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Doutrina O HERDEIRO LEGITIMARIO (*) Pelo Prof. Doutor J. Oliveira Ascensao SUMARIO. |. Introdugao; A — O de cujus dispos por morte da quota disponivel mas dispos dela na totalidade; 2. O legitimario € herdeiro; B — O de cuius, no disp6s de nada; 3. O legitimario é herdeiro; C—O de cuius fez. em vida liberalidades em beneficio dos legitimédrios; 4. 0 legitimario é herdeiro e ndo legatario; D — O de cuius dispds de tudo em beneficio de terceiros; 5. A redugdo das liberalidades; 6. O des- tino dos bens apés a redugao; 7. O confflito de direitos; 8. O legitima- tio é herdeiro; E— © chamado legado por conta da legitima; 9. A imputacdo: 10. A negacdo da figura do «legado por conta da legi- tima»; 11. A intangibilidade da legitima; 12. Qualificagao como her- deiro ou como legatério; F — Legado em substituigao da legitima: 13. O problema; 14. O fundamento da cléusula de substituigao; 15. A qualificago como herdeiro; 16. CONCLUSAO. 1. Introducgao Agradeco esta oportunidade que me é dada de participar numa homenagem ao Dr. Jodo Anténio Lopes Cardoso. Pouco dialoguei pessoalmente com ele; mas o didlogo estabeleceu-se através dos seus escritos. Tenho a consciéncia de estar integrado numa cor- Tente em que recebi muito dos que me precederam, tal como pro- curo deixar algo acrescentado aos que me sucederem. (©) Texto da conferéncia proferida em 6.XII.96 no Ciclo de Homenagem ao Dr. Jodo Antnio Lopes Cardoso, promovido pela Ordem dos Advogados (Porto). 6 J. OLIVEIRA ASCENSAO No caso, 0 espago de didlogo foi o Direito das Sucessdes. Logo este dominio meio abandonado, que vive tempos de um certo desconforto. Hé uma paragem que indicia uma crise. A fungao do Direito das Sucessdes é a de servir a continui- dade através das geragdes. Mas muito frequentemente, pelo con- trdrio, a sucessao nao significa continuidade, significa ruptura. A volta da heranga suscitam-se dramas familiares; assiste-se & dissolugao precoce da coesao da familia de sangue; e criam-se blo- queios no préprio fluir das relagées patrimoniais. A lei nao se mostra adequada para atalhar a este estado de coi- sas; talvez nao esteja sequer interessada em fazé-lo. As solugdes mais simples nao sao facilitadas. Tudo para gaudio da burocracia. E se assim se passa na sucesso em geral, mais ainda se acen- tua na sucesso legitimdria. A complexidade desta desmotiva. Para 0 leigo, € um dominio misterioso. Mesmo 0 jurista nao est4 muito seguro da verdadeira posigdo que ele ocupa no fenémeno suces- s6rio. De facto, diz-se que as modalidades de sucessao (ou, com pre- ferimos dizer, de vocagio) sao trés: — voluntéria — legitima — legitimaria. Mas logo esta afirmagao nao é segura. A sucessao legitimaria seré verdadeiramente uma figura autonoma? Nao ser4 uma mera excep¢ao A sucessio testamentéria? (') Ou quigé um aspecto da sucessao legitima? E mais ainda, como conjugar a posi¢ao do legitimario com a instituigéo de herdeiro testamentdrio, ou o chamado legado por conta da legitima, ou o legado em substitui¢do da legitima? Haveré titulos diversos de herdeiro testamentario e legitima- rio? Ou de herdeiro e legatario, na cabega do mesmo legitimario? () Qua outros tipos de liberalidades. Assim, para L. Mengoni, a sucessao le; méria € uma sucesso ex lege que pressupde a leso da legitima e se determina por efeito da declaragio de ineficdcia (reduco) das liberalidades lesantes: Successioni per causa di morte, Parte speciale, Successione necessaria (no «Trattato» de Cicu/Messineo), Giuffre (Milo), 1967, n° 21. O HERDEIRO LEGITIMARIO 7 Podemos falar em concorréncia de titulos? E, nesse caso, como ao titulo estao associados regimes diversos, como conciliar esses regimes? E objectivo desta andlise determinar qual a posigao juridica do legitimario. Para isso, numa abordagem tépica, vamos distinguir sucessi- vamente varias situacdes. Na realidade, a dtivida poderia recair logo na propria admis- sibilidade de se falar de um herdeiro legitimdrio (2). A dtivida seré porém varrida se, na abordagem tépica a que vamos proceder, detectarmos ao menos uma situag4o que s6 pudesse ser caracterizada justamente como a de um herdeiro legitimério. A— O de cuius dispés por morte da quota disponivel, mas dis- pos dela na totalidade 2. O legitimdrio é herdeiro E uma hipétese extrema. Na sua maxima simplicidade, surge quando o de cuius instituir um terceiro herdeiro na medida da quota disponivel, e houver um sé legitimario. O legitimario é herdeiro? Nao se vé que outra qualificagao lhe atribuir. Ele é sem dtivida chamado a sucesso como herdeiro. E sendo herdeiro, é um herdeiro legitimério. Nao é um herdeiro legitimo. Nao s6 0 estatuto legal que lhe corresponde é distinto como ha uma diferenga fundamental: o objecto da sucessio que lhe cabe é diverso do da sucessao legitima. O herdeiro legitimo € chamado a heranga. Portanto, ao patri- ménio deixado pelo falecido. O herdeiro legitimario tem direito a legftima. Esta, nos termos do art. 2162.° (°), € calculada, nao s6 sobre o valor do relictum, @) Como pareceria resultar da afirmagio de Pamplona Corte-Real, Direito da Familia e das Sucessbes, 1 — Sucessées, Lex, 1993, n.° 514, de que o herdeiro legitima- rio, «tal como o legatério, surge como um credor da heranga relativamente ao valor da sua quota legitimérian. ©) Todo o preceito cuja origem ndo for especificada pertence ao Cédigo Civil. 8 J. OLIVEIRA ASCENSAO como sobre o dos bens doados e o das despesas sujeitas 4 colagao. Vemos que nesta hipdtese tao simples, em que se nao abre a suces- so legitima, 0 objecto da sucesso legitimaria nao coincide com 0 que seria 0 objecto da sucesso legitima. Temos portanto, com esta primeira hipétese, demonstrado que a sucesso legitimdria € auténoma eo legitimario é chamado como herdeiro. B— O de cuius ndo dispés de nada 3. O legitimario é herdeiro Nesta outra hipétese radical, o de cuius de nada dispés. Nem mesmo em vida; nem ha despesas sujeitas a colacao. Ha porém que perguntar se se justifica distinguir sucessdo legitima e legitimdria: uma vez que o acervo é completamente idéntico. E sé a heranga que est4 em causa. A pratica ndo sente a necessidade de distinguir uma sucessao legitima e uma sucesso legitimdria. Tudo se passa como se 0 titulo legitimo abrangesse tudo. O titulo legitimdrio surgiria como de intervengio meramente potencial. Mas isso nZo impede que falemos numa concorréncia de titu- los. Apenas, 0 titulo legitimario fica como que dormente. Uma vez que as regras aplic4veis so as mesmas (art. 2157.°) sé ha na pra- tica que referir o titulo legitimo. C—O de cuius fez em vida liberalidades em beneficio de legiti- mdrios 4. O legitimério é herdeiro e nao legatério Vamos supor que essas liberalidades estao sujeitas 4 colagao, sendo feitas a descendentes, e que nao ha inoficiosidade. Essas liberalidades irao preencher a quota indisponivel, salvo determinagdo em contrario. Estao dependentes da aceitacao do legitimario: mas a aceitagao dirige-se ao beneficio em que consis- O HERDEIRO LEGITIMARIO 9 tem, e nao 4 imputacao na quota indisponivel ou na legitima sub- jectiva, que é um efeito legal. Podemos ainda distinguir consoante a quota do legitimario ficou preenchida: — parcialmente — totalmente. a) No primeiro caso, o beneficidrio nao perde a qualidade de herdeiro. Mas nao tem nenhuma outra qualidade, e nomeadamente a de legatario. Os bens recebidos em vida nao se integram na heranga, e portanto o tnico titulo sucessério que lhe pode caber é 0 de herdeiro. b) O segundo caso é mais dificil. Parecera anémala a figura de um herdeiro que nada tem a receber da heranga, pois a sua parte foi totalmente preenchida com liberalidades em vida. Mas nao é seguramente um legatdrio. E nenhum motivo haveré para o considerar riscado do ntimero dos herdeiros, pelo simples facto de a sua expectativa ter sido satisfeita mais cedo. Nao se indi- cia nomeadamente nenhuma intengdo de o excluir por parte do autor da sucessao. Pelo contrario, haver4 muito mais facilmente uma manifestacao de preferéncia na outorga daquelas liberalidades. Isto nos pde no encalce de uma figura muito significativa: a figura do herdeiro, que nao obstante nao tem parte na heranga. Veremos, na anilise de figuras subsequentes, como essa situa- ¢4o se configura. Por agora, deixamos apenas ressaltado que, nado o conside- tando herdeiro, quem provavelmente foi objecto de preferéncia do de cuius acabaria por ficar afinal postergado perante os legitimd- rios nao beneficiados em vida. D— O de cuius dispés de tudo em beneficio de terceiros 5. A reducgio das liberalidades Numa hip6tese oposta igualmente radical, 0 de cuius disp6s de tudo, sem contemplar os legitimarios. Surge-nos agora a figura da inoficiosidade. A lei responde com a previsao da «redugo das liberalidades» (arts. 2168.° e seguintes). 10 J. OLIVEIRA ASCENSAO Mas a redugido de liberalidades nao € aut6noma nem funciona oficiosamente. Ela depende de requerimento dos legitimérios (art. 2169.°). Para apurar a natureza juridica do acto de impugnagao de libe- ralidades, temos de distinguir as liberalidades: —em vida — por morte. A lei fala em qualquer caso de redugdo, como sabemos. No que respeita a liberalidades em vida, a lei regula especifi- camente as doacGes (arts. 2174.° a 2177.°). A inoficiosidade verifica-se 4 data da abertura da sucessao. Assim sendo, as doagdes, mesmo que se venha a verificar que vio- lam o direito do legitimario 4 quota disponivel, nao sao como tais ilicitas ou invdlidas. S40 validas, embora os seus efeitos possam cessar por facto superveniente. Por isso, nunca se pode falar em nulidade ou anulagao das doagées, porque o que é valido nunca se torna supervenientemente invalido. E o regime do art. 2168.° € totalmente incompativel com a destruigao retroactiva que € propria da invalidade. Da mesma forma, hd que negar um cardcter de simples apre- ciag&o a acgdo de redugdo. As doagGes, mesmo inoficiosas, s6 sao atingidas se o legitimdrio quiser: tem o direito potestativo de as impugnar. Se o fizer, a acco tem cardcter constitutivo, pois sé com ela os bens podem ser reclamados para satisfazer a legitima. Se 0 nao fizer, a situag4o persiste sem defeito. Tao-pouco hd uma resolugdo. Nao ha como pér em causa a situagdo passada. Isso traduz a lei, ao determinar que o donatario € considerado, quanto a frutos e benfeitorias, possuidor de boa fé até A data do pedido de redugao (art. 2177.°). Com isto quer-se acentuar a regularidade da situagao do donatdrio, que beneficia de efeitos favordveis andlogos aos relativos ao possuidor de boa fé. Também nada adianta falar de uma ineficdcia. E um conceito amplfssimo, que abrange praticamente todas as formas de invalidade e extingdo dos actos e contratos; e ndo hd que falar de ineficécia em sentido restrito, pois a propria fonte daqueles efeitos é atingida. O HERDEIRO LEGITIMARIO WW Poderiamos falar de uma causa de rescisdo da doagio. Esta, que teria j4 uma causa de vulnerabilidade origindria, tornar-se-ia inoficiosa quando se produzisse a situagao superveniente de ferir a legitima do herdeiro legitimario. Na terminologia cientificamente preferivel, diriamos que ha dissolugdo e nao resolugao. E que essa dissolugao pode ser total ou parcial. Mas nem isso nos parece verdade. O legitimdrio nao pée pro- priamente em causa 0 acto de doagdo. Ele pede simplesmente uma entrega de bens ou do seu valor, na medida necessdria para preen- cher a sua legitima. Como isso pode ser juridicamente conciliado, teremos opor- tunidade de ver de seguida. 6. O destino dos bens apés a reducao Para nos situarmos, convém apurar qual o destino dos bens, uma vez operada a redugao. Reverterao esses bens para a heranga? E ficarao sujeitos 4 responsabilidade pelas dividas desta? Aparentemente, a resposta seria afirmativa. Dir-se-ia que dou- tro modo se criaria uma situagao de puro acaso. Se o de cuius nao tivesse feito a doacdo inoficiosa, os bens teriam continuado na heranga e teriam respondido pelas dividas; tendo havido doagdo inoficiosa, ficariam imunes. A realidade é porém a contraria. Os credores da heranga ape- nas podem atingir o relictum. Os meios de defesa dos credores contra os actos dos devedo- Tes estéo estabelecidos por lei. Podem estes recorrer 4 acgao de simulagao, 4 acgo de nulidade, 4 ac¢iio pauliana... Mas se nao se preenchem os pressupostos destas acgdes, 0 credor nao tem possibilidade de reagir contra os actos do devedor. O que significa que, pelo que thes respeita, se o devedor dispés do que lhe pertencia, disp6s bem. Quando a lei admite a redugao das doagées, fa-lo em benefi- cio exclusivo do herdeiro legitimario. O acaso alegado vira-se agora ao contrério: nao se compreenderia que o credor, que nao 12 J. OLIVEIRA ASCENSAO tinha direito de impugnar a doagao, passasse a poder recair sobre os bens pelo puro acaso de aquela doacao ser inoficiosa! Diremos assim que a reduc¢do das doagées se processa em beneficio exclusivo do herdeiro. Os bens nao revertem para a heranga; revertem para o herdeiro ou herdeiros que requereram a reducgdo. Nao estdo assim sujeitos 4 administragao do cabeca de casal e muito menos 4 responsabilidade pelas dividas da heranga. 7. Oconflito de direitos Com estes dados, perguntemos entdo directamente qual a natureza da «rdugao de liberalidades». Comecemos pela doagdo inoficiosa. Como dissemos, 0 legitimdrio ndo p6e em causa propriamente a doagao. Ele invoca um direito a bens: o direito de perceber do dona- trio os bens ou valores necessdrios para perceber a sua legftima. Como é isto possivel? Resulta do conflito, que logo em vida do autor da sucessio se estabelece, entre herdeiro legitimdrio e donatdrio. O herdeiro legitimario tem uma expectativa juridicamente tutelada, como vimos. Isso significa que qualquer liberalidade do autor da sucessdo provoca o conflito de direitos, entre herdeiro legitimario e donatario. Esse conflito, salvo hipdteses extremas, é meramente poten- cial até 4 abertura da sucessdo. S6 nessa altura se verifica se 0 con- flito eclode, como conflito actual, ou se pelo contrdrio se desfaz, consolidando-se definitivamente a liberalidade em vida. Se 0 conflito potencial degenera em conflito actual, vai ser legalmente resolvido nos termos do que tecnicamente se chama prevaléncia (*). O legitimdrio, como o titular preferente, tem o direito de perceber bens, sejam quais forem as consequéncias que (9) Cfr. 0 nosso Direito Civil — Reais, 5.*ed., Coimbra Editora, 1993, n.° 130. Eo que se passa tipicamente no conflito entre 0 direito do credor hipotecario e 0 do titular dos bens gravados. O HERDEIRO LEGITIMARIO 13 isso tiver em relagdo ao donatério. Se para satisfazer 0 seu direito se tiver de apoderar de todo 0 objecto, o donatdrio fica sem nada. Mas fica sem nada por razdes que podemos dizer de facto: o seu titulo nao é atingido, os bens é que nao chegaram para satisfazer simultaneamente os dois titulares em conflito. A situacao € totalmente diferente havendo disposi¢ao testa- mentdria (heranga ou legado) que atinja a legitima. Ha um acto que, logo quando deveria produzir efeito, é impugnavel, por atingir o direito dos legitimarios. A disposigao testamentéria esté inquinada. Basta entéo provocar a chamada caducidade da disposigdo testamentaria (cfr. 0 art. 2317.°). A dis- posi¢do nao produzira efeitos, no todo ou em parte, desde a aber- tura da sucessao. A situagao também é diferente quanto aos efeitos produzidos. A posic¢ao do legitimario é idéntica 4 de qualquer beneficidrio da caducidade de uma disposi¢ao testamentaria. Os bens nunca foram juridicamente do beneficidrio da disposigao. Por isso, aqui os bens pertencem & heranga e sao adquiridos pelo legitimario por via here- ditéria. Logo, estao sujeitos, nos termos gerais, 4 responsabilidade por dfvidas. 8. O legitimdrio é herdeiro Com estes elementos, vejamos entao se o legitimdrio, cujo direito foi satisfeito integralmente pela redugao de liberalidades feitas em vida pelo autor da sucesso, é ou nado um herdeiro. O problema surge com gravidade muito particular quando 0 de cuius disp6s de tudo por liberalidades em vida. Como pode o legitimdrio, que nao recebe a heranga, ser ainda um herdeiro? Mas a verdade é que, se 0 legitimdrio pode pedir a redugio das doagoes, é porque € herdeiro. Se nao tivesse o titulo de her- deiro, nao o poderia fazer. Os arts. 2168.° e seguintes sao categ6- ricos ao atribuir a faculdade de redugdo aos «herdeiros legiti- miarios». Na realidade, temos de distinguir, dentro das faculdades que cabem ao herdeiro, aquelas que tém como fundamento a indivi- 14 J. OLIVEIRA ASCENSAO so, ou contitularidade da heranga, e as que sio independentes desta. Se o legitimério se satisfaz exclusivamente por reducao de liberalidades em vida, ele nao é titular de nenhuma das faculdades que se fundam naquela contitularidade. Nao pode pedir o inventa- tio divisério, nao tem preferéncia havendo alienagdo do quinhao hereditario por um co-herdeiro, nao é responsavel por dividas da heranga ¢ assim por diante. Mas, pelo contrdrio, tem as faculdades que da heranga sao independentes. Assim, cabem-lhe as faculdades pessoais atribui- das ao herdeiro. E beneficia igualmente do acrescer. As modali- dades em que este se pode verificar sao nesta hipdtese reduzidas, Porque por definigao nao ha herdeiros ou legatdrios testamenté- trios cujas posigdes possam ser objecto de acrescer: s6 se passa a redugdo de liberalidades feitas em vida se esgotadas ou inexis- tentes as disposigdes testamentdrias. Mas o acrescer manifesta-se ainda em relacao a outros herdeiros legitimarios, por natureza igualmente nao participantes da heranga, que vierem a sair daquela sucessao. Enfim, € justamente porque ele seria herdeiro, mesmo quando nao hd heranga, que o legitimario pode ainda neste caso ser deser- dado. O autor da sucesso, mesmo que nao tenha bem nenhum de que dispor, pode em testamento «deserdar o herdeiro legitimario, privando-o da legitima» (art. 2166.°). Em conclusao, temos que neste caso o legitimario tem ainda um titulo de herdeiro, que nenhuma razio h4 para excluir. Apenas se lhe nao aplicam as disposigGes justificadas por uma contitulari- dade ou indivisdo da heranga. E — O chamado legado por conta da legitima 9. A imputacao Uma figura que tem sido versada ente nés, particularmente em consequéncia dos estudos de I. Galvao Telles, € a do «legado por conta da legitima». O HERDEIRO LEGITIMARIO 15 Como porém a figura esté dependente do entendimento da imputagdo de liberalidades, na legftima ou na quota disponivel, comecemos por uma referéncia a esta. A imputag4o foi objecto de uma dissertagéo de Pamplona Corte-Real (*). O autor desenvolve vastas indagacGes sobre a natu- reza do instituto. Exprimimos porém 0 nosso cepticismo sobre os resultados. Imputar é simplesmente referir, quando muito atribuir. E um fenémeno geral do pensamento, aplicdvel no Direito como em qualquer outro dominio. No Direito das Sucess6es, pergunta-se simplesmente se certas liberalidades se integram na legitima ou na quota disponivel. Esta questéo n&o tem resposta directa na lei. Resolvem-se situag6es tipicas, mas nao se d4 um princfo geral de solucao E tao- -pouco o dé a doutrina, que evita recorrer a critérios gerais. Mas nao poderd deixar de o fazer, ao que pensamos. Nada adianta remeter para a vontade do autor da sucessdo ou para fér- mulas semelhantes, porque teré de ser sempre confrontada com a interrogagdo: se num caso concreto no se encontrar nenhuma especifica determinagao aplicavel, a deixa deverd ser imputada na legitima ou na quota disponfvel? Se nenhum outro princfpio parcelar trouxer a solucao, a deixa deve ser imputada na legitima. E isto porque se deve presumir que o autor da sucessio nao pretende desigualar os legitimdrios. Por isso, qualquer liberalidade que lhes fizer deve-se entender como destinada a integrar a legi- tima do legitimario. Neste sentido, nao levard tendencialmente a uma desigualagao. Pode porém acontecer que o valor da deixa exceda o da quota legitimdria do beneficidrio. O art. 2165.°/4 diz-nos que, no excesso, € imputada na quota disponivel. Trata-se de uma preocu- pagao legal pelo aproveitamento da disposi¢ao, mas que nao pée em causa 0 critério fundamental acima proposto. ©) Da Imputagao de Liberalidades na Sucessdo Legitiméria, Centro de Estudos Fiscais, 1989. 16 J. OLIVEIRA ASCENSAO 10. A negac&o da figura do «legado por conta da legitima» O legado por conta da legitima seria integrado, no entender da doutrina, na quota indisponivel. Isto por definigao, por ser um legado por conta da legitima. Mas supomos que ha antes de mais ha que questionar a admis- sibilidade da figura. O Cédigo Civil fala em legado por conta da legitima. Mas, curiosamente, ndo 0 faz no Direito das Sucessées: f4-lo em maté- tia de Direito da Familia, nos arts. 1678/2 b e 1733/1 a. Na disci- plina das Sucessdes, onde a responsabilidade técnica é maior, a expressao € omitida. Na realidade, pensando bem, nao ha «legados por conta da legitima». Trata-se apenas da forma, que se vulgarizou, de expri- mir uma realidade diferente. Temos de distinguir antes de mais dois tipos de disposigdes do autor da sucessao: — a designacio dos bens que devem preencher a legitima dum legitimdrio — 0 pré-legado. a) A designacao dos bens que hao-de preencher a legitima subjectiva dum legitimdrio é valida: prevé-a o art. 2163.°. Sim- plesmente, essa designacao nao pode ser imposta ao herdeiro. Se 0 legitimdrio nao quiser, a disposigao nao tem efeito. Em princfpio, qualquer atribuigao de bem determinado a um legitimario tem este sentido. b) Opré-legado. Hé porém que entrar em conta também com 0 pré-legado, pre- visto no art. 2264.°: «O legado a favor de um dos co-herdeiros, e a cargo de toda a heranga, vale por inteiro». O pré-legado nao é figura especifica da sucessio legitiméria: manifesta-se também na sucesso legitima. Mas pode haver pré- -legados mesmo em casos em que nao seja aberta a sucesso legf- tima. Dizendo que vale por inteiro, a lei indica justamente que o pré-legado desiguala. Aquele herdeiro recebe, mais que os outros, O HERDEIRO LEGITIMARIO 17 aquele legado. O que significa também que terd de ser imputado na disponivel: é pago pelas forcas desta. O pré-legado desequilibra as posigdes dos herdeiros. Mas esse desequilibrio s6 se pode verificar na disponivel. As quotas legiti- marias sao intocdveis. O pré-legado nunca é de presumir. Ainda que o testador fale em legado, deve-se entende que pretende preencher as quotas dos herdeiros, se forem estes os beneficidrios, e nao desiguald-los. A presungao de que nao ha desnivelacdo funciona também aqui. 11. A intangibilidade da legitima A «intangibilidade da legitima» é relativa. Mas tem uma expressao forte nos arts. 2163.° e 2164.° A conjugagao destes dois preceitos nao é facil. Supomos poder dar um critério da conjugacao dividindo assim os campos: — oart. 2163.° prevé limitagdes que nao implicam direitos de terceiros —o art. 2164.° prevé limitagdes em beneficio de terceiros. Mas ha outro elemento distintivo, igualmente importante. O art. 2163.° limita-se 4 consideragao da legitima. O art. 2164.° pressupde que ao legitimdrio caberia ainda a quota disponivel; por isso a pode «entregar. Vejamos entao como funcionam estes preceitos. a) O art. 2163.° prevé limitagdes qualitativas resultantes, quer da designagao dos bens que devem preencher a legitima, quer de encargos instituidos a que nao corresponda um beneficiario: encargos pela alma, actividades culturais a cargo do herdeiro e assim por diante. A lei € radical. Na medida em que esses encargos limitem a legitima, o legitimario nao tem que os aceitar. O legitimario tem direito a legitima «limpa». Os encargos ou limitagdes s6 0 vincu- lam se quiser. b) O art. 2164.° prevé oneragdes em que ha um terceiro beneficiario. 18 J. OLIVEIRA ASCENSAO Estamos no dominio tradicionalmente abrangido pela cautela sociniana. A lei fala em «deixar usufruto ou constituir pensao vita- licia que atinja a legitima». Podemos generalizar: estd em causa qualquer encargo que atinja a legitima — um fideicomisso, por exemplo. Nao se dispde aqui que o encargo ndo pode ser imposto ao legitim4rio, como no art. 2163.° Mas isto por dois motivos: por um lado porque se quer preservar quanto possivel a disposigao do autor da sucessao em beneficio de terceiros, por outro porque se Pressupoe que ao legitimario couberam mais bens que os necessé- rios para perfazer a sua legitima. A lei da entao ao legitimério a alternativa de cumprir 0 legado ou de entregar ao legatdrio téo-somente a quota disponivel. Para compreendermos a disposigo, vamos suscitar trés hipé- teses diferentes: é ao legitimario cabe também a totalidade da quota dispo- nivel 4i) ao legitimario cabe apenas parte da quota disponivel iii) Otestador dispés da quota disponivel em beneficio de ter- ceiros. ) Na primeira hipétese, o legitimario, se nao quiser cumprir © encargo, abre mao da quota disponivel. Fica entao com a legitima limpa. if) Pode porém acontecer que o testador tenha disposto ja parcialmente da quota disponivel. O espirito do art. 2164.° abrange também esta hipotese. O legitimério abre mao do que Ihe couber na quota disponivel, e do mesmo modo tem direito a legitima limpa. iii) Que acontece porém se o testador tiver disposto da quota disponivel em beneficio de terceiros? O art. 2164.° nao pode funcionar. Mas o legitimario terd de aceitar 0 encargo? ___Nao: 0 principio mais forte é 0 de que o legitimario tem direito a legitima limpa. O que acontece é que ent&o estamos numa situagaio andloga a do art. 2163.°: 0 testador, considerando a mera legitima, impés-lhe O HERDEIRO LEGITIMARIO 19 encargos. O elemento de diversificagao esta em esses encargos serem em beneficio de um terceiro. A analogia com 0 art. 2163.° funciona. O legitim4rio tem direito 4 legitima limpa e nao é obrigado a cumprir o encargo. 12. Qualificagao como herdeiro ou como legatério Tiremos agora uma conclusao sobre estas hipétees. O legiti- mario € entao herdeiro ou legatério? Vamos distinguir as duas situagdes-base. a) A designacao dos bens No caso do art. 2163.°, o legitimario é sem diivida um her- deiro. Sera um legatario também? Serd um legatdrio-herdeiro, como diz por exemplo Joao Anténio Lopes Cardoso (5)? Pensamos que nao, porque nao hd verdadeiramente legado. O chamado legado por conta da legitima é preenchimento de quota, e ndo sobreposicao de atribuigées diferentes. Nao obstante, na afirmagao de que este legitimario é um lega- tdrio hd algo de verdade. O legitimario nao tem titulo de legatdrio: nao ha uma concor- réncia de titulos. Mas est4 numa situagao em que ha uma clara ana- logia com a do legatédrio. Por forga dessa analogia, pode langar mao de preceitos relati- vos ao legatdrio, na medida em que lhe sejam tteis. Assim, pode pedir imediatamente a entrega dos bens, sem ter de esperar pela partilha. Ha pois a possibilidade de um recurso limitado as regras do legado por parte de um herdeiro legitimdario. b) Pré-legado Aqui, pelo contrario, é clara a cumulagao de titulos. O legiti- méario beneficiado por um pré-legado é herdeiro e é legatdrio. (©) Partilhas judiciais, 1, 3.* ed., Almedina, 1979, n.° 32. 20 J. OLIVEIRA ASCENSAO Mas nao hd conflito ou contradi¢ao dos titulos, porque os objectos so diferentes. O titulo de herdeiro refere-se a quota legi- timéria e 0 titulo do legatario ao enriquecimento determinado que € outorgado pelo pré-legado. F — Legado em substituigao da legitima 13. O problema 1a figura é objecto do art. 2165.°. A lei coloca o herdeiro perante uma alternativa, de que resulta que, se aceita o legado, perde o direito a legitima (n.° 2). Mas resulta também que a perda do direito A legitima esta dependente da vontade do legitimario. O principio nao se altera pelo facto de a lei retirar do siléncio do legitimdrio a conclusdo de que aceita o legado. Em todo o caso, a manifestago de vontade nao vai propria- mente no sentido da perda do direito 4 legitima, mas no da aceita- g4o do legado. A perda do direito 4 legitima é mero efeito legal. O beneficiadrio é sem dtivida um legatdrio e tem 0 estatuto que a este corresponde. Também sem diivida, a aceitagao do legado implica a perda do direito a legitima. Afirma-o expressamente 0 art. 2165.°/2. Pamplona Corte-Real qualifica 0 legado como legitimario, até por dever ser imputado na quota indisponivel (’). Ma: ha sucessio legitimaria, hd sucessdo voluntéria. A imputagao na quota indisponivel é fenémeno de calculo, que nao transformaria por si o herdeiro em legitimério. No obstante, o beneficidrio de semelhante legado nao poder ser considerado legitimario? * Em dissertagao recente, Jorge Duarte Pinheiro nega resoluta- mente a qualidade de herdeiro legitimario, porque o legatario em a ©) Chr. Sucessoes cit, pag. 304. O titulo voluntério seria consumido pelo legit io. O HERDEIRO LEGITIMARIO 2 substituigao nao chega a adquirir a legitima. Nao participa pois do estatuto proprio do herdeiro (*). Porém, 0 que 0 art. 2165.° determina é que a aceitagao do legado implica a perda do direito @ legitima. Ora, a perda do direito a legitima pode nao equivaler 4 perda da qualidade de herdeiro. HA pouco, ao estudar o «legado por conta da legitima», vimos que o legitimério é herdeiro mas que para certos aspectos pode beneficiar da analogia com a situagao do legatdrio. Aqui, hé que perguntar se a perspectiva nao é a inversa: 0 beneficiario € legatério, mas para certos aspectos nao deverd ser considerado herdeiro? E isto porque nao ha incompatibilidade entre os titulos. Os regimes juridicos podem completar-se. O beneficidrio que aceitou o legado perdeu direito a legitima. Comecemos por perguntar se apesar disso poderd concorrer a suces- so legitima. Uma vez que a sucessao legitimdria é desta distinta. O sentido normal do legado em substituigéo da legitima é incompativel com esta composigdo. O autor da sucesso quer mesmo excluir um legitimario de toda a sucessao legal, e para isso avanca uma atribuicao que é substitutiva daquela intervengdo. Nor- malmente seré mesmo avantajada em relagao ao beneficio dos res- tantes, para estimular o destinatdrio a aceitar aquela exclusio. Nao teria entdo sentido que este viesse, nao obstante, concorrer 4 suces- so legitima (°). O problema poderd apenas suscitar-se na hipétese de decorrer do testamento a vontade de que o beneficidrio concorra ainda a sucessio legitima. Euma hip6tese dificil. Pode dizer-se que é incompativel com 0 principio da indivisibilidade da vocagio ('°). (©) Legado em Substituigao da Legitima, Cosmos, 1996, nomeadamente nas Con- clusdes 7 e 10, pags. 293 e 294. ©) Nao se esquega que se o autor da sucesso afastasse um herdeiro legitimo € lhe fizesse apenas uma atribuicao determinada, a alternativa deste seria apenas a de renunciar a heranca ou aceitar a posicdo assim demarcada pelo autor da sucessio. () A Gnica safda seria dizer que haveria implicita na disposicdo a instituigao de um herdeiro testamentério, na quota correspondente & sucesso legitima. Mas entdo 0 beneficidrio seria legatsrio e herdeiro testamentério, ¢ nao legatério e herdeiro legitimo. 2 J. OLIVEIRA ASCENSAO 14. O fundamento da clausula de substituigio Para saber se o legitimdrio que aceitou é herdeiro, havera antes de mais que verificar se os tragos distintivos do herdeiro se Ihe ajustam ou nao. Do que dissemos até agora, resulta que a presenga de algumas caracteristicas nao é relevante. Elas derivam da contitularidade ou indiviséo da heranga, que por natureza nao se verifica aqui. Assim, nao admira que o legitimario: — nao necessite de intentar inventdrio divisério ("') — nao tenha preferéncia na alienagdo da quota de um co- -herdeiro — nao tenha responsabilidade por dividas. Nao obstante, pode a qualidade de herdeiro manifestar-se noutros aspectos. Podia ser muito relevante a atribuigao ao legitimdrio de facul- dades pessoais. Infelizmente, neste caso a demonstragao da relevancia pessoal da qualidade de herdeiro torna-se dificil. Equea categoria de legitimario resulta de relagdes familiares. E, ao menos nos casos mais significativos, os atributos pessoais que cabem aos herdeiros cabem, antes de mais, aos familiares. Mas, se esta caracteristica se torna dificilmente operacional, outras no 0 sao. im, 0 legitimdrio tem, em relagdo aos bens legados, a sucessao na posse, propria do herdeiro. Continua sobre esses bens a posse do autor da sucessao: nao se constitui uma Posse nova. Pode perguntar-se porém se esta andlise tem sequer sentido, quando a lei determina categoricamente que a aceitacao do legado implica a perda do direito a legitima. Mas € aqui que se toca o ponto crucial. (°) ” Aspecto para o qual Jodo Anténio Lopes Cardoso chama a atencio: Partithas cil, n° 32. E sem divida correcto, mas pelas razies que aduzimos nao nos parece sufi- cciente para negar a qualidade de herdeiro. O HERDEIRO LEGITIMARIO 23 A lei fala na perda do direito a legitima: nao fala na perda da qualidade de herdeiro. Temos de assentar na nogdo substancial de herdeiro de que partimos, na sua contraposi¢ao ao legatério. Nao impede a qualifi- cago como herdeiro a circunstincia de o beneficiario do legado ter perdido o direito a legitima. A solugio tem de ser conjugada com a busca do fundamento que se possa encontrar para o legado em substituigao da legitima. Pode ter por fim beneficiar um sucessivel. Pode ter por fim assegurar a unidade de um determinado con- junto patrimonial. Pode ter por fim antecipar doutros modos o preenchimento das quotas. Mas pode ter também uma fundamentagao negativa: excluir um elemento perturbador daquele conjunto, «comprando» o seu afastamento pela atribuigdo de um valor que, para cativar, serd até superior ao que o herdeiro obteria em partilha normal. Tirando este Ultimo caso —e ainda entéo, s6 quando se cumule com a hostilidade do préprio autor da sucessao —, os fun- damentos possiveis nao conduzem 4 negagao da qualidade de her- deiro. Parece assim que tipicamente a instituigéo de um legado em substituigao da legitima nao implica, se aceite, a perda da quali- dade de herdeiro. S6 ficariam de fora as hip6teses em que houver a vontade do autor da sucessao de repelir um sucessfvel, podendo perguntar-se se Ihes pode caber regime diferenciado. 15. A qualificagao como herdeiro Nao vemos porém que a mera qualificagaio como herdeiro esteja na disponibilidade do autor de sucessdo. Ele dispée. A lei qualifica. E da lei resulta que a qualidade de herdeiro s6 pode ser reti- rada ao legitimario em dois casos: — se repudiar — se for afastado da sucessao. 5) J. OLIVEIRA ASCENSAO E s6 pode ser afastado da sucesséo em dois casos: — por deserdagao — por indignidade. Sao os tnicos. Fora disto, nao pode ser atingido o direito a ser herdeiro do legitimario. Sendo assim, concluimos que o legitimario, por nao participar da legitima, no perde a qualidade de herdeiro. Mantém-na, em tudo 0 que nao for incompativel com aquela nao participagao. No que respeita a responsabilidade por dividas da heranga, todos a excluem. E com razdo: porque 0 critério de repartigéo do testador ficaria aniquilado se o legatario fosse responder ainda por dividas. Outra é a solugdo, porém, no que respeita ao acrescer. Se outro sucessfvel legitimdrio for afastado da sucessao, 0 beneficidrio do legado tem o direito de acrescer (nao decrescer). O afastamento é um facto novo, que estd fora do fundamento patri- monialfstico da instituigdo. Hé uma abertura de uma quota vaga, a que haverd que dar destino. Suponhamos que concorrem trés filhos. Um aceita um legado em substituigdo da legitima. Se um dos outros repudia ou € excluido como indigno, 0 beneficidrio do legado concorre & quota deixada livre? Parece que sim, se o fundamento do autor da sucesso se reconduzir a uma reparti¢do rebus sic stantibus. Nao hd que presu- mir a intencdo de excluir um dos legitimarios do espago que vier a ser aberto. Assim, 0 beneficiério, mesmo tendo perdido 0 direito & legitima, concorre com 0 irmao na quota deixada vaga (!2). ; Dirfamos assim que a aceitagao do legado em substituigio da legitima nao implica necessariamente a perda da qualidade do her- deiro. Para alguns aspectos, o beneficiario continua a desfrutar do Tegime inerente a essa qualidade. ()_Evidentemente que ndo esté aqui em ae pode desfrutar como legatirio. aqui em causa o acrescer de que o beneficidrio O HERDEIRO LEGITIMARIO 25 16. Conclusio Que concluir entdo, sobre a posigSo juridica do legitimario? Ja em vida do autor da sucessdo o legitimario beneficia de uma expectativa juridica. Essa expectativa juridica ndo se limita a um direito a bens; nem sequer ao direito a uma quota. E um direito, condicionado embora, a ser herdeiro. Aberta a sucessao, concretiza-se 0 direito. Tem direito 4 quota legitimaria, portanto a bens indeterminados da heranga. Mas mesmo nao havendo heranga nao perde o dircito a legi- tima, que pode satisfazer através de redugao de liberalidades em vida. E ainda que nem sequer houvesse legitima objectiva guarda- ria 0 direito a ser herdeiro, pois a sua qualidade nao pode ser posta em causa. A lei admite cedéncias na composigao da legitima. Mas nao as admite na qualidade de herdeiro. Esta nao é negociavel. O legitimério prioritario s6 a perde se repudia, ou se for deserdado ou exclufdo por indignidade. Fora disso, é sempre um herdeiro. Concluimos assim que a posigao de legitimario se caracteriza simplesmente como o direito de ser herdeiro. 6 de Dezembro de 1996

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