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Documento Histórico?1
INTRODUÇÃO
Como você observa uma obra de arte? Uma pintura, por exemplo? Foi uma das
perguntas que me fiz após apreciar a obra A vista de Delft, de Johannes Vermeer (1632-
1676), diferente de todas as outras obras do pintor holandês, essa é uma das únicas paisagens
que o autor pintou. Sendo muito mais característico de seu repertório pinturas da vida
cotidiana da burguesia e retratos; todavia, mesmo sendo reconhecido como o pintor de obras
como: Moça com o Brinco de Pérola e A Leiteira, A vista de Delft não é uma obra
desinteressante ou sem graça, ela esconde seus mistérios como a maioria das obras barrocas
do século XVII. Mais que isso, a partir de uma obra de arte como essa, que mostra de
maneira horizontal toda uma paisagem, a vida de uma comunidade, é possível entender
diferentes formas de se ver uma pintura barroca.
Prosseguindo, A vista de Delft não é uma das pinturas mais famosas do período
artístico do século XVII, nem a mais impactante ou relevante. Entretanto, o ponto que
gostaria de chegar com o presente ensaio é compreender as diferentes visões que podemos
adquirir ao estudar, analisar e pesquisar uma obra de arte. Diferentes visões são adquiridas
por meio da pesquisa, do mergulho do arquivo/acervo e do ato de observar. Arlette Farge
1
Atividade avaliativa “Ensaio Exploratório'' apresentada ao componente curricular de História Moderna II e
História do Brasil I, do curso de História, da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus de
Chapecó.
2
Estudante da 5º Fase do curso de História, da Universidade Federal Sul - UFFS, Campus de Chapecó
exprime essa importância quando diz: ‘‘Disfarçado ou não, ele é carregado de intenções,
sendo que a mais singela e mais evidente é a de ser lido pelos outros.’’ (FARGE, 2001, p.
13), mostrando a necessidade que quase se transforma em desejo do arquivo em ser lido,
explorado, e descoberto, pois uma obra de arte, uma pintura, é um texto a ser lido.
O BARROCO E A PINTURA
O Barroco encantou e ainda encanta o mundo, seja por seu estilo expressivo ou por
suas obras majestosas e teatrais. Misturando todos os estilos artísticos em apenas um único
ambiente, seja com Bernini (1598-1680) e suas obras que confundiam o real e o imaginário,
uma espécie de teatro artístico, ou com Caravaggio (1571-1610) que inovou ao usar o claro e
o escuro em suas pinturas. Giovanni Careri apresenta o modo como os artistas barrocos
levavam a arte ao seu limite, provocando uma ultrapassagem pelas obras de movimentos
anteriores3, ou seja, o barroco se assemelhava muito a um estilo ‘‘rebelde’’, por violar as
regras tradicionais (1995, p. 258), e por utilizar tanto da pintura, escultura e arquitetura,
quanto na composição de uma única obra .
Todavia, a arte Barroca não se resumiu apenas em uma arte exclusivamente católica,
ela foi utilizada também pela burguesia e pelos monarcas absolutistas, sendo utilizada como
decoração para os palácios. A característica dessa arte não religiosa, era a auto afirmação de
3
CARERI, Giovanni. O Artista. in: VILLARI, Rosario. O homem barroco. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
4
VANDERLEI, Kalina, HENRIQUE, Maciel. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Editora Contexto,
2009. p. 31. (verbete ‘‘Barroco’’).
5
TRIADÓ, Juan-Ramón. A arte barroca. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
poder e luxo, por isso a maioria das pinturas remetia a uma natureza morta, a vasos de flores
e auto retratos. Entretanto, deve mencionar que este período histórico foi marcado por
diversas crises, seja pelo começo dos estados nacionais, ainda em formação, ou pela
autoridade exacerbada dos monarcas sobre sua população
Para poder entender um pouco sobre a Holanda Barroca, utilizei os livros História da
Arte (Vol. 4), de Sheldon Cheney, e A Holanda no Tempo de Rembrandt, de Paul Zumthor.
Livros que irão mostrar um pouco de como foi o processo artístico neerlandês, e as
características presentes na sociedade holandesa do século XVII.
Entretanto, essa democracia se tornou algo muito cara para os artistas neerlandeses, os
burgueses eram mais inconstantes nos pagamentos que os próprios nobres da igreja,
6
Idem p. 79.
ocasionando uma vida de dívida aos artistas, como os autores apontam ao citar Rembrandt e
Vermeer, os principais pintores holandeses do século XVII, que foram para o caixão, o
primeiro vivendo na obscuridade como mendigo e o segundo devendo ao padeiro 7.
Talvez não conheçamos muito dos pintores holandeses por conta de não terem
desenvolvido pinturas extremamente representativas, ou com expressões que deixassem
qualquer espectador com falta de ar, porém, foram com certeza os principais em representar
seu povo, seus costumes e sua vida cotidiana.
Contudo, o que torna bastante interessante ao analisar a técnica usada pelo holandes
para pintar seus quadros, é a utilização de instrumentos ópticos. Segundo David Hockney,
7
CHENEY, Sheldon. História da Arte Vol. 4. São Paulo: Editora Rideel Ltda, 1995. p. 5-6.
8
Idem, p. 33.
Vermeer se encantou com as propriedades ópticas das lentes, assim, tentou recriá-las na tela9,
justificando a posição da maioria de seus retratos, em que o espectador sempre parece que
está presente na obra. (Figura 2). Para o autor: [...] uma distorção que Vermeer não teria visto
a olho nu. [...] a menos que tivesse visto! Assim, este era o ponto de partida: Vermeer foi um
artista que usou a óptica – suas pinturas são demonstração disso. (HOCKNEY, 2001, p. 58).
Autor: Johannes Vermeer. (1662 – 1665). Técnica: Pintura à Óleo. Dimensões: 73,3 x 64,5 cm.
Localização: Palácio de Buckingham. Inglaterra, Reino Unido.
Forma de Acesso: https://www.wikiart.org/pt/johannes-vermeer/a-lady-at-the-virginals-
with-a-gentleman-1665
Mas o meu objetivo, entretanto, não é analisar um dos retratos de Vermeer, mas sim
uma paisagem, A Vista de Delft.
9
HOCKNEY, David. O Conhecimento Secreto: Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres. São
Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001. p. 58.
A VISTA DE DELFT
A facilidade natural dos deslocamentos nesse país plano cortado por água favoreceu
grandemente seu primeiro surto comercial, que, por sua vez, permitiu a organização
de infra-estruturas e a multiplicação dos meios. De Delft a Haia, o viajante pode
escolher entre dois itinerários: uma grande estrada em forma de alameda a um canal
sombreado por belas árvores. (ZUMTHOR, 1959, p. 53).
Vermeer pintou por duas vezes aspectos de Delft, a sua cidade natal. Um desses
quadros, que está no Rijksmuseum, em Amesterdão, é a pequena pintura conhecida
como Het Straatje (Rua de Delft); a outra, consideravelmente maior é Vista de
Delft, e está no Mauritshuis, em Haia. (SCHNEIDER, 2001, p. 15).
10
ZUMTHOR, Paul. A Holanda No Tempo De Rembrandt.São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 55.
11
SCHNEIDER, Norbert. Vermeer a Obra Completa. São Paulo: Editora Paisagem, 2005. p. 15.
Câmera Escura: O funcionamento da câmara escura é de natureza física. O princípio da propagação retilínea da
luz permite que os raios luminosos que atingem o objeto e passem pelo orifício da câmara sejam projetados no
anteparo fotossensível na parede paralela ao orifício. Esta projeção produz uma imagem real invertida do objeto
na superfície fotossensível. Quanto menor o orifício, mais nítida é a imagem formada, pois a incidência de raios
luminosos vindos de outras direções é bem menor. PORTO, Gabriela. Câmara Escura. InfoEscola. Disponível
em: <https://www.infoescola.com/fotografia/camara-escura/>. Acesso em: 15/08/2022.
baixos, ou, como no caso do barqueiro, apenas com o intuito de, ao observar, o espectador
pudesse relacionar esse fato.
Seguindo no mesmo intuito do que estou querendo apresentar aqui, Georges Didi-
Huberman no livro Diante da Imagem, dialoga bastante com esta questão do detalhe, do
analisar, do ver atento12. Assim, o ponto que gostaria de chegar é exatamente esse, talvez nem
mesmo com o olhar atento, mas com um conhecimento prévio o que Didi-Huberman diz com
‘‘nunca se saberá olhar um quadro’’, se justifique ao pesquisar, ao destrinchar uma obra
como esta.
Deste modo, apresento a obra, não tendo destrinchado ela completamente, mas espero
ter aberto um pouco ela na mente do leitor, de que até mesmo uma pintura consegue ser
estudada e representada como um documento histórico. Assim, deixo uma pergunta: Qual é a
sua A Vista de Delft.
12
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante Da Imagem. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 279.
FONTES ICONOGRÁFICAS
JOHANNES, Vermeer. A vista de Delft. (c.1660 - c.1661). Pintura à Óleo, 96,5 x 117,5 cm.
Disponível em: https://www.wikiart.org/pt/johannes-vermeer/vista-de-delft-1661. Acesso em
16/08/2022
JOHANNES, Vermeer. A Lição de Música. (c.1660 - c.1661). Pintura à Óleo, 96,5 x 117,5
cm Disponível em: https://www.wikiart.org/pt/johannes-vermeer/a-lady-at-the-virginals-
with-a-gentleman-1665. Acesso em 16/08/2022
REFERÊNCIAS
CHENEY, Sheldon. História da Arte Vol. 4. São Paulo: Editora Rideel Ltda, 1995.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante Da Imagem. São Paulo: Editora 34, 2015.
FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009.