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CapiTULO G ASSIM ILANDO O

M U N D O : ALGUNS
PRINCÍPIOS BÁSICOS
Limiares

Sensação e t
Adaptação Sensorial
VISÃO
A Entrada do Estímulo:
Energia Luminosa

Percepção O O lho
Processamento de
Informações Visuais
Visão de Cores
A UDIÇÃO
enho visão perfeita”, explica m inha sação e percepção. Quando Sellers olha para

T
A Entrada do Estímulo:
colega Heather Sellers, aclamada escri­ um amigo, sua sensação é normal: seus recep­ Ondas Sonoras
tora e professora de redação. Sua visão tores sensoriais detectam a mesma informa­
pode ser boa, mas a percepção tem um ção que os nossos detectariam, e eles trans­ O Ouvido
problema. Ela não consegue reconhecer mitem essa informação para o cérebro. E sua Perda Auditiva e Cultura Surda
rostos. percepção - a organização e a interpretação
Em Foco: Vivendo em um
Em seu livro de memórias, Face First (Pri­ de informações sensoriais que lhe possibili­
meiro a Face, em tradução livre), Sellers tam reconhecer objetos conscientemente - é Mundo Silencioso
(2010) fala de momentos constrangedores quase normal. Assim, ela pode reconhecer OUTROS SENTIDOS
decorrentes de sua permanente prosopagnosia pessoas pelos cabelos, a maneira de andar, a IMPORTANTES
- cegueira facial. voz ou o físico particular, mas não pela face.
Pode ver os elementos do rosto - o nariz, os Tato
Quando estava na faculdade, em um encontro
olhos e o queixo - e ainda assim, em uma Dor
no Spaghetti Station, voltei do banheiro e me
meti na cabine errada, encarando o homem festa, “[eu me apresento] a minha colega Paladar
errado. Continuei sem saber que não era o rapaz Gloria TRÊS VEZES”. A experiência de Sellers
é similar à força que você ou eu faríamos para Olfato
com quem eu havia saído mesmo quando o pró­
prio (um estranho para mim) foi tirar satisfa­ tentar reconhecer um pingüim específico em ORGANIZAÇÃO
ção com o Cara da Cabine Errada e depois se um grupo de pingüins bamboleantes. PERCEPTIVA
mandou do restaurante. Não posso distinguir Graças a uma área do lado inferior do
atores em filmes e na televisão. Não reconheço hemisfério direito do cérebro, podemos reco­ Percepção de Forma
a mim em fotos ou em vídeo nem a meus entea­ nhecer uma face humana (mas não a de um Percepção de Profundidade
dos na escolha do time de futebol; não pude
determinar qual marido era o meu em uma
pingüim) em um sétimo de segundo. Assim Percepção de Movimento
festa, no shopping, no mercado. que detecta uma face, você a reconhece (Jac-
ques e Rossion, 2006). Como você faz isso? Constância Perceptiva
Sua incapacidade de identificar conhecidos Vinte e quatro horas por dia, seu corpo é INTERPRETAÇÃO
significa que às vezes ela é tida como esnobe bombardeado por todo tipo de estímulo exte­ PERCEPTIVA
ou pouco sociável. “Por que você passou rior. Enquanto isso, em um mundo interior
direto por mim?”, poderiam perguntar depois. silencioso e aconchegante, o cérebro flutua Privação Sensorial e
Semelhantemente a quem tem perda auditiva em absoluta escuridão. Por si só, ele não vê Visão Restaurada
e finge ouvir durante uma conversa social nada. Não ouve nada. Não sente nada. Então, Adaptação Perceptiva
banal, Sellers vez por outra finge reconhecer. como o mundo lá de fora entra?
Conjunto Perceptivo
Com frequência sorri para as pessoas por Para abordar a questão de maneira cientí­
quem passa, caso as conheça. Ou finge conhe­ fica: como construímos nossas representações Percepção e o Fator Humano
cer a pessoa com quem está conversando. do mundo externo? Como a luz bruxuleante, EXISTE PERCEPÇÃO
(Para evitar o estresse associado a essas falhas a crepitação e o cheiro de fumaça de uma
EXTRASSENSORIAL?
de percepção, indivíduos que têm uma perda fogueira ativam conexões neurais? E como, a
auditiva séria ou prosopagnosia muitas vezes partir dessa neuroquímica viva, criamos nossa Alegações de PES
se mantêm distantes de situações sociais agi­ experiência consciente do movimento e da Premonições ou Suposições?
tadas.) Mas há um lado positivo: quando temperatura do fogo, de seu aroma e de sua
Submetendo a PES a
encontra alguém que a irritou anteriormente, beleza? Em busca de respostas para tais ques­
em geral ela não sente hostilidade, pois não tões, vamos olhar mais de perto o que os psi­ Verificação Experimental
reconhece a pessoa. cólogos aprenderam a respeito de como sen­
Essa curiosa mistura de “visão perfeita” e tim os e percebem os o m undo que nos
cegueira facial ilustra a distinção entre sen­ cerca.
Assimilando o Mundo: • O macho do bicho-da-seda possui receptores tão
sensíveis ao odor sexualmente atrativo da fêmea que ela
Alguns Princípios Básicos precisa liberar menos de um bilionésimo de grama por
segundo para atrair todos os machos no raio de 1,5
quilômetro. É por isso que continuam existindo bichos-
1: O que são sensação e percepção? O que
da-seda.
queremos dizer com processamento bottom-up
» Similarmente, somos equipados para detectar as
(de baixo para cima) e processamento top-down características importantes de nosso ambiente. Os
(de cima para baixo)? ouvidos são mais sensíveis a frequências sonoras que
incluem as consoantes da voz humana e o choro de um
EM NOSSAS EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS, sensação e per­ bebê.
cepção fundem-se em um processo contínuo. Neste capí­
tulo, reduzimos a velocidade desse processo para estudar suas Iniciamos a exploração de nossas habilidades sensoriais
partes. com uma pergunta que passa por todos os sistemas senso­
Começamos com os receptores sensoriais e evoluímos para riais: que estímulos cruzam nosso limiar de percepção cons­
níveis mais elevados de processamento. Os psicólogos refe- ciente?
rem-se à análise sensorial que começa em seu ponto de
entrada como processam ento bottom-up (de baixo para
cim a). Porém, a mente também interpreta o que os sentidos Limiares
detectam. Construímos percepções com base tanto nas sen­
sações que vêm de baixo para cima até o cérebro como em 2 : O que são os limiares absoluto e diferencial?
nossa experiência e nossas expectativas, o que os psicólogos Os estímulos abaixo do limiar absoluto exercem
cham am de p ro ce ssa m e n to top-down (de cim a p ara alguma influência?
baixo). Por exemplo, quando nosso cérebro decifra a infor­
mação presente na FIGURA 6 .1 , o processamento bottom-up Existimos em um mar de energia. Neste momento, você e eu
habilita nossos sistemas sensoriais a detectar as linhas, os estamos sendo atingidos por raios X e ondas de rádio, luzes
ângulos e as cores que formam os cavalos, o viajante e os ultravioleta e infravermelha e ondas sonoras de frequências
arredores. Usando o processamento top-down, levamos em muito altas e muitos baixas. Somos cegos e surdos a tudo
conta o título do quadro, notamos as expressões apreensivas isso. Outros animais detectam um mundo que repousa além
e então dirigimos a atenção para aspectos da pintura que da experiência humana (Hughes, 1999). Aves migratórias
darão significado a essas observações. mantêm o curso com o auxílio de uma bússola magnética
Os dotes sensoriais da natureza se adaptam às necessida­ interna. Morcegos e golfinhos localizam as presas por meio
des de quem as recebe. Habilitam cada organismo a obter de sonares (emitindo um som que ecoa nos objetos). Em um
informações essenciais. Considere: dia nublado, abelhas voam detectando a luz polarizada de um
• Uma rã, que se alimenta de insetos voadores, tem olhos sol invisível (para nós).
dotados de células receptoras que disparam apenas em As sombras que incidem sobre nossos sentidos têm apenas
resposta a objetos pequenos, escuros e em movimento. uma pequena abertura, permitindo-nos somente uma consci­
Uma rã poderia morrer de fome cercada de moscas ência restrita desse vasto mar de energia. Vejamos o que a psi-
imóveis. Mas basta uma passar zumbindo e as células cofísica descobriu a respeito da energia física que podemos
“detectoras de insetos" despertam instantaneamente. detectar e seu efeito sobre nossa experiência psicológica.

> FIG U R A 6.1


O que está havendo aqui? Nossos
processos sensoriais e perceptivos
trabalham juntos para nos ajudar a
selecionar as imagens complexas, incluindo
os rostos escondidos nesta pintura de Bev
Doolittle, "The Forest Has Eyes" ("A Floresta
Tem Olhos").
sensação o processo pelo qual nossos receptores
sensoriais e o sistema nervoso recebem e representam
energias de estímulos do ambiente.

percepção o processo de organização e interpretação


das informações sensoriais, habilitando-nos a
reconhecer objetos e eventos significativos.

processamento b o tto m -u p (de baixo para cima)


análise que começa com os receptores sensoriais e sobe
para a integração cerebral da informação sensorial.

processamento top-dow n (de cima para baixo)


processamento de informações guiado por processos
mentais de nível mais elevado, como quando
construímos percepções com base em nossa experiência
e nossas expectativas. í

psicofísica o estudo das relações entre as


características físicas dos estímulos, como sua
I
intensidade, e a experiência psicológica que temos
delas.
sjI
limiar absoluto a estimulação mínima necessária para
se detectar um estímulo específico em 50% das vezes. Detecção de sinais Com que rapidez você perceberia um objeto se
aproximando em um radar? Bastante rápido se (1) você estiver
teoria da detecção de sinais uma teoria que prediz esperando um ataque, (2) for importante você detectá-lo e (3) você
como e quando detectamos a presença de um estímulo estiver alerta.
tênue (sinal) em meio à estimulação secundária (.ruído).
Ela sugere que não existe um único limiar absoluto e
que a detecção depende em parte da experiência, das nossa proporção de “acertos” para “alarmes falsos”). Os teó­
expectativas, da motivação e do nível de fadiga da ricos da detecção de sinais buscam entender por que as pes­
pessoa. soas reagem de forma diferente aos mesmos estímulos e por
que as reações do mesmo indivíduo variam com a mudança
das circunstâncias. Pais exaustos irão notar o mais leve gemido
Limiares Absolutos vindo do berço de um recém-nascido, ao passo que não irão
Somos extremamente sensíveis a certos tipos de estímulos. perceber sons mais altos e desimportantes.
De pé no cume de uma montanha em uma noite de céu claro
e absolutamente escura, a maioria de nós seria capaz de ver • Experimente este velho enigma com alguns amigos.
“Você está dirigindo um ônibus com 12 passageiros.
a chama de uma vela em outro cume a cerca de 50 quilôme­
Na primeira parada, saem 6. Na segunda, saem 3. Na
tros de distância. Seriamos capazes de sentir a asa de uma terceira parada, saem outros 2, mas entram 3 novas
abelha caindo sobre nossa bochecha. Poderíamos sentir o pessoas. Qual a cor dos olhos do motorista?” Seus
odor de uma gotinha de perfume em um apartamento de três amigos detectam o sinal - quem é o motorista? - em
cômodos (Galanter, 1962). meio ao ruído que o acompanha? •
Nossa consciência desses tênues estímulos ilustra nossos
lim iares absolutos - a estimulação mínima necessária para Em uma situação de guerra repleta de horror, não detec­
detectarmos uma luz, um som, uma pressão, um sabor ou tar um intruso pode ser fatal. Conscientes das mortes de
um odor específicos em 50% das vezes. Ao testar seu limiar muitos companheiros, soldados e a polícia no Iraque prova­
absoluto para sons, um especialista em audição exporia cada velmente tornaram-se mais propensos a perceber - e a alve­
um de seus ouvidos a níveis de som variáveis. Para cada tom, jar - um ruído quase imperceptível. Uma reatividade tão ele­
o teste definiria onde em metade das vezes você detectaria vada acarreta mais alarmes falsos, como na ocasião em que
corretamente o som e em metade das vezes não o consegui­ os militares americanos abriram fogo contra um carro que
ria. Para cada sentido, esse ponto de reconhecimento de 50%- se aproximava trazendo uma jornalista italiana à liberdade,
50% define seu limiar absoluto. matando o agente do serviço de inteligência de seu país que
Limiares absolutos podem variar de acordo com a idade. a havia resgatado. Em tempos de paz, quando a sobrevivência
A sensibilidade a sons agudos declina com o envelhecimento não está ameaçada, os mesmos soldados precisariam de um
normal, causando aos ouvidos mais idosos a necessidade de sinal mais forte para sentir o perigo.
um som mais alto para ouvirem um toque agudo de um celu­ A detecção de sinais também pode ter conseqüências de
lar. Esse fato da vida, como vimos no Capítulo 5, foi explo­ vida ou morte quando se é responsável por um escâner de
rado por estudantes que desejavam um toque que seus pro­ armas em um aeroporto, por monitorar pacientes de uma
fessores tivessem pouca chance de ouvir e por lojistas galeses clínica de tratamento intensivo ou por detectar objetos em
que transmitiam sons perturbadores para dispersar adoles­ um radar. Estudos mostraram, por exemplo, que a capacidade
centes ociosos sem repelir os adultos. de captar um sinal tênue diminui após cerca de 30 minutos.
Essa redução, no entanto, depende da tarefa, do horário e até
mesmo do exercício periódico dos participantes (Warm e
D etecção de Sinais Dember, 1986). Para ajudar a motivar inspetores de baga­
Detectar um estímulo fraco, ou sinal, depende não apenas de gens, a Administração de Segurança de Transportes dos Esta­
sua intensidade (como o tom do teste de audição), mas tam­ dos Unidos acrescenta periodicamente imagens de armas,
bém de nosso estado psicológico - nossa experiência, expec­ facas e outros objetos ameaçadores a raios X de malas. Quando
tativas, motivação e vigilância. A teoria da detecção de sinais o sinal é detectado, o sistema parabeniza o inspetor e a ima­
prevê quando iremos detectar sinais fracos (medidos como gem desaparece (Winerman, 2006). A experiência também
Percentagem 100
de detecções
corretas

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50

25 - Estímulos
S subliminares
> FIG U R A 6.2
Limiar absoluta Que diferenças sutis posso
detectar entre estas amostras de café? Quando
estímulos são detectáveis em menos de 50% Baixa Limiar Média
das vezes, eles são "subliminares". O limiar absoluto
absoluto é a intensidade na qual conseguimos
detectar um estímulo na metade das vezes. Intensidade do estímulo-------- ►

conta. Em um experimento, 10 horas de um jogo de video- mem, um cadáver) um instante antes de os participantes
game de ação - consistindo em procurar e instantaneamente visualizarem imagens de pessoas (Krosnick et al., 1992). Os
reagir a qualquer invasão - elevaram as habilidades de detec­ participantes perceberam conscientemente cada uma apenas
ção de jogadores novatos (Green e Bavelier, 2 0 0 3 ). (Veja no como um lampejo. Ainda assim, as imagens de pessoas pare­
Capítulo 16 pesquisas sobre efeitos sociais menos positivos ciam para os participantes como mais agradáveis se a cena
de videogames violentos.) precedente e não percebida conscientemente fosse a cena de
gatinhos em vez da do lobisomem. Outro experimento expôs
voluntários a odores subliminares prazerosos, neutros ou
Estim ulação Sublim inar desagradáveis (Li et al., 2007). A despeito de não terem cons­
Na esperança de penetrar em nosso inconsciente, empresá­ ciência deles, os participantes classificaram um rosto com
rios oferecem gravações que supostamente falam direto com expressão neutra mais simpático após a exposição aos aro­
o cérebro para nos ajudar a perder peso, parar de fumar ou mas prazerosos do que aos desagradáveis.
aprimorar a memória. Mascaradas por suaves sons do oce­ Esse experimento ilustra um fenômeno intrigante: às vezes
ano, mensagens não ouvidas ( “Eu sou magro”, “Cigarro tem sentimos o que não conhecemos e não podemos descrever.
gosto ruim ” ou “Eu me saio bem em provas. Lembro-me Com frequência, um estímulo imperceptivelmente breve
totalmente das informações”) irão, dizem eles, influenciar desencadeia uma resposta tênue que pode ser detectada por
nosso comportamento. Tais alegações sugerem duas coisas: um exame de imagem do cérebro (Blankenburg et al., 2003;
(1) Podemos perceber de modo inconsciente estímulos subli­ Haynes e Rees, 2005, 2006). A conclusão (aumente o volume
m in ares (literalmente, “abaixo do limiar”), e (2) sem nos aqui): Grande parte de nosso processamento de informações
darmos conta, esses estímulos têm extraordinários poderes ocorre de form a automática, longe de vista, fora da tela do radar
sugestivos. Podemos? Eles têm mesmo? de nossa consciência.
Podemos perceber estímulos abaixo de nossos limiares Mas o fato de haver sensação subliminar confirma as ale­
absolutos? Em certo sentido, a resposta é clara: sim. Lembre- gações de persuasão subliminar? Seriam os anunciantes real­
se de que um limiar “absoluto” nada mais é que o ponto em mente capazes de nos manipular com “persuasão oculta”? O
que detectamos um estímulo na metade das vezes (FIGURA quase consenso entre os pesquisadores é que não. O veredicto
6 .2 ). Nesse limiar ou um pouco abaixo dele, ainda detecta­ é semelhante ao dos astrônomos que dizem a respeito dos
mos o estímulo eventualmente. astrólogos: “Sim, eles estão certos quanto à existência das
estrelas e dos planetas; mas não, os corpos celestiais não nos
subliminar abaixo do limiar absoluto de percepção afetam diretamente.” A pesquisa laboratorial revela um efeito
consciente. sutil e fugaz. Pré-ativar pessoas sedentas com a palavra subli­
minar sede poderia então, por um breve intervalo, tornar um
pré-ativação (p rim in g ) a ativação, muitas vezes
inconsciente, de certas associações, predispondo assim anúncio de bebida mais persuasivo (Strahan et al., 2002).
a percepção, a memória ou a reação. Do mesmo modo, pré-ativar esses indivíduos com Lipton Ice
Tea pode aumentar sua propensão a escolher a marca pré-
Podemos ser afetados por estímulos tão fracos que sequer ativada (Karremans et al., 2 0 0 6 ). Porém, os marqueteiros
são notados? Sob certas condições, a resposta é sim. Uma das mensagens subliminares afirmam algo diferente: um
imagem ou uma palavra invisível pode p ré-ativar (prim e) efeito poderoso e duradouro sobre o comportamento.
em um breve momento sua resposta a uma pergunta poste­
rior. Em um experimento típico, a imagem ou palavra é exi­
bida rapidamente e, em seguida, substituída por um estímulo
mascarador que interrompe o processamento cerebral antes
da percepção consciente. Por exemplo, um experimento exi­ “□ CDraçãD tem razões que a própria razão desconhece."
biu de forma subliminar cenas emocionalmente positivas Pascal, Pensamentos, 1E70
(gatinhos, um casal rom ântico) ou negativas (um lobiso­
Para testar se gravações subliminares comerciais têm algum
O SENHOR é meu pastor,
efeito além do de placebo (o efeito da crença nelas), Anthony nada me faltará.
Greenwald e seus colegas (1 9 9 1 ,1 9 9 2 ) atribuíram aleatoria­ Em verdes prados
ele me faz repousar.
mente a estudantes universitários a tarefa de escutar todos C onduz-m e
ju n to às águas refrescan tes,
os dias durante cinco semanas mensagens comerciais subli­ R estau ra as fo rç a s de m in h a alm a.
minares que prometiam melhorar a autoestima ou a memó­ P elo s c a m in h o s reto s
ele m e leva,
ria. Porém os pesquisadores fizeram uma verdadeira pegadi- p o r a m o r do seu n o m e .
nha e trocaram metade dos rótulos. Alguns estudantes pen­ A in d a q u e eu atra v e sse o v a le e s c u ro ,
n a d a t e m e r e i,
saram estar recebendo afirmações de autoestima quando na p o is e s t a is c o m ig o .
verdade estavam ouvindo a mensagem de aprimoramento de V o ss o b o r d ã o e v o s s o b á c u lo
sã o o m eu am p aro
memória. Outros receberam a de autoestima, mas pensaram P r e p a r a i s p a r a m im a m e s a
que suas memórias estavam sendo recarregadas. a vista de meus inim igos.
D erram ais o perfum e sobre m inha cabeça,
As gravações foram eficazes? Os resultados dos estudantes e tra n sb o rd a m in h a taça.
tanto nos testes de autoestima como nos de memória, reali­ A vossa b o n d a d e e m isericó rd ia
h ã o de seg u ir-m e
zados antes e depois das cinco semanas, não revelaram efeito p o r to d o s o s d ias da m in h a vida
E h a b ita r e i
nenhum. E, ainda assim, aqueles que pensavam ter ouvido n a casa do SEN H O R
uma gravação sobre memória acreditavam que suas memórias p o r lo n g o s d ia s .
tinham melhorado. Resultado semelhante ocorreu com os
que pensavam ter ouvido uma mensagem sobre autoestima. O limiar diferencial Nesta cópia do Salmo 23 gerada por
As gravações não fizeram efeito, mas os estudantes percebiam- computador, cada linha muda de tamanho da fonte
se recebendo os benefícios que esperavam. Ao ler essa pesquisa, imperceptivelmente. Quantas linhas são necessárias para que você
ouvem-se ecos dos testemunhos que pingam dos catálogos experimente uma diferença apenas perceptível?
de compras por correio. Alguns clientes, ao comprarem o que
supostamente não teriam ouvido (e de fato não ouviram!)
oferecem testemunhos como: “Eu sei que suas fitas não ser­
viram para reprogramar minha m ente." Ao longo de uma ampla que ainda nos referimos a ele como lei de W eber: para
década, Greenwald conduziu 16 experimentos duplos-cegos que sua diferença seja perceptível, dois estímulos devem diferir
para avaliar fitas subliminares de autoajuda. Os resultados em uma proporção constante - não em uma quantidade cons­
foram uniformes: nenhum teve efeito terapêutico algum tante. A proporção exata varia, dependendo do estímulo. Para
(Greenwald, 1992). A conclusão: “Procedimentos sublimi­ uma pessoa média perceber suas diferenças, duas luzes devem
nares oferecem pouco ou nenhum valor para o profissional diferir por volta de 8% em intensidade. Dois objetos devem dife­
de marketing” (Pratkanis e Greenwald, 1988). rir por volta de 2% no peso. E dois tons devem diferir apenas
0,3% na frequência (Teghtsoonian, 1971).

Limiares Diferenciais
Para funcionar de maneira efetiva, precisamos de limiares
absolutos baixos o bastante para nos permitir detectar visões,
“Precisam os acim a de tudo conhecer n o ssas m udanças;
sons, texturas, sabores e odores importantes. É preciso tam ­
ninguém quer ou p recisa ser lembrado 16 horas por dia
bém detectar pequenas diferenças entre estímulos. Um músico
de que está com os sapatos calçados."
deve detectar minúsculas discrepâncias na afinação de um
David Hubel, neuracientista (1979)
instrumento. Pais devem detectar o som da voz de seu pró­
prio filho entre as de outras crianças. Mesmo após viver dois
anos na Escócia, os balidos de carneiros parecem todos iguais
para meus ouvidos. Mas não para os das ovelhas, que obser­
vei correndo, após a tosquia, diretamente até o balido de seu AdaDtação Sensorial
cordeiro em meio ao coro de outros cordeiros agoniados.
3 : Qual é a função da adaptação sensorial?
lim ia r d ife re n c ia l a d ife re n ça m ínim a e n tre do is
estím ulo s necessária para a d e te c ç ã o em 50% das vezes. Ao entrar na sala de estar de seus vizinhos, você sente um cheiro
E xp e rim e n ta m o s o lim ia r d ife re n c ia l c o m o uma
de mofo. Você se pergunta como eles o suportam, mas em minu­
diferença apenas p e rcep tível (ou D A P ).
tos deixa de percebê-lo. A adaptação sensorial - a diminuição
le i de W e b e r o p rin c íp io seg un do o qual, para serem de nossa sensibilidade a um estímulo constante - vem para
p e rce b id o s co m o díspares, dois estím ulo s devem d ife rir salvá-lo. (Para experimentar esse fenômeno, eleve seu relógio
em uma p e rce n ta g e m m ínim a c o n sta n te (em vez de em dois centímetros no punho: você o sentirá - mas apenas por
um a q u a n tid a d e con stante). alguns instantes.) Após a exposição contínua a um estímulo,
nossas células nervosas disparam com menos frequência.
a d a p ta ç ã o sen sorial d im in u iç ã o da s e n sib ilid a d e co m o
con seq üê ncia de e s tim u la çã o constante.
Por que, então, se olharmos fixamente para um objeto, sem
piscar, ele não desaparece da vista? Porque, sem que perceba­
O lim iar diferencial, também chamado diferença apenas mos, nossos olhos estão sempre se movendo, indo de um ponto
perceptível (DAP), é a diferença mínima que uma pessoa (ou para outro o suficiente para garantir que a estimulação sobre
uma ovelha) pode detectar entre dois estímulos quaisquer em os receptores oculares mude de maneira contínua.
metade das vezes. Essa diferença detectável aumenta com o Em 9 de cada 10 pessoas - mas em apenas 1 de
tamanho do estímulo. Assim, se você somar 1 grama a um peso cada 3 das que sofrem de esquizofrenia - esse
de 10 gramas, irá detectar a diferença, mas some 1 grama a um movim ento ocular cessa quando o olho está
peso de 100 gramas e provavelmente não irá. Há mais de um seguindo um alvo que se move (Holzm an e Matthyss,
século, Ernst Weber notou algo tão simples e de aplicação tão 1990).
E se realmente pudéssemos interromper o movimento dos Como vemos? Ouvimos? Cheiramos? Saboreamos? Sentimos
olhos? As imagens que vimos pareceriam sumir, como os dor? Mantemos o equilíbrio?
odores? Para descobrir, psicólogos conceberam engenhosos
instrumentos para manter uma imagem constante na super­
ANTES DE P R O S S E G U IR ...
fície interna do olho. Imagine que tenhamos equipado uma
voluntária, Mary, com um desses instrumentos - um proje­
tor em miniatura montado em uma lente de contato (FIGURA > P ergunte a Si M esmo
6 .3 a ). Quando os olhos de Mary se movem, o mesmo acon­ Que tipos de adaptação sensorial você experimentou nas
tece com a imagem no projetor. Então, para onde quer que últimas 24 horas?
Mary olhe, certamente lá estará a cena.
Se projetarmos o perfil de um rosto utlizando um instru­ > Teste a Si Mesmo 1
mento como esse, o que Mary verá? A princípio, o perfil com­ Qual é, grosso modo, a diferença entre sensação e percepção?
pleto. Mas, dentro de alguns segundos, à medida que seu sis­
tema sensorial começar a se cansar, as coisas se tornarão As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no
estranhas. Aos poucos, a imagem desaparecerá, reaparecendo Apêndice B, no final do livro.
depois e então desaparecendo outra vez - em fragmentos
reconhecíveis ou como um todo (FIGURA 6 .3 b ).
Embora a adaptação sensorial reduza nossa sensibilidade,
ela oferece uma importante vantagem: liberdade para focar Visão
mudanças informativas no ambiente sem sermos distraídos
pelo constante burburinho da estimulação de segundo plano, 4 : O que é a energia que vemos como luz?
que não traz informações. Nossos receptores sensoriais estão
alertas à novidade; deixe-os entediados com repetições e eles UMA DAS GRANDES MARAVILHAS DA NATUREZA NÃO é
liberarão nossa atenção para coisas mais importantes. Pes­ bizarra nem distante, mas um lugar-comum: como nosso
soas malcheirosas ou exageradamente perfumadas não notam corpo material constrói nossa experiência visual consciente?
o próprio odor porque, como você e eu, se adaptam ao que é Como transformamos partículas de energia luminosa em
constante e detectam mudanças. Isso reforça uma lição fun­ imagens coloridas?
damental: percebemos o mundo não exatamente como ele é, mas Parte desse talento é nossa capacidade de converter um
como é útil para nós percebê-lo. tipo de energia em outro. Nossos olhos, por exemplo, rece­
bem energia luminosa e a transduzem (transformam) em
mensagens neurais que o cérebro então processa, formando
aquilo que vemos conscientemente. Como algo tão óbvio e
ainda assim notável acontece?
"Minha suspeita é de que □ universo é não apenas mais
bizarro do que supomos, m as sim m ais bizarro do que transdução conversão de uma forma de energia em
podemos supor,” outra. No caso da sensação, a transformação de
energias de estímulo, tais como luzes, sons e odores, em
J. B. S. Haldane, P ossible Worlds, 1927
impulsos neurais que nosso cérebro pode interpretar.

Nossa sensibilidade à estimulação em constante mudança A Entrada do Estímulo: Energia Luminosa


ajuda a explicar o poder que a televisão tem de prender a
atenção. Cortes, edições, zooms, panorâmicas, ruídos inespe­ Cientificamente falando, o que atinge nossos olhos não é cor,
rados - tudo exige atenção, mesmo dos pesquisadores da TV: mas pulsos de energia eletromagnética que nosso sistema
durante conversas interessantes, ressalta Percy Tannenbaum visual percebe como cor. O que vemos como cor nada mais
(2 0 0 2 ), “não consigo por nada no mundo deixar de olhar é que uma fina fatia de todo o espectro de radiação eletro­
periodicamente para a tela”. magnética. Como ilustra a FIGURA 6 .4 , esse espectro eletro­
Limiares e adaptação sensoriais são apenas duas das carac­ magnético estende-se de ondas imperceptivelmente curtas de
terísticas que os sentidos compartilham. Todos eles recebem raios gama, passando pela estreita faixa que vemos como luz,
estimulação sensorial e a transformam em informação neu­ às longas ondas de transmissão de rádio e circuitos de cor­
ral, que é enviada ao cérebro. Como os sentidos funcionam? rente alternada (CA). Outros organismos são sensíveis a dife-

Q 0 N> t

>■ F IG U R A 6.3
A Z _ ___ / A Adaptação sensorial: agora você vê, agora
não vê! (a) Um projetor montado sobre uma lente
de contato faz a imagem projetada mover-se com o
olho. (b) Inicialmente, a pessoa vê a imagem
hB H B 3 4 estabilizada, mas logo vê fragmentos
desaparecendo e reaparecendo. (De: "Stabilized
BEER PEER PEEP BEE BE images on the retina", de R. M. Pritchard. Copyright
© 1961 Scientific American, Inc. Todos os direitos
(b) reservados.)
brinca
Piisma

>- FIG U R A 6 .4
O espectro de energia eletromagnética Este
espectro estende-se de raios gama, curtos como
o diâmetro de um átomo, a ondas de rádio de
Raios Raios X Raios Raios Radar Faixas de Circuitos mais de 1,5 quilômetro. A estreita faixa de
gama ultra- infraver- transmissão CA comprimentos de onda visível ao olho humano
violeta melhos (mostrada ampliada) estende-se das ondas mais
curtas, de luz azul-violeta, às mais longas, de luz
10"* IO"’ 10_1 101 103 105 107 10’ 1011 1013 101
vermelha. (A reprodução colorida desta figura
Comprimentos de onda em nanômetros (bilionésimos de metro) encontra-se no Encarte em Cores.)

rentes faixas do espectro. Abelhas, por exemplo, não podem Comprimentos de onda eletromagnéticos variam dos
ver o vermelho, mas sim a luz ultravioleta. pequenos pontos de raios cósmicos aos longos pulsos
de transmissão de rádio.
Duas características físicas da luz ajudam a determinar a
experiência sensorial que temos dela. Seu com prim ento de matiz a dimensão da cor que é determinada pelo
onda - a distância de um pico de onda para o seguinte comprimento de onda da luz; aquilo que conhecemos
(FIGURA 6 .5 a ) - determina o m atiz (a cor que experimen­ como os nomes de cores azul, verde e assim por diante.
tamos, como azul ou verde). A intensidade, a quantidade de
energia nas ondas luminosas (determinada pela amplitude, intensidade a quantidade de energia em uma onda
ou altura, de uma onda), influencia o brilho (FIGURA 6.5b ). luminosa ou sonora, que percebemos como brilho ou
volume, conforme determinado pela amplitude da onda.
Para entender como transformamos energia física em cor e
significado, é necessário primeiro entender a janela da visão, pupila a abertura ajustável no centro do olho através
o olho. da qual a luz entra.

íris um anel de tecido muscular que forma a porção


O Olho colorida do olho em volta da pupila e controla o
tamanho da abertura desta.

5 : Como o olho transforma energia luminosa em cristalino a estrutura transparente atrás da pupila que
mensagens neurais? muda de forma para ajudar a focalizar imagens na
retina.
A luz entra no olho através da córnea, que protege o olho e
retina a superfície interna do olho, sensível à luz, que
desvia a luz para prover foco (FIGURA 6 .6 ) . A luz então contém os bastonetes e cones, mais camadas de
passa pela pupila, uma pequena abertura ajustável rodeada neurônios que iniciam o processamento de informações
pela íris, um músculo colorido que ajusta a entrada de luz. visuais.
A íris dilata-se ou contrai-se em resposta à intensidade da luz
e mesmo a emoções. (Quando temos um sentimento amo­ acomodação o processo pelo qual o cristalino muda
roso, nossas pupilas dilatadas e nossos olhos escuros, indis­ de forma para focalizar objetos próximos ou distantes
cretos, subitamente sinalizam nosso interesse.) Cada íris é na retina.
tão distinta que um escaneamento dela pode confirmar a
Atrás da pupila encontra-se o cristalino, que focaliza os
identidade de uma pessoa.
raios luminosos que entram, formando uma imagem na
comprimento de onda a distância entre o pico de uma retin a, um tecido de múltiplas camadas sensível à luz, na
onda luminosa ou sonora e o pico da seguinte. superfície interna do globo ocular. O cristalino focaliza os
Comprimento de onda curto = frequência alta Grande amplitude
(cores azuladas) (cores brilhantes)
> F IG U R A 6 .5
As propriedades físicas das
ondas (a) As ondas variam em
comprimento (a distância entre picos
sucessivos). A frequência, o número de
x. J y y V / Vj
comprimentos de onda completos que
podem passar por um ponto em um
dado momento, depende do Comprimento de onda longo = frequência baixa Pequena amplitude
comprimento de onda. Quanto mais (cores avermelhadas) (cores opacas)
curto for o comprimento de onda, mais
alta a frequência, (b) As ondas também * ■*
variam em amplitude (a altura do pico à
parte mais inferior). A amplitude da
onda determina a intensidade das cores.
[ \/\-/
(A reprodução colorida desta figura
encontra-se no Encarte em Cores.) (a) (b)

raios alterando sua curvatura, em um processo denominado ponto cego o ponto em que o nervo óptico sai do
acom odação. olho, criando um ponto “cego” porque nenhuma célula
receptora está localizada ali.
Há séculos os cientistas sabem que, quando a imagem de
uma vela passa por uma pequena abertura, sua imagem espe­ fóvea o ponto focal central da retina, em torno do
lhada aparece invertida em uma parede escura localizada atrás. qual os cones do olho se aglomeram.
Se a retina recebe esse tipo de imagem de cabeça para baixo,
como na FIGURA 6 .6 , como podemos ver o mundo de cabeça
para cima? O sempre curioso Leonardo da Vinci teve uma A Retina
ideia: talvez os fluidos aquosos do olho desviassem os raios Se pudesse seguir o caminho de uma única partícula de ener­
luminosos, revertendo a imagem para a posição normal ao gia luminosa olho adentro, você passaria primeiro pela
alcançar a retina. Porém, em 1604, o astrônomo e especialista camada externa de células da retina até suas células recepto­
em óptica Johannes Kepler mostrou que a retina de fato recebe ras internas, os bastonetes e os cones (FIGURA 6 .7 ). Lá,
imagens invertidas do mundo (Crombie, 1964). E como pode­ veria a energia luminosa desencadear alterações químicas que
ríamos compreender um mundo assim? “Deixo a resposta”, disparariam sinais neurais, ativando as células bipolares pró­
disse o perplexo Kepler, “para os filósofos naturais.” ximas. Estas, por sua vez, ativariam as vizinhas células gan-
Por fim, a resposta tornou-se clara: a retina não “vê” uma glionares. Seguindo o caminho da partícula, você veria axô-
imagem completa. Em vez disso, seus milhões de células recep­ nios dessa rede de células ganglionares convergindo, como
toras convertem partículas de energia luminosa em impulsos os filamentos de uma corda, para formar o nervo óptico,
neurais e os passam adiante para o cérebro. Lá, os impulsos que transporta informações para o cérebro (onde serão rece­
são reunidos em uma imagem percebida de cabeça para bidas e distribuídas pelo tálamo). O nervo óptico pode enviar
cima. quase 1 milhão de mensagens de uma vez por meio de quase
1 milhão de fibras ganglionares. (O nervo auditivo, que pos­
bastonetes receptores da retina que detectam o preto, sibilita a audição, transporta muito menos informações por
o branco e o cinza; necessários às visões periférica e suas meras 30.000 fibras.) No local em que o nervo óptico
crepuscular, quando os cones não respondem. deixa o olho não há células receptoras (sensíveis à luz) -
criando um ponto cego (FIGURA 6 .8 ). Feche um olho e,
cones células receptoras da retina concentradas no entanto, você não verá um buraco negro na tela da TV.
próximo ao centro da retina e que funcionam à luz do
Sem pedir sua aprovação, o cérebro preenche o buraco.
dia ou em lugares bem-iluminados. Os cones detectam
detalhes finos e dão origem a sensações de cor. Bastonetes e cones diferem quanto à geografia e às tarefas
que lhes são designadas (TABELA 6 .1 ). Os cones aglome-
nervo óptico o nervo que transporta impulsos neurais ram-se dentro e em torno da fóvea, a área de foco central da
do olho para o cérebro. retina (veja a FIGURA 6 .6 ) . Muitos deles têm sua própria

Cristalino Retina
Pupila
\
Fóvea (ponto de foco central)
>► F IG U R A 6 .6
O olho Raios de luz refletidos pela vela passam
através da córnea, da pupila e do cristalino. A
curvatura e a espessura do cristalino mudam para
focalizar na retina tanto objetos próximos como
distantes. Raios do topo da vela atingem a porção Nervo óptico em
inferior da retina, e os do lado esquerdo atingem o Córnea direção ao córtex
lado direito desta. A imagem retiniana da vela é,
visual do cérebro
então, de cabeça para baixo e invertida.
1 . A luz que penetra no olho 2 . A reação química por sua
desencadeia uma reação vez ativa células bipolares.
fotoquímica nos bastonetes e
cones na parte posterior da retina.

Um

FtluU j M >

I Impulso
neural

Corte transversal Nervo óptico Em direção ao córtex


da retina cerebral visual via tálamo

3 . As células bipolares, assim, ativam as células ganglionares, cujos


axônios convergem para formar o nervo óptico. Esse nervo transmite > FIG U R A 6.7
informações para 0 córtex visual (via tálamo) no cérebro. A reação da retina à luz

linha direta para o cérebro - células bipolares que ajudam a tênue energia na direção de uma única célula bipolar. Assim,
transm itir a mensagem individual do cone para o córtex cones e bastonetes fornecem, cada um, uma sensibilidade espe­
visual, que reserva uma extensa área aos estímulos vindos da cial - aqueles a detalhes e cores, estes à luz fraca.
fóvea. Essas conexões diretas preservam a informação precisa Quando você entra em um teatro escuro ou apaga as luzes
dos cones, tornando-os mais aptos a detectar detalhes finos. à noite, suas pupilas dilatam-se para permitir que mais luz
Os bastonetes não dispõem dessa linha direta; eles compar­ alcance a retina. Em geral demora pelo menos 20 minutos
tilham células bipolares com outros bastonetes, enviando para que seus olhos se adaptem inteiramente. Pode-se demons­
mensagens combinadas. Para testar essa diferença na sensi­ trar a adaptação ao escuro fechando-se ou cobrindo-se um
bilidade a detalhes, escolha uma palavra nesta frase e olhe olho por até 20 minutos. Depois deixe a luz do quarto fraca
diretamente para ela, focalizando sua imagem nos cones de 0 suficiente para ler este livro com o olho aberto. Agora abra
sua fóvea. Notou que as palavras que estão alguns centíme­ 0 olho adaptado ao escuro e leia (com facilidade). Esse período
tros para 0 lado parecem borradas? Sua imagem atinge a região de adaptação é paralelo à transição natural média entre o pôr
mais periférica da retina, onde os bastonetes predominam. do sol e a escuridão.
Na próxima vez em que estiver dirigindo ou pedalando, note, Alguns animais noturnos, como sapos, camundongos,
também, que é possível detectar um carro em seu campo de ratos e morcegos, têm retinas feitas quase inteiramente de
visão periférico muito antes de perceber seus detalhes. bastonetes, o que lhes permite funcionar bem na penumbra.
Os cones também permitem perceber cores. Na penumbra É provável que essas criaturas tenham uma visão de cores
eles se tornam ineficazes, então você não as vê. Os bastonetes, muito pobre. Sabendo apenas 0 que já vimos sobre o olho,
que possibilitam a visão em preto e branco, permanecem sen­ você pode imaginar por que um gato enxerga tão melhor do
síveis na penumbra, e em grande quantidade irão canalizar sua que você à noite?1

TABELA 6.1

R eceptores no O lho H u m a n o : B astonetes e C ones

Cones Bastonetes |

Número 6 milhões 120 milhões ’ Há pelo menos duas razões:


(1 ) as pupilas de um gato
Localização na retina Centro Periferia podem se abrir muito mais do
que as suas, permitindo maior
entrada de luz; (2) um gato tem
Sensibilidade na penumbra Baixa Alta maior proporção de bastonetes
sensíveis à luz (Moser, 1987).
Sensibilidade à cor Alta Baixa Porém há uma permuta: com
m enos cones, um gato não
Sensibilidade a detalhes Alta Baixa enxerga nem detalhes nem
cores tão bem quanto você.
As células retinianas são tão responsivas que até mesmo a
pressão as dispara. Mas o cérebro interpreta esse disparo como
luz. Além disso, ele interpreta a luz como vinda da esquerda
- a direção normal da luz que ativa o lado direito da retina.
> FIGURA 6.8
O ponto cego Não há células receptoras no local em que o nervo
óptico sai do olho (veja a FIGURA 6.7). Isso cria um ponto cego em D etecção de Características
sua visão. Para demonstrá-lo, feche o olho esquerdo, olhe para o
ponto e mova a página a uma distância do rosto (cerca de 30 cm) em Os ganhadores do Prêmio Nobel David Hubel e Torsten Wie-
que o carro desapareça. O ponto cego normalmente não prejudica sel (1979) demonstraram que neurônios do córtex visual no
sua visão, pois seus olhos estão se movendo e um capta o que o lobo occipital recebem informações de células ganglionares
outro deixa passar.
individuais da retina. Essas células detectoras de caracte­
rísticas têm seu nome derivado da capacidade de responder
às características específicas de uma cena - bordas, linhas,
ângulos e movimentos particulares.
Processamento de Informações Visuais
detectores de características células nervosas no
6 : Como o cérebro processa informações visuais? cérebro que respondem a características específicas do
estímulo, como forma, ângulo ou movimento.
A informação visual infiltra-se em níveis progressivamente
mais abstratos. No nível de entrada, a retina processa a infor­ Os detectores de características do córtex visual passam
mação antes de encaminhá-la via tálamo ao córtex cerebral. essas informações para outras áreas corticais onde equipes de
As camadas neurais da retina - na verdade tecido cerebral que células (aglomerados de supercelulas) respondem a padrões mais
migra para o olho durante os primórdios do desenvolvimento complexos. Uma área do lobo temporal logo atrás do ouvido
fetal - não apenas passam adiante impulsos elétricos como direito, por exemplo, permite que você perceba faces. Se essa
também ajudam a decodificar e analisar a informação senso­ região sofrer algum dano, você poderá reconhecer outras for­
rial. A terceira camada neural do olho de uma rã, por exemplo, mas e outros objetos, mas, como Heather Sellers, você não
contém as células “detectoras de insetos” que disparam ape­ reconhecerá faces familiares. Imagens de RM funcional (RMf)
nas em resposta a estímulos móveis como uma mosca. mostram outras áreas cerebrais ativando-se quando a pessoa
Após ser processada pelos quase 130 milhões de bastone­ visualiza outras categorias de objetos (Downing et al., 2001).
tes e cones receptores de sua retina, a informação viaja para Danos a essas áreas bloqueiam outras percepções enquanto
os milhões de células ganglionares, através de seus axônios, preservam o reconhecimento de faces. Combinações incrivel­
que formam o nervo óptico, até o cérebro. Qualquer área mente específicas de atividade podem aparecer (FIGURA
retiniana transmite sua informação a um local correspon­ 6 . 10 ). “Podemos dizer se a pessoa está olhando para um sapato,
dente no córtex visual, no lobo occipital situado na parte uma cadeira ou um rosto com base no padrão de sua atividade
posterior do cérebro (FIGURA 6 .9 ). cerebral”, observa o pesquisador James Haxby (2001).
A mesma sensibilidade que habilita as células retinianas O psicólogo David Perrett e seus colegas (1988,1992,1994)
a disparar mensagens pode levá-las a falhar. Vire os olhos relataram que, para objetos e eventos biologicamente impor­
para a esquerda, feche-os e suavemente esfregue o lado direito tantes, o cérebro dos macacos (e certamente o nosso também)
da pálpebra direita com a ponta do dedo. Perceba a mancha dispõe de uma “vasta enciclopédia visual” distribuída na forma
luminosa à esquerda, movendo-se de acordo com o dedo. Por de células que se especializam em responder a um tipo de estí­
que você vê uma luz? Por que à esquerda? mulo - como um olhar, uma posição da cabeça, uma postura

Área visual
do tálamo

Retina

Córtex
visual

> FIGURA 6.9


Trajetória dos olhos ao córtex visual Os
axônios ganglionares que formam o nervo
óptico vão em direção ao tálamo, onde fazem
sinapse com neurônios que vão para o córtex
visual.
mente as áreas de processamento de faces do cérebro com pul­
sos magnéticos, as pessoas se tornariam incapazes de reconhe­
cer faces. Seriam, porém, capazes de reconhecer casas; o processo
de percepção de faces no cérebro difere do de percepção de obje­
tos (McKone et al., 2007; Pitcher et al., 2007).
Destruir ou debilitar a estação de trabalho neural de outras
subtarefas visuais produz resultados diferentes e peculiares,
como aconteceu com a “sra. M.” (Hoffman, 1998). Desde que
um acidente vascular cerebral danificou áreas próximas à parte
posterior de ambos os lados de seu cérebro, ela não é mais
capaz de perceber movimentos. Pessoas em uma sala parecem
Faces H Cadeiras
estar “subitamente aqui ou ali, mas eu não as vi se movendo”.
Pôr chá em uma xícara é um desafio, porque o líquido parece
I Casas Casas e cadeiras congelado - ela não consegue percebê-lo subindo na xícara.
Outras pessoas que sofreram lesões no córtex cerebral visual
>• FIG UR A 6.10 após um AVC ou uma cirurgia experimentaram visão cega, uma
O cérebro avisador Olhar para faces, casas e cadeiras ativa áreas área localizada de cegueira em uma parte do campo de visão
diferentes neste cérebro cujo lado direito estamos vendo. (A (Weiskrantz, 1986; ver também Capítulo 2). Ao ser-lhes mos­
reprodução colorida desta figura encontra-se no Encarte em Cores.)
trada uma série de varetas no campo cego, elas relatam não
ver nada. No entanto, solicitadas a adivinhar se as varetas esta­
vam na vertical ou na horizontal, sua intuição visual geral­
ou um movimento corporal específicos. Outros aglomerados mente oferece a resposta correta. Quando lhes dizem: “Você
de supercélulas integram essa informação e disparam apenas acertou todas”, elas ficam impressionadas. Existe, ao que
quando as pistas indicam coletivamente a direção da atenção parece, uma segunda “mente” - um sistema de processamento
e da aproximação de alguém. Essa análise instantânea, que paralelo - operando às escondidas. (Lembre-se da discussão
favoreceu a sobrevivência de nossos ancestrais, também ajuda do Capítulo 3 acerca de como os sistemas visuais separados
um goleiro a prever a direção de um chute iminente e um para a percepção e a ação ilustram o processamento dual [dual
motorista a antever o próximo movimento de um pedestre. processing] - a mente de duas vias [two-track mind].)
Não apenas pessoas com lesões cerebrais têm dois siste­
mas de inform ação visual, como demonstraram Jennifer
Processam ento Paralelo Boyer e seus colegas (2005) em estudos com indivíduos sem
Ao contrário da maioria dos computadores, que realizam um tais lesões. Usando pulsos magnéticos para desligar a área
processamento serial, passo a passo, nosso cérebro encarrega-se cerebral do córtex visual primário, os pesquisadores mostra­
de um processamento paralelo: faz várias coisas ao mesmo ram a essas pessoas temporariamente incapacitadas uma
tempo. Ele divide uma cena visual em subdimensões, como cor, linha horizontal ou vertical, ou um ponto vermelho ou verde.
movimento, forma e profundidade (FIGURA 6 .1 1 ) e trabalha Embora relatassem não ver nada, os participantes acertaram
em cada aspecto simultaneamente (Livingstone e Hubel, 1988). em 75% das vezes ao adivinharem a orientação da linha e em
Então construímos nossas percepções integrando o trabalho 81% para a cor do ponto.
separado, mas paralelo, dessas diferentes equipes visuais. Uma compreensão científica do processamento de infor­
mações visuais deixa muitos neuropsicólogos boquiabertos.
processamento paralelo o processamento simultâneo Como observou Roger Sperry (1985), as “reflexões da ciência
de vários aspectos de um problema; o modo natural de aumentam, e não diminuem as razões para admiração, res­
processamento de informações do cérebro para muitas
peito e reverência”. Pense nisto: quando você olha para
funções, incluindo a visão. Contrasta com o
processamento passo a passo (serial) da maioria dos alguém, a informação visual é transduzida e enviada ao seu
computadores e da resolução consciente de problemas. cérebro na forma de milhões de impulsos neurais, sendo então
construída em seus aspectos componentes e, enfim, de algum
Para reconhecer uma face, por exemplo, o cérebro integra modo que permanece um mistério, composta em uma ima­
informações que a retina projeta em diversas áreas do córtex gem significativa, que você compara com outras já armaze­
visual, compara-a com informações armazenadas e habilita a nadas e reconhece - “Aquela é Sara!” Igualmente, enquanto
pessoa a reconhecer a imagem como, digamos, sua avó. Todo o você lê esta página, as letras impressas são transmitidas por
processo de reconhecimento de faces requer um tremendo poder raios de luz refletidos para sua retina, a qual desencadeia um
cerebral - 30% do córtex (10 vezes a área do cérebro dedicada processo que envia impulsos nervosos sem forma para diver­
à audição). Se os pesquisadores interromperem temporaria­ sas áreas do seu cérebro, que integra a informação e decodi-

Movimento Forma Profundidade


> FIG U R A 6.11
Processamento paralelo Estudos de
pacientes com lesões cerebrais sugerem que o
cérebro delega o trabalho de processar a cor, o
movimento, a forma e a profundidade a áreas
diferentes. Após desmembrar uma cena, como
o cérebro integra essas subdimensões
formando a imagem percebida? A resposta a
esta pergunta é o Santo Graal das pesquisas
sobre a visão. (A reprodução colorida desta
figura encontra-se no Encarte em Cores.)
Processamento paralelo: Detecção de características:
Equipes de células cerebrais As células detectoras do
processam informações cérebro respondem a
combinadas sobre cor, características específicas -
movimento, forma e contornos, linhas e ângulos
profundidade

Reconnecimento: Processamento retiniano:


O cérebro interpreta a imagem Bastonetes e cones
construída com base em receptores-» células
informações de imagens bipolares-* células
armazenadas ganglionares

Cena

> FIG U RA 6.12


Um resumo simplificado do processamento de informações visuais

fica o significado, completando assim a transferência de infor­


mação através do tempo e do espaço da minha mente para a
sua. Todo o processo (FIGURA 6 .1 2 ) é mais complexo do que “Apenas a m ente possui visãD e audição: tudo o m ais é
desmontar um carro, peça por peça, transportando-o para um surdo e cego."
local diferente, e depois fazer com que trabalhadores Epicarmo. Fragmentos, 550 a.C.
especializados o reconstruam. Isso tudo acontecer de maneira
instantânea, contínua e sem esforço é de fato assombroso.

No estudo da visão, um dos mistérios mais fundamentais


Visão de Cores e intrigantes é como vemos o mundo em cores. Como, a par­
tir da energia luminosa que atinge a retina, o cérebro fabrica
7 : Que teorias nos ajudam a entender a visão de nossa experiência de cor - e de tamanha profusão de cores?
cores? Nosso limiar diferencial de cores é tão baixo que podemos
discriminar aproximadamente 7 milhões de diferentes varia­
Falamos como se os objetos possuíssem cor: "Um tomate é ções de cores (Geldard, 1972).
vermelho.” Talvez você já tenha refletido sobre a velha ques­ Pelo menos a maioria de nós pode. Para cerca de 1 em cada
tão: “Se uma árvore desabar na floresta e ninguém ouvir, ela 50 pessoas, a visão é deficiente de cores - e essa pessoa em geral
emite algum som?” Podemos perguntar o mesmo a respeito é homem, pois o defeito é geneticamente ligado ao sexo. Para
da cor: se ninguém vê o tomate, ele é vermelho? compreendermos o porquê dessa deficiência, será útil entender­
mos primeiro como funciona a visão de cores normal.

te o ria tric ro m á tic a (d e trê s cores) de Y ou ng -H elm ho ltz


te o ria se g u n d o a qual a re tin a c o n té m trê s d ife re n te s
re ce p to re s para cores - um mais sensível ao verm e lho ,
“De um modo tão adm irável e m aravilhoso fui um ao verd e e um ao azul - que, q u a n d o estim u la d o s
formada (...)” c o m b in a d a m e n te , p o d e m p ro d u z ir a p e rcep ção de
Rei Davi, Salmo 139:14 q u a lq u e r cor.

te o ria d o pro cesso o p o n e n te te o ria seg un do a qual


A resposta é não. Em primeiro lugar, o tomate é tudo menos processos re tin ia n o s o p o s to s (ve rm e lh o -ve rd e , am arelo-
azul, b ra n c o -p re to ) p o s s ib ilita m a visão de cores. Por
vermelho, porque rejeita (reflete) os longos comprimentos de exem plo, algum as células são estim u la das pe lo ve rd e e
onda dessa cor. Em segundo, a cor do tomate é construção in ib id a s p e lo ve rm e lh o ; ou tra s são estim u la das pe lo
mental nossa. Como observou Isaac Newton (1 7 0 4 ), “os ve rm e lh o e in ib id a s p e lo verde.
raios [de luz] não são coloridos”. A cor, como todos os aspec­
tos da visão, reside não no objeto, mas no teatro de nossos O trabalho moderno de investigação do mistério da visãc
cérebros, como evidenciam nossos sonhos em cores. de cores iniciou-se no século XIX, quando Hermann voe
exemplo, vemos amarelo ao misturarmos luzes vermelha e
verde. Mas como aqueles que são cegos a essas duas cores
muitas vezes ainda podem ver o amarelo? E por que o ama­
relo parece uma cor pura e não uma mistura do vermelho e
do verde, como o roxo é do vermelho e do azul?
Hering, um fisiologista, encontrou uma pista na conhe­
cida ocorrência de pós-imagens. Quando você olha para um
quadrado verde por alguns instantes e depois para uma folha
de papel branca, vê o vermelho, a cor oponente do verde. Olhe
para um quadrado amarelo e em seguida verá sua cor opo­
nente, o azul, no papel branco (como demonstrado pela ban­
deira na FIGURA 6 .1 4 ). Hering presumiu que deve haver
dois processos cromáticos adicionais, um responsável por
perceber a oposição entre vermelho e verde e outro pela opo­
sição entre azul e amarelo.
Um século mais tarde, pesquisadores confirmaram a teo ­
ria do processo oponente de Hering. Conforme a informa­
ção visual deixa as células receptoras, nós a analisamos em
> FIG UR A 6.13 termos de três conjuntos de cores oponentes: vermelho-verde,
Visão de cores deficiente Pessoas que sofrem de deficiência de am arelo-azul e branco-preto. Na retina e no tálamo (onde
vermelho-verde têm dificuldade de perceber o número dentro do impulsos da retina são transmitidos para o córtex visual),
desenho. (A reprodução colorida desta figura encontra-se no Encarte alguns neurônios são “ligados” pelo vermelho, mas “desliga­
em Cores.)
dos” pelo verde. Outros são ligados pelo verde, mas desliga­
dos pelo vermelho (DeValois e DeValois, 1975).
Os processos oponentes explicam as pós-imagens, como
Helmholtz ampliou as reflexões de um físico inglês, Thomas na demonstração da bandeira, na qual exaurimos a resposta
Young. Sabendo que qualquer cor pode ser criada com bi­ ao verde olhando para ele. Quando em seguida olhamos para
nando-se as ondas de luz de três cores primárias - vermelho, o branco (que contém todas as cores, incluindo o vermelho),
verde e azul -, Young e von Helmholtz inferiram que o olho apenas a parte vermelha do par verde-vermelho dispara nor­
deve ter três tipos correspondentes de receptores de cores. malmente.
Anos depois, pesquisadores mediram a resposta de vários A solução presente para o mistério da visão de cores é,
cones a diferentes estímulos de cores e confirmaram a teo ­ portanto, basicamente esta: o processamento de cores ocorre
ria tricrom ática (de três cores) de Young-Helmholtz, a em dois estágios. Os cones retinianos sensíveis ao vermelho,
qual implica que os cones fazem sua mágica em equipes de ao verde e ao azul respondem em graus variados a diferentes
três. De fato, a retina possui três tipos de receptores para cor, estímulos cromáticos, como sugerido pela teoria tricromática
cada um especialmente sensível a uma de três cores. E elas de Young-Helmholtz. Seus sinais são então processados pelas
são, de fato, vermelho, verde e azul. Ao estimularmos com­ células nervosas do processo oponente, a caminho do córtex
binações desses cones, vemos outras cores. Por exemplo, não visual.
existem receptores sensíveis ao amarelo. No entanto, quando
os cones sensíveis ao vermelho e os sensíveis ao verde são
estimulados, vemos o amarelo.
A maioria das pessoas que têm visão de cores deficiente ANTES DE PROSSEGUIR...
não é na verdade “cega às cores”. Elas apenas carecem de
cones sensíveis ao vermelho ou ao verde, às vezes ambos, que > Pergunte a Si Mesmo
sejam funcionais. Sua visão - talvez sem que elas o saibam, Se você fosse forçado a abrir mão de um sentido, qual seria?
posto que ao longo da vida ela parece normal - é monocro­ Por quê?
mática (de uma cor) ou dicromática (de duas cores) em vez
de tricromática, tornando impossível distinguir o vermelho >- Teste a Si Mesmo 2
e o verde na FIGURA 6 .1 3 (Boynton, 1979). Cães também
carecem de receptores para comprimentos de onda do ver­ Qual é a rápida seqüência de eventos que ocorre quando
melho, o que lhes dá apenas uma visão de cores limitada, você vê e reconhece alguém?
dicromática (Neitz et al., 1989).
As respostas às Questões "Teste a Si Mesmo” podem ser encontradas no
Porém, a teoria tricromática não é capaz de resolver todas
Apêndice B. no final do livro.
as partes do mistério, como logo observou Ewald Hering. Por

> FIG U R A 6.14


Efeito de pós-imagem Olhe para o centro da
bandeira durante um minuto e depois desvie os
olhos para o ponto no espaço branco ao lado. O
que você vê? (Após exaurir a resposta neural ao
preto, ao verde e ao amarelo, você deve ver as
cores oponentes.) Olhe para uma parede branca e
observe como a bandeira cresce com a distância
de projeção! (A reprodução colorida desta figura
encontra-se no Encarte em Cores.)
Audição i
terrâneo que passa é 10 bilhões de vezes mais intenso que o
mais fraco dos sons detectáveis.
PARA OS HUMANOS, A VISÃO É O SENTIDO PRINCIPAL.
O cérebro dedica uma parte maior do córtex a ela do que a
qualquer outro sentido. Ainda assim, sem a audição, o tato,
O Ouvido
a posição e o movimento do corpo, o paladar e o olfato, nossa
capacidade de experimentar o mundo seria enormemente 9 : Como o ouvido transforma a energia sonora
diminuída. em mensagens neurais?
Como nossos outros sentidos, a audição é altamente adap­
tativa. Ouvimos uma grande variedade de sons, mas ouvimos Para ouvir, devemos de alguma forma converter ondas sono­
melhor aqueles cuja frequência tem extensão correspondente ras em atividade neural. O ouvido humano cumpre essa tarefa
à da voz humana. Também temos uma aguda sensibilidade a por intermédio de uma intrincada reação mecânica em cadeia
sons fracos, uma óbvia vantagem para a sobrevivência de (FIGURA 6 .1 5 ). Primeiro, o ouvido externo envia as ondas
nossos ancestrais quando caçavam ou eram caçados, ou para sonoras através do canal auditivo para o tímpano, uma estreita
detectar uma criança choramingando. (Se os ouvidos fossem membrana que vibra com elas. O ouvido m édio então trans­
muito mais sensíveis, ouviríamos o sibilar constante do movi­ mite as vibrações do tímpano por um êmbolo feito de três
mento das moléculas de ar.) minúsculos ossos (o martelo, a bigorna e o estribo) para a
Somos também notavelmente sintonizados com variações cóclea, um tubo em formato de caracol no ouvido in tern o.
sonoras. Detectamos com facilidade diferenças entre milha­ As vibrações que entram fazem a membrana da cóclea (a
res de vozes humanas: ao atendermos ao telefone, reconhe­ janela oval) vibrar, impulsionando o líquido que preenche o
cemos um amigo ligando desde o momento em que ele diz tubo. Esse movimento provoca ondulações na membrana basi­
“oi”. Uma fração de segundo após tais eventos estimularem lar, curvando as células ciliadas que revestem sua superfície,
receptores no ouvido, milhões de neurônios terão se coorde­ de modo não muito diferente do vento que faz curvar um
nado de modo simultâneo para extrair as características essen­ trigal. O movimento das células ciliadas desencadeia impul­
ciais, comparando-as a experiências passadas e identificando sos nas células nervosas adjacentes, cujos axônios convergem
o estímulo (Freeman, 1991). Para a audição, assim como para formar o nervo auditivo, que envia mensagens neurais
para a visão, vamos considerar a questão fundamental: como (por meio do tálamo) ao córtex auditivo, no lobo temporal.
o fazemos? Da vibração do ar, para o movimento do êmbolo, para as
ondas fluidas para os impulsos elétricos, até o cérebro: voiíà!
a u d iç ã o o se n tid o ou o a to de ouvir. Estamos ouvindo.

fre q u ê n c ia o nú m ero de c o m p rim e n to s de onda


A Entrada do Estímulo: Ondas Sonoras co m p le to s que passam p o r um p o n to em um d a d o
p e río d o (p o r exem plo, segundos).

8: Quais são as características das ondas de a ltu ra o vo lu m e p e rc e b id o de um to m ; d e p e n d e da


pressão do ar que ouvimos como som? frequ ên cia.

Passe um arco por um violino e a energia de estímulo resul­ o u v id o m é d io a câm ara lo ca liza d a e n tre o tím p a n o e a
cóclea, co n te n d o trê s m in úscu los ossos (m a rte lo ,
tante são ondas sonoras - moléculas de ar que se empurram, b ig o rn a e e s trib o ) que co n ce n tra m as v ib ra çõ e s do
umas se chocando contra as seguintes, como um empurrão tím p a n o na jane la oval da cóclea.
transmitido através do túnel de saída lotado de uma sala de
concertos. As conseqüentes ondas de ar comprimido e expan­ có cle a um tu b o ósseo e sp ira lad o e p re e n c h id o p o r
dido são como a água de uma lagoa reverberando em círculos líq u id o , lo c a liz a d o no o u v id o in te rn o , através do qual
ondas sonoras desencadeiam im p ulso s sonoros.
no ponto em que uma pedra foi atirada. Enquanto nadamos
em nosso oceano de moléculas de ar que se movimentam, o u v id o in te rn o a p a rte mais in te rn a d o o u vid o ,
nossos ouvidos detectam essas breves mudanças de pressão c o n te n d o a cóclea, os canais sem icirculare s e os sacos
do ar. Expostos a um som bastante grave e alto - talvez de vestib ulares.
um contrabaixo ou de um violoncelo -, também podemos
sentir a vibração, e ouvimos por condução tanto aérea como Meu voto para a parte mais intrigante do processamento
óssea. auditivo vai para as células ciliadas. Um relatório do Howard
Os ouvidos então transformam o ar vibrante em impulsos Hughes Medicai Institute (2008) sobre esses “trêmulos fei­
nervosos, que o cérebro decodifica como sons. A força, ou xes que nos permitem ouvir” admira-se de suas “extremas
amplitude, das ondas sonoras (lembre-se da FIGURA 6 .5 , sensibilidade e velocidade”. Uma cóclea possui 16.000 dessas
que ilustrou a amplitude em relação à visão) determina seu células, o que parece muito até compararmos esse número
volume. As ondas também variam em comprimento e, por­ com os cerca de 130 milhões de fotorreceptores do olho. No
tanto, em frequ ência. Esta determina a altu ra que experi­ entanto, leve em consideração sua capacidade de resposta.
mentamos: ondas longas têm frequência baixa - e altura Curve os minúsculos feixes de cílios na extremidade de uma
também baixa. Ondas curtas têm frequência alta - e altura célula ciliada da largura de um átomo - o equivalente a des­
também alta. Um violino produz ondas muito mais curtas e locar o topo da Torre Eiffel meia polegada - e a célula ciliada.
rápidas que um violoncelo. ativada, dispara uma resposta neural, graças a uma proteína
Medimos sons em decibéis. O limiar absoluto da audição especial em sua membrana (Corey et al., 2004).
é definido arbitrariamente como zero decibel. Cada 10 deci­ Lesões nas células ciliadas são a maior causa de perda audi­
béis correspondem a um aumento de 10 vezes na intensidade tiva. Elas já foram comparadas a fibras de um tapete felpudo.
do som. Assim, uma conversa normal (60 decibéis) é 10.000 Se caminharmos sobre esse tapete e, em seguida, passarmos
vezes mais intensa que um sussurro de 20 decibéis. E o som nele o aspirador de pó suas fibras voltarão rapidamente a
temporariamente tolerável de 100 decibéis de um trem sub­ posição inicial. Porém, se deixarmos um móvel pesado sobre
OUVIDO
(a) OUVIDO EXTERNO OUVIDO MEDIO INTERNO

Canais semicirculares
Ovío s do
ouvido Osso
médio i
Nervo auditivo
Ondas
sonoras Cóclea

Canal Janela oval


auditivo (onde está anexado o estribo)

Cóclea,
parcialmente Córtex auditivo
Martelo Bigorna
desenrolada do lobo temporal

Aumento dos ouvidos médio Nervo auditivo


e interno, mostrando a cóclea
Ondas Fibras nervosas em
parcialmente desenrolada
para maior clareza direção ao nervo auditivo
Células ciliadas salientes

Tímpano r . .. Movimento do líquido na cóclea


Estribo ,anela oval

> FIG U R A 6.15


Escute aqui: como transformamos ondas sonoras em impulsos nervosos que nosso cérebro interpreta (a) O ouvido externo
canaliza as ondas sonoras para o tímpano. Os ossos do ouvido médio amplificam e transmitem as vibrações do tímpano através da janela oval
para a cóclea, preenchida de líquido, (b) Como mostrado neste detalhe dos ouvidos médio e interno, as mudanças de pressão resultantes no
líquido codear provocam ondulações na membrana basilar, fazendo as células ciliadas se curvarem. Os movimentos das células ciliadas
desencadeiam impulsos na base das células nervosas, cujas fibras convergem para formar o nervo auditivo, que envia mensagens neurais para o
tálamo e em seguida para o córtex auditivo.

ele, isso nunca acontecerá. Como regra geral, se não puder­ excede 100 decibéis, como acontece em animadas arenas
mos falar mais alto que um determinado ruído, ele é poten­ esportivas, bandas de gaitas de foles e iPods tocando quase
cialmente prejudicial, especialmente se prolongado e repetido no último volume (FIGURA 6 .1 6 ). O zumbido nos ouvidos
(Roesser, 1998). Tais experiências são comuns quando o som após a exposição ao ruído alto de máquinas ou de música
indica que tratamos mal nossas desafortunadas células cilia­
das. Como a dor nos alerta para possíveis ameaças físicas,
esse zumbido nos alerta para possíveis danos auditivos. É o
equivalente auditivo do sangramento.
Garotos adolescentes, mais do que as garotas ou os adul­
tos, estouram os ouvidos com volumes altos durante longos
períodos (Zogby, 2006). A maior exposição dos homens ao
barulho pode ajudar a explicar por que sua audição tende a
ser menos aguçada do que a das mulheres. Porém, homem
ou mulher, quem passa várias horas em uma casa noturna
barulhenta, atrás de um cortador de grama elétrico ou sobre
uma britadeira deveria usar protetores auriculares. “Preser­
vativo ou, ainda mais seguro, abstinência”, recomendam os
educadores sexuais. “Protetores auriculares ou vá embora”,
dizem os educadores auditivos.

Percebendo o Volum e
Então, como detectamos o volume? Não é, como eu teria
Seja gentil com as células ciliadas de seu ouvido interno Ao
imaginado, pela intensidade da resposta de uma célula ciliada.
vibrar em resposta ao som, as células ciliadas, aqui mostradas Em vez disso, um tom suave e puro ativa apenas as poucas
alinhadas na cóclea, produzem um sinal elétrico. células ciliadas sintonizadas com sua frequência. Para sons
humanos para observar seu interior com um microscópio,
Decibéis descobriu que elas vibravam, semelhantemente a um lençol
140 Banda de rock Exposição
prolongada
quando sacudido, em resposta ao som. Frequências altas pro­
(amplificada) de perto
130 a cim a de duziam intensas vibrações perto do início da membrana da
85 decibéis cóclea; frequências baixas, perto do fim.
120 Trovoada alta produz Há, porém, uma falha na teoria da codificação de lugar.
perda
110 Jato a cerca de 150 metros aLÍ(jitiva Ela pode explicar como ouvimos sons agudos, mas não como
ouvimos os graves, pois os sinais neurais gerados por estes
100 Trem do metrô a 6 metros
não têm uma localização tão precisa na membrana basilar.
90 A teo ria da frequência sugere uma explicação alternativa:
0 cérebro identifica a altura ao monitorar a frequência dos
80 Esquina movimentada
impulsos neurais que atravessam 0 nervo auditivo. Toda a
70 membrana basilar vibra com a onda sonora que entra, desen­
cadeando impulsos neurais para o cérebro no mesmo ritmo
60 Conversa normal
da onda sonora. Se esta tiver uma frequência de 100 ondas
50 por segundo, então 100 pulsos por segundo viajarão pelo
nervo auditivo.
40

30 teoria da codificação de lugar na audição, a teoria que


liga a altura que ouvimos ao local onde a membrana da
20 Sussurro cóclea é estimulada.

10 teoria da frequência na audição, a teoria segundo a


qual a taxa de disparos dos impulsos nervosos que
0 Limiar da audição
viajam pelo nervo auditivo eqüivale à frequência de um
tom, permitindo assim a detecção de sua altura.
> F IG U R A 6.16
A intensidade de alguns sons comuns A curta distância, a A teoria da frequência pode explicar como percebemos
trovoada que sucede o relâmpago tem 120 decibéis de intensidade. sons graves, mas também é problemática: um neurônio indi­
vidual não pode disparar mais do que 1.000 vezes por segundo.
Como, então, podemos assimilar sons com frequências acima
de 1.000 ondas por segundo (aproximadamente a terça maior
mais altos, suas vizinhas também respondem. Assim, 0 cére­ do teclado de um piano)? Entra o princípio de Volley: como
bro pode interpretar o volume a partir do número de células soldados que se alternam nos disparos para que uns possam
ciliadas ativadas. atirar enquanto outros recarregam, células neurais podem
Se uma célula ciliada perder a sensibilidade a sons suaves, alternar seus disparos. Ao disparar em rápida sucessão, elas
ainda poderá responder a sons altos. Isso ajuda a explicar podem alcançar uma frequência combinada superior a 1.000
outra surpresa: sons realmente altos podem parecer altos ondas por segundo.
tanto para pessoas com perda auditiva como para as que têm Assim, a teoria da codificação de lugar explica melhor
audição normal. Como integrante do primeiro grupo, eu cos­ como percebemos tons agudos, e a teoria da frequência
tumava me perguntar, quando exposto a música muito alta, explica melhor como percebemos tons graves, e uma com­
como ela deveria soar para quem tinha audição normal. Agora binação de lugar e frequência parece dar conta de tons inter­
percebo que pode ser muito semelhante; a diferença está nos mediários.
sons suaves. É por isso que nós, que ouvimos com dificuldade,
não desejamos todo som (alto ou baixo) amplificado. Gosta­
mos de som comprimido - 0 que significa que sons mais difí­ Localizando Sons
ceis de ouvir devem ser mais amplificados que os altos (uma
característica dos atuais aparelhos auditivos digitais). 11: Como localizamos sons?

Por que não temos apenas uma grande orelha - quem sabe
Percebendo a Altura em cima de nosso único nariz? Para ouvi-la melhor, como
disse o lobo à Chapeuzinho Vermelho. Assim como a locali­
10: Que teorias nos ajudam a compreender a zação dos olhos nos ajuda a perceber a profundidade visual,
percepção da altura do tom? a de nossos dois ouvidos permite-nos desfrutar a audição
estereofônica ( “tridimensional”).
Como sabemos se um som é o gorjeio agudo e de alta fre­ Dois ouvidos são melhor que um por pelo menos duas
quência de um pássaro ou 0 ronco grave de baixa frequência razões: se 0 carro à direita buzinar, seu ouvido direito recebe
de um caminhão? O pensamento atual acerca da discrimi­ um som mais intenso, e 0 recebe um pouco antes que 0
nação da altura, como o da discriminação da cor, combina esquerdo (FIGURA 6 .1 7 ). Visto que o som viaja a mais de
duas teorias. 1.200 quilômetros por hora e nossos ouvidos estão a meros
A te o ria da cod ificação de lu gar de Hermann von 15 centímetros de distância um do outro, a diferença de inten­
Helmholtz supõe que ouvimos alturas diferentes porque ondas sidade e o atraso de tempo são extremamente pequenos. No
sonoras diferentes desencadeiam atividade em locais diferen­ entanto, nosso supersensível sistema auditivo pode detectar
tes ao longo da membrana basilar da cóclea. Assim, o cérebro essas diminutas diferenças (Brown e Deffenbacher, 1979;
determina a altura de um som ao reconhecer o local especí­ Middlebrooks e Green, 1991). Uma diferença apenas percep­
fico (na membrana) que está gerando 0 sinal neural. Quando tível na direção de duas fontes de som corresponde a uma
0 futuro ganhador do Prêmio Nobel Georg von Békésy (1957) diferença de tempo de apenas 0,000027 segundo! Para simu­
fez furos nas cócleas de porquinhos-da-índia e de cadáveres lar 0 que os ouvidos experimentam com o som vindo de dife-
Danos aos receptores das células ciliadas da cóclea ou a
seus nervos associados podem causar a perda auditiva neu-
rossensorial (ou surdez nervosa), mais comum. Esta é oca­
sionalmente provocada por doenças, porém com mais fre­
quência a culpa é das mudanças biológicas ligadas à heredi­
tariedade, ao envelhecimento e à exposição prolongada a
barulhos ou música ensurdecedores. (Veja Em Foco: Vivendo
em um Mundo Silencioso.)
Por ora, a única maneira de restaurar a audição para quem
tem surdez nervosa é uma espécie de ouvido biônico - um
im plante coclear. Esse aparelho eletrônico traduz sons em
sinais elétricos que, ligados aos nervos da cóclea, transmitem
informações sobre o som para o cérebro. O implante ajuda
crianças a se tornar proficientes em comunicação oral (espe­
cialmente se o receberem na pré-escola ou mesmo antes de
> FIG U R A 6.17 1 ano de idade) (Dettman et al., 2007; Schorr et al., 2005).
Como localizamos sons Ondas sonoras atingem um ouvido antes Os implantes cocleares mais recentes também ajudam a res­
e com maior intensidade que o outro. A partir dessa informação,
taurar a audição na maior parte dos adultos (embora não
nosso ágil cérebro calcula a localização do som. Como é de se
esperar, pessoas que perdem totalmente a audição de um ouvido naqueles cujo cérebro nunca aprendeu a processar sons
muitas vezes têm dificuldade de localizar sons. durante a infância). Até 2003, cerca de 60.000 pessoas em
todo o mundo tinham implantes cocleares, e outros milhões
eram potenciais candidatos (Gates e Miyamoto, 2003).

rentes locais, um software de áudio pode emitir som de dois Também estão a caminho experimentos para
alto-falantes com retardo e intensidade variados. O resultado: restaurar a visão - com uma retina biônica (um
podemos perceber uma abelha zumbindo alto em um ouvido, microchip de 2 milímetros de diâm etro com
fotorreceptores que estimulam células retinianas
depois voando pela sala e voltando a zumbir próximo ao outro
danificadas) e com uma câmera de vídeo e um
ouvido (Harvey, 2002). com putador que estimulam o córtex visual. Em
Então, como você supõe que nos saímos ao tentar locali­ testes, ambos os dispositivos proporcionaram visão
zar um som equidistante dos dois ouvidos, como aqueles que parcial a pessoas cegas (Boahen, 2 0 0 5 ; Steenhuysen,
vêm diretamente da frente, de trás, de cima ou de baixo de 2002 ).
nós? Não muito bem. Por quê? Porque ele atinge os dois ouvi­
dos ao mesmo tempo. Sente-se com os olhos fechados O uso de implantes cocleares é objeto de intenso debate.
enquanto um amigo estala os dedos em torno de sua cabeça. De um lado estão os pais ouvintes de mais de 90% das crian­
Você apontará com facilidade o som quando ele vier de um ças surdas. A maioria deles quer que seus filhos experimentem
dos lados, mas é provável que erre algumas vezes quando vier o seu mundo do som e da fala. Se o implante é eficaz, eles não
diretamente da frente, de trás, de cima ou de baixo. É por isso podem retardar a decisão até que a criança atinja a maioridade
que, quando tenta localizar com exatidão um som, você ergue para consentir. Do outro lado estão os defensores da cultura
a cabeça, para que os dois ouvidos recebam mensagens ligei­ Surda, que se opõem ao uso de implantes em crianças com
ramente diferentes. surdez pré-lingual - que já eram surdas antes de desenvolver
a linguagem. A Associação Nacional dos Surdos (EUA), por
exemplo, argumenta que a surdez não é uma deficiência, pois
Perda Auditiva e Cultura Surda quem tem a linguagem de sinais como sua forma de comuni­
cação original não é linguisticamente deficiente. Em seu livro
Sign Language Structure (Estrutura da Língua de Sinais), de
12: Quais são as causas comuns de perda
1960, William Stokoe, linguista da Universidade Gallaudet,
auditiva, e por que os implantes cocleares são demonstrou o que sequer essas pessoas haviam compreendido
cercados de controvérsia?

A complexa e delicada estrutura do ouvido torna-o vulnerá­


vel a danos. Problemas com o sistema mecânico que conduz
ondas sonoras até a cóclea causam perda auditiva condu-
tiva. Se o tímpano for perfurado ou se os pequenos ossos do
ouvido médio perderem a capacidade de vibrar, a capacidade
do ouvido de conduzir vibrações diminui.

“Pondo a mão sobre os lábios e a garganta de uma pessoa,


tenho uma ideia de m uitas vibrações específicas e as
interpreto: a risada de um menino, a exclam ação de
surpresa de um homem, o murmúrio de aborrecim ento ou
perplexidade, o gemido de dor, um grito, um sussurro, um
ruído áspero, um soluço, um engasgo, uma arfada de ar.”
Equipamento para a audição Uma imagem de raio X mostra o
Helen Keller, 190B conjunto de fios de um implante coclear que leva a 12 pontos de
estimulação no nervo auditivo.
Vivendo em um Mundo Silencioso
Os 5 0 0 m ilhões de pessoas que vive m com de ficiê ncia a u d i­
tiv a em to d o o m u n d o fo rm a m um g ru p o d iv e rs o (Phonak,
2 0 0 7 ). A lg u m a s tê m surd ez p ro fu n d a , o u tra s tê m au d içã o
lim itada. Umas já eram surdas antes de a p re n d e r a usar a lin­
guagem , outras conheceram o m un do dos sons. A lgum as sina­
lizam e id e n tifica m -se com a cu ltu ra Surda baseada na lin g u a ­
gem; outras mais, especialm ente aquelas que perderam a audi­
ção após o a p re n d iza d o da linguagem , são "o ra is” e c o n v e r­
sam co m o m un do o u vin te p o r le itura labial ou de notas e scri­
tas. Há ainda aquelas que tra n sita m en tre am bas as culturas.
A d e sp e ito de suas m uitas variações, a vida sem audição
im p õ e de safio s. Q u a n d o pessoas de id a d e ava nça da co m
perda au d itiva precisam faze r e sfo rço para o u v ir as palavras,
resta-lhes m enos cap acidad e c o g n itiv a dispo nível para le m ­
brar-se delas e com p ree ndê -la s (W in g fie ld e t al., 2 0 0 5 ). Em
vários estudos, pessoas com pe rda a u d itiva , esp e cia lm e n te
as que não usam aparelhos de auxílio, ta m b é m relataram sen-
tir-s e mais tristes, te r m enos vida social e p e rce b e r com mais
frequ ên cia a irrita çã o dos o u tro s (C hisolm et al., 20 07 ; Fellin-
g e r et al., 20 07 ; N ational C ouncil on A ging , 1999).
Crianças que crescem em m eio a ou tra s pessoas Surdas
id en tificam -se com mais frequência com a cultu ra Surda e têm Sinais de sucesso Participantes Surdos em um concurso
a u toestim a positiva. Se criadas com base na língua de sinais, de soletração aplaude um competidor.
seja p o r pais Surdos ou ouvintes, tam bé m desenvolvem m aior
a u toestim a e sentem -se mais aceitas (Bat-C hava, 1993,1994).
(Para e n fa tiza r seu esta do dife re n te , po rém igual, defensores
da c u ltu ra Surda p re fe re m usar le tra m aiúscu la q u a n d o se afastada do estresse e da tensão de te n ta r in te rag ir com pes­
re fe re m a pessoas co m su rd e z e à c o m u n id a d e Surda em soas de fora de um pequeno círculo de fam iliares e velhos am i­
geral.) gos. Com minha p ró pria audição d e clinando em um a tra je tó ria
Separadas de uma com unidade que as apoie, pessoas Surdas sem elhante à dela, descub ro-m e sentando em locais e stra té ­
e n fre n ta m m uito s desafios (B raden, 1994). Incapazes de se gicos em jo go s e reuniões, p ro cu ra n d o cantos quietos em res­
com unicar por meios habituais, am igos falantes e sinalizadores taurantes e p edindo a minha esposa que faça as ligações neces­
podem encontrar dificuldade para coordenar suas brincadeiras. sárias a am igos que tenham sotaque d ife re n te d o nosso. Bene­
E, de vid o ao fa to de disciplinas acadêmicas terem raízes nas lín­ ficio -m e de interessantes tecnologias que, com o pressionar de
guas faladas, o desempenho escolar de alunos sinalizadores pode um bo tão, p o de m tra n s fo rm a r meus aparelhos a u d itivo s em
fica r com p rom e tido. Adolescentes podem se sentir socialm ente a lto -fa la ntes intra-auriculares para transm issão telefônica, de
excluídos, resultando em queda da autoconfiança. TV e sistem as de som para discursos pú blicos (visite hearin-
M esm o a d u lto s cuja au dição se to rn a d e b ilita d a em uma g lo o p .o rg ). A inda assim, me sin to fru s tra d o quando, com ou
fase mais avançada da vida po de m e xp e rim e n ta r algu m tip o sem aparelhos auditivos, não con sig o ou vir a piada que levou
de tim id e z. “ É quase universal e n tre os surdos q u ere r causar to d o s às gargalhadas; quando, após te n ta tiva s repetidas, sim ­
o m ínim o de tra n sto rn o possível aos ouvintes", observou Henry plesm ente não consigo cap tar a pergunta daquela pessoa exas­
Kisor (1990, p. 2 4 4 ), e d ito r e colun ista de jo rn a l de Chicago perada e não posso fingir; qu ando m em bros da fam ília desis­
que perdeu a au dição aos 3 anos. "P odem os ser m od estos e tem e dizem : "Ah, deixa pra lá” após ten ta rem três vezes me
inseguros a p o n to de nos to rn a rm o s invisíveis. Às vezes essa com u nicar algo po uco im portante.
te n d ê n c ia p o d e ser d e s tru tiv a . T enho de lu ta r c o n tra ela o A m edida que envelheceu, minha mãe passou a perceber que
te m p o to d o .” Helen Keller, cega e surda, escreveu: “ A cegueira o esforço de buscar interação social sim plesm ente não valia a
põe as pessoas à p a rte das coisas. A surdez põe as pessoas pena. Porém, com p artilh o a crença do colunista Kisor de que a
à p a rte das pessoas.” com unicação vale o esforço (p. 246): "Então... vou cerrar os d en­
Eu entendo. Minha mãe, com quem nos com unicávam os por tes e seguir em frente.” Alcançar os outros, conectar-se e com u­
notas escritas em um “ q u ad ro m ág ico” apagável, passou sua nicar-se com eles, m esm o através de um precipício de silêncio,
últim a dúzia de anos em um m undo silencioso, em grande parte é afirm ar nossa hum anidade com o criaturas sociais.

plenamente: os sinais constituem uma linguagem completa, pessoas com surdez e à comunidade Surda em geral.
com gramática, sintaxe e significados próprios. Ao se referir a crianças sem audição, a palavra
costuma ser escrita com letra minúscula porque,
perda auditiva condutiva perda auditiva causada por nessa idade, ainda não tiveram a oportunidade de
danos ao sistema mecânico que conduz ondas sonoras à tom ar uma decisão informada quanto a sua
cóclea. participação na comunidade Surda. Segui este estilo
ao longo do texto.
perda auditiva neurossensorial perda auditiva causada
por danos às células receptoras da cóclea ou aos nervos
auditivos; também chamada de surdez nervosa.
Os defensores da cultura Surda às vezes chegam a afirma:
que a surdez tanto poderia ser considerada “aprimoramento
implante coclear um dispositivo para converter sons da visão” como “prejuízo da audição”. Pessoas que perdera,
em sinais elétricos e estimular o nervo auditivo por um canal de sensação de fato parecem compensá-lo corr.
intermédio de eletrodos introduzidos na cóclea.
um pequeno aprimoramento das outras capacidades senso­
. Defensores da cultura Surda preferem escrever riais (Backman e Dixon, 1992; Levy e Langer, 1992). Algun;
“Surdo” com letra maiúscula quando se referem a exemplos:
• Músicos cegos (pense em Stevie Wonder) têm mais cial para o desenvolvimento. Ratos filhotes privados do con­
propensão a desenvolver ouvido absoluto do que aqueles tato materno produzem menos hormônio de crescimento e
que veem (Hamilton, 20 0 0 ). apresentam taxa metabólica mais baixa - uma boa maneira
• Com um ouvido tampado, cegos também são capazes de de se manter vivo até o retorno da mãe, porém uma reação
localizar uma fonte de som com mais precisão do que que interrompe o crescimento se prolongada. Macacos jovens
pessoas que enxergam (Gougoux et al., 2005; Lessard et que possam ver, ouvir e cheirar mas não tocar a mãe entram
al., 1998). em desespero; aqueles que são separados por uma tela com
• Feche os olhos e indique com as mãos a largura de uma orifícios que permitem o toque ficam muito menos infelizes.
embalagem de uma dúzia de ovos. Indivíduos cegos, Como observamos no Capítulo 4, bebês humanos prematu­
segundo pesquisadores da Universidade de Otago, ros ganham peso mais rápido e vão para casa mais cedo se
podem fazer isso com mais precisão do que pessoas que forem estimulados por massagem com as mãos. Como aman­
enxergam (Smith et al., 2005). tes, ansiamos por tocar - beijar, acariciar, aconchegar-nos. E
• Pessoas surdas desde o nascimento demonstram maior mesmo estranhos, tocando-se apenas nos antebraços e sepa­
atenção à visão periférica (Bavelier et al., 20 0 6 ). Seu rados por uma cortina, podem comunicar raiva, medo, des­
córtex auditivo, ávido por estímulos sensoriais, gosto, amor, gratidão e simpatia em níveis bem acima das
permanece em grande parte intacto, mas torna-se expectativas (Hertenstein et al., 2006).
responsivo ao toque e a estímulos visuais (Emmorey et O humorista Dave Barry pode estar certo ao brincar que
al., 2003; Finney et al., 2001; Penhune et al., 2003). nossa pele “priva as pessoas de ver o interior do corpo, que
é repulsivo, e impede que os órgãos caiam no chão”. Porém,
Feche os olhos e imediatamente você também notará sua ela tem muitas outras utilidades. Nosso “sentido do tato” é
atenção sendo atraída para os outros sentidos. Em um expe­ na verdade uma mistura de sentidos distintos, com diferen­
rimento, participantes que haviam passado 90 minutos sen­ tes tipos de terminações nervosas dentro da pele. Tocá-la em
tados calmamente com os olhos vendados tornaram-se mais vários pontos com cabelos macios, um fio aquecido ou frio
precisos na localização de sons (Lewald, 20 0 7 ). Ao se beijar, e a ponta de um alfinete revela que alguns locais são espe­
um casal minimiza a distração e aumenta a sensibilidade ao cialmente sensíveis à pressão, outros à tepidez, outros ao frio
toque fechando os olhos.
e outros ainda à dor.
Surpreendentemente, não há uma relação simples entre o
ANTES DE PROSSEGUIR... que sentimos em um determinado ponto e o tipo de termina­
ção nervosa especializada encontrada nele. Apenas a pressão
>- P ergunte a Si M esmo
tem receptores identificáveis. Outras sensações na pele são
variações das quatro básicas (pressão, tepidez, frio e dor):
Se você ouve, imagine se tivesse nascido surdo. Você acha que
iria querer receber um implante coclear? Você se surpreende • Afagar pontos de pressão adjacentes causa cócegas.
• Afagar suave e repetidamente um ponto de dor gera uma
com o fato de a maioria dos adultos que foram surdos durante
sensação de coceira.
a vida toda não desejar implantes para si ou para seus filhos?
• Tocar pontos de frio e de pressão adjacentes desencadeia
uma sensação de umidade, que você pode experimentar
> Teste a Si Mesmo 3
tocando um metal seco e frio.
Quais são os passos básicos na transformação de ondas • Estimular pontos de frio e de calor próximos produz
sonoras em sons percebidos? sensação de calor (FIGURA 6 .1 8 ).
A s respostas às Questões “Teste a Si Mesmo” podem ser encontradas no
Apêndice B, no final do livro.

Outros Sentidos Importantes Agu*


morna

EMBORA NOSSOS CÉREBROS DEEM À VISÃO e à audição


prioridade de distribuição no tecido cortical, acontecimentos
extraordinários se dão no âmbito dos outros quatro sentidos - o -fc k QUENTEI
tato, a posição e o movimento corporais, o paladar e o olfato.
Tubarões e cães valem-se de seu incrível sentido olfativo, com I
a utilização de extensas áreas cerebrais dedicadas a esse sistema.
Sem nossos próprios sentidos do tato, da posição e do movi­
mento corporais, do paladar e do olfato, nós humanos também
ficaríamos em séria desvantagem, e nossa capacidade de desfru­
tar o mundo seria diminuída de modo devastador.
-n r» » ;
Tato

13: Como percebemos o tato, a posição e


o movimento de nosso corpo? Como
experimentamos a dor? >- FIG U R A 6.18
iK ^
Morno + frio = quente Quando um fluxo de água gelada passa por
Embora não seja o primeiro que nos vem à mente, o tato uma espiral e um de água confortavelmente morna passa por outra,
poderia ser o sentido prioritário. Desde o início, ele é essen­ percebemos a sensação combinada como escaldante.
Porém, se as luzes se apagam, ele desaba no chão (Azar, 1998).
Mesmo para as outras pessoas, a visão interage com a cines­
tesia. Fique de pé com o calcanhar direito à frente dos dedos
do pé esquerdo. Fácil. Agora feche os olhos e provavelmente
você perderá o equilíbrio.
Um sentido vestibular associado monitora a posição e o
movimento da sua cabeça (e consequentemente do seu corpo).
Os giroscópios biológicos desse senso de equilíbrio se localizam
no ouvido interno. Os canais semicirculares, que parecem um
pretzel tridimensional (FIGURA 6 .15a), e os sacos vestibulares,
que conectam os canais à cóclea, contêm um líquido que se
move quando a cabeça gira ou se inclina. Esse movimento esti­
mula receptores ciliados, que enviam mensagens ao cerebelo,
na parte posterior do cérebro, permitindo assim que a pessoa
sinta a sua posição corporal e mantenha o seu equilíbrio.
Se você girar em torno de si mesmo e então parar abrup­
tamente, nem o líquido em seus canais semicirculares nem
seus receptores cinestésicos retornarão de imediato ao estado
>• FIG U R A 6.19 neutro. Os pós-efeitos de tontura enganam o cérebro com a
A ilusão da mão de borracha Quando a pesquisadora de Dublin sensação de que você ainda está rodando. Isso ilustra um
Deirdre Desmond toca simultaneamente a mão real e a mão falsa de princípio subjacente às ilusões perceptivas: mecanismos que
uma voluntária, esta sente como se a falsa, que ela vê, fosse a sua normalmente nos dão uma experiência precisa do mundo
própria.
podem, sob condições especiais, nos enganar. Compreender
como nos enganamos fornece pistas sobre como nosso sis­
tema perceptivo funciona.

No entanto, as sensações de toque envolvem mais do que


estimulação tátil. Cócegas autoinfligidas produzem menor
ativação do córtex somatossensorial do que se fossem provo­
Dor
cadas por outra coisa ou pessoa (Blakemore et al., 1998). (O
cérebro é sábio o bastante para ser mais sensível a estímulos Seja grato à dor ocasional. A dor é a maneira de seu corpo
inesperados.) Essa influência de processamento de cima para lhe dizer que algo está errado. Atraindo sua atenção para uma
baixo (top-down) sobre a sensação de toque aparece também queimadura, uma fratura ou uma distensão, ela ordena que
na ilusão da mão de borracha. Imagine-se olhando para uma você mude seu comportamento - “Fique longe desse torno­
realística mão de borracha enquanto a sua própria mão está zelo torcido!” As raras pessoas que nasceram sem a capaci­
escondida (FIGURA 6 .1 9 ). Se um experimentador tocar as dade de sentir dor podem sofrer lesões graves ou mesmo mor­
duas mãos ao mesmo tempo, você provavelmente perceberá rer antes da idade adulta. Sem o desconforto que nos faz
a mão de borracha como a sua própria e a sentirá ser tocada. mudar eventualmente de posição, suas articulações começam
Mesmo apenas um “afago” na mão falsa com um laser pro­ a falhar devido ao excesso de esforço, e sem os avisos da dor,
duz, na maioria das pessoas, uma sensação ilusória de aque­ os efeitos de infecções e lesões não percebidas se acumulam
cimento ou de toque na mão verdadeira oculta (Durgin et (Neese, 1991).
al., 2007). O tato não é apenas uma propriedade com pro­
cessamento de baixo para cima (bottom-up) de seus sentidos,
mas também um produto processamento de cima para baixo
(top-down) de seu cérebro e de suas expectativas.

cinestesia O sistema para sentir a posição e o


movimento individual das partes do corpo.

sentido vestibular O sentido do movimento e da


posição do corpo, incluindo o sentido de balanço.

Importantes sensores nas articulações, nos tendões, nos


ossos e nos ouvidos, bem como na pele, possibilitam a cin es­
tesia - o sentido da posição e do movimento das partes do
corpo. Fechando os olhos ou tampando os ouvidos, você pode
momentaneamente imaginar estar sem visão ou audição. Mas
como seria viver sem tato ou cinestesia - sem, portanto, ser
capaz de sentir a posição de seus membros ao despertar
durante a noite? Ian Waterman, de Hampshire, Inglaterra,
sabe a resposta. Em 1972, aos 19 anos, ele contraiu uma rara
infecção viral que destruiu os nervos que habilitavam seu Uma vida problemática livre da dor Ashlyn Blocker (à direita), aqui
sentido de tato suave e de posição e movimento corporais. mostrada com a mãe e a irmã, tem um raro distúrbio genético. Ela não
Pessoas com essa condição relatam sentir-se sem corpo, como sente nem dor nem calor ou frio extremos. É preciso verificar com
frequência se há ferimentos autoinfligidos acidentalmente, que ela
se seu corpo estivesse morto, não fosse real, não fosse seu própria é incapaz de sentir. "Alguns diriam que [não sentir dor] é uma
(Sacks, 1985). Com treinamento prolongado, Waterman coisa boa", reflete a mãe. "Mas não é não. A dor existe por uma razão. Ela
aprendeu a andar e a comer - concentrando-se visualmente permite ao corpo saber que algo está errado e precisa ser consertado. Eu
em seus membros e direcionando-os de maneira adequada. daria tudo para ela sentir dor" (citada por Bynum, 2004).
Mais numerosos são aqueles que vivem com dor crônica,
o que é similar a um alarme que nunca para de tocar. O sofri­
mento desses indivíduos e dos que têm persistentes ou recor­
rentes dores lombares e de cabeça, artrite e dores relaciona­
das ao câncer suscita duas questões: o que é a dor? Como
poderíamos controlá-la?

C om preendendo a Dor
Nossas experiências de dor variam amplamente, dependendo
de nossa fisiologia, de nossas experiências e nossa atenção e
da cultura que nos rodeia (Gatchel et al., 20 0 7 ). Assim, nos­
sas dores combinam sensações bottom-up (de baixo para cima)
e processos top-down (de cima para baixo).
Influências Biológicas O sistema da dor, diferentemente
da visão, não está localizado em um simples tubo neural que
sai de um dispositivo sensitivo até uma área definível no cére­ Jogando com a dor Em um jogo das finais da NBA em 2008, Paul
bro. Ademais, não há um tipo específico de estímulo que Pierce, astro do Boston Celtics, gritou de dor após um oponente pisar
desencadeia a dor (como a luz desencadeia a visão). Em vez em seu pé direito, fazendo seu joelho se torcer e se deslocar. Depois
de ser retirado da quadra, ele voltou e continuou a jogar apesar da
disso, existem diferentes nociceptores - receptores sensoriais
dor, que reclamou sua atenção após o fim da partida.
que detectam temperaturas, pressões ou substâncias quími­
cas prejudiciais (FIGURA 6 .2 0)

da dor ( “Gate-control theory") de Ronald Melzack e do bió­


logo Patrick Wall (1965, 1983), fornece um modelo interes­
sante. A medula espinhal contém pequenas fibras nervosas
“Quando a b a rrig a incha com terrív eis dores, não
que conduzem a maioria dos sinais de dor e fibras maiores
im porta que o resto nada sin ta .” que conduzem a maior parte dos outros sinais sensoriais.
Sadi, Dulistan - 0 Jardim das R asas, 125B Melzack e Wall sugeriram que ela contém um “portão” neu­
rológico. Quando um tecido é lesionado, as fibras pequenas
são ativadas, abrem o portão e você sente dor. A atividade das
Embora nenhuma teoria da dor explique todas as desco­ fibras maiores fecha o portão, bloqueando os sinais de dor e
bertas disponíveis, a clássica teoria do portão de controle impedindo-os de atingir o cérebro. Assim, uma forma de tra­

>• FIG U R A 6 .2 0
O circuito da dor Receptores sensoriais
(nociceptores) respondem a estímulos
potencialmente danosos enviando um impulso à
medula espinhal, a qual passa a mensagem para
o cérebro, que interpreta o sinal como dor.
tar a dor crônica é estimular (por massagem, estimulação ponto a ser lembrado: sentimos, vemos, ouvimos, saboreamos
elétrica ou acupuntura) a atividade de “fechamento do por­ e cheiramos com o cérebro, que pode assimilar sensações mesmo
tão” nas fibras neurais maiores (Wall, 20 0 0 ). Esfregar a área sem os sentidos funcionarem.
em volta de um dedo do pé machucado gera uma estimula­
ção competidora que bloqueia algumas mensagens de dor. Influências Psicológicas Os efeitos psicológicos da dis­
tração ficam claros nos casos de atletas que, focados na vitó­
te o ria d o p o rtã o de c o n tro le da d o r ( “ Gate-control ria, continuam jogando apesar da dor. Carrie Armei e Vilaya-
theory ” ) a te o ria de que a m edula esp in hal co n té m um nur Ramachandran (2003) ilustraram de maneira perspicaz
“ p o rtã o ” n e u ro ló g ic o que b lo q u e ia sinais de d o r ou as influências psicológicas sobre a dor com outra versão da
p e rm ite que eles sigam até o cére bro . O “ p o rtã o ” é
ilusão da mão de borracha. Eles curvaram levemente para
a b e rto pela a tiv id a d e de sinais de d o r que são
tra n s m itid o s através de pequenas fib ra s nervosas e trás um dedo nas mãos ocultas de 16 voluntários, ao mesmo
fe c h a d o pela a tiv id a d e de fib ra s m aiores ou pela tempo “machucando” (curvando acentuadamente) um dedo
in fo rm a çã o vin d a d o cérebro. em uma mão falsa de borracha. Os voluntários sentiram
como se seu dedo verdadeiro estivesse sendo internamente
No entanto, a dor não é meramente um fenômeno físico curvado e responderam com elevada transpiração cutânea.
de nervos lesionados que enviam impulsos para o cérebro - Parecemos também editar nossas memórias da dor, que
como puxar uma corda para tocar um sino. Melzack e Wall muitas vezes diferem da dor que de fato experimentamos. Em
observaram que as mensagens transmitidas do cérebro para a experimentos, e após procedimentos médicos, foi demons­
medula espinhal também podem fechar o portão, ajudando a trado que as pessoas não prestam atenção à duração de uma
explicar algumas impressionantes influências sobre a dor. dor. Sua rápida memória, em contrapartida, registra dois fato­
Quando estamos distraídos dela (uma influência psicológica) res: primeiro, as pessoas tendem a registrar o momento do
e anestesiados pela liberação de endorfinas, nossos analgésicos pico da dor, o que pode levá-las a lembrar de uma dor variá­
naturais (uma influência biológica), a experiência da dor pode vel, com picos, como sendo pior (Stone et al., 2005). Segundo,
ser bastante reduzida. Lesões em atletas podem passar desper­ elas registram quanta dor sentiram no final, como o pesqui­
cebidas até a chuveirada pós-jogo. Pessoas que carregam um sador Daniel Kahneman e seus colaboradores (1993) desco­
gene que alavanca a disponibilidade de endorfinas são menos briram ao pedir a pessoas que imergissem uma das mãos em
incomodadas pela dor, e seu cérebro responde menos a ela água dolorosamente gelada por 60 segundos e depois a outra
(Zubieta et al., 2003). Outras, que carregam um gene mutante mão na mesma água pelo mesmo tempo, seguido por mais
que interrompe a neurotransmissão do circuito da dor, podem 30 segundos ligeiramente menos dolorosos. Qual dessas expe­
ser incapazes de experimentá-la (Cox et al., 2006). Tais des­ riências você esperaria recordar como mais dolorosa?
cobertas podem apontar o caminho para novos medicamentos Curiosamente, ao ser-lhes perguntado qual teste preferi­
analgésicos que mimetizem esses efeitos genéticos. riam repetir, a maioria escolheu o mais longo, com mais dor
O cérebro também pode criar dor, como ocorre em expe­ no total - porém menos dor no final. Um médico utilizou
riências de sensações de membros fantasma, ao interpretar equi- esse princípio com pacientes submetidos a exames de cólon
vocadamente a atividade espontânea do sistema nervoso cen­ - prolongando o desconforto por um minuto, mas dimi­
tral que ocorre na ausência de entrada normal de informa­ nuindo sua intensidade (Kahneman, 1999). Embora o des­
ções sensoriais. Assim como quem sonha pode ver de olhos conforto mais brando estendido se somasse a sua experiência
fechados, cerca de 7 em cada 10 pessoas com membros ampu­ total de dor, os pacientes que passaram por esse tratamento
tados podem sentir dor ou movimento em membros inexis­ redutor recordaram mais tarde o exame como menos dolo­
tentes, conforme observa o psicólogo Melzack (1992, 2005). roso que aqueles cuja dor foi interrompida abruptamente.
(Um amputado também pode tentar sair da cama com a
perna fantasma ou levantar a xícara com uma mão fantasma.) Influências Socioculturais A percepção da dor também
Mesmo quem nasce sem um membro às vezes tem sensações varia de acordo com a situação social e as tradições culturais.
do braço ou da perna ausente. O cérebro, resume Melzack Tendemos a perceber mais dor quando os outros também
(1998), vem preparado para prever “que receberá informa­ parecem experimentá-la (Symbaluk et al., 1997). Isso pode
ções de um corpo que possui membros”. ajudar a explicar outros aparentes aspectos sociais da dor.
como quando grupos de digitadores australianos sofreram
graves surtos de dor em meados da década de 1980 devido
ao trabalho repetitivo - sem nenhuma anormalidade física
observável (Gawande, 1998). Às vezes, a dor de uma entorse
"A dor é aumentada pela atenção que lhe damos.” está, acima de tudo, no cérebro - literalmente. Ao sentirmos
Charles Darwin, A E x p ressão d a s E m oções empatia pela dor alheia, nossa própria atividade cerebral pode.
no Homem e n o s A nim ais, 1072 em parte, espelhar que o cérebro do outro está em dor (Sin­
ger et al., 2004).
Dessa forma, nossa percepção da dor é um fenômeno biop­
sicossocial (FIGURA 6 .2 1 ). Vê-la dessa forma pode nos aju­
Um fenômeno semelhante ocorre com outros sentidos. dar a entender melhor como lidar com a dor e tratá-la.
Pessoas com perda auditiva frequentemente experimentam
o som do silêncio: sons fantasma - uma sensação de cam­
painha nos ouvidos conhecida como zumbido ou tinido. Aque­ C ontrolando a Dor
las que perdem a visão por glaucoma, catarata, diabetes ou Se a dor está onde o corpo encontra a mente - se é um fenô­
degeneração da mácula podem experimentar visões fantasma meno tanto físico como psicológico -, então deveria ser tra-
- alucinações não ameaçadoras (Ramachandran e Blakeslee, tável tanto física como psicologicamente. Dependendo do
1998). Alguns indivíduos que sofrem danos neurais sentem tipo de sintomas, clínicos do controle da dor selecionam uma
sabores fantasma, como uma água gelada que parece enjoa- ou mais terapias de uma lista que inclui medicamentos, cirur­
tivamente doce (Goode, 1999). Outros relatam odores fan­ gias, acupuntura, estimulação elétrica, massagem, exercícios
tasma, como o de um alimento estragado que não existe. O hipnose, relaxamento e distração do pensamento.
Influências biológicas: Influências psicológicas:
• atividade nas fibras grandes e pequenas da • atenção à dor
medula espinhal • aprendizado baseado na
• diferenças genéticas na produção de endorfina experiência
• a interpretação cerebral da atividade do SNC • expectativas

\
Influências socioculturais:
• presença de outros
• empatia pela dor dos outros
• expectativas culturais
Experiência
pessoal da
dor

> F IG U R A 6.21
Enfoque biopsicossocial da dor Nossa experiência
de dor vai muito além de mensagens neurais enviadas
ao cérebro.

Mesmo um placebo pode ser útil, por diminuir a atenção e o outro (Kaptchuk et al., 20 0 6 ). Pessoas com dor persistente
as respostas do cérebro a experiências dolorosas - mimetizando no braço (2 7 0 ) receberam uma simulação de acupuntura
drogas analgésicas (Wager, 2005). Após receberem uma inje­ (com agulhas de mentira que se retraíam sem penetrar na
ção de uma pungente solução de água salgada no maxilar, pele) ou comprimidos azuis de amido de milho parecidos
homens que participaram de um experimento receberam um com os frequentemente receitados para lesões por esforço.
placebo que supostamente aliviaria a dor. De imediato eles se Um quarto daqueles que receberam as agulhadas inexistentes
sentiram melhor, um resultado associado à atividade em uma e 31% dos que receberam os comprimidos reclamaram de
área cerebral que libera opioides analgésicos naturais (Scott et efeitos colaterais, como dor na pele ou boca seca e fadiga.
al., 2007; Zubieta et al., 2005). Os falsos fármacos analgési­ Após dois meses, ambos os grupos acusavam menos dor, com
cos levaram o cérebro a dispensar os fármacos verdadeiros. “A o da acupuntura falsa relatando a maior queda.
crença torna-se realidade”, observou um comentador (Therns- Distrair pessoas com imagens prazerosas ( “Pense em um
trom, 2006), pois “a mente se une ao corpo”. ambiente ameno e confortável”) ou atrair sua atenção para
Outro experimento pôs dois placebos - comprimidos fal­ longe do estímulo doloroso ( “Conte de trás para a frente de
sos e um procedimento simulado de acupuntura - um contra 3 em 3 ”) é uma maneira especialmente eficaz de aumentar
a tolerância à dor (Fernandez e Turk, 1989; McCaul e Malott,
1984). Uma enfermeira bem treinada pode distrair pacientes
que tenham aversão a agulhas conversando com eles e
pedindo-lhes que olhem para longe enquanto aplica a inje­
ção. Para vítimas de queimaduras que recebem tratamentos
excruciantes contra os ferimentos, uma distração ainda mais
eficaz vem da imersão em um mundo em 3-D gerado por
computador, como o cenário de neve mostrado na FIGURA
6 .2 2 . Imagens de RM funcional (RMf) revelam que brincar
na realidade virtual reduz a atividade cerebral relacionada à
dor (Hoffman, 2004). Como a dor está no cérebro, desviar
a atenção deste pode trazer alívio.

Paladar

14: Como experimentamos o paladar?


Como o tato, nosso sentido do paladar envolve diversas sen­
sações básicas. Outrora se pensava que essas sensações eram
o doce, o azedo, o salgado e o amargo, com todas as outras
se originando de misturas dessas quatro (McBurney e Gent,
1979). Então, quando cientistas investigavam fibras nervosas
Procurando alívio Esta acupunturista está tentando ajudar a especializadas para as quatro sensações básicas do paladar,
mulher a obter alívio para a dor nas costas usando agulhas em pontos encontraram um receptor para aquela que agora conhecemos
da sua mão. como a quinta - o sabor condimentado e substancial do
Sem distração Distração

> FIG U R A 6.2 2


Controle da dor com realidade virtual Para vítimas de queimaduras submetidas a dolorosas restaurações de pele, uma fuga para a realidade
virtual tem um grande poder de distrair a atenção, reduzindo assim a dor e a resposta cerebral a estímulos dolorosos. As imagens de RM a seguir
ilustram uma resposta reduzida à dor quando o paciente é distraído.

umami, mais reconhecido como o realçador de sabor gluta­ Se um jato de água for bombeado sobre sua língua, bastará a
mato monossódico. adição de um concentrado salgado ou doce por um décimo
O paladar tem mais propósitos do que nosso simples pra­ de segundo para atrair sua atenção (Kelling e Halpern, 1983).
zer (veja a TA B E LA 6 .2 ) . Sabores prazerosos atraíam nossos Quando um amigo lhe pedir “só uma provinha” de seu refri­
ancestrais para alimentos ricos em energia ou proteína, que gerante, você pode tirar dele o canudo após uma mera fração
permitiram a sobrevivência deles. Gostos aversivos m anti­ de segundo.
nham-nos distantes de alimentos novos que podiam ser tóxi­ Receptores gustativos reproduzem-se a cada uma ou duas
cos. Vemos a herança dessa sabedoria biológica nas crianças semanas; por isso, se você queimar a língua com comida
de 2 a 6 anos de hoje em dia, tipicamente implicantes com quente, não é grave. No entanto, à medida que envelhece­
comida, em especial quando lhes oferecem um novo tipo de mos, o número de papilas gustativas diminui, bem como a
carne ou verduras de gosto amargo, como espinafre e couve- sensibilidade do paladar (Cowart, 1981). (Não é de admirar
de-bruxelas (Cooke et al., 2 0 0 3 ). As toxinas das carnes e das que adultos apreciem alimentos de sabor forte, aos quais as
plantas tinham um perigoso potencial de intoxicação alimen­ crianças resistem.) O fumo e o consumo de álcool aceleram
tar para nossos antepassados, principalmente para as crian­ esse declínio. Pessoas que perdem o paladar afirmam que a
ças. Estas, porém, ao receberem repetidas vezes pequenas comida adquire gosto de “palha” e se torna difícil de ingerir
quantidades de alimentos de que não gostam, em geral come­ (Cowart, 2005).
çam a aceitá-los (Wardle et al., 2003). Por mais que as papilas gustativas sejam essenciais, o pala­
O paladar é um sentido químico. Dentro de cada pequena dar envolve mais do que tange à língua. Como ocorre com
saliência na parte de cima e nos lados da língua encontram- outros sentidos, nossas expectativas influenciam a resposta
se pelo menos 200 papilas gustativas, cada uma contendo do cérebro. Quando somos prevenidos de que um sabor desa­
um poro que capta as substâncias químicas da comida. Em gradável está por vir, o cérebro responde de modo mais ativo
cada um desses poros, de 50 a 100 células receptoras gusta­ a sabores negativos, que são classificados como muito desa­
tivas projetam cílios em forma de antena que apreendem as gradáveis. Quando levados a crer que o mesmo sabor será ape­
moléculas do alimento. Alguns receptores respondem prin­ nas ligeiramente desagradável, a região cerebral que responde
cipalmente às moléculas doces, outros às salgadas, às azedas, a gostos repulsivos torna-se menos ativa, e o classificamos
às umami ou às amargas. Não é preciso muito para desenca­ como menos desagradável (Nitschke et al., 2006). Da mesma
dear uma resposta que ative o lobo temporal de seu cérebro. forma, ser informado de que um vinho custa 90 dólares, em
vez de seu preço real de 10 dólares, faz uma bebida barata
parecer mais saborosa e desencadeia mais atividade em uma
área cerebral que responde a experiências prazerosas (Plass-
TABELA 6.? mann et al., 2008). Como acontece com o efeito do placebo
em relação à dor, os lobos frontais pensantes oferecem infor­
hs F u n çõ es de S o br ev iv ên cia dos S a b o r es B á sic o s mações sobre as quais outras regiões do cérebro vão agir.

Sabor Indica
Interação Sensorial
Doce Fonte de energia O paladar também ilustra outro fenômeno curioso. Tampe
o nariz, feche os olhos e peça que alguém lhe dê vários ali­
Salgado Sódio essencial aos processos fisiológicos mentos. Uma fatia de maçã pode ser indistinguível de um
pedaço de batata crua, uma porção de bife pode ter gosto de
Azedo Ácido potencialmente tóxico
papelão; sem seus odores, pode ser difícil diferenciar uma
Amargo Potencialmente venenoso xícara de café frio de uma taça de vinho tinto. Para saborear
algo, normalmente sentimos o aroma pelo nariz - é por isso
Umami Proteínas para o crescimento e a reparação de que comer não tem muita graça quando se está com um res­
tecidos friado forte. O cheiro pode também alterar nossa percepção
do sabor: o odor de morango de uma bebida aumenta nossa
percepção de sua doçura. E a in teração sensorial em ação
Olfato

15: Como experimentamos o olfato?

Inspire, expire. Inspire, expire. A respiração vem em pares -


exceto em dois momentos: o nascimento e a morte. Entre
esses dois momentos, você inspira e expira diariamente quase
20.000 vezes o ar que sustenta a vida, banhando suas nari­
nas em uma torrente de moléculas carregadas de odores. As
experiências resultantes do olfato são surpreendentemente
íntimas: você inala algo de qualquer coisa ou pessoa que você
cheire.

Impressione seus amigos com sua nova palavra do


dia: dizemos que pessoas que não veem têm
experiência de cegueira. As que não ouvem têm
experiência de surdez. E as que não podem sentir
odores têm experiência de anosm ia.

► FIG U R A 6.23 Como o paladar, o olfato é um sentido químico. Sentimos


Interação sensorial Quando uma pessoa com dificuldade auditiva o cheiro de algo quando as moléculas de uma substância
vê um rosto animado formando as palavras pronunciadas do outro transportada pelo ar alcançam um minúsculo aglomerado
lado de uma linha telefônica, elas se tornam mais fáceis de entender
(Knight, 2004). de pelo menos 5 milhões de células receptoras localizadas no
topo de cada cavidade nasal (FIGURA 6 .2 4 ) . Esses recepto­
res olfativos, ondeando como anêmonas do mar em um recife,
respondem de forma seletiva - ao aroma de um bolo no forno,
à fumaça, ao perfume de um amigo. Instantaneamente, eles
- o princípio de que um sentido pode influenciar outro. Olfato ativam o cérebro por meio de suas fibras axonais.
mais textura mais paladar é igual a sabor. Mesmo bebês lactentes e suas mães dispõem literalmente
de uma química em sua relação. Ambos aprendem com rapi­
interação sensorial o princípio de que um sentido
pode influenciar outro, como quando o odor do dez a reconhecer os odores um do outro (McCarthy, 1986).
alimento influencia seu sabor. Com o auxílio do olfato, uma mãe foca, retornando a uma
praia repleta de filhotes, irá encontrar o seu. Nosso próprio
De maneira semelhante, a interação sensorial influencia sentido olfativo não é tão impressionante quanto a precisão
aquilo que ouvimos. Se eu (como uma pessoa com perda audi­ da nossa visão ou da nossa audição. Ao olharmos para um
tiva) assisto a um vídeo com legendas simultâneas, não tenho jardim, vemos suas formas e cores em mínimos detalhes e
problemas para ouvir as palavras que estou vendo (e assim ouvimos uma variedade de pássaros cantando; no entanto,
posso pensar que não preciso das legendas). Se então as des­ pouco sentimos de seu cheiro se não aproximarmos o nariz
ligo, subitamente percebo que necessito delas (FIGURA 6 .2 3 ). das flores.
Mas o que você supõe que acontece se vemos uma pessoa pro­ As moléculas odoríficas têm muitos formatos e tamanhos
nunciar uma sílaba enquanto ouvimos outra? Surpresa: pode­ - tantos, na verdade, que é preciso vários receptores diferen­
mos ouvir uma terceira sílaba que misture ambas. Ao vermos tes para detectá-las. Uma grande família de genes concebe as
a boca se movimentar dizendo ga enquanto ouvimos ba pode­ cerca de 350 proteínas receptoras que reconhecem moléculas
mos perceber da - um fenôm eno conhecido como efeito odoríficas específicas (Miller, 2 0 0 4 ). Richard Axel e Linda
McGurk, em homenagem a seus descobridores, o psicólogo Buck (1991) descobriram (em um trabalho pelo qual rece­
Harry McGurk e seu assistente John MacDonald (1976). beram o Prêmio Nobel em 2004) que essas proteínas estão
Basicamente, o mesmo vale para a visão e o tato. Uma luz embutidas na superfície dos neurônios das cavidades nasais.
fraca que temos dificuldade de perceber torna-se mais visível Assim como uma chave entra na fechadura, as moléculas
quando acompanhada de um curto estrondo (Kayser, 2007). odoríficas entram nesses receptores. No entanto, parece que
Ao detectar eventos, o cérebro pode combinar sinais visuais não possuímos um receptor distinto para cada odor detectá-
e táteis simultâneos, graças aos neurônios que se projetam vel. Isso sugere que alguns odores disparam uma combinação
do córtex somatossensorial para o córtex visual (Macaluso de receptores, em padrões interpretados pelo córtex olfativo.
et al., 2000). Da mesma maneira que as letras do alfabeto podem se com­
Assim, os sentidos interagem: a visão, a audição, o tato, o binar para formar inúmeras palavras, as moléculas odoríficas
paladar e o olfato não são canais totalmente separados. Ao se ligam a diferentes conjuntos de receptores, produzindo os
interpretar o mundo, o cérebro integra as informações tra­ 10.000 odores que somos capazes de detectar (Malnic et al.,
zidas por eles. Em alguns raros indivíduos, os sentidos se 1999). São as combinações dos receptores olfativos, as quais
unem em um fenômeno chamado sinestesia, em que um tipo ativam diferentes padrões neuronais, que nos permitem dis­
de sensação (como ouvir um som) produz outro (como ver tinguir entre os aromas do café recém-passado ou já frio (Zou
cores). Dessa forma, ouvir música ou ver um número espe­ et al., 2005).
cífico pode ativar regiões do córtex sensíveis a cores e desen­ A capacidade de identificar odores chega ao auge no início
cadear uma sensação de cor (Brang et al., 2008; Hubbard et da vida adulta e declina gradualmente a partir de então
al., 20 0 5 ). Ver o número 3 pode evocar uma sensação gus- (FIGURA 6 .2 5 ) . A despeito de nossa habilidade de discri-
tativa (Ward, 2 0 0 3 ). O mesmo pode ocorrer, para muitas miná-los, não somos muito bons em descrevê-los. Palavras
pessoas, com um odor, digamos de menta ou de chocolate retratam de forma mais imediata o som da preparação do
(Stevenson e Tomiczek, 20 0 7 ), que pode evocar a sensação café do que seu aroma. Em comparação com nossa experi­
gustativa correspondente a esses estímulos. ência e nossa memória de imagens e sons, cheiros são quase
Bulbo olfatõrio

4 . Os sinais são transmitidos


para regiões superiores do
cérebro

Nervo olfatõrio
3 . Os sinais são
Bulbo olfatório transportados por meio dos
axônios que convergem
Células
receptoras na
membrana
olfativa
>t
i . Células receptoras
olfativas são ativadas e
enviam sinais elétricos

1 . Moléculas
odoríficas ligam-se
aos receptores

Receptor
para odor
* .* r
Ar carregado de moléculas odoríficas

> FIG U R A 6 .2 4
O sentido do olfato Para você sentir o cheiro de uma flor, moléculas de sua fragrância transportadas pelo ar devem alcançar receptores
localizados no topo do nariz. A inalação leva o ar a esses receptores, realçando o aroma. As células receptoras enviam mensagens para o bulbo
olfatório do cérebro e em seguida para o córtex olfativo primário, no lobo temporal, e para as partes do sistema límbico relacionadas à memória e
às emoções.

Mulheres
> F IG U R A 6 .2 5
Idade, sexo e sentido do olfato Entre
1,2 milhão de participantes de uma
pesquisa do tipo "raspe e cheire" realizada Homens
pela National Ceographic, as mulheres e
os jovens adultos foram os mais bem-
sucedidos na identificação de seis
amostras de odores (fonte: Wysocki e
Gilbert, 1989). Fumantes e pessoas que
sofrem de Alzheimer, Parkinson ou
dependência alcoólica tipicamente
70-79 80-89 90-99
apresentam um sentido olfativo diminuído
(Doty, 2001). Faixa etária

primitivos e com certeza mais difíceis de descrever e de recor­ tido para se comunicar e se guiar. Muito antes de o tubarão
dar (Richardson e Zucco, 1989; Zucco, 2003). visualizar sua presa, ou a mariposa seu parceiro, os odores
Como qualquer cão ou gato com um bom faro poderia nos lhes informam 0 caminho a seguir. Salmões migratórios
dizer, cada um de nós tem sua própria assinatura química seguem tênues pistas olfativas que os levam de volta ao seu
identificável. (Uma exceção digna de nota: um cão seguirá o córrego de origem. Se expostos em um criatório a uma de
rastro de um gêmeo idêntico como se o rastro tivesse sido duas substâncias odoríficas, eles irão, ao retornarem dois anos
deixado pelo outro [Thomas, 1974].) Animais que têm muito depois, buscar o córrego próximo ao local em que foram sol­
mais receptores olfativos do que nós também usam esse sen- tos que tiver o odor familiar (Barinaga, 1999).
“□ cheiro e o sabor das coisas carregam , firm em ente, em
"Poderia haver um a pilha de pneus de cam inhão
um a m inúscu la e quase im palpável gota de sua essência,
queim ando n a sa la e eu não n ecessariam en te sen tiria o
a v a sta estru tu ra das recordações.”
cheiro. Em contrapartida, m inha m ulher pode detectar
Mareei Prciust, rom ancista francês, no livro Em B u sca do
um a sim ples uva podre a duas ca sa s de d istân cia.”
Tempo P erdido [1913], descrevendo como o aroma e o sabor
Dave Barry, ZDD5 de um pedaço de bolo embebido em chá ressuscitaram
lembranças há muito esquecidas da velha casa da família.

Para os humanos, a atratividade dos odores também


depende de associações aprendidas (Herz, 2001). Bebês não
nascem com uma preferência embutida pelo cheiro do seio Os circuitos do cérebro ajudam a explicar esse poder de
da mãe; ela é construída durante a amamentação. Depois evocar sentimentos e lembranças (FIGURA 6 .2 6 ) . Há uma
que uma experiência boa é associada a um aroma particular, linha direta entre a área cerebral que recebe informações do
passa-se a gostar dele, o que ajuda a explicar por que as pes­ nariz e os centros límbicos antigos associados à memória e à
soas nos Estados Unidos tendem a gostar do cheiro de gaul- emoção. O olfato é primitivo. Milhões de anos antes de as
téria (que associam a balas e chicletes) mais do que aquelas elaboradas áreas analíticas do córtex cerebral se desenvolve­
na Grã-Bretanha (onde ela é frequentemente associada a rem totalmente, nossos ancestrais mamíferos já farejavam
remédio). Em outro exemplo de odores que evocam emoções alimentos - e predadores.
desagradáveis, Rachel Herz e seus colegas (2 0 0 4 ) deixaram
alunos da Universidade Brown frustrados com um jogo de
computador manipulado em uma sala aromatizada. Mais
ANTES DE PRO SSEG UIR.
tarde, se expostos ao mesmo odor enquanto trabalhavam em
uma tarefa verbal, sua frustração era reavivada, e eles desis­ >- P ergunte a S i M esmo
tiam mais rápido que aqueles expostos a um odor diferente Você se lembra de alguma vez em que, com a atenção
ou a nenhum odor. voltada para uma atividade, não sentiu dor ao sofrer um
ferimento ou uma lesão?
• Humanos possuem de 10 a 2 0 milhões de
receptores olfativos. Um cão de caça tem cerca de
2 0 0 milhões (Herz, 2001). • > Teste a S i Mesmo 4
Como nosso sistema olfativo difere dos sistemas sensoriais
Embora seja difícil recordar aromas pelo nome, temos uma da visão, do tato e do paladar?
notável capacidade de reconhecer aqueles há muito esqueci­
dos e as lembranças a eles associadas (Engen, 1987; Schab, As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo” podem ser encontradas no
1991). O cheiro do mar, de um perfume ou da cozinha de Apêndice B, no final do livro.
um parente querido pode trazer à mente uma época feliz. É
um fenômeno compreendido pela cadeia de agências de via­
gem britânica Lunn Poly. Para evocar lembranças de momen­
tos relaxantes em praias ensolaradas e quentes, certa vez a Organização Perceptiva
companhia salpicou aroma de óleo bronzeador de coco em
suas lojas (Fracassini, 20 0 0 ). 16: Como os psicólogos da Gestalt compreendiam
a organização perceptiva?
Processa o JÁ EXAMINAMOS OS PROCESSOS pelos quais assimilamos
odor (próximo
à área da visões e sons, toques e movimentos, sabores e aromas. Agora
memória) nossa questão central é: como vemos não apenas formas e
cores, mas uma rosa florescendo, o rosto de uma pessoa
amada, um belo pôr do sol? Como ouvimos não somente
1 ^ 3 5 uma mistura de alturas e ritmos, mas uma criança chorando
de dor, o ruído do tráfego distante, uma sinfonia? Em resumo,
como organizamos e interpretamos nossas sensações para
torná-las percepções significativas?

X gestalt um todo organizado. Os psicólogos da Gestalt


enfatizavam nossa tendência a integrar partes de
Processa
informações em um todo significativo.
o sabor
No início do século XX, um grupo de psicólogos alemães
observou que, ao receber um amontoado de sensações, a ten­
dência das pessoas é de organizá-las em uma gestalt, palavra
>• F I G U R A 6 . 2 6 alemã que significa “forma” ou “todo”. Por exemplo, veja o cubo
O cérebro olfativo A informação das papilas gustativas (seta de Necker na FIGURA 6 .2 7 . Perceba que os elementos indivi­
branca) é transmitida até uma área do lobo temporal não muito longe duais da figura não passam de oito círculos cinza, cada um con­
de onde a informação olfativa, que interage com o paladar, é recebida. tendo três linhas brancas convergentes. No entanto, quando
Os circuitos olfativos do cérebro (seta preta) também se conectam
com áreas envolvidas no armazenamento de memória, o que ajuda a
visualizamos todos juntos, vemos um todo, um cubo. Os psicó­
explicar por que um odor pode desencadear uma explosão de logos da Gestalt, que tinham uma grande variedade de interes­
lembranças. ses, adoravam dizer que, na percepção, o todo pode exceder a
>- FIG U R A 6 .2 8
> FIG U R A 6 .2 7 Figura e fundo reversíveis
Um cubo de Necker O que você vê: círculos com linhas brancas ou
um cubo? Se olhar para o cubo, pode notar que ele muda de posição,
movendo o pequeno X no centro da extremidade frontal para o fundo.
Às vezes, o cubo pode parecer flutuar na frente da página, com reversíveis demonstram mais uma vez que o mesmo estímulo
círculos atrás dele; outras vezes, os círculos podem se tornar buracos pode desencadear mais de uma percepção.
na página através dos quais o cubo aparece, como se flutuasse atrás
dela. Existe muito mais na percepção do que aquilo que chega ao
olho. (De Bradley et al., 1976.) Agrupamento
Após discriminar a figura do fundo, nós (e nosso sistema de
vídeo/computador) temos agora de organizar a figura em
soma das partes. Da combinação de sódio, um metal corrosivo, uma forma significativa. Processamos algumas características
e cloro, um gás venenoso, emerge algo muito diferente - o sal básicas de uma cena - como cor, movimento e contraste
de cozinha. Analogamente, uma forma única percebida emerge claro/escuro - instantânea e automaticamente (Treisman,
dos componentes de um estímulo (Rock e Palmer, 1990). 1987). Para dar ordem e forma às sensações básicas, a mente
Ao longo dos anos, os psicólogos da Gestalt forneceram segue certas regras para agrupar estímulos. Essas regras, iden­
demonstrações convincentes e descreveram princípios pelos tificadas pelos psicólogos da Gestalt e aplicadas até por bebês,
quais organizamos nossas sensações e percepções. À medida que ilustram a ideia de que o todo percebido difere da soma de
for lendo sobre esses princípios, tenha em mente a verdade suas partes (Quinn et al., 2002; Rock e Palmer, 1990):
fundamental que eles ilustram: o cérebro faz mais do que regis­ P roxim idade Agrupamos figuras próximas, como na FIGURA 6.29.
trar inform ações a respeito do mundo. A percepção não se Vemos três conjuntos de duas linhas, não seis linhas separadas.
resume a abrir uma janela e deixar uma imagem ser impressa S e m e lh a n ç a Agrupamos figuras sem elhantes. Vemos os triângu­
no cérebro. Constantemente filtramos informações senso­ los e os círculos com o colunas verticais com form as parecidas,
riais e inferimos percepções de maneiras que fazem sentido não com o fileiras horizontais de form as diferentes.
para nós. A mente faz diferença. C o n tin u id a d e Percebemos padrões suaves e contínuos em vez de
descontínuos. O desenho no canto inferior esquerdo da FIGURA
6.29 poderia ser um a série de sem icírculos alternados, mas nós
o percebemos com o duas linhas contínu as - um a ondulada, a
Percepção de Forma outra reta.

17: Como os princípios de figura e fundo e


de agrupamento contribuem para nossas A • A
percepções?
A • A
Imagine projetar um sistema de vídeo/computador que, como
seu sistema ocular/cerebral, possa reconhecer faces a um A • A
olhar. Que habilidades seriam necessárias?
Proximidade Semelhança

Figura e Fundo
Para começar, o sistema precisaria reconhecer as faces como r \ r \ r
distintas do fundo. Da mesma forma, nossa primeira tarefa j \ J K J
perceptiva é identificar qualquer objeto (a figura) como dis­
tinto de seus arredores (o fundo). Entre as vozes que você Continuidade Conectividade
ouve em uma festa, aquela a que você presta atenção torna-
se a figura; todas as outras, parte do fiando. Enquanto você > FIG U R A 6 .2 9
lê, as palavras são a figura; o papel branco, o fundo. Na Organizando estímulos em grupos Poderíamos perceber os
estímulos mostrados aqui de muitas maneiras, embora pessoas em
FIGURA 6 .2 8 , a relação figura-fundo inverte-se continua­ qualquer lugar os vejam de forma semelhante. Os psicólogos da
mente - mas sempre organizamos o estímulo em uma figura Gestalt creem que isso mostra que o cérebro segue regras para
vista contra um fundo. Essas ilustrações de figura e fundo ordenar as informações sensoriais em um todo.
C onectividade Por serem uniformes e ligados, percebemos cada percepção de profundidade, ver objetos em três dimensões,
conjunto de dois pontos e a linha entre eles como uma uni­ habilita-nos a estimar a distância entre eles e nós. Estimamos
dade. imediatamente a distância de um carro vindo em nossa dire­
ção ou a altura de uma casa. Essa habilidade é em parte inata.
Eleanor Gibson e Richard Walk (1 9 6 0 ) descobriram isso
usando a miniatura de um abismo com o declive coberto por
vidro grosso. A inspiração de Gibson para esses experimentos
ocorreu enquanto ela fazia um piquenique à beira do Grand
Canyon. Ficou curiosa: será que uma criança pequena, pro­
curando algo próximo à borda, perceberia o perigoso declive
e recuaria?
J De volta a seu laboratório na Universidade Cornell, Gib­
son e Walk puseram crianças de 6 a 14 meses de idade na
1
beira de um cânion seguro - um abismo visual. Quando as
mães encorajaram as crianças a engatinhar em direção ao
F ech am en to (ou closu ra) Preenchemos lacunas para criar um tampo de vidro, a maioria se recusou, indicando que eram
objeto completo, inteiro. Assim, presumimos que os círculos capazes de perceber a profundidade. Crianças em idade de
(acima à esquerda) são completos, mas parcialmente bloqueados engatinhar chegam ao laboratório após um grande período
pelo triângulo (ilusório). Adicione nada mais que pequenos seg­ de aprendizado. Ainda assim, animais recém-nascidos prati­
mentos de linha que fechem os círculos (acima à direita), e o
camente sem experiência visual - incluindo jovens gatinhos,
cérebro deixa de construir um triângulo.
um cabrito com um dia de vida e pintinhos recém-saídos do
Tais princípios geralmente auxiliam nossa construção da ovo - respondem de modo semelhante. Para Gibson e Walk,
realidade. Algumas vezes, porém, desviam nossa atenção, isso sugeria que animais recém-nascidos e que podem se movi­
como ao olharmos para a casinha de cachorro na FIGURA mentar já estão preparados para perceber a profundidade.
6 .3 0 . Cada espécie, na época em que ganha mobilidade, tem as
habilidades perceptivas de que necessita. Porém, se o ama­
F igu ra e fu n d o a o rg a n iza çã o d o ca m p o visual em durecimento biológico predispõe nossa cautela quanto a altu­
o b je to s (as figuras) que se de stacam de seus a rre do res
ras, a experiência a amplifica. A cautela dos bebês aumenta
(o fundo).
com a experiência de engatinhar, não importa em que idade
a g ru p a m e n to a te n d ê n cia p e rce p tiva a o rg a n iza r eles comecem (Campos et al., 1992). E, a julgar pelo que
estím ulo s em g ru p o s coerentes. conseguem alcançar, crianças de 7 meses usam a sombra de
um brinquedo para avaliar sua distância, ao passo que as de
5 meses não o fazem (Yonas e Granrud, 2006). Isso sugere
Percepção de Profundidade que em bebês humanos a percepção de profundidade cresce
com a idade.
Como fazemos isso? Como transformamos duas imagens
18: Como vemos o mundo em três dimensões? retinianas bidimensionais distintas em uma única percepção
tridimensional? O processo tem início com indicadores de
A partir das imagens bidimensionais que chegam à retina, de
profundidade, alguns dependentes do uso dos dois olhos,
alguma forma organizamos percepções tridimensionais. A
outros disponíveis para cada olho separadamente.

p e rc e p ç ã o de p ro fu n d id a d e a c a p a cid a d e de ver
o b je to s em trê s dim ensões em b ora as im agens que
chegam à retin a sejam bid im e n sio n a is; p e rm ite -n o s
ju lg a r a distâ ncia.

a b is m o visu al um d is p o s itiv o de la b o ra tó rio usado


para te s ta r a p e rce p çã o de p ro fu n d id a d e em bebês e
anim ais jovens.

in d ic a d o re s b in o c u la re s in d ic a d o re s de p ro fu n d id a d e ,
co m o a d is p a rid a d e retin ia na, que de p e n d e m d o uso
dos d o is olhos.

d is p a rid a d e re tin ia n a um in d ic a d o r b in o c u la r para a


p e rce p çã o de p ro fu n d id a d e : c o m p a ra n d o im agens das
retin as em am b os os olhos, o c é re b ro calcula a d istâ ncia
- q u a n to m a io r a d is p a rid a d e (d ife re n ç a ) e n tre as duas
im agens, mais p ró x im o o o b je to .

in d ic a d o re s m o n o cu la re s in d ica d o re s de
p ro fu n d id a d e , c o m o in te rp o s iç ã o e p e rs p e c tiv a linear,
d isp o n íve is para cada oiho.

> FIG UR A 6 .3 0
Princípios de agrupamento Qual é o segredo desta casinha de Indicadores Binoculares
cachorro impossível? Você provavelmente a percebe como uma Tente isto: com os dois olhos abertos, segure duas canetas ou
gestalt - uma estrutura completa (apesar de impossível). Na verdade,
seu cérebro impõe esse senso de completude à imagem. Como
lápis a sua frente e encoste a ponta de um na do outro. Agora
mostra a Figura 6.34, os princípios de agrupamento da Gestalt, como faça o mesmo com um olho fechado. Com um olho, a tarefa
o fechamento e a continuidade, estão funcionando aqui. torna-se nitidamente mais difícil, o que demonstra a impor­
>• FIG U R A 6.31
A salsicha de dedos flutuante Ponha os dois
dedos indicadores a cerca de 10 cm de distância
dos olhos, com as extremidades a pouco mais de
1 cm uma da outra. Agora olhe para além deles e
note o estranho resultado. Afaste-os, e a
disparidade retiniana - e a salsicha de dedos -
encolherá.

tância dos indicadores binoculares para o julgamento da imagem da câmera esquerda e o olho direito ver a imagem
distância entre objetos próximos. Dois olhos é melhor que da câmera direita, o efeito 3-D imita ou exagera a disparidade
um. retiniana normal. De forma semelhante, câmeras gêmeas em
Como nossos olhos estão a cerca de 6 cm de distância um aviões podem fotografar o relevo para integração em mapas
do outro, as retinas recebem imagens ligeiramente diferentes tridimensionais.
do mundo. Quando o cérebro compara ambas as imagens, a
diferença entre elas - sua disparidade retin ian a - fornece
um importante indicador binocular da distância relativa entre Indicadores Monoculares
objetos diferentes. Quando se põem os dedos diretamente à Como julgamos se uma pessoa está a 10 ou a 100 metros de
frente do nariz, as retinas recebem visões bastante distintas. distância? Em ambos os casos, a disparidade retiniana, ao
(Você pode constatar isso se fechar um olho e depois o outro, olharmos para a frente, é pequena. A essas distâncias, depen­
ou se criar uma “salsicha” com os dedos como na FIGURA demos de indicadores m onoculares (disponíveis para cada
6 .3 1 .) A uma distância maior - digamos, quando os dedos olho separadamente). Esses indicadores também influenciam
ficam à distância de um braço a disparidade é menor. nossas percepcões cotidianas. O Gateway Arch de St. Louis
Os criadores dos filmes em três dimensões (3-D ) simulam (FIGURA 6 .3 2 ) - a maior ilusão do mundo construída pelo
ou exageram a disparidade retiniana fotografando uma cena homem - é mais alto do que largo? Ou mais largo do que
com duas câmeras posicionadas a poucos centímetros de dis­ alto? Para a maioria das pessoas, ele parece mais alto. Na
tância uma da outra (uma característica que podemos querer verdade, a altura e a largura são iguais. A altura relativa pos­
incluir em nosso computador visual). Quando assistimos ao sivelmente contribui para essa inexplicável ilusão horizontal-
filme usando óculos que permitem ao olho esquerdo ver a vertical - o fato de percebermos dimensões verticais como
maiores que dimensões horizontais idênticas. Não é de se
admirar que as pessoas (mesmo barmen experientes) botem
menos suco quando recebem um copo alto e estreito do que
ao receberem um copo baixo e largo (Wansink e van Ittersum,
2003, 2005).
Outro indicador monocular de profundidade, o efeito de
luz e sombra, pode ter contribuído para inúmeros acidentes
quando os degraus do novo ginásio de nossa faculdade foram
impropriamente pintados de preto nas extremidades (fazendo-
as parecer mais distantes) e de prateado na superfície plana
abaixo (fazendo-as parecer mais próximas). O aparente resul­
tado foi a percepção equivocada de que não havia degraus
abaixo e (para alguns) entorses nos tornozelos e nas costas.
A FIGURA 6 .3 3 ilustra a altura relativa, o efeito de luz e
sombra e outros indicadores monoculares.

Percepção de Movimento
I V l ' M JU J*

19: Como percebemos o movimento?

>- FIG U R A 6.32 Imagine que você fosse capaz de perceber o mundo como
O Gateway Arch de S t Louis O que é maior: sua altura ou largura? dotado de cor, forma e profundidade, mas que não pudesse
Mí.o ttnho |>eM!.e.fsçã.o i t f>t-oÇuriAiA<vAt.
Há um -V 'pxxrtxà.o ¥VX ou
tem unr\«K 'bc.ssov^Wc^ rso <L<xbeJo?

p
' t t l :
II
\ v ^ ijfl

Altura relativa Percebemos objetos mais


altos em nosso campo de visão como se
estivessem mais longe. Por percebermos a
parte inferior de uma ilustração de figura e
fundo como mais próxima, a assimilamos como
figura (Vecera et al., 2002). Inverta a ilustração
acima e o preto se tornará o fundo, como um Tamanho relativo Se supusermos que
céu noturno. dois objetos são semelhantes em
Interposição Se um objeto bloqueia
tamanho, a maioria das pessoas irá
parcialmente nossa visão de outro, nós o
perceber aquele que tiver a menor
percebemos como mais próximo. Os
imagem retiniana como mais distante.
indicadores de profundidade fornecidos pela
interposição fazem desta uma cena impossível.

^ V \
\ \ V

Movimento relativo À
medida que nos movemos,
objetos na realidade estáveis
podem parecer se mover. Se
enquanto estiver em um
ônibus você fixar o olhar em
algum objeto - digamos,
uma casa - os elementos
além do ponto de fixação
parecerão mover-se com
você, e os que estão à frente
dele parecerão ir para trás.
Quanto mais longe esses
objetos estiverem do ponto
Perspectiva linear Linhas paralelas, tais como trilhos de fixação, mais rápido
ferroviários, parecem convergir a distância. Quanto mais parecerão mover-se.
Direção do movimento da passageira
convergem, maior sua distância percebida.

ver movimento. Você não apenas seria incapaz de andar de


bicicleta ou de dirigir, como também teria dificuldade para
escrever, comer e caminhar.
Normalmente, seu cérebro calcula o movimento baseado
em parte na suposição de que objetos que encolhem estão se
afastando (e não diminuindo) e aqueles que aumentam estão
se aproximando. No entanto, você é imperfeito na percepção
de movimento. Objetos grandes, como trens, parecem mover-
se com mais lentidão do que os pequenos, como carros
andando à mesma velocidade. (Talvez em um aeroporto você
tenha notado que aviões Jumbo parecem aterrissar mais len­
Luz e sombra Objetos próximos refletem mais luz em nossos olhos.
tamente que jatos pequenos.)
Assim, dados dois objetos idênticos, o mais escuro parece mais Para pegar uma bola que tenha sido lançada, jogadores de
distante. A sombra também produz um sentido de profundidade softbol ou críquete (ao contrário de motoristas) buscam uma
condizente com nossa pressuposição de que a luz vem de cima. colisão - com a bola que voa em sua direção. Para consegui-
Inverta a ilustração abaixo e o orifício na fileira inferior se transformará la, seguem uma regra inconsciente - uma que não podem
em uma protuberância. (A reprodução colorida desta figura encontra-
explicar, mas sabem por intuição: correr para manter a bola
se no Encarte em Cores.)
em um ângulo de visão constantemente crescente (McBeath
>- FIG U R A 6.3 3 et al., 1995). Um cão faz o mesmo ao pegar um frisbee (Shaf-
Indicadores monoculares de profundidade fer et al., 2004).
>- FIG U R A 6 .35
Percebendo a forma Será que os tampos dessas mesas têm
dimensões diferentes? Aparentemente sim. Porém - acredite ou não -
elas são idênticas. (Meça e veja.) Em ambas as mesas, ajustamos
nossas percepções em relação ao ângulo de visão.

> FIG U R A 6 .3 4
A solução Outra visão da casinha de cachorro impossível da Figura por mudanças de forma, tamanho, brilho ou cor - uma habi­
6.30 revela os segredos dessa ilusão. Do ângulo da foto naquela lidade a que chamamos constância perceptiva. Indepen­
figura, o princípio do fechamento leva-nos a perceber as bordas como
se fossem contínuas. dentemente do ângulo de visão, da distância ou da ilumina­
ção, esse processo de cima para baixo (top-down) permite-nos
identificar pessoas e objetos em menos tempo do que leva­
mos para respirar. Esse recurso perceptivo humano, que há
O cérebro também perceberá o movimento contínuo em décadas deixa pesquisadores intrigados, impõe um desafio
uma rápida série de imagens sutilmente variáveis (um fenô­ monumental ao nosso computador perceptivo.
meno chamado movimento estroboscópico). Como bem sabem
os artistas de animação, pode-se criar essa ilusão projetando-
se 24 imagens estáticas por segundo. O movimento que vemos Constâncias de Forma e Tamanho
então em populares filmes de aventura e ação não está na Às vezes, um objeto cuja forma real não pode mudar parece
tela, que apresenta simplesmente uma sucessão de imagens mudar de acordo com o ângulo de visão (FIGURA 6 .3 5 ).
de forma extremamente rápida. O movimento é construído Com mais frequência, graças à constância deform a, percebe­
em nossas mentes. Propagandas luminosas criam outra ilu­ mos o formato de objetos familiares, como a porta na FIGURA
são de movimento utilizando o fenôm eno fi. Quando duas 6 .3 6 adiante, como constante mesmo que sua imagem em
luzes estacionárias adjacentes acendem e apagam em uma nossa retina mude.
rápida seqüência, percebemos uma única luz movendo-se Graças à constância de tam anho, percebemos os objetos
para lá e para cá entre elas. Sinais luminosos exploram o como dotados de um tamanho constante, mesmo que nossa
fenômeno fi com uma sucessão de luzes que cria a impressão distância em relação a eles varie. Presumimos que um carro
de algo como uma flecha em movimento. é grande o bastante para transportar pessoas, mesmo quando
Todas essas ilusões reforçam uma lição fundamental: a vemos sua minúscula imagem a dois quarteirões de distân­
percepção não é uma mera projeção do mundo sobre o cére­ cia. Isso ilustra a estreita conexão entre a distância e o tam a­
bro. Em vez disso, as sensações são desmembradas em por­ nho percebidos. Perceber a distância de um objeto fornece-
ções de informação que o cérebro então reúne, segundo seu nos indicações de seu tamanho. Da mesma forma, saber seu
próprio modelo funcional do mundo externo. Nosso cérebro tamanho geral - que se trata de um carro - nos dá indicações
constrói nossas percepções. de sua distância.
É impressionante como a percepção do tamanho ocorre
fenômeno fi uma ilusão de movimento criada quando
duas ou mais luzes adjacentes acendem e apagam em
sem grande esforço. Ao serem fornecidos a distância perce­
uma rápida seqüência. bida de um objeto e o tamanho de sua imagem em nossas
retinas, inferim os in stan tânea e in con scien tem ente o
constância perceptiva perceber objetos como
inalterados (tendo constância de formas, tamanho,
claridade e cor) mesmo quando a iluminação e as
imagens retinianas mudam.

Constância Perceptiva

2 0 : Como as constâncias perceptivas nos ajudam


III
a organizar nossas sensações em percepções
significativas? III □
Até aqui, observamos que nosso sistema de vídeo/computa­ > FIG U R A 6 .3 6
dor precisa primeiro perceber objetos como nós o fazemos Constância de forma Uma porta gera uma imagem
- dotados de forma, localização e talvez movimento distin­ crescentemente trapezoidal em nossas retinas ao se abrir, e ainda
tos. Sua próxima tarefa é reconhecê-los sem ser enganado assim nós a percebemos como retangular.
>• FIG UR A 6 .37
A interação entre tamanho percebido e
distância (a) Os indicadores monoculares de distância
(como a perspectiva linear e a altura relativa) fazem o
monstro perseguidor parecer maior que o perseguido. Mas
não é. (b) Esse truque visual, chamado ilusão de Ponzo, é
baseado no mesmo princípio mostrado no caso dos
monstros fugitivos. As duas tarjas vermelhas geram
imagens de tamanhos idênticos em nossas retinas. A
experiência, porém, nos diz que um objeto mais distante
só pode criar uma imagem de mesmo tamanho que a de
um mais próximo se for de fato maior. Como resultado,
percebemos como maior a tarja que parece mais longe. (A
reprodução colorida destas figuras encontra-se no Encarte
em Cores.)

tamanho desse objeto. Embora os monstros na FIGURA indicadores de distância - olhando para a Lua no horizonte
6 .3 7 a gerem as mesmas imagens na retina, a perspectiva (ou para cada monstro, ou ainda para cada tarja) através de
linear informa ao cérebro que aquele que está perseguindo o um tubo de papel - e o objeto imediatamente encolherá.
outro está mais longe. Consequentemente, o percebemos As relações entre tamanho e distância também explicam
como maior. por que na FIGURA 6 .3 8 as duas garotas da mesma idade
parecem tão diferentes em tamanho. Como o diagrama revela,
constância de cor perceber a cor de um objeto elas têm na verdade aproximadamente o mesmo tamanho,
familiar como constante, mesmo que a mudança da
iluminação altere os comprimentos de onda refletidos mas a sala está distorcida. Se a sala for vista com um olho
por ele. através de um orifício, suas paredes trapezoidais produzirão
as mesmas imagens que as de uma sala retangular normal
Essa interação entre tamanho percebido e distância per­ vista com os dois olhos. Quando apresentado à visão mono-
cebida ajuda a explicar diversas ilusões bastante conhecidas. cular da câmera, o cérebro faz a suposição razoável de que a
Por exemplo, você imagina por que a Lua parece até 50% sala é normal e que cada garota está, portanto, à mesma dis­
maior quando próxima do horizonte do que quando mais tância de nós. E, dados os tamanhos diferentes de suas ima­
alta no céu? Durante pelo menos 22 séculos, estudiosos deba­ gens na retina, o cérebro acaba calculando que as meninas
teram essa questão (Hershenson, 1989). Uma razão para a são muito diferentes em tamanho.
ilusão da Lua é que indicadores de distâncias de objetos fazem Nossos eventuais equívocos revelam o funcionamento dos
com que no horizonte - como o monstro distante na FIGURA normalmente eficazes processos perceptivos. A relação per­
6 .3 7 a e a tarja distante na ilusão de Ponzo na FIGURA 6 .3 7 b cebida entre distância e tamanho costuma ser válida. Porém,
- ela pareça estar mais longe, e portanto, maior que no alto sob circunstâncias especiais, pode levar-nos ao erro - como
do céu noturno (Kaufman e Kaufman, 20 0 0 ). Descarte esses ao ajudar a criar a ilusão da Lua ou a ilusão de Ames.

> FIG U R A 6 .3 8
A ilusão das garotas encolhida e aumentada A sala distorcida, projetada por Adelbert Ames, parece ter um formato retangular normal
quando vista com um olho através de um orifício. A garota no canto direito parece desproporcionalmente grande porque julgamos seu tamanho
com base na suposição falsa de que ela está à mesma distância que a menina no outro canto.
Constância de Claridade
O papel branco reflete 90% da luz que incide sobre ele; o
negro, apenas 10%. À luz do sol, um papel negro pode refle­
tir 100 vezes mais luz que um papel branco visto em um
ambiente fechado, mas ainda parece negro (McBurney e
Collings, 1984). Esse fenômeno ilustra a constância de clari­
dade (também chamada constância de brilho); percebemos um
objeto como dotado de claridade constante mesmo que sua
iluminação varie.
A claridade percebida depende da luminância relativa - a
quantidade de luz que um objeto reflete em relação àquilo
que o rodeia (FIGURA 6 .3 9 ) . Se você vir um papel negro
iluminado pelo sol através de um tubo estreito, de modo que
nada mais fique visível, ele pode parecer cinza, pois sob o bri­ > FIG U R A 6 .3 9
lho do sol ele reflete uma grande quantidade de luz. Olhe-o Luminância relativa Os quadrados A e B são idênticos em cor,
sem o tubo e ele voltará a ser negro, porque reflete muito acredite ou não. (Se não acreditar, tire uma cópia da ilustração, corte
menos luz que os objetos à sua volta. os quadrados e compare.) No entanto, percebemos o quadrado B
como mais claro, graças ao contexto adjacente.

Constância de Cor
À medida que a luz muda, uma maçã vermelha em uma tigela muda (como está drasticamente evidenciado na FIGURA
de frutas permanece vermelha. Isso acontece porque nossa 6 .4 0 ) . Esse princípio - o de que percebemos objetos não de
experiência de cor depende de algo mais que a informação maneira isolada, mas em seu contexto - é importante para
de comprimentos de onda recebida pelos cones da retina. as artes, a decoração de interiores e o design de roupas. Nossa
Esse algo a mais é o contexto adjacente. Se visualizarmos ape­ percepção da cor de uma parede ou de uma faixa de tinta
nas uma parte da maçã vermelha, sua cor parecerá mudar sobre uma tela é determinada não apenas pela tinta na lata,
conforme a luz. Se no entanto virmos a maçã inteira como mas pelas cores adjacentes. A lição que levamos para casa: as
um item em uma tigela de frutas frescas, sua cor continuará comparações governam as percepções.
basicamente constante com a alteração da iluminação e dos
***
comprimentos de onda - um fenômeno conhecido como
c o n stân cia de cor. Dorothea Jameson (1 9 8 5 ) observou que
Percepção de forma, percepção de profundidade, percep­
um objeto colorido de azul sob a luz de um ambiente fechado ção de movimento e constância perceptiva esclarecem a forma
reflete a mesma quantidade de comprimentos de onda refle­ como organizamos nossas experiências visuais. A organização
tidos por um objeto dourado à luz do sol. Mesmo assim, se perceptiva aplica-se também a outros sentidos. Isso explica
você puser um pássaro azulão em um ambiente fechado, ele por que percebemos o toque contínuo de um relógio não
não vai parecer um pintassilgo. Da mesma forma, uma folha como um tique-tique-tique, mas como sons agrupados, diga­
verde pendendo de um galho marrom pode, quando a ilumi­ mos, TIQUE-tique, TIQUE-tique. Ao escutarmos uma língua
nação mudar, refletir a mesma energia luminosa que antes que não nos é familiar, temos dificuldade em discernir quando
vinha do galho. Ainda assim, para nós, a folha permanece uma palavra termina e a outra começa. Ao escutarmos nossa
esverdeada e o galho, amarronzado. Ponha óculos de esqui própria língua, automaticamente ouvimos palavras distintas.
amarelos e, após um segundo, a neve parecerá tão branca Isso também reflete a organização perceptiva. Mas vai além,
quanto antes. visto que até mesmo organizamos uma seqüência de letras
- VIVEREMOSETERNAMENTE - em palavras que formem

"De lá para cá, de cá para lá, as coisas engraçad as estão


em todo lugar."
Dr. Seuss, One Fish, Two Fish, Red Fish, Blue Fish, 19E0

Embora tenhamos como certa a constância de cor, o fenô­


meno é verdadeiramente notável. Ele demonstra que nossa
experiência de cor vem não apenas do objeto - a cor não está
na folha isolada - mas também de tudo em torno dele. Você
e eu vemos a cor graças a nosso processamento cerebral da
luz refletida por qualquer objeto em relação àquilo que o cerca.
Porém, isso ocorre somente se crescermos sob exposição nor­
mal da luz, ao que parece. Macacos criados sob uma faixa
limitada de comprimentos de luz, mais tarde, apresentam
mais dificuldade de reconhecer a mesma cor quando a ilu­
minação varia (Sugita, 20 0 4 ).
> FIG U R A 6 .4 0
Em um contexto invariável, mantemos a constância de A cor depende do contexto Acredite ou não, os três discos azuis
cor. Mas e se mudarmos o contexto? Como o cérebro computa são idênticos em cor. (A reprodução colorida desta figura encontra-se
a cor de um objeto em relação a seu contexto, a cor percebida no Encarte em Cores.)
uma frase inteligível; mais provavelmente “Viveremos eter­ çamento nos cristalinos que lhes permitia ver apenas a luz
namente” do que “Vi veremos eterna mente” (McBurney e difusa, da forma como você ou eu veríamos uma neblina
Collings, 1984). Esse processo envolve não apenas a organi­ difusa através de uma bola de pingue-pongue cortada ao meio.
zação que discutimos, mas também a interpretação - discer­ Após a cirurgia para catarata, os pacientes tornaram-se capa­
nir significado naquilo que percebemos. Este é o tópico para zes de distinguir figura e fundo e de perceber cores - o que
o qual nos voltaremos a seguir. sugere que esses aspectos da percepção são inatos. Porém,
como Locke supunha, muitas vezes eram incapazes de reco­
nhecer visualmente objetos que eram familiares pelo tato.
ANTES DE P R O S S E G U IR ...
A experiência também influencia nossa percepção de faces.
Você e eu percebemos rostos individuais como um todo. Se
> Pergunte a Si Mesmo nos mostrarem a metade superior da mesma face combinada
Tente desenhar de forma realística a cena que você vê pela com duas metades inferiores diferentes (como na FIGURA
janela. Quantos indicadores monoculares você usará em seu 6 .4 1 ), as metades superiores, idênticas, parecerão diferentes.
desenho? Pessoas privadas de experiência visual durante a infância
superam as outras na tarefa de reconhecer que as metades de
>► T este a Si M esm o 5 cima são a mesma imagem, pois não aprenderam a processar
O que queremos dizer ao afirmarmos que, na percepção, o faces como um todo (Le Grand et al., 20 0 4 ). Um homem de
todo é maior que a soma das partes? 43 anos cuja visão foi recentemente restaurada após 40 anos
de cegueira foi capaz de associar pessoas a características dis­
A s re s p o s ta s à s Q u e s t õ e s " T e s t e a Si M e s m o " p o d e m s e r e n c o n t r a d a s n o tintas ( “Mary é a ruiva”). No entanto, não podia reconhecer
A p ê n d ic e B . n o fin a l d o liv r o . uma face instantaneamente. Ele também carecia de constân­
cia perceptiva: à medida que os outros se afastavam dele,
pareciam encolher (Bower, 2003). A visão, como esses casos
deixam evidente, é em parte um sentido adquirido.
Interpretação Perceptiva Buscando obter mais controle do que os casos clínicos for­
necem, pesquisadores conduziram o experimento imaginário
FILÓSOFOS JÁ DEBATERAM SE nossas capacidades percep- de Molyneux com filhotes de gatos e de macacos. Em um
tivas deveriam ser creditadas a nossa natureza ou a nossa experimento, eles equiparam os animais com óculos através
cultura. Até que ponto aprendemos a perceber? O filósofo ale­ dos quais era possível ver apenas luz difusa e sem padrão
mão Immanuel Kant (1 724-1804) sustentava que o conhe­ (Wiesel, 1982). Após crescerem, os óculos foram removidos,
cimento vem de nossas formas inatas de organizar as expe­ e os animais exibiram limitações perceptivas muito seme­
riências sensoriais. De fato, já nascemos equipados para pro­ lhantes às de humanos nascidos com catarata. Eles eram
cessar informações sensoriais. Porém, o britânico John Locke capazes de distinguir cor e brilho, mas não a forma de um
(1632-1 7 0 4 ) argumentou que por meio de nossas experiên­ círculo da de um quadrado. Seus olhos não haviam se dege­
cias também aprendemos a perceber o mundo. De fato, apren­ nerado, suas retinas ainda transmitiam sinais ao córtex visual.
demos a relacionar a distância de um objeto ao tamanho dele. Porém, devido à falta de estimulação, as células corticais não
Então, qual é a importância da experiência? Até que ponto desenvolveram conexões normais. Assim, os animais perma-
ela molda nossas interpretações perceptivas?

“S u p o n h am os en tão que a m en te s e ja , com o dizem os, um


pap el b ra n co , v azio de q u a is q u e r c a r a c te r e s , sem
n e n h u m a id eia: com o e la é p reen ch id a?... A iss o eu
resp ond o, em u m a p a la v ra : p e la EXPERIÊNCIA.”
Jo h n Locke, Ensaio acerca do Entendimento Humano, 1690

Privação Sensorial e Visão Restaurada


............ ...............................•••
2 1 : O q u e a pesquisa a re s p e ito da restrição
sensorial e da visão re s ta u rad a revela so bre os
e fe ito s da experiência?

Ao escrever para John Locke, William Molyneux questionou


se “um homem nascido cego, e agora adulto, ensinado por
seu tato a distinguir entre um cubo e uma esfera”, poderia, >- FIG U RA 6.41
se obtivesse a visão, discernir ambos visualmente. Locke res­ Percebendo faces compostas Para a maioria das pessoas, as
pondeu que não, porque o homem jamais teria aprendido a metades superiores dos rostos no topo da figura, criados por Richard
ver a diferença. Le Grand e seus colegas (2004), parecem diferentes. Na verdade, são
O caso hipotético de Molyneux tem sido desde então posto a mesma, mas combinadas com duas metades inferiores diferentes.
Indivíduos precocemente privados de experiência visual têm mais
à prova com algumas dezenas de adultos que, embora cegos dificuldade para perceber faces inteiras, o que, por ironia, possibilita
desde o nascimento, adquiriram a visão (Gregory, 1978; von sua superioridade em reconhecer que as metades superiores dessas
Senden, 1932). A maioria nasceu com catarata - um emba- faces são idênticas.
neceram funcionalmente cegos à forma. A experiência guia, A princípio, Stratton sentiu-se desorientado. Quando que­
sustenta e mantém a organização neural do cérebro. ria caminhar, via-se procurando os próprios pés, que agora
Tanto em humanos como em animais, um período simi­ estavam “no alto”. Comer era quase impossível. Ficou nau­
lar de restrição sensorial não provoca dano permanente se seado e deprimido. Mas persistiu, e, no oitavo dia, já era capaz
ocorrer em um momento posterior da vida. Cubra o olho de de alcançar confortavelmente algo na direção certa e andar
um animal durante vários meses na idade adulta e a visão sem tropeçar em nada. Quando enfim retirou o capacete, a
dele não ficará afetada depois que a venda for retirada. Remova readaptação foi rápida.
a catarata desenvolvida após a primeira infância e um humano O experimento de Stratton foi replicado posteriormente
também desfrutará de visão normal. (Dolezal, 1982; Kohler, 1962). Após um período de ajuste,
Os efeitos das experiências visuais durante a infância em pessoas que usavam o capacete óptico foram capazes até
gatos, macacos e humanos sugerem que existe um período mesmo de guiar uma motocicleta, de esquiar no Alpes e de
crítico (Capítulo 5) para o desenvolvimento sensorial e per­ pilotar um avião. Elas se ajustaram convertendo perceptiva-
ceptivo normal. Da mesma forma, implantes cocleares rea­ mente seu estranho mundo para visões “normais”? Não. Na
lizados em filhotes de gato e bebês humanos congenitamente verdade, o mundo em torno delas ainda parecia estar acima
surdos parecem desencadear um “despertar” da área cerebral de suas cabeças ou do lado errado. Porém, movendo-se de
correspondente (Klinke et al., 1999; Sirenteanu, 1999). A forma ativa nesse mundo caótico, elas se adaptaram ao con­
experiência esculpe o que a natureza concedeu. texto e aprenderam a coordenar seus movimentos.
Experimentos envolvendo limitações e vantagens percep-
tivas causadas pela privação sensorial precoce fornecem uma
resposta parcial à persistente pergunta sobre a experiência: o Conjunto Perceptivo
efeito da experiência precoce dura a vida toda? Para alguns
aspectos da percepção visual e auditiva, a resposta claramente 2 3 : Como as nossas expectativas, contextos e
é sim: “Use logo ou perca.” Retemos a marca das primeiras emoções influenciam as nossas percepções?
experiências sensoriais no futuro.
Como todos sabem, ver é crer. E, embora nos agrade menos,
Adaptação Perceptiva crer é ver. Nossas experiências, suposições e expectativas
podem nos proporcionar um conjunto perceptivo, ou pre­
2 2 : Até que ponto nossa capacidade de perceber disposição mental, que influencia em grande medida (de cima
é adaptável? para baixo/top-dow n) o que percebemos. As pessoas perce­
bem um adulto e uma criança como mais parecidos quando
informadas de que são pai e filho (Bressan e Dal Martello,
Ao recebermos um novo par de óculos, podemos nos sentir
2 0 0 2 ). E considere: seria a imagem na gravura central da
ligeiramente desorientados, até mesmo tontos. Um ou dois
FIGURA 6 .4 2 um homem tocando saxofone ou um rosto
dias depois, ajustamo-nos. Nossa adaptação perceptiva a
feminino? O que vemos em um desenho como esse pode
informações visuais alteradas faz o mundo parecer normal
sofrer influência se olharmos primeiro para uma das duas
outra vez. No entanto, imagine um novo par de óculos muito
versões não ambíguas (Boring, 1930).
mais drástico - um que mude a localização aparente dos obje­
tos 40 graus para a esquerda. Quando você o põe pela pri­
meira vez e passa uma bola para um amigo, ela escapa para
a esquerda. Ao caminhar para a frente no intuito de apertar
a mão da pessoa, você desvia para o lado esquerdo. “A tentação de form ar teorias prem atu ras sobre dados
in su ficien tes é o veneno de nossa profissão."
a d a p ta ç ã o p e rc e p tiv a na visão, a c a p a cid a d e de se
Sherlock Holmes, em 0 Vale do Medo
aju sta r a um ca m p o visual d e slo ca d o ou até in v e rtid o
(1914], de Arthur Conan Doyle
a rtific ia lm e n te .

c o n ju n to p e rc e p tiv o um a p re d isp o siçã o m en ta l para


p e rc e o e r uma coisa e não ou tra .
Uma vez que tenhamos formado uma ideia errada acerca
Você seria capaz de se adaptar a esse mundo distorcido? da realidade, temos mais dificuldade para enxergar a verdade.
Pintos não são. Equipados com tais lentes, eles continuam Os exemplos cotidianos de conjunto perceptivo são abun­
bicando no local onde os grãos de comida parecem estar (Hess, dantes. Em 1972, um jornal britânico publicou fotografias
1956; Rossi, 1968). Nós humanos, porém, nos adaptamos genuínas, sem retoques, de um “monstro” no Lago Ness, na
rapidamente a lentes distorcidas. Em alguns minutos seus Escócia - “as mais incríveis fotos já tiradas”, afirmou o peri­
arremessos voltariam a ser precisos, e seus passos seguiriam ódico. Se essa informação gera em você o mesmo conjunto
a direção certa. Se removesse as lentes, você sentiria um pós- perceptivo que gerou na maioria dos leitores, você também
efeito: no início, os arremessos seguiriam a direção oposta, verá o monstro na foto reproduzida na FIGURA 6 .4 3 a .
escapando para a direita, mas, novamente, após alguns minu­ Porém, quando Steuart Campbell (1986) analisou as fotos
tos você se readaptaria. sob um conjunto perceptivo diferente, viu um tronco de
De fato, ao receber um par de óculos ainda mais radical árvore virado - como outros viram no dia em que elas foram
- um que literalmente virasse o mundo de cabeça para baixo tiradas. Com esse conjunto perceptivo diferente, você pode
você ainda seria capaz de se adaptar. O psicólogo George agora notar que o objeto está flutuando sem movimento; não
Stratton (1896) passou por essa experiência ao inventar, e há ondulações na água ou rastros em torno dele - o que não
usar durante oito dias, um capacete óptico que trocava o lado esperaríamos de um vivido monstro.
esquerdo pelo direito e a parte de cima pela de baixo, fazendo O conjunto perceptivo pode influenciar nossa audição de
dele a primeira pessoa a experimentar uma imagem retiniana maneira semelhante. Considere o gentil piloto de uma com­
com o lado direito para cima enquanto estava de pé. O chão panhia aérea que, prestes a realizar a decolagem, olhou para
subiu e o céu desceu. seu deprimido copiloto e disse: “Anime-se.” O copiloto ouviu
► F IG U R A 6 .4 2
Conjunto perceptivo Mostre a um
amigo a imagem da esquerda ou a da
direita. Depois mostre a do centro e
pergunte o que ele vê. O fato de ele
afirmar ver um saxofonista ou um rosto
feminino provavelmente dependerá de
qual dos dois desenhos ele visualizou
primeiro. Em cada um deles, o significado
está claro e irá estabelecer as
expectativas perceptivas.

o habitual “Prepare-se” e prontamente recolheu as rodas -


antes de deixarem o solo (Reason e Mycielska, 1982). O con­
junto perceptivo também influenciou alguns clientes de bar
convidados a experimentar uma amostra grátis de cerveja
(Lee et al., 20 0 6 ). Quando pesquisadores adicionaram algu­
mas gotas de vinagre a uma determinada marca de bebida,
os degustadores deram preferência a ela - a menos que tives­
sem sido avisados de que estavam bebendo cerveja misturada
com vinagre e assim esperassem, e em geral experimentas­
sem, um sabor mais desagradável. E a mesma influência
ocorre com as preferências gustativas de crianças em idade
pré-escolar. Por uma margem de 6 para 1 em um experimento,
elas consideraram batatas fritas mais saborosas quando ser­
vidas em uma embalagem do McDonald’s do que em um saco
branco comum (Robinson et al., 2007). Claramente, grande
parte do que percebemos vem não apenas do mundo “lá fora”,
mas também daquilo que está atrás de nossos olhos e entre
nossas orelhas.

A o le re m a frase:
Atirei o Pré-ativado (pr/med) para ver faces O cérebro humano, um
o pau no gato detector de faces supersensível, pode encontrar "a face de Deus" em
m u ita s p e sso a s p e rc e b e m o q u e e sp e ra m , se m se uma formação nebulosa ou, como nesta foto, na concha de uma ostra.
d a r c o n ta da p a la v ra re p e tid a . Isso a c o n te c e u c o m
vo cê ?

O que determina nosso conjunto perceptivo? Por meio da de nuvens e de óvnis, todos influenciam o modo como inter­
experiência, formamos conceitos, ou esquemas, que organi­ pretamos sensações ambíguas com processamento de cima
zam e interpretam informações não familiares (ver Capítulo para baixo (top-down).
5). Nossos esquemas preexistentes de homens saxofonistas Nossos esquemas para faces nos tornam propensos a ver
e de rostos femininos, de monstros e de troncos de árvore, padrões faciais mesmo em configurações aleatórias, como a

> F IG U R A 6 .4 3
Crer é ver O que você percebe nestas fotos? (a) Trata-se de Nessie, o monstro do Lago Ness, ou de um tronco? (b) Isto são discos voadores ou
nuvens? Muitas vezes percebemos o que esperamos ver.
66
Porcentagem de
estudantes que
reconheceram 4,2
corretamente o <,0
rosto 56

56 Anticaricatura Verdadeiro Caricatura


54
52
50
I
Anticaricatura Veraaaeiro Caricatura

> F IG U R A 6 .4 4
Reconhecendo faces Quando mostrada rapidamente, uma caricatura de Arnold Schwarzenegger foi reconhecida com mais precisão do que ele
próprio. Idem para outros rostos masculinos familiares.

vista da Lua, nuvens, rochas ou pãezinhos de canela. Kieran • A “caixa do mágico” na FIGURA 6 .4 5 está sobre o chão
Lee, Graham Byatt e Gillian Rhodes (2 0 0 0 ) demonstraram ou pendurada no teto? O modo como o percebemos
como reconhecemos pessoas pelas características faciais que depende do contexto definido pelos coelhos.
cartunistas podem destacar. Por não mais que uma fração • Qual é a altura do jogador mais baixo na FIGURA 6 .4 6 ?
de segundo, eles mostraram a alunos da Universidade do
Oeste da Austrália três versões de rostos familiares - o ver­ Até ouvir uma música triste em vez de uma alegre pode
dadeiro, uma caricatura criada por computador, que acen­ predispor a pessoa a perceber um significado triste quando
tuava as diferenças entre esta face e uma face comum, e uma palavras com sons semelhantes são pronunciadas - lamento
“anticaricatura”, que alterava as feições mais características em vez de alento, morte em vez de sorte, dor em vez de cor
da face verdadeira. Como mostra a FIGURA 6 .4 4 , os estu­ (Halberstadt et al., 1995).
dantes reconheceram com mais exatidão as caricaturas do Os efeitos do conjunto perceptivo e do contexto mostram
que os rostos verdadeiros. Uma caricatura de Arnold Schwar­ como a experiência nos ajuda a construir a percepção. Na
zenegger é mais reconhecida como Schwarzenegger do que vida diária, por exemplo, os estereótipos de gênero (outro
ele próprio! caso de conjunto perceptivo) podem realçar a percepção. Sem
as pistas óbvias do azul ou do rosa, as pessoas ficam em dúvida
quanto a chamar o novo bebê de “ele” ou “ela”. Mas, se infor­
Efeitos Contextuais madas de que seu nome é “David”, essas pessoas (especial­
Um dado estímulo pode desencadear percepções radicalmente mente crianças) podem percebê-lo como maior e mais forte
diferentes, em parte devido a nossos conjuntos diferentes, mas do que se o mesmo bebê se chamasse “Diana” (Stern e Kar-
também por causa do contexto imediato. Alguns exemplos: raker, 1989). Algumas diferenças, ao que parece, existem
• Imagine ouvir um barulho interrompido pelas palavras: meramente nos olhos de quem vê.
“undo gira”. Provavelmente você perceberia a primeira
palavra como mundo. Dado “undo do poço”, você
ouviria fundo. Esse curioso fenômeno, descoberto por
Richard Warren, sugere que o cérebro pode funcionar de
trás para a frente no tempo para permitir que um “□uvimas e apreendem os apenas o que já nos é
estímulo posterior determine como percebemos um parcialm ente conhecido."
anterior. O contexto cria uma expectativa que, de cima Henry Eavid Thoreau, Diário, 1060
para baixo (de maneira top-down), influencia nossa
percepção quando comparamos nosso sinal de baixo
para cima (bottom-up) com ele (Grossberg, 1995).
• O monstro perseguidor na FIGURA 6 .3 7 a parecia Emoção e Motivação
agressivo? O idêntico perseguido parecia assustado? Se a As percepções são influenciadas, de cima para baixo (top-
resposta for sim, você experimentou um efeito down), não apenas por nossas expectativas e pelo contexto,
contextual. mas também por nossas emoções. Dennis Proffitt (2006a, b)

> FIG U R A 6 .4 5
Efeitos contextuais: a caixa do mágico A caixa no primeiro quadro à esquerda está repousando no chão ou pendurada no teto? E a caixa
localizada na extrema direita? Em cada caso, o contexto definido pelos coelhos curiosos guia nossas percepções. (Fonte: Shepard, 1990.)
w

II
"l

*1

I;

>■ FIG UR A 6 .4 7
1
Figura ambígua de cavalo/foca Se motivadas a perceber animais
rurais, cerca de 7 a cada 10 pessoas imediatamente perceberam um
cavalo. Se motivadas a perceber um animal marinho, cerca de 7 a
cada 10 perceberam uma foca.

>- FIG UR A 6 .4 6 pedirem a jogadores que apontassem um círculo do tamanho


Grande e "pequeno" O "pequenininho" mostrado aqui é na da bola que haviam acabado de rebater bem ou mal.
verdade um ex-pivô do time de basquete do Hope College que tem
2,06 m e parece uma torre perto de mim. Mas ele parecia baixo
quando comparado em uma partida semiprofissional com o jogador
mais alto do mundo, o chinês Sun Ming Ming, de 2,36 m.

“Quando você está rebatendo um a bola, ela chega até


você parecendo uma la ra n ja . Quando não está, ela parece
e outros demonstraram isso com experimentos engenhosos um caroço de feijão.”
que revelaram que: George Scott, ex-jogador da liga am ericana de beisebol
• destinos para onde se vai a pé parecem mais longínquos
para quem está fatigado devido a um exercício anterior.
• uma colina parece mais íngreme para quem está com
Os motivos também contam. Em experimentos realizados
uma mochila pesada nas costas ou simplesmente exposto
na Universidade Cornell, alunos visualizaram figuras ambí­
a música clássica triste e forte em vez de leve e dançante.
guas, como o cavalo/foca na FIGURA 6.47. Se recompensas
• um alvo parece mais distante para quem arremessa um
estivessem ligadas à visão de uma categoria de estímulo (como
objeto pesado ao invés de um leve.
um animal rural em vez de um animal marinho), então, após
Mesmo uma bola de softbol parece maior quando se está somente um segundo de exposição ao desenho, os estudan­
rebatendo bem, observaram Jessica W itte Proffitt (2005), após tes tendiam a perceber, de forma instantânea, um exemplar

Efeitos culturais e contextuais O que está acima da


cabeça da mulher? Em um estudo, quase todos os africanos
orientais disseram que ela estava equilibrando uma caixa ou
lata de metal na cabeça e que a família estava sentada sob a
copa de uma árvore. Africanos ocidentais, para quem formatos
angulares e cúbicos na arquitetura são mais comuns,
mostraram-se mais propensos a perceber a família em
ambiente fechado, com a mulher sentada sob uma janela.
(Adaptado de Gregory & Gombrich, 1973.)
de Massachusetts e PhD, criticou a complexidade de conec­
Influências biológicas: Influências psicológicas:
• análise sensorial • atenção seletiva tar sua nova TV de alta definição, seu fone, suas caixas de
• fenômenos visuais • esquemas aprendidos som, seu gravador digital, seu DVD player, seu videocassete
não aprendidos • princípios da Gestalt e sete controles remotos em um sistema de home theater que
• período crítico para o • efeitos contextuais pudesse ser utilizado: “Fui vice-presidente de Tecnologia Avan­
desenvolvimento • conjunto perceptivo
çada na Apple. Consigo programar dezenas de computadores
sensorial
em dezenas de línguas. Entendo de televisão, de verdade,
entendo... Não importa, estou desolado.”
Percepção: Como a vida seria mais fácil se engenheiros trabalhassem
Nossa versão rotineiramente com psicólogos dos fatores hum anos para
da realidade testar seus projetos e suas instruções com pessoas reais. Esses
psicólogos ajudam a desenhar utensílios, máquinas e ambien­
tes de trabalho adequados a nossas percepções e inclinações
naturais. Caixas eletrônicos, por dentro, são mais complexos
Influências socioculturais: do que videocassetes jamais foram, porém, graças ao traba­
• suposições culturais e lho conjunto de psicólogos dos fatores humanos e engenhei­
expectativas ros, são mais fáceis de operar. A TiVo resolveu o problema da
gravação da TV com um simples sistema de menu “selecione
> FIG U R A 6 .4 8 e clique” ( “grave este”). Já a Apple, de forma semelhante,
A percepção é um fenômeno biopsicossocial Psicólogos proporcionou uma fácil usabilidade com o iPod e o iPhone.
estudam como percebemos por meio de diferentes níveis de análise, Donald Norman (2001) é dono de um website (jnd.org)
do biológico ao sociocultural.
que ilustra bons designs adequados às pessoas (veja a FIGURA
6 .4 9 ) . Psicólogos dos fatores humanos também trabalham
em projetos de ambientes seguros e eficientes. O layout ideal
da categoria esperada (Balcetis e Dunning, 20 0 6 ). (Para con­ de uma cozinha, conforme pesquisadores descobriram, arma­
firmar a honestidade dos participantes ao relatarem suas per­ zena itens necessários próximo ao ponto de uso e perto do
cepções, os pesquisadores redefiniram, em outro experimento, nível dos olhos. Localiza áreas de trabalho de maneira a pos­
a percepção a ser recompensada após a visualização. Ainda sibilitar a realização de tarefas em ordem, como a geladeira,
assim, eles afirmavam perceber um estímulo da categoria ori­ o fogão e a pia em disposição triangular. Cria bancadas que
ginalmente esperada.) permitem às mãos trabalhar à altura dos cotovelos ou um
As emoções também realçam nossas percepções sociais.
pouco abaixo (Boehm-Davis, 2006).
Esposas que se sentem amadas e admiradas percebem menos
Entender os fatores humanos pode fazer mais do que nos
ameaça em eventos conjugais estressantes - “Ele só está tendo
capacitar a realizar projetos visando a reduzir a frustração;
um dia ruim" (Murray et al., 2 0 0 3 ). Árbitros profissionais,
pode ajudar a prevenir acidentes e a evitar catástrofes (Boehm-
se informados de que um time de futebol tem histórico de
Davis, 2005). Dois terços dos acidentes aéreos comerciais,
comportamento agressivo, darão mais cartões após assistirem
por exemplo, são causados por erro humano (Nickerson,
a faltas gravadas em vídeo (Jones et al., 2 0 0 2 ). Lee Ross con­
19 9 8 ). Após começar a voar comercialmente no final da
vida-nos a recordar nossas próprias percepções em diferentes
década de 1960, o Boeing 727 esteve envolvido em diversos
contextos: “Já percebeu que quando está dirigindo você detesta
acidentes de aterrissagem causados por erro do piloto. O psi­
pedestres, o modo como passeiam pela faixa, quase o desa­
cólogo Conrad Kraft (1978) observou um cenário comum a
fiando a atropelá-los, mas quando está a pé você detesta moto­
esses desastres: todos ocorreram à noite, e em todos a ater­
ristas?” (Jaffe, 20 0 4 ).
rissagem foi feita antes de alcançar a pista, depois de o avião
atravessar um trecho de água escuro ou uma região não ilu­
minada. Kraft concluiu que, além da pista de pouso, as luzes
da cidade projetavam uma imagem retiniana maior se esti­
“J á percebeu que qualquer um que dirija m ais devagar vessem em um terreno elevado. Isso fazia o solo parecer mais
que você é um idiota e qualquer um que seja m ais rápido distante. Recriando essas condições em simulações de voo,
é um m aluco?” Kraft descobriu que os pilotos eram levados a pensar que esta­
George Carlin, G eorge Carlin on Campus, 19B4 vam voando mais alto do que de fato estavam (FIGURA
6 .5 0 ). Com o auxílio dessa descoberta, as companhias aéreas
passaram a exigir que o copiloto monitorasse o altímetro -
Para retornarmos à questão sobre se a percepção é inata ou informando a altitude durante a descida e assim os aci­
aprendida, podemos responder: ambas. O rio da percepção é dentes diminuíram.
alimentado por sensação, cognição e emoção. E é por isso que Posteriormente, os psicólogos da Boeing trabalharam em
precisamos de múltiplos níveis de análise (FIGURA 6 .4 8 ). outros problemas relacionados a fatores humanos (Murray,
Percepções “simples” são os produtos criativos do cérebro. 1998): qual seria a melhor forma de as companhias aéreas
treinarem e administrarem mecânicos para reduzir os erros
de manutenção subjacentes a cerca de 50% dos atrasos e 15%
Percepção e o Fator Humano dos acidentes? Que iluminação e tipos de fonte tornariam
mais fácil ler os dados de voo na tela do painel de controle?
2 4 : Como os psicólogos aos tatores humanos Como mensagens de alerta poderiam ser transmitidas com
trabalham para criar máquinas e ambientes mais eficácia - por exemplo, um comando de ação ( “Levan­
de trabalho amigáveis para os usuários? tar”) em vez de uma comunicação de problema ( “Proximi­
dade do Solo”)?
Os designs às vezes negligenciam o fator humano. O psicó­ No estudo das questões ligadas aos fatores humanos, a
logo Donald Norman, ex-aluno do Instituto de Tecnologia ferramenta mais poderosa dos psicólogos é a pesquisa com o
X ,

>- FIG U R A 6 .4 9
Desenhando produtos
O acessório para cadeiras O recipiente de medição Oxo O Bule Chatsford traz um adequados às pessoas O
dobráveis Ride On Carry On, permite ao usuário ver a coador embutido. psicólogo dos fatores humanos
“ desenhado por uma mamãe quantidade de cima. Donald Norman oferece estes e
aeromoça” , permite que uma outros exemplos de novos
pequena mala se desdobre produtos desenhados com eficácia
em um carrinho de bebê. (veja www.jnd.org).

auxílio da teoria. Se uma organização se perguntar que tipo quando bem equipado, em um alto-falante intra-auricular.
de Web design (Enfatizar o conteúdo? A velocidade? A parte Com a oferta de som conveniente, sutil e personalizado, muito
gráfica?) seria mais eficaz em atrair visitantes e incitá-los a mais pessoas optam por usar o auxílio auditivo.
voltar, o psicólogo irá querer testar as respostas a diversas Projetos que possibilitam interações seguras, fáceis e efi­
alternativas. Se a Nasa (a agência espacial americana) quiser cazes entre seres humanos e tecnologia com frequência pare­
saber que tipo de projeto mais facilitaria o sono, o trabalho cem óbvios após serem feitos. Por que, então, não são mais
e o ânimo em suas espaçonaves, seus psicólogos dos fatores comuns? Profissionais que desenvolvem tecnologia às vezes
humanos desejarão testar as alternativas (FIGURA 6 .5 1 ). presumem equivocadamente que os outros compartilham de
Considere, por fim, as tecnologias de auxílio auditivo dis­ sua expertise - o que é claro para eles terá clareza semelhante
poníveis em vários teatros, auditórios e locais de prática reli­ para outros (Camereretal., 1989; Nickerson, 1999). Quando
giosa. Uma delas, comum nos Estados Unidos, requer um fone batucamos na mesa para transmitir uma melodia familiar
de ouvido ligado a um receptor portátil que detecta sinais (tente isso com um am igo), costumamos esperar que o
infravermelhos ou de FM do sistema de som do recinto. As ouvinte a reconheça. Para ele, no entanto, essa é uma tarefa
pessoas bem-intencionadas que projetam, compram e insta­ quase impossível (Newton, 1991). Quando se sabe algo, é
lam esses sistemas entendem de forma correta que a tecno­ difícil simular mentalmente como seria não saber, e a isso se
logia coloca o som diretamente nos ouvidos do usuário. O chama maldição do conhecimento.
problema é que poucas pessoas com dificuldade auditiva se O ponto a ser lembrado: Designers e engenheiros devem
sujeitam ao incômodo e ao constrangimento de localizar, soli­ levar em consideração habilidades e comportamentos huma­
citar, utilizar e retornar um espalhafatoso fone de ouvido. A nos desenhando objetos adequados às pessoas, testando suas
maioria desses aparelhos, portanto, repousa em armários. Em invenções com usuários antes de produzi-los e distribuí-los
vez disso, a Grã-Bretanha, os países escandinavos e a Austrá­ e estando cientes da maldição do conhecimento.
lia instalaram sistemas de indução magnética (ver hearingloop.
psicologia dos fatores humanos um ramo da
org) que transmitem sons diretamente para o aparelho audi­ psicologia que explora como as pessoas e as máquinas
tivo do indivíduo de forma personalizada. Um discreto toque interagem e como estas e os ambientes físicos podem
em um interruptor pode transformar um aparelho auditivo, ser construídos de maneira segura e fácil de usar.

10

Altitude
(milhares B
j Trajetória descendente
de pés) percebida pelo piloto
6

Diferença para
4 . a altitude real

Trajetória
descendente real

20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0
Distância da pista (milhas)

> FIG U R A 6 .5 0
O fator humano em acidentes Devido à falta de indicadores de distância ao se aproximarem de uma pista de pouso após sobrevoarem uma
região não iluminada, os pilotos, em uma simulação de aterrissagem noturna, tenderam a voar muito baixo. (Fonte: Kraft, 1978.)
Existem de fato pessoas - sejam quem forem - capazes de
ler mentes, de ver através de paredes ou de predizer o futuro?
Cinco universidades britânicas possuem unidades de parap­
sicologia nas quais atuam profissionais com PhD do pro­
grama de parapsicologia da Universidade de Edimburgo (Tur-
pin, 2005). As Universidades de Lund, na Suécia, de Utrecht,
na Holanda, e de Adelaide, na Austrália, também acrescen­
taram cadeiras ou unidades de pesquisa dedicadas à matéria.
Os parapsicólogos nesses lugares realizam experimentos em
busca de PES e de outros fenômenos paranormais. Porém,
outros psicólogos e cientistas - incluindo 96% dos membros
da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos - são
céticos quanto à existência de tais fenômenos (McConnell,
1991). Se a PES for real, precisaremos derrubar o entendi­
mento científico de que somos criaturas cuja mente está presa
ao cérebro físico e cujas experiências perceptivas do mundo
são feitas de sensações. Algumas vezes novas evidências real­
mente derrubam nossos pressupostos científicos. A ciência,
como veremos ao longo deste livro, oferece-nos várias sur­
presas - a respeito da extensão da mente inconsciente, dos
efeitos das emoções sobre a saúde, do que cura e do que não
cura e de muito mais. Antes de avaliarmos as alegações de
> F IG U R A 6.51 PES, vamos analisá-las.
Como não enlouquecer em uma viagem a Marte Futuros
astronautas enviados a Marte ficarão confinados em condições de • Haveria tam bém algumas pessoas, observa Michael
monotonia, estresse e falta de gravidade durante meses a fio. Para Shermer (1999), que não teriam necessidade de
ajudar a projetar e a avaliar um ambiente humano viável para identificador de chamadas, que nunca perderiam no
se trabalhar, como este Módulo Habitacional em Trânsito (Transhab), a “pedra, papel e tesoura” e para quem nunca
Nasa recorre a psicólogos dos fatores humanos (Weed, 2001; poderíamos dar uma festa surpresa. .
Wichman, 1992).

Alegações de PES
ANTES DE P R O S S E G U IR ... Alegações de fenômenos paranormais ( “Psi”) incluem pre­
visões astrológicas, cura psíquica, comunicação com os mor­
>- P ergunte a S i M esmo tos e experiências extracorpóreas. Porém, as mais verificáveis
Você se lembra de alguma vez em que suas expectativas e (para uma discussão acerca da percepção) mais relevantes
predispuseram sua maneira de perceber uma pessoa (ou um correspondem a três variedades de PES:
grupo de pessoas)? • Telepatia, ou comunicação entre mentes - uma pessoa
enviando pensamentos para outra ou captando seus
> Teste a Si Mesmo 6 pensamentos.
Que tipo de evidência mostra que, de fato, “existe mais na • Clarividência, ou percepção de eventos distantes, como
percepção do que aquilo que chega aos sentidos”? sentir que a casa de um amigo está em chamas.
• Precognição, ou percepção de eventos futuros, como a
As respostas as Questões "Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no morte de um líder político ou o resultado de uma
Apêndice B. no final do livro. competição esportiva.
Intimamente ligadas a essas estão as alegações de telecinese
(TC), ou “mente sobre a matéria”, como fazer levitar uma
Existe Percepção Extrassensorial?
. ............................. ........................................................................ — ........................-•
mesa ou influenciar um jogo de dados (FIGURA 6 .5 2 ). (Ela
é ilustrada pelo sarcástico pedido: “Todos aqueles que acre­
2 5 : Quais são as alegações de PES, e o que a ditam na telecinese podem, por favor, levantar m inha
mão?”)
maioria dos psicólogos concluiu depois de
testá-las?

PODEMOS PERCEBER APENAS O QUE sentimos? Ou, como Premonições ou Suposições?


quase metade dos americanos acredita, somos capazes de per­
cepção extrassen sorial (PES) sem a entrada de estímulo Será que os sensitivos podem ver o futuro? Embora se possa
sensorial (AP, 2007; Moore, 2005)? desejar um de plantão, os prognósticos registrados de “gran­
des videntes” revelam precisão escassa. Nenhum deles -
percepção extrassensorial (PES) a alegação ganancioso ou caridoso - foi capaz de prever o resultado de
controversa de que a percepção pode ocorrer uma loteria acumulada ou de ganhar bilhões no mercado de
independentemente de estímulo sensorial; inclui a
telepatia, a clarividência e a precognição.
ações. Durante a década de 1990, todos os videntes de tabloi-
des erraram na previsão de eventos surpreendentes. (Madonna
parapsicologia o estudo de fenômenos paranormais, não virou cantora gospel, a Estátua da Liberdade não perdeu
incluindo a PES e a telecinese. os dois braços em um atentado terrorista, a Rainha Elizabeth
Supostos fenômenos corpo ter sido descoberto. Quando os pesquisadores convi­
paranormais daram o público a contar seus sonhos sobre a criança, 1.300
(“ Psi” ) visionários mandaram relatos. Quantos anteviram com pre­
cisão o menino morto? Cinco por cento. E quantos adivinha­
ram também corretamente a localização do corpo - enterrado
entre árvores? Apenas 4 dos 1.300. Embora esse número com
PES TC certeza não passasse de acaso, para esses 4 sonhadores a exa­
Percepção Telecinese tidão de suas supostas precognições deve ter parecido pertur­
Extrassensorial badora.

I
Telepatia
I
Clarividência
1
Precognição
Ao longo do dia, todos nós imaginamos muitos eventos.
Dados os bilhões de eventos que acontecem no mundo dia­
riamente, e dados dias o bastante, é certo que algumas coin­
cidências assustadoras ocorrerão. Em uma estimativa cuida­
dosa, o acaso sozinho prediria que mais de mil vezes por dia
alguém no planeta iria pensar em outra pessoa e dentro de
cinco minutos seria informado de que ela morreu (Charpak
> FIG U R A 6.5 2 e Broch, 20 0 4 ). Com tempo e pessoas suficientes, o impro­
Conceitos parapsicológicos vável torna-se inevitável.
Essa foi a experiência do autor de histórias em quadrinhos
John Byrne (2 0 0 3 ). Seis meses após o lançamento de uma
de suas aventuras do Homem-Aranha sobre um blecaute em
não abdicou do trono para entrar para um convento.) E os Nova York, a cidade sofreu um imenso apagão. Uma trama
do novo século deixaram passar acontecimentos que invadi­ subsequente com o mesmo super-herói envolvia um grande
ram os noticiários, como a tragédia do 11 de setembro. (Onde terremoto no Japão. “E novamente”, recordou Byrne, “acon­
estavam os sensitivos em 10 de setembro quando precisáva­ teceu de verdade no mês em que a edição chegou às bancas.”
mos deles? Por que, a despeito da recompensa de 50 milhões Mais tarde, ao trabalhar em uma revista do Super-Homem,
de dólares oferecida, nenhum deles pôde ajudar a localizar ele “fez o Homem de Aço voar para o resgate de um ônibus
Osama bin Laden depois daquele dia?) Gene Emery (2 0 0 4 ), espacial da Nasa envolvido em um desastre. A tragédia da
que seguiu previsões anuais durante 26 anos, relata que quase Challenger aconteceu quase em seguida” (a tempo de a edi­
nunca previsões incomuns se tornaram realidade, e pratica­ ção ser redesenhada). “Mais recentemente, e mais arrepiante,
mente nunca os videntes alertaram para os principais even­ foi quando eu estava trabalhando em uma história da Mulher
tos do ano. Maravilha em que ela era morta como um prelúdio a sua
transformação em deusa”. A capa “foi feita como a primeira
página de um jornal, com a manchete ‘Morre a Princesa
Diana’. (Diana é o nome verdadeiro da personagem.) Aquele
número foi à venda na quinta-feira. No sábado seguinte...
“Uma pessoa que fala muito às vezes está certa."
Não preciso dizer, preciso?”
Provérbio espanhol

Análises de visões psíquicas oferecidas a departamentos


de polícia revelam que estas também não são mais precisas “No coração da ciên cia há uma tensão essen cial entre
que as adivinhações feitas pelos outros (Reiser, 1982). No duas atitudes aparentem ente contrad itórias - uma
entanto, videntes que trabalham com a polícia geram de fato ab ertu ra a novas ideias, não im porta o quanto sejam
centenas de previsões. Isso aumenta as chances de eventual­ b iz a rra s ou absurdas, e o m ais impiedoso escrutínio de
mente uma adivinhação ser correta, podendo, então, ser todas as ideias, velhas e novas."
informada à mídia. Além disso, previsões vagas podem mais Carl Sagan (19B7]
tarde ser interpretadas ( “reajustadas”) de forma a se encai­
xar em eventos que forneçam um conjunto perceptivo para
“compreendê-los”. Nostradamus, um vidente francês do
século XVI, explicou em um momento de descuido que suas Submetendo a PES a
ambíguas profecias “não poderiam ser compreendidas até
serem interpretadas após e pelo evento”. Verificação Experimental
Os departamentos de polícia estão atentos a tudo isso.
Quando Jane Ayers Sweat e Mark Durm (1993) perguntaram No passado, existiram todos os tipos de ideias estranhas - que
aos departamentos policiais das 50 maiores cidades ameri­ saliências no cérebro revelariam traços de caráter, que san­
canas se em alguma oportunidade utilizavam videntes, 65% gria seria a cura para todas as doenças, que cada espermato­
disseram que nunca o haviam feito. Dos que haviam, nenhum zóide conteria uma pessoa em miniatura. Diante de tais supo­
considerou o expediente útil. sições - ou com as de leituras de mentes, viagens extracor-
As “visões” espontâneas de pessoas normais são mais pre­ póreas ou comunicação com os mortos -, como podemos
cisas? Consideremos os sonhos. Eles predizem o futuro, como separar ideias bizarras daquelas que assim o parecem mas são
muitas vezes se crê? Ou apenas parecem fazê-lo porque esta­ verdadeiras? No coração da ciência há uma resposta simples:
mos mais propensos a relembrar ou reconstruir sonhos que teste-as para ver se funcionam. Se funcionarem, melhor para
aparentemente se tornaram realidade? Dois psicólogos de elas. Senão, melhor para nosso ceticismo.
Harvard (Murray e Wheeler, 1937) testaram o poder profé­ Essa atitude científica levou tanto crentes como céticos a
tico dos sonhos após o pequeno filho do aviador Charles concordar em que a parapsicologia precisa de um fenômeno
Lindbergh ser seqüestrado e morto em 1932, mas antes de o reproduzível e uma teoria para explicá-lo. A parapsicóloga
t maiores são adicionados à mistura (Bõsch et al., 2006a,b;
t Radin et al., 2006; Wilson e Shadish, 2006).
a
u
ti Outra série de experimentos convidou "emissores” a trans­
T>
mitir por telepatia uma de quatro imagens visuais a “recep­
s
)
tores” privados de sensação em uma câmara próxima (Bem
e Honorton, 1994). O resultado? Uma taxa declarada de 32%
de respostas precisas, ultrapassando a taxa de acaso, de 25%.
Porém, estudos de acompanhamento (dependendo de quem
estivesse fazendo o resumo dos resultados) não replicaram o
fenômeno ou produziram resultados mistos (Bem et al., 2001;
Milton e Wiseman, 2002; Storm, 2000, 2003).
Se, não obstante, a PES existe, estaria ela sutilmente regis­
trada no cérebro? Para descobrir, os pesquisadores de Harvard
Samuel Moulton e Stephen Kosslyn (2008) fizeram um emis­
sor tentar enviar por telepatia uma de duas gravuras a um
receptor submetido a uma máquina de RMf. Nesses pares (a
maioria casais, amigos ou gêmeos), os receptores adivinharam
corretamente o conteúdo da gravura no percentual do acaso
(50,0% ). Além disso, seus cérebros responderam de forma não
diferente quando mais tarde visualizaram as verdadeiras gra­
vuras “enviadas” por PES. “Essas descobertas”, concluíram os
Testando poderes psíquicos na população britânica O pesquisadores, “são a mais forte evidência já obtida contra a
psicólogo Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire, criou existência de fenômenos mentais paranormais”.
uma "máquina da mente" para averiguar se as pessoas são capazes De 1998 a 2010, um cético, o mágico James Randi, ofere­
de influenciar ou prever o resultado de um jogo de cara ou coroa. ceu 1 milhão de dólares “a qualquer pessoa que provasse um
Usando uma tela sensível ao toque, os visitantes de festivais em todo
poder psíquico genuíno sob condições de observação apro­
o país tiveram quatro tentativas para escolher cara ou coroa. Com um
gerador de números aleatórios, um computador então decidia o priadas” (Randi, 1999, 20 0 8 ). Grupos franceses, australia­
resultado. Quando o experimento foi concluído, em janeiro de 2000, nos e indianos propõem ofertas paralelas de até 2 0 0 .0 0 0
quase 28.000 pessoas haviam previsto 110.972 jogos - com 49,8% de euros a qualquer um que possua habilidades paranormais
acerto. demonstráveis (CFI, 2 0 0 3 ). Por maiores que sejam essas
somas, o selo científico de aprovação valeria muito mais para
alguém cujas alegações pudessem ser autenticadas. Para refu­
tar aqueles que dizem não existir PES, é preciso apenas pro­
Rhea White (1998) falou por muitas pessoas ao dizer que “a
duzir uma única pessoa que possa demonstrar um único fenô­
imagem da parapsicologia que me vem à cabeça, com base
meno reproduzível de PES. (Para refutar quem diz que porcos
em quase 44 anos de atividade, é a de um pequeno avião
não falam seria necessário nada mais que um porco falante.)
taxiando perpetuamente sobre a pista do Aeroporto da Ciên­
Até agora, essa pessoa não apareceu. A oferta de Randi foi
cia Empírica, desde 1882... Seu movimento é ocasionalmente
publicada durante anos e dezenas de pessoas foram testadas,
interrompido quando ele se eleva a alguns centímetros do
às vezes sob o escrutínio de uma banca de juizes indepen­
solo apenas para despencar de volta na pista. Nunca decolou
dente. Mesmo assim, nada.
para um voo prolongado”.
* * *
Em busca de um fenômeno reproduzível, como podería­
mos testar alegações de PES em um experimento controlado?
Um experimento é diferente de uma demonstração encenada.
No laboratório, o experimentador controla o que o “sensi­
tivo” vê e ouve. No palco, o vidente controla o que a platéia “□ desejo que as pessoas têm de acred itar no
vê e ouve. Inúmeras vezes, observam os céticos, supostos sen­ paranorm al é m ais forte que todas as evidências de que
sitivos exploraram públicos crédulos com performances ele não existe.”
assombrosas em que pareciam se comunicar com os espíritos Susan Blackmore, "Blackmore’s first law", 2G04
dos mortos, ler mentes ou fazer objetos levitarem - apenas
para depois ser revelado que suas apresentações não eram
nada mais que ilusões de mágicos.
ANTES DE P R O S S E G U IR ...

> Pergunte a Si Mesmo


Você já passou por algo que parecesse uma experiência de
“Um sensitivo é um ator interpretando □ papel de
PES? Pode pensar em uma explicação diferente?
sensitivo.”
Daryl Bem, psicólogo-mágico (1984) >- T este a S i M esmo 7
Um canal de esportes afirma contar com uma equipe de
A procura por um teste válido e confiável da PES resultou paranormais que anuncia os resultados dos jogos do
em milhares de experimentos. Cerca de 380 deles avaliaram Brasileirão das próximas semanas. Que habilidade paranormal
a tentativa de pessoas de influenciar seqüências aleatórias de eles afirmam estar exercendo?
uns e zeros geradas por computador. Em alguns pequenos
As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no
experimentos, o cálculo do número desejado excedeu o acaso
Apêndice B, no final do livro.
em 1 ou 2%, um efeito que desaparece quando experimentos
Para nos admirarmos e para obtermos uma profunda reve­
rência pela vida, não precisamos olhar além de nosso próprio
sistema perceptivo e sua capacidade de organizar impulsos
nervosos sem formas em visões coloridas, sons vividos e odo­ "Então, como a m ente funciona? Eu não sei. Você não
res evocativos. Como Hamlet, de Shakespeare, reconheceu, sabe. Pinker não sabe. E, suspeito, ta l é o avanço que
“há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha tem os hoje que se Deus nos d issesse, não
a nossa vã filosofia”. Dentro de nossas experiências senso­ entenderíam os."
riais e perceptivas ordinárias residem muitas coisas verdadei­ Jerry Fodor, “Reply to Steven Pinker", 2005
ramente extraordinárias - sem dúvida muito mais do que até
agora sonhou nossa vã psicologia.
revisão do c apítulo : Sensação e Percepção
A ssim ilando o Mundo: Alguns Princípios 6 : Como o cérebro processa informações visuais?
Básicos Impulsos percorrem o nervo óptico até o tálamo e seguem
rumo ao córtex visual. Neste, detectores de características
1: 0 que são sensação e percepção'? 0 que queremos respondem a atributos específicos do estímulo visual.
dizer com processamento bottom-up (de baixo para Supercélulas de nível superior integram esse conjunto de
cima) e processamento top-down (de cima para baixo)? dados para processamento em outras áreas corticais. O
Sensação é o processo pelo qual nossos receptores sensoriais processamento paralelo no cérebro lida com muitos aspectos
e o sistema nervoso recebem e representam energias de de um problema de maneira simultânea, e equipes neurais
estímulo do ambiente. Percepção é o processo de separadas trabalham em subtarefas visuais (cor,
organização e interpretação dessas informações. Embora movimento, profundidade e forma). Outras equipes
visualizemos a sensação e a percepção separadamente para neurais integram os resultados, comparando-os com
analisá-las e discuti-las, ambas são na verdade parte de um informações armazenadas e possibilitando percepções.
processo contínuo. O processamento de baixo para cima
(bottom-up) consiste na análise sensorial que se inicia no 7 : Que teorias nos ajudam a entender a visão de cores?
nível de entrada, com a informação fluindo dos receptores A teoria tricromática (de três cores) de Young-Helmholtz
sensoriais para o cérebro. O processamento de cima para propôs que a retina contém três tipos de receptores de cor.
baixo (top-down) é a análise que flui do cérebro para baixo, Pesquisas contemporâneas encontraram três tipos de cones,
filtrando a informação através da experiência e das cada um mais sensível aos comprimentos de onda de uma
expectativas para produzir percepções. das três cores primárias da luz (vermelho, verde ou azul). A
teoria do processo oponente de Hering propôs três processos
2 : 0 que são os limiares absoluto e diferencial? Os cromáticos adicionais (vermelho contra verde, azul contra
estímulos abaixo do limiar absoluto exercem alguma amarelo, preto contra branco). Pesquisas contemporâneas
influência? confirmaram que, a caminho do cérebro, neurônios na
Nosso limiar absoluto para qualquer estímulo é a retina e no tálamo decodificam a informação de cores dos
estimulação mínima necessária para que estejamos cientes cones em pares de cores oponentes. Ambas as teorias, e as
dele em 50% das vezes. A teoria da detecção de sinais pesquisas que as apoiam, mostram que o processamento de
demonstra que limiares absolutos individuais variam, cores ocorre em dois estágios.
dependendo da intensidade do sinal e também de nossa
experiência, nossas expectativas, nossa motivação e nosso A udição
estado de alerta. O limiar diferencial (também chamado 8 : Quais são as características das ondas de pressão do
diferença apenas perceptível, ou DAP) é a diferença quase ar que ouvimos como som?
imperceptível que discernimos entre dois estímulos em Ondas sonoras são faixas de ar comprimido e expandido.
50% das vezes. A pré-ativação (priming) mostra-nos que Nossos ouvidos detectam essas mudanças na pressão do ar
podemos processar informações a partir de estímulos e as transformam em impulsos neurais, que o cérebro
abaixo de nosso limiar absoluto para percepção consciente. decodifica como som. Ondas sonoras variam em frequência,
O efeito, porém, é muito fugaz para possibilitar que nos que experimentamos como alturas diferentes, e amplitude,
explorem com mensagens subliminares. A lei de Weber que percebemos como volumes diferentes.
afirma que dois estímulos devem diferir a uma proporção
constante para que sua diferença seja percebida. 9 : Como o ouvido transforma a energia sonora em
mensagens neurais?
3 : Qual é a função da adaptação sensorial? O ouvido externo é a porção visível do ouvido. O ouvido
A adaptação sensorial (nossa sensibilidade diminuída a odores, médio é a câmara entre o tímpano e a cóclea. O ouvido
sons e toques constantes ou rotineiros) concentra nossa interno consiste na cóclea, nos canais semicirculares e nos
atenção em mudanças informativas no nosso ambiente. sacos vestibulares. Por intermédio de uma cadeia mecânica
de eventos, as ondas sonoras que viajam através do canal
Visão auditivo provocam minúsculas vibrações no tímpano. Os
4 : 0 que é a energia que vemos como luz? ossos do ouvido médio amplificam as vibrações e as
Cada sentido recebe estimulação, que é transformada transmitem para a cóclea, repleta de líquido. Ondulações
(transduzida) em sinais neurais, e envia essas mensagens da membrana basilar, causadas por mudanças de pressão
neurais ao cérebro. Na visão, os sinais consistem em no líquido coclear, geram o movimento de minúsculas
partículas de energia luminosa oriundas de uma fina células ciliadas, desencadeando mensagens neurais a serem
porção do amplo espectro de radiação eletromagnética. O enviadas (via tálamo) ao córtex cerebral auditivo.
matiz que percebemos em uma luz depende de seu
comprimento de onda, e seu brilho depende da intensidade. 10: Que teorias nos ajudam a compreender a percepção
da altura do tom?
5 : Como o olho transforma energia luminosa em A teoria da codificação de lugar propõe que o cérebro
mensagens neurais? interpreta uma altura específica de tom decodificando o
Após penetrarem no olho e serem focalizadas pelo local em que uma onda sonora estimula a membrana
cristalino, as partículas de energia luminosa atingem a basilar da cóclea. A teoria da frequência sugere que o cérebro
superfície interna do olho, a retina. Nesta, os bastonetes, decifra a frequência dos pulsos que chegam até ele. A
sensíveis à luz, e os cones, sensíveis à cor, convertem a primeira explica como ouvimos sons agudos, mas não é
energia em impulsos neurais que, depois de processados por capaz de explicar como ouvimos sons graves. Já com a
células bipolares e ganglionares, são transmitidos através segunda ocorre o inverso. Alguma combinação das duas
do nervo óptico até o cérebro. ajuda a explicar como ouvimos sons de médio alcance.
1 1 : Como localizam os son s? O rg an ização P erceptiva
Ondas sonoras alcançam um ouvido antes e com mais 1 6 : Como os psicólogos da Gestalt com preendiam a
intensidade do que o outro. O cérebro analisa as
organização perceptiva?
minúsculas diferenças entre os sons recebidos por ambos
Os psicólogos da Gestalt buscavam regras pelas quais o
ouvidos e calcula a fonte do som.
cérebro organiza fragmentos de dados sensoriais em gestalts
(do alemão para “todo”), ou formas significativas. Ao
1 2 : Quais são as cau sas com uns da perda auditiva, e por
apontar que o todo é maior que a soma das partes, eles
que os im plantes co cleares são cercad os de
observaram que filtramos informações sensoriais e inferimos
controvérsia? percepções de maneiras que façam sentido para nós.
A perda auditiva condutiva é resultante de danos ao sistema
mecânico que transmite ondas sonoras para a cóclea. Já a 1 7 : Como os princípios de figura e fundo e de
perda auditiva neurossensorial (ou surdez nervosa) advém de agrupam ento contribuem p ara n ossas p ercep çõ es?
lesões às células ciliadas da cóclea ou aos nervos associados Para reconhecermos um objeto, primeiro temos de percebê-
a elas. Doenças e acidentes podem provocar perda auditiva, lo (vê-lo como figura) como distinto de seus arredores (o
mas distúrbios relacionados à idade e exposição prolongada fundo). Damos ordem e forma aos estímulos organizando-
a ruídos altos são causas mais comuns. Implantes cocleares os em grupos significativos, seguindo as regras de
artificiais podem restaurar a audição em algumas pessoas, proximidade, semelhança, continuidade, conectividade e
porém membros do movimento da cultura Surda creem que fechamento (closura).
eles são desnecessários para quem é Surdo desde o
nascimento e capaz de se expressar em sua própria língua, a 1 8 : Como vem os o mundo em três dim ensões?
de sinais. A percepção de profundidade é nossa habilidade de ver objetos
em três dimensões e avaliar a distância. O abismo visual e
O utros Sentidos Im p o rtan tes outras pesquisas demonstram que muitas espécies
1 3 : Como percebem os o tato, a p osição e o movimento percebem o mundo em três dimensões desde o nascimento,
de nosso corp o? Como experim entam os a dor? ou logo depois dele. Indicadores binoculares, como a
O sentido do tato na verdade consiste em vários sentidos - disparidade retiniana, são indicadores de profundidade que
pressão, tepidez, frio e dor - que se combinam de forma a se apoiam em informações de ambos os olhos. Indicadores
produzir outras sensações, como “calor”. Pela cinestesia, monoculares (tais como tamanho relativo, interposição,
assimilamos a posição e o movimento das partes do corpo. altura relativa, movimento relativo, perspectiva linear e luz
Monitoramos sua posição e mantemos o equilíbrio por e sombra) permitem-nos avaliar a profundidade, utilizando
meio do sentido vestibular. A dor é um sistema de alarme informações transmitidas por um olho apenas.
que atrai nossa atenção para algum problema físico. Uma
teoria a respeito da dor sugere que o “portão" localizado na 1 9 : Como percebem os o m ovim ento?
medula espinhal se abre para permitir que sinais de dor que A medida que os objetos se movem, presumimos que
sobem através de pequenas fibras nervosas alcancem o aqueles que encolhem estão recuando e aqueles que
cérebro ou se fecha para evitar sua passagem. O enfoque aumentam estão se aproximando. Às vezes, porém, erramos
biopsicossocial vê a dor como a soma de três conjuntos de o cálculo. Uma rápida sucessão de imagens na retina pode
forças: influências biológicas, como fibras nervosas que criar uma ilusão de movimento, como no movimento
enviam mensagens ao cérebro; influências psicológicas, estroboscópico ou no fenômeno fi.
como nossas expectativas; e influências socioculturais,
como a presença de outras pessoas. Os tratamentos para 2 0 : Como as con stân cias perceptivas nos ajudam a
controle da dor muitas vezes combinam elementos organizar n ossas se n saçõ es em percep ções
fisiológicos e psicológicos. significativas?
A constância perceptiva habilita-nos a perceber objetos como
1 4 : Como experim entam os o paladar? estáveis a despeito da imagem mutável que eles refletem na
O paladar, um sentido químico, é composto por cinco retina. A constância de forma é a habilidade de perceber
sensações básicas - doce, azedo, salgado, amargo e umami - objetos familiares (como uma porta se abrindo) como
e pelos aromas que interagem com a informação vinda das imutáveis em forma. A constância de tamanho consiste em
células receptoras das papilas gustativas. A influência do perceber objetos como imutáveis em tamanho apesar das
olfato nesse sentido é um exemplo de interação sensorial, a alterações em sua imagem retiniana. Saber o tamanho de
capacidade que um sentido tem de influenciar o outro. um objeto nos fornece pistas de sua distância e vice-versa,
mas às vezes lemos equivocadamente os indicadores
1 5 : Como experim entam os o olfato? monoculares de distância e chegamos a conclusões erradas,
Não existem sensações básicas para o olfato. Ele é um como na ilusão da Lua. A constância de claridade (ou de
sentido químico. Cerca de 5 milhões de células receptoras, brilho) é a habilidade de perceber um objeto como dotado
com suas aproximadamente 350 diferentes proteínas de claridade constante mesmo quando sua iluminação - a
receptoras, reconhecem moléculas odoríferas individuais. luz que incide sobre ele - muda. O cérebro percebe a
As células receptoras enviam mensagens ao bulbo olfatório claridade em relação aos objetos circundantes. A constância
localizado no cérebro e em seguida ao lobo temporal e a de cor é a habilidade de perceber consistência de cor em
regiões do sistema límbico. Os odores podem evocar de objetos, mesmo quando a iluminação e os comprimentos
modo espontâneo lembranças e sentimentos, em parte de onda são alterados. O cérebro constrói nossa experiência
devido às íntimas conexões entre as áreas cerebrais que da cor de um objeto mediante comparações com outros
processam o olfato e a memória. objetos que o cercam.
( C o n t in u a )
In te rp re ta ç ã o P erceptiva expectativas que guiam nossas percepções. O contexto
emocional pode realçar nossa interpretação do
2 1 : 0 que a pesquisa a respeito da restrição sensorial e
comportamento de outras pessoas, bem como do nosso
da visão restaurada revela sobre os efeitos da próprio.
experiência?
Pessoas que nasceram cegas mas adquiriram a visão após 2 4 : Como os psicólogos dos fatores humanos trabalham
cirurgia carecem de experiência para reconhecer formatos, para criar máquinas e ambientes de trabalho amigáveis
formas e faces completas. Animais que tiveram
informações visuais severamente restringidas sofrem para os usuários?
Os psicólogos dos fatores humanos contribuem para a
deficiência visual duradoura quando a exposição normal
aos estímulos visuais é restituída. Há um período crítico segurança humana e a melhoria dos projetos encorajando
os profissionais que os desenvolvem e os designers a levar
para alguns aspectos do desenvolvimento sensorial e
perceptivo. Sem estimulação precoce, a organização neural em consideração as habilidades perceptivas do homem, a
evitar a maldição do conhecimento e a fazer testes com
do cérebro não se desenvolve normalmente.
usuários para revelar problemas baseados na percepção.
2 2 : Até que ponto nossa capacidade de perceber é
Existe P ercepção Extrassensorial?
adaptável?
A adaptação perceptiva é evidente quando a pessoa recebe 2 5 : Quais são as alegações de PES, e o que a maioria
um par de óculos que alteram sutilmente o mundo para a dos psicólogos concluiu depois de testá-las?
esquerda ou para a direita, ou mesmo de cabeça para baixo. As três formas mais verificáveis de percepção extrassensorial
A princípio a pessoa fica desorientada, mas consegue se (PES) são a telepatia (comunicação entre mentes), a
adaptar ao novo contexto. clarividência (percepção de eventos distantes) e a
precognição (percepção de eventos futuros). O ceticismo
2 3 : Como as nossas expectativas, contextos e emoções da maior parte dos pesquisadores está concentrado em dois
influenciam as nossas percepções? pontos. Primeiro, para acreditar na PES, é preciso crer que o
O conjunto perceptivo é uma predisposição mental que cérebro seja capaz de perceber sem informações sensoriais.
funciona como uma lente através da qual percebemos o Segundo, os psicólogos e os parapsicólogos não puderam
mundo. Nossos conceitos aprendidos (esquemas) replicar (reproduzir) fenômenos de PES sob condições
influenciam o modo como organizamos e interpretamos controladas.
estímulos ambíguos. O contexto circundante ajuda a criar

Termos e Conceitos para Lembrar


sensação acomodação cinestesia
percepção bastonetes sentido vestibular
processamento de baixo para cima cones teoria do portão da dor
(bottom-up) nervo óptico (“gate-control theory”)
processamento de cima para baixo ponto cego interação sensorial
(top-down) fóvea Gestalt
psicofísica detectores de características figura e fundo
limiar absoluto processamento paralelo agrupamento
teoria da detecção de sinais teoria tricromática (de três cores) percepção de profundidade
subliminar de Young-Helmholtz abismo visual
pré-ativação (priming) teoria do processo oponente indicadores binoculares
limiar diferencial audição disparidade retiniana
lei de Weber frequência indicadores monoculares
adaptação sensorial altura fenômeno fi
transdução ouvido médio constância perceptiva
comprimento de onda cóclea constância de cor
matiz ouvido interno adaptação perceptiva
intensidade teoria da codificação de lugar conjunto perceptivo
pupila teoria da frequência psicologia dos fatores humanos
íris perda auditiva condutiva percepção extrassensorial (PES)
cristalino perda auditiva neurossensorial parapsicologia
retina implante coclear

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