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ISBN 989-8000-13-9
CDU 316
343
P R O M OTO R
A LTO - C O M I SS A R I A D O PA R A A I M I G R AÇ ÃO
E M I N O R I A S É T N I CA S ( AC I M E )
w w w. a c i m e . g ov. p t
APOIO
w w w. fc t . p t
A U TO R
HUGO MARTINEZ DE SEABRA
E - M A I L : h u g o . s e a b ra @ n u m e n a . o rg . p t
E D I Ç ÃO
A LTO - C O M I SS A R I A D O PA R A A I M I G R AÇ ÃO
E M I N O R I A S É T N I CA S ( AC I M E )
P R AÇA CA R LO S A L B E R TO , N º 7 1 , 4 0 5 0 - 4 4 0 P O R TO
T E L E FO N E : ( 0 0 3 5 1 ) 2 2 2 0 4 6 1 1 0 FA X : ( 0 0 3 5 1 ) 2 2 2 0 4 6 1 1 9
E - M A I L : a c i m e @ a c i m e . g ov. p t
I M P R E SS ÃO
TEXTYPE
P R I M E I R A E D I Ç ÃO
250 EXEMPLARES
ISBN
989-8000-13-9
D E P Ó S I TO L E GA L
231 642/05
L I S B OA , S E T E M B R O 2 0 0 5
Liberdade
É eu poder um dia estar a comemorar com a família todas as coisas boas
da vida, é eu sair do colégio e os meus pais saírem da prisão.
Fernando – 13 anos
In Instituto de Reinserção Social(1999)
Índice
PREFÁCIO 11
I – INTRODUÇÃO 17
II - CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL 21
1. Pobreza à portuguesa 21
2. Caracterização sumária da situação
Imigratória portuguesa 24
3. Dinâmicas demográficas dos imigrantes
Africanos 31
4. Filhos de imigrantes africanos 32
5. Criminalidade em Portugal 37
5.1 Inquéritos de Vitimação 37
5.2 Criminalidade nos Relatórios
de Segurança Interna 38
5.3 Investigações científicas da criminalidade 41
5.4 Lisboa - capital, também, da criminalidade 42
6. Delinquência juvenil 42
6.1 Legislação de Menores em Portugal 42
6.2 Justiça de Menores em Portugal 47
6.3 Instituto de Reinserção Social 57
IV – PROBLEMATIZAÇÃO 73
V - METODOLOGIA 93
1. História natural da investigação 93
2. Escolha do instituto de reinserção social 95
FONTES 238
BIBLIOGRAFIA 241
ANEXOS 260
ANEXO I - CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS 260
ANEXO II - GLOSSÁRIO 261
PREFÁCIO
De facto, apesar das barreiras impostas pelas limitações dos dados ofi-
ciais, o que o estudo dos projectos de requalificação urbana em Oeiras veio
revelar foi também uma significativa mobilidade (vertical e/ou horizontal)
inter-geracional e uma grande diversidade de situações. Não obstante os
obstáculos estruturais, as políticas de integração e as chamadas ‘estrutu-
ras de oportunidades’ que, num curto espaço de uma década, os poderes
públicos foram capazes de montar, a nível central e local, raramente vi-
sando exclusivamente as populações de origem migrante, tiveram efeitos
consideráveis. A realidade da imigração em Portugal não se reduz à exclu-
são. E não há provas empíricas consistentes que permitam afirmar que a
pertença étnica se constitui como princípio organizador determinante na
sociedade portuguesa. A articulação solidária dos dois temas na constru-
ção da etnicidade (e dos discursos sobre a mesma) traduz, por conseguin-
te, uma opção ideológica.
Em conclusão, o que este estudo de caso nos traz é não apenas um con-
junto de expressões que revelam algumas das deficiências da integração
das populações de origem migrante em Portugal, mas ainda uma opor-
tunidade para reflectir sobre o valor e o significado da expressão da et-
nicidade na sociedade portuguesa actual. A tendência para privilegiar o
colectivo, na identificação, nomeação ou categorização dos segmentos da
população provenientes da imigração, revela, por um lado, a persistência e
o dinamismo de lógicas particulares de referenciação; mas também, e por
outro, a reivindicação de um espaço na esfera pública – mesmo que, para
o efeito, o desvio seja o ‘atalho’ de vida tomado.
I – INTRODUÇÃO
O Leitor tem agora duas alternativas. A primeira é ficar por aqui, pois jun-
tando um pouco de cada uma das peças acima citadas terá uma media-
tizada ‘ideia’ do fenómeno aqui em estudo. A segunda é seguir-nos na
procura de uma explicação menos imediata, que certamente desembo-
cará numa menos afirmativa apresentação de conclusões, procurando a
pesquisa nas metodologias das ciências sociais a legitimidade que a estas
é reconhecida desde o início do século XX no estudo destas questões.
Os mass media têm sido, ao longo dos últimos anos, praticamente os úni-
cos produtores de (des)informação relativa à temática do desvio e da de-
linquência juvenil junto de descendentes de imigrantes africanos em Por-
tugal. A contrário do que se verifica no universo da produção das ciências
sociais relativa a temáticas semelhantes, utilizam inquestionada e des-
preocupadamente termos discriminatórios como ‘negros’ ou ‘africanos’
numa clara produção de estigmatização, apoiada única e exclusivamente
na cor da pele. Embora alguns dos elementos apresentados - como o facto
de este ser um fenómeno urbano, praticado frequentemente em grupo e
resultante de um claro desenraizamento social destes jovens – revelem
preocupações de contextualização e algum ‘encosto’ à linguagem das ci-
ências sociais, outros há que são clara e preocupantemente precipitados
e infundados. A associação do sentimento de insegurança exclusivamente
aos comportamentos destes jovens, a permanente afirmação da existên-
cia de ‘gangs’ organizados de jovens africanos, a frequente qualificação do
meio de proveniência como ‘gueto’ são , entre muitas outras, algumas das
conclusões apresentadas pela produção jornalística, baseadas numa mui-
to pouco rigorosa investigação e constituindo uma espécie de ‘fast-food’
para saciar uma opinião pública habituada a consumir este tipo de notícias
e sedenta das mesmas.
É preciso não esquecer que não é apenas a imprensa escrita que incorre
nesta tentação. A liberalização, ao longo da década de 90, das televisões
produziu igualmente este ciclo nos canais privados, iniciado pela SIC e
fielmente seguido pela TVI.
Este projecto visa igualmente quebrar algumas barreiras que têm esta-
do subjacentes à investigação sociológica de determinados fenómenos,
como as práticas desviantes juvenis, assentes na ‘politicamente correcta’
não discriminação dos atributos particulares, nomeadamente das cores
da pele dos agentes envolvidos.
Ao querer trabalhar sobre e com esse atributo não é objectivo deste estu-
do discriminar ou estigmatizar. Tal opção não traz consigo qualquer tipo de
orientação normativa. O principal objectivo deste trabalho consiste em co-
nhecer melhor a realidade diária destes jovens, as suas práticas, as suas
orientações ideológicas e as suas motivações. Para tal torna-se imprescindí-
vel proceder à distinção entre ‘blacks’ e ‘pulas’. Estes termos, recolhidos em
trabalho de terreno, são utilizados pelos próprios, nos contextos estudados,
com uma total ausência de associações discriminatórias, denunciando assim
a forma como estes agentes organizam a representação do seu universo.
Assim, ao longo deste estudo optámos por utilizar estes conceitos par-
ticipantes ou indígenas visto que, por um lado, aparentam ser os mais
autênticos e fieis caracterizadores do universo em estudo e, por outro,
fogem às demais categorias étnico-raciais, usualmente utilizadas pelos
mass media, imbuídas de significados e conotações extras, indesejadas
nesta investigação.
1. Estudo prévio à alteração legislativa de 2001, ver secção relativa à Legislação de Menores
em Portugal.
II - CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL
1. Pobreza à portuguesa
5. Vd. Maria Margarida Marques et al. (2001), Realojamento no Concelho de Oeiras, um estudo so-
ciológico, Cadernos Técnicos de Habitação, nº1, Direcção Municipal de Planeamento e Habitação,
Oeiras, Dezembro de 2001.
6. Para mais informação Vd. Alto Comissário para a Imigração e minorias Étnicas (1999), A in-
tegração dos imigrantes e das minorias étnicas. Linhas de actuação do ACIME 1996/99, ACIME,
Lisboa e José Leitão (1997), “The Portuguese immigration policy and the new European order”,
in Maria Ioannis Baganha (Editora) Immigration in Southern Europe, Celta Editora, Oeiras, pp.
121-129.
7. Desde 2003 sob a tutela do Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas.
8. Valente Rosa, Maria João, Hugo Martinez de Seabra e Tiago Santos (2004) Contributos dos
“imigrantes” na demografia portuguesa. O papel das populações de nacionalidade estrangeira.
Lisboa: Observatório da Imigração/ACIME.
9. Vd. Maria Beatriz Rocha-Trindade (1993), “Minorias. Polissemia do conceito e diversidade de
manifestações”, in Emigração Imigração em Portugal, Actas do Colóquio Internacional sobre
Emigração e Imigração em Portugal Séculos XIX e XX, Editorial Fragmentos, Lisboa, pp. 422-433;
João Arriscado Nunes (1997), “Boundaries, margins and migrants. On paradigm shifts, heteroge-
nety and culture wars.” In Maria Ioannis Baganha (Editora) Immigration in Southern Europe, Celta
Editora, Oeiras, pp. 89-100 e Maria João Valente Rosa, M. Margarida Marques, Catarina Oliveira,
Fernanda Araújo, Nuno Oliveira e Nuno Dias (2000), Imigrantes Internacionais: dos factos ao con-
ceito, SociNova Working Papers # 17, FCSH - UNL.
10. Relativamente ao fenómeno da emigração ver, entre outros, João Ferrão (1996), “Três décadas
de consolidação do Portugal demográfico “Moderno””, A Situação Social em Portugal 1960-1995,
ICS, Universidade de Lisboa, Lisboa, pp. 177-179 e João Peixoto (1993), “Migrações e mobilidade:
as novas formas de emigração portuguesa a partir de 1980”, in Emigração Imigração em Portu-
gal, Actas do Colóquio Internacional sobre Emigração e Imigração em Portugal Séculos XIX e XX,
Editorial Fragmentos, Lisboa, pp. 278-307.
Saldos Populacionais
DÉCADA Saldo total Saldo natural Saldo migratório
1960-1970 -226 140 1 072 620 -1 298 760
1970-1981 1 169 762 791 925 377 837
1981-1991 34 133 351 279 -317 146
1991-2001 488 970 84 451 404 519
Fonte: Valente Rosa, Maria João, Hugo Martinez de Seabra e Tiago Santos (2004) Contribu-
tos dos “imigrantes” na demografia portuguesa. O papel das populações de nacionalidade
estrangeira. Lisboa: Observatório da Imigração/ACIME.
11. Para um enquadramento da situação Portuguesa no contexto da Europa do Sul ver Russel King et al.
(Editores) (2000), Eldorado or Fortress? Migration in Southern Europe, Macmillan Press ltd, London.
12. Instituto Nacional de Estatística (2001), Boletim Informativo Censos 2001, Número 10, Junho de 2001.
13. Tendo em conta a ainda ausência de estudos de cariz científico sobre o recente mas cres-
cente fenómeno da imigração de Leste, e, igualmente, o facto de este não ser central para o
presente estudo, decidimos não abordar o mesmo.
iii) Por último, o grupo dos africanos, aqui não desagregado por na-
cionalidades, é aquele que apresenta uma evolução mais irregular
e mesmo abrupta a partir de meados da década de 70. Os valores
apresentados até 1976/77 são praticamente irrelevantes. É a partir
da descolonização que se inicia o processo, que depois se irá am-
pliando em bola de neve, de imigração de mão-de-obra pouco ou
nada qualificada para as áreas da construção civil e dos serviços de
limpeza essencialmente. Actualmente, e com nacionalidades agre-
gadas, este grupo é o maior contingente de imigrantes a nível na-
cional.
14.Estando tal situação certamente relacionada com o facto de a maioria dos Africanos em
Portugal usufruir, à data, de nacionalidade portuguesa (mercê da regra jus soli contemplada
na Constituição da época colonial).
15. Vd. também no mesmo sentido Maria Lucinda Fonseca et al. (2002), Immigration and Place
in Mediterranean Metropolises, Metropolis Portugal, Fundação Luso-Americana, Lisboa; Jorge
Macaísta Malheiros (1996), Imigrantes na Região de Lisboa. Os anos da mudança. Imigração
e processo de integração das comunidades de origem indiana, Edições Colibri, Lisboa; Maria
Lucinda Fonseca (1997), The geography of recent immigration to Portugal, Institute of Interna-
tional Relations and Regional Network on Southern European Societies, Conference on Non
Military Security in Southern Europe: Migration, employment and labour market, Santorini, Se-
tembro, 1997.
16. Vd. Maria Lucinda Fonseca (1998), “Immigration, social-spatial marginalisation and the ur-
ban planning in Lisbon: challenges and strategies” in Metropolis International Workshop, pro-
ceedings, Metropolis, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Lisboa, Setembro de
1998, pp.187-214.
17. Vd. inter alia Heloísa Perista e Manuel Pimenta (1993), “Trajectórias profissionais e inserção
laboral dos imigrantes residentes em bairros degradados de Lisboa”, in Emigração Imigração
em Portugal, Actas do Colóquio Internacional sobre Emigração e Imigração em Portugal Sécu-
los XIX e XX, Editorial Fragmentos, Lisboa, pp. 434-445; Maria Ioannis Baganha, João Ferrão,
Jorge Macaísta Malheiros (1998), “Immigrants and the labour market: the portuguese case”, in
Metropolis International Workshop, proceedings, Metropolis, Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento, Lisboa, Setembro de 1998, p.pp.89-120 e Maria Ioannis Baganha et al. (2002),
Os Movimentos Migratórios Externos e a Sua Incidência no Mercado de Trabalho em Portugal,
Observatório do Emprego e Formação Profissional, Colecção ‘Estudos e Análises’, n.º14, Lis-
boa, Abril de 2002.
“Há, contudo, sinais de que este quadro está em mutação e de que os con-
trastes da população imigrante com a população portuguesa estão a au-
mentar em algumas dimensões decisivas. (...) Se essa evolução se confir-
mar, Portugal poderá conhecer situações de ‘etnicidade forte’, implicando
episódios de disrupção social e política semelhantes às que outros países
europeus têm conhecido ao longo dos últimos dez anos.” (p.409)
20. Ver secção relativa à exclusão social de ‘minorias étnico-culturais’ da obra de Alfredo Bruto
da Costa (2001), Exclusões Sociais, Cadernos Democráticos, Fundação Mário Soares, Gradiva
Edições, Lisboa, pp. 67-75.
21. Projecto Europeu representado em Portugal por Maria Ioannis Baganha do Centro de Estu-
dos Sociais da Faculdade de Economia de Coimbra.
22. Ao analisar dados relativos aos beneficiários do rendimento Mínimo Garantido (em Junho
de 1999) Baganha conclui, da comparação entre a população total com a vertente de origem
africana, que a percentagem de mães solteiras junto desta última (48%) era superior ao dobro
da verificada para o total (21%). (Baganha, 2000; p.40)
Este ponto será mais desenvolvido na secção seguinte relativa aos filhos
de imigrantes.
tões, tem por base um suporte teórico coerente assente em dois vectores
principais: “(...) o grau de fixação na sociedade portuguesa e a ausência de
um projecto de regresso aos países de origem.” (Machado, 1994; p.111)
23. Sobre esta questão ver M. J. Valente Rosa, Tiago Santos e Hugo de Seabra (2004), op. cit., e
Catarina Gomes, “ ‘Falsos portugueses’? Jovens de origem africana nascidos em Portugal en-
frentam burocracias e desconhecimento dos serviços públicos”, Público, 7 de Julho de 2000.
24. Apesar de revelar uma maior aproximação ao universo em estudo, este instrumento tem
igualmente falhas. O filho de um indivíduo que embora tenha nascido no estrangeiro já tenha
adquirido nacionalidade portuguesa será quantificado no grupo cultural dos ‘lusos’.
5. Criminalidade em Portugal
Desta forma é possível desenhar-se uma pirâmide que tem na sua base
toda a criminalidade ocorrida, e no seu topo a criminalidade denunciada.
A título exemplificativo, em 1992 apenas 26% das vítimas havia denunciado
os factos às autoridades policiais; em 1994 este valor cresceu para 28%.
Mais recentemente, em 2000, esta mesma taxa atinge 32%, permanecen-
do por denunciar 68% da criminalidade de que os cidadãos são alvo - a
mais alta taxa de não denúncias de todos os 17 países analisados.
Uma hipótese explicativa para tal situação poderá residir na ausência de confian-
ça nas autoridades policiais e no sistema de justiça em Portugal. Em Setembro
de 1998 a revista Pró-Teste dedicou-se a este tema, referindo então que:
Este tipo de relatório aborda aquela que poderá ser qualificada como a
secção de topo da pirâmide da criminalidade em Portugal, i.e., a secção
relativa à criminalidade denunciada.
28. Os dados do International Crime Victims Survey de 2000 confirmam esta situação relativa-
mente a todos os outros países excepto a Alemanha, ausente desta investigação.
6. Delinquência Juvenil
29. Decreto-Lei nº314/78, de 27 de Outubro, Diário da República n.º248, I Série (pp. 2256-2281).
30. Idem ibidem, p. 2259.
33. Conceito polémico e amplamente criticado pelos mais directamente envolvidos na fase pós-
decisão (desde técnicos a monitores e educadores do Instituto de Reinserção Social) visto nunca
terem tomado conhecimento do que realmente consiste ‘formar para o direito’. Em 1999, os Ser-
viços de Reinserção Social elaboraram um documento onde desenham as Opções estratégicas e
metas no início do séc.XXI (2000-2003), estando um pouco mais elaborado no mesmo o conceito-
paradigma em causa: “Nesta fase de elaboração conceptual, deve entender-se por ‘educação
para o direito’ o processo que leve o jovem a aderir aos valores básicos da vida em sociedade,
entendendo-se por estes, os valores jurídico-penais, de forma a que com eles conforme a sua
conduta e não cometa crimes.” (p.52)
Ligado a este último ponto, realce-se ainda, por um lado, a quase inexis-
tência de violência nesta criminalidade e, por outro, o insignificante envol-
vimento em crimes relativos a estupefacientes (1,8% em 2000), situações
paradoxais perante os discursos mediáticos e de opinião pública relativos
ao aumento da insegurança ligada ao crescimento da delinquência juve-
nil.
No que se refere aos menores em risco, i.e., vítimas (maus tratos, abuso
de autoridade, abandono ou desamparo), em situações de pré-delinquên-
cia (inadaptação à disciplina da família, do trabalho, da escola ou da insti-
tuição onde se encontram) ou para-delinquência (vadiagem, mendicidade,
prostituição, libertinagem ou consumo excessivo de álcool), estes provêm
de meios sociais desfavorecidos, inseridos em famílias ‘desregradas’ e
marcadas pela violência e consumos aditivos (álcool e estupefacientes).
“Aquilo - pouco - que sabemos acerca dos jovens que transgridem a lei
penal diz sobretudo respeito aos adolescentes colocados nas instituições
de reeducação dos Instituto de Reinserção Social, na sequência da prática
de crimes. Os dados (...) mostram-nos adolescentes de famílias pobres e
com má situação educativa, com muita frequência pertencentes às mino-
rias africanas, residentes em bairros degradados e agentes, em regra, de
infracções contra a propriedade. Trata-se de uma ínfima parte, extrema-
mente filtrada e seleccionada, da vasta gama de adolescentes que infrin-
gem a lei.” (p.9-10)
34. Existente numa base trimestral desde 1954, especificamente dedicada à temática da delin-
quência juvenil, encontrando-se até 1995 sob a alçada da Direcção Geral dos Serviços Tutelares
de Menores passando desde então a estar dependente do Instituto de Reinserção Social.
iv) Reincidência
Concluem que a grande maioria dos jovens reincidentes não tinha no seu
historial de intervenção situações de maus tratos, abandono ou negligên-
cia, tinham antes manifestações de inadaptação (pré-delinquência) e prá-
ticas delinquentes.
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Total 976 1021 1052 983 818 955 875 839 696 754 634
Por 1000 9 10 11 9 8 10 9 8 7 8 6
habitantes
D. R. Porto
Colégio Santa Vila do Conde Masc. 59 68 116%
Clara
C. Santo An- Porto Misto 63 44 70%
tónio
C. Corpus V. Nova Gaia Fem. 46 48 104%
Christi
D.R. Coimbra
C. Dr. Alberto Aveiro Masc. 36 38 106%
Souto
Colégio dos Coimbra Misto 30 49 163%
Olivais
C. do Mondego Guarda Masc. 24 24 100%
Colégio São Viseu Fem. 22 16 73%
José
Colégio São Castelo Masc. 30 32 107%
Fiel Branco
D.R. Lisboa
C. São Bernar- Peniche Masc. 30 42 140%
dino
C. da Bela Lisboa Masc. 50 93 186%
Vista
C. Navarro de Lisboa Misto 54 52 96%
Paiva
Colégio da Lisboa Fem. 56 30 54%
Infanta
C. Padre A. Oeiras Masc. 30 43 143%
Oliveira
D.R. Évora/Faro
C. de Vila Elvas Masc. 24 21 88%
Fernando
36. Significando isto, como veremos, que menores infractores enviados pelos tribunais locais para
internamento terão que ser institucionalizados em Lisboa (Direcção Regional na qual estão inclu-
ídos). Indo esta situação contra todas as directivas tanto nacionais como internacionais relativas à
institucionalização de menores longe da sua família e do seu habitual local de residência.
37. A presente análise continua a ter como base valores de 2000, último ano da OTM. Há que ter
em conta que este é um universo muito volátil, em permanente mutação, fruto de um fluxo quase
diário de entradas e saídas, estas últimas de vários tipos - saídas autorizadas (permanentes ou
temporárias) ou não autorizadas (fugas ou não retornos).
38. Recordamos que apesar da idade de inimputabilidade ir apenas até aos 16 anos, os CAEF aca-
bam por permanecer com jovens internados com idades até aos 18 anos. Esta situação encontra-se
directamente relacionada com as medidas aplicadas a menores à beira dos 16 anos que se esten-
dem para lá desse limite etário, estando tal facto contemplado na legislação deste organismo.
39. Formalmente denominados Unidades Residenciais Autónomas (URA).
dos rapazes. Esta situação era, até à entrada em vigor da LTE, o cerne da
discussão reformista da OTM. Esta apoiava-se no apelo à passagem para
a Segurança Social destes menores vítimas, que se encontravam institu-
cionalizados juntamente com jovens delinquentes sofrendo, desnecessa-
riamente, de efeitos de contágio. Relativamente à situação de para/pré-
delinquência40 os valores sobem para os 14,8%. De destacar o facto de as
raparigas serem aqui maioritárias, com 51,1% deste universo. Como seria
de esperar, é na categoria de agentes de factos qualificados como infrac-
ção penal que se encontra o grande contingente de indivíduos com 74,8%.
Aqui os jovens do sexo masculino representam a grande maioria (89,5%).
E. Situação Jurídica dos internados - Analisaremos aqui apenas as três
tipologias mais significativas. Assim sendo, destaca-se a execução de
medida tutelar de internamento representando 46,7%. As categorias ob-
servação concluída a aguardar decisão e internamento para observação41
englobavam, à data, 12,8% e 33,3% dos jovens internados.
O internamento em CAEF tem por base uma filosofia de ocupação dos me-
nores. Este objectivo é para ser alcançado através de três grandes tipos de
actividades: a formação escolar, a formação profissional e as actividades
de animação.
Por último, referir a título de curiosidade, e mais uma vez em ligação es-
treita com o objecto de estudo desta investigação, que em Setembro de
2000 o Ministério da Justiça, nomeadamente o IRS, abriu concurso para
200 vagas de técnicos profissionais de reinserção social e 75 de técnicos
superiores, ou seja, o pessoal de terreno nos CAEF. Nos anúncios publica-
dos, um dos dois factores de preferência era “o conhecimento de línguas/
culturas africanas”. Embora sejam ainda poucos aqueles que tenham tido
coragem de, imparcialmente, analisarem a questão do envolvimento de
menores descendentes de imigrantes africanos em práticas delinquentes
e sua consequente institucionalização, a verdade é que é através destes
pequenos elementos que nos apercebemos que o próprio sistema, procu-
rando não levantar muita celeuma, vai adaptando-se à mesma.
Em 1994 Eliana Gersão e Manuel Lisboa publicam The self report de-
linquency study in Portugal um estudo pioneiro e único no género até ao
presente em Portugal. Teve por objectivo identificar junto de uma amostra
significativa dos jovens de Portugal Continental as taxas de prevalência de
delinquência auto-revelada. Ao abordarem a composição étnica dos jovens
os autores referem:
“Tendo presente que a inquirição da raça não é permitida uma vez que
poderia ir contra o princípio constitucional da não-discriminação, a compo-
sição étnica da população é desconhecida. Pode, ainda assim, ser conside-
rada homogénea, uma vez que os estrangeiros representam menos de 2%,
metade dos quais vieram das ex-colónias portuguesas em África.” (p.213)
Deste excerto destaca-se sobretudo a pouca relevância que à data era atri-
buída à associação: delinquência/filhos de imigrantes africanos em Portu-
gal. Não cremos que o desenvolvimento, no presente, de outro estudo em
moldes semelhantes tenha possibilidade de se esquivar à abordagem e
aprofundamento desta questão.
pais aceitaram a sua condição social, uma vez que, como imigrantes que são,
tendem a vê-la como transitória e compensadora a prazo, os filhos que não
pensam como imigrantes, são portadores de expectativas mais altas porque
também partem de um nível mais alto do que os pais. (...) Com efeito há aqui
diferentes medidas de privação relativa para as duas gerações. Se os pais se
comparam com aqueles que não imigraram e se sentem melhor do que eles,
os seus filhos já não têm esse grupo de referência, mas sim os grupos de re-
ferência que a sociedade em que cresceram lhes põe à vista, como por exem-
plo o dos jovens portugueses em geral. A confrontação dessas expectativas
mais altas com uma estrutura de oportunidades eventualmente bloqueada,
que os atire para uma condição social igual à dos pais, propicia a emergência
de atitudes de contestação colectiva. Esta pode ser uma explicação para o
envolvimento de jovens africanos em alguns episódios violentos ocorridos
nos últimos anos na região de Lisboa.” (p.128)
“Aquilo - pouco - que sabemos acerca dos jovens que transgridem a lei
penal diz sobretudo respeito aos adolescentes colocados nas instituições
de reeducação do Instituto de Reinserção Social, na sequência da prática
de crimes. Os dados que nos são fornecidos relativamente a esses jovens
mostram-nos adolescentes de famílias pobres e com má situação educa-
tiva, com muita frequência pertencentes às minorias africanas, residentes
em bairros degradados e agentes, em regra, de infracções contra a pro-
priedade. (...) Trata-se de uma ínfima parte, extremamente filtrada e selec-
cionada, da vasta gama de adolescentes que infringem a lei.” (p.9-10)
Sendo este um primeiro passo, cremos que num relatório sobre justiça
de menores em Portugal com 335 páginas, esta temática merecia maior
aprofundamento e elaboração.
civil. A mãe tem quarenta e cinco anos, tem a 4.ª classe e é empregada do-
méstica. Considera-se «uma pessoa difícil pela infância que teve» e «pelo
sofrimento que passou com o divórcio dos pais». De Cabo Verde, veio para
Portugal onde vivia com o pai e o irmão. A mãe estava em França com as
irmãs. Segundo Bruno, a solidão e a instabilidade familiares levaram-no
a procurar «más companhias». Hoje está preso.” (...) “Apesar do grupo de
jovens, na sua maioria «negros», com o qual convivia, sentia-se desenrai-
zado. A sua grande aspiração é viver com a família (...) Bruno está a viver
um processo de marginalização. Uma marginalização duplamente criada
pela frustração de não saber viver numa outra cultura, e de não encontrar
um apoio efectivo da família.” (p.155)
“O relatório apelida o problema dos gangs como ‘um barril de pólvora pres-
tes a explodir’.” (APN)
42. Entre outras: Gangues agregam milhares de jovens - estudo universitário fala em ‘barril
de pólvora’ que ameaça as áreas metropolitanas, Jornal de Notícias, 26 de Maio de 2001; Nick
Wilson, 9,000 young criminals belong to gangs, Anglo-Portuguese News, 31 de Maio de 2001.
Não tendo sido possível proceder a uma análise das metodologias utiliza-
das e conclusões alcançadas, para além das reportadas nos mass media,
não nos é possível comentar este documento. Apenas nos surpreende a
‘queda fácil’ na mediatização despoletadora do, tão debatido, sentimento
de insegurança de um trabalho que se filia na área das ciências sociais.
Área onde se procura sempre o maior rigor, metodológico e analítico, e a
compreensão dos fenómenos em análise em oposição à produção de ge-
neralizações alarmistas e estigmatizantes.
Não deixa de ser curioso constatar que mais à frente o mesmo autor ao
referir-se aos presumíveis infractores por nacionalidade afirma:
“No que diz respeito à nacionalidade dos infractores, os números não dei-
xam dúvidas quanto à prevalência dos portugueses, que tem vindo a au-
mentar progressivamente, contra alguma estabilidade demonstrada pelo
número de presumíveis infractores estrangeiros. Não foi possível apurar a
totalidade das nacionalidades dos infractores estrangeiros, apenas se re-
gistrando uma nítida predominância de jovens caboverdeanos e angolanos,
...” (p.32)
Por sua vez, Sérgio Soares aceitando e utilizando o termo ‘segunda gera-
ção’, apresenta o estudo mais directamente relacionado com a temática
da presente investigação, procurando, auxiliado por algumas estatísticas e
referências bibliográficas, desenvolver, na perspectiva policial, um estudo
descritivo das formas de agir destes jovens. Neste trabalho, parece-nos
que a procura das causas dos fenómenos identificados permaneceu em
segundo plano.
IV – PROBLEMATIZAÇÃO
43. Para um aprofundamento das teorias do desvio ver Mantine Xiberras (1996), As Teorias da
Exclusão. Para uma construção do imaginário do desvio, Epistemologia e Sociedade, Instituto
Piaget, Lisboa.
44. Para um maior aprofundamento da Teoria da Anomia ver Robert K. Merton, “Estrutura so-
cial e anomia” e “Continuidades na teoria da estrutura social e anomia”, Capítulos VI e VII in
Sociologia. Teoria e Estrutura, Editora Mestre Jou, São Paulo, pp. 203-270.
45. “O grupo apresenta-se, assim, como um contexto cultural de assimilação de valores e de
práticas favoráveis à não conformidade. É essa aprendizagem – a similitude das orientações e a
convergência das práticas – que leva a falar em identidades ou subculturas delinquentes, cuja
formação se faz em função (por oposição) do exterior. Com efeito, o grupo constitui também
uma defesa face às reacções negativas dos outros e ao efeito estigmatizante dos rótulos, que
muito contribui para aumentar a consciência da diferença que separa os jovens não conformis-
tas dos outros jovens...” (P.M. Ferreira, 2000, p.61)
46. Segundo esta última perspectiva, as atitudes de não conformismo e oposicionais não seriam
exclusivas dos jovens das classes sociais mais desfavorecidas.
47. Para um conhecimento mais detalhado dos processos de estigmatização ver Erwin Goffman
(1980), Estigma, notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, Zahar Editores, Rio de Ja-
neiro.
48. Para um aprofundamento da teorização do desvio na perspectiva interaccionista ver Howard
S. Becker (1985), Outsiders. Etudes de sociologie de la deviance, Editions A. M. Métailié, Paris; ver
igualmente Norbert Elias e John L. Scotson (1994), The Established and the outsiders, Sage.
49. “(...) o grupo é o principal catalisador do desvio juvenil. As razões que transformam o gru-
po em candidato privilegiado a esse papel estão muito relacionadas com as funções do grupo
durante a adolescência. Essas funções relacionam-se com várias necessidades. Em primeiro
lugar, é através das relações proporcionadas pelo grupo que o adolescente obtém informação e
desenvolve ‘mapas’ da realidade que lhe permitem abrir-se ao conhecimento e à compreensão
do mundo. Em segundo lugar, o suporte dos elos colectivos proporciona a segurança e o apoio
ao desenvolvimento e expressão das atitudes de ‘oposição’. Em terceiro lugar, as relações gru-
pais são um parceiro ideal e indispensável para a realização de actividades de tempos livres ou,
simplesmente, para a descoberta de formas divertidas de passar o tempo que quebrem o tédio
quotidiano. Por último, o grupo é ainda capaz de dar um sentido à acção, dando um significado
à forma como esta se exprime e proporcionando uma base para afirmação de uma certa iden-
tidade social.” (pp.77-78)
50. Para um aprofundamento desta questão ver John Rex (1988), raça e etnia, Editorial Estam-
pa, Lisboa.
51. Ver William Foote Whyte (1981), Street Corner Society – The social structure of an Italian
Slum, The University of Chicago Press, Chicago.
52. Para um aprofundamento dos modelos de aculturação da segunda geração ver Alejandro
Portes e Rubén G. Rumbaut (1996), Immigrant America. A portrait, University of California
Press, Berkeley, pp.232-268 e Alejandro Portes e Rubén G. Rumbaut (2001), “Defining the situ-
ation: the ethnic identified of children of immigrants”, in Legacies. The story of the immigrant
second generation, University of California Press, Berkley, pp. 147-191.
Este é o diagnóstico que tem colhido, até ao presente, a adesão dos inves-
tigadores portugueses interessados no estudo do envolvimento de adoles-
centes em práticas desviantes. Recorde-se que apenas alguns afloram a
questão do envolvimento de jovens filhos de imigrantes africanos nesse tipo
de condutas. Procuraremos seguidamente elaborar sobre esta interpreta-
ção com o auxílio de estudos e reflexões internacionais mais centrados na
investigação das questões relacionadas com a imigração e as minorias
étnicas. O principal propósito deste exercício assenta pois na procura de
contribuições para aprofundar a elaboração teórico desta questão.
Desta forma, foram identificadas quatro correntes teóricas que, com alguns
pontos de contacto, desenvolvem esta temática segundo prismas distin-
tos. Em primeiro lugar a teoria estruturalista, sobrevalorizando elementos
como a pobreza, a classe social e os constrangimentos locais (Sampson e
Wilson, 1995). A segunda orientação que identificámos centra-se nos fac-
tores culturais, destacando-se, por um lado, as sub-culturas juvenis e a
influência do grupo de pares (Livio Sansone, 1994) e, por outro, as opções
de aculturação dos filhos de imigrantes (A. Portes e R. Rumbaut, 1996).
Em terceiro lugar, considerámos as referências cujo enfoque central inci-
de em factores individuais. A estigmatização pública e a sua repercussão
na individualidade e na auto-estima dos jovens é o processo central da te-
oria (J. Junger-Tas, 1994; K. Heimer, 1995; R. Kennedy, 1997). Por último,
uma quarta orientação é ainda identificável: centra-se na eleição de um
conjunto específico de factores, no caso as dinâmicas demográficas das
populações de origem migrante, e no estudo das suas correlações com
índices seleccionados de práticas desviantes (T. Waters, 1999).
53. “... a discussão da raça e do crime está atolada num improdutivo misto de controvérsia e
silêncio. Ao mesmo tempo que artigos sobre idade e género abundam, os criminologistas estão
relutantes em falar abertamente sobre a raça e o crime por medo de serem mal interpretados
e classificados de racistas.” (p.37)
São ainda os estudos empíricos que nos levam a duvidar de uma relação
directa e simples. Seguindo Sampson e Wilson55, sugerimos que esta é
apenas uma faceta da questão, sendo as desigualdades estruturais entre
grupos étnicos as verdadeiras forças motrizes da associação entre violên-
cia e pertença étnica.
55. “Especificamente, nós defendemos que o elemento determinante da relação entre raça e
crime é a diferente distribuição de negros nas comunidades caracterizadas por (1) desorgani-
zação estrutural e (2) isolamento social cultural, derivando ambos da concentração da pobreza,
da disrupção familiar e da instabilidade residencial.” (p.44)
Os autores vão ainda mais longe, pois sustentam que o mesmo processo
opera ao nível da formação de valores e orientações culturais favoráveis
aos particularismos, tolerantes perante o desvio, e desfavoráveis à forma-
lização das relações:
São ainda os mesmos autores que sugerem que não há uma resposta úni-
ca e que é a nível local que se devem analisar os factores que, mais directa
e efectivamente, definem as condições de vida da ‘comunidade’, não es-
quecendo o efeito que factores de ordem mais geral, relacionados com as
políticas públicas, podem ter sobre os primeiros56.
Em formato conclusivo Sansone refere que esta cultura negra não é exclu-
sivista, sendo detectados elementos simbólicos da mesma junto de jovens
brancos.
59. . Alejandro Portes e Rubén G. Rumbaut (1996), Immigrant America. A portrait, University of Cali-
fornia Press, Berkeley, p. 252.
O artigo de Karen Heimer (1995) Gender, Race, and the pathways to de-
linquency, publicado na compilação de artigos Crime and inequality, apre-
senta alguns argumentos de natureza metodológica e substantiva para
justificar a existência de diferentes resultados entre estudos de delinquên-
cia auto-revelada e estatísticas oficiais.
Randall Kennedy (1997) na sua obra Race, Crime and the Law explora as
suspeitas de discriminação racial do sistema de justiça americano60. Em
alternativa ao argumento da discriminação por parte da polícia, para ex-
plicar o desproporcional número de negros nas cadeias, o autor refere a
histórica opressão racial a que os negros estão sujeitos nos Estados Uni-
dos - que transparece nos seus contextos habitacionais61. Neste contexto,
defende que tendo presente as privações que os negros enfrentam não
deveria surpreender que, relativamente ao seu peso proporcional na po-
pulação, estes se envolvam mais na criminalidade da rua que os brancos.
Um contexto habitacional degradado conjuntamente com a estigmatiza-
ção associada ao mesmo, poderá levar estes jovens filhos de imigrantes
africanos, aí maioritários, ao fechamento em referências próprias, sem
qualquer contacto com a sociedade envolvente? A existência, à partida, de
um estigma negativo poderá facilitar o envolvimento despreocupado em
práticas que serão também elas estigmatizadas?
60. “Um número disproporcional de reclusos negros pode significar que a polícia se encontra
a discriminar racialmente no acto da captura. Por outro lado, as demografias raciais das po-
pulações reclusas podem reflectir que mais negros do que brancos se envolvem em condutas
proíbidas, facto que os leva à reclusão. Se assim for, a disparidade racial não tem origem em
decisões preconceituosas da polícia, mas em outras causas. (...) Verdadeiras diferenças com-
portamentais podem advir, até certo ponto, da privação imposta aos indivíduos que vivem em
áreas deprimidas, isoladas e criminógenas, nas quais reside um largo número de negros em
consequência da histórica opressão racial.” (pp. 9-10)
61. Ver igualmente Elijah Anderson (1992), StreetWise. Race, class, and change in an urban
community, The University of Chicago Press, Chicago.
62. “As comunidades mais necessitadas da protecção policial são também aquelas nas quais
uma parte significativa dos residentes encara a polícia com grande ambivalência, muita da
qual provém do reconhecimento de que a cor conta como um marco de suspeição no qual se
baseiam para entrar em acção – rusgas, interrogatórios, presseguições, detenções, agressões,
etc. Isto leva a que as pessoas que poderíam auxiliar a polícia a evitem, se demitam de cooperar
com as investigações policiais, assumam que polícias são desonestos e ensinem a outros que
tais reacções são uma prudente lição de sobrevivência nas ruas.” (p.153)
“Os níveis de fertilidade que estes imigrantes trazem ‘de casa’ têm pro-
babilidades de serem plenamente concretizados apesar da diferente loca-
lização geográfica. Estes pais, por sua vez, não conseguirão socializar as
suas crianças em conformidade com os valores convencionais do país de
acolhimento, e é de esperar que surja algum tipo de ‘crise’ 15-20 depois do
pico da imigração.” (p.58)
juvenil. Esta variação ocorre através tanto dos grupos de idade como do
género, e é um factor determinante na forma como variam as taxas de cri-
minalidade juvenil de determinados grupos independentemente da cultura,
integração social, pobreza, e quaisquer outras causas usualmente aponta-
das pelos teóricos da criminologia. Quanto maior a proporção de jovens em
risco numa população, maior a probabilidade do grupo ter elevadas taxas
de detenção e actividade de gangs. Tendo em conta a rapidez das mutações
demográficas dos grupos imigrantes, isto significa que grandes flutuações
nas taxas de crime juvenil podem ser explicadas pela propoção relativa de
jovens nas respectivas populações.” (p.96)
Tony Waters apresenta o seu modelo teórico, de uma forma simples, atra-
vés de uma equação:
O Problema:
Ao contrário do que tem sido comum nas ciências sociais a nível nacional,
o propósito deste estudo não é analisar a delinquência juvenil evitando a
questão do ‘preto’ e do ‘branco’. Essa dicotomia é cada vez mais flagrante
seja nas ruas, nas instituições de acolhimento e/ou internamento de jo-
vens ou mesmo nos estabelecimento prisionais nacionais64.
Desta forma, o elemento central desta investigação consiste na procura de
um melhor entendimento das maneiras de agir, pensar e sentir65 dos jo-
vens filhos de imigrantes africanos em Portugal. Tais objectivos afiguram-
se-nos inalcançáveis caso uma perspectiva comparada não seja adoptada.
Neste caso, ela assentaria num cotejamento de situações entre jovens de-
linquentes negros e jovens delinquentes brancos.
Nos contextos residenciais onde habita a grande maioria dos jovens de-
linquentes de origem africana, fortemente marcados pela experiência das
desigualdades estruturais da sociedade, os jovens realizam boa parte da
sua socialização nas ruas, junto do grupo de pares, sobrepondo-se esta em
termos de interiorização de maneiras de agir, pensar e sentir relativamente
aos focos de socialização primária a quem cabe tradicionalmente incutir
nos jovens regras, normas e valores básicos da convivência em sociedade.
64. Ver H. Martinez de Seabra e Tiago Santos (2005), A Criminalidade de estrangeiros em Por-
tugal. Um inquérito científico, Colecção do Observatório da Imigração, Alto-Comissariado para
a Imigração e Minorias Étnicas, Lisboa (no prelo) e H. Martinez de Seabra, (1999), Desviantes
ou Desviados? Abordagem exploratória da participação dos imigrantes em práticas em práticas
criminais, Working-Papers # 8, SociNova.
65. Nos termos de Emile Durkheim (1991), As Regras do Método Sociológico, Editorial Presen-
ça, Lisboa, pp. 30-31.
se desta forma, nestes contextos, como que uma socialização invertida, onde
os elementos definidores das regras são os próprios ‘marginais’.
66. Vd Gerry Rose (1982), “Field-work and qualitative data: the deciphering”, in Deciphering
Sociological Research, Contemporary Social Theory, MacMillan, London, pp.117-141.
V - METODOLOGIA
68. Vd. David Justino, Maria Margarida Marques, Tiago Ralha, Susana Palácio e Hugo de Seabra
(1998), “Children of immigrants: a situation in flux between tension and integration” in Me-
tropolis International Workshop, proceedings, Metropolis, Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento, Lisboa, Setembro de 1998, pp. 273-304; Hugo Martinez de Seabra (1999),
Desviantes ou Desviados? Abordagem exploratória da participação dos imigrantes em práticas
criminais, Working-Papers # 8, SociNova e M. M. Marques, Sílvia Nóbrega e Hugo Martinez de
Seabra (1999), Adolescência e juventude: novos valores para novos desafios, apresentado no
Ciclo de Conferências da Câmara Municipal de Oeiras “Uma política social para o Séc. XXI”,
Maio de 1999 (policopaido).
A escolha do CAEF recaiu num dos dois maiores Colégios a servir a Área
Metropolitana de Lisboa, seleccionado devido a um conjunto de caracte-
rísticas:
“Não é fácil estudar os desviantes, uma vez que estes são tidos como estran-
geiros pelo resto da sociedade, e eles próprios têm tendência a considerar
que o resto da sociedade lhes é estrangeira, o investigador que pretende
descobrir os fenómenos do desvio deve ultrapassar difíceis obstáculos an-
tes de ser admitido a ver o que pretende ver.” (H. S. Becker, 1985:191)
Relativamente aos estudos de caso, Judith Bell (1999) aponta duas gran-
des virtudes de cariz operacional:
Foi nosso propósito dedicar algum tempo à pesquisa de terreno com vista
a ‘quebrar o gelo’ que as diferenças de origem de observador e observa-
dos não deixariam de criar. Afigurava-se impossível contornar todos os
obstáculos associados ao estudo da temática do desvio e da delinquência
juvenil, mormente atendendo ao critério ‘politicamente incorrecto’ da cor
da pele dos envolvidos, através de uma rápida passagem pelo universo em
causa.
69. Dos quais destaco o Dr. Semedo Moreira da DGSP e a Dra. Leote de Carvalho do IRS, e aos
quais agradeço.
Foi assim elaborado um Diário de Campo por forma a que no final de cada
dia de observação se incluíssem no mesmo as notas mais relevantes a três
níveis: i) descrição de situações observadas; ii) confronto de teoria com
determinadas observações; iii) auto-posicionamento e, frequentemente,
autocrítica relativamente ao papel do investigador na observação.
70. Uma agradecimento especial ao João, ao Peter, ao Vieira, ao António e ao Semedo (nomes
escolhidos pelos próprios), entre outros.
4.4 Entrevistas
A selecção dos indivíduos a entrevistar não foi definida a priori, fez parte
das decisões tomadas no desenvolvimento do processo de pesquisa de
terreno. Assentou em alguns requisitos, uns resultantes da especificidade
das temáticas em estudo, outros de condicionantes situacionais próprias
do contexto em observação.
71. Tenha-se presente que nem todos os jovens institucionalizados eram, à data, delin-
quentes.
72. Ao contrário do que se processou com o inquérito por questionário, as entrevistas não
se generalizaram a todo o universo delinquente por opção do investigador, consequente das
semelhanças discursivas destes jovens.
Diário de campo:
Nos primeiros dias de contacto com o terreno, nas notas elaboradas dia-
riamente no diário de campo predominam suposições inconscientemen-
te baseadas em possíveis preconceitos do investigador. Exemplo são as
frequentes associações dos rapazes mais novos brancos a situações de
vitimação e dos ‘negros’ a situações de delinquência, algo que mais tarde
veio a revelar-se o oposto em alguns casos.
Letra Rap:
Entrevistas:
Utilizando uma frase de Álvaro Pereira (1999) relativa aos estudos em meio
de reclusão, concluímos esta secção relativa à crítica da informação obti-
da: “Há contudo um princípio sobre o qual só podemos ser intransigentes:
as motivações sobre o que deve ser estudado podem ser de natureza polí-
tica - os resultados não.” (p. 149)
6. Opção Terminológica
Neste sentido, é nossa intenção utilizar estes dois termos como ‘conceitos
participantes’. Realce-se o quão patente se encontra nos mesmos a influ-
ência da ‘cultura afro-americana’, uma vez que o primeiro, ‘black’, tem a
sua origem num termo inglês e o segundo, ‘pula’, vem do crioulo. Ainda
assim, a utilização dos mesmos é generalizada e legitimada, in loco, por
todos os jovens.
1. Instalações/Equipamentos
No topo desta encosta, para lá de uma vasta área, onde predomina a vege-
tação e o pinheiro bravo, e do mencionado gradeamento, encontra-se um
Estabelecimento Prisional, sendo frequentes, no Colégio, as metáforas re-
lativas à subida da montanha - ‘entrada na prisão’.
73. Não aprofundaremos a mesma neste trabalho visto, por opção metodológica, esta não ter
constituído parte do universo observado.
74. Nota Metodológica: no seguimento do que é apresentado relativamente às opções metodo-
lógicas deste estudo, procederemos a uma apresentação baseada fundamentalmente na ob-
servação e no material recolhido em diário de campo. Assim sendo, com o intuito de facilitar ao
leitor a visualização dos elementos descritos, a vertente qualitativa será aqui dominante.
Uma vez que o universo em estudo tem como principal característica o in-
ternamento, este foi o espaço de eleição da observação conduzida. Ao lon-
go dos quatro meses de observação também este edifício sofreu inúmeras
alterações, assentando essencialmente num princípio - a preparação, em
tempo record, do primeiro andar, destinado a abrir, em Janeiro de 2001,
em sistema de regime fechado (contemplado na nova LTE).
Assim, a entrada processa-se por uma porta secundária, num dos topos,
dando acesso directo ao ‘maracanã’, um pequeno hall de entrada que fazia
igualmente a ligação entre o primeiro e o segundo piso. Não tendo mais
de 20 metros quadrados este era o espaço de eleição para a prática de
futebol indoor após o jantar. Através do aproveitamento dos vãos de duas
portas como balizas, os jogos em mano-a-mano ou em equipas de dois
eram uma constante.
Antes de entrarmos pela unidade dentro, no piso térreo, uma visita rápida
ao piso superior para conhecer a grande sala das aulas de Capoeira. O
contraste com tudo o resto que viremos a descrever é acentuado. O chão,
em taco de madeira, está envernizado e brilhante, à entrada deixam-se os
sapatos pois ali anda-se descalço. As paredes, brancas de uma tinta re-
cente, estão decoradas com vários posters e colecções de fotografias alu-
sivas à prática da Capoeira. Entre cada janela, um birimbau encontra-se
pendurado, aguardando as aulas para ser tocado. Mobília é praticamente
inexistente, pois ali o objectivo é ter espaço para os ‘beija flor’ e os ‘chutos
na lua’. Claramente este é um local respeitado, onde não há vandalização
ou lixo, tal só se consegue através da imposição de um forte carisma, algo
que o Mestre da Capoeira incorpora como poucos ali dentro.
Avançando por uma das ‘balizas’ a dentro, entramos num grande corredor
central, chão sempre em mosaico a simular mármore, paredes pintadas
até meio de tinta plástica creme, e branco daí até ao tecto. Imediatamente
por cima dessa porta ‘abalizada’ localizam-se as já muito massacradas
campainhas do telefone e da unidade residencial. Nas paredes, mais tra-
balhos dos alunos.
Do lado esquerdo, uma porta seguida de uma janela interior sempre num
resistente ferro e já desfalcada de inúmeros rectângulos de vidro, possibili-
tam-nos visualizar uma grande sala de convívio. Uma vez dentro da mesma,
apenas o chão em taco antigo de madeira destoa em relação aos espaços
anteriores. Bem no centro da divisão, algumas manchas vermelhas mar-
cam o chão, aparentando ser sangue de batalhas passadas, não passam
do último vestígio de uma longínqua guerra de ameixas. Ao comprimento
de toda a massacrada parede exterior estende-se uma correnteza de ja-
nelas proporcionando uma vista desde o rio Tejo até à cozinha do colégio,
passando pelo constantemente controlado portão de entrada, igualmente
patrulhado por seguranças privados. Em dias de maior frio, nem mesmo o
aquecimento proporcionado por uma salamandra em ferro forjado, no topo
oposto da sala, anula as correntes de ar que atravessam esta grande divisão
através dos vidros não substituídos das várias janelas em direcção a outros,
em igual estado, no lado oposto do edifício. A vida desta unidade confunde-
se com a vida desta sala, é nela que se encontram os móbiles ocupacionais
de tempos livres mais procurados: a televisão, o snooker e o computador.
A desnivelada mesa de snooker, manchada e rasgada em inúmeros locais,
possibilita apostas a cigarros. Os tacos, à falta de giz apropriado, abastecem-
se em buracos feitos na cal das paredes com esse propósito. Três bancos
corridos de madeira e respectivas, disputadíssimas, almofadas, juntamente
com algumas cadeiras de qualidades e fornadas várias constituem a plateia
para as diárias sessões de telenovelas e jogos de consola em frente à tele-
visão. Imediatamente acima da mesma, colado na parede de forma central,
o poster da selecção nacional, resistente desde as celebrações das vitórias
Portuguesas no Europeu de 2000. Em dois dos cantos, pequenos caixotes de
lixo, usualmente confundidos com cestos de basket, fazendo de respectivas
bolas os pacotes de leite achocolatado do pequeno-almoço, lanche e lanche
da noite. Espalhadas um pouco por todas as paredes disponíveis encon-
tram-se estantes com livros. O objectivo era criar uma biblioteca. Para tal
existia tudo menos vontade dos utentes em usufruírem sem vandalização
dessas publicações. Frequentemente as mesmas eram utilizadas como ar-
mas de arremesso ou locais de esconderijo de objectos sonegados a um
companheiro.
Os quartos são ainda menores que as salas de aula, com um pé alto as-
sinalável, o roupeiro todo em alvenaria, a cama de ferro, a secretária, a
respectiva cadeira e a mesa de cabeceira - quase sempre adaptada a ban-
co alto - obrigam a uma ginástica tremenda para a colocação da segunda
cama, restando um mínimo corredor entre as camas, e o espaço estrita-
mente necessário para a abertura das portas do roupeiro. Frequentemente
um dos dois cobertores destinados a cada aluno encontra-se pendurado
na janela devido à fria ausência de alguns vidros aguardando substituição
eternamente. Aqui a decoração quase não tem regras, a lâmpada néon
acima da porta encontra-se usualmente pintada anarquicamente com
75. O truque neste caso consiste em colar tais fotos na traseira das portas, uma vez que as
mesmas abrem para dentro, o que leva a que esses recortes fiquem fora do alcance de uma
possível vistoria rápida.
das. Os vidros das janelas raramente estão todos no lugar, sendo frequente
existirem vidros que se tiram e voltam a pôr, por forma a que possam arejar
o quarto, essencialmente quando dentro deste se fuma. Outros vidros não
existem mesmo, o que não é factor de complicação durante o verão mas
com o inverno que se aproxima calculo que venha a constituir elemento de
discussão. Todos têm um painel próprio de cortiça, onde põem fotos ou re-
ferências a rapers, graffiti, etc... O Graffiti é também, mais para os ‘blacks’,
sem margem de dúvidas uma adoração destes jovens. (Diário de Campo,
30 de Setembro 2000)
Chegamos assim ao final deste único e grande corredor, que atravessa duas na-
ves. Na parede de fundo, pequenas janelas quadradas possibilitam vislumbrar o
que vai ocorrendo na escola de guardas prisionais, situada ao lado do colégio.
2. Actividades Desenvolvidas
3. Funcionários
76. A avaliação positiva da presença e do bom comportamento dos alunos nestes cursos resulta
no final de cada mês num prémio financeiro como forma de incentivo.
4. Menores Institucionalizados
84. Excluiremos de ora em diante, sempre que tal se justifique, a etnia cigana, uma vez que
sendo apenas um indivíduo ficaria comprometida a protecção dos seus dados pessoais.
Pulas Blacks
85. Por opções de cariz metodológico constituíram-se 4 intervalos de meses: [1-6]; ]6-12]; ]12-
24]; ]24 +].
Se uma presença em internamento até um ano nos parece, à luz dos pro-
pósitos de reinserção social, aceitável, a existência de menores institu-
cionalizados há mais de 12 meses e, entre estes, 4 alunos há mais de 2
anos, aparenta incumprimento das metas estabelecidas de reintegração e
ressocialização para uma vida normal em sociedade.
por ‘blacks’ (4 indivíduos para 1), ao passo que na mais dilatada no tempo
encontramos a situação oposta (3 ‘pulas’ para 1 black).
Realce-se ainda que, sem nos ter sido possível quantificar, uma parte sig-
nificativa dos menores institucionalizados, à data de realização do estudo,
encontrava-se com o seu processo a correr em Tribunal, i.e., estavam reti-
dos no Colégio para observação ou com observação concluída aguardando
decisão. Existindo mesmo menores há mais de um ano nesta situação, algo
que contraria todas as directivas legais nacionais e internacionais quanto à
celeridade processual obrigatoriamente necessária nesta jurisdição.
Esta última situação não destoa com o detectado pelo OPJ relativamente
a estas questões:
A presença no terreno durante dois meses e meio até à aplicação das en-
trevistas possibilitou a tomada de consciência, por parte do investigador,
de que a condição marginal vai muito para além de uma questão de ‘cor
da pele’. Desta forma foram inquiridos ‘blacks’ e ‘pulas’. Assim, serão uti-
lizados excertos de todas as entrevistas realizadas, pois o cruzamento dos
discursos produzidos pelos dois grupos apresenta-se-nos como central
na avaliação da existência, ou não, de grandes disparidades ou oposições
nas suas maneiras de agir, pensar e sentir.
1. Classe Social
87. Esta questão será novamente desenvolvida na secção relativa às modas (indumentária e
referências musicais) adoptadas pelos jovens em estudo.
E - Qual é que é a tua opinião sobre os jovens pulas assim de classe média,
assim tipo ... achas que os gajos também fazem fezadas, ou não?
6 - Todos fazem hoje em dia.
E - Então porque é que ... aqui no Colégio eu acho que só há praticamente
pessoal pobre, porque é que achas que os outros não vêm aqui parar?
6 - Então, porque têm dinheiro não precisam de ‘tar a roubar, é só pedir e
o papá compra, a mamã compra. Enquanto os outros não, os outros têm
que arranjar uma maneira que é p’a ter, não podem ficar a morrer de fome
e de desgosto.
E - Tu já passaste fome?
6 - (Acena a cabeça a dizer que sim)
(6 – Black, 16 anos, Margem Sul)
E - ‘Tás a ouvir ó Silva, tu achas que o pessoal com mais guito, me’mo que
faça estrilho não vem aqui parar?
8 - Eu acho que sim!
7 - Conforme, conforme, se tiver um bom advogado!
12 - Eu conheço, eu conheço: O pai dele, o pai dele era juiz a mãe era juíza
e o gajo era um g’anda bandido, e entretanto nunca foi parar a nenhum
colégio, nunca foi parar e os pais estavam sempre a defendê-lo!
7 - Oh, basta ter dinheiro p’ra um bom advogado!
12 - Um advogado, olha o pai era juíz e a mãe era juíza, o gajo abusava, mas
abusava me’mo, passava dos limites. Ia p’rá esquadra: -”Ah o meu pai é
Juíz!”; -”Vai-te, vai-te lá embora!”
E - E achas bem?
12 - Eu acho que não, eu acho que devia ser tal e qual como nós!
9 - Mas se fosse contigo também gostavas que fosse assim?
12 - Não é bem assim, não é bem assim. O qu’é que tu és a mais do
qu’eu?
9 - Nada!
12 - Então, não tinhas nada que ganhar mais do qu’eu!
(7 – Pula, 16 anos, Porto; 8 – Pula, 13 anos, Lisboa; 9 – Pula, 14 anos, Norte;
12 – Pula, 17 anos, Lisboa)
2. Família88
Esta ‘desregulação’ das famílias dos menores entrevistados é definida por re-
lação a uma família tipo, de raiz burguesa90, e manifesta-se através do elevado
número de situações relatadas de pais divorciados, famílias monoparentais,
famílias onde um dos progenitores é desconhecido, famílias numerosas, etc.
1 - (...) vou contar a minha vida toda, agora eu vou contar! A gente
chegava a roubar, a gente roubava, um amigo meu roubou um reló-
gio a um puto, os bófias foram lá a minha casa, eu não tinha nada a
ver com isso, mas eu estava lá junto, também roubei algum ao meu
pai, levei logo uma cascada, tive que dar o nome à PSP, então depois,
passado uns meses, a minha mãe faleceu, mais cenas tristes para a
família, o meu pai está com outra senhora e com outro dread, fica-
mos assim tristes. Agora eu estou aqui, nesta porra fechado, parece
que estou no hospital dos malucos ...
(1 – Black, 16 anos, Setúbal)
13 - Por exemplo, na minha família nunca tive muita sorte, né? O meu irmão,
o meu irmão começou a róbar por causa do meu pai e o meu pai batia-lhe,
né? Porquê? Porque o meu pai, o meu pai tinha possibilidades p’a dar uns
ténis ao meu irmão mas não dava, porquê? Porque o meu irmão portava-se
mal. Porquê que o meu irmão portava-se mal? Porque tinha raiva do meu
pai, né? Por exemplo, nós somos três irmãos, aquela que já morreu, a mi-
nha irmã mais velha, o x e eu. Depois do outro lado tem a y, o w e a k. Estes
estudaram, assim mais calmos, assim tipo bétinhos ‘tás a ver?
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
91. Ver David Justino et al.(1998), “Children of immigrants: a situation in flux between ten-
sion and integration” in Metropolis International Workshop, proceedings, Metropolis, Funda-
ção Luso-Americana para o Desenvolvimento, Lisboa, Setembro de 1998, pp. 273-304; Heloísa
Perista (1996), “Imigrantes e minorias étnicas em bairros degradados de Lisboa”, in Imigran-
tes um desafio Ético, Colecção Reflexão Cristã; Maio/Agosto 1996, Lisboa, p.65 e Tony Waters
(1999), Crime and Immigrant Youth, Sage Publications. Relativamente à temática da gravidez na
adolescência ver igualmente Clea Sucoff e Dawn M. Upchurch (1998), “Neighbourhood context
and the risk of childbearing among metropolitan-area black adolescents”, in American Sociolo-
gical Review, Volume 63, Agosto 1998, pp. 571-585.
Com quatro ou mais irmãos encontramos dezoito dos vinte e quatro casos
existentes, sendo onze representados por blacks, onde o valor máximo ve-
rificado é o de nove irmãos. Os pulas (três em cinco) são mais numerosos
nas famílias com menos de quatro filhos.
13 - O meu pai, a maioria das vezes não dormia em casa, a minha avó
quase não saía da cama, não conseguia estava já doente, os meus irmãos,
a minha irmã casou-se. O meu pai saía de manhã ia trabalhar, saía do
trabalho não vinha p’ra casa ia logo directo p’ó café beber, chegava a casa
bêbado caía no sofá, nem sequer reparava s’eu ‘tava vivo ou se ‘tava morto.
Só assim quando me chamava é que reparava qu’eu não ‘tava em casa, só
quando me chamava p’a eu lhe ir fazer umas massagens, p’a lh’aquecer
o comer ou p’á minha irmã lh’aquecer o comer, a maioria das vezes nem
reparava s’eu ‘tava em casa, s’eu chegasse em casa, se ‘tivesse no sofá ou
se ‘tivesse a ver televisão, ele passava por mim ia p’ró quarto nem sequer
reparava qu’a televisão ‘tava acesa. E eu sempre fui naquela: -”Ah o meu
pai não quer saber eu também não! Fico aqui em baixo!” Então ficava lá em
baixo, e em vez de ir p’ra casa às 9.30, 10, 11 fui chegar a casa à meia noite,
uma, duas, umas de directa, duas directas, três directas, passava assim a
vida.
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
A aplicação, por parte dos pais, de castigos violentos constitui outra cons-
tante do discurso destes jovens relativamente ao ambiente familiar.
E - Então porque é que tu dás a fuga de casa? Quando os teus pais têm os
dois emprego ...
6 - Não, eu fugia de casa porque o meu pai batia-me porque eu não ia à
escola, quando eu passava por lá o meu pai batia-me, depois comecei a
fugir de casa.
E - Essa também foi a razão de o teu irmão ter dado de fuga?
6 - Yá!
(6 – Black, 16 anos, Margem Sul)
92. Relativamente à violência em seio familiar ver igualmente Planella, Jordi (1997), “A vio-
lência como forma de comunicação nas crianças e adolescentes em situação de risco social”,
Infância e Juventude, 97.4, Outubro-Dezembro; Nelson Lourenço e Manuel Lisboa (1991), Rep-
resentações da violência, Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, nº2/91, Gabinete de Es-
tudos Jurídico-Sociais e Nelson Lourenço, Manuel Lisboa e Elza Pais (1997), Violência contra as
mulheres, Cadernos Condição Feminina, nº48.
E - Tens irmãos?
6 - Tenho um mais velho que já andou também aqui.
E - Esteve aqui no Colégio também? Porquê? Estrilhos?
6 - Não, andava a fugir de casa também.
(6 – Black, 16 anos, Margem Sul)
pé de mim e ajuda-me.
E - O teu irmão é mais velho ou mais novo que tu?
15 - Mais velho, são todos mais velhos!
E - Já me disseram que às vezes ter um irmão muita maluco também dá
fama p’a eles, tipo: -”Ah tu és irmão do não sei quê, anda lá, g’andas ma-
lucos e não sei quê!”
14 - Yá, isso é assim! (...) Há pessoas que não se conhecem de nenhum
lado, olham p’a ti: -”Eh pá, tu não és irmão do não sei quantas?”; -”Yá, yá
sou!”; -”Eh pá desculpa lá!” Intimida-se com os irmãos.
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste, 15 – Pula, 16 anos, Setúbal)
4 - Há mais blacks! Não é isso, não é isso, agora vou dizer uma verdade,
verdadíssima me’mo, é por causa qu’os blacks ‘tás a ver?, os pulas têm
mais acompanhamento dos pais, os pais tam’ém vêm p’ra cima deles, e
os blacks não! O pai tem que trabalhar, a vida pesada, acordar de manhã,
sempre a bolir, nunca dão atenção aos filhos, nunca ‘tão assim tipo a con-
versar com os filhos, tipo a sós, ‘tás a ver? Tipo ter uma conversa de pai p’a
filho, é raro me’mo! Tipo cagam p’ós filhos!
16 - Yá! Isso é verdade, isso é verdade! (...)
4 - Deixa-me explicar, deixa-me explicar uma cena, é que os pulas têm
sempre mais oportunidades do que os blacks, sempre, sempre, ou querem
qualquer coisa, têm sempre mais oportunidades e mais apoio, em minha
casa eu nunca tinha apoio.
E - Então tu achas qu’o apoio só vem da família ou vem tam’ém do Esta-
do?
4 - Não, o maior apoio é o apoio da família ...
E - É esse que faz mais falta?
4 - É esse que faz mais falta!
16 - Yá o apoio familiar!
4 - Diz lá, um black os pais chegam em casa, 7, 8 horas, todos cansados e
não sei quê, fazer jantar, no outro dia de manha pegam às 7, às 7, nem têm
tempo de falar com o filho nem nada. Os pulas não, já os bisavôs já eram
ricos, já vem com herança, a herança vem lá de trás, vem lá de trás, os
blacks não! Sempre a lutar, sempre a lutar, sempre a lutar!
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 16 – Black, 16 anos, Lisboa)
8 - A primeira vez que fui p’rá esquadra, levaram-me a casa, saí do carro,
vê lá, na boa, fui direito à minha casa, o bófia vira-se: -“Agora não deixe o
seu filho sair de casa!”, as codrilheiras todas a olhar, fui p’ra casa, os bófia
ainda estavam lá a falar com uns, eu abri a porta, saí, e os polícias a olhar
p’ra mim. A minha mãe! A minha mãe só diz: -“É assim, tu podes roubar
mas desde que não sejas apanhado! Eu não me importo de tu fumares,
nem droga, eu não me importo de tu fumares tabaco nem droga, mas digo-
te uma coisa, vê se não passas de gansas de tabaco p’ra algumas coisas,
Deus queira que não!” Eu posso fumar, desde qu’eu não me meta nas dro-
gas pesadas é o mais importante p’rá minha mãe.
(8 – Pula, 13 anos, Lisboa)
7 - A minha mãe não sabe o qu’é um charro! (...) A minha mãe nunca des-
cobriu qu’eu fumava droga.
E - Então e a nível de fezadas e isso?
7 - Ah isso sabia, porqu’eu roubava as coisas e lavava a maioria das coisas
p’ra casa ...
8 - É como eu também!
(7 – Pula, 13 anos, Lisboa; 8 – Pula, 14 anos, Norte)
Desta forma, a própria casa dos pais poderá transformar-se num depósito
de material roubado com o conhecimento e conivência destes.
Neste sentido são frequentes, nas entrevistas junto destes filhos de imi-
grantes africanos, as referências a diferentes perspectivas relativamente
às maneiras de pensar e agir na sociedade portuguesa entre imigrantes
africanos e seus filhos.
4 - É que não dá p’a estudar. Os pais vieram d’África, ‘tás a ver? Já pobres e
não sei quê, com’é que vão ..., não têm aquele apoio, não apoiam os filhos,
p’a os filhos subirem na vida ...
E - Achas qu’a culpa é só dos pais ou achas que os próprios tam’ém se
encostam um bocado e quê ...
4 - Yá! Yá isso é verdade! Mas se tivesse tido sempre, sempre, pelo menos
um bom apoio dos meus pais não ‘tava aqui de certeza. (...) Tipo, com o meu
pai, com o meu pai, nunca tive conversa com o meu pai, era só bom dia, boa
tarde e quê e mais umas coisas, mas ter conversa me’mo pai p’a filho, só
com a minha mãe, e a minha mãe ..., olha os pulas, a mãe vai buscar na
escola, vão na escola com carrinho ...
E - Tu gostavas de ser bétinho?
4 - Quem é que não gostava, claro qu’eu gostava!
(4 – Black, 16 anos, Lisboa)
3. Bairro
1 - Ya, o meu bairro é como os outros bairros, tem pessoas a morar, muitos
roubos, PSP, brigadas anti-crime parou lá para ver esse pessoal de cor, e
acho que é um bocadinho fatela p’ra os putos pequeninos e espero que os
putos pequeninos nunca chegarem a esta situações de roubo, porque vai
ser uma vida chata para os putos, depois vão para um colégio, depois do
colégio, sei lá, vão para outro lado, vão prá cadeia, um dia mais tarde não
conseguem sair dessas cenas ...
(1 – Black, 16 anos, Setúbal)
16 - O meu bairro é uma zona que por acaso tem prédios e tem barracas,
eu vivo por acaso em um prédio. Na minha zona há de tudo, eu acho que
em toda a zona há, né? Há traficantes, há fumadores, há passadores, há
ladrões, há violadores, há polícia, há essa cena toda, qu’acho qu’existe em
todos os bairros.
(16 – Black, 16 anos, Lisboa)
16 - Yá! No bairro um gajo faz bué da cenas, é uma zona fixe, é onde sentes
que ‘tás em casa, onde todos são teus amigos.
E - Mas espera aí, tu disseste: -”No meu bairro tem gente de todos os tipos
tal, tal, ta!”, falaste em tudo mas não disseste que também tem gente nor-
mal. Há gente normal no teu bairro?
16 - Tam’ém tem! A gente normal claro que tem que ser roubada!
(...)
E - O pessoal rouba no próprio bairro na boa?
16 - O quê que tem? Na descontra, o bairro é nosso! Mas isso também é
fatela porque um gajo começa a espigar (estigmatizar) a zona. ...
(16 – Black, 16 anos, Lisboa)
94. Para um aprofundamento das questões relativas à solidariedade grupal ver Jeffrey C.
Alexander (1988), Action and Its Environments. Toward a new synthesis, Columbia University
Press.
A partir deste excerto conclui-se que a dita ‘gente normal’ é, para os jo-
vens entrevistados, a que é encarada como desviante, que não tem poder
para impor a sua norma, sendo dessa forma alvo das práticas delinquen-
tes. Foi igualmente possível apurar a existência de rivalidades bairristas,
usualmente com bairros vizinhos, levando a que grupos de jovens se des-
loquem aos bairros rivais por forma a aí praticarem actos delinquentes,
estigmatizando, ou nos termos dos próprios ‘espigando’ assim aquela
mesma zona.
E - O pessoal tem muito a mania, acho eu, p’ra já evitar gamar nos próprios
bairros...
16 - Isso é p’a não espigar, p’a não espigar a zona!
E - E depois muitas vezes irem gamar a zonas que não curtem! É verdade
ou é mentira?
16 - Yá! Yá!
13 - Pois!
(13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16 anos, Lisboa)
E - E o teu bairro?
11 - O meu bairro é péssimo! Porque é só bandidos, porque numa parte, a
parte dos índios, é só malta qu’é bandida, ladrões, fazem grandes assaltos,
e há uma parte qu’é a parte da Polícia e da Cruz Vermelha qu’é a parte mais
calma.
E - E tu vens d’onde?
11 - Eu venho da parte dos índios!
E - Porqu’é que dizes qu’é os índios?
11 - Porque aquele bairro dos índios, é um bairro ultra mafioso, a bófia lá
não entra, porqu’é assim, se entra lá leva com calhausada. É calhausada, é
aquilo que vier à mão, é tudo! Por isso aquele bairro é muita mafioso, com
muita máfia.
(11 – Cigano, 16 anos, Alentejo)
11 - Aquele bairro é assim, aquele bairro é pobre e rico, ou tipo assim com
uma condição ..., é assim, é rico p’ra uma parte qu’é só mafiosos, ‘tás a
ver? E p’rá outra parte, qu’está mais tudo escavacado, está mais tudo des-
truído e mais cenas, é mais becos e o caraças, e entradas e saídas, essas
cenas, ‘tás a ver?
E - Então o próprio bairro, a própria maneira do bairro ‘tar organizado ajuda
nas cenas, nas fezadas?
11 - Yá! Ajuda e nas fugas quando há tipo rusgas e certas cenas assim,
‘tás a ver? Ajuda mais a dar fugas, porque aquilo não tem só uma entrada,
aquilo tem várias entradas ...
(11 – Cigano, 16 anos, Alentejo)
Por outro lado, a quase aceitação dos vizinhos e a própria conivência (Cha-
ves, 2000; Viegas Ferreira, 1998: p.53; Sampson e Wilson, 1995) levam a
que o sentimento de impunidade reine junto destes jovens, sendo esta si-
tuação denunciadora de uma flagrante falta de controlo social informal
nestes bairros.
4. Grupo de amigos
2 - Um gajo foge de casa para não aturar as mães, para não irmos para a
escola para não aturarmos os professores ... É preferível aturarmos os nos-
sos sócios do que os stores que a gente não conhece de lado nenhum!
E - Então pelo que eu estou a perceber, o pessoal está bem é com o grupo
de amigos? É isso?
1 - Pois!
2 - Yá!
3 - Sentes-te inserido na sociedade, quando está com os amigos, quando
está a curtir, é aí é que o pessoal se sente bem!
(1 – Black, 16 anos, Setúbal; 2 – Pula, 16 anos, Algarve; 3 – Pula, 16 anos,
Lisboa)
E - Tu há bocado falaste assim dos amigos que não eram assim tão ami-
gos?
13 - Não, não é questão de não serem assim tão amigos, eram amigos, são
meus amigos, eu gosto, gostava, gosto deles, digamos assim, né? Só que
não eram os amigos qu’a minha mãe sonhava, porque roubavam, porque
fumavam, e não eram os amigos qu’a minha mãe sonhava p’ra mim. A
minha mãe sonhava qu’eu andava com rapazes direitos, bem vestidos. Eu
não, só queria era mandar estilo, queria namorar, andar na boa, não queria
fazer nada, só queria fazer p’ra onde me desse. Ia p’rá escola metia-me
a roubar os miúdos, ia sempre parar ao Conselho Directivo, lá depois do
Conselho chamavam a polícia e eu ia p’rá polícia, da polícia ia p’ra casa,
sempre assim.
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
4 - Se tu fores daqueles gajos tipo ..., tipo bétinho ‘tás a ver’? Bétinho não
anda nesses movimentos, nem fuma charro, nem quê, chega a casa às
horas, oito, nove horas ‘tá em casa, os gajos nem te ligam, ‘tás a ver? Mas
4 - Yá, a maior parte das damas qu’um gajo tenta pegar, um gajo tem que
mostrar isso, essas pechangas (vendidas) de merda, se um gajo for um
palhaço, elas nem ligam, mas s’um gajo aparecer com um carro roubado
..., Avé Maria!
E - As damas curtem o pessoal qu’aparece com carros roubados?
13 - Ohhhh!
16 - Ohhh, pá!
13 - Hoje em dia, hoje em dia, as damas só querem é malucos, porquê?
Porque ‘tão sempre bem orientados, ‘tão sempre cheios da paca (dinheiro),
...
16 - Entro no meu bairro, de carro com um g’anda som, não precisas de
mai’ nada ..., e tens paca, tens barra (estilo), tens charro, tens um carro
com g’anda som, nem que seja roubado, ou que seja emprestado, ou que
seja ...
13 - Tu passas num bairro, com um carro com um g’anda som: -“Eh g’anda
sonoro, pára aí, deixa me lá conhecer-te!” Sempre assim, sempre naquela,
‘tás a ver?
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16
anos, Lisboa)
5. Escola
Um puto atrevido
Que rapidamente tornou-se
Um verdadeiro bandido
Com o sonho de ser Doutor
Mas na escola não escutava o professor
Para estes jovens a escola, no seu papel tradicional, afigura-se como algo
altamente desinteressante96.
E - E a escola, o qu’é que vocês acham da escola, não desta, antes, a escola
lá fora.
14 - A escola? A princípio quando eu andava na escola era tudo boas notas,
até chegar a uma fase, a fase do 7º ano, comecei a perder interesse, come-
cei-me a baldar, comecei a me desinteressar e olha, não passei do 7º!
E - Mas porqu’é que perdeste o interesse?
14 - Comecei a ter outros movimentos, a roubar, a fumar gansas ...
E - E achas qu’isso foi tudo porquê? Foi pessoal amigo, foi ...
14 - Não, era ..., pessoal amigo, né? Eu não gostava de ‘tar na minha escola
e ia p’á escola dos outros, curtia mais da escola dos outros, sempre disse
que queria mudar de escola, só que nunca me deram transferência por eu
me portar mal, não me davam a transferência porque sabiam que nas ou-
tras escolas eu me ia portar pior. A escola ond’eu ‘tava era mais controlada,
eu queria ir p’a uma menos controlada. Era assim! Não gostava e depois
chegava a uma altura que já nem punha os pés na escola. Dizia aos meus
pais que ia p’á escola e ia p’á vadiagem, levava só a mochila.
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
96. Ver igualmente Correia, Virgílio (1992), “Da compreensão dos resultados escolares das
crianças Cabo-Verdeanas”, in Documentos do encontro ‘A Comunidade Africana em Portugal’,
Colecção Actas e Colóquios, Colibri, Lisboa, pp. 17-22; Sedas Nunes, João (1998), “ Perfis So-
ciais Juvenis”, in Manuel Vilaverde Cabral e José Machado Pais (Coordenadores), Jovens Por-
tugueses de Hoje. Resultados do Inquérito de 1997, Celta Editora, Oeiras; Machado Pais, José
(1998), “Da Escola ao Trabalho”, in Manuel Vilaverde Cabral e José Machado Pais (Coordena-
dores) (1998), Jovens Portugueses de Hoje. Resultados do Inquérito de 1997, Celta Editora,
Oeiras e The Runymede Trust (1997), Black and Ethnic Minority Young People and Educational
Disadvantage, Published by The Runymede Trust.
15 - Eu não queria ‘tar sempre ali duas ou três horas ali sentado a ouvir a
professora: -”ba ba ba ba ba ba !!!” Lá fora um gajo podia ..., vadiava, fazia
o que queria ...
(15 – Pula, 16 anos, Setúbal)
E - Então e a escola?
4 - Nã, eu quero dizer como é qu’eu comecei a roubar. Andava lá na 1º clas-
se, na primária e o caralho, um gajo nem roubava, um gajo nem roubava.
16 - Eu comecei a roubar relógios dos meus colegas!
4 - Um gajo ia p’ás aulas, tipo pôr o desotorizante, ‘tava todo ganancioso
já p’a ter o meu passe, p’a andar de autocarro, roupa a condizer e coiso.
Quando entrei na escola no primeiro dia, na descontra um gajo ia p’ás au-
las, passado uma semana, duas já lá ‘tava metido nisso. Os gajos começa-
vam-me a gozar: -“Ah tu és um palhaço e não sei quê, tu nem roubas nem
nada!”
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 16 – Black, 16 anos, Lisboa)
98. Para um aprofundamento da relação entre desistência escolar, primeiras práticas delin-
quentes e consequente consumo de droga ver Marvin D. Krohn, Terence P. Thornberry, Lori
Collins-Hall e Alan J. Lizotte (1995), “Family relationships, school dropout, and delinquent be-
havior”, in Howard B. Kaplan (Editor), Drugs, Crime, and other Deviant Adaptations. Longitudi-
nal studies, Plenum Press, New York, pp. 163-186.
16 - Yá, depois passei p’ó ciclo, não fumava nem nada, ninguém daquela
escola fumava, naquela escola, tipo só havia três ladrões, eram três pretos,
três ladrões. Depois conheci um gajo e quê, saíamos da escola íamos nos
supermercados assim, íamos lá fesar, chocolates, bolachas e íamos p’á
escola! Yá, comecei assim a escola! Depois primeiro ano do ciclo, chumbei,
porquê? Andava, ia p’ás aulas: -”Vieira Rua!”; -”Aluno Rua!”, yá! Depois
comecei a roubar mais, mas descobri tam’ém que quando ia fazer física
(Educação Física) os putos levavam cumbu (dinheiro) ...
4 - Yá, também roubava bué assim!
16 - Os putos levavam cumbu quando iam fazer Física, oh, fazia tanto p’a
ficar de castigo p’a ir p’á zona dos balneários, uma vez na zona dos balne-
ários, desmontava as malas todas, tututu, abri aqueles cacifos ... Depois já
no segundo ano, no quinto ano, a segunda vez que ‘tava no quinto ano, co-
mecei a fumar naites, yá todos os gajos assim: -”Ah não quero que fumes!”
E eu a fumar e quê! Continuava a fumar, a fumar, a fumar e a roubar, sem-
pre a roubar, sempre a roubar até era apanhado, os meus pais começavam
A junção das duas situações, a escola como local onde se vai para não passar
fome e para roubar, é naturalmente também mencionada como frequente:
6. Mercado de trabalho
No que toca aos que descoincidiram nas respostas, o grupo dos blacks repre-
senta o dobro dos pulas, podendo este facto denunciar um maior inconfor-
mismo por parte dos primeiros quanto à sua situação profissional futura.
13 - Eu por exemplo, sabe porquê que a maioria deles vão de cana? Por
causa que, estão a estudar, né? E dizem: -”Ah eu vou roubar mas quando
chegar aos 16 eu vou parar, eu vou parar!” Falta às aulas qu’é p’ra ir rou-
bar, falta às aulas p’a ir ‘róbar’, no dia seguinte chumbo o ano, tenho 16
anos vou à procura de um emprego: -”Tens que ano?”, -”Ah chumbei no
quinto!”, -”Olha se tivesses passado de ano agora poderias trabalhar aqui,
mas como não passaste, olha não arranjo trabalho, vai p’ás obras!”, -”As
obras não é p’a mim pá! Curto mais ‘tar c’os meus amigos do qu’ir p’ás
obras, vou ‘róbar’ mas é!”, róbam ou então: -”Vou viver à pala da minha
mãe!” Vivo à pala da minha mãe, qualquer dia a minha mãe morre, ou deixa
de trabalhar, ou a minha mãe não vai trabalhar e depois o qu’é qu’eu faço?
Vou p’ás obras. Tenho duas opções, ou vou p’ás obras - ou vou trabalhar
rijo - ou vou róbar qu’é mais fácil. A primeira orientação é sempre p’ó mais
fácil! E o mais fácil, à primeira sai bem, à segunda sai bem, à terceira já não
saí, e à terceira vou de cana ...
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
7. ‘Blacks’ - ‘Pulas’
A grande questão que se pode colocar é esta: qual a diferença a nível com-
portamental e de envolvimento em práticas desviantes entre jovens blacks
e jovens pulas oriundos dos mesmos estratos sociais que torna a partici-
pação dos primeiros tão flagrante como por vezes alguns meios de comu-
nicação social ou políticos pretendem afirmar?
Admitamos que estes jovens, não quantificáveis como vimos através das
fontes oficiais, residem, na sua grande maioria, na Área Metropolitana de
Lisboa; admitamos ainda que devido às elevadas taxas de fecundidade
existentes junto destes grupos, estes representam presentemente uma
significativa secção das bolsas de pobreza dessa mesma área; acrescen-
te-se, por último, a forte visibilidade destes jovens (Elijah Anderson, 1992;
p. 165), nem que seja pela sua cor da pele. Será possível que o seu envol-
vimento em práticas desviantes se distinga do dos outros jovens pobres e
suburbanos brancos? Será que estes últimos não têm igualmente vindo a
registar aumentos graduais no envolvimento em práticas desviantes? Será
este mais um fenómeno de classe do que um fenómeno de cor da pele?
A estas questões não nos é possível, presentemente, dar resposta, mas algu-
mas hipóteses podem ser lançadas. Cremos efectivamente que mais que uma
questão de ‘cor da pele’ este é um fenómeno conhecido de sempre, resultante
da pobreza e da procura através de vias ilegais da satisfação de necessida-
des várias. No fundo, mais do que uma alteração na cor da delinquência em
Portugal, temos vindo a verificar a existência de uma transformação na cor
da pobreza, que produz reflexos, uns mais imediatos outros mais lentos, em
numerosas esferas da sociedade. O envolvimento em actos qualificados de
crime faz parte do grupo dos aspectos mais acessíveis e imediatos.
8. Ilações finais
Por outro lado, verifica-se um segundo processo, este dentro do Nós (grupo de
amigos). Aqui, assistimos à pretensão da demarcação do Eu (indivíduo) relativa-
mente aos restantes membros desse núcleo mais restrito. Esta procura de no-
toriedade individual, valorização e afirmação pessoais, passa, por sua vez, pelo
incorporar, da forma o mais extremista possível, dos ideais e práticas comuns a
este núcleo. Deste modo, o Eu, mais do que procurar ser um entre iguais, procu-
ra ser O (referência personalizada) dentro do Nós que se opõe aos Outros. O reco-
nhecimento individual, frequentemente personalizado numa alcunha carregada
de simbolismo, concede ao Eu o poder simbólico junto do grupo, do Nós, que este
interiorizou como sendo impossível de alcançar no universo dos Outros.
B - Maneiras Agir
1. Primeiras ocorrências
13 - Cresci, fazia lá a minha vida, quando ‘tava na primária vivi esses qua-
tro anos sempre nas minhas brincadeiras, sempre assim. Depois nunca
ninguém tinha tido uma queixa de mim, né? Era sempre primária, escola
- casa, escola - casa, escola - casa, nunca saía p’ra brincar. Depois olha
passei p’ró ciclo, mudaram algumas coisas, conheci novos amigos. Pronto,
a primeira vez que roubei foi quando vi um amigo meu lá na escola, ‘tava
assim a roubar na cantina e eu: -“Não deve ter muito mal!”, roubei tam-
bém. Depois uns gajos lá do meu bairro viram e disseram: -“Ah vem com
a gente!”. Depois fui com eles, comecei a andar com eles, depois comecei
a roubar...
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
Fui abri a MonteCampo do meu colega, tirei o boneco meti na minha mo-
chila, mochila toda podre me’mo, eu era o mais pobre de lá, abri a Monte-
Campo tirei. Depois lembrei-me que tinha um estojo todo podre, abri outra
mochila, tirei o estojo, tirei, yá, tufas, passei. Depois fui jogar futebol. Na
segunda hora, controlei ..., eu não sei, não sei porquê, eu tinha tipo instinto
de roubar, eu não sei d’onde é que surgiu me’mo. Vi um meu colega com
um relógio, ohh o gajo tirou, assim meteu em cima do estojo, o gajo virou a
cara, tche, roubei o relógio ao tipo e a seguir fui p’ra casa meti o relógio em
casa ... Eu roubava cenas p’a desmontar, roubava, desmontava relógios e o
caraças, desmontava, fazia ligações muita maradas e o caraças ...
(16 – Black, 16 anos, Lisboa)
2. ‘Fezadas’
Agressões/espancamentos 16 8 8
Difamações, injúrias ou calúnias 18 9 6
Vandalismo 20 10 4
Detenção ou porte de arma 18 9 6
Agressões a agentes da autoridade 13 8 11
Declaração de testemunhos falsos 20 11 4
11 - Agora eu, estou mais à base de desviar-me deles e entrar num outro
filme, ‘tás a ver! Entrar num mais, mais maluco!
E - Mas esse filme mais maluco, era o quê, as fezadas? As fezadas mais
rápidas?
11 - Yá! As fezadas, tipo cafés, ‘tas a ver, essas cenas assim, cafés, cubí-
culos (residências)!
E - Esta pergunta agora é p’ra todos. Que tipo de fezadas é qu’um gajo faz?
Quais é que são as fezadas habituais d’um gajo?
7 - Cafés, putos na escola, roubar motas também, bicicletas ...
9 - Carros!
(7 – Pula, 16 anos, Porto; 9 – Pula, 14 anos, Norte; 11 – Cigano, 16 anos,
Alentejo)
13 - Mas coisa qu’eu nunca fiz e nunca curti muito ver eles a fazer é a partir
os carros, não entendo, né? Não percebo porqu’é que eles partem, partem
os carros à toa!
E - O objectivo de roubar o carro é p’ra isso?
13 - É p’a andar, p’a curtir, p’a a gente poder ir p’a Palmela, p’à praia,
passar noitadas na praia, assim ... Já roubamos cafés, roubam-se muitos
cafés. Tiram-se maços de tabaco, tira-se as bebidas, não é preciso partir,
não é preciso mexer nas coisas que não queremos: -”Olha não quer deixa
‘tar aí! Quando vier o homem pode crer!” Depois vamos embora ...
E - Mas há pessoal que não é assim?
13 - Há pessoal é, ‘tamos a assaltar quero partir tudo e o quê, e «Porque o
carro fui eu que roubei, e porque tu não tens nada a ver com isso e cala a
boca, o carro é me’mo p’a partir, é bem feita é p’a pagar!», o carro fica todo
rebentado não sei quantos ...
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
E - Então p’ra qu’é que um gajo limpa os carros? É p’ra fazer fezadas ou é
p’ra ir curtir, desfazer o carro ou ...
11 - Roubar!
12 - É curtir!
7 e 9 - É as duas coisas, é as duas coisas!
7 - É p’ra ir curtir e partir os carros, ouve lá roubar só p’ra curtir. E outros
carros é p’ra roubar e são p’ra fazer assaltos!
(7 – Pula, 16 anos, Porto; 9 – Pula, 14 anos, Norte; 11 – Cigano, 16 anos,
Alentejo; 12 – Pula, 17 anos, Lisboa)
11 - Isso é o que os jovens querem mais fazer, ‘tás a ver? É lojas, lojas de
desporto já são mais assaltadas do que ir assim p’rá escola e roubar as-
sim putos. Essas cenas assim já não entram tanto, entram mais naquela,
g’andas lojas de desporto, g’andas cafés!
E - O pessoal já está a ir a cenas mais altas?
7 - P’a dar mais lucro!
11 - Yá! Tipo ouriversarias, catar essas cenas assim! Grandes carros!
E - Então e, por exemplo, traficar droga não dá guita também fiche?
Todos - Dá!
7 - A droga é o que dá mais!
(7 – Pula, 16 anos, Porto; 11 – Cigano, 16 anos, Alentejo)
E - Porque é que um gajo faz as cenas? É para conquistar damas, é para ter
dinheiro, é para ter algum estatuto dentro do grupo?
4 - Népia! É para um gajo se aguentar, ‘tás a ver, é para um gajo andar
cheio da ‘paca’, e o caralho!
1 - Yá, um gajo todo ‘grifado’, cheio da ‘guita’, meias, telemóvel, ... também
o que está aí mais é roubo de telemóveis, é o que está a dar ...
(1 – Black, 16 anos, Setúbal; 4 – Black, 16 anos, Lisboa)
16 - Dessa coisa que tu ‘tás a dizer, qu’agora vão continuar, para mim
roubar já é de geração em geração, ‘tás a ver? Porque eu ouvia histórias
d’outros bacanos que roubavam quês,(...), que roubavam cenas mais fra-
cas, qu’agora hoje em dia eles roubam ouriversaria. ‘Tão esses putos a
crescer, ‘tão a ver roubo, que gostam de roubar, que daqui a um dia vão
roubar bancos, que depois disso acabar vão roubar outras coisas, os roubos
vão ser cada vez mais altos, isso é verdade!
(16 – Black, 16 anos, Lisboa)
Puto de Rua
lo era uma delícia. Puto de rua tinha uma caçadeira, cena verdadeira, eu
roubava e fumava uéla com ela. Roubar, andar, rastejar humildade atrás
da verdade é a vida do puto de rua.
NA Pena:Toni Di
2.2 Gangs
16 - Yá, isso é verdade, um gang p’a mim é aquele pessoal que ‘tá sempre
todos os dias, sentam à volta duma mesa, combinam ...
17 - Yá, isso é qu’é!
16 - Combinam as cenas que vão fazer, tipo assim, tipo um gang de dea-
lers, ‘tás a ver? Os gajos todos os dias sentam à volta duma mesa, um dá:
-”Toma esta parte, a ti vai vender a tal e tal!”, ou então sentam-se à volta
d’uma mesa: -”Hoje vamos buscar aquilo no sítio tal e tal!”
E - Tu achas qu’isso existe? Junto com a malta jovem lá fora nos bairros?
18 – Existir, existem, mas dum certo modo geral nós, pelo menos qu’eu
ache aqui no Colégio ninguém faz parte dum gang.
(16 – Black, 16 anos, Lisboa; 17 – Black, 17 anos, Margem Sul; 18 – Black,
16 anos, Lisboa)
14 - Yá! O qu’é que precisam, que material é que precisam p’a abrir aquilo
sem dar estrilho, com o menos estrilho possível.
E - E o carro de fuga, arranja-se antes ou arranja-se na altura?
14 - Na altura! Tipo: -”Olha vai lá buscar aquele bote!” Já micamos um car-
ro: -”Olha aquele carro ‘tá sempre ali!” -”Olha tu vais lá mais aquele, vais lá
buscar o carro, metes aqui sem estrilho, apagas as luzes enquanto a gente
despeja cá p’a dentro!” Depois vamos p’a um monte, tipo escondemos as
cenas num monte e só o guito é que vem connosco!
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste; 15 – Pula, 16 anos, Setúbal)
2.3 Vítimas
16 - São uns meninos mimados que têm tudo, que têm direito a mais qu’um
gajo...
E - Mas é só pulas?
4 - Não, blacks também ...
16 - Blacks também, mas a maioria é pulas!
E - E vocês se apanharem um bétinho black, vocês roubam o gajo?
16 - Não, eu sou preto, eu não roubo pretos!
13 - Não, ‘tás a ver?
4 - Eu não sei, um gajo tem aquela paranóia, me’mo se for um preto burro
vais roubar, não entra me’mo, não consigo me’mo. Não é ser racista ‘tá a
ver? Não é ser racista, eu não sei explicar mas eu nunca roubei um preto,
só roubo brancos!
16 - Eu digo-te é ter respeito entre a raça!
13 - Como eu, por exemplo há dois tipos de bétinhos, né? Há aquele tipo de
bétinho pobre que não faz nada, vai à escola, por causa da mãe, porque a
mãe diz: -”Estuda, queres um dia ter uma boa profissão, não sei quê, não
sei que mais!”, mas tam’ém tem aquele tipo de bétinho mais rico, o bétinho
rico. Eu por exemplo, se for p’a roubar, se por exemplo tem o bétinho pobre
mas esse bétinho pobre tenha 1000 escudos e o bétinho rico tenha 500 es-
cudos eu vou logo ao bétinho rico, ‘tás a ver? Sabes porquê? Não interessa
se é branco ou preto, porquê? Porque o bétinho rico, é pá normalmente
costuma ganhar a mania ‘tás a ver?
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16
anos, Lisboa)
E - Então e depois são esses bétinhos pulas que vocês depois às vezes
também limpam, não?
6 - Ah pois! Se um gajo tiver assim, enrascado, mas também agora já não
‘tá na moda ...
E - O que é que está na moda agora?
6 - É lojas de desporto, telemóvel, ouriversaria ...
(6 – Black, 16 anos, Margem Sul)
2.4 Armas
Agora no microfone
Dá-lhe tipo Alcapone
Rimas que saem disparadas
Tipo uma bala
E - Voltando às armas. Vocês acham que o pessoal que faça uma fezada e
leve um canhão, se o tiver que usar, usa na descontra?
4 - Não, não, depende, depende, eu pelo menos eu p’a usar uma arma, eu
p’a usar uma arma, oh pá não sei. P’ra mim chegar e logo dar no momento,
não consigo, tem que haver sempre uma raiva, tem que haver sempre uma
raiva.(...) É raro, um black quando vai fazer uma fezada só aponta, nunca
dispara, ou dispara p’ó lado ...
(4 – Black, 16 anos, Lisboa)
13 - Vão! Disparam tiros p’ó ar, a dar tiros na bófia assim à toa ... nunca vi!
Não, já vi uma vez a darem tiros, né? Mas nada, acho que não dá!
E - E achas qu’isso ‘tá a aumentar lá fora?
13 - Isso cada dia que passa aumentam, hoje em dia você vai roubar uma
loja você tem que roubar aquela loja a todo o custo, me’mo se for preciso
disparar um tiro contra uma pessoa você dispara qu’é para ela não ir-se
chibar!
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
2.5 Sazonalidade
forma, o verão apresenta-se como o período mais frequente para estas prá-
ticas, por oposição ao inverno, época habitualmente mais calma .102
13 - Às vezes me’mo por mim mesmo nem saio à noite. Porquê? Porqu’eu,
por exemplo no Inverno, no inverno é raro verem-me na rua, o melhor tem-
po da minha vida não é o verão ... é o inverno. Porquê? Porque no inverno
eu vou ali acendo a lareira, meto uma manta, eu a minha mãe e a minha
irmã, no inverno passado, metemos uma manta, vamos à chuva a correr
aluga-se um filme, volta-se p’a casa, vês grandes filmes, quentinho assim.
Tenho fome, não ‘tou na rua, não preciso d’ir róbar p’a ir comer. Depois en-
tra o verão, vou p’á praia hoje que ‘tá calor, amanhã vou p’á praia outra vez,
vou p’ás piscinas, -”Eh boy tenho que levar bué da pitéu, eh! Oh, vou róbar,
não faz mal!” No inverno eu não tenho pica p’a sair, qu’é p’a sair p’a ir levar
com a chuva, não tenho pica, no inverno ... você vai ver os meus processos
a maioria deles são todos no verão! Tenho dois processos no inverno, há
dois anos que no inverno não entro numa esquadra. Porquê? Porque no
inverno passo o dia todo em casa. No inverno os polícias, todos os polícias
que me conhecem dizem: -”’Tamos no inverno, temos sorte, pelo menos
do Semedo podemos ‘tar descansados qu’ele agora pára em casa!” . Eu o
inverno é p’a ficar em casa me’mo, o Inverno tenho lá o colinho da minha
mãe, quentinho, uma mantinha, vejo um filme, vejo dois ...
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
102. Ver Boaventura de Sousa Santos, Maria M. Leitão Marques, João Pedroso e Pedro Lopes
Ferreira (1996), Os tribunais nas sociedades contemporâneas. O caso Português, Centro de
Estudos Sociais, Centro de Estudos Judiciários, Edições Afrontamento, Porto, p.327.
café já ‘tava lá o homem com uma caçadeira dentro. -”Vocês ‘tiveram aqui
dentro noutro dia roubaram não sei o quê ..., eu não quero problemas com
vocês só quero, agora só quero os 40 contos em material que vocês tiraram
daqui!” ‘Teve lá a GNR e não sei quê e esse senhor disse: -”Se vocês trou-
xerem o dinheiro antes de não sei quando eu retiro a queixa!”. Depois nós
tivemos que escolher o fim do mês qu’é p’a ir fazer fezadas. Qu’era quando
as pessoas ‘tavam com mais dinheiro. Era dia de receber, p’aí dia 1, dia 31,
fomos p’a Lisboa, tufa, cada pessoa qu’aparecesse era logo, mal fizemos
40 contos, voltámos outra vez.
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
2.6 Mobilidades
E - Em Lisboa onde? Ond’é qu’é mais fácil parar p’a fazer essas cenas?
14 - No Campo Grande! No Campo Grande há assaltos a torto e a direito
...
E - Onde nos jardins?
14 - No jardim não, no Metro. Ali no Metro, ali há tipo os terminais todos, né?
Apanha-se metro, autocarros e não sei quê, lá é onde gira mais pessoas,
e tipo há uma rua ali, qu’é tipo mais escondida, cada um que passasse ali:
-”Olha anda cá, vai dá-me já a guita toda que tens se não fodo-te todo!”
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
E - Porqu’é que um gajo tem esta atracção tão grande pelo Colombo, vocês
davam o foguete daqui ia p’ró Colombo, porquê p’ró Comlombo?
1 - Sabe porquê? É p’ra ver gajas, p’ra ver gajas! P’ra roubar!
E - P’ra roubar? P’ra roubar as gajas?
1 - Não, os gajos!
(1 – Black, 16 anos, Setúbal)
E - Até aos 16 anos pensavas assim ou ias a tudo, e agora que passaste os
16 já...
12 - Não, quando passei os 16 comecei a pensar duas vezes. Porque p’ra
já já tenho responsabilidades, já tenho idade p’ra responder, e depois tam-
bém não me vou ‘tar a prejudicar. Já tenho tantos processo, já levei tanta
porrada nas esquadras, porqu’é que agora vou ‘tar a me prejudicar mais, é
me’mo assim!
(12 – Pula, 17 anos, Lisboa)
E - Tu há bocado disseste que o pessoal sabia que podia fazer as cenas por
causa da idade e isso, o pessoal quando ‘tá lá fora sabe que até aos 16 anos
em princípio não há grande estrilho, o pessoal tem isso em consciência
quando ‘tá a fazer as fezadas?
14 - Claro! Todos dizem: -”Olhem aproveitem mas é até aos 16 anos, qu’é
enquanto podes fazer merda e que safas-te sempre!” Mas não é bem as-
sim, não!
15 - -”Aproveita agora qu’apartir dos 16 já vais de cana!”, -”Faz agora, tens
hipótese de roubar cenas fixes p’a ti porque depois a partir dos 16 já não
tens hipótese, fazes qualquer merdinha vais logo de cana!”
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
2.8 Reincidência
E - Qual é que é o teu objectivo quando fores lá p’ra fora? Vais continuar a
fazer estrilho ou não?
6 - Não sei.
E - Não sabes? Estás com que idade?
6 - 16.
E - 16? Já és imputável, não é? Depois já não é pr’aqui, é lá para cima (Ins-
tituto Prisional)! Achas que agora ..., tipo a tua mãe vem cá amanhã, não
é? Achas que o pessoal em casa também já está pronto p’a te receber e os
gajos te arranjarem lá um curso e isso? Achas que vais atinar ou não?
6 - Vou tentar.
E - Vais tentar. O qu’é que pode acontecer?
6 - Tipo, pode acontecer qu’eu não arranje dinheiro p’a mim e tenha que
4 - Quem rouba agora? São tipo aqueles bacanos que começaram a roubar
já desde os 10 anos, 12 anos, já começaram a roubar, aquilo torna-se um
vício, roubar. Tipo eu sou um ladrão, dos mais passados, que há dois anos
ou três eu roubava, andava sempre cheio da dinheiro e não sei quê, eu não
vou conseguir parar ...
E - Vocês acham que quando saírem daqui vão conseguir parar?
4 - É difícil, é difícil, aqui uma pessoa pára, mas tam’ém não há g’andas...
(...)
E - Não! É que da próxima vez que tu roubares não é p’aqui que vens!
4 - Um gajo rouba sempre, um gajo rouba sempre ...
16 - Nem que seja uma coisinha assim pequena.
4 - Mas um gajo rouba com mais cabeça!
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 16 – Black, 16 anos, Lisboa)
3. Consumos aditivos
São os putos
Que metem a uéla a girar
Se for boa, fumamos
Se não, só para paiar
A minha vida lá fora é sempre a fumar
Sempre a dar no álcool
Sempre a driguidar, yá!
cia ‘ao longo da vida’ foi de 79,1% e relativamente às drogas de 36,8% .106
Os resultados evidenciam elementos perturbantes, tendo em conta a ju-
ventude do universo em estudo.
106. Cândido da Agra (Direcção Científica) et al. (1997), Padrões de consumo e desviância em
menores sob tutela, Colecção Droga Crime, Volume 5, Gabinete de Planeamento e de Coorde-
nação do Combate à Droga, Lisboa, p.92.
107. Para um aprofundamento da temática dos consumos de drogas no início da adolescência
ver Steven S. Martin e Cynthia A. Robbins, “Personality, Social Control, and Drug Use in Early
Adolescence” in Howard B. Kaplan (Editor), Drugs, Crime, and other Deviant Adaptations. Lon-
gitudinal studies, Plenum Press, New York, pp. 145-162.
Uma vez que o fenómeno da droga é tema central no discurso destes jo-
vens, procurámos, nas entrevistas, aprofundar o conhecimento sobre essa
realidade. No que se refere aos consumos diferenciados de drogas pesa-
das entre blacks e pulas a justificação apresentada pelos primeiros explo-
ra novamente o discurso da sua situação de pobreza e inferioridade social
relativamente à situação de desafogo económico dos segundos.
daqui ainda vou mexer novamente. Um gajo foi tipo criado no meio dela,
um gajo foi criado nesse ambiente, a passarem e o caraças, e a ter grandas
negócios, a falar com g’andes dealers, e g’andas cenas, é só pentes (placa
de haxixe) que tu dás, ‘tás a ver, do tipo 5 gramas, 10 gramas, acima de 50
gramas, 200 gramas, meio kilo, um kilo, é só tipo assim. Porque um gajo
apanhar tipo assim 5, 10 gramas um gajo não pensa, não resulta muito, ‘tás
a ver? Resulta o quê? Resulta assim 50 gramas, 100 gramas, 200 gramas,
porqu’é assim, tu vendes por junto ganhas bué!
E - Estamos a falar de branca?
11 - De branca e de duto, de cavalo (heroína)! Ganhas muito mais, ‘tás a
ver!
(7 – Pula, 16 anos, Porto; 11 – Cigano, 16 anos, Alentejo)
daquelas coisas, do que fizeste noutro dia e o caraças (...) Houve colegas
meus qu’até já partiram dentes à pala dessa merda!
(7 – Pula, 16 anos, Porto)
4. Polícia
A polícia (bófia) é o inimigo para estes jovens, poucos são aqueles que
reconhecem à polícia uma função válida na sociedade (Greg Smith, 1982;
Randall Kennedy, 1997). O discurso do jovem pula ou black relativamente
à polícia acentua, frequentemente, a violência utilizada por estes no con-
tacto com o menor delinquente.
E - Falem-me da bófia!
11 - A bófia é assim, cá p’ra mim os bófias são todos filhos da puta, são
uns g’andas filhos da mãe, g’andas cabrões, ‘tás a ver? Porqu’é assim, eles
cada vez qu’apanham um gajo na esquadra massacram um gajo todo, ‘tás
a ver?
E - Mesmo sendo menor?
11 - Mesmo sendo menor eles massacram-te à toa! Dão-te sovas que tu
ficas à toa!
E - Que tipo de sovas?
11 - Até te passas! Tipo castigo, tipo a gozarem contigo, tipo mandarem-te
tirar a roupa toda e darem-te com uma toalha molhada, ‘tás a ver?
(11 – Cigano, 16 anos, Alentejo)
eles também têm que pensar, se os polícias não nos agarrassem, um dia a
minha mãe ‘tava a andar na rua e chegava um bacano e lh’assaltava! E aí,
eu ia dizer: -”Ond’é que ‘tá a políca agora, onde é que ‘tá a políca agora,
a polícia não o apanhou a ele mas a mim apanha-me!” Há pessoas que
gostam da polícia p’a sua protecção.
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
18 - Dá-me um exemplo!
19 - Sim senhor, ‘tava na esquadra e menores, menores, podem bater nos
gajos?
18 - Aí é, e os menores podem roubar? Essa história dos menores ... Deixa-
me dizer uma cena, o Sr. Paulo uma vez disse uma cena: -”É à pala dessa
merda dos menores, de não poderem fazer nada, à pala disso daqui a uns
anos vai haver gajos com 10 anos a ser presos à pala dessa porcaria!” Di-
zem: -”Ah eu sou menor, não me podem fazer nada!”, quer dizer, ai é, então
diz-me lá: Os menores podem roubar? Os menores podem assaltar lojas?
Podem fazer isto e aquilo? Então se um menor rouba e faz isto e aquilo, não
lhe podem meter na cadeia, não lhe podem fazer nada, o quê qu’eles vão
fazer? O qu’é qu’eles vão fazer? Os polícias não podem fazer nada mas o
menor pode roubar!
19 - Deixa-me dizer, quantas vezes é qu’eu já levei nos cornos da bófia de
coisas qu’eu não fiz? Ahhhh
18 - Assim ‘tá bem! Quantas vezes os bófias levaram tiro’, quantas vezes
os bófias levaram tiro’ ..., mas tu foste p’á esquadra, não foi por seres bon-
zinho, não, ‘tavas no grupo ... Clama, e quando os bófias levam tiro nos
tiroteios, p’a salvar pessoas inocentes, quantos? Ahhhh
(18 – Black, 16 anos, Lisboa; 19 – Black, 15 anos, Lisboa)
5. Ocupações
De dia:
À noite:
E - Curtes ir às discotecas?
6 - Hum, hum. Mais discotecas assim de Quizomba.
108. Ver igualmente Helena Neves (1996), “Os jovens da periferia: estranhos na cidade”, in Imi-
grantes um desafio Ético, Colecção Reflexão Cristã; Maio/Agosto 1996, Lisboa, pp. 43-46.
6. Ilações finais
Se, por um lado, foi possível identificar algum maior envolvimento dos bla-
cks em práticas delinquentes mais ‘pesadas’ como os ‘assaltos à mão
armada’ e o ‘tráfico de droga’, por outro, outros tipos de actividades, igual-
mente graves, como o ‘consumo de drogas pesadas’ ou o ‘furto em resi-
dências’ revelaram-se mais característicos dos jovens pulas.
109. Relativamente ao termo subclasse (underclass) ver Herbert J. Gans (1994), “From “Un-
derclass” to “Undercaste”: some observations about the future of the post-industrial economy
and its major victims”, Urban poverty and the underclass, Blackwell e Enzo Mingione (1994), «
Urban Poverty in the advanced industrial world: concepts, analysis and debates», in Enzo Min-
gione (Editor) Urban poverty and the underclass, Blackwell, 1994, pp. 3-40.
1. Estigmas/Racismo
4 - Sabe porquê que eu acho que não há racismo no meio disso tudo?
Porqu’é assim, somos a gente me’mo, a gente me’mo de raça negra, que
mete a nossa raça a perder valor ...
13 - Isso é verdade!
4 - A gente mete a nossa raça a perder valor! Um preto, pronto, eu sou um
g’anda ladrão, o Semedo é um g’anda bétinho, assim tipo CascaisShoping,
CascaisShoping é quase só gente fina e não sei quê, entra lá o Semedo, não
é ladrão, é preto, não é ladrão nem nada, têm sempre um olhar diferente,
olham p’a um gajo diferente, seja ladrão ou não seja!
13 - ‘Tás a ver, isso dá-me raiva Hugo, dá-me raiva! Eu entro no PingoDoce,
ao me’mo tempo qu’eu entro, entram 20 pessoas, mas o segurança insiste
em ir atrás de mim, com tantas pessoas pá.
(...)
4 - Sabes porquê? Sabes porquê?
16 - És preto!
4 - És preto e os pretos ..., quem é que rouba mais? quem é qu’é mais apa-
nhado a roubar nas lojas?
13 - São os pretos, são os pretos, só qu’eu não tenho culpa, Peter! Por
exemplo, eu sou bétinho e tu roubas, somos os dois pretos, eu não roubo
e tu róbas, ‘tás a ver? Eu acho que ‘tão a julgar mal uma coisa, há aí bué
da pretos bétinhos, há aí bué da pretos bétinhos e esses pretos ‘tão a ficar
mal vistos à pala dos pretos ladrões, ‘tás a ver? Eles vão a passar na rua e
os brancos dizem assim: -”A mim não me interessa, são todos pretos! Se tu
não róbas, os teus amigos róbam!” É isso!
4 - É por isso qu’eu digo qu’a gente é que mete a nossa raça a descer de
nível! É raro, é raro me’mo veres um branco aí a roubar à toa na loja, s’eu
róbo e tu és de cor como eu, tu não róbas mas eu já fui apanhado a roubar,
claro a culpa é sempre do preto!
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16
anos, Lisboa)
13 - Blacks e pulas, uma coisa qu’eu não vejo em Setúbal, pelo menos dos
12 aos 20 anos você não encontra nenhum racista em Setúbal. Eu ‘tou a
andar na rua aparece um senhor de idade, branco: -”Olhe desculpe, tem
horas que me diga?” Não me liga vai-se embora. Aparece um rapaz com 22,
18, 12 mais novo do qu’eu -”Ouve lá diz lá qu’horas é que são?” -”3 e meia!”
Fala assim na boa.
(13 – Black, 14 anos, Setúbal)
E - Achas que é uma consequência eles estarem a ser mais duros, ..., de-
vido às notícias que andam aí fora?
4 - Pois é, eles aumentam pá, os jornais aumentam sempre ...
1 - Ha! Os pretos, não sei quê não sei que mais, anda a roubar e não sei quê
e roubou, e depois dizem os pretos não sei quê não sei que mais na televi-
são é mesmo assim pá ... Agora quando um gajo vai a passar, têm medo,
têm medo dos pretos, têm medo por causa dos roubos, fogem ...
(1 – Black, 16 anos, Lisboa; 4 – Black, 16 anos, Lisboa)
2. Mass Media111
111. Para um aprofundamento da relação entre mass media e crime ver Richard V. Ericson,
Patricia M. Baranek e Janet B. L. Chan (1991), Representing Order: Crime, Law, and Justice in
the News Media, University of Toronto Press, Toronto.
E - Então e agora mudando de assunto, o qu’é que vocês acham dos jor-
nalistas?
14 - São ratos! São uns ratos, só querem fazer o trabalho deles e estão-se
a cagar p’áquilo qu’é dos outros. ‘Tão a servir-se das dificuldades de um
gajo, de uma pessoa, tipo a servir-se dos problemas das pessoas p’a ga-
nharem tipo se for na televisão - audiência -, se for na rádio - audiência. Se
for p’a jornais p’a vender.
E - Tu com isso ‘tás a dizer o quê? Qu’eles se aproveitam das pessoas, que
mentem? Achas qu’eles mentem quando escrevem ou ...
14 - Alguns mentem. Tipo quando veio cá a Visão aqui, disseram que não
ia aparecer rostos de ninguém e para eles é indiferente se aparece ou não,
me’mo que seja assim, me’mo se a foto ‘tá desfocada, se uma pessoa te co-
nhece lá fora, alguém que não saiba que ‘tamos cá no Colégio, e vai ver ali
Jovens Delinquentes, aparece logo assim na revista, me’mo na capa - fula-
no tal - me’mo que não ‘teja lá o nome dele, reconhece logo pelo aspecto.
E - Isso aconteceu?
14 - Aconteceu!
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
3. Estado
18 - Os teus pais não tiveram capacidades, nem morais nem físicas, p’a
t’educar, não foi? Agora ‘tás no Colégio, agora já não é os teus pais, não
tem nada a ver, agora ‘tás a ser educado pelo Estado, e o Estado é quem
manda, e nós não temos capacidades de lutar contra o Estado, o Estado é
que ‘tá a mandar. E vocês têm sorte porque eles só metem aqui monitores,
porque s’eles metessem aqui polícia p’a nos educar era pior. O Estado é
que ‘tá te a mandar educar, se o Estado meter aqui pessoas p’a te bater
tens que te aguentar! Quê que tu vais fazer?
4 - ‘Tão aqui p’a me bater?
18 - Quê que tu vais fazer?
4 - Vou-me defender!
16 - Yá, na Lei os monitores não ‘tão aqui p’a bater ...
13 - Não, os monitores ‘tão aqui p’a t’educar, p’a t’educar!
18 - Calma, deixem-me falar! Tu sabes qu’em todos os Colégios que ba-
tem, o Estado toma conhecimento disso, se o Estado ainda não mudou é
porque o Estado gosta dessa Lei, o quê que tu vais fazer?
19 - Lembras-te daquela vez que fizeram aqui um circo, monitores que nem
‘tavam de serviço foram buscar a bófia e até caçadeira e tacos de beisebol
trouxeram. Apontar com caçadeira tam’ém deve ser educar! Ahhhhh!!
18 - Este gajo ainda não percebeu o quê qu’eu ‘tou a dizer. Se o Estado..., tu
os teus pais não te conseguiram educar, estás no colégio, o Estado agora
é qu’é o teu pai, a tua mãe, o Estado agora é que mete as regras, o Estado
diz qu’é p’a bater, qu’é que tu vais fazer? O quê? O quê que tu vais fazer?
O quê?
19 - Eu viro-me!
18 - É isso mesmo, tu viras-te mas o Estado vai continuar a mandar bater,
porquê? Porque o Estado agora é que te ... que t’educar!
19 - Eu digo-te, a única pessoa a quem eu não me viro é ao meu pai e à
minha mãe!
17 - Mai’ nada!
18 - Se o Estado diz agora qu’é essa a Lei, é essa a Lei, o qu’é que tu podes
fazer contra essa Lei? Se o Estado diz que aqui é bom bater - é bom bater!
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16
anos, Lisboa; 17 – Black, 17 anos, Margem Sul; 18 – Black, 16 anos, Lisboa;
19 – Black, 15 anos, Lisboa)
4. Juízes
E - Então e os juízes?
14 - Os juízes, há uns que são juízes que se servem da função p’ra lixar os
outros, apesar de ser preciso, né? Alguém tem que julgar ... Eu acho que
devia d’haver uma pessoa qu’é p’a coiso, qu’é p’a condenar por aquilo que
nós fazemos, né? Só que há juízes que se servem dessa função qu’é p’a
abusar. Tipo se não vai com a cara daquela pessoa, o juíz tem a decisão de
coiso, acha qu’é assim ...
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
5. Indumentária de marca
14 - Agora há mais lojas de street wear, qu’é lojas tipo que onde há roupa
p’a skate! Tipo marcas que vieram dos Estados Unidos, via-se já nas tele-
visões, e as pessoas que vinham de fora vinham assim vestidas assim de
calças largas e fato de treino e não sei quê ...
E - Então é uma moda, estamos a falar de moda?
112. Para um aprofundamento desta questão ver Janine Lopiano-Misdom & Joanne De Luca
(1998), Street Trends. How today’s alternative youth cultures are creating tomorrow’s mainstre-
am markets, HarperBusiness, New York.
14 - Moda, sim. Há quem vista por moda, há quem vista me’mo por achar
qu’é assim, afirma-se com aquilo que veste! Tipo há pessoas que não sa-
bem que FuBu é uma marca racista, não sei se sabes?
E – Porque é que dizes isso?
15 - Porque foi feita p’ós pretos!
14 - Porque foi feita p’ós negros, For Us By Us. Isso foi os pretos que fi-
zeram, essa marca. Tipo nos Estados Unidos se virem um pula tipo num
bairro com FuBu há logo estrilho!
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste; 15 – Pula, 16 anos, Setúbal)
14 - Ia sim senhor! Tipo aqueles da minha zona, que dão-se bem a andar
de skate, andam sempre de skate debaixo do braço e eu digo: -”Olha dêm
lá um kickflip!” e ele não sabe fazer nem sequer um holly, eu acho qu’ele
é um powser, anda só com o skate debaixo do braço só p’a marcar a sua
pausa (estilo). Um skate novinho. Mas eu ando sempre com o meu skate
debaixo do braço, mas apesar de ser velhinho, do meu skate ser velhinho,
s’eu andar com o skate assim um bocado estragado vão logo olhar: -”Olha
aquele anda com o skate estragado e não sei quê, ‘tá ali com o skate todo
rasco!” Mas se for pedir p’a mandar algum toque, se calhar, abafo-os (su-
pero-os) todos!
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
Estilo é só meu
É meu e de mais ninguém
Não preciso de copiar
Para me afirmar alguém
Bem sabes que o que tu dizes não me importa
Se não gostas do meu estilo
Então sai por essa porta
6. Música
É gringo
Os teus filhos
Hão de estudar Rap em História
A proliferação a nível nacional da música hip-hop verificada nos últimos
anos foi igualmente observada em finais de 2000 no CAEF em estudo. Quem
conhece alguns ‘bairros de barracas’ ou bairros sociais dos arredores da
capital tem presente que este tipo de música é aí consumido desde há pelo
menos quatro a cinco anos. Novamente a ‘onda’ da moda parece ter um
início modesto, marginal, crescendo, generalizando-se à posteriori.
113. Ver igualmente Jorge Vala e Sheila Khan (1999), “Traços Negros (Aculturação e identida-
des de jovens de origem africana)”, in Traços e Riscos de Vida – uma abordagem qualitativa
aos modos de vida juvenis, Ambar Editora, pp. 145-169; Fernando Luís Machado (1994), “Luso-
africanos em Portugal: nas margens da etnicidade”, Sociologia – Problemas e Práticas, nº16,
pp.111-134 e Tommy L. Lott (1999), The invention of race. Black culture and the politics of re-
presentation, Blackwell Publishers, Malden.
1, 2, somos 3
Não falamos Inglês
Representamos em Português
Espalhamos de azar
O Hip-Hop no ar
Com a nossa rima nuclear
É uma doença cerebral
Fazemos do Rap um combate verbal
A nossa ceia de cada dia
Pegamos no microfone
Matamos a fome
Somos tipo Alcapone
Guerreiro forasteiro
Tudo o que não é Rap
Se repete pelo traseiro
Aonde passa, aonde passamos
Alcançamos sempre o que queremos
Com a nossa arte vocal
Fazemos uma vida normal
Não somos interesseiros
Porque o Rap em Portugal
Não tem cheiro a dinheiro
M.C. Peter
114. Relativamente às opções de jovens imigrantes nos Estado Unidos, em termos de domínio
de línguas, ver Alejandro Portes e Lingxing Hao (1997), English first or english only? Bilingua-
lism and parental language loss in the second generation, (policopiado).
E - Então e a música africana, eu curto uma coisa aqui, vocês metem músi-
ca africana ali na sala e tanto pulas como blacks dançam música africana,
eu acho isso um espectáculo...
1 - Já estão mais habituados, está aqui dentro a andar com o pessoal de
cor, ensinam o crioulo, aprendem né? ...
E - António, curtes música africana?
3 - Yá, yá! Porquê? Porque aprendi a viver com ela, aprendi a ouvir 2Pac,
Bob ...
E - E mesmo música tradicional, os funanás, as quizombas ...
1 - Olha vou só dizer uma coisa. Se os pretos não ouvissem quizomba os
brancos só ouviam fado, depois começaram a andar com os blacks agora
já estão a curtir quizomba ...
3 - O pessoal aprende a viver a ouvir música africana, reggae ...
(1 – Black, 16 anos, Setúbal; 3 – Pula, 16 anos, Lisboa)
E - Expliquem-me uma coisa (...) Porqu’é que vocês ‘tão agora a ouvir mú-
sica africana e não ‘tão a ouvir música portuguesa? (de fundo ouve-se, no
quarto, música tradicional africana a tocar e alguns a cantar)
12 - Porquê? Por causa dos movimentos cá dentro! Um gajo vem cá p’ra
dentro já é outro ambiente, que não tem nada a ver com aquilo que ‘tá ha-
bituado lá fora!
E - Vocês acham qu’isso é influência também do pessoal black qu’aí
anda?
12 - E não só, é ambientes de bairro e não sei quê, uma pessoa vem p’ráqui
torna-se completamente outra coisa, outra personagem, já não é a me’ma
coisa que andava lá fora ...
11 - Tipo um cu duro, tu estás a dançar, de repente aparece uma dama
assim começa a dançar contigo e é mais aquele ritmo, do que ‘tar assim
músicas de brancos, aquelas músicas lentas. Eu não curto essas músicas,
curto muito mais músicas africanas qu’um gajo a dançar sente muito mais
paixão, ‘tás a ver?
12 - Não é só paixão, é mesmo o ritmo, dá-te mesmo mais potência me’mo!
Ficas mais alegre, a música portuguesa é mais ... não gosto!
(11 – Cigano, 16 anos, Alentejo; 12 – Pula, 17 anos, Lisboa)
18 - Calma, eu vou lhe explicar. Eu vou dar um exemplo logo, o x, ele sabe
que se ele não se enquadar aqui, ele não fuma gansa, ele sabe que se não
se enquadrar me’mo com o grupo ele vai ser mal visto, o x sabe que se
ele não se enquadrar bem com o grupo ninguém lhe vai ligar, vai ficar aí
desprezado lá no canto dele. Qual é a melhor maneira qu’ele tem p’a se
enquadrar no grupo? Yá! É gostar das mesmas coisas que nós, é fazer o
qu’agente faz, ...
4 - Gostar, não, fingir!
18 - É fazer as mesmas coisas qu’a gente faz. Até a maneira de vestir dele
ele mudou ...
E - Então diz-me lá, o y e o z, eles não são obrigados a ..., eles não fazem
isto tam’ém p’a sentirem que vocês os aceitam ou fazem? Achas que os
outros pulas, o k que está sempre a levar porrada dos outros, qu’é um
gajo que ‘tá sempre um bocado à margem, também ele gosta destes sons
agora, porquê?
16 - Influência negra!
E - Mas porqu’é que são essas as coisas mais fortes? Porquê que não é ao
contrário, porquê que não são os blacks que ouvem música Portuguesa?
16 - Porque aqui há mais blacks!
13 - Porque mesmo os próprios brancos não curtem o malhão-malhão, é
verdade sim senhora! A música dos brancos é só p’a cotas!
18 - Calma, se você reparar uma coisa, os brancos que ‘tão aqui, a maior
parte não tiveram infância, a maioria dos brancos que ‘tão aqui não tiveram
infância ... E qual é a maneira deles agora mostrarem que tiveram, tipo o x,
o x fala, fala, fala, mas quem pensar bem, sabe que tudo o qu’ele ‘tá a falar
não fez, não fez. Ele faz isso p’a manter a pose dele, é mentira ... Qual é a
melhor maneira dele fazer p’agente lhe aceitar no grupo? é mentir ...
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16
anos, Lisboa; 18 – Black, 16 anos, Lisboa)
7. Ídolos
E – Porque é que o pessoal curte bué o Bob Marley e o 2Pac? O qu’é que o
pessoal vê por de trás desses gajos?
12 - Por detrás? Muita droga, muitos negócios, muita coisa, ambientes de
bairros, e gangs ...
E - É porque eles próprios já pertenceram a gangs e foram ...
11 e 12 - Yá! Nem mais!
11 - Já foram gajos, gajos muita orientados! Tipo Bob Marley, 2Pac, essa
malta assim, esses têm muita valor p’rá gente, ‘tás a ver? Já foram g’andes
gajos, tiveram g’andas cenas, tiveram g’andes filmes, já passaram por
grandes situações, ‘tás a ver? E eram uns gajos da gansa, ‘tás a ver? A
gente curte esses gajos porqu’é assim: esses gajos andavam, fumavam
gansas com’a gente fuma, com’a gente quer tipo representar esses gajos!
A gente quer tipo representá-los, ‘tás a ver? Eles já não existem, a gente
representa eles!
(11 – Cigano, 16 anos, Alentejo; 12 – Pula, 17 anos, Lisboa)
2pac, gosto de alguns temas, ‘tá a ver? Mas me’mo aquilo qu’ele significa,
aquilo qu’ele já viveu, e aquilo qu’ele diz em certas músicas isso é que vale.
Mas há músicas qu’eu não gosto nada.
(14 – Black, 16 anos, Região Oeste)
115. Relativamente à afirmação identitária junto dos jovens descendentes de imigrantes ver
João Arriscado Nunes (1997), “Boundaries, margins and migrants. On paradigm shifts, hetero-
geneity and culture wars”, in Maria Ioannis Baganha (Editora) Immigration in Southern Europe,
Celta Editora, Oeiras, pp. 89-100.
8. Futuro
4 - Yá, eu quando ‘tava a roubar pensava naquele momento, ‘tá a ver? Orien-
tar muito dinheiro, orientar ouro, ...
16 - Esqueces-te de tudo, cada vez queres mais, yá, qu’o teu pai vai-te bater
...
13 - Esqueces-te de tudo! Eu saía e esquecia-me que a minha mãe amanhã
se calhar não tem dinheiro p’ó pequeno almoço, mas esqueço mesmo, só
quero é pensar no meu fato de treino da FuBu, na minha bicicleta, na minha
coisa, qu’é p’amanhã quando chegar à escola ter as damas todas atrás de
mim, p’a ter os meus amigos todos a dizer: -”Yá, what’s up neager! Yá ‘tá-
se bem!” Eh pá quero ficar mais bem visto de todos, quero sempre, sempre
mais, sempre mais! Nunca tinha pensado no futuro, nunca!
(4 – Black, 16 anos, Lisboa; 13 – Black, 14 anos, Setúbal; 16 – Black, 16
anos, Lisboa)
como uma nova pessoa, ‘tá a entender? Vou sair p’a nunca mais roubar!
Mas isso é a minha opinião, né? Vou tentar nunca mais roubar. Posso não
conseguir, posso conseguir, posso até pensar quando eu entrar no super-
mercado vir aquela carteira e apanhar, a tentação é sempre a tentação.
Mas se depender de mim, vou estudar! A única coisa qu’a minha mãe me
pede, desde qu’eu estou naquela casa a minha mãe só me pediu uma coisa:
para estudar.
(13 – Black, 14 anos, Setúbal - O jovem Semedo, alguns meses após ter sa-
ído, em meados de 2001, conforme pretendia, com autorização do Colégio
regressou devido a práticas delinquentes)
E - Achas que o pessoal lá fora sabe disso? O que é que achas que vai acon-
tecer agora, tipo o pessoal chega aos 16 anos achas que o pessoal acalma
ou não?
6 - Eu acho que sim, mas nem todos. Alguns vão fazer coisas piores, depois
assim se é p’ra ir de cana por causa de 10 contos ou 20 ou 30, mais vale tipo
100, ou 200 ou 300. Né, um gajo pensa assim ou pá mais vale ...
(6 – Black, 16 anos, Margem Sul - O jovem Toni está presentemente na
cadeia)
O futuro afigura-se como uma grande incógnita para estes jovens, o seu
maior receio está associado, mais do que à procura de emprego ou consti-
tuição de família, à tentação da prática delituosa, à reincidência que torna
inviável qualquer outro tipo de futuro.
9. Soluções
E - Vocês acham que não há solução lá fora, não há uma maneira de tentar
agarrar a malta nova?
11 - Não há!
12 - Não há!
E - E acham que isto (internamento) é solução?
12 - Eu acho!
E - Mss vocês estão-me a dizer que quando saírem daqui se houver uma
fezada que valha me’mo a pena que vão voltar a fazer!
11 - Yá!
12 - Se der muito dinheiro que tu podes desaparecer, ai sim! Que eu saiba
que vai correr bem!
(12 - Silva, jovem adulto, pula, encontra-se presentemente fugido às au-
E - O qu’é que se pode fazer nos bairro p’ra evitar qu’os jovens enveredem
por estes caminhos? O qu’é qu’os pode agarrar?
18 - O qu’é que se pode fazer?
17 - Nada!
(17 – Black, 17 anos, Margem Sul; 18 – Jardel, jovem adulto, Black, encon-
tra-se presentemente na cadeia)
E - Lá fora o qu’é que achas que se devia fazer? É uma questão de pobreza,
é uma questão de ...
14 - Mais oportunidades, dar mais oportunidades, tipo grupos de lazer, tipo
nas horas livres uma pessoa ia p’ra lá. Ou tipo um skate park, na minha
zona o skate park é essencial porque há miúdos qu’iam parar à polícia
por andar a destruir bancos de jardim e andar a roubar madeira nas obras
qu’é p’ra construir rampas p’a andarem, e por causa de roubarem isso iam
parar à polícia e era mais um processo. Agora com o skate park..., a maior
parte dos jovens de lá anda de skate, se construirem o skate park, se an-
darem lá não ‘tão a fazer distúrbios com certeza, e acho que a Câmara
Municipal já viu isso ...
E - Achas que a ocupação de tempos livres seria um passo importante para
impedir o pessoal de continuar aí ...
14 - Sim, sim!
(14 - António, passa os dias no skate park, aguardando ser chamado para
um curso profissional)
Não apenas na sua maneira de vestir esta transição foi observada, o vo-
cabulário, a música consumida, a atracção pelo graffiti (Jeff Ferrell, 1995;
Filomena Marques et al., 1999), os símbolos identificativos (folha da can-
nabis, bandeira da Jamaica), as personagens idolatradas são igualmente
áreas onde este processo se desenvolveu.
VIII - CONCLUSÕES
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ANEXOS
ANEXO II - GLOSSÁRIO