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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

Juliana Naomi Kohigashi


10726040
AUH0308- História da Arte 1

Monografia
O Balançar de Jean-Honoré Fragonard.

São Paulo
2021
Em todos os lugares e sempre, mulheres e meninas são vistas em balanços
em fotos ou estátuas, feitas na Creta e na Grécia antigas, na época pré-colombiana
da América Central, Oriente Próximo e Extremo, e no pós-medieval na Europa.
Mulheres nesse balançar são quase uma regra, no entanto, e em lugar nenhum, em
nenhum momento, elas foram tão brilhantemente descritas como na França do século
XVIII.1

Há alguns anos atrás, Hans Wentzel, um historiador da arte alemão, fez uma
pesquisa específica sobre as cenas de balanços (Swinging scenes) na arte ocidental. 2
Ele notou que estas, repentinamente, desapareceram durante o período medieval e
renascentista, visto que tais retratos não conseguiam absorver e transmitir a ideia
filosófica e religiosa predominante nesses períodos. Essas mesmas cenas,
posteriormente, passam a reaparecer no século sétimo, principalmente em meios
impressos e quase sempre dentro de um contexto emblemático. Esses trabalhos não
buscam enfatizar o prazer do esporte de balançar em si, mas provavelmente, trazer à
visão outros elementos ou qualidades: o ar – meio em que o balanço ocorre-, ou talvez
porque é o símbolo de uma atividade que não produz nada tangível - a ociosidade-,
ou, em última instância, porque envolve constantes idas e vindas, a "inconstância". 3

É no começo do século XVIII, na França, que a figura feminina em um balanço


começa a reaparecer mais frequentemente em pinturas. Dentro de alguns anos, a
mulher balançando tornou-se um dos principais símbolos estabelecidos no país como
representação da vida de lazer 4, onde diversos artistas passam a retratar essa cena
em seus mais variados contextos. Sob esse viés, logo após Watteau,
pintor francês do movimento rococó, adotar essa imagem feminina balançando em
várias de suas pinturas, esse símbolo passa a ser mais difundido nas artes francesas
e, posteriormente, em outros locais da Europa.

O ato de balançar-se, no antigo Regime francês, estimulou uma certa confusão


sobre quais ações, posições e exibições eram proibidas na vida fora dessa

1
POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,
no.1, 1982, p. 75.
2 Wentzel, 187-218.
3 Wentzel cita um exemplo, 193, n. 10.
4
POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,
no.1, 1982, p. 76.
2
encenação, uma vez que isso representava uma expressão física, uma liberdade,
onde em outros ambientes era algo estritamente controlado pela corte. Nesse sentido,
os balanços em particular, o ato de balançar-se, forneceu um espaço no qual o
comportamento e a expressão física foram dados novas liberdades.5

É nesse momento em que Jean-Honoré Fragonard (1732-1806)6 entra em


cena: artista, ingressado em seu estúdio aos dezoito anos de idade e o aluno mais
destacado de Boucher.7 Embora hoje seu nome seja associado, juntamente ao de
Boucher, à essência do período rococó, aos temas sensuais e à futilidade da vida
cortesã, por muito tempo Fragonard tentou o caminho da pintura histórica com seus
temas mitológicos e bíblicos e, em seguida, insiste nos assuntos moralizantes.8 No
ano de 1767, Fragonard executa O Balanço (fig.1), tela que marcaria sua passagem
definitiva da pintura histórica para o segmento dedicado à vida da Corte e que
eternizaria seu nome e o próprio estilo rococó. 9 A obra trata-se da encomenda que um
jovem barão apresentou à Fragonard, que então descreveu a cena que queria ver
pendurada em sua mansão:

“ Eu gostaria de ter você pintando a Madame (apontando para sua amante)


em um balanço que um bispo iria empurrar. Você vai me colocar em tal
maneira que eu seria capaz de ver as pernas desta linda garota, e melhor
ainda, se você quiser animar sua obra, ver um pouco mais. ... "10.

Entretanto, a ideia de retratar o barão na pintura foi abandonada e, na obra


final, os atores principais são tipos generalizados de jovens amantes e não parecem
ser identificáveis como pessoas específicas11. As mudanças provavelmente foram
para melhor: a imagem escapou das limitações de compreensão e apreciação de que

5MILAM, Jennifer. "Playful Constructions and Fragonard's Swinging Scenes", Eighteenth-


Century Studies, Vol. 33, No. 4, The Culture of Risk and Pleasure (Summer, 2000), pp. 543-559.
6
JEAN-HONORÉ FRAGONARD. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation,
2021.
7
POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,
no. 1, 1982, p.82.
8 RICALDES, João. "História da Arte em 200 Obras", n°1 (2020). Clube de Autores, 30/10/2020
9 POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,

no. 1, 1982, p.82.


10
BONHOMME, Ed. H.. “Journal et memoires de Charles Colle”, III, Paris,1868, 165f.
11
POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64, no.
1, 1982, p. 84.
3
uma piada particular teria imposto, e se desenvolveu em uma imagem universal que
a obra carrega consigo - da alegria e do amor jovem.

Figura 1: O Balanço (Les Hasards Heureux de l’Escarpolette)

Jean-Honoré Fragonard (1767).

Fonte: Ilustração da obra retirada de Wikipédia, a enciclopédia livre.

A tela comporta uma evidente carga de erotismo: o observador é transportado


de imediato para a posição do jovem, que por sua vez desfruta da anuência da moça,
já que ela está olhando diretamente para ele, lá de cima autorizando com um contido
sorriso a invasão de sua privacidade. Certamente, o artista desejava estabelecer um
clima de excitação trêmula pela densa torção presença das árvores e folhagens, e
pela atividade cintilante das folhas nessa atmosfera azul esverdeada. Além disso, a
densidade e espessura do crescimento da natureza parecem filtrar as figuras e sugerir
um lugar secreto para este encontro de amantes curiosos. A ideia de algo secreto é
explicitada pelo cupido no pedestal à esquerda: ele ordena o silêncio enquanto,
provavelmente, observa o trabalho do Amor sendo realizado. O gesto de
silenciamento do Cupido é prontamente entendido como significado de que a relação
entre as figuras principais deve ser escondida do senhor no fundo da cena,

4
quem controla o balanço, que, por sua vez, pode ser interpretado como alguém que
foi transformado em um companheiro inconsciente ou um ineficaz guardião12.

O amor e a crescente onda de paixão configuram o tema principal. Isto é


afirmado pelo grupo escultórico de um golfinho e dois cupidos cavalgando as ondas
que aparece como um emblema no meio da seção inferior da pintura. Os golfinhos
dirigidos por cupidos puxam a carruagem aquática de Vênus, aparecendo na arte para
denotar a onda impaciente de amor. 13 A figura feminina vai em direção ao jovem,
saindo do canto sombreado de onde o senhor a balança. A sugestão de uma mudança
de localização, de uma mudança de um domínio para outro, é forçosamente
transmitida pela composição tonal da imagem, o movimento. O balançar é geralmente
associado na arte com o calor do verão e o brilho luz do sol da tarde, quando a brisa
refrescante que a atividade cria é mais apreciada, mas, nessa obra em questão, o
cenário ocorre em um ambiente de luz amena e ao escurecer, reforçando a ideia de
uma paixão proibida, uma tensão. Em última instância, o ato do balançar podia,
também, representar a inconstância das mulheres nos assuntos do coração. Essa era
uma das associações mais populares feitas com o balanço, que em parte explica por
que raramente se via alguém além de mulheres nessas oscilações na arte do século
XVIII14.

É provável que Fragonard tenha sido inspirado pelos Prazeres de Verão de


Watteau (Fig.2), onde o balanço ocorre de forma semelhante15. Fragonard deve ter
reconhecido que essa representação de exuberância e da fertilidade da natureza faria
um contexto apropriado para sua cena amorosa balançando também 16. O objetivo de
balançar é ficar intoxicado com o movimento. Como esse movimento não resulta do
trabalho intelectual ou de uma atenção específica, o jogo é gratuito, livre de esforço.
Isso é paralelo ao processo de visualização de que Fragonard inicia em sua obra O
Balanço (1767) : o espectador é estimulado pela ilusão. Assim, a obra em seu contexto

12
NEVILLE, R. "Jean Honore Fragonard". Burlington Magazine, III, 1903, p.56.
13
Ananoff (as in n. 20), II, 25, fig. 952. Watteau also used the motif. Cf. Rosenberg and Camesasca,
Nos. 82, 110.
14
POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,
no. 1, 1982, p.76.
15
Ibid. p.84.
16
Ibid.

5
é tanto sobre a criação de arte lúdica quanto sobre erotismo e prazeres privados17.
Sua representação divertida de um passeio em um balanço convida o espectador
deve considerar a função e o caráter dos jogos amorosos entre os sexos, as alegrias
físicas de brincar ao ar livre e em ambientes fechados, estimulação estilística e um
jogo artístico com significado. Entretanto, apesar das descrições realizadas por
inúmeros autores, não podemos ainda tomá-las como solução para esse quebra
cabeça iconográfico, não é seguro - a imagem continua a incentivar o espectador a
adivinhar, a elaborar sua própria anedota além da intenção inicial de projeto do artista.
A ideia do balanço traz, também, conclusões incertas e flutuantes: um visualizador
desorientado deslizando para frente e para trás entre um variedade de suposições e
possibilidades.

Figura 2: Prazeres de Verão de Watteau (Les Agréements de l'Eté) - gravado


por François Joullain (1697-1778)

Fonte: Ilustração retirada do Artigo de Donald Posner.18

17
MILAM, Jennifer. "Playful Constructions and Fragonard's Swinging Scenes", Eighteenth-
Century Studies, Vol. 33, No. 4, The Culture of Risk and Pleasure (Summer, 2000), p.556
18
POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,
no. 1, 1982, p.78.
6
A mulher no balanço demonstrando seu envolvimento apaixonado com um
amante escondido nos arbustos, ou ela está exibindo sua natureza inconstante, indo
e voltando entre os dois homens? É o homem que puxa as cordas um amigo
conspirando com o jovem casal, ou ele é o guardião enganado da mulher ou o marido
traído? Faz o gesto de Cupido relaciona-se ao segredo da relação e encontro dos
amantes, ou simboliza mais geralmente os mistérios do amor? Esse jogo de quebra
cabeças não possui fim.
O entendimento artístico e os motes por trás de uma obra, não é algo a ser
solucionado e equacionado, pois, na realidade, configura uma experiência de atrair o
observador para a interpretação mais profunda da arte, em suas várias facetas. É a
experiência visual envolvente: é como um simples passeio em um balanço.

7
Referências Bibliográficas

POSNER, Donald. “The Swinging Women of Watteau and Fragonard.” The Art Bulletin, vol. 64,
no. 1, 1982, pp. 75–88.

MILAM, Jennifer. "Playful Constructions and Fragonard's Swinging Scenes", Eighteenth-Century


Studies, Vol. 33, No. 4, The Culture of Risk and Pleasure (Summer, 2000), pp. 543-559.

RICALDES, João. "História da Arte em 200 Obras", n°1 (2020). Clube de Autores, 30/10/2020.

MECHTHILD, Fend (2019) “The Painter’s Touch: Boucher, Chardin, Fragonard", by


Ewa Lajer-Burcharth, The Art Bulletin, 101:2, 139-141.

FERRAZA, Laura. Disfarces pueris: a sensualidade dissimulada em “O Balanço” de Fragonard.


Estadão, São Paulo, 30 de jun. de 2018. Disponível em:
https://estadodaarte.estadao.com.br/disfarces-pueris-a-sensualidade-dissimulada-em-o-balanco-de-
fragonard/. Acesso em: 29 de jul. de 2021.

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