Paulo Wunder
Doutorando em Direito Processual pela UERJ. Guest Researcher no Max Planck Institut
für ausländisches und internationales Strafrecht e Visiting Scholar na Columbia Law
School. Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.
Sumário:
1 Introdução
Portanto, para se alcançar esse objetivo, ocorre uma complicada negociação onde há um
nítido confronto de interesses contrapostos; de um lado estarão o Ministério Público e
polícia, buscando a eficiência da investigação; e, do outro, o investigado, visando a obter
o maior e o melhor dos benefícios possíveis à diminuição da sua responsabilidade penal.
Desse modo, o problema que será tratado nesse artigo se relaciona com a possibilidade
de uma das partes desistir ou adotar qualquer conduta que inviabilize o cumprimento do
acordo de colaboração premiada.
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A revisão do acordo de colaboração premiada e o
aproveitamento da prova já produzida
Dispõe o artigo 4º, § 10, da Lei 12.850/2013, que: “as partes podem retratar-se da
proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não
poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”.
De plano, percebe-se que o dispositivo legal não trata amplamente da revisão do acordo
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de colaboração premiada, mas somente da retratação das partes e, mesmo assim, da
mera proposta de acordo.
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Ademais, o enunciado cuida apenas da retratação da proposta, ou seja, da possibilidade
do Ministério Público e/ou da defesa desistirem, individual ou conjuntamente, de
firmarem um acordo, mas que ainda se encontra na fase das tratativas, isto é, não foi
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sequer homologado pelo juiz.
Dito isso, conclui-se que a vontade do negócio jurídico é elemento tanto da sua criação
como da produção dos seus efeitos, razão pela qual sem vontade não existe negócio
jurídico. Não ingressando no plano do ser e da existência do mundo jurídico, sequer se
cogita da sua validade ou eficácia. A existência do negócio jurídico constitui, então, a
premissa de que decorrem todas as demais situações que podem acontecer no mundo
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jurídico.
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Entretanto, ao contrário do que sustenta parte da doutrina, a inexistência do acordo (e
consequentemente a sua invalidade e ineficácia), gerada pela retratação, não enseja no
desentranhamento de todo o material probatório até então produzido, como, aliás, prevê
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expressamente o artigo 184 do CC (LGL\2002\400).
Por exemplo, pode ser que o ex-colaborador tenha prestado declarações perante a
autoridade policial ou o Parquet, na qualidade de investigado, durante a fase das
investigações, mas antes ou fora de uma situação de negociação de acordo de
colaboração premiada.
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A revisão do acordo de colaboração premiada e o
aproveitamento da prova já produzida
Como não havia sequer sido iniciada a negociação do acordo, as declarações do mero
investigado não estavam acobertadas pela regra do artigo 4º, § 14, da Lei 12.850/2013,
razão pela qual não houve renúncia ao seu direito ao silêncio imbuída de uma
expectativa sinalagmática de se receber um futuro benefício de colaboração premiada.
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Assim, eventual declaração prestada pelo investigado, antes ou fora de uma situação
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de negociação da colaboração premiada, continua válida.
Justamente por isso que, conforme o artigo 4º, § 10, da Lei 12.850/2013, “as provas
autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas
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exclusivamente em seu desfavor”.
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Isto posto, criou a lei hipótese especial e relativa de ineficácia dos elementos
probatórios colhidos durante o inquérito, caso o investigado, naquele momento,
ostentasse a qualidade de colaborador, mas viesse depois a se retratar da proposta.
Porém, vale frisar que, apesar dessa ineficácia relativa, os elementos probatórios
colhidos durante o inquérito (através da participação do ex-colaborador) não se
confundem com a proposta em si do acordo, pois, enquanto o primeiro grupo observou
todas as regras pertinentes quanto à sua existência e validade para a sua realização, o
segundo, como vimos, não ostenta o requisito essencial à formação de um negócio
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jurídico, isto é, a vontade de celebrar o contrato, razão pela qual sequer existe.
Isso significa que os elementos probatórios colhidos durante o inquérito, nesse contexto
de negociação do acordo, eram existentes e válidos, pois o suporte fático ocorreu e foi
transportado ao mundo jurídico, sendo que a vontade humana exteriorizada no
momento em que foram realizados não estava eivada de vícios (o pretenso colaborador
estava consciente de sua posição, orientado sobre as consequências de sua participação
e assistido por sua defesa).
Nesse sentido, de acordo com Marcos Bernardes de Mello, pode ser que um ato jurídico
seja “apenas ineficaz (stricto sensu), mas, apesar disso, dele sejam irradiados efeitos,
não os próprios do ato jurídico, porém outros, em virtude de dado invalidante ou
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ineficacizante”.
Entretanto, essa causa especial de ineficácia relativa dos elementos probatórios colhidos
durante o inquérito, através da contribuição do ex-colaborador, deixa de incidir se forem
suficientes para embasar a responsabilização da organização criminosa. Nesse caso,
todos poderão ser acusados com base naquele acervo probatório, inclusive o
ex-colaborador e mesmo tendo ocorrido a sua retratação.
3 A revisão do acordo
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Depois da homologação, não há que se falar em retratação da proposta, mas sim na
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possibilidade de desfazimento do próprio acordo, cuja viabilidade deve ser aferida,
separadamente, conforme corresponder à defesa ou ao Ministério Público.
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Trata-se de uma livre estratégia de defesa, que sempre pode variar no tempo, pois
eivada da presença da cláusula rebus sic stantibus. O acusado não está vinculado
permanentemente a manter sempre o mesmo plano de atuação, pois o direito de defesa,
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como se sabe, pode ocorrer tanto pelo seu exercício ativo, como através da renúncia
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(v.g., renúncia ao direito a não autoincriminação através da confissão ) ou do seu não
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exercício (v.g., não indicação de provas que contradigam a imputação).
Isso porque, tendo ocorrido a homologação do acordo, o colaborador, após negociar com
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a polícia e o Ministério Público e ser ouvido pelo juiz (art. 4º, §§ 6º e 7º, da Lei
12.850/2013), sempre assistido por seu advogado, apresentou sua versão dos fatos, o
que certamente incluiu uma confissão, que, embora seja divisível e retratável, permite a
sua adequada valoração conforme o convencimento do magistrado (art. 200 do CPP
(LGL\1941\8)).
Ademais, com a homologação, o acordo, que já era existente e válido, torna-se eficaz,
uma vez que nele estão incluídos, por exemplo, os resultados da colaboração e as
condições da proposta, cujos efeitos começam a ser produzidos logo após a
homologação (art. 6º, I e II).
Nesse sentido, não mais incide a ineficácia relativa do artigo 4º, § 10, da Lei
12.850/2013, até porque essa regra se restringia à retratação da proposta e não à
resilição unilateral do acordo.
Caso o colaborador alterne a sua versão, o termo de colaboração premiada não deve ser
extraído dos autos, motivo pelo qual constarão do acervo probatório tanto a declaração
original do colaborador como aquela nova, produzida após a mudança da anterior,
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cabendo ao magistrado a correta ponderação em sua livre convicção.
Cabe à defesa, então, ponderar os benefícios da alteração da sua estratégia, até porque,
a partir do momento em que mudar de rumo, é bem provável que ocorra uma quebra do
pactuado pelas partes no acordo.
Contudo, nesses casos em que o inadimplemento não teria sido causado pela defesa, o
pedido seria apenas para desobrigar o colaborador do cumprimento das suas obrigações,
mas seriam mantidos os seus benefícios e sem que houvesse qualquer consequência
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negativa direta às provas produzidas, conforme observam Vinicius Vasconcellos e
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Cibele Fonseca.
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oferecida. Nessa linha, a resilição do acordo homologado, por mera alternância de
vontade, constitui prerrogativa exclusiva do colaborador.
Ademais, quando o Ministério Público firmou o acordo com a defesa e solicitou a sua
homologação, operou a sua ponderação e escolheu: se o acordo de colaboração era
cabível e pertinente, quando esse acordo deveria ser oferecido e qual tipo de benefício
seria o mais apropriado.
No que tange à primeira possibilidade, pode o Ministério Público, com base no acervo
probatório produzido durante a instrução criminal, reavaliar a sua convicção,
manifestando-se, em alegações finais, seja para sustentar um benefício mais vantajoso
ao colaborador ou mesmo contrariamente à validade ou à eficácia daquele acordo
homologado (art. 4º, § 11).
Em que pese não poder desistir do acordo homologado, não está o Ministério Público
vinculado obrigatoriamente àquele convencimento anteriormente formado através de um
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quadro probatório que não mais se sustenta.
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Quanto à segunda opção, pode o Parquet solicitar, justificada e incidentalmente, a
rescisão do acordo. Tal pedido depende de uma quebra muito clara do acordo e da
necessidade justificada desse provimento naquele momento, até porque, em tese, deve
o juiz aferir a eficácia do acordo apenas na sentença (art. 4º, § 11), não sendo
recomendável antecipar essa análise de mérito sobre o conjunto probatório.
Isso porque, após a homologação e a partir das provas produzidas na instrução criminal,
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pode ser percebido que o acordo não correspondia à verdade dos fatos (art. 4º, § 14)
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ou que ostentava algum defeito insanável do negócio jurídico.
Além disso, também é possível que, após a sua homologação, sejam descumpridas pelo
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colaborador cláusulas do acordo que inviabilizem a sua execução.
Ocorre que o interesse desses terceiros irá se restringir àquilo que os afeta diretamente,
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A revisão do acordo de colaboração premiada e o
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não sendo possível, então, que discutam descumprimento do acordo, uma vez que não
eram parte dessa avença e não tinham qualquer compromisso a ser observado.
Quanto à eventual não veracidade das declarações do colaborador, por ser uma questão
atinente ao mérito da própria investigação ou ação penal instaurada em face desses
terceiros, também deve ser debatida nesse contexto e em confronto com a sua instrução
processual, mas não através de uma demanda autônoma em face daquela colaboração.
Enfim, esses terceiros podem ter excepcional legitimidade e interesse para o eventual
requerimento da invalidação do acordo, mas desde que por algum vício que gere a sua
nulidade e que seja demonstrado através de prova pré-constituída, a ser proposta em
demanda autônoma ou, caso já instaurada, no contexto da ação penal em que foram
acusados em virtude de elementos probatórios colhidos naquela colaboração premiada.
Porém, a adoção da teoria dos frutos da árvore proibida não pode tornar inviável a
apuração de fatos complexos no contexto de uma organização criminosa, onde, muitas
vezes, a investigação parte da contribuição do colaborador.
Inclusive, mesmo nos EUA, onde foi desenvolvida, há restrições à sua aplicação, que,
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aliás, foram consagradas na nossa legislação (art. 157 do CPP (LGL\1941\8)).
Outrossim, ao se examinar a origem dessa teoria, percebe-se que sua intenção era a de
evitar o encorajamento na obtenção de uma prova ilícita quando já se previa a
possibilidade e o interesse de, a partir dela, se chegar até a prova lícita desejada.
Desse modo, foi uma teoria criada para evitar os abusos de representantes dos órgãos
estatais da persecução penal, protegendo os interesses da defesa.
Com efeito, caso a invalidade do acordo seja causada por ato do próprio colaborador,
admitir-se a contaminação de provas obtidas seria, na verdade, favorecer aquele que
gerou o problema, ou seja, o sentido da aplicação dessa teoria seria exatamente o
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contrário daquele que motivou a sua criação.
Em outras palavras, aceitar essa possibilidade seria compactuar com uma eventual hábil
manobra da parte interessada, que poderia provocar alguma irregularidade de modo a
excluir importantes elementos de prova produzidos contra o seu interesse ou de seu
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grupo, o que parece inviável.
Por outro lado, se a invalidade tiver sido causada por ato do colaborador, mas se afetar
interesses de terceiros, ou seja, dos corréus delatados, bem como se a invalidade for
decorrente de ato da polícia, do Ministério Público ou do Poder Judiciário, nesses casos
será necessário aferir a razão da ilicitude do acordo, ou melhor, o motivo da nulidade ou
da anulabilidade do negócio jurídico (arts. 166 e 171 do CC (LGL\2002\400)), para,
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somente depois, analisar eventualmente a sua contaminação.
Ademais, eventual invalidade parcial do acordo pode não afetar uma parte válida e
separável, o que significa que um acordo envolvendo vários fatos, diversas pessoas ou
inúmeras fases e atos procedimentais, pode ter algum vício em alguma deles, mas que
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não se comunique às demais (art. 184 do CC ).
Vale lembrar que, ao falarmos sobre a retratação, deixamos claro que os elementos
probatórios colhidos durante o inquérito (através da participação do ex-colaborador) não
se confundem com a proposta em si do acordo.
Transportando essa lição ao estudo da contaminação das provas, podemos concluir que,
se a inexistência do acordo, por falta da sua vontade formadora, preservou a eficácia dos
elementos probatórios colhidos durante o inquérito, com muito mais razão eventual
invalidação do acordo também não iria, necessariamente, causar a invalidação dessas
provas decorrentes da colaboração premiada.
Isto posto, pode-se dizer que, em regra, eventual invalidade da colaboração premiada,
ou de parte do acordo, não causam, diretamente, a mesma invalidade de provas lícitas
obtidas através da participação do agente colaborador, devendo cada caso ser analisado
individualmente a fim de se perquirir especial exceção que leve à contaminação.
5 Conclusão
elementos probatórios colhidos durante o inquérito, desde que tenham sido realizados
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antes e fora do ambiente das tratativas da colaboração premiada.
Após a homologação, mas antes da sentença, pode haver: a desistência do acordo, pela
defesa; a não confirmação da versão apresentada pelo colaborador; e a rescisão do
acordo por responsabilidade de alguma das partes.
6 Referências bibliográficas
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3 Nada obsta que a retratação seja, ao invés de total, apenas parcial, isto é, em relação
a determinado fato ou circunstância ocorridos, bem como quanto à alguma condição que
já havia sido oferecida pelo MP ou aceita pela defesa. Entretanto, é imprescindível que
haja consenso, uma vez que a retratação parcial pode descaracterizar o acordo e acabar
até com o interesse na sua celebração, levando à retratação total.
4 Art. 4º, § 7º, da Lei 12.850/2013: “Realizado o acordo [...], será remetido ao juiz para
homologação [...]”.
5 Parece prudente que, no caso de desistência por parte da autoridade policial em uma
negociação em que o Ministério Público ainda não estivesse participando, houvesse a
comunicação ao Parquet, tendo em vista a possível discordância do Delegado e a
iniciativa de encampar as tratativas do acordo (art. 4º, § 6º).
8 Segundo Gabriel Habib: “Se a manifestação de vontade das partes é fundamental para
a sua validade, a manifestação de vontade das partes tem o condão de fazer com que
ele não produza efeitos a partir do momento da retratação. Se houve retratação, houve
mudança de vontade das partes” (HABIB, 2015. p. 51).
9 Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de
ser obrigatória a proposta: [...] IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
13 Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista sustentam o seguinte: “Na medida em que
se frustra o acordo de colaboração, não faria sentido que todo esse material probatório
se voltasse contra o colaborador, sobretudo quando não submetido a princípios caros ao
processo penal, de caráter constitucional, como o contraditório e a ampla defesa.
Também o princípio que garante o direito do réu não se auto-incriminar estaria
arranhado. Talvez mais prudente fosse mesmo a inutilização física desse material, com a
determinação de seu desentranhamento dos autos, caso a ele juntado, por analogia ao
disposto no art. 157, § 3º, do Código de Processo Penal” (CUNHA; PINTO, 2014. p. 74).
16 Vale lembrar que a sua eficácia estaria condicionada à regra do art. 155 do CPP: “O
juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas”.
20 De acordo com Renato Brasileiro de Lima: “Só se pode falar em acordo quando há
convergência de vontades: no caso da colaboração premiada, o Estado tem interesse em
informações que só podem ser fornecidas por um dos coautores ou partícipes do fato
delituoso; o acusado, por sua vez, deseja ser beneficiado com um dos diversos prêmios
legais previstos em lei. Por consequência, antes da homologação do acordo pela
autoridade judiciária competente, é perfeitamente possível que as partes resolvam se
retratar da proposta (...)” (LIMA, 2017. p. 734).
o próprio colaborador, pois a lei sequer fez essa ressalva. Para Mercedes Rosemarie
Herrera Guerrero: “(...) a vigência do consenso no processo penal afeta o direito
fundamental à presunção da inocência; por essa razão, embora a renúncia para exercer
a direito da defesa seja legítima (e consequentemente, é legítimo que a lei lhe conceda
determinadas consequências legais), em um outro nível diferente e preeminente se situa
a presunção de inocência, por meio da qual a carga da prova corresponde ao Estado, de
tal maneira que a única declaração do criminoso não pode ser considerada suficiente
para desvirtuar aquela. Em outras palavras, a conformidade do processado com as
posições formuladas não deve gerar da maneira automática a determinação de sua
culpabilidade, já que ao Estado corresponde a prova”. (...) “la vigencia del consenso en
el proceso penal afecta al derecho fundamental a la presunción de inocencia; por ello, si
bien la renuncia a ejercer el derecho de defensa es legítima (y por ende, es legítimo que
la Ley le conceda determinadas consecuencias jurídicas), en otro nivel distinto y
preeminente se sitúa la presunción de inocencia, por la cual, la carga de la prueba le
corresponde al Estado, de tal modo que la sola declaración del reo no puede
considerarse suficiente para desvirtuar aquélla. En otras palabras, la conformidad del
procesado con los cargos formulados no debe generar de modo automático la
determinación de su culpabilidad, ya que es al Estado al que corresponde probaría”
(tradução livre) (GUERRERO, 2010. p. 13-14).
25 Boa parte da doutrina, como Didier Jr. e Bomfim não admitem a retratação após a
homologação, inclusive pela falta de previsão legal: “A possibilidade de retratação a
qualquer tempo, mesmo após a homologação, caracteriza uma situação de grande
insegurança e desvantagem apenas a uma das partes, que, no caso, é o investigado ou
acusado, que acreditou que, cumprindo a sua parte no acordo, teria o benefício
correspondente pactuado. Tal interpretação seria contrária às características de
equilíbrio e a onerosidade do contrato. (...) Dessa forma, da redação do § 10 do art. 4º,
seria decorrente a possibilidade de retratação antes de celebrado o negócio. Parece-me
também aceitável o entendimento de que o negócio celebrado, mas não homologado,
também ele, poderia ser objeto de retratação. Uma vez homologado o acordo, com o
trânsito em julgado, não parece ser possível a retratação das partes” (BOMFIM; DIDIER
JR., 2016. p. 203).
27 Também pelo art. 200 do CPP, nota-se a possibilidade implícita do acusado mudar a
sua versão de defesa: “A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre
convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto”.
31 De acordo novamente com Pedro Adamy: “(...) situação diversa é a que ocorre no
não-exercício de direito fundamental. Aqui existe uma posição jusfundamental garantida
que a ordem jurídica lhe permite exercer ou não exercer. É uma situação fática, de
natureza – na maioria dos casos – não-jurídica. Não ocorre, portanto, a expressa
manifestação da vontade do titular pela renúncia a esse direito, apenas um não-exercer
ou um não levar a efeito as possibilidades da posição jurídica jusfundamental” (ADAMY,
2011. p. 39). Sendo assim, no não exercício há uma passividade do titular do direito,
que não age e não se manifesta, enquanto a renúncia requer um ato de concordância e
manifestação expressa com a diminuição da esfera do direito fundamental. Ademais, o
não-exercício pode ser permanente, pois o titular pode fazer essa opção ad infinitum, de
acordo com o seu interesse. Já a renúncia deve necessariamente ser limitada no tempo.
Justamente por essas últimas características, o não exercício pode levar à extinção do
direito, ao passo que a renúncia não, em face da sua temporariedade e de seu caráter
revogável.
32 Marcos Paulo Dutra Santos observa que: “(...) a delação, espécie do gênero
confissão, é genuína manifestação de defesa, sendo-lhe ínsita a retratação, conforme
revela o art. 200 do CPP, logo, qualquer tentativa de tolhê-la, amarrando o imputado às
declarações primeiramente prestadas, traduz manifesto cerceamento do direito de
defesa, em descompasso com o art. 5º, LV, da Constituição, além de compeli-lo à
autoincriminação, em desacordo com o art. 8º, 2, g, da Convenção Americana de
Direitos Humanos (CADH) – Pacto de São José da Costa Rica –, inserida no ordenamento
pátrio pelo Decreto n. 678/92” (SANTOS, 2017. p. 147).
34 Por isso que, como as provas produzidas pelo colaborador, ou a partir da sua
colaboração, são válidas, estão documentadas e não serão desentranhadas, Marcos
Paulo Dutra Santos sustenta que: “não obstante a retratação do imputado, as suas
declarações, e as provas delas derivadas, são lícitas e passíveis de valoração
jurisdicional” (SANTOS, 2016. p. 148). Não concordamos com a seguinte opinião de
Vinicius Vasconcellos: “Primeiramente, é incontestável que a confissão proferida pelo
delator, ainda que em fase judicial, não poderá ser valorada pelo julgador, se houver
retratação, sob pena de inevitável violação ao direito de não autoincriminação. No que
diz respeito às demais provas eventualmente produzidas em razão da cooperação do
imputado, pensa-se que também não poderão ser utilizadas em seu prejuízo, mas
somente para incriminação de terceiros” (VASCONCELLOS, 2017. p. 254).
35 Para Marcos Paulo Dutra Santos: “Antes desse marco, o colaborador pode retratar-se,
como consectário lógico e indeclinável da autodefesa, que é uma das expressões da
ampla defesa – art. 5º, LV, da Constituição da República –, seja antes ou após a
homologação do acordo, independentemente da anuência do Ministério Público”
(SANTOS, 2016. p. 147).
41 Embora não previsto em lei, tem sido estabelecido na prática que, para a verificação
de descumprimento de algum compromisso fixado no termo, é necessária a notificação
das partes e a formação de um procedimento apartado, podendo haver, inclusive, uma
audiência de justificação, a ser concluída através de uma manifestação judicial que
rejeitará ou determinará a rescisão do acordo. Por exemplo, há interesse caso o Parquet
demonstre a necessidade de uma revogação do acordo para que possa estabelecer,
desde logo, uma nova linha de atuação, como oferecer uma denúncia em face daquele
que havia sido contemplado com o benefício deixar de oferecer denúncia (acordo de
imunidade).
“possíveis resultados” (art. 6º, I, parte final) do acordo sejam atingidos. A tese de
proibição de comportamento contraditório pelo Estado para defender o interesse do
colaborador não pode gerar que ele se beneficie da sua própria torpeza, ao receber um
benefício sem que haja a sua correspondente contrapartida, uma vez que o resultado
positivo do acordo está diretamente atrelado à confirmação do relato do colaborador
pelas provas produzidas durante a instrução criminal. Na verdade, antes de se examinar
eventual venire contra factum proprium, deve-se lembrar que nemo auditur propriam
turpitudinem allegans, ou seja, “ninguém pode ser ouvido ao alegar a própria torpeza”.
43 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente
incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo
determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita
em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o
declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Art. 167. É nulo o negócio
jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma. Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo,
coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
47 De acordo com Luiz Francisco Torquato Avolio, a doutrina cunhada pela Suprema
Corte dos EUA, chamada de teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the
poisonous tree), somente passou a ser utilizada no caso Nardone vs. U.S., em 1939, que
tratava de provas alcançadas pela gravação de conversas telefônicas do acusado,
obtidas sem ordem judicial (AVOLIO, 2003. p. 68). Renato Brasileiro de Lima cita um
precedente ainda anterior, de 1920, no caso Silverthorne Lumber Co vs. US, em que a
Suprema Corte dos EUA reputou inválida uma intimação que tinha sido expedida com
base numa informação obtida por meio de uma busca ilegal (LIMA, 2017. p. 537).
48 Art. 5º, inciso LVI, CF/1988: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos
e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova.
50 Para Cibele Fonseca: “(...) nos casos de rescisão imputável ao colaborador, ele
perderá todos os benefícios concedidos, permanecendo hígidas e válidas todas as provas
produzidas, inclusive depoimentos que houver prestado e documentos que houver
apresentado” (FONSECA, 2017. p. 157).
52 Embora Vinicius Vasconcellos sustente que “se houver violação a normas legais,
constitucionais ou convencionais, torna-se ilegal a realização da colaboração premiada,
maculando-se o acordo firmado e eventuais elementos probatórios dele derivados”
(VASCONCELLOS, 2017. p. 258), cuida-se de afirmação demasiadamente ampla e
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A revisão do acordo de colaboração premiada e o
aproveitamento da prova já produzida
55 Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao
paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou
aos seus bens. [...] Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é
anulável o negócio jurídico: [...] II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão ou fraude contra credores.
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