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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL DE GÊNERO

DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E


DE GÊNERO

BELO HORIZONTE / MG
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL DE GÊNERO

Sumário
CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS........................................... 4
NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS .......................................... 5
TRATADOS................................................................................................................ 5
COSTUME ................................................................................................................. 6
DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES ETC. ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS DAS
NAÇÕES UNIDAS ................................................................................................................. 6
PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS .................................... 7
O Iluminismo .......................................................................................................................... 7
Revolução Francesa .............................................................................................................. 8
O término da Segunda Guerra Mundial ................................................................................. 8
DOCUMENTOS IMPORTANTES PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS
LIBERDADES ...................................................................................................................... 10
ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS ..................................................................... 13
AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS ......................................................................... 15
ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: ............... 15
A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO
BRASIL ................................................................................................................................ 20
A Origem Do Conceito De Cidadania E Sua Importância Para O Advento Dos Estados
Modernos............................................................................................................................. 22
A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS
CONSEQUÊNCIAS ............................................................................................................. 23
MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ............ 27
SOCIEDADES MULTICULTURAIS .......................................................................... 28
Cenário Pós-Colonial ........................................................................................................... 29
CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA .................................... 31
Identidade Cultural............................................................................................................... 32
Igualdade E Diferença ......................................................................................................... 34
Universalismo e Relativismo ................................................................................................ 35
QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO
SEXUAL E RELIGIÃO ......................................................................................................... 38
ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO ......................................... 40
EDUCAÇÃO MULTICULTURAL ............................................................................... 47
CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE................................................................ 49

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Origem da Atenção à Multiculturalidade............................................................................... 50


A Educação Intercultural na renovação de um currículo que concretize o Princípio da “Escola
para Todos” ......................................................................................................................... 51
A Educação nas Respostas ao Multiculturalismo ................................................................. 52
Estratégias Pedagógicas e Perspectiva Intercultural ........................................................... 55
DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ............................................ 58
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O
ESPAÇO ESCOLAR............................................................................................................ 60
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) ............................................ 63
OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA ................................................................ 65
Conquista da Babilônia ........................................................................................................ 66
O Império Romano .............................................................................................................. 67
Idade Média ......................................................................................................................... 69
Idade Moderna..................................................................................................................... 71
Revolução Gloriosa e a Petition Of Rights ........................................................................... 71
Declaração dos Povos da Virgínea ...................................................................................... 72
Declaração de Independência dos EUA............................................................................... 73
Revolução Francesa ............................................................................................................ 74
Idade Contemporânea ......................................................................................................... 75
Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar ............................................... 75
Liga das Nações e a Criação da ONU ................................................................................. 75
DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO ................ 76
Quais os princípios da ONU? ............................................................................................... 79
Por que a ONU foi criada? ................................................................................................... 80
Como é a estrutura da ONU ................................................................................................ 80
Onde a ONU está sediada ................................................................................................... 81
Como são as reuniões da ONU? ......................................................................................... 81
A Assembleia-Geral da ONU ............................................................................................... 81
O Conselho de Segurança da ONU ..................................................................................... 82
CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL ..................................................................... 84
CONSELHO DE TUTELA ......................................................................................... 84
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ................................................................. 85
SECRETARIADO ..................................................................................................... 86
BIBLIOGRAFIA BÁSICA .......................................................................................... 86

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CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Fonte: www.significados.com.br

Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos inerentes


ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser humano pode
desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de nascimento ou riqueza.
Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos,
protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e
na dignidade humana.
Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, conjuntos de
princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos humanos obriga os
Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados de se envolverem em
atividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece os direitos humanos. Os
direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa simplesmente por ela ser um humano.
Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger formalmente
os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos governos, que interferem
no desfrute de seus direitos humanos.
Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são:
• Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada
pessoa;
• Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual
e sem discriminação a todas as pessoas;
• Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos
humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à
liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante
de um tribunal e com o devido processo legal;

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• Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é


insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de
um direito vai afetar o respeito por muitos outros;
• Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância,
sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa.

NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS


A expressão formal dos direitos humanos inerentes se dá através das normas
internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais dos direitos
humanos e outros instrumentos surgiram a partir de 1945, conferindo uma forma legal aos
direitos humanos inerentes.
A criação das Nações Unidas viabilizou um fórum ideal para o desenvolvimento e a
adoção dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Outros instrumentos foram
adotados a nível regional, refletindo as preocupações sobre os direitos humanos particulares
a cada região.
A maioria dos países também adotou constituições e outras leis que protegem
formalmente os direitos humanos básicos. Muitas vezes, a linguagem utilizada pelos Estados
vem dos instrumentos internacionais de direitos humanos.
As normas internacionais de direitos humanos consistem, principalmente, de tratados
e costumes, bem como declarações, diretrizes e princípios, entre outros.

TRATADOS
Um tratado é um acordo entre os Estados, que se comprometem com regras
específicas. Tratados internacionais têm diferentes designações, como pactos, cartas,
protocolos, convenções e acordos. Um tratado é legalmente vinculativo para os Estados que
tenham consentido em se comprometer com as disposições do tratado – em outras palavras,
que são parte do tratado.
Um Estado pode fazer parte de um tratado através de uma ratificação, adesão ou
sucessão.
A ratificação é a expressão formal do consentimento de um Estado em se
comprometer com um tratado. Somente um Estado que tenha assinado o tratado
anteriormente – durante o período no qual o tratado esteve aberto a assinaturas – pode
ratificá-lo.
A ratificação consiste de dois atos processuais: a nível interno, requer a aprovação
pelo órgão constitucional apropriado – como o Parlamento, por exemplo. A nível internacional,
de acordo com as disposições do tratado em questão, o instrumento de ratificação deve ser
formalmente transmitido ao depositário, que pode ser um Estado ou uma organização
internacional como a ONU.

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A adesão implica o consentimento de um Estado que não tenha assinado


anteriormente o instrumento. Estados ratificam tratados antes e depois de este ter entrado em
vigor. O mesmo se aplica à adesão.
Um Estado também pode fazer parte de um tratado por sucessão, que acontece em
virtude de uma disposição específica do tratado ou de uma declaração. A maior parte dos
tratados não são auto executáveis. Em alguns Estados tratados são superiores à legislação
interna, enquanto em outros Estados tratados recebem status constitucional e em outros
apenas certas disposições de um tratado são incorporadas à legislação interna.
Um Estado pode, ao ratificar um tratado, formular reservas a ele, indicando que,
embora consinta em se comprometer com a maior parte das disposições, não concorda com
se comprometer com certas disposições. No entanto, uma reserva não pode derrotar o objeto
e o propósito do tratado.
Além disso, mesmo que um Estado não faça parte de um tratado ou não tenha
formulado reservas, o Estado pode ainda estar comprometido com as disposições do tratado
que se tornaram direito internacional consuetudinário ou constituem normas imperativas do
direito internacional, como a proibição da tortura. Todos os tratados das Nações Unidas estão
reunidos em treaties.un.org.

COSTUME
O direito internacional consuetudinário – ou simplesmente “costume” – é o termo usado
para descrever uma prática geral e consistente seguida por Estados, decorrente de um
sentimento de obrigação legal.
Assim, por exemplo, enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é,
em si, um tratado vinculativo, algumas de suas disposições têm o caráter de direito
internacional consuetudinário.

DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES ETC. ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES


UNIDAS
Normas gerais do direito internacional – princípios e práticas com os quais a maior
parte dos Estados concordaria – constam, muitas vezes, em declarações, proclamações,
regras, diretrizes, recomendações e princípios.
Apesar de não ter nenhum feito legal sobre os Estados, elas representam um consenso
amplo por parte da comunidade internacional e, portanto, têm uma força moral forte e inegável
em termos na prática dos Estados, em relação a sua conduta das relações internacionais.
O valor de tais instrumentos está no reconhecimento e na aceitação por um grande
número de Estados e, mesmo sem o efeito vinculativo legal, podem ser vistos como uma
declaração de princípios amplamente aceitos pela comunidade internacional.

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A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por exemplo,
recebeu o apoio dos Estados Unidos em 2010, o último dos quatro Estados membros da ONU
que se opuseram a ela.
Ao adotar a Declaração, os Estados se comprometeram a reconhecer os direitos dos
povos indígenas sob a lei internacional, com o direito de serem respeitados como povos
distintos e o direito de determinar seu próprio desenvolvimento de acordo com sua cultura,
prioridades e leis consuetudinárias (costumes).

PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS


Não há dúvidas de que os direitos humanos são dotados de indeclinável e inegável
importância; eles são base de todos os ordenamentos jurídicos, requisito indispensável para
se qualificar, verdadeiramente, um Estado como democrático.
Como já restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma
oportunidade, no Estado de Direito democrático “devem ser intransigentemente respeitados
os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos” [1].
Dessa ideia inicial extrai-se uma das justificativas para o desenvolvimento de uma
Teoria Geral dos Direitos Humanos. Um dos tópicos mais relevantes para compreensão da
Teoria é a leitura dos direitos dos homens partindo-se de diferentes perspectivas históricas.
Dessa forma, almeja-se no presente artigo vislumbrar a historicidade dos direitos
partindo-se de pontos não iguais, embora conectados. Tais perspectivas são: os marcos mais
citados, os pensamentos mais significativos e os documentos mais relevantes.
É importante sublinhar que aqui se campeia em terrenos de suma imprescindibilidade
dentro da supracitada Teoria Geral, cujo enfoque atende a uma das principais características
dos direitos humanos, qual seja: a sua historicidade. Esta vem sempre acompanhada de
tantas outras características citadas pela mais vasta doutrina (v.g.: universalidade,
essencialidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, indisponibilidade, inesgotabilidade,
inexauribilidade, imprescritibilidade, efetividade, inviolabilidade, complementaridade,
limitabilidade, vedação ao retrocesso, indivisibilidade e inter-relacionaridade).
Adentra-se, então, no estudo da evolução histórica dos direitos humanos partindo-se
da perspectiva relacionada aos marcos mais citados.
Podem ser destacados três marcos históricos fundamentais, quais sejam: o
Iluminismo, a Revolução Francesa e o término da Segunda Guerra Mundial.

O Iluminismo
O Iluminismo (ou Era da Razão) configurou revolução intelectual que se efetivou no
continente europeu, particularmente na França, durante o século XVIII. Esse movimento
representou o auge das transformações culturais iniciadas no século XIV pelo movimento
renascentista, e colocou em destaque os valores da burguesia, favorecendo o aumento dessa
camada social.

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O Iluminismo procurava uma explicação por meio da razão para todos os


acontecimentos; rompendo, assim, com as formas de pensar que até o momento eram
aceitas. Alguns princípios podem ser destacados como norteadores da sociedade à época,
quais sejam: a busca da felicidade; a garantia dos direitos, da liberdade individual e da livre
posse de bens pelo governo; a tolerância para a expressão de ideias; e a igualdade perante
a lei[5].
Entre os principais filósofos do movimento, podem ser citados: John Locke (1632-
1704); Voltaire (1694-1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-
1755); Denis Diderot (1713-1784); e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783).
Cabe, nessa altura, também fazer referência ao movimento do Humanismo. Tal
movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiuse por
toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento humanista o
valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua
superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode
construir seu próprio destino.

Revolução Francesa
Eis que ganha importância a Revolução Francesa, que foi um movimento político e
social que questionava os privilégios da nobreza e do clero, bem como o poder absoluto do
monarca. Por volta de 1789, a França enfrentava uma grave crise econômica, sendo que a
maioria dos trabalhadores rurais pagava excessiva carga tributária. Já a indústria funcionava
de forma muito artesanal e o comércio também enfrentava dificuldades.
Dentre as principais vitórias dos revoltosos franceses, está a proclamação da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento dos mais
indispensáveis para a evolução concreta dos direitos humanos. Ele assegura, dentre outros
direitos, a liberdade, a igualdade e a propriedade. A Declaração, inspirada em ideias
iluministas, serviu de base para a construção de diversas Constituições de Estados
Democráticos. A Revolução Francesa incentivou muitos outros movimentos revolucionários
nas décadas seguintes, marcando a luta pelo fim dos privilégios sociais e pela promoção da
dignidade humana.
O lema da Revolução Francesa era: liberdade, igualdade e fraternidade. Tais ideias
representam as três primeiras e clássicas gerações ou dimensões de direitos.
Nessa conjuntura, calha sublinhar a doutrina de Immanuel Kant, exposta em suas
obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo
(1790). Com arrimo em uma vertente racionalista, Kant definiu o Estado como instrumento de
produção das leis, representando os cidadãos, sendo a liberdade o principal fundamento para
se valorizar a dignidade humana.

O término da Segunda Guerra Mundial


Por fim, o terceiro marco histórico que merece destaque é o término da Segunda
Guerra Mundial, em 1945. O período pós-guerra instaurou uma nova lógica planetária,
exaltando a importância do indivíduo como um dos novos sujeitos do Direito Internacional. O

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Estado não é mais o único ator internacional, o instituto da soberania é flexibilizado e o Direito
Internacional dos Direitos Humanos emerge. Este é materializado pelo sistema global de
proteção aos direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), posteriormente
complementado pelos sistemas regionais (europeu, americano e africano).
Dos marcos históricos mais citados lança-se, a partir de agora, ao estudo dos
pensamentos mais significativos.
Findada a Segunda Guerra em 1945 exalta-se uma nova corrente de pensamento, a
qual normalmente é aprofundada nas obras de Direito Constitucional. Todavia, merece aqui
destaque, porque além de fortemente influenciar a salvaguarda interna dos direitos
(fundamentais), também respingou suas balizas nas normativas internacionais (direitos
humanos). Trata-se do pós-positivismo.
Transpassados o jus naturalismo e o positivismo, ocupou lugar o pós positivismo.
Todavia, entender os dois primeiros pensamentos é premissa para se chegar à compreensão
do terceiro.
Conforme Barroso, o jus naturalismo está fundado na existência de um Direito natural,
sua concepção consiste no reconhecimento de que há valores e pretensões humanas
legítimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, i.e., independem do
Direito positivo. Esse Direito natural tem validade em si, legitimado por uma ética superior que
estabelece limites à própria norma estatal [11].
Já o positivismo “foi fruto de uma idealização do conhecimento científico, uma crença
romântica e onipotente de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual
pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação
humana. (...) O positivismo comportou algumas variações e teve seu ponto culminante no
normativismo de Hans Kelsen”.
Ainda de acordo com a doutrina do professor Barroso, a “superação histórica do jus
naturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e
ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-
positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a
definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova
hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais”.
Com o pós-positivismo, distinguem-se dois institutos: o princípio e a regra. Ambos são
espécies do termo norma e, ambos, possuem normatividade. Na linha desse pensamento,
Canotilho refere-se ao sistema jurídico do Estado Democrático português como um “sistema
normativo aberto de regras e princípios”. A mudança “de paradigma nessa matéria deve
especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por
Robert Alexy. A conjugação das ideias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou
a constituir o conhecimento convencional da matéria”.
Em complemento, e já em fase conclusiva, levando em conta sua importância para a
compreensão evolutiva dos direitos dos seres humanos, calha abordar a perspectiva histórica
dos direitos partindo do estudo sobre os documentos mais relevantes indicados pela doutrina
especializada. Por derradeiro, o rol não é taxativo, meramente exemplificativo, contudo, o
arcabouço de fontes a seguir delineado ocupa papel de realce para a consolidação de direitos
básicos, garantidores de um mínimo existencial.

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DOCUMENTOS IMPORTANTES PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS


LIBERDADES
Como outrora indiciado, a historicidade também pode ser representada pela cronologia
dos documentos importantes para a formação e reconhecimento das liberdades.

Magna Carta
O primeiro documento majoritariamente referido pela doutrina quanto aos direitos
humanos é a Magna Carta, de 1215. Trata-se de um acordo entre reis e barões revoltados.
Ela direciona-se à proteção dos direitos dos ingleses, originários da law of the land (lei da
terra). Embora restrita aos ingleses, ela é o nascedouro dos direitos, tendo influenciado
inúmeros outros documentos. Seu principal desiderato é a limitação do poder do rei. A
judicialidade é um dos princípios do Estado de Direito.
Prevê, v.g., direito de ir e vir, propriedade privada e graduação da pena do delito.

Petition of Rights
Em 1628 adota-se a Petition of Rights. Ela reafirmou os direitos da Magna Carta, dando
ênfase à, v.g., propriedade e à proibição da detenção arbitrária.

Habeas Corpus Act


O Habeas Corpus Act data de 1679, remete ao habeas corpus, uma das mais
relevantes garantias aos direitos humanos já criadas na história da Humanidade. Este
documento foi fortemente influenciado pela Magna Carta e almejava, principalmente, garantir
o direito de ir e vir.

Bill of Rights
A Declaração de Direitos de 1689, ou Bill of Rights, submete a monarquia inglesa à
soberania popular. Ela limita a autoridade real. Ao rei não mais é permitido suspender leis ou
as descumprir, muito menos pode cobrar tributos sem o consentimento do Parlamento.
Assegura-se a supremacia do Parlamento. Neste momento, são dados passos importantes
para a definição da separação de poderes.

Rule of Law
Os quatro documentos citados (Magna Carta, Petition of Rights, Habeas Corpus Act e
Bill of Rights) exaltam a regra da Rule of Law, que dispõe sobre a necessidade de todos se
sujeitarem ao Direito (Estado de Direito), inclusive os detentores do poder.

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Declaração de Virgínia
Uma noção mais clara de direitos individuais é instaurada com a Declaração de
Virgínia, de 1776, a qual abre caminho para a independência dos Estados Unidos. Ela
preceitua sobre o direito de igualdade, o poder emanado do povo, o direito à felicidade, a
separação de poderes, o direito geral ao sufrágio e o direito à propriedade. Em 04 de julho de
1776 há também a Declaração Americana da Independência.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


No ano de 1789, aprova-se a, importante é já citada, Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, proclamada na França. É a mais famosa de todas as Declarações. É
curioso ressaltar que ela ainda está em vigor na França e integra o bloco de
constitucionalidade daquele país. Sua finalidade principal é proteger os direitos dos homens
contra os atos do governo. Seu objetivo imediato é instruir os indivíduos de seus direitos
fundamentais; possuindo, para tanto, interessante caráter pedagógico. Como é uma
Declaração, os direitos nela são apenas recordados, pois preexistem a ela. A igualdade
perante a lei é o elemento essencial da Declaração, conforme seu art. 6º. O presente
documento, decorrente da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), foi a
base para a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948.

Constituição Francesa
Outra fonte histórica dos direitos humanos é a Constituição Francesa, de
1848, fundamental para a futura consagração dos direitos econômicos e sociais
(segunda geração) nas Leis Fundamentais dos demais países.

Constituição do México
Mais recente, mas mesmo assim influenciadora, foi a Constituição do México, de 1917.
Ela constitucionalizou de forma expressa os direitos econômicos, sociais e culturais[17] e
exaltou a função social da propriedade. O seu art. 123 tratava de vários assuntos inéditos em
âmbito constitucional, tais como a limitação da jornada de trabalho, a disciplina do trabalho de
menores, bem como a limitação de horas diárias para os menores, a limitação de horas de
jornada de trabalho noturno, o descanso semanal, o salário mínimo, a igualdade salarial, o
direito de greve e outros institutos inovadores que vieram proteger os hipossuficientes
integrantes das relações de trabalho.

Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado


A Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, merece
destaque, já que visava, conforme seu Capítulo II, “precipuamente a suprimir toda exploração
do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da sociedade em classes, a
esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar a organização socialista da
sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os países (...)”.
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Constituição alemã de Weimer


A Constituição alemã de Weimer, de 1919, surgiu como fruto da Primeira Guerra
Mundial. O Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido delineados pela
Constituição mexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã uma melhor estruturação.
E, tal como a Constituição do México, os direitos trabalhistas e previdenciários ganharam o
status de direitos fundamentais. Ela estabeleceu um novo modelo constitucional para os
direitos sociais e influenciou muitas outras, como a Constituição brasileira de 1934.

Tratado de Versailles, Carta da ONU, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos


É possível, por fim, realçar outros documentos, como o Tratado de Versailles, de 1919
(que criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho – OIT), a Carta da
ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
As atrocidades resultantes da Primeira Grande Guerra (1914-1918) geraram um
sentimento de necessidade de pacificação mundial. Dessa forma, celebrou-se o Tratado de
Versailles, em 28 de junho de 1919. Em anexo a esse documento foi aprovado o Pacto da
Sociedade das Nações ou Liga das Nações.
Além da Liga das Nações foi criada a Organização Internacional do Trabalho, em 1919,
também pelo Tratado de Versailles, ou Tratado de Paz, resultado da Conferência da Paz.
Esse documento entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920. A disciplina da OIT constava,
mais especificamente, na Parte XIII do Tratado.

Carta de São Francisco ou Carta da ONU


Em razão do fracasso da Sociedade das Nações em evitar a Segunda Grande Guerra,
celebrou-se a Carta de São Francisco ou Carta da ONU, de 1945. A atual Organização das
Nações Unidas veio substituir a combalida Liga.

Declaração Universal de 1948


Além da Carta da ONU merece referência a Declaração Universal de 1948. Entretanto,
aconselha-se sua compreensão dentro da noção de Carta Internacional dos Direitos Humanos
ou Declaração Internacional de Direitos (International Bill of Rights)[19].

Carta Internacional dos Direitos Humanos


A Carta Internacional dos Direitos Humanos é constituída por três documentos, os
mais importantes do sistema global, de alcance generalizado, ou seja, integram o sistema
homogêneo[20] ou geral do sistema global da ONU.
Analisar a Carta internacional coincide com a análise de três grandes instrumentos
internacionais de salvaguarda aos direitos humanos em escala global: a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966;
e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Nessa

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tessitura, gize-se que o processo “universal dos direitos humanos teve início com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, (...) afirmando serem os direitos
humanos (...) universais, indivisíveis, interdependentes, inter-relacionados e dotados de
unidade (....)”, e se consolidou com os dois Pactos de Nova York, ambos de 1966.
A despeito da perspectiva adotada (marcos, pensamentos ou documentos), o estudo
da evolução histórica dos direitos humanos conduz à conclusão de que eles estão em
constante processo de enriquecimento, haja vista que a “conquista e a ampliação do rol de
direitos é uma imperativa e constante necessidade mundana, sob pena de a figura humana,
com o passar do tempo, ser relegada a segundo plano; o que é inconcebível”.

ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS


O movimento contemporâneo pelos direitos humanos teve origem na reconstrução da
sociedade ocidental ao final da segunda guerra mundial. Neste sentido, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco que veio responder às atrocidades que
aconteceram durante a segunda guerra mundial. Na verdade, os direitos humanos não
surgiram com a declaração universal dos direitos humanos. Duas histórias podem ser
contadas a respeito da sua origem.
A primeira história associa a ideia de direitos humanos a um certo consenso cultural e
religioso. De acordo com essa abordagem, há uma ética ou uma moral comum a todas as
culturas e religiões e que pode ser expressa em termos de direitos.
A segunda história considera os direitos humanos como o resultado de um longo
processo de evolução, que implica numa promessa de progresso e almeja a um futuro feliz.
Esta ideia de progresso inevitável da sociedade humana ganhou força com o debate filosófico
que precedeu e inspirou a Revolução Francesa e resultou na primeira grande declaração de
direitos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi promulgada em 26 de agosto
de 1789, na França. Ela está intimamente relacionada com a Revolução
Francesa. Para ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao tema
dos direitos, basta constatar que os deputados passaram uma semana reunidos na
Assembleia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da declaração. Isso
com o país ainda a ferro e a fogo após a tomada da Bastilha em 14 de julho daquele mesmo
ano. Havia urgência em divulgar a declaração para legitimar o governo que se iniciava com o
afastamento do rei Luís XVI, que seria decapitado quatro anos depois, em 21 de janeiro de
1793. Era preciso fundamentar o exercício do poder, não mais na suposta ligação dos
monarcas com Deus, mas em princípios que justificassem e guiassem legisladores e
governantes daquele momento em diante. No dia 20 de agosto de 1789, a Assembleia
Nacional francesa começou a discutir os 24 artigos rascunhados por um grupo de quarenta
deputados. Após seis dias de debates intensos, os deputados haviam aprovado somente 17
artigos. Diante das medidas urgentes a serem tomadas, no dia 27 de agosto de 1789 os
deputados decidiram encerrar a discussão e adotar os artigos já aprovados como a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Sem mencionar o rei, a nobreza ou o clero,

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a declaração afirmava que “os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem são a
fundação de todo e qualquer governo”. Quem passa a deter a soberania é a nação, e não o
rei. Todos são proclamados iguais perante a lei, eliminando todos os privilégios de
nascimento. Termos como “homens”, “homem”, “todo homem”, “todos os homens”, “todos os
cidadãos”, “cada cidadão”, “sociedade”, e “todas as sociedades”, asseguram a universalidade
dos direitos afirmados naquele documento. A reação à sua promulgação foi imediata,
chamando a atenção da opinião pública nos países vizinhos para a questão dos direitos. A
reação do inglês Edmund Burke em Reflections on the Revolution in France, de 1790, constitui
inclusive o texto fundador do conservadorismo.
A importância desse documento nos dias de hoje é ter sido a primeira declaração de
direitos e fonte de inspiração para outras que vieram posteriormente, como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU (Organização das Nações Unidas), em
1948. Prova disso é a comparação dos primeiros artigos de ambas:

• O Artigo primeiro da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, diz: “Os


homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só
podem fundar-se na utilidade comum”.
• O Artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 proclama:
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Ambas as declarações de direitos acima mencionadas ecoam a fórmula solene de


Thomas Jefferson na Declaração de Independência de 1776:
“Tomamos estas verdades como auto evidentes, de que todos os
homens foram criados iguais, e que foram dotados pelo Criador de
certos direitos inalienáveis, dentre os quais estão a Vida, a Liberdade
e a busca pela
Felicidade. ”

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS
As declarações de direitos se apresentam de maneira parecida: após um preâmbulo
que introduz a temática geral do texto, segue uma lista de artigos que explicitam vários
direitos. Faz-se necessário ressaltar, contudo, que uma declaração de direitos é muito mais
do que uma enumeração de direitos. O preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, revela a intenção dos seus autores: eles “expõem”, “declaram”,
“lembram”. » à Declaração é um ato de reconhecimento: não se trata de um ato criador. Os
direitos por ela enunciados existem, são inerentes à natureza humana. Seria, portanto,
absurdo pretender criá-los. Basta constatar a sua existência.
Este fato é importante porque estabelece a diferença clara entre as declarações de
direitos e os textos legais: uma lei pode ser revogada pela mesma autoridade que a
promulgou, enquanto que um direito não pode ser eliminado porque ninguém é responsável
pela sua criação.
O que podemos fazer é constatar a sua existência e reconhecê-los. » à Declaração
tem um caráter pedagógico: estes direitos foram esquecidos ou ignorados. Faz-se necessário
torná-los incontestáveis. Para este efeito, um simples enunciado não basta, é preciso uma
exposição que forneça explicações que convençam o leitor.
A Declaração propõe uma sistematização das relações entre o homem e a sociedade.
O seu caráter doutrinal, sua intenção pedagógica, contrasta com o empirismo característico
dos documentos mais recentes. » Nesta declaração de direitos constata-se a ausência de um
caráter efetivador: os constituintes sabiam perfeitamente que a constatação dos direitos
humanos não basta para assegurar o seu respeito. Depois de declará-los, é ainda preciso
garanti-los. Trata-se, contudo, de duas etapas distintas.
A Declaração indica os direitos que implicam numa garantia, mas a efetivação dessa
garantia incumbe à Constituição, de acordo com a fórmula do artigo 16 da própria Declaração:
“Toda sociedade na qual (…) a garantia dos direitos não é assegurada não tem constituição.
” Constata-se aqui que um certo paradoxo cerca a ideia de direitos humanos tal qual
explicitada pelas declarações de direitos.
Com efeito, se por um lado trata-se de uma ideia bastante utópica e sonhadora, por
outro lado, a efetivação dos direitos remete a várias questões práticas que têm influência
direta na nossa vida cotidiana. Além disso, como conciliar a ideia filosófica de que os direitos
humanos existem desde sempre, pois estão inevitavelmente associados à própria existência
do ser humano, e a possibilidade de progresso das condições e da consequente libertação do
gênero humano da opressão e das injustiças que os direitos humanos podem promover na
medida em que passam a ser reconhecidos? Este paradoxo explica porque os direitos
humanos foram considerados por muito tempo como um capricho de sonhadores incorrigíveis.

ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:


Artigo 1°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados
de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Artigo 2°
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na
presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de
nascimento ou de qualquer outra situação.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território
independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 3°
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4°
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos
escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5°
Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes.

Artigo 6°
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua
personalidade jurídica.

Artigo 7°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei.
Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8°
Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes
contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela
lei.

Artigo 9°
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10°

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos
e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja
deduzida.

Artigo 11°
1- Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que
todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2- Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não
constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo,
não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato
delituoso foi cometido.

Artigo 12°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contrastais
intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.

Artigo 13°
1- Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior
de um Estado.
2- Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu,
e o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14°
1- Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo
em outros países.
2- Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente
por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das
Nações Unidas.

Artigo 15°
1- Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de
mudar de nacionalidade.

Artigo 16°

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

1- A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família,
sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na
altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2- O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros
esposos.
3- A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção
desta e do Estado.

Artigo 17°
1- Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade.
2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18°
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião;
este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim em público como
em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que
implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e
difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de
expressão.

Artigo 20°
1- Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
2- Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21°
1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu
país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2- Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas
do seu país.
3- A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-
se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual,
com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de
voto.

Artigo 22°

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode
legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis,
graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e
os recursos de cada país.

Artigo 23°
1- Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições
equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2- Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3- Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita
e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se
possível, por todos os outros meios de proteção social.
4- Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em
sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24°
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação
razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25°
1- Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua
família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao
alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e
tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice
ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes
da sua vontade.
2- A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as
crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.

Artigo 26°
1- Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O
ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores
deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2- A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos
direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos,
bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção
da paz.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

3- Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos
filhos

Artigo 27°
1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade,
de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste
resultam.
2- Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria.

Artigo 28°
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma
ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na
presente Declaração.

Artigo 29°
1- O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e
pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2- No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às
limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer
as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática.
3- Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos
fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 30°
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a
envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma
atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui
enunciados.

A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL


No Brasil, o Estado nacional foi um projeto implantado pelas elites políticas, desde o
Brasil Reinado, passando pelo Brasil Imperial, até a instalação da República. O povo brasileiro
não teve participação direta nesse processo de formação do Estado nacional. Assim, os
direitos fundamentais, tal como aparecem pela primeira vez na Constituição Imperial de 1824,
foram outorgados pelas elites políticas e adquiriram pouca efetividade.

20
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Nesse contexto histórico, a cidadania foi privilégio de poucos e ainda hoje se encontra
em um processo de formação que se dá em decorrência dos movimentos sociais e populares
que fazem surgir os direitos fundamentais.
No Brasil, desde seu nascimento como Estado independente, foram os movimentos
sociais que deram sentido e efetividade aos direitos fundamentais e à cidadania.
Verificou-se, em nosso processo histórico, uma inversão, pela qual os direitos
fundamentais criados nos textos constitucionais, doados de cima para baixo pelas elites,
nunca foram conhecidos pela população e adquiriram muito pouca efetividade. Somente na
atualidade os movimentos sociais geram e tornam efetivos alguns direitos fundamentais
existentes no País.
Essa inversão, aparentemente contrária a quase tudo o que se tem dito e ensinado
sobre direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil, procura denunciar a teoria
individualista dos direitos humanos, a qual, sob a roupagem da subjetividade, banalizou
conquistas históricas da população brasileira, esvaziando os direitos humanos em seu
significado político e jurídico. Quando um povo não produz os movimentos revolucionários ou
perde a memória histórica de movimentos populares que geraram direitos fundamentais,
pode-se dizer que perdeu parte de sua soberania e cidadania.
Quando os direitos fundamentais não decorrem de conquistas sociais e populares,
mas são concedidos em Cartas Constitucionais, num movimento vertical de normatização que
não conta com a efetiva participação popular no processo legiferante, como ocorreu no Brasil,
eles tornam-se meras ideologias, que banalizam os significados dos direitos fundamentais e
ocultam seu significado jurídico e político. A possibilidade de tal reflexão só foi possível ao
nos depararmos com a situação histórica e atual dos direitos fundamentais da pessoa humana
no Brasil. Trata-se de se admitir uma dura realidade: a cidadania e os direitos fundamentais
no Brasil jamais alcançaram o sentido histórico, político e jurídico que representaram nos
países europeus ou nos Estados Unidos da América do Norte. E isso se deve, por um lado, à
habilidade de nossas elites políticas de protagonizar um processo civilizatório patrimonialista
e patriarcal e, por outro, à baixa adesão da população a movimentos sociais, quase sempre
derrotados e apagados ou desfigurados em sua importância histórica e política.
Nos estados nacionais europeus ou mesmo nos Estados Unidos da América do Norte,
as revoluções burguesas foram decorrência do efetivo exercício da cidadania e fizeram surgir
declarações de direitos.
No Brasil, onde o projeto de Estado nacional foi criado artificialmente por uma elite
política imperial, não se verificou o efetivo exercício da cidadania em seus primeiros séculos
de existência. Dessa forma, não houve no País uma revolução burguesa e os direitos
fundamentais foram importados de constituições e declarações de direitos de nações
europeias ou norte-americana.
A ideia de cidadania possui uma origem muito antiga, mas que foi reconstruída e
aperfeiçoada em diferentes momentos da história da civilização ocidental, até tornarse um
conceito fundamental na luta pela reconstrução dos Estados absolutistas em Estados
democráticos, nos séculos XVII e XVIII.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

A Origem Do Conceito De Cidadania E Sua Importância Para O Advento Dos Estados


Modernos
A origem do conceito de cidadania é grega. Foi em Atenas, aproximadamente no VIII
século a. C., que surgiu no Mediterrâneo uma experiência singular: a ideia de polis, espécie
de cidade autônoma, independente e soberana que era governada, em última instância, por
uma Assembleia de Cidadãos (politai). É verdade que essa Assembleia de Cidadãos não
contava com a participação de todos, mas apenas dos homens livres e nascidos na própria
polis. Daí decorria que cidadão entre os gregos antigos era o homem livre, senhor de si e que
tinha direito de participar da Assembleia de Cidadãos. Esse direito de participar da politai,
portanto, não era extensivo aos escravos, mulheres e crianças, mas apenas aos homens livres
que exerciam a prática do direito de decidir sobre os destinos políticos, culturais e econômicos
da Polis. A esse direito de participar da politai e influenciar nos destinos políticos, culturais e
econômicos da cidade se podia compreender como cidadania na Polis grega antiga. Então,
como foi possível que uma invenção tão antiga como a cidadania, nascida na Grécia há mais
de 2.500 anos, chegou até os dias atuais, adquirindo características próprias e assumindo
importância sine qua non para a vida dos Estados democráticos modernos? Como esse
instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados
modernos?
A resposta para a primeira questão deve ser encontrada na historicidade dos
movimentos sociais dos povos europeus, e que, mais tarde, estendeu-se por todo o mundo
ocidental. Ocorre que a experiência grega de cidadania, entre outras descobertas do povo
grego antigo, influenciou Roma. Os romanos, depois de terem vivenciado experiências de
reinados por um longo período de sua história, fizeram de Roma uma cidade poderosa
belicamente a qual expandiu seus domínios para além de seu território peninsular. Contudo,
ao conquistarem a Grécia, os romanos foram por ela conquistados, porquanto, apesar de seu
grande poderio militar, sob o aspecto cultural, filosófico e político encontravam-se muitos
séculos de atraso em relação aos gregos.
Os romanos logo perceberam essa verdade e passaram a receber significativa
influência do mundo grego em sua vida cultural, política e filosófica. A elite romana enviava
os filhos para estudarem filosofia, oratória e retórica em Atenas. E não era só isso: a arte da
medicina, da arquitetura, da pedagogia, tudo era estudado em Atenas ou contava com a
participação de mestres gregos. Esse encontro da cultura greco-romana ficou conhecido
como helenismo.
Roma tornou-se, sob vários aspectos, uma extensão do mundo grego antigo e, em
decorrência da expansão do Império, introduziu entre os povos europeus (então denominados
bárbaros) muitos de seus valores culturais, jurídicos e econômicos. O cidadão romano
possuía um status diferenciado dos demais povos conquistados. Adquirir cidadania romana
implicava em transitar livremente por todo o Império Romano sem ser detido ou molestado.
Esse processo histórico, como se sabe, perdurou por vários séculos, até a queda de Roma,
no século V d. C. e o início da Idade Média.
Com o advento da Idade Média, a ideia de cidadania quase desapareceu, porquanto
o fim do Império Romano significou também um período de fragmentação política e cultural,
propiciando o predomínio político gradual da Igreja Católica.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Nos períodos da alta à média Idade Média, as vilas e cidades europeias formaram-se
aos pés dos mosteiros e igrejas. A vida dos homens ilustres e letrados formava-se sob a
influência das ordens religiosas. Os destinos políticos das cidades já não eram decididos pelas
Assembleias dos Cidadãos, mas pela autoridade religiosa e pelo poder secular, exercido por
um príncipe ou rei coroado pelo Papa. Nesse cenário, a ideia de cidadania foi substituída pela
ideia de súdito, que representava o homem livre submetido ao poder político do Rei. Contudo,
a ideia de cidadania ressurgiria por volta do século XIV com o Renascimento.
Como se sabe, este representou um retorno de muitos dos valores culturais, jurídicos
e filosóficos que eram próprios ao mundo greco-romano. A partir de então, as cidades e vilas
europeias deram início a um lento e gradual processo de emancipação política em relação ao
poder exercido pela Igreja Católica. Ora, esse processo emancipatório das cidades e vilas
europeias deu-se por meio dos movimentos sociais, entre os quais um de grande importância
foi a Reforma Protestante, verificada no início de 1517 a partir das teses de Martinho Lutero.
Para a resposta à segunda indagação, isto é, de que forma esse instituto da cidadania foi
fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos, é preciso
destacar a importância da Reforma Protestante e o modo pelo qual contribuiu para muitos dos
fundamentos do surgimento do Estado moderno.
Ocorre que a Reforma Protestante foi um marco histórico que inaugurou valores éticos
e políticos inovadores: o fim do domínio político da Igreja Católica; o surgimento de liberdades
políticas; liberdade de culto e de religião; liberdade de imprensa, liberdade de pensamento e,
principalmente, liberdade de cátedra nas universidades. Evidentemente o fim do predomínio
político da Igreja Católica foi conquista de uma cidadania efetiva que propiciou um movimento
social de grande importância. Lutero jamais esteve só! Com ele a população alemã enfrentou
o poder da Igreja Católica de sua época e as reformas religiosas deram causa a muitas
reformas políticas, as quais influenciaram outros povos e Estados, como a Inglaterra e a
França. Ora, nesse momento histórico da civilização ocidental, a liberdade de cátedra nas
universidades foi fundamental para o surgimento de novas ideias jurídicas e políticas. Dentre
elas, talvez a mais importante tenha sido a que se propôs a reconstruir o conceito de
cidadania, o qual passou a ser discutido direta ou indiretamente em inúmeras obras
acadêmicas que se popularizaram entre os jovens e acadêmicos de então. Merece ser
mencionadas aquelas de autores iluministas, como Montesquieu, Locke, Rousseau e Kant,
entre outros, que influenciaram no surgimento das revoluções burguesas e,
consequentemente, no aparecimento dos Estados modernos fundados na cidadania, na
democracia constitucional e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. As ideias
jurídico-filosóficas que propiciaram a Revolução Americana e a Revolução Francesa
propagaram-se por todo o mundo e pelo novo mundo.

A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS


CONSEQUÊNCIAS
No Brasil não se verificou uma Revolução Burguesa nos moldes como se deu na
América do Norte ou na Europa. A primeira revolta com significado de natureza semelhante
às revoluções burguesas ocorridas na Europa foi a Inconfidência Mineira (1790). Todos os
demais movimentos sociais anteriores, como a Confederação dos

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Tamoios (1562), a formação do Quilombo de Palmares (1602), a Guerra dos Bárbaros


(1682), a Insurreição Pernambucana (1645), a Revolta do Maranhão (1684) ou mesmo a
Guerra dos Mascates (1710), não objetivavam a construção da cidadania e de um Estado
independente nos moldes dos movimentos sociais e revolucionários europeus e norte-
americanos.
A Inconfidência Mineira trouxe em sua base ideológica ideias semelhantes àquelas
divulgadas pelos filósofos iluministas e concretizadas pela Revolução Francesa e pela
Americana, mas seus líderes foram presos e deportados e as iniciativas não foram vitoriosas.
Não caberia aqui uma análise aprofundada das razões que levaram à derrota dos insurgentes
ou as teses sobre a ausência de uma classe burguesa no Brasil de então. Os fatos
significativos decorrentes do movimento inconfidente foram a construção artificial dos
primeiros valores inerentes à ideia de cidadania moderna e de aspirações por um país
independente, republicano, sem que esse Estado fosse construído sobre fundamentos
constitucionais democráticos. Contudo, a Inconfidência Mineira foi um marco histórico
significativo, pois a ela se sucederam a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução
Pernambucana (1817). Esse último movimento defendia a independência de Portugal e reuniu
religiosos, comerciantes e militares que conseguiram prender o governador e constituir o
primeiro governo republicano no Brasil. O movimento se estendeu à Paraíba, Rio Grande do
Norte e parte do Ceará, mas durou menos de três meses. Os revoltosos foram presos e
condenados à morte pelo fuzilamento.
Durante o Império, outros movimentos sociais ocorreram, mas todos saíram
derrotados e desmantelados e seus líderes fuzilados ou enforcados. O primeiro deles ficou
conhecido como a Confederação do Equador (1824) e verificou-se novamente em Recife.
Logo que os insurgentes conquistaram o poder estabeleceram um governo republicano, que
deveria inaugurar um Estado independente, democrático e constitucional. Todavia, no dia 19
de setembro do mesmo ano os revolucionários já estavam derrotados e receberam penas
diversas: fuzilamento, forca ou prisão perpétua. A partir desse movimento, outros irromperam
ao longo do período Imperial, como a Cabanagem (1833) no Pará, a Revolução Farroupilha
(1835) no Rio Grande do Sul, a Sabinada (1837) na Bahia, a Balaiada (1838) no Maranhão e
parte do Piauí e Ceará, e a Revolução Praieira (1848) que se estendeu por vários estados
brasileiros e exigia voto livre e democrático, liberdade de imprensa e trabalho para todos.
Contudo, todos foram derrotados e poucos contribuíram para a formação de um Estado
nacional fundado em valores modernos de cidadania. Em vez disso, o que se viu foi a
construção de um Estado Imperial fundado numa economia escravista e numa elite formada
por bacharéis de tradição coimbrã, que era o oposto dos ideais revolucionários vitoriosos na
França Bonapartista ou na América de George Washington.
Proclamada a República, outros tantos movimentos sociais se instalaram no Brasil,
como a Revolta Armada de 1893 e a Revolução Federalista, ocorrida no mesmo ano, no Rio
Grande do Sul. Contudo, o movimento social mais radical e que abalou a nascente República
brasileira foi Canudos, no interior da Bahia, onde viviam, em 1896, cerca de 20 mil pessoas
sob o comando do beato Antônio Conselheiro. Ele iniciou-se em novembro de 1896 e a derrota
se deu em outubro de 1897. Foram necessárias quatro expedições militares para sufocar 25
mil revoltosos. Canudos contribuiu para denunciar a grande exclusão social existente no
Nordeste brasileiro, mas foi compreendido e classificado pelas elites brasileiras como um

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

movimento messiânico, comandado por um fanático religioso, sem qualquer fundamentação


iluminista ou revolucionária burguesa.
Outros movimentos sociais menores ocorreram durante os primeiros anos da
República Velha, como a Revolta da Vacina, de 1904 e a Revolta da Chibata, de 1910, ambas
ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, a Revolta de Juazeiro, de 1914, em Juazeiro
do Norte, interior do estado do Ceará, sob a liderança do padre Cícero, em que sertanejos
pegaram em armas para derrubar o interventor do Estado. O governo cedeu, devolvendo o
poder ao grupo político que antes controlava o Ceará. A Guerra do Contestado, entre 1912 e
1916, na região dos estados do Paraná e Santa Catarina, foi um movimento messiânico, com
milhares de mortos. Todos esses movimentos populares, derrotados e desmantelados,
possuíam na verdade uma natureza messiânica reacionária. Todos esses movimentos sociais
verificados na história colonial, imperial e republicana do Brasil não foram decisivos para a
construção da cidadania no Brasil. E não o foram porque não se fundavam em pressupostos
teóricos e revolucionários semelhantes àqueles que inauguraram os estados burgueses
modernos, como se deu na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa; na França, com a
Revolução de 1789; ou nos Estados Unidos da América em sua Revolução da Independência.
Assim sendo, as ideias e ideais de cidadania e de direitos fundamentais no Brasil foram
importados e transladados do continente europeu diretamente para a Constituição Imperial de
1824, que inaugurou um capítulo próprio para os Direitos e Garantias Individuais, e que, no
entanto, em outros capítulos de seu texto consolidava um Estado monárquico, patrimonialista
e escravagista.
Essa contradição inexorável contribuiu para que os direitos e garantias individuais
fossem compreendidos no ideário nacional como uma ideologia liberal sem qualquer efeito
concreto sobre a vida política e social do Brasil Imperial. O problema maior foi que essa
ideologia liberal prosseguiu na vida política do País e passou a constar em todas as
Constituições Republicanas, mesmo naquelas elaboradas sob regimes políticos totalitários,
como se deu com a Carta Constitucional de 1937 e a Carta Constitucional de 1967, com a
Emenda Constitucional de 1969.
A cidadania no Brasil, portanto, pode ser compreendida como um fenômeno de
formação recente decorrente de movimentos sociais e sindicais iniciados na primeira década
do século XX e que, sob lideranças anarquistas, exigiram jornadas de trabalho de oito horas,
descanso semanal remunerado, pagamento de horas extras e outras conquistas trabalhistas
que, posteriormente, seriam incorporadas na CLT. Além desses movimentos sociais das
classes trabalhadoras, ocorreram também levantes militares nas três primeiras décadas do
século XX, primeiro no Rio de Janeiro (1922) e depois em São Paulo (1924). Foi o movimento
tenentista, que exigia reformas profundas no sistema político republicano. Parte desse
movimento originou a famosa Coluna Prestes, que até 1927 foi causa de revoltas por todo o
País. Por onde passava, ateava fogo em Cartórios de Registro de Imóveis, para pôr fim à
propriedade privada injusta, e organizava triagens nos presídios para colocar em liberdade
parte dos detentos que eram considerados vítimas de um sistema capitalista desigual e
excludente.
Foram os movimentos sociais, em suas várias modalidades e categorias, que
propiciaram em outubro de 1930 a Revolução de 30. Para alguns historiadores e cientistas
políticos, foi a primeira Revolução Burguesa ocorrida no Brasil. Apenas dois anos depois, no

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

dia 9 de julho de 1932, as oligarquias cafeeiras do estado de São Paulo se rebelaram contra
a ditadura Vargas, organizando um movimento popular conhecido como Revolução de 1932.
Apesar da derrota, o movimento representou um marco nas lutas pelos direitos fundamentais
no Brasil e fez que o País construísse a segunda Constituição Republicana, a Constituição de
1934.
Nas décadas de 1940 e 1950 o Brasil viu florescer seu período de ouro. Na economia,
nas artes, na música e nos esportes surgiu uma geração que construía uma sociedade justa
e igualitária, procurando diminuir as desigualdades sociais existentes nos segmentos de
classes, intensificando a luta para extirpar o analfabetismo, instituindo um salário mínimo que
buscava concretizar a ideia de direitos mínimos aos menos favorecidos.
O avanço dos movimentos sociais urbanos e o aparecimento das Ligas Camponesas,
no início da década de 1960 exerceram forte pressão política por reformas de base na
sociedade brasileira, como a exigência de reforma agrária, erradicação do analfabetismo e
fim da desigualdade entre homens e mulheres nas relações trabalhistas, dentre outras
reivindicações políticas. Como reação a esses movimentos sociais crescentes, as elites
políticas, em conjunto com a Igreja Católica, organizaram o evento denominado “Marcha da
família com Deus pela liberdade”, o qual significou o sinal verde para que as forças militares
levassem a termo um golpe de Estado ocorrido no dia 1º de abril de 1964, fazendo com que
o presidente João Goulart abandonasse o poder e se exilasse no Uruguai.
Após o golpe de Estado, os movimentos sociais foram proibidos e duramente
reprimidos, e as lideranças camponesas e sindicais perseguidas e presas. A Lei de Segurança
Nacional foi utilizada para prender as forças oposicionistas e as lideranças dos movimentos
sociais que se erguiam contra a ditadura militar. Milhares foram assassinados e
desaparecidos, mas os movimentos sociais nunca desapareceram totalmente na luta pela
redemocratização do País.
Na década de 1980, a sociedade civil brasileira reorganizou-se em seus diversos
segmentos e deu início a um processo de manifestações políticas que exigiam o fim do
governo militar e a redemocratização. Importante foram os papéis desempenhados pela OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil) que, em suas reuniões anuais, fazia publicar documento
exigindo a normalização da vida política do País e denunciando os abusos praticados pelo
regime militar. De igual importância foram as atuações da ABI (Associação Brasileira de
Imprensa) pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e pelo Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC.
Por fim, em 1984 o governo militar viu-se amplamente derrotado nas eleições gerais
para governadores, deputados federais e senadores. Era o fim da ditadura militar e o início da
redemocratização do Estado brasileiro. Esse momento da história brasileira foi marcado pela
construção de uma nova Constituição Federal, a Constituição de 1988, a mais democrática e
representativa Carta Constitucional do Estado brasileiro. Contudo, um dos efeitos nefastos do
período de governo militar no Brasil foi a desmobilização dos movimentos sociais existentes
no Brasil.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO


Na semana de 21 a 24 de janeiro de 1984 ocorreu na cidade de Cascavel, Paraná, o
Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra. O MST, como ficou conhecido,
surgia com objetivos bem definidos: lutar pela terra, pela reforma agrária e pela construção
de uma sociedade justa e igualitária. Até dezembro de 2010 o MST contabilizava
aproximadamente 350 mil famílias assentadas e 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil.
Além disso, o MST já registra 108 cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra,
65 unidades agroindustriais e uma história de luta contra a fome e a mortalidade infantil.
Destaca-se também que cerca de 120 mil crianças e adolescentes frequentam escolas
construídas em terras que antes pertenciam a latifúndios improdutivos. O MST tem contribuído
para a questão da cidadania no Brasil lutando pela terra, pois quanto maior for o número de
famílias assentadas, menor será o êxodo rural e o número de famílias morando em favelas
nas cidades. Ademais, ao combater o latifúndio e ao assentar famílias sem-terra, o MST
propicia o surgimento de cooperativas para sustentar o trabalho dessas famílias e a
escolaridade para crianças e adolescentes, contribuindo para a questão dos direitos humanos
e da cidadania no Brasil.
O MST é um movimento social que trabalha com populações excluídas, procurando
assentar famílias em propriedades rurais improdutivas, criando cooperativas e propiciando
trabalho para milhares de trabalhadores rurais.
Em 1997 surgiu no seio da sociedade brasileira o Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST) com o objetivo de garantir o direito à moradia e construir uma cidade justa e
igualitária. O movimento não visa somente àqueles que não têm moradia, mas alcança
também os desprovidos de condição humana digna e que vivem em estado de miserabilidade.
A falta de moradia é o principal fator contrário a uma vida com dignidade.
Desde 1940 o problema da moradia tornou-se muito grave no Brasil, pois as
habitações dos grandes centros urbanos tornaram-se insuficientes para abrigar a população
expulsa do campo no processo de êxodo rural. Historicamente o MTST iniciou suas atividades
em 1997, quando 5.200 famílias construíram casas em um terreno desapropriado na cidade
de Campinas/SP. Esse movimento foi considerado a maior ocupação em área urbana da
América Latina, conhecido como Parque Oziel.
Em 1998, o MTST passou a realizar ocupações nas cidades de Guarulhos, Diadema,
Itapevi e também no Nordeste e no Rio de Janeiro, e as ocupações chegaram a representar
a conquista de 10 mil casas populares.
Entre os anos de 2001 a 2003 a atuação estendeu-se a todo o Brasil. Em
Guarulhos/SP, próximo da Rodovia Presidente Dutra, houve a ocupação conhecida como
Anita Garibaldi, que teve a participação de 10 mil pessoas. Em Osasco/SP, ocorreu a
ocupação Carlos Lamarca, onde ficava o antigo Lar Consolador da Verdade; e, em São
Bernardo do Campo/SP foi feita a ocupação Santo Dias, localizada num terreno de
propriedade da Volkswagen, porém no dia 9 de agosto do mesmo ano a Tropa de Choque da
Polícia Militar invadiu o terreno e expulsou os ocupantes sem-teto. Atualmente, o MTST vem
contribuindo para um dos mais importantes direitos fundamentais: o direito à moradia que é
condição sine qua non para a cidadania.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

SOCIEDADES MULTICULTURAIS

Fonte: www.diegobrandao.jusbrasil.com.br

O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a coexistência de


várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito comum em nossa
época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao desenvolvimento das
comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, todas as sociedades podem
receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o crescimento das migrações e a
travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades.
As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser de aceitação e tolerância ou de conflito
e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas
propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do
território é imposta ou se impõem para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes
não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a
acontecimentos marcantes.
Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da
globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias de
comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais e
financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa às
fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a hegemonizar
culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas de ver as coisas se
espalham globalmente gerando o que se chama de “americanização” do mundo.
Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as culturas
tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de ser. Por outro lado,
apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais locais são capazes de se
apropriar de partes da cultura americana, transformando-as em uma algo novo e diferente do
original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo claro dessa possibilidade.
Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades
multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias da
segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Cenário Pós-Colonial

Fonte: www.cartacapital.com.br

O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais locais e,


ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento migratório para os
países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, religiosa e política, além das
deficiências econômicas, são fatores que aumentam o fluxo migratório. Incentivado por tudo
isso e pelo próprio cenário criado pela globalização, esse movimento migratório transforma
de modo profundo as nações que receberam os imigrantes, colocando em cheque a
capacidade dos estados modernos de gerirem sua nova configuração multicultural.
Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação de
culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se constituírem
enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação de direitos sociais e
a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas vezes, ainda que exista uma
política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada por pessoas comuns, inflamadas
por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao outro. Os ataques violentos organizados por
civis aos abrigos de refugiados de origem árabe na Alemanha são um exemplo disso. O
multiculturalismo emerge a partir das reivindicações de minorias étnicas que sofrem de
opressão histórica em seus territórios, como os negros e as populações indígenas por todo
continente americano, incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e
traz à tona a forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais
e religiosas que nos cercam.
De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão de um
fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato a partir da
segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por mais justiça social.
O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por oportunidades, mais
respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um fenômeno adensado pela conquista

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

dos direitos civis. Como resultado prático buscam-se melhorias em termos legais,
econômicos, políticos sociais e culturais para as denominadas minorias.
O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade e/ou
movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de expressão de
identidade (s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo de consciência coletiva
para a qual as orientações do agir humano se oporiam a toda forma de centrismos
(SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções monoculturais das sociedades
etnocêntricas.
Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e outros mais
são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir formalmente a
multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas públicas como formas de
gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o Brasil, também se pôs diante da
necessidade de valorizar a diversidade cultural (UNESCO, 2002). Valorização esta situada na
legislação e na formatação de políticas públicas específicas.
Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado prático
destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de “constrangimento
racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como finalidade a identificação
das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de políticas e práticas de imigração,
moradia, emprego e educação.
No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas
compensatórias (índios, negros, portadores de necessidades especiais, mulheres, jovens,
idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por contradições próprias
da formação política e cultural expressa em desigualdades sociais.
O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da
estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (BRASIL, 1988) este feito cultural
como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de educação para a diversidade
cultural. Este processo de reforma estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental (BRASIL, 1998).
Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de ações
afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012. Ela
garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e
institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do
ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. O restante
(50%) das vagas permanece no processo de seleção universal. A reforma universitária está
atravessada por este eixo transversal. Neste processo reformista foi criada a Secretaria de
Promoção de Políticas de Igualdades Raciais – SEPPIR e A Secretaria da Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI. Outras reformulações hão sido
desenvolvidas para o fortalecimento de grupos sociais discriminados ou postos à margem da
sociedade. São políticas encorajadoras das questões multiculturais. Estas, portanto,
constroem-se mediante desafios. Porque a expressão das mesmas desloca poderes. O que
tenciona relações antes mantidas em uma aura de naturalização.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA

Fonte: www.portalmie.com

Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas devido
ao estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade cultural da espécie
humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido pela primeira vez, no final do
século XVIII, por Edward Tylor que através do termo germânico “Kultur”, que significava os
aspectos espirituais de uma comunidade, com a palavra francesa “Civilization”, que significava
as realizações materiais de um povo.
Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos
aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência. Esses
aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de convívio
específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos. Características como
a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são algumas características que
podem ser determinadas por uma cultura que acaba por ter como função possibilitar a
cooperação e a comunicação entre aqueles que dela fazem parte.
A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte do
seu contexto - quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento, formas de
religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por aqueles que a
integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas.
Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou indesejáveis no
comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como por exemplo o princípio
da honestidade que é visto como característica extremamente desejável em nossa sociedade.
As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores de uma cultura,
que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O valor do princípio
da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro dos limites
convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais integrantes a agir
dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores possuem grandes
variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas culturas, como no Japão, o
valor da educação é tão forte que falhar em exames escolares é visto como uma vergonha
tremenda para a família do estudante. Existe, então, a norma de que estudar e ter bom
desempenho acadêmico é uma das mais importantes tarefas de um jovem japonês e a
pressão social que esse valor exerce sobre ele é tão forte que há um grande número de
suicídios relacionados a falhas escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado
por uma falha escolar parece ser loucura.
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais. Alguns
grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas, enquanto
outras prefiram a lógica do progresso científico para compreender o mundo. A diversidade
cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre o que consideramos
familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias diferentes, comportamento, contato
com línguas estrangeiras ou com a culinária de outras culturas tornou-se tão corriqueiro em
nosso dia a dia que malparamos para pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na
adoção de expressões de línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em
nossa rotina alimentar.
Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os
acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado se
enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas
necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos contra
culturais, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança de valores
culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada.
O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa cultura.
O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos aspectos de outra a
partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada, onde temos contato quase
perpétuo com culturas de todas as formas e lugares possíveis.

Identidade Cultural
A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos das
Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de entendimento
da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que devemos destacar
dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções de identidade são
brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e nos ajudarão a entender
melhor esse conceito.

Fonte: www.pt.slideshare.net

O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social, mas
que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência social. De forma
geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o conjunto de entendimentos
que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo aquilo que lhe é significativo. Esse

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

entendimento é construído a partir de determinadas fontes de significado que são construídas


socialmente, como o gênero, nacionalidade ou classe social, e que passam a ser usadas pelos
indivíduos como plataforma de construção de sua identidade.
Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que devemos
entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas apreensões: a
identidade social e a auto identidade.
A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos outros,
o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais indivíduos para
identificar o que uma pessoa em particular é., Portanto, o título profissional de médico, por
exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série de qualidades predefinidas no
contexto social que são atribuídas aos indivíduos que exercem essa profissão. A partir disso,
o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu âmbito social em relação a outros indivíduos
que partilham dos mesmos atributos.
O conceito de auto identidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação de um
sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que desenvolvemos
com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo simbólico” é o principal ponto
de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que é diante da interação entre o indivíduo
e o mundo exterior que surge a formação de um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre
mundo interior do indivíduo e mundo exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que
se forma a partir de suas escolhas no decorrer de sua vida.
Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão à
construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras palavras, a
identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e como nos
posicionamos em relação a ele. Esse processo é continuo e perpétuo, o que significa que a
identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural
preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o
mundo pessoal e o mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas
particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular),
também internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que
construímos nossas identidades.
Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da
diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de cada
sociedade, dando lugar a características globais e "impessoais".
Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou a
"Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural".
A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas
culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro instrumento
que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural entre as nações.
Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua extensão
territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo do processo de
construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante visíveis mesmo entre as
diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e africanas,


sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o país. Na região
centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande presença da diversidade
cultural indígena, com forte influência da culinária mineira e paulista. No sudeste e sul
destacam-se costumes de origem europeia, com colônias portuguesas, germânicas, italianas
e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura típica de seus países de origem.

Igualdade E Diferença
Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no debate
atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos emergentes e
alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem sempre combinavam a
igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que demandava busca de soluções,
exemplo disso era na Antiguidade
Clássica, cuja igualdade não era universalizável aos “não cidadãos”, aos “bárbaros”,
mas sim, apenas aos cidadãos.

Fonte: www.aee2013cristina.blogspot.com.br

Os responsáveis pela dignidade do conceito de igualdade de forma mais universal


foram as filosofias humanistas dos séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluminismos do século
XVIII e o marxismo do século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura
ocidental está indissociavelmente ligada ao Cristianismo, o qual enxerga cada homem
individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igual perante Deus e dotado da
mesma origem.
Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à noção de
diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e nem inferior, e
diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade entre criatura e Criador.
E essa ideia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do tempo sendo aperfeiçoada e
codificada como igualdade perante a lei.
Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou de igualdade, legalmente
reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais sem distinção de qualquer
natureza, porém a estrutura concreta das sociedades revela as diversidades de ordem
cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências das mesmas nas condições de vida
e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma igualdade material,
substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a diferença.
Noutras palavras, existem dois tipos de igualdade: a legal – àquela que está presente
em dispositivos jurídicos; e a material – àquela que se consubstancia na vida cotidiana,
garantindo que todos os sujeitos usufruam os mesmos direitos e oportunidades.
Entretanto, o direito a igualdade material, real, só se legitima quando o direito as
diferenças são respeitadas. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de neutralidade
do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que a mera introdução de
dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de uma sociedade harmônica, onde
independentemente da diversidade, seria assegurado a todos a efetiva igualdade de acesso
aos bens produzidos pela humanidade, mas a discriminação se dá exatamente quando
indivíduos são tratados iguais em situações diferentes, e quando diferentes, em situações
iguais.
Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias coletividades,
as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e culturalmente, como as
mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os deficientes, etc., que lutam pelo direito
às diferenças como pressuposto ao direito à igualdade, ou seja, uma discriminação positiva.

Universalismo e Relativismo
Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido como um
fenômeno do pós-guerra - de 1945 em diante - houve a necessidade premente de se
formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais, um rol mínimo de direitos,
individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações Internacionais se comprometem a
respeitar, manter e promover.
O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da pessoa
humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico adotado por
cada Estado.

Fonte:www.pulpitocristao.com

35
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos humanos,
o qual, num contexto global é exercido pela ONU, e, nas perspectivas regionais, pelas
organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu, africano, asiático e
interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações aos direitos humanos da
era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas existissem.
Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos como tema
de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de soberania estatal, a
qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada. Assim, a proteção dos direitos
humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno de cada Estado, visto que a violação
dos direitos humanos não é um problema doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a
comunidade internacional.
A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica relativista, os
seguintes:

a) No que pertine ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões


antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos nas
declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas as nuanças da
vida em sociedade.

Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar traços


comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da dignidade da pessoa
humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, afirma-se a idéia de um
núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda em nível global.

b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como expressão
imperialista, os universalistas reagem à postura relativista afirmando que vários Estados
promovem graves e generalizadas violações aos direitos humanos, sob a justificativa da
manutenção da identidade cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria
impregnado de conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia
para oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, e, ao
mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional na seara dos
direitos humanos.

Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta de
representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países ocidentais. Assim, em
1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. Neste acordo internacional
houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a universalidade como característica intrínseca
aos direitos humanos. Para tanto o fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados,
os quais de forma livre e consensual acordaram que, resguardadas as particularidades

36
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

culturais, os direitos humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal,


conforme dispõe o seguinte dispositivo:
“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis
interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional
deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa,
em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora
particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em
consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural e
religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus
sistemas políticos, econômicos e culturais. ”

Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a perspectiva


ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que se efetivou a tese
da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, em uma arena política mais
numerosa e representativa das diversas perspectivas regionais e culturais, os quais
repercutiram, inclusive, na modificação de algumas tradições ocidentais.

c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na perspectiva


individual, os universalistas explicam que, em face da fragilidade do indivíduo frente ao
Estado, ao capital privado e, até mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol
mínimo de direitos que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos
negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de opressão e
desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de impedimentos normativos para
assunção de deveres, isto é, os direitos consagrados nas declarações de direitos
humanos podem ser implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração,
direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma aproximação
entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco.
d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos humanos, os
universalistas reconhecem a existência desse tipo de prática instrumentalização-
interesse, entretanto acentuam que tal assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da
seara humanista. Em outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema
do Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação de forças
não é isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a seletividade das normas
internacionais de acordo com a influência política.

Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos,
mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos atores principais,
Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e aplicadores da norma
internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins”.
Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva universalista dos
direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos econômico-financeiros não
deve servir de mote a permitir uma postergação ad infinitum do gozo destes direitos. Ademais
é preciso lembrar que os direitos previstos nas declarações de direitos humanos são

37
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

denominados de mínimo ético irredutível ou mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo
de direitos e garantias que devem ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida
digna.
Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, prima
facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em muitos casos,
também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas diversas Constituições
estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a existência de riquezas fomenta a
implementação dos Direitos Humanos, em especial, os econômicos, sociais e culturais. A
realidade dos Estados é demarcada por grandes desigualdades econômicas internas, as
quais alijam a grande população do acesso a tais direitos, mantendo o status quo de seletas
elites locais.

QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E


RELIGIÃO

Fonte: www.radiocidadecaratinga.com.br

Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam, de forma
semipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se
tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos a partir da
desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o preconceito em ação, ou
seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são alvos de transgressão, percebemos
a violência e a intolerância, subjacentes às práticas discriminatórias, em relação aos/às
supostos/as 'transgressores/as'. Para a manutenção das desigualdades sociais é fundamental
que tais fronteiras sejam respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento
psíquico. Afinal, sentir-se inferiorizado/a ou desqualificado/a por defeitos pressupostos não é,
certamente, uma experiência agradável.
Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão
intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, portanto,
necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de forma transversal, é
fundamental manter uma perspectiva não essencialista em relação às diferenças. A adoção
dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez que o processo de naturalização das
diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e

38
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

XX, vinculou-se à restrição do acesso à cidadania a negros, indígenas, mulheres e


homossexuais.
Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas para a
não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas possuíam um
cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este imperativo de encontrar no
corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se
pela preponderância formal dos princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do
princípio da igualdade. Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais modernas,
apenas desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o não acesso pleno à
cidadania.
Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou sexistas e
racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais interessantes diz respeito
ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do discurso racista afetou não apenas
as mulheres judias ou ciganas, consideradas racialmente inferiores. Como se tratava de
“proteger” a chamada raça ariana, considerada superior às demais, passou a ser atribuído às
mulheres “arianas” o ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam
ficar fora do espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar
filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui como a adoção do racismo como política de Estado
acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale lembrar que, ainda
na Alemanha nazista, o racismo anti-semita articulou-se também à discriminação de
homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça ariana, acabaram igualmente
sendo enviados a campos de concentração.
Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de sinergia
entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo talvez banal: se um
adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de homossexualidade, logo aparece alguém o
chamando de “mulherzinha” ou “mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser
chamado de mulher pode ser ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser
visto o modo como a misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em
relação às mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes,
daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo.
O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os sexos talvez
só possa ser realmente avaliado por aqueles/as que foram submetidos/as a tais processos de
estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o discurso racista utiliza
características atribuídas às mulheres para inferiorizar negros/as, indígenas ou outros grupos
considerados inferiores:
“São mais impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais
impulsivos” etc. e, como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo ser
tutelados, ou seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus direitos
políticos.
Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faz todo o sentido,
portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como cidadão, o sujeito
político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno dele constrói-se todo um
universo de diferenças desvalorizadas, de subcidadãos e subcidadãs.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante para com
a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as sociedades fazem
parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se renova, só resiste às forças que
podem destruí-la através da produção contínua e incansável de diferenças, de infinitas
variações. As sociedades também estão em fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas
ideias, novos estilos, novas identidades, novos valores e novas práticas sociais.
Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de
organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e pensavam de
forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a situação da mulher no
Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes de muitas famílias da nossa
oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele que desposaria sua filha. Uma série
de fatores influía na decisão dos pais e mães: desde alianças antigas entre as famílias,
obrigações recíprocas, promessas feitas, às vezes, antes do nascimento dos filhos e filhas,
até mesmo questões como o dote e os interesses econômicos, contando muito pouco o desejo
dos filhos e das filhas. Hoje as coisas são bem diferentes e, embora uma série de elementos
de diversas ordens interfira na escolha do/a parceiro/a, o desejo individual é representado
pela coletividade como decisivo.
A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também
no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, encontraremos costumes que
nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou aberrantes. Do mesmo modo que os povos
falam diferentes línguas, eles expressam das formas mais variadas os seus valores culturais.
O nascimento de uma criança será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo,
na Guiné- Bissau ou no norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento –
diferentes culturas atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas
manifestações.

ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO


Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e
comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A
situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas
públicas específicas. E você? Como pode contribuir para a mudança?

Fonte: megaarquivo.files.wordpress.com

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades. Em


diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante do contato
com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas as sociedades
humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a avaliação de formas de
vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A este estranhamento chamamos
etnocentrismo.
Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como
vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas corporais
ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos os
correspondentes às nossas roupas, e criou-se a idéia de que o “índio” andaria pelado,
avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda ecológica, o que no
passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a nudez de “índios e índias” os
colocaria de forma mais salutar em maior contato com a natureza. Nada mais equivocado do
que falar do “índio” de forma indiscriminada: o etnocentrismo não permite ver, por um lado,
que o “índio” não existe como algo genérico, mas nas manifestações específicas de cada
cultura – Bororo, Nhambiquara,
Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem
está mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os Zoé,
índios Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais; os homens,
estojos penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais jamais apareceriam em
público. São elementos que os diferenciam definitivamente dos animais e que marcam a sua
vida em sociedade, da mesma forma que o uso de roupas na nossa cultura.
Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens, furem suas
orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo de barbárie e o uso
de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há pouco tempo, homens que
usassem brincos eram tidos como homossexuais ou afeminados. O uso de botoques labiais
por diversos grupos indígenas do Brasil não foi, porém, incorporado da mesma forma. Os
brincos que as indianas usam no nariz eram vistos com estranheza, pois o nariz não era
considerado o lugar “certo” para colocar brincos, segundo o padrão de beleza ocidental
predominante no país, até chegarem os piercings, cada vez mais adotados pelos jovens.
O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo”
ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as formas de ver o
mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade.
Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de estereótipo, que
consiste na generalização e atribuição de valor (na maioria das vezes negativo) a algumas
características de um grupo, reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de
poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação
a um determinado grupo, impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de incapaz no caso dos
estereótipos negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo
farinha do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”;
“serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos de cada
região do país.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um grupo, isto


é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo de naturalização
ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou
os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais.
Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às mulheres do
direito de voto baseava-se na ideia de que possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido
que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida como uma espécie de anomalia
da natureza. Nas democracias modernas, apenas desigualdades naturais podiam justificar o
não acesso pleno à cidadania.
No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes etnocêntricas e
biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, que determinariam,
geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma, pesquisas foram realizadas
para provar que o cérebro das mulheres funcionava de modo diferente do cérebro dos
homens. Esses temas serão aprofundados nos Módulos Relações de Gênero e Relações
Étnico-Raciais.
Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé e
outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras religiões
afrobrasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos praticantes de outros
credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma específica para que homens e
mulheres entrem em contato com o divino, com os deuses – neste caso, os orixás - cada qual
com a sua preferência, no que diz respeito ao sacrifício. Outras religiões pregam formas
diversas de contato com o divino e condenam as práticas do candomblé como “erradas” e
“bárbaras”, ou como “feitiçaria”, a partir de seus próprios preceitos religiosos. O preconceito
de alguns seguimentos religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com pedras e paus,
terreiros e roças.
O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi
durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico ou
médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte dos/as
brasileiros/as se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado por múltiplas
crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes práticas religiosas: somos
um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa e de crença, e as instituições
devem promover o respeito entre os praticantes de diferentes religiões, além de preservar o
direito não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante comum encontrarmos
crianças e adolescentes que exibem com orgulho para seus/suas educadores/as os símbolos
de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são
pejorativamente chamadas de “macumbeiras”, sendo discriminadas por suas identidades
religiosas.
O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao definir a
priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se aproxima também
do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré) do conhecimento
(conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela pessoa ou grupo. Um outro
significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo, preconceito seria um “prejuízo” para
quem o sofre, mas também para quem o exerce, pois não entra em contato com o outro e/ou
a outra.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Fonte: www.empoderadasnagestao.wordpress.com

O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente


arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem associadas a negros e negras,
grupo historicamente estigmatizado e excluído. Os cultos afro-brasileiros seriam contrários ao
“normal e natural” cristianismo europeu. Teremos um módulo dedicado ao estudo das
relações étnico raciais e ao estudo histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros
no Brasil, assim como tratará das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros.
Para efeito desse exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a
capoeira e o candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso
mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de
processos extremamente complexos.
O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser
caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda
enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há quem
considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como consequência, seu
conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma “prática atrasada”. Em ambos
os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado em pé de igualdade com outras
práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a umbanda são religiões extremamente
complexas, são práticos rituais sofisticados e fazem parte de um sistema mítico que – da
mesma forma que a Bíblia – explica a origem da humanidade, suas relações com o mundo
natural e com o mundo sobrenatural. Os grupos que compõem as religiões afro-brasileiras
possuem o conhecimento de um código – que se expressa por intermédio da religião –
desconhecido por outros setores da população. Enquanto códigos e expressões culturais de
determinados grupos, as diferentes religiões afro-brasileiras devem ser olhadas com respeito.
Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem um
profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte daqueles que se
aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm poder. Seguindo essa
lógica, as práticas homossexuais e homo afetivas, são condenadas, vistas como transtorno,
perturbação ou desvio à “normal e natural” heterossexualidade. Aqueles e aquelas que
manifestavam desejos diferentes dos comportamentos heterossexuais, além de condenados
por várias religiões, foram enquadrados/as no campo patológico e estudados/as pela medicina
43
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

psiquiátrica que buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição de outros
campos do conhecimento para romper com a ideia de “homossexualismo” como doença e
construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a sexualidade
como constitutiva da identidade de todas as pessoas.
O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo
fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado pela
religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta pela
psicologia, as prá- ticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para a superação
do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo social ainda fortemente
estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos sociais tem provocado mudanças
no imaginário e agregado conhecimentos sobre a homossexualidade, de maneira a tirá-la da
“clandestinidade”. Há pouco mais de uma década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”,
atualmente denominada Parada LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes
cidades brasileiras. Cada vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de
diferentes formas. A atual luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos
movimentos homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais.

Fonte: pedrovallsfeurosa.com.br

No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT, se


enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de discriminação por
orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a escola, por não suportarem
o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças cotidianas dentro e fora dos muros
escolares. Esses mesmos movimentos têm apontado a urgência de inclusão, no currículo
escolar, da diversidade de orientação sexual, como forma de superação de preconceitos e
enfrentamento da homofobia.
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua combinação
direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se o
estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a discriminação está no campo da
ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar oportunidades, de negar
acesso, de negar humanidade. Nessa perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são
consideradas atitudes, também se constituem em discriminação.
O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é ausente
ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma imagem de

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro. É o caso dos livros
em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por exemplo, a organização e
limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas atividades masculinas, como
enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo demarcados, com uma linha nada
imaginária, os lugares dos homens e os lugares das mulheres. E os homens e as mulheres
que fugirem desse roteiro pré-definido terão seus valores humanos ameaçados ou violados.
O grupo social, respaldado por um conjunto de ideias machistas, exercerá seu controle e
fortalecerá os mecanismos de exclusão e negação de oportunidades iguais.
É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às mulheres,
por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos homens, sua
entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes antes considerados
“masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em determinadas profissões liberais se
deram em meio a um processo de transformação pautado, entre outros fatores, pelas
demandas dos movimentos feministas, muito vigorosos em todos os países ocidentais, nas
últimas décadas. Esse processo veio acompanhado de uma profunda discussão sobre a
construção das feminilidades e masculinidades nos diferentes processos de educação e pela
organização política das mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela
construção da igualdade.
A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas específicas
e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais masculinos e femininos,
às populações negra e indígena tiveram a intenção não apenas de explicitar que as práticas
preconceituosas e discriminatórias – misoginia, homofobia e racismo – existem no interior da
nossa sociedade, mas também que essas mesmas práticas vêm sofrendo profundas
transformações em função da atuação dos próprios movimentos sociais, feministas, LGBT,
negros e indígenas. Tais movimentos têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de
formas combinadas e sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega direitos
e considera inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros, indígenas. A
desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que, em vez de colocar
cada seguimento numa caixinha isolada, convoca as diferentes ciências, disciplinas e saberes
para compreender a correlação entre essas formas de discriminação e construir formas
igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de promover a igualdade.
Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituição parte da
sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas produzidos por
essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos modos de pensar e de se
relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os influencia, contribuindo para suas
transformações. Ao identificarmos o cenário de discriminações e preconceitos, vemos no
espaço da escola as possibilidades de particular contribuição para alteração desse processo.
A escola, por seus propósitos, pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades
(de origem, de gênero, sexual, étnico-racial, cultural etc.), torna-se responsável – juntamente
com estudantes, familiares, comunidade, organizações governamentais e não
governamentais – por construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas
discriminatórias. Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas
daqueles/as que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade
e do Estado.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação
cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, que a escola tem
uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa ser revista. O ideal de
homogeneização levava a crer que os/as estudantes negros/as, indígenas, transexuais,
lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas e à normalidade. Com a
repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos comportamentos “anormais” (ser
canhoto, por exemplo) se levariam os “desviantes” à integração ao grupo, passando da
minimização à eliminação das diferenças (defeitos). E o que seria normal? Ser homem-
macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase branco? Ser gay sem gestos “afetados”?
Espera-se que o discriminado se esforce e adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja
tratado como “igual”. Nessa visão, “se o aluno for eliminando suas singularidades
indesejáveis, será aceito em sua plenitude” (Castro, 2006, p 217).
Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de educadores e
educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de discriminações dentro e fora da
escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. Falar do tema seria acordar preconceitos
antes adormecidos, podendo provocar um efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos,
aumentá-los. E, nos silêncios, no “currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo
desigualdades. Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação das
diversidades (nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc) o que
resta aos alunos e alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as
ou conformar-se com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e
configurar entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola.
A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado, nas
diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a.
É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. É da
relação entre educadores/as, entre estes/as e os/as educandos/as e entre os educandos/as
que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à diversidade. “A diversidade,
devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de alta potencialidade pedagógica e
libertadora. A sua valorização é indispensável para o desenvolvimento e a inclusão de todos
os indivíduos.
Políticas sócio educacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a
permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento
das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnico raciais], contribuem para
a melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador que ultrapassa
os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (Texto-base da Conferência
Nacional de LGBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a
cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, p. 19, 2008) É no ambiente
escolar que os/as estudantes podem construir suas identidades individuais e de grupo, podem
exercitar o direito e o respeito à diferença.
Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura ao novo,
para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da identidade, levando
em conta os valores culturais” dos/as estudantes e seus familiares, favorecendo que
estudantes e educadores/as respeitem os valores positivos que emergem do confronto dessas
diferenças, possibilitando, ainda, desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

marca a visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnico-racial, suas
crenças religiosas, suas práticas culturais, seu modo de viver a sexualidade. Trata-se,
portanto, de tarefa transdisciplinar, pela qual todos os educadores e educadoras são
responsáveis. Cada área do conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de
discriminação sejam desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando
estatísticas, seja numa leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos
discriminados ou que abordem o tema. Seja, ainda, na análise das ciências biológicas e
naturalização das desigualdades.
Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das desigualdades
e valorização da diversidade vá além, seja capaz de promover diálogos, a convivência e o
engajamento na promoção da igualdade. Não se trata, simplesmente, de desenvolver
metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco com “os diversos”. É, antes de tudo,
rever as relações que se dão no ambiente escolar na perspectiva do respeito à diversidade e
de construção da igualdade, contribuindo para a superação das assimetrias nas relações
entre homens e mulheres, entre negros/as e brancos/as, entre brancos/as e indígenas entre
homossexuais e heterossexuais e para a qualidade da educação para todos e todas.
É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos todos
diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar a nossa
curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente com os
professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do Brasil em um
país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade.

EDUCAÇÃO MULTICULTURAL

Fonte: www.pt.dreamstime.com

O debate acerca da educação multicultural tem proliferado ao longo das últimas


décadas. Políticos, professores, educólogos, pais; enfim, os cidadãos em geral, têm omitido
diversas opiniões, mais ou menos fundamentadas, acerca das reformas educativas que

47
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

deveriam ser implementadas no sistema educativo. Este fenómeno ocorreu em praticamente


todos os países do denominado mundo ocidental, obrigando a diversas alterações nas
práticas educativas.
A diversidade cultural existente no nosso país é cada vez maior; contudo, as medidas
tomadas no sentido de alargar o nosso sistema educativo às minorias existentes, não têm
sortido o efeito esperado. Embora seja unânime a convicção da necessidade de uma resposta
educativa adequada e equilibrada, que tenha em consideração o crescimento de uma
sociedade cultural e etnicamente pluralista no nosso país e tendo em consideração que os
debates, congressos e encontros sobre este tema são cada vez mais frequentes; no
quotidiano educativo, a referência dominante continua a da maioria.
O desafio que se nos coloca é consideravelmente complexo. O debate teórico acerca
da definição mais correta, relativa à educação destinada a todos sem exceção, ser
multicultural, intercultural ou pluricultural; demonstra, em parte, a dimensão do problema. Na
comunidade, outros problemas se adensam, nomeadamente o racismo e a xenofobia, assim
como as dificuldades inerentes ao elevado insucesso das populações imigrantes e das
minorias éticas.
A nível europeu, o problema do racismo e da xenofobia tem aumentado
consideravelmente, quer relativamente ao número de incidentes, quer em relação à gravidade
destes. É espantoso e assustador ver jovens de 12 ou 13 anos manifestarem-se contra
determinadas pessoas utilizando argumentos como a sua proveniência, cor ou religião; mas
é-o ainda mais, quando esses mesmos jovens cometem atos de vandalismo justificados por
esses ideais. No nosso país, felizmente, ainda não se atingiu semelhante dimensão; contudo,
os atos de vandalismo têm aumentado consideravelmente nas grandes cidades.
É evidente que o nosso sistema educativo não consegue dar resposta a estas
questões. Os manuais têm sido progressivamente alterados e atualmente já possuem alguns
exemplos de outras realidades que não a nossa; contudo, estas iniciativas são
manifestamente insuficientes.
É necessário fornecer oportunidades aos jovens que residem no nosso país, de forma
contínua e individualizada; é necessário adaptar o ensino dos objetivos de cada grau de
ensino às diversas realidades presentes em Portugal. Enquanto estas questões
permanecerem no domínio dos debates teóricos, não será possível um verdadeiro avanço.
Acima de tudo é necessário ter em conta que Educação engloba muito mais que
ensino, não se restringindo por isso às salas de aula, aos manuais escolares e à dialética
professor-aluno. Educação diz respeito a todos os cidadãos, à forma como nos relacionamos
quotidianamente com as pessoas que conosco convivem. Afinal, independentemente do país
de origem, da cor ou da religião é de pessoas que estamos a falar, de seres humanos com
necessidades e desejos, com expectativas de uma vida melhor, que também cabe ao nosso
país ajudar a concretizar.
Se refletirmos ponderadamente, será fácil apercebermo-nos que num país tão
pequeno como o nosso, os habitantes das diversas regiões possuem costumes diferentes,
pronunciam algumas palavras de forma diferente, acreditam em coisas diferentes. Se
convivemos todos em harmonia há tantos anos, qual é a justificação para não aceitarmos
outras pessoas, quando a base desse argumento é a diferença, que afinal tanto nos une?

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE

Fonte: www.focussocial.eu

O cenário dos espaços escolares tem sofrido grandes alterações desde os fins do
século XVIII, quando começaram a surgir, por toda a Europa, pequenas escolas para retirar
da rua crianças filhas das classes trabalhadoras que eram obrigadas a abandonar os filhos
enquanto trabalhavam. A escola, que tinha sido criada apenas para elites, foi, lentamente,
alargando a sua base de recrutamento a clientelas sociais diversas que a foram transformando
numa escola de massas e de contato entre grupos de diferentes culturas.
Sofrendo o efeito da progressiva multiculturalidade da sociedade, a escola passou a
confrontar-se com uma realidade desajustada dos currículos etnocêntricos e monoculturais
que a caracterizavam. Esse desajuste, aliado aos ideais democráticos que passaram a
orientar muitas das políticas educativas, foi instituindo o discurso de “uma escola para todos”
e reclamando a necessidade de se repensar o currículo nas condições de sucesso que
oferece aos diferentes alunos que passaram a frequentá-la.
De fato, muitos dos debates do passado — que olhavam a educação face à diferença,
centrando-a nas questões individuais e, algumas vezes, analisando a apenas numa
perspectiva meramente psicológica — passaram a dar lugar a outros que sustentam a
importância do grupo e do contexto cultural. Quero, com isso, dizer que, atualmente, têm sido
admitidas como explicações para os acontecimentos educativos posições que, em vez de se
centrarem exclusivamente nos sujeitos e nos seus “dotes” individuais, têm em conta os
contextos em que ocorrem esses acontecimentos, as representações que deles fazem os
diferentes atores sociais e a complexidade que atravessa qualquer situação de formação.
Mesmo sem recuarmos muito no tempo, e se nos centrarmos nestas últimas décadas,
notamos, na verdade, bastantes diferenças no tipo de preocupações (e, portanto, também no
tipo de discursos) que atravessam a educação escolar quando pretende refletir sobre o tipo
de respostas que oferece aos seus clientes. Enquanto, nos anos 1980, a ênfase era colocada
na igualdade de oportunidades individuais e na justificação da necessidade de uma reforma
49
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

que se constituísse como um meio de combate ao insucesso escolar e de melhoria dos índices
de desempenho dos alunos, nos anos 1990, reconhece-se a responsabilidade que tem, nesse
sucesso ou insucesso, a organização do sistema escolar, e começa a ser expresso o
imperativo de uma política da diferença para proporcionar quer uma real igualdade de
oportunidade a todos os grupos, quer um enriquecimento pessoal e social que possa advir
das interações entre esses diversos grupos. Mas qual a origem dessa atenção à
multiculturalidade?

Origem da Atenção à Multiculturalidade

Fonte: www.dm.com.br

A origem da atenção da educação escolar ao multiculturalismo tem as suas raízes nos


ideais de democracia instalados entre nós nos anos 1970. No fato de ser visível, numa escola
que passou a ser de massas, a presença de alunos que não correspondem ao perfil do “cliente
ideal” (H. Becker, 1977). Ou seja, daquela criança ou daquele jovem que facilmente
compreende ou aceita o ensino-padrão que caracteriza a escola tradicional e que responde
de acordo com as regras valorizadas por esses modelos-padrão.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada em 1948), que, entre nós,
ganhou nova força com a Lei de Bases do Sistema Educativo (aprovada em 1986). No direito
à diferença hoje instituído nos discursos políticos que rejeitam as teses monoculturalistas, as
quais, pressupondo um modelo cultural único, o impõem a todos como forma de ascensão e
de reconhecimento social.
Na ideia do empobrecimento cultural que resulta da desculturação da cultura de
origem, que obriga todos aqueles que estão mais afastados da culturapadrão a “passarem
uma esponja” sobre as suas raízes e experiências de vida. Esses acontecimentos e essas
ideias foram ocorrendo a par de uma evolução das explicações para o sucesso ou insucesso

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

escolar dos alunos. Depois de ultrapassada a explicação baseada no Q.I. dos alunos,
justificou-se o nível diferenciado dos seus desempenhos escolares pelo handicap
sociocultural de que eram portadores, pelas técnicas de ensino utilizadas pelos professores
e, mais recentemente, pelo tipo de organização do sistema escolar, pela capacidade, ou
incapacidade, de se levar a cabo uma diferenciação pedagógica que promova uma educação
em que tenham lugar as diversas culturas.
É evidente que essas diferentes explicações corresponderam, também, e
correspondem a diferentes concepções curriculares e a diferentes papéis atribuídos aos
professores. Da concepção meramente técnica do currículo, que o olha como algo de neutro
— e na qual as atenções são apenas com o como, e não com o porquê, e em que aos
professores cabe o papel de apenas executarem o que é prescrito —, tem-se vindo a caminhar
para uma concepção que considera que o currículo não é neutro na seleção dos
conhecimentos afirmados como mais importantes nem é neutro na forma como organiza a
transmissão desses conhecimentos nem nos processos que adota para a sua estruturação.
Dito de outro modo, aceita-se que o currículo é atravessado por relações de poder e
“transmite visões sociais particulares e interessadas” (Moreira e Silva, 1995: 7), pelo que
distribui desiguais oportunidades de sucesso aos diferentes grupos socioculturais. Por isso,
tem-se vindo a afirmar que cabe às escolas e aos professores adequarem esse currículo —
que é prescrito em nível nacional — às realidades locais, assumindo, portanto, os professores
um papel ativo na configuração curricular.

A Educação Intercultural na renovação de um currículo que concretize o Princípio da


“Escola para Todos”
Uma das ideias que até agora atravessaram a reflexão que tenho vindo a convidar
aqueles que me estão a ler a fazerem comigo é a de que uma “escola para todos”, em que
“todos são diferentes”, exige de cada professora e professor a capacidade e a flexibilidade
para inovar na linha de um paradigma que proporcione o êxito e a mudança, sem
despersonalizar e aculturar.
As argumentações que têm sido feitas, do ponto de vista social e educativo, apontam
para o caráter injusto e empobrecedor que os princípios que orientam a assimilação ou
homogeneização cultural transportam. Na realidade, e como já atrás foi indiciado, a
valorização de uma cultura única e as práticas de homogeneidade social penalizam
determinados grupos e, ao ignorarem a riqueza proveniente da diversidade, impedem
desenvolvimentos societais que se afastem dessa cultura considerada padrão. Daí as críticas
a uma educação monocultural.
Decorrente dessas críticas feitas às práticas monoculturalistas e assimilacionistas que,
perante a diferença, optam por uma atitude subtrativa — ignorando essa diferença — ou por
uma atitude aditiva — preenchendo os aspectos considerados em déficit relativamente à
cultura hegemônica —, outras correntes têm surgido apoiadas em ideias do reconhecimento
da existência de culturas diversas do direito à diferença e do enriquecimento que pode advir
da interação entre essas características diversas.
É perante esse multiculturalismo que se caracterizam as sociedades em geral, e a
portuguesa em particular, os ideais democráticos de uma “escola para todos” e os novos

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

papéis atribuídos aos professores no currículo e nos processos do seu desenvolvimento,


surgindo discursos, projetos e enquadramentos legais que procuram adaptar a escola às
mudanças ocorridas, formando-se a educação intercultural.

A Educação nas Respostas ao Multiculturalismo

Fonte: bookbuilder.cast.org

As respostas educativas que têm sido dadas ao multiculturalismo têm variado ao longo
dos anos, de país para país, de escola para escola e, mesmo, de professor para professor,
influenciadas por concepções ideológicas, teóricas e contextuais diversas. Na intenção de
suscitar alguma reflexão em torno de possíveis efeitos das respostas que se dão à
multiculturalidade e que, à partida, poderiam não ser desejados, explicito algumas dessas
respostas. Assim:
Adeptos de algumas correntes, perante o multiculturalismo, põem em prática uma
educação que se confina à aceitação passiva da diferença, nada fazendo no sentido de a
fazer interagir. É aquilo a que se pode chamar de educação multicultural benevolente ou
passiva, pois reconhece a diferença sem a querer conhecer.
Das críticas a essa educação multicultural, por não resolver os problemas
decorrentes da diferença e que se traduzem em fenômenos de racismo e atitudes xenófobas
da responsabilidade dos grupos das culturas majoritárias, há quem defenda uma educação
antirracista, que tem como objetivo principal combater os estereótipos, preconceitos e outras
atitudes geradoras de marginalização racial.
Perspectivas que consideram ser empobrecedor, para cada uma e para todas as
culturas, isolá-las, impedindo interações e confrontos entre diferentes histórias, vivências e
valores, apostam no enriquecimento mútuo proveniente de uma convivialidade refletida.
Apostam, portanto, no que se designa como uma educação intercultural.
Se pensarmos nas consequências de cada um desses tipos de atitude escolar, é
previsível que a aceitação passiva (e não interagida) da diferença acentue essa diferença e
provoque até a “guetização”. É o que se passa, também, quando olhamos paternal e
caritativamente os alunos que pertencem a grupos sociais e econômicos desfavorecidos, mas
não os desafiamos a desenvolverem o seu potencial cognitivo nem lhes proporcionamos
ocasiões de conhecerem a organização e as regras da cultura majoritária e de maior poder.
É com ela, também, que essas crianças terão de viver e conviver. Por isso, o

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

desconhecimento das suas lógicas e dos processos do seu funcionamento não mais faz do
que favorecer situações de exclusão. Há que se proporcionar a esses alunos um bilinguismo
cultural, que lhes permita conhecer e reconhecer as suas origens, mas, simultaneamente,
aceder ao usufruto dos direitos da cidadania conferidos pelo convívio com outras culturas.
Com o que acabei de dizer, não pretendi negar o direito à diferença. A intenção foi
realçar a possibilidade de cada um ter acesso a bens de outras culturas, sem ter de negar e
rejeitar a sua identidade e as especificidades que dela lhe advêm. É sabido que o
reconhecimento pela escola (e na escola) de diferentes manifestações e comportamentos
culturais tem repercussões ao nível das autoestimas dos elementos dos grupos minoritários,
gerando confiança e predisposição para a aquisição de outros saberes. É nisso que cada um
ou uma de nós, educador ou educadora, terá de acreditar se quiser vencer o fatalismo do
insucesso escolar e contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática.
Em síntese, uma educação intercultural não encara a diversidade dos alunos como um
problema e, perante ela, recorre a práticas que permitem a cada um deles conhecer melhor a
si e aos outros. Para isso, transporta para a escola os saberes do cotidiano e as
especificidades dos diversos grupos e trabalha-os não de forma esporádica e fragmentada,
mas contextualizados e vivenciados por processos interagidos.
Essa atitude educativa é, portanto, substancialmente diferente de um “currículo
turístico”, onde os temas da diversidade cultural, da situação diferenciada das mulheres e
outros aspectos das especificidades de certos grupos socioculturais e étnicos promovem um
olhar do “diferente” como algo de estranho e de exótico. Essa é apenas uma atitude de
contemplação que, ao procurar definir ou descrever as culturas em presença, numa atitude
comparativa, tem, muitas vezes, o efeito perverso de separar o “nós” dos “outros” e de só
realçar as diferenças, reforçando os estereótipos.
A Figura 2 ilustra o tipo de interação entre culturas característico da educação
intercultural e o que o distingue de uma educação monocultural e de uma multicultural.

Fonte: www.construirnoticias.com.br

O intercultural bem conduzido permite “identidade ao outro”, mas, sobretudo,


“conhecer o outro na sua diferença e complexidade” (Perotti, 1992: 61). Se aceitarmos,
portanto, essas ideias, a coexistência nas escolas e nas salas de aula de alunos portadores

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

de culturas diversas, em vez de constituir um obstáculo para o ensino, pode ser um fator de
enriquecimento, pela reciprocidade que essa situação acarreta e pelas oportunidades de
aquisição que oferece da “competência cultural” (Leite, C. 1997: 118).
De fato, quando acreditamos nas vantagens que decorrem dessas interações culturais,
desenvolvemos práticas que contemplam as especificidades diversas dos alunos, damos
lugar, na escola, aos saberes do cotidiano dos diversos grupos e trabalhamos esses saberes
não de forma esporádica e fragmentada, mas, sim, de uma forma contextualizada e vivenciada
por processos interagidos.
Como, também, noutro momento, disse C. Leite (1997: 315–316) e apoiandome em
M. Rey (1986: 24–37), podemos considerar que a concretização dessas ideias, ou seja, o
desenvolvimento de uma educação intercultural é facilitado se nos orientarmos pelas
seguintes ideias-base:
1- As culturas devem ser apreendidas no seu dinamismo através de processos interativos
que impliquem reconhecimentos mútuos e que desocultem relações de dominação.
2- A educação intercultural é um princípio subjacente a toda a atividade escolar, e não uma
nova disciplina; é o que Merino Fernández e Muñoz Sedano (1995: 155) consideram ser
“fundamentalmente uma educação de valores e de atitudes”.
3- Uma postura e opção interculturais pressupõem uma ação integrada que não se esgota
nos conteúdos e nas matérias selecionados para o ensino e a aprendizagem. Ao
contrário, atravessam todos os aspectos da organização e gestão curriculares como,
por exemplo, a elaboração de programas e dos horários escolares, a seleção dos
recursos materiais e humanos, o tipo de atividade extraescolar, etc.
4- A escola é o lugar privilegiado de co-educação e tem de ser o lugar de criação de
condições de comunicação real entre alunos de origens diversas, de forma a permitir
uma partilha de experiências e o desenvolvimento de atitudes de aceitação.
5- É importante a valorização das culturas maternas dos diversos grupos presentes na
escola, quer pelo poder de expressão da identidade pessoal e social, quer pela
significação que comporta enquanto reconhecimento do direito à diferença.
6- A arte, enquanto expressão artística e cultural, é uma forma privilegiada de comunicação
e reconhecimento das diversas culturas.
7- A implicação das famílias e outros elementos da comunidade é não só uma condição
importante de aprendizagem, como também um fator gerador de um maior
conhecimento e articulação entre eles.

No entanto, há quem acuse a educação escolar, quando tem em conta a diversidade


de acentuar a diferença ou alertar para ela. Concordo que se corre esse risco quando as
práticas educativas separam, como atrás sustentei, o “nós” dos “outros” e só realçam as
diferenças.
Mas o que estou aqui a propor é que práticas interculturais se “alimentem” de situações
concretas, do contato entre grupos ou indivíduos concretos e situados num momento histórico
e social determinado.
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Mas, a esse propósito, vale a pena também lembrar que não podemos olhar a
educação intercultural como uma panaceia para remediar as dificuldades educacionais
colocadas pelas crianças e pelos jovens das minorias e resolver todas as situações de
desigualdade, discriminação e exclusão econômica, social e cultural. Ela é apenas um
processo de aquisição de um biculturalismo, ou seja, um meio de adquirir competência em
duas culturas: a cultura de origem e a do grupo social majoritário e que detém o poder, pois
só assim se criam condições para que todos sejam capazes de vir a usufruir da totalidade dos
bens sociais.

Estratégias Pedagógicas e Perspectiva Intercultural

Fonte: ec. filos.unam.mx

Educar professores que estejam preparados para as necessidades de uma sala de


aula multicultural é, sem dúvida, um dos maiores desafios que encontramos em cursos de
formação de professores hoje em dia. Além disso, estes professores têm que estar preparados
para ensinar grupos de estudantes cada vez mais diversos em todos os sentidos, desde língua
e cultura até raça, etnia, gênero, idades, preferência sexual, religião, classe social e poder
econômico. Muitos professores trabalham com alunos imigrantes de diversas partes do Rio
de Janeiro, com línguas e culturas que muitas vezes necessitam ser negociadas na sala de
aula. Além disso, por multiculturalismo nos textos utilizados em sala de aula, entende-se
também uma literatura que abrange não só diferentes culturas, mas diferentes temas e
diversos grupos de alunos, como por exemplo, necessidades especiais e inclusão, gênero e
sexualidade, preferência sexual, diferentes religiões e credos, diversas características físicas
e cargas emocionais, diversas idades, diferentes grupos étnicos e classes sociais.
Através da literatura, leitores podem ganhar um entendimento de questões e códigos
que estruturam a vida social. Livros direcionados às crianças e aos adolescentes, em
particular, têm o potencial de promover entendimento intercultural quando seu foco é em torno
de questões que afetam esta população e que tratam de temas e mensagens universais.
Muitos professores utilizam textos curtos na sala de aula (como narrativas, crônicas,
ensaios) como uma forma de introduzir conteúdo, promover discussão e complementar os
temas apresentados nos livros que os estudantes leem. Aspectos da literatura infanto-juvenil,
55
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

como a economia no uso e na escolha lexical, o uso de uma linguagem conversacional, tramas
que despertam o interesse e cativa a atenção e que se desenvolvem rapidamente, ilustrações
ou gravuras que ajudam a compreensão, fazendo da literatura um recurso viável para ser
utilizado no tempo previsto para um período escolar.
O uso da literatura multicultural também propicia uma reflexão sobre as atitudes e
crenças com relação à diversidade. Valores culturais são formados a partir de uma tradição
histórica e representam aspectos da formação de um povo, elementos presentes na vida de
uma população e que compõem e caracterizam uma sociedade. Valores culturais não são
necessariamente permanentes e podem sofrer adaptações com mudanças em fatores
históricos, evolução social e econômica, contato com outros grupos e culturas, como, por
exemplo, com a vinda de imigrantes, que trazem consigo novos valores e elementos culturais,
passando a destruir processos discriminatórios. Entretanto, partiremos da ideia de que
nenhuma forma de discriminação ocorre no vácuo. Ao contrário, elas sempre se entrelaçam
a outras formas de discriminação, bem como à maneira pela qual uma sociedade se organiza.
A discriminação, nessa visão, apresenta-se sob as mais variadas formas, desde a intolerância
manifestada em seu mais alto grau através de atos de violência, até as práticas mais sutis, de
forma moral e social, que podem se dar através das brincadeiras ou do isolamento do
indivíduo na sociedade.
A marginalização é uma das maneiras de excluir os indivíduos ou os grandes
contingentes populacionais do processo de tomada de decisões a respeito de sua própria vida
e da vida do país. A participação dessa maneira é dificultada por uma série de obstáculos
culturais, matérias e políticos. Pensamos que uma educação multicultural é capaz de
desenvolver sensibilidade para a pluralidade de valores e culturas. Para tanto, é necessário
resgatar valores culturais antes segregados, a fim de reduzir, ou quem sabe extinguir, os
preconceitos. Este é um desafio não só de quem sofre algum tipo de preconceito, mas sim de
todo aquele que se indigna com atitudes de exclusão, seja ela étnica, cultural, racial, religiosa,
social ou sexual.
Porém, infelizmente, a escola ainda está um pouco distante de desempenhar o seu
papel como uma organização multicultural, visto que muitas vezes é nela que encontramos
situações que reforçam o preconceito e a não valorização do outro como ele é. Pensar que
além de aprender sobre metodologia e desenvolvimento cognitivo, físico e emocional de seus
estudantes, professores em formação necessitam desenvolver também um entendimento e
uma apreciação por diversidade na sala de aula.
O uso da literatura, principalmente literatura multicultural, pode ajudar nesta tarefa
apresentando diversos temas e conteúdo de uma forma que agrade aos estudantes e que
também os motive a levar em consideração e a questionar diferentes valores, novas
perspectivas e diversas formas de compreender o mundo e de relacionar com as situações
que a vida apresenta.
A escola é uma instituição cultural e tem como função social transmitir cultura e
transmitir às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a
humanidade.
Os autores afirmam que um dos problemas que têm ainda afligido a educação é sua
visão homogeneizadora da cultura escolar, o que a torna, na verdade, um espaço de conflitos,
haja visto que os alunos que não se adaptam à realidade que encontram, desestabilizam sua
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

lógica e instalam outra realidade sociocultural. É dessa forma, então, que a escola é chamada
a desempenhar outro papel. “A escola, nesse contexto, mais que transmissora da cultura, da
“verdadeira cultura”, passa a ser concebida como um espaço de cruzamento, conflitos e
diálogo entre diferentes culturas” (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 160).
Segundo Moreira e Candau (2003), muitos dos relatos sobre situações de
discriminação mostraram, também, que a escola é palco de manifestações de preconceitos e
discriminações de diversos tipos. Contudo, a escola tende a não reconhecer tais conflitos,
reforçando, dessa forma, o preconceito. Numa perspectiva mais crítica do multiculturalismo,
a escola deveria desafiar o preconceito através de práticas pedagógicas mais comprometidas
com a pluralidade de culturas existentes na escola. Logo, trabalhar a identidade negra é
emblemático da luta das identidades multiculturais, visto que muitas vezes o preconceito racial
é reforçado no ambiente escolar.
Ao relacionar o multiculturalismo com a educação, é possível identificar seu caráter
questionador em relação aos conhecimentos produzidos e transmitidos pelas instituições
escolares, evidenciando etnocentrismos e estereótipos criados pelos grupos sociais
dominantes, silenciadores de outras visões de mundo. Assim, uma educação sustentada por
essa perspectiva pressupõe um processo dinâmico e permanente de relação, diálogo e
aprendizagem entre culturas em condições de respeito e legitimidade mútua.
A escola é um espaço onde há reprodução e também produção de novos saberes. Na
escola há uma predominância da cultura dominante, mas também convivem as manifestações
das culturas dominadas, num espaço de conflito e de emancipação.
Percebe-se que a questão multicultural na educação é um grande desafio para as
próximas décadas, visto que esta questão acolhe significações que admitem objetivos
diversos, fundamentos ideológicos específicos, cujos limites nem sempre são claros e
transparentes, não podendo também dissociar a questão das condições sociais e econômicas
concretas de cada sociedade.
Portanto, trabalhar democraticamente para uma educação multicultural voltada para a
diversidade, em vez da proposta segregacionista ou endereçada aos alunos diferenciados
culturalmente, como nas formas assimilacionista e compensatória. Para isso necessitamos
de:
a) Possibilitar um contexto democrático de decisões sobre os conteúdos do ensino, no qual
o interesse de todos seja representado;
b) Modificar a forma de entender, praticar e de atuar com a cultura dominante no ensino,
integrando outras culturas não dominantes neste processo;
c) Realizar uma análise crítica, investigando como cada escola internamente, no seu
projeto, em suas práticas de ensinar, pode atender à diversidade.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA

Fonte: www.ibradd.org.br

É no período pós-guerra que surge o Direito Internacional dos Direitos Humanos como
uma tentativa de situar os direitos fundamentais na base da ordem internacional
contemporânea. Para que esse objetivo fosse alcançado, seria necessária uma
universalização e internacionalização desses direitos, ou seja, a questão dos Direitos
Humanos deveria ir além das fronteiras dos Estados Nacionais.
Esse processo de internacionalização acabou gerando o surgimento de um sistema
normativo internacional, voltado para a proteção e amparo dos direitos fundamentais. O
sistema internacional de proteção dos direitos humanos dialoga com os sistemas nacionais
para a garantia e o respeito aos direitos e às liberdades fundamentais dos indivíduos. Todavia,
se o Estado se torna negligente frente ao compromisso de promoção dos Direitos Humanos,
o sistema internacional possui legitimidade para cobrar desses Estados.
Essa legitimidade tem lugar, sobretudo, quando se estabelece uma efetiva relação do
Estado Nacional com a ordem internacional, no sentido de garantia dos direitos fundamentais.
De outra maneira: quando o Estado aceita o aparato internacional. Nessa perspectiva, a
intervenção internacional é uma medida que reflete apenas em um auxílio ou em um
complemento à proteção interna desses direitos. O processo de internacionalização dos
direitos humanos desencadeia a democratização do cenário internacional, uma vez que surge
a sociedade civil internacional, composta por organizações não governamentais e por
indivíduos, que passam a poder acionar órgãos internacionais em casos de violação dos
direitos humanos.
Por essas razões, a dimensão da cidadania no exercício de garantia dos direitos
humanos, sobretudo no plano internacional, sugere que o favorecimento do acesso às Cortes
internacionais a indivíduos ou grupos organizados, não só contribui para a efetivação dos
direitos humanos, como se realiza, propriamente, o entendimento de que o sistema
internacional de proteção desses direitos envolve um sistema legal juridicamente vinculante,
podendo ser exigível, portanto, diretamente pela cidadania. É preciso, no entanto, refletir
sobre como a proteção dos direitos humanos costuma se realizar no interior de ordenamentos
jurídicos internos dos Estados democráticos e, sobretudo para os objetivos deste trabalho, na
democracia brasileira.
As declarações francesas de 1789 e americana de 1776, no início da idade
contemporânea, trazem a ideia de cidadania apoiada em um discurso liberal, em que os
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

direitos fundamentais se relacionavam à ideia de liberdade, segurança e propriedade.


Estabeleciam, desse modo, os direitos civis e políticos. Já no período entre guerras, surge a
preocupação com o discurso social da cidadania, sendo valorizada a ideia de igualdade (na
dimensão dos direitos sociais e econômicos), como uma tentativa de eliminar a exploração
econômica conforme tratava a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de
1918, da extinta República Soviética Russa.
A separação entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais acerca da cidadania
tem fim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Aquele texto reúne todos
os tipos direitos fundamentais, que agora não podem mais ser pensados isoladamente. Além
disso, a Declaração Universal estabelece que os Direitos Humanos são universais e inerentes
aos seres humanos. Somando esses dois aspectos, a Declaração de 1948 traz a concepção
contemporânea de cidadania. Representando uma nova dimensão sobre o que passa a ser
um sujeito de direito: a partir de então, se fala em categorias de direitos, segundo suas
condições particulares. Nessa linha, ganha relevo discussões sobre os direitos das mulheres,
dos grupos raciais e de quaisquer sujeitos que costumam ser discriminados ou constitua
alguma espécie de minoria que precise de uma dimensão de afirmação de seus direitos. É
preciso pensar, nesse cenário, se a Constituição brasileira de 1988 acolhe essa nova
dimensão de cidadania, tal como descrita. A Constituição brasileira adota a indivisibilidade
dos direitos humanos. Ou seja, ela proclama ser inconcebível separar os direitos civis e
políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse quesito, ela atende a concepção
de cidadania que se delineou.
No que diz respeito ao alcance universal dos Direitos Humanos, a Carta de 1988
também está em consonância com a concepção contemporânea de cidadania, tendo em vista
que seu texto afirma que todos são iguais e que os direitos fundamentais são inerentes à
pessoa humana. A Constituição brasileira também concebe os direitos fundamentais como
um tema de interesse internacional. Além disso, a ordem constitucional estabelecida em 1988
acolhe aquela nova dimensão de sujeito de direito, concreto e categorizado, segundo suas
particularidades. Em seu texto, fica clara a divisão em capítulos dedicados a categorias como
idosos, crianças e adolescentes, direitos dos índios, entre outros, dessa maneira propondo
um tratamento específico para esses grupos. Dessa forma, a Constituição brasileira parece
dialogar fortemente com essa nova dimensão de sujeito de direito internacional, e
propriamente com a nova concepção de cidadania, tal como apresentada.
Para além disso, é possível analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da
cidadania brasileira observando três elementos essenciais da ideia de cidadania no cenário
da discussão sobre Direitos Humanos, refletidos na Constituição brasileira: a indivisibilidade
e a universalidade da ideia de direitos humanos, e a característica de especificidade dos
sujeitos de direito. A Constituição brasileira assegura todos os tipos de direitos fundamentais
e garante a efetividade de seus preceitos. Por essa razão, a todos esses direitos são
assegurados a mesma garantia de proteção na ordem jurídica interna. A Carta de 1988
também estabelece o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, dessa
forma vinculando os Poderes Públicos ao dever de promover esses direitos de forma plena e
efetiva. Quanto à universalidade dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro leva isso em
consideração em relação a todos os indivíduos. Além disso, o país é obrigado a observar
plenamente na ordem interna os acordos internacionais firmados que tratam dos direitos e
garantias fundamentais e que foram ratificados pelo Estado brasileiro.
59
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Uma reflexão sobre Direitos Humanos, sobretudo quando se pensa a democracia


brasileira e seu passado (recente) de autoritarismo, passa pela necessidade de se analisar a
responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania no Brasil. A Constituição Federal
de 1988 é considerada, por muitos, um marco da transição democrática e da
institucionalização dos direitos humanos no Brasil26, importando, desse modo, em uma
redefinição do Estado e dos direitos fundamentais no país, após longos vinte e um anos de
ditadura militar.
A importância com o bem-estar social e a preservação da dignidade humana é tão
expressiva que a Constituição eleva os direitos e garantias fundamentais ao patamar de
cláusulas pétreas. A Carta de 1988 inova ao extrapolar os limites dos direitos individuais e
tutelar também os direitos coletivos (direitos que se aplicam a classes ou categorias sociais).
Além disso, ela estabelece a aplicabilidade imediata das normas que dizem respeito aos
direitos fundamentais. Aquilo que Flávia Piovesan chama de um “constitucionalismo
concretizador dos direitos fundamentais”.29 Os direitos sociais também são tratados na
Constituição com a mesma dimensão. O artigo 6º da Constituição estabelece uma série de
direitos, como à educação, à saúde e ao trabalho, entre outros. Não obstante, o importante é
ressaltar que a Constituição estabelece “uma ordem social com um amplo universo de normas
que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela
sociedade”.
Por outro lado, além da ordem social, a Constituição de 1988 também estabeleceu
uma ordem econômica, marcada pelo intervencionismo estatal em prol do bem-estar social.
Isto corresponderia, em linhas gerais, ao modelo de “Estado de Bem-estar Social.

CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO


ESCOLAR

Fonte: www.patriciapaulausp.blogspot.com.br

Direitos humanos é uma expressão que abrange diversas concepções e abordagens


em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza humana e da
dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um lento processo histórico
que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos imperativos sociais postos ao longo do
tempo.

60
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em vista
que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação aos direitos
humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos, modificáveis,
suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus horizontes, relacionando-se à
própria civilização humana em seus diferentes níveis sociais de desenvolvimento. Dessa
forma, torna-se essencial discutir acerca deste conceito para que se possa compreendê-lo em
sua amplitude diante das constantes transformações histórico-sociais, bem como sua relação
intrínseca com a educação.
Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que
concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua dignidade.
Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo ordenamento jurídico
conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse sentido, Pérez Luño (1999, p.
48) leciona que os direitos humanos são um “[...] conjunto de faculdades e instituições que,
em cada momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, da liberdade, da
igualdade humana”.
No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua consequente
positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda se vislumbram constantes afrontas
a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante observância dos dispositivos
postos visando o respeito e a garantia de proteção a todos em suas diversidades.
Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e inerentes ao
homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto, apesar de inerentes
à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o resultado de um longo processo
histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual, passando por várias fases e, eventualmente,
com alguns retrocessos”. Os direitos humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos
ao representarem o reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito,
independentemente de diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os
sujeitos de direitos.
Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar um
núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de universalidade é
essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois, sem atribuir a estes o
caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se fragmentações em sua titularidade,
concebendo-se a existência de direitos cabíveis apenas a determinados grupos sociais.
Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da universalidade,
significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo simples fato de serem
humanos, em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser respeitados indistintamente.
Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos, tornando-se igualmente aplicável a todos.
Segundo Gorczevski (2009) os direitos humanos constituem-se em valores superiores
existentes no mundo axiológico concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados.
Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos fundamentais
e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem termos sinônimos.
Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os homens, independente de
nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais se referem à positivação destes direitos
nos respectivos ordenamentos jurídicos pátrios.
61
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos direitos


humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem jurídica
positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia ao sujeito, tendo
em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo Estado, que assume o dever
de observá-los e respeita-los como fundamento da igualdade e respeito aos seus cidadãos.
No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de proteção
aos direitos humanos, estes ainda são constantemente violados desencadeando situações de
violência e caos social em algumas situações. As condições mínimas para a existência digna
são comumente inobservadas, direitos fundamentais como a vida e a liberdade são
desrespeitados pelos próprios sujeitos, destacando-se ainda as situações de omissão e
afronta aos direitos humanos pelo próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na
desigualdade social, no desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004).
O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do próprio
homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou construídos a partir
da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano social. Estes direitos acompanham
a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e refletindo as lutas e necessidades
dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam de instrumentos que colaborem na sua
conscientização para uma efetiva aplicabilidade dos mesmos.
A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de consolidação dos
direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos humanos constitui-se em
política transformadora da sociedade e do homem, trazendo em si a possibilidade de
superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a desigualdade e a exclusão social.
Assim, o processo educativo traz em si a potencial formação humana e promoção dos direitos
humanos. A educação constitui-se em instrumento que possibilita a promoção dos direitos
humanos visto que é parte integrante da dignidade humana por formar e conscientizar
socialmente o indivíduo para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a
educação é pressuposto fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser
humano na sociedade.
Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável, pois
abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar não se trata
apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade vivenciada pelo aluno,
esta prática, reconhecida por
Freire (1997) como “educação bancária”, ainda predomina no sistema educativo formal
pátrio e não colabora na emancipação dos indivíduos.
Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na consolidação dos
direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere a um processo educativo
crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de alienação e opressão a que estão
submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este processo, que habilita o indivíduo para a
conscientização do contexto sócio histórico em que vive e seu consequente questionamento,
perpassa necessariamente pelo estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos
humanos.
A educação para os direitos humanos deve contribuir:
• Para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano.
62
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

• Ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da tolerância,


do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre todas as nações, povos
indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos.
• E a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma sociedade
livre.
Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a educação
em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se atividades que
considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos, permitindo que os
mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de buscar as devidas soluções
compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de proteção aos direitos humanos. Dessa
forma, estabelece-se um processo educativo que visa não apenas a transmissão de
conteúdos técnicos a fim de capacitar o aluno para o mercado de trabalho, mas, antes de
tudo, busca-se prepará-lo para a vida, para a construção de uma cultura onde prevaleça o
respeito a todos em suas diversidades.
O sistema educacional posto não contribui com a construção desta cultura quando
aceita as desigualdades sociais como naturais, legitimando as diferenças de classe, raça,
gênero, etnia, dentre outras, executando o processo de reprodução das diferenças sociais em
sala de aula e promovendo a exclusão. Faz-se necessário suscitar um exercício contínuo de
reflexão crítica que ofereça aos alunos condições de posicionarem-se como sujeitos ativos no
processo educativo.
Nesse sentido, desenvolveram-se regulamentações nacional e internacionalmente a
fim de efetivar a educação em direitos humanos. Em 2003 iniciou-se a elaboração do I Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Em 2005 foram realizados encontros
estaduais para difundi-lo, que resultaram em contribuições da sociedade para aperfeiçoar
também o documento. Em 2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o
Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos com o objetivo de avançar na
implementação de programas de educação em direitos humanos, bem como na promoção de
ações e fortalecimento de parcerias desde o nível internacional até os níveis locais.

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)


No Brasil, em 1996, foi instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH
I, com o objetivo de identificar os principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos
humanos, promovendo o planejamento de políticas para a efetivação dos atos internacionais
sobre direitos humanos. Mais tarde, em 2002, promulga-se o Decreto nº 4.229, conhecido
como Programa Nacional de Direitos Humanos II - PNDH II, ampliando as atribuições e
criando propostas de ações governamentais. No programa reformulado há a inclusão dos
direitos sociais, econômicos e culturais, preocupando-se com as propostas capazes de ter
uma concretude com as políticas públicas e a destinação de recursos para sua execução
(GORCZEVSKI; KONRAD, 2013).

63
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Fonte: www.edu-cacao.blogspot.com.br

O enfoque da educação em direitos humanos é interdisciplinar, não podendo restringir-


se à mera reprodução de conteúdos curriculares pré-estabelecidos, mas deve promover uma
cultura de consolidação dos direitos humanos de maneira que todas as disciplinas assumam
o compromisso de efetivar os valores humanos visando maior participação e emancipação
dos alunos no contexto social em que vivem.
Destaque-se que a educação em direitos humanos deve iniciar-se nos primeiros anos
de inserção escolar estendendo-se por todos os níveis de ensino, ela abrange a instituição
educativa e a comunidade em se insere como um todo, não se restringindo à sala de aula,
tendo em vista que os valores incentivados neste processo educativo devem consolidar-se na
comunidade em sua totalidade e não apenas na escola, concebida de forma fragmentada.
Mais ainda, a educação para os direitos humanos deve estar voltada para o desenvolvimento
de valores e de atitudes de solidariedade, que levem ao comprometimento e a mudança das
práticas sociais que garantam a efetividade dos direitos humanos.
A educação é decisiva para a promoção dos direitos humanos ao motivar um
processo emancipatório, que busque instrumentalizar os educandos para exercer os direitos
que lhe são assegurados pelos instrumentos jurídicos. Deve-se ter em conta que, para que
se efetive uma educação em direitos humanos, faz-se necessário que o conhecimento
construído se relacione com a realidade na qual o indivíduo está inserido, para que o saber
possa fazer sentido.
Neste processo educativo o papel do professor é essencial, observando-se a
superação da reprodução de conteúdos para a construção de uma relação dialógica entre
professor e aluno, abrindo-se espaço para a problematização dos conteúdos e a reflexão
crítica na compreensão da relação destes com a realidade.
A problematização dos conteúdos é um elemento essencial na construção da
educação em direitos humanos. É esta problematização que conduz à criticidade em relação
aos conteúdos postos, levando os alunos a pensarem-se como homens inconclusos. Contudo,
esse pensamento não se faz possível pela prática bancária de ensino, uma vez que a palavra
e o diálogo se fazem necessários para essa compreensão, na medida em que é através delas
que o sujeito consegue “emergir” de dentro do ambiente no qual vive para, a partir daí,
identificar quais os problemas que se apresentam e, então, buscar a superação de suas
situações geradoras. Ademais, a educação problematizadora é um esforço permanente
através do qual os homens vão percebendo-se criticamente no mundo (FREIRE, 1996).

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Dessa forma, a educação em direitos humanos promove, essencialmente, a formação


de uma cultura de respeito à dignidade humana, através da vivência de atitudes, hábitos,
comportamentos e valores como igualdade, solidariedade, cooperação e tolerância. Nesse
sentido, a educação constitui-se em meio de formação de sujeitos capazes de desvelar
criticamente o mundo das injustiças e práticas que ferem a dignidade humana e de engajar-
se ativamente para a transformação social.
O papel da educação em direitos humanos é criar condições de conhecimento e
transformação da consciência sobre o contexto sócio histórico e cultural em que os indivíduos
se inserem, criando condições de questionamento crítico e transformação social por meio do
processo educativo reflexivo. Ressalte-se que este papel não é exclusivamente do Estado,
tendo em vista que, a formação de indivíduos éticos, solidários, comprometidos com a justiça
social e os direitos humanos requer o engajamento de toda a sociedade, de modo que cada
cidadão assuma a sua quota de responsabilidade.
Assim, educar em direitos humanos é “[...] criar uma cultura preventiva, fundamental
para erradicar a violação dos mesmos. Com ela conseguiremos efetivamente dar a conhecer
os direitos humanos, distingui-los, atuar a seu favor e, sobretudo, desfrutá-los”
(GORCZEVSKI, 2009, p. 221), sendo, portanto, imprescindível para o desenvolvimento do
Estado e da formação humana.

OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA


Antiguidade
Iniciando nosso estudo pelo período Axial, K. JASPERS, analisou o nascimento
espiritual do ser humano, afirmando que tal período, (...) se situaria no ponto de nascimento
espiritual do homem, onde se realizou de maneira convincente, tanto para o Ocidente como
para a Ásia e para toda a humanidade em geral, para além dos diversos credos particulares,
o mais rico desabrochar do ser humano; estaria onde esse desabrochar da qualidade humana,
sem se impor como uma evidência empírica; seria, não obstante, admitido de acordo com um
exame dos dados concretos; ter-se-ia encontrado para todos os povos um quadro comum,
permitindo a cada um melhor compreender sua realidade histórica.
Ora este eixo da história nos parece situar-se entre 500 a.C. no desenvolvimento
espiritual que aconteceu entre 800 e 200 anos antes de nossa era. É aí que se distingue a
mais marcante cesura na história. É então que surgiu o homem com o qual convivemos ainda
hoje. Chamamos breve essa época de período axial.
A partir desse período que o ser humano passa a ser considerado como ser dotado de
liberdade, razão em sua igualdade essencial e nas múltiplas diferenças de sexo, raça, religião
e costumes sociais. Essa nova visão do ser humano se deu devido as várias conquistas
realizadas nesse período. Veremos abaixo, os acontecimentos mais relevantes que
contribuíram para essa evolução.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Conquista da Babilônia

Fonte: quersaberdequer.blogspot.com.br

No início da civilização humana os primeiros Estados constituíam sua ordem interna


através da religião. Nesse tempo as leis eram elaboradas e apresentadas aos súditos pelos
sacerdotes que afirmavam tê-las recebido diretamente dos Deuses, os quais conferiam
autoridades a essas regras para que todos obedecessem.
E assim ocorreu na Babilônia em 1700 a.C. O rei Hamurabi recebeu do Deus
“Shamash”, o Deus do sol e da justiça, um conjunto de leis, que o obrigava a aplicála ao povo
da Babilônia. Consequentemente, o indivíduo que a infringisse, estaria desobedecendo a Lei
Divina e seria submetido aos terríveis castigos impostos por essa lei.
Além desses castigos cruéis, o Código de Hamurabi, pregava o ‘olho por olho e dente
por dente’, proibia os súditos de escolherem suas religiões, desfavoreciam determinadas
classes trazendo vantagens em detrimento de outras, e ainda, mantinham pessoas como
escravas.
Diante disso, no ano de 550 a. C, Ciro, o Rei da Persa, insatisfeito com as atrocidades
cometidas pelo Império da Babilônia, resolveu reunir sua pequena tropa e tomar o poder para
libertar o povo.
Então, Ciro fez algo completamente revolucionário. Com base na estratégia de
conquista e tolerância, anunciou que todos os escravos eram livres e estabeleceu a liberdade
de religião. Além de agradar a sociedade, esse comportamento de Ciro fez com que as
pessoas aceitassem seu governo sem qualquer ato de rebeldia. Essas conquistas foram
registradas em um tablete de barro conhecido como Cilindro de Ciro. Tornou-se um
documento de grande importância para os Direitos Humanos, pois para alguns autores, foi a
primeira carta de Direitos Humanos da história
O Cilindro de Ciro, basicamente, associava o Rei Ciro com um Deus chamado Marduk.
Demonstrava que esse Deus estava insatisfeito com o Rei anterior, e que por esse motivo,
resolveu colocar Ciro para Governar seu povo por ser considerado um Rei mais correto. Na
verdade, o escopo do Rei Persa era buscar a paz universal e evitar qualquer desejo de
vingança, para que pudesse dar continuidade ao seu governo. Dessa forma, acreditavam que
a única forma de alcançar esse objetivo era construir um Império Universal, concedendo
liberdade individual e religiosa.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Fonte: www.penapensante.com.br

Inspirado nesses princípios, Ciro partiu para novas conquistas expandindo seu
império. A Persa tornou-se muito extensa, compreendendo os atuais países: Irã, Iraque, Síria,
Líbano, Jordânia, Israel, Egito, Turquia, Kuwait, Afeganistão, parte do Paquistão, parte da
Grécia e da Líbia.
Sua existência manteve-se por mais de duzentos anos até a conquista definitiva por
Alexandre, O Grande em 332 a. C. Ciro foi um imperador que deixou um legado sobre a arte
da liderança, no qual a administração embora centralizada, tinha como foco trabalhar para o
proveito de seus súditos.
O Império Romano
Dando seguimento ao contexto histórico, em Roma, por volta do ano de 509 a.C, os
abusos dessas leis ditas divinas, começaram a incomodar o povo, provocando a desconfiança
de que ao invés dos Deuses, havia por de trás dessas leis, indivíduos interessados em obter
proveitos.
Foi então que os súditos começaram a exigir que as leis fossem feitas pelos homens
e não pelos Deuses.

Fonte: www.esquerda.net

Nesse período, Roma dividia-se em dois grupos sociais: os Patrícios e os Plebeus. Os


Patrícios eram a classe privilegiada da sociedade que era sustentada pelos Plebeus. Mas,
isso logo mudou, os Plebeus estavam cansado dessa situação e então deram início a uma

67
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

revolta que alterou profundamente o sistema legal romano. Revoltados, os Plebeus se


juntaram e se deslocaram para um local chamado Monte Sagrado. Nesse local fundaram um
Estado independente e abandonaram os Patrícios a sua própria sorte. A estratégia deu certo
porque como os Patrícios dependiam dos Plebeus para garantir o seu sustento, era mais
vantajoso deixá-los ter uma pequena participação administrativa na política e continuar
desfrutando da exploração dos Plebeus. Mas, insatisfeitos, os Plebeus não contentaram
apenas com a participação política, queriam mudanças nas Leis Romanas, que até então
eram secretas por se tratarem de Leis Divinas.
Com isso, os Plebeus exigiram que essas leis fossem mostradas para a sociedade,
mas os Patrícios recusavam. Então, com o intuito de pressiona-los, os Plebeus começaram a
pregar para a sociedade que essas leis divinas eram uma farsa, e que sua existência era
apenas para manter os súditos aceitassem a sua condição de submissão.
Consequentemente, a Plebe revoltou-se e quase ocorreu uma guerra civil dentro de
Roma. Com receio de que essa guerra civil ocorresse, o Senado cedeu o pedido da Plebe,
para que as Leis Romanas fossem refeitas de forma que limitasse a exploração do povo pelas
classes dominantes e que fosse exposta para a sociedade com o escopo de conscientizar
todos os cidadãos dos seus direitos.

Fonte: www.quadrosartejur.com.br

O resultado disso, foi a elaboração das Leis das XII Tábuas, um documento de
relevante valor histórico, pois representou a abolição do ius divino (direito divino) e deu início
ao ius civilis (direito civil). As Doze Tábuas foram afixas das na porta do fórum para que todos
tivessem conhecimento das Leis. Abordava sobre Direito Processual, Família, Sucessões,
Negócios Jurídicos e Direito Penal.
Foi o primeiro diploma escrito que eliminou as diferenças de classes dando origem ao
Direito Civil. Mas, assim como todas as leis primitivas, ainda mantinha um sistema onde as
penas e os procedimentos eram rigorosos.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Idade Média
Contexto histórico
A Idade Média inicia-se com a Queda de Roma, por volta do ano de 476 e estende
até o ano de 1453. Roma, naquela época, era muito grande, tinha fronteiras com Europa,
África e Ásia. Não era simples mantê-la.
E como Roma já tinha conquistado todas as regiões que era de seu interesse, não
havia mais território para expandir-se. Esse fato trouxe vários prejuízos para Roma, porque
as conquistas rendiam lucros que advinham dos saques e da escravização de seus cidadãos.
Com esse prejuízo, Roma não visualizou outra solução senão os aumentos dos impostos e o
uso do dinheiro do cofre público. Isso agravou ainda mais a situação do Império.

Outro fato que ensejou a queda de Roma foi o Cristianismo. O número de pessoas
que não reconheciam a divindade do imperador aumentou. Os cristãos tornaram inimigos do
governo e começaram a ser perseguidos. Para enfatizar mais a crise, nessa época, o Império
estava sendo invadido e saqueado pelos Bárbaros. Esse fato, fez com que as pessoas de
maior poder aquisitivo abandonassem as cidades e fossem para as fazendas em busca de
segurança e proteção.
Aqueles que não possuíam terras, dirigiam-se até essas fazendas para pedir abrigo
aos proprietários. Em troca do abrigo, essas pessoas propunham a autorização para plantar
nas terras, mediante entrega de parte dessa produção para o proprietário.
Esse fenômeno ficou conhecido como “ruralização de Roma”. Foi a partir desse
momento que iniciou a instauração do feudalismo na idade média.

A Justiça na Idade Média


A justiça na Idade Média era a justiça de um mundo de pesadelos, absurda e cruel. Ao
cair o Império Romano, foi abaixo as leis que formavam aquela civilização e a Europa entrou
em um período onde não havia mais leis definidas e iguais para os mesmos tipos de delitos.
Não havia a função especializada de julgar, ou seja, não havia juízes. Na chamada baixa
Idade Média, com objetivo de solucionar esse problema, formaram uma assembleia com as

69
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

pessoas mais importantes da região para a função de julgar. Algumas vezes até nomeavam
um juiz, mas esse não julgava, apenas acompanhava o procedimento e zelava pelo
cumprimento da sentença.
Quando firmou o feudalismo, o direito de julgar passou para os senhores feudais. Mas
eles tinham a prerrogativa de nomear um substituto caso não quisessem exercer essa função.
Foi nesse contexto histórico que no ano de 1215, na Inglaterra, surgiu a Magna Carta. O Reino
Inglês estava sob o domínio do Rei João conhecido como “João Sem Terra”, e encontrava-se
sob ameaça de ser invadida e conquistada pelo Rei da França, Felipe Augusto.
Esse fato fez com que a Inglaterra permanecesse em guerra com a França por anos,
não apenas com o intuito de se defender, mas de conquistar o território francês. Isso
ocasionou altos gastos para Inglaterra que se encontrava fragilizada devido ao fracasso da
Terceira Cruzada.
Mediante essa fragilização, o rei João, ordenou o aumento de cobranças de tributos
sobre os feudos gerando um enorme descontentamento dos barões feudais, que entendia
esse ato como uma opressão por parte do Rei.

Fonte: www.bikesmusicandmore.com

Então, os barões, reuniram seus exércitos e invadiram a cidade de Londres para


pressionar o Rei João a elaborar um documento legislativo que colocasse fim em suas
hostilidades e que concedesse direitos sociais, judiciais, políticos, administrativos, comerciais,
dentre outros.
Essa Carta ficou conhecida como Magna Carta. Foi responsável pelo surgimento do
constitucionalismo. Seu objetivo era limitar o poder do Rei da Inglaterra para impedir o poder
absoluto. O rei deveria renunciar certos direitos e respeitar determinados procedimentos
legais, bem como reconhecer que sua vontade estaria sujeita a lei.
Segundo Comparato, “Tal documento reconheceu vários direitos, tais como a
liberdade eclesial, a não existência de impostos, sem anuências dos contribuintes, a
propriedade privada, a liberdade de ir e vir e a desvinculação da lei e da jurisdição da pessoa

70
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

do monarca.” O grande problema consistia que naquela época, ano de 1213, a Inglaterra era
feudo de Roma. O Papa tinha autoridade sobre a Inglaterra de forma que todas as leis e
decisões tomadas pelo Rei deveria passar pelo crivo papal. E como a Magna Carta não foi
submetida a esse procedimento, o Rei João, recorreu ao Papa e requereu a sua anulação.
Mas no ano de 1216, o Rei João faleceu e deu lugar ao seu sucessor Henrique III, que
retomou os direitos propostos na Magna Carta. A Magna Carta trouxe para esse período, a
previsão de Direitos ainda não presentes na história, como o habeas corpus, o direito de
propriedade e o devido processo legal. Obviamente não podemos afirmar que após o seu
advento tudo caminhasse perfeitamente. Entretanto, uma demonstração da viabilidade de tal
comportamento havia sido dada, apesar de que ainda não foi suficiente para garantir os
Direitos Humanos.

Idade Moderna
A Idade Moderna compreende o período dos séculos XV até o XVIII, iniciando com a
Tomada de Constantinopla no ano de 1453, até a Revolução Francesa no ano de 1789. Foi
um período de grandes revoluções e acontecimentos. Nesse período os Direitos Humanos
deixam de ser exclusivamente das elites e passa a ser uma conquista de uma classe
emergente.
Nas fases anteriores poder-se-ia falar de direitos de príncipes, de etnias, de
estamentos, ou de grupos, mas não de direitos humanos como faculdades jurídicas de
titularidade universal. O grande invento jurídico-político da modernidade reside, precisamente,
em haver ampliado a titularidade das posições jurídicas ativas, ou seja, dos direitos a todos
os homens, e em consequência, ter formulado o conceito de direitos humanos. Esse caráter
universalista dos Direitos Humanos, foi influenciado por vários fatos ocorridos na Idade
Moderna. Os mais importantes para o nosso estudo são: a Revolução Gloriosa, a Declaração
de Virgínea, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa.
Revolução Gloriosa e a Petition Of Rights

Fonte: www.estudofacil.com.br

A “Revolução Gloriosa” é o nome dado ao movimento que ocorreu na Inglaterra entre


os anos de 1688 e 1689, marcado pela destituição do Rei Jaime II. Ficou conhecida como a
“Revolução sem sangue” devido à forma pacífica como ocorreu. Este movimento resultou na

71
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

substituição do Rei da Dinastia Stuart, que representava os católicos, por Guilherme, Príncipe
de Orange da Holanda que representada os protestantes.
O motivo dessa revolução, consistia no fato de que o rei Jaime II queria conduzir o
país dentro das diretrizes da doutrina católica e isso desagradava os nobres. Então, foi
realizado um acordo secreto entre o Parlamento inglês e o príncipe da Holanda, Guilherme
de Orange, para que o trono fosse entregue a ele. Assim, o rei Jaime II foi compelido a assinar
um documento chamado “Petition of Rights” o qual afirmava que o rei não poderia criar
impostos sem declarar guerra e nem assinar tratados sem a autorização do Parlamento. Essa
nova ordem mostrou que para acabar com o absolutismo, não era necessário acabar com a
figura do rei, desde que aceitasse a ser submisso as decisões do Parlamento. Representou,
na verdade, a transição de uma monarquia absoluta para uma monarquia Parlamentar.
Para os Direitos Humanos sua importância consiste no fato de que ela reafirmou os
direitos da Magna Carta, dando ênfase a propriedade e a proibição da detenção arbitrária.
Afirmou que nenhum homem livre seria detido ou aprisionado, tampouco despojado de seu
feudo, suas liberdades, nem exilado senão em virtude de sentença.

Declaração dos Povos da Virgínea


Outro documento de extrema importância para os Direitos Humanos foi a Declaração
de Direitos do Povo da Virgínea 1776, território que hoje é os EUA.
Declaração de Direitos de Virgínia foi elaborada para proclamar os direitos naturais e
positivados inerentes ao ser humano, dentre os quais, o direito de se rebelar contra um
governo inadequado. A influência desse documento pode ser vista em outras declarações de
direitos, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), a Carta dos
Direitos dos Estados Unidos (1789) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789).

Fonte: www.direitonahistoria.blogspot.com.br

72
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

A Declaração é constituída por um conjunto de direitos individuais e coletivos, civis,


políticos, econômicos, sociais e culturais, influenciando diretamente no conceito de dignidade
da pessoa humana. Por esse fato, tornou-se importante para os Direitos Humanos.

Declaração de Independência dos EUA


A Declaração de Independência dos Estados Unidos, também de 1776, tem como
tônica preponderante à limitação do poder estatal e a valorização da liberdade individual. Deu
surgimento a primeira Constituição Americana que é conhecida como a Bill of Right. Assegura
direitos como religião, vida, liberdade, propriedade e júri. É um documento de inestimável valor
histórico, que influenciou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789)
e inspirou as outras colônias do continente americano, até mesmo da Europa.

Fonte: www.grupohistoriado.blogspot.com.br

A independência dos Estados Unidos iniciou com a revolta dos norte-americanos


mediante a decisão da Inglaterra de aumentar os impostos e criar taxas que retiravam a
liberdade comercial dos americanos. Para isso, criaram a Lei do Chá, Lei do Selo e a Lei do
açúcar. Todas essas leis tinham em comum a imposição de que esses produtos viessem da
Inglaterra, restringindo assim o desenvolvimento comercial dos EUA nesses setores.
Além dessas leis restritivas, a Inglaterra não aceitava que os Estados Unidos
mantivessem um representante dentro do Parlamento Inglês. Diante dessa situação, no ano
de 1774, os colonos se reuniram no chamado Congresso de Filadélfia para tomarem medidas
diante de tudo que estava acontecendo. No primeiro Congresso a intenção dos colonos era
apenas retomar a situação anterior, mas não obtiveram êxito. Dessa forma, resolveram
realizar um segundo congresso no ano de 1776, mas com o objetivo de conquistar a
independência dos EUA. Foi então quando Thomas Jefferson redigiu a Declaração de

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Independência dos Estados Unidos da América. Porém, a Inglaterra não aceitou a


independência de sua colônia e declarou guerra. A
Guerra de Independência, que ocorreu entre 1776 e 1783, foi vencida pelos Estados
Unidos com o apoio da França e Espanha.
A Declaração de Independência dos Estados Unidos ficou conhecida como “Bill of
Rigths” devido as dez primeiras emendas que entraram em vigor em 1791. Essas emendas
tiveram grande importância para os Direitos Humanos porque limitavam o poder do governo
federal dos EUA em prol de todos cidadãos residentes e visitantes no território americano.
Assim, protegia a liberdade de expressão, de religião, de usar armas, de petição, de
assembleia e ainda de proibia o governo de privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou
da propriedade sem os devidos processos da lei.

Revolução Francesa

Fonte: www. pt.wikipedia.org

A Revolução ocorreu no final do século XVIII e foi o marco da transição da Idade


Moderna para a Idade Contemporânea. A Revolução Francesa foi muito importante porque
foi uma revolução feita pela burguesia com a ajuda do povo, que conseguiu afastar a nobreza,
o clero e ainda ser vitoriosa. O objetivo dessa revolução era lutar contra o antigo regime
Absolutista, contra a nobreza parasitária da monarquia e a igreja que a sustentava.
Para entender melhor como era a estrutura da burguesia, é preciso entender que ela
se dividia em duas classes: os jacobinos e os girondinos. Os primeiros eram os mais radicais
e tinham uma maior proximidade com os chamados “sans cullottes”, que era a classe mais
baixa dentro da França. Já os girondinos eram mais conservadores. Entretanto foram os
jacobinos que tomaram o poder na França e inauguraram a era do terror com a Santa
Guilhotina. Foram eles que mataram o rei Luiz XVI e sua esposa Maria Antonieta, além de
muitos outros cidadãos que se rebelaram contra seu poder.
A Revolução Francesa foi importante para os Direitos Humanos devido a criação da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no ano de 1789 pelos representantes do

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

povo francês reunidos em assembleia. Essa Declaração reconheceu o direito de resistir a


tirania e a opressão, o direito a igualdade jurídica, o direito a propriedade, a liberdade, e a
eliminação dos privilégios da nobreza, o fim da exploração dos camponeses, o confisco das
propriedades da igreja e ainda colocou fim na isenção de impostos para a Nobreza.

Idade Contemporânea
A idade Contemporânea se deu a partir da Revolução Francesa até aos dias atuais.
No segundo período da Revolução Francesa, alguns direitos denominados sociais,
especificamente os direitos relacionados ao trabalho, apareceram na sociedade, mas com
uma visão individualista. Essa ótica individualista fez com que esses direitos não
abrangessem a sociedade de forma igualitária.
Portanto, foi necessário que o Estado intervisse para que a justiça social fosse
concretizada. Dessa forma, temos a transição do Estado Liberal para o Estado Social, ou seja,
a passagem da primeira geração de direitos; que são os valores ligados a liberdade (civis e
políticos), no qual exigia-se uma abstenção do Estado, para os direitos de segunda geração;
que são os direitos sociais, econômicos e culturais, onde era preciso a atuação do Estado
para concretizar esses direitos.
No entanto, para que esses direitos se tornassem universais, foi necessário um
discurso de Direitos Humanos que abrangesse todas as nações. Esse episódio ocorreu
apenas após a Segunda Guerra Mundial. E até que isso ocorresse, vários fatos contribuíram
para que culminasse a internacionalização dos Direitos Humanos. Nesse período, os eventos
de maior importância para os Direitos Humanos foram: a Constituição Mexicana (1917) e
alemã (1919), a Liga das Nações Unidas (1919) e a Organização das Nações Unidas (1945).

Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar


A Constituição Mexicana de 1917 foi a pioneira em eleger os direitos trabalhistas e
previdenciários em status de direitos fundamentais. Tratava-se de assuntos inéditos como: a
limitação da jornada de trabalho para oito horas diárias; a proteção de menores de 12 anos;
a limitação de seis horas diárias para os menores de dezesseis anos; a limitação de jornada
de trabalho noturno para sete horas; o descanso semanal; o salário mínimo; a igualdade
salarial; o direito de greve; e outros institutos inovadores que vieram proteger as relações de
trabalho.
Já, a inovadora Constituição de Weimar surgiu logo depois da assinatura do Tratado
de Versalhes, que colocou fim na primeira guerra mundial (19141918). O Estado Democrático
Social, cujos parâmetros já haviam sido delineados pela Constituição Mexicana de 1917,
adquiriu com a Constituição Alemã de 1919 uma melhor estruturação. E ainda, assim como
na Constituição Mexicana, transformou os direitos trabalhistas e previdenciários em direitos
fundamentais.

Liga das Nações e a Criação da ONU


A primeira Guerra Mundial teve seu fim estabelecido pelo Tratado de Versalhes no ano
de 1919. Esse tratado, além de colocar fim na primeira guerra, responsabilizou a Alemanha
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

pelo conflito, condenando-a financeiramente pelos desastres causados e ainda criou a Liga
das Nações. O objetivo da Liga das Nações era manter a paz e a ordem mundial, evitando
que novos conflitos desastrosos ocorressem. No conselho consultivo da Liga das Nações
estavam as potências vitoriosas da primeira guerra mundial: Grã-Bretanha, França, Itália,
Japão e mais tarde a Alemanha e a União Soviética. Os EUA não faziam parte da Liga porque
alegou que sua entrada desviaria o tradicionalismo da sua política externa.
No entanto, a Liga das Nações, não possuía um corpo militar destinado a sustentar e
promover situações de paz em áreas de conflitos. O seu instrumento de coerção baseava-se
em ações econômicas e militares, e isso não era suficiente para pressionar os países a
manterem os princípios instituídos pela Liga.
Dessa forma, perante a fragilidade da Liga e o sentimento de ultranacionalismo dentro
da Alemanha, advindo do fato de ter sido condenada a ressarcir todos os Estados vencedores
da Primeira Guerra Mundial, culminou-se a Segunda Guerra Mundial.
Seu início se deu quando Hitler invadiu a Polônia no ano de 1935. No decorrer da
Guerra, Hitler exterminou metade da população Judaica em terríveis campos de
concentração, totalizando em média 9 milhões de mortos. Nunca o Direito Humano tivera tão
próximo da extinção e tão desesperado por mudança. Então, almejando impedir que esse
episódio se repetisse, os países de todo o mundo juntaram-se e formaram a Organização das
Nações Unidas no ano de 1945.

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO


A Declaração Universal dos Direitos Humanos

Fonte: www.historiaonline.com.b

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que delineia os direitos


humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de
1948. Foi esboçada principalmente pelo canadense John Peters Humphrey, contando,
também, com a ajuda de várias pessoas de todo o mundo. Abalados pela recente barbárie da

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Segunda Guerra Mundial, e com o intuito de construir um mundo sob novos alicerces
ideológicos, os dirigentes das nações que emergiram como potências no período pós-guerra,
liderados por Estados Unidos e União Soviética, estabeleceram, na Conferência de Yalta, na
Rússia, em 1945, as bases de uma futura paz mundial, definindo áreas de influência das
potências e acertando a criação de uma organização multilateral que promovesse
negociações sobre conflitos internacionais, para evitar guerras e promover a paz e a
democracia, e fortalecer os Direitos Humanos.
Embora não seja um documento com obrigatoriedade legal, serviu como base para os
dois tratados sobre direitos humanos da ONU de força legal: o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Continua a ser amplamente citado por acadêmicos, advogados e cortes constitucionais.
Especialistas em direito internacional discutem, com frequência, quais de seus artigos
representam o direito internacional usual.
Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A
III) em 10 de dezembro 1948.

Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo, considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento
de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da
liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta
aspiração do ser humano comum.
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império
da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a
tirania e a opressão, considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações, considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na
Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa
humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o
progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.
Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em
cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades
fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades, considerando que
uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o
pleno cumprimento desse compromisso.
Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos
Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações,
com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente
esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a
esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e
internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos,

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

tanto entre os povos dos próprios Países Membros quanto entre os povos dos territórios sob
sua jurisdição.

Carta da ONU
A Carta da ONU é o tratado que estabeleceu as Nações Unidas. A Carta das Nações
Unidas foi elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência sobre
Organização Internacional, que se reuniu em São Francisco de 25 de abril a 26 de junho de
1945. No dia 26 de junho, último dia da Conferência, foi assinada pelos 50 países a Carta,
com a Polônia – também um membro original da ONU – a assinando dois meses depois.
A Carta da ONU é o documento mais importante da Organização, como registra seu
artigo 103: “No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em
virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude do presente Carta”.

Guia prático ‘Campo de ação da sociedade civil e o Sistema dos Direitos


Humanos das Nações Unidas.
Guia prático para a sociedade civil elaborado pelo Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos. O principal objetivo é auxiliar os atores da sociedade civil
que ainda não estejam familiarizados com o sistema dos direitos humanos das Nações
Unidas. A sua elaboração contou com contribuições e os conselhos de vários atores da
sociedade civil.

Guia de orientação das Nações Unidas no Brasil para denúncias de


discriminação étnico-racial
Este guia é uma resposta às demandas da sociedade civil identificadas durante o
evento ‘Diálogos com a ONU pela Igualdade Racial’, cujo objetivo foi de fomentar troca de
informações e experiências sobre a equidade racial entre o Sistema ONU no Brasil e a
sociedade civil brasileira organizada.
A publicação, de linguagem simples e amigável, pretende orientar o cidadão e a cidadã
na busca dos seus direitos em casos de discriminação étnica e racial sofridas no Brasil,
fortalecendo, assim, os canais de comunicação entre o Sistema ONU e a sociedade civil.

Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil


O crescimento da população carcerária no Brasil foi impulsionado principalmente pela
prisão de jovens, de negros e de mulheres. O perfil dos encarcerados demonstra que a
seletividade penal recai sobre segmentos específicos (jovens e negros), uma vez que a faixa
etária que mais foi presa é a de 18 a 24 anos; negros foram presos 1,5 vezes a mais do que
brancos; e a proporção de negros na população prisional também aumentou no período.
Além disso, embora o número de homens presos seja maior do que o número de
mulheres, o crescimento da população carcerária feminina foi de 146%. Esses são dados
extraídos do Mapa do Encarceramento, lançado em junho de 2015 pelo Programa das Nações

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) como
parte do programa Juventude Viva.

Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) sobre o Brasil (2012)


Está disponível o relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) das Nações
Unidas, apresentado ao Governo do Brasil, fruto da primeira visita do Comitê ao País ocorrida
entre 19 e 30 de setembro de 2011. Durante a visita, o SPT se reuniu com as autoridades
nacionais competentes e representantes da sociedade civil, e realizou visitas em uma série
de lugares de privação de liberdade, incluindo delegacias, presídios, centros de detenção
juvenil e instituições psiquiátricas nos estados do Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro e São
Paulo.

Declaração de Durban (2001)


A III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerâncias Correlatas foi realizada em setembro de 2001, em Durban, na África do Sul, e
contou com mais de 16 mil participantes de 173 países. A conferência resultou em uma
Declaração e um Plano de Ação que expressam o compromisso dos Estados sobre os temas
abordados.

A organização das Nações Unidas (ONU)


A Organização das Nações Unidas, popularmente conhecida como ONU (ou no idioma
inglês como UN), é uma organização internacional cuja principal missão é a paz. Ela é
formada pelo que se chama de países-membros e nenhum deles é obrigado a integrá-la; a
ideia é que o país que concordar com os princípios da organização, como o trabalho pela paz
e o desenvolvimento mundial, possa voluntariamente adentrá-la e somar na construção
dessas metas.

Quais os princípios da ONU?


Assim como uma empresa constrói suas missões e metas, as organizações também
precisam se reunir, discutir e chegar a um propósito comum. Não foi diferente na ONU, que
escreveu a Carta das Nações Unidas, seu documento de fundação, onde declara seus ideais,
propósitos e a expectativa sobre seus membros, tanto os povos, como os governos dos
países. Esse documento foi escrito pelos 50 países que compuseram a Conferência sobre
Organização Internacional, em São Francisco (EUA) no dia 26 de junho de 1945 – ano de fim
da Segunda Guerra Mundial, mas já falaremos da relação entre esse episódio e a ONU. O
Brasil, inclusive, assinou a Carta das Nações Unidas na ocasião. O preâmbulo da Carta das
Nações Unidas explica um pouco sobre a missão e a visão da ONU e do seu trabalho no
mundo.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

“NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações


vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe
sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem,
na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres,
assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça
e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional
possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro
de uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons
vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir,
pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada
a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o
progresso econômico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO
DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio
de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos
poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das
Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será
conhecida, pelo nome de Nações Unidas. ”

Por que a ONU foi criada?


Depois de duas grandes guerras causadas por atritos internacionais terem destruído
diversos países e ter feito milhões de vítimas, havia um sentimento comum em vários países
da necessidade da busca pela paz. Principalmente depois da II Guerra Mundial, essa
sensação ganhou urgência. Foi criada, então, em 24 de outubro de 1945, a Organização das
Nações Unidas, em São Francisco, Estados Unidos.
Em um primeiro momento, esses países fundadores queriam criar uma organização
que conseguisse impedir mais um conflito armado de proporção mundial. Mas a ONU foi se
tornando um organismo muito mais complexo e importante, cujas pautas vão desde criação
de leis internacionais até a defesa dos direitos humanos.
A ONU não foi propriamente uma iniciativa original: em 1919, havia sido criada a Liga
das Nações, que visava a evitar mais conflitos como o da I Guerra Mundial. Porém, ela deixou
de existir porque sua intervenção não foi efetiva para evitar a II
Guerra Mundial, que não havia como ser evitada. De qualquer forma, a Liga das
Nações pode ser considerada a antecessora da ONU.
Como é a estrutura da ONU
A chave da questão quando se trata da ONU são os seus países-membros, que são
muitos. Pensando nessa diversidade, a Carta das Nações Unidas determinou que para a
melhor comunicação dos membros, de toda a parte do mundo, haveria seis idiomas oficiais:
inglês, francês, espanhol, árabe, chinês e russo. Afinal, a presença desses países é essencial,
80
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

pois são eles que definem políticas, escolhem como agir em determinadas situações,
financiam a organização. Esse financiamento é protocolo a partir do momento em que o país
adentra a organização e é definido de acordo com a riqueza e o desenvolvimento de cada
um.
Por esse financiamento ser uma grande fonte de renda para que a ONU consiga
realizar projetos, campanhas e políticas continuadas, houve um rebuliço internacional quando
o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a preparação de decretos em que
corta radicalmente o repasse de verbas para a ONU, além de retirar os Estados Unidos de
acordos multilaterais. Hoje, a ONU conta com 193 países membros e o orçamento do biênio
de 2016/2017 é de 5,61 bilhões de dólares.
Onde a ONU está sediada
São tantos países que integram a ONU, que você deve estar se perguntando onde fica
a sua sede. Bom, foi durante a primeira reunião da Assembleia Geral em Londres, no ano de
1946, que ficou decidido que a sede permanente da Organização seria nos Estados Unidos.
Os desdobramentos disso foi que o magnata John Rockefeller ofereceu cerca de oito milhões
de dólares para a compra de parte dos terrenos na margem do East River, na ilha de
Manhattan, em Nova York e a cidade de Nova York ofereceu o restante dos terrenos para que
fosse construída a sede da Organização.
A primeira sede e a estrutura principal da ONU, portanto, estão em Nova York. Mas
existem outras sedes da ONU em Genebra (Suíça), Viena (Áustria), Nairóbi (Quênia), Addis
Abeba (Etiópia), Bangcoc (Tailândia), Beirute (Líbano) e Santiago (Chile), além de escritórios
espalhados em grande parte do mundo.
Como são as reuniões da ONU?
Devido ao tamanho dessa organização, a Carta da ONU definiu a existência de seis
órgãos principais: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e
Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. Todos são
vitais para o seu funcionamento e administração, mas existem dois em especial que
precisamos conhecer mais a fundo: a Assembleia-Geral e o Conselho de Segurança.
A Assembleia-Geral da ONU

Fonte: www.rtp.pt

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

A Assembleia-Geral da ONU é muito importante porque se constitui como o principal


órgão de discussão e deliberação, em que participam todos as 193 nações membros. Lá, são
discutidos todos os assuntos considerados mais emergentes e que afetam a vida de todos os
habitantes do planeta. Ao contrário de outros órgãos e conselhos da ONU, na Assembleia-
Geral o voto é universal, o que concede igualdade a todos os seus membros. As resoluções
votadas e aprovadas na Assembleia Geral, porém, têm o caráter de recomendação e não são
obrigatórias. Assuntos em pauta na ONU são: paz e segurança, aprovação de novos
membros, questões de orçamento, desarmamento, cooperação internacional em todas as
áreas, direitos humanos, entre outros.

Principais funções da Assembleia-Geral da ONU

Segundo a própria organização, existem algumas atribuições do órgão que se


destacam, como:

• Discutir e fazer recomendações sobre todos os assuntos em pauta na ONU;


• Discutir questões ligadas a conflitos militares – com exceção daqueles na pauta do
Conselho de Segurança;
• Discutir formas e meios para melhorar as condições de vida das crianças, dos jovens e
das mulheres;
• Discutir assuntos ligados ao desenvolvimento sustentável, meio ambiente e direitos
humanos;
• Decidir as contribuições dos Estados-Membros e como estas contribuições devem ser
gastas;
• Eleger os novos Secretários-Gerais da Organização.

O Conselho de Segurança da ONU

Fonte: www.nemrisp.wordpress.com

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

O Conselho de Segurança é o órgão da ONU responsável pela paz e segurança


internacionais, que toma decisões como a intervenção (ou não) militar em um país em guerra,
autoriza operações de países em outros que estejam em conflito ou mesmo a execução de
políticas. É constituído por 15 membros: cinco permanentes, que possuem o direito a veto –
Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China – e dez membros não-permanentes,
eleitos pela Assembleia Geral por dois anos.
A diferença mais importante entre permanentes e não permanentes é o direito de veto.
Os membros permanentes do Conselho têm direito a dizer “não” para as políticas, ações ou
diretrizes relativas à segurança internacional, e assim impedir sua implementação, mesmo
que elas tenham sido aprovadas de forma unânime pelos demais membros.
Uma polêmica recente envolvendo o Conselho de Segurança foram as decisões
tomadas em relação à guerra civil na Síria. A Rússia e os Estados Unidos, membros
permanentes, estão diretamente no conflito: a Rússia apoiando o ditador Bashar Al-Assad e
os EUA apoiando os rebeldes. Por isso, questiona-se seu envolvimento nas decisões de
políticas adotadas no conflito. A Rússia já vetou várias decisões propostas no Conselho e os
dois países entraram em choque diversas vezes. cEste é o único órgão da ONU que tem
poder decisório, ou seja, o que for decidido ali deve ser respeitado. As decisões do Conselho
de Segurança devem ser aceitas e cumpridas por todos os membros das Nações.

Principais Funções do Conselho de Segurança da ONU

• Manter a paz e a segurança internacional;


• Determinar a criação, continuação e encerramento das Missões de Paz, de acordo com
os Capítulos VI, VII e VIII da Carta;
• Investigar toda situação que possa vir a se transformar em um conflito internacional;
• Recomendar métodos de diálogo entre os países;
• Elaborar planos de regulamentação de armamentos;
• Determinar se existe uma ameaça para a paz;
• Solicitar aos países que apliquem sanções econômicas e outras medidas para impedir
ou deter alguma agressão;
• Recomendar o ingresso de novos membros na ONU;
• Recomendar para a Assembleia Geral a eleição de um novo Secretário Geral.

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL

Fonte: www.nacoesunidas.org

O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) é o órgão coordenador do trabalho


econômico e social da ONU, das Agências Especializadas e das demais instituições
integrantes do Sistema das Nações Unidas. O Conselho formula recomendações e inicia
atividades relacionadas com o desenvolvimento, comércio internacional, industrialização,
recursos naturais, direitos humanos, condição da mulher, população, ciência e tecnologia,
prevenção do crime, bem-estar social e muitas outras questões econômicas e sociais.
Principais funções

• Coordenar o trabalho econômico e social da ONU e das instituições e organismos


especializados do Sistema;
• Colaborar com os programas da ONU;
• Desenvolver pesquisas e relatórios sobre questões econômicas e sociais;
• Promover o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais.

CONSELHO DE TUTELA

Fonte: www.pt.wikipedia.org

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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Segundo a Carta, cabia ao Conselho de Tutela a supervisão da administração dos


territórios sob regime de tutela internacional. Os objetivos do Conselho de Tutela foram tão
amplamente atingidos que os territórios inicialmente sob esse regime – em sua maioria países
da África – alcançaram, ao longo dos últimos anos, sua independência. Tanto assim que em
19 de novembro de 1994, o Conselho de Tutela suspendeu suas atividades, após quase meio
século de luta em favor da autodeterminação dos povos. A decisão foi tomada após o
encerramento do acordo de tutela sobre o território de Palau, no Pacífico. Palau, último
território do mundo que ainda era tutelado pela ONU, tornou-se então um Estado soberano,
membro das Nações Unidas.

As principais metas desse regime de tutela

• Promover O Progresso Dos Habitantes Dos Territórios


• Desenvolver Condições Para A Progressiva Independência E Estabelecimento De Um
Governo Próprio.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

Fonte: www.nacoesunidas.org

O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão


judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU). Tem sede em Haia, nos Países Baixos.
Por isso, também costuma ser denominada como Corte de Haia ou Tribunal de Haia. Sua
sede é o Palácio da Paz. Sua principal função é resolver conflitos jurídicos a ele submetidos
por Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas ordinariamente pela
Assembleia Geral das Nações Unidas ou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Extraordinariamente, poderão solicitar parecer consultivo órgãos e agências
especializadas autorizados pela Assembleia Geral da ONU, desde que as questões
submetidas estejam dentro de sua esfera de atividade (artigo 96, inciso II do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça).
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DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

Foi fundado em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, em substituição à Corte


Permanente de Justiça Internacional, instaurada pela Sociedade das Nações. O
Tribunal Internacional de Justiça não deve ser confundido com a Corte Penal Internacional,
que tem competência para julgar indivíduos e não Estados.
Ela se compõe de quinze juízes chamados “membros” da Corte. São eleitos pela
Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança em escrutínios separados.

SECRETARIADO

Fonte: www.opiniaoenoticia.com.br

O Secretariado presta serviço a outros órgãos das Nações Unidas e administra os


programas e políticas que elaboram. Seu chefe é o secretário-geral, que é nomeado pela
Assembleia Geral, seguindo recomendação do Conselho de
Segurança. Cerca de 16 mil pessoas trabalham para o Secretariado nos mais diversos
lugares do mundo.

Principais funções

• Administrar as forças de paz;


• Analisar problemas econômicos e sociais;
• Preparar relatórios sobre meio ambiente ou direitos humanos;
• Sensibilizar a opinião pública internacional sobre o trabalho da ONU;
• Organizar conferências internacionais;
• Traduzir todos os documentos oficiais da ONU nas seis línguas oficiais da Organização.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
ARAÚJO, Ulisses F.; AQUINO, Júlio Groppa. Os Direitos Humanos na Sala de Aula:
A Ética Como Tema Transversal. São Paulo: Moderna, 2001.

86
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E DE GÊNERO

BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em Preto e Branco: discutindo as


relações sociais. São Paulo: Ática, 2002.

CANDAU, Vera Maria, et al. Oficinas Pedagógicas de Direitos Humanos.


Petrópolis: Vozes, 1995.

CANDAU, Vera e SACAVINO, Susana (orgs.). Educar em Direitos Humanos. Rio


de Janeiro: D& P Editora, 2000.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

LEI 10.639 DE 09 DE JANEIRO DE 2003. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".

LEI MARIA DA PENHA

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e Direitos humanos. In: REDE
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS.

Construindo a Cidadania: Desafios para o Século XXI. Capacitação em Rede.


Recife: RBDH, 2001.

COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2ª.Ed.


São Paulo: Saraiva, 2001.

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