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Colégio de Nossa Senhora da Bonança

Ano letivo de 2021/2022

Português – 11.º ano


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A educação n’Os Maias


É no capítulo I do romance que surge Pedro, no lugar que lhe cabe no devir geracional da
família dos Maias, devir que vem dos tempos do Absolutismo (representado por Caetano da
Maia […]), passando por Afonso da Maia, já em tempos do Liberalismo e das convulsões
político-so- ciais que levam o avô de Carlos ao exílio, na Inglaterra. É justamente em
Inglaterra que encontra-
5 mos Pedro da Maia submetido a uma edução por assim dizer “importada” de Portugal (e não

moldada pela cultura britânica) através do padre Vasques – padre “obeso e sórdido, arrotando
do fundo da sua poltrona […]”.
O cuidado que o narrador coloca na descrição da educação de Pedro da Maia (educação
mar- cada pela presença da cartilha e da religião, alheada do exercício e do contacto com a
natureza),
10 esse cuidado é bem sintomático: ele denuncia um raciocínio de teor determinista, capaz de

expli- car a personagem adulta. Nesta, é o peso da hereditariedade e o resultado daquela


educação que dominam os comportamentos e as reações […].
O que a personagem vem a ser é o que as premissas enunciadas deixam supor: enleado
num “romantismo torpe”, oscilando entre a boémia e o fanatismo da devoção religiosa, Pedro
está
15 preparado, por uma educação mal orientada e por estigmas hereditários, para uma paixão

amo- rosa fatal. Quando aparece Maria Monforte, aparece também o embrião de desgraça que
há de atingir aquela personagem física e animicamente débil; e quando Maria Monforte parte
com Tan- credo, levando a filha e deixando Carlos, só resta a Pedro uma saída, ao gosto do
Romantismo que o afetava e bem consentânea com as suas características temperamentais: o
suicídio.
20 Numa outra personagem, já na geração seguinte, perpassa ainda a preocupação
naturalista com a instância da educação: Eusebiozinho, companheiro de geração (em termos
de idade, que não de formação nem de referências culturais) de Carlos. É em Santa Olávia
que o encontramos, no capítulo III, em confronto direto com Carlos, esse, sim, educado por
um modelo pedagógico britânico.
25 O que de Eusebiozinho se sabe é que nele se prolongam os equívocos educacionais que en-
contramos em Pedro: educação reclusa, com uma forte presença da Igreja (através do abade
Custódio), distante do contacto com a vida ativa e ainda atingida pelo Ultrarromantismo.
Assim, a criança de “craniozinho calvo de sábio”, capaz de permanecer “horas numa cadeira,
de perni- nhas bambas, esfuracando o nariz”, “precoce letrado [que] passava dias a traçar
algarismos,
30 com a linguazinha de fora”, é essa criança que declama, num agoniado esforço de memória, a

“Lua de Londres”, de João de Lemos. Adivinha-se facilmente que uma tal educação, associada
à melancolia mórbida destilada pelo Ultrarromantismo, terá também os seus frutos negativos:
o Eusebiozinho adulto, que encontramos em Lisboa, a partir de 1875, surge como uma figura
soturna, débil, moralmente dissoluto e eticamente irresponsável.
35 Resta saber o que, neste aspeto, se passa com o protagonista Carlos da Maia. Dir-se-ia que
com Carlos se confirma ainda o prolongamento do método naturalista no tratamento da
perso- nagem, uma vez que à sua educação é consagrado praticamente todo o capítulo III. Só
que a re- presentação da educação nesse capítulo concretiza-se de forma parcelar e parcial.
Parcelar, por- que ela é mencionada apenas durante uma breve visita do procurador Vilaça
(pai) a Santa Olávia,
40 onde Carlos cresce e se educa; parcial, porque é o ponto de vista de Vilaça que orienta essa re-

presentação, dando dela uma visão naturalmente subjetiva.


REIS, Carlos, 1998. “A educação n’Os Maias”. In Introdução à leitura d’Os Maias.
6.ª ed. Coimbra: Almedina (pp. 184-186) (1.ª ed.: 1978)

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