (2003) explica que a moda é uma maneira de se comunicar são
de forma não-verbal, pois ela não utiliza de palavras faladas ou escritas, mesmo que na peça
de roupa estejam presentes palavras como logos ou slogans. Assim, um item de moda ou
vestimenta são meios que um indivíduo envia uma mensagem a outro e busca provocar uma
comunicação entre eles. Contudo, o autor aponta que a eficácia ou a objetividade do processo
de transmissão é igualmente relevante, pois se a mensagem não for recebida pelo receptor de
forma correta ou chegar de forma distorcida, demonstra que, em algum determinado
momento, uma parte do processo de comunicação se perdeu. Por sua vez, a resposta da
mensagem é importante para que se desenvolva a interação social entre os indivíduos, pois é
o processo que um indivíduo impacta o comportamento e gera uma resposta emocional de
outra pessoa.
Ainda abordando os momentos que os entrevistados expressam mais o seu estilo,
Rafaela conta costuma se expressar pela maquiagem e pelos acessórios que ela usa, pois
encontra dificuldade de achar peças de roupa no tamanho que quer e diz “Eu acho que pra
mim a maquiagem sempre foi a forma de expressão. Nunca priorizei me maquiar bem, mas
sim de um jeito que eu gosto e quero transparecer”. Embora não encontre dificuldades para
achar peças, o pensamento de Julia vai de encontro ao de Rafaela:
Agora, nessa questão de confinamento e estar em casa, as coisas estão um pouco
diferentes. Mas até serve pra eu entender quais momentos, que é o momento q eu
to saindo de casa. Que eu to me preparando pra me encontrar com outras pessoas.
Acaba sendo um momento que a gente quer mostrar pras outras pessoas o que a
gente é, o que a gente gosta, nossa tribo. E agora eu não to trabalhando, mas na
hora de me vestir pra trabalhar era um momento de meio que fazer o meu “design
do dia” ou o “design de eu no dia”. Hoje em dia eu to fazendo isso até pra ir ao
mercado.
Isto posto, Garcia e Miranda (2005) explicam que o autoconceito real é como os
indivíduos a sua própria imagem. Assim, aplicam um significado que escolheram ao se vestir
que, por sua vez, serve como forma de reforçar a imagem que o indivíduo tem si mesmo.
90
Além do autoconceito real, as autores apontam o autoconceito ideal, pois ele ilustra como
uma pessoa deseja ser percebida e como ela gostaria de ser. Dessa maneira, peças de roupas
e acessórios são instrumentos que auxiliam a realizar a passagem do “eu real” para o “eu
ideal”, pois eles tratam das construções do próprio eu. Além disso, a escolha por produtos,
que representam as imagens correspondentes a autoimagem do consumidor, tem origem na
ideia de que a aparência física e as posses representam o eu. Em vista disso, a moda contribui
para a influência social, sendo um aspecto marcante do comportamento dos indivíduos.
Em seguida, os entrevistados foram questionados sobre a importância e a procura por
peças especiais ou especificas para eventos, como festivais, festas, cerimonias e
comemorações, que os auxiliam a expressar seu estilo. O Quadro 10 apresenta os dados
obtidos nas entrevistas, mas é relevante trazer as falas de Julia, Matheus e Gabriela.
A primeira, Julia, expõe “Quando tem um evento especial, uma festa, um festival, é
sempre um momento que não é tão formal, voltado pra aula, compromisso, responsabilidade.
Então com certeza é nesses momentos é quando eu penso mais o que eu quero aparentar.”
Assim como ela, Matheus também apresenta o mesmo pensamento: “Acho que é um modo
de tu se destacar. Tipo, eu quero algo que ninguém tenha, mas que todo mundo veja que ta
na moda. E eu buscar isso e fazer isso acontecer algumas vezes, é algo de tu se destacar e
as pessoas olharem e pensaram “meu deus que camiseta bala”. É um modo de se destacar”.
Embora Gabriela tenha as mesmas ideias dos outros dois entrevistados, ela vai além e diz
“Quando eu ia nas festas eu sentia a liberdade de expressar da forma que eu quiser porque
sei que as pessoas estão nem aí. E isso é como eu idealizo o mundo perfeito e eu gostaria de
viver o tempo todo”.
Anteriormente sim. Hoje em dia, as suas roupas que eram de sair já se tornaram roupas do
Gabriel seu dia a dia. Contudo, quando tem um evento importante, costuma comprar ou alugar
alguma peça específica.
Muitas vezes prepara alguma coisa especial, porém são as peças do seu dia a dia que se
Ricardo
destacam. Não separa as roupas para determinadas ocasiões.
91
Quando tem um evento especial, como uma festa ou um festival, se preocupa mais com a
Julia
sua aparência.
Somente na maquiagem e nos seus acessórios, pois não encontra formas e não se sente à
Rafaela
vontade de explorar muitas roupas.
Quando vai em festas, se sente livre para se expressar da forma que quiser, pois sabe que as
Gabriela
pessoas ao redor não estão se importando.
Muitas vezes por trabalhar em eventos e ser maquiadora, se sente motivada a produzir
Larissa
peças, customizar roupas e elaborar maquiagens diferentes para essas situações.
Fonte: Autor
Após compreender como os entrevistados pensam sobre a expressão dos seus estilos,
eles foram questionados acerca da importância de poder expressar no ambiente de trabalho,
um espaço que, conforme dito por eles, costuma ser limitador. Assim, Gabriela expõe:
Quando eu fui na entrevista da empresa que eu trabalho atualmente, eu lembro
que eu fui toda “regradinha”, de calça e sapato formal, mesmo que fosse uma
empresa de design. Coloquei o piercing pra dentro e tudo mais. Ai eu cheguei na
reunião e o cara que estava me entrevistado era todo tatuado e aquilo já me deixou
mais tranquila, por que o meu emprego anterior tinha sido numa escola de inglês.
Na época eu tinha cabelo colorido e mandaram eu pintar de preto, eu tinha que
esconder o piercing e só podia usar manga comprida por causa das tatuagens.
Então pra mim, é muito importante eu poder ficar a vontade, principalmente no
inverno. Eu não queria estar todo bonitinha, eu queria usar calça de moletom.
Da mesma forma, quando feita a mesma pergunta, Matheus afirma “Tem que ter
liberdade. Eu não conseguiria trabalhar num local em que eu tivesse que usar uniforme da
firma ou camisa social e calça. Eu não conseguiria porque não é uma coisa natural. É todo
mundo igual e tu é obrigado a usar. Não concordo com isso”.
92
A atratividade da moda, conforme Crane (2006), surge pela maneira que ela reorienta
as oposições e contribui para a formação de novos estilos. Portanto, o consumidor utiliza de
diversas manifestações para entender as ligações entre a sua noção de identidade e a
identidade social, que foi imposta a ele pelas condições de fazer parte de diferentes grupos
sociais que vestem roupas semelhantes.
Além das limitações que alguns entrevistados trouxeram, Ricardo, Rafaela e Larissa
trouxeram experiências que tiveram nos seus ambientes de trabalho que ilustram momentos
93
Da mesma maneira, Rafaela também traz um relato que compara a sua experiencia
na sua antiga empresa e na atual, ela diz:
Na empresa em que eu trabalhava eu não me expressava, tanto que quando eu
pintei o meu cabelo de rosa, a primeira vez, foi meio difícil, porque ninguém lá
tinha cabelo colorido e era bem rigoroso em questão de vestimenta lá. Só calça,
camiseta no máximo e sapato fechado. Todo mundo se vestia igual. Eu era
conhecida como menina do cabelo rosa, porque eu era a única. Foi difícil no início
e eu pensava muito “será que isso vai ser ruim pro lado profissional”, então foi
estranho e depois eu me acostumei. Mas é diferente, nem todo mundo vê com bons
olhos. Ai quando eu fui pro meu trabalho atual, a única regra de vestimenta é que
não há regra. Então, foi totalmente diferente. Várias pessoas vão maquiada, tem
cabelo colorido, tatuagens... E lá não tem problema ir de chinelo de dedo, é bem
livre. Pra mim, é uma liberdade diferente e eu acho que isso contribui até pra estar
mais confortável no teu dia a dia, é bem melhor. E ter feito essa troca fez eu
perceber que no meu antigo trabalho eu não me vestia de Alê, não estava sendo
eu.
de uma empresa e eu não podia mostrar as minhas tatuagens, tinha que usar
sempre camiseta comprida mesmo no verão, e eu passava muito calor. E eu não
podia ter cabelo colorido. Então como eu explica tudo sobre como funcionava
fábrica, todo o processo de fazer o chocolate e tudo mais, eu usava tipo uma
toquinha. Então, se o meu cabelo estivesse a mostra, tanto na loja quanto na frente
da loja, eu era repreendida na frente dos clientes. Trabalhar lá foi uma tortura.
Porque eu não podia ser quem eu era, eu tinha essa restrição e não podia mostrar
minhas tatuagens. E ter essa liberdade é muito importante pra mim. Tanto que no
meu emprego atual, quando fui fazer a entrevista, eu perguntei pra eles se eu
precisaria mudar algo, como tirar o verde do meu cabelo ou cobrir as minhas
tatuagens. Então, quando eles falaram isso, senti que saiu um peso. Eu posso
continuar sendo eu mesma.
Ademais, Godart (2010) explica que o interesse pela moda se encontra na capacidade
de equilibrar os polos da vida social e psicológica. Logo, a moda é aquilo que conecta e
aproxima o individual do coletivo e permite que os indivíduos deixam claras suas
preferências dentro de uma sociedade. Assim, seguindo o pensamento de Cuche (1999), a
identidade também é uma maneira de analisar a articulação do social e do psicológico de um
indivíduo, pois é ela que demonstra o resultado das interações dele com o ambiente que ele
está inserido. Todavia, essa identidade social não se limita apenas aos indivíduos, pois todo
grupo apresenta um identidade que condiz a si. Portanto, essa identidade é simultaneamente,
inclusiva e exclusiva, visto que identifica os indivíduos e seus grupos e o distingue de outros.
Dessa forma, se encerra o capítulo destinado à análise dos dados obtidos nas
entrevistas. Em seguida, são trazidas as considerações finais desta pesquisa, a fim de concluir
a presente pesquisa deste tema.
95
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como propósito compreender quais são os aspectos da cultura
pop japonesa que inspiram os seus admiradores no modo de se vestir e na forma que
expressam o seu estilo. A fim de atingir este objetivo, foram estudos os assuntos pertinentes
a esta pesquisa: cultura pop japonesa, cultura, gostos, identidade e moda. Logo, por meio do
referencial teórico, foi possível adquirir o apoio necessário para realizar a análise dos dados
empíricos. Nesse estágio do estudo, foi realizado pesquisa bibliográfica e entrevista em
profundidade com os fãs de cultura pop japonesa para obter dados que respondessem o
problema de pesquisa estabelecido.
Acerca dos objetivos específicos deste estudo, acredita-se que todos foram
plenamente alcançados. Para o primeiro objetivo específico — identificar as características
da cultura pop japonesa, em particular dos animês e mangás, que provocam o interesse em
fãs jovens adultos — os entrevistados foram questionados sobre o seu primeiro contato com
este entretenimento, o que os mantiveram interessados, as características percebidas e quais
as principais diferenças que percebem nas produções ocidentais e orientais. Dessa forma, foi
observado que o primeiro contato ocorreu na ainda infância, por meio de programas de
televisão aberta como Bom Dia & Cia e TV Globinho. Entretanto, só compreenderam a
dimensão das animações e quadrinhos japonesas na adolescência, pois se mantiveram
interessados, de acordo com eles, pela diversidade de temas, qualidade das histórias, forma
narrativa e a maneira que a cultura japonesa é transmita pelos animês e mangás. Além disso,
as características observadas por eles vão além do estereótipo de olhos grandes e cabelos
coloridos. Os entrevistados destacam, nos mangás, o traço da ilustração e a profundidade da
história são as características mais relevantes, já nos animês, por ser produção audiovisual,
os aspectos de som, imagem e movimento são os elementos mais apreciados. Ademais, os
principais aspectos que diferem as animações e quadrinhos japoneses das produções
ocidentais são: a forma que a história é contada, a utilização da mitologia do país, a maneira
que o corpo humano é representado e o produção de imagem.
O segundo objetivo, que se refere à busca pelo vestuário inspirado na cultura pop
japonesa, mostrou que o interesse por moda dos entrevistados é de moderada a alta. Embora
cada um deles apresente uma frequência de compra de novas peças de roupa diferente,
camisetas e camisas foram os itens mais citados, assim como as lojas de departamento e
online são os principais canais de compra que os entrevistados utilizam. Quando
questionados se seguem ou se identificam com um determinado estilo específico, cada
96
entrevistado apresentou uma fala diferente. Entretanto, a principal referência que eles se
inspiram para desenvolver seus próprios estilos são os animês, mangás ou algum aspecto da
cultura pop japonesa. Além disso, os entrevistados mostram que Japão e a sua cultura não
servem apenas de referência para elaboração do seu estilo de roupas, pois, como se
interessarem desde a sua infância ou adolescência, sentem que diversos as aspectos dessa
cultura os impactou ao longo do seu desenvolvimento como indivíduos.
O último objetivo específico busca destacar as diferentes formas que os fãs de cultura
pop japonesa expressam seu estilo. Assim, em um primeiro momento, os entrevistados foram
abordados sobre a frequência que procuram ou compram peças que os auxiliam a enfatizar e
expressar o seus respectivos estilos. Embora eles apontem que é uma ação “natural” ou
“inconsciente”, todos afirmam que buscam por peças que vão representar, da melhor forma
possível, o seu estilo. Em seguida, quando questionados sobre os momentos que mais se
expressam visualmente pelas roupas, os entrevistados, de forma geral, apontam que optam
por peça e acessórios que representem a estética que eles seguem independente do momento
ou situação, pois acreditam que a roupa é uma maneira de transmitir um significado. Além
disso, os entrevistados explicam, por meio de experiências que já tiveram, que ter a liberdade
de utilizar e seguir o estilo de roupas que querem nos seus respectivos ambientes de trabalho
é importante para eles, mesmo que alguns tenham que se adaptar de alguma forma.
Embora fossem esperadas determinadas respostas, foi possível perceber que a
conexão dos entrevistados com a cultura pop japonesa era maior do que era imaginado. Logo,
eles deixaram claro que a influência dos animês e mangás não se restringe apenas às escolhas
de roupas e estilo, pois percebem que as animações e os quadrinhos japoneses os auxiliaram
na construção de personalidade, ética e valores pessoais. Da mesma forma, por terem tido
esse contato com os animês e mangás desde a sua infância ou adolescência, os entrevistados
se mostraram mais suscetíveis a se interessarem pela cultura de outros países asiáticas, como
a Coreia do Sul. Dentre os entrevistados, apenas dois deles não se interessam por ouvir
música pop coreana, o K-pop, um estilo musical que está crescendo no ocidente, tanto pela
música quanto pelo visuais e estilo de roupas. Além disso, as produções coreanas, os
chamados doramas, também são acompanhados por algumas das entrevistadas, que
intercalam entre as animações japonesas e as novelas coreanas.
De acordo com os entrevistados, há um preconceito com a cultura pop japonesa e
com os fãs dela que é percebido por eles. Ainda que a cultura japonesa seja vangloriada pela
sua culinária ou pelos avanços tecnológicas, o entretenimento japonês é estereotipado, por
aqueles que não são apreciadores, como algo infantil e, ao mesmo tempo, sexual. Entretanto,
97
as falas dos entrevistados mostram que os animês, mangás e J-pop não se limitam a tais
aspectos e que eles podem abordar histórias e temas mais profundos que as produções
ocidentais e que possibilitam uma reflexão maior. Em vista dessa discriminação, foi
perceptível a empolgação e interesse dos entrevistados nesta pesquisa e pelo espaço que ela
dá para eles conversarem sobre o assunto, pois encontram poucas pessoas que também se
interessam nos meios sociais que eles participam. Por consequência, os entrevistados se
sentiram à vontade de compartilhar suas vivências e as situações desconfortáveis que
experienciaram, ao longo da sua adolescência, assim, mostrando da importância que a cultura
pop japonesa tem em suas vidas.
Dentre as dificuldades experienciadas para o desenvolvimento desta pesquisa, é
inegável que pandemia de COVID-19 foi o principal empecilho. Dado que, no momento que
foi iniciada a pesquisa, era esperada a realização de observação participante nos eventos de
animês e mangás que ocorreriam durante o ano de 2020. Embora tenha sido feita uma
observação participante na edição de 2019 do Animextreme, que acontece em Porto Alegre,
o evento não é focado apenas na cultura pop japonesa. Enquanto o Festival do Japão, que
ocorre no início da primavera japonesa (março), é um evento focado apenas em animês,
mangás, culinária e outros aspectos da cultura japonesa, mas foi cancelado em virtude das
regras de isolamento social estabelecidas pelo decreto municipal. Também, há pouco
material teórico, tanto na internet quanto em bibliotecas, que trate das características do
entretenimento japonês. Já que os aspectos trabalhados nas literaturas se resumem a
abordagens históricas que contemplam as origens e expansões da cultura japonesa no pós-
guerra. Da mesma forma, há poucos estudos aprofundados que possam servir de apoio para
trabalhar este tema e que auxiliam na busca por materiais de referências.
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, que busca a compreensão aprofunda de uma
temática específica, é importante destacar que o estudo apresenta algumas limitações. Por se
tratar de um assunto relativamente amplo, é possível o desenvolvimentos de novas pesquisas,
tanto como a realização de uma pesquisa quantitativa que busca expandir os dados obtidos
com esta pesquisa, como também outros estudos qualitativos. Dentro da abordagem
qualitativa, é pertinente adentrar profundamente na conexão dos jovens adultos com a cultura
japonesa, de forma que entende a reflexão e mudanças que ela provocou nos seus fãs. Além
disso, há a possibilidade de trabalhar, com mais detalhamento, as diferenças nas práticas de
expressão, tanto visual como corporal, entre os fãs de gênero masculino e as fãs de gênero
feminino. Também, seria valido entender como as limitações físicas, como o sobrepeso ou
estrutura do corpo, que dificultam a expressão dos estilos daqueles que desejam acompanhar
98
o street style asiático. Também, convém entender de maneira mais aprofundada como que os
fãs de cultura pop japonesa se interessaram pela cultura pop coreana, quais foram as
motivações e a receptividade deles para a cultura de outros países asiáticos. Pensando num
viés mercadológico, foi possível perceber que há espaço para o crescimento de marcas
voltadas para roupas que se inspiram e seguem a estética japonesa. Logo, realizar uma busca
por dados que mostrem quais são as peças mais desejadas, materiais a serem utilizados,
estilos que mais procuram e faixa de preço dos produtos, assim, esses questionamentos
podem ser uteis para dar início ao desenvolvimento de marcas que satisfação a necessidade
desse público.
Conclui-se o presente estudo com a certeza de que ele foi totalmente contemplado.
Acredita-se que, por meio do referencial teórico e análise dos dados obtidos com as
entrevistas, foi possível compreender melhor quais os aspectos da cultura pop japonesa
inspiram os seus fãs na maneira que se vestem e expressam seu estilo. Assim, perceber como
uma cultura distante pode impactar e inspirar os indivíduos é de extrema relevante, pois
possibilita que seja observada as diferentes formas que cada pessoa, ao longo da sua vida,
interage e se expressa na sociedade de acordo com as referências que tem. Em vista disso,
destaca-se que este trabalho auxiliou, tanto os entrevistados quanto o próprio autor, a
perceberem e verbalizarem a importância que a cultura pop japonesa teve e continua tendo
em suas vidas.
99
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