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Rentes de Carvalho explica o fascínio dos

portugueses
Cresceu pelo quarto ano consecutivo o número de portugueses que foi viver para a
Holanda. O escritor português José Rentes de Carvalho vive há décadas nesse país e não
o trocava por nenhum outro.

O escritor José Rentes de Carvalho

© Orlando Almeida / Global Imagens

João Céu e Silva


30 Julho 2020 — 23:56

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 paísHá cada vez mais portugueses a escolher a


Holanda para viver

Se tivesse de escolher um país onde viver, José Rentes de Carvalho escolheria a


Holanda. Para o escritor português não existe outro "paraíso" mais sedutor: "Aos
noventa anos a resposta é óbvia, mas se tivesse de novo vinte e seis de certeza ficava."

Não é o único português que pensa deste modo, pois nos últimos quatro anos a
Holanda tem assistido ao crescimento do número de cidadãos portugueses a
escolher este país para viver. De acordo com os dados do instituto de estatística
holandês, no ano passado atingiram os 2841.

Nos três anos anteriores, esse número fora sempre superior aos dois milhares, o mesmo
se tendo verificado já em 2008, 2012 e 2013. Um valor que só contrasta com os 830
emigrantes em 2005.

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Este "êxodo" acontece para um país que é muito crítico para com os países do sul
da Europa. Rentes de Carvalho estranha essa marcha com destino à Holanda e adianta
que só poderá ser de "pessoal especializado". A sua explicação é simples: "A situação
atual deixa poucas ou nenhumas oportunidades a quem não tiver qualificações."

O escritor vive há décadas na Holanda e considera que a sua opção não teve a ver
com a dos 2841 portugueses que em 2019 escolheram a Holanda para viver: "Vim
de Paris para fazer um trabalho no Departamento Comercial da Embaixada do Brasil em
Amesterdão, com o compromisso de ficar duas semanas, mas o Destino resolveu doutra
maneira e ainda hoje lhe dou graças.".

Quanto às divergências constantemente assinaladas pelos governantes holandeses sobre


sucessivos estender de mão de países como Portugal a fundos e apoios europeus, Rentes
de Carvalho considera que não são só os governantes que são críticos: "Uma boa parte
da população pensa o mesmo, tanto mais que têm a tributação mais elevada da
Europa, e pergunta-se por que carga de água devem pagar a desorganização, a
corrupção e o desleixo dos outros."

Quando se pergunta porque, apesar de os dois países terem pontos comuns nas suas
histórias, designadamente a nível dos tempos coloniais, e um país ser rico e o outro
remediado, Rentes de Carvalho vai direto à questão: "A mentalidade protestante dos
holandeses é toda voltada para a frugalidade, nada de chapa ganha chapa gasta, e
a obsessão da poupança faz dela uma das nações mais ricas do mundo. Há ainda a
seriedade no trabalho, a pontualidade, o cumprimento das obrigações, a disciplina. O
espírito mercantil também ajuda. E já no século XVII a Universidade levava muito a
sério o estudo científico, de que desde então tiram bons proveitos."

Reconhecimento na Holanda
Em entrevista por ocasião dos seus 90 anos em maio deste ano, já Rentes de Carvalho
tinha feito comentários sobre o perfil dos portugueses quando se lhe recordou uma frase
do seu livro Pó, Cinza e Recordações em que afirmava "Se estou em Portugal, torna-
se-me difícil ser severo." A resposta que deu foi a seguinte: "Quando estou em
Portugal, dá-me mais pena o confronto com o que vai mal, a ingénua ou fingida
docilidade com que o povo se deixa enganar, a confiança que continua a ter no jeito e na
cunha, do que resulta uma sociedade que não acredita no poder que tem e por desleixo
ou preguiça acomoda-se na passividade, iludindo-se de que o passo de caracol também é
um avanço."

Quanto às críticas oficiais portuguesas [de António Costa] sobre afirmações severas
contra Portugal por um ministro holandês, o escritor foi claro: "De modo geral, as
explosões verbais dos políticos não podem ser levadas a sério, menos ainda neste
caso em que o sentimento de 'repugnância' era um efeito teatral dirigido à plateia, pois
quando se sentam à mesa para tomar decisões todos eles sabem que não manda quem
mais berra a exigir, mas quem tem a carteira na mão e nos dedos o poder de desapertar
os cordões."

Uma coisa é certa, Rentes de Carvalho vive na Holanda há muitos anos e não sente
algum constrangimento em relação ao português que existe em si: "Bem ao
contrário. Faça a busca do meu nome no Google, verá que as entradas holandesas
excedem as portuguesas. Perdoe a involuntária vaidade a que me obriga: na Holanda
consideram-me um escritor holandês e têm honra nisso, ao longo dos muitos anos tanto
as pessoas, como as autoridades, os políticos, os burgomestres de Amesterdão, ministros
de vários governos e a própria Família Real, sempre me acolheram com excecionais
provas de carinho e cordialidade. Ainda no Google, procure no Arquivo de Amesterdão
- Stadsarchief Amsterdam - Rentes de Carvalho e verá que a cidade lá guarda o meu
retrato entre os que se orgulha de que nela vivem, trabalham e contam."

Se estas palavras se cumprirem para uma parte dos 2841 portugueses que
buscaram a sorte na Holanda em 2019, então foi uma aposta ganha.

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