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Colégio de Nossa Senhora da Bonança

Ano letivo de 2021/2022

Preparação para o teste 4 fevereiro 2022

GRUPO I
Lê, atentamente, o texto seguinte.
FOLHEANDO os livros de antigos assentamentos no cartório das cadeias da Relação
do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a fl. 232, o seguinte:
Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro e estudante na Universidade de Coimbra,
natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho
5 de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda,
olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano
pedrês. E fiz este assento, que assinei – Filipe Moreira Dias.
À margem esquerda deste assento está escrito:
Foi para a Índia em 17 de Março de 1807.
10 Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos
lhe há-de fazer dó.
Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em
frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da
família, dos braços da mãe, dos beijos das irmãs, para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado
15 como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria,
do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É
triste!
O leitor decerto se compungia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito
anos, choraria!
20 Amou, perdeu-se e morreu amando.
É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras
da piedade, a que por vezes traz consigo do Céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa, a minha leitora, a
carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera a honra,
reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de
25 inocentes desejos?!
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de
propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo verão se é
perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos
dos frios julgadores do coração e das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros,
30 em nome da sua honra
CASTELO BRANCO, Camilo, 2015. Amor de Perdição.Porto: Porto Editora (pp. 13-14) (1.ª ed.:1862)
Apresenta, de forma estruturada, as tuas respostas aos itens.
1. Tendo em conta o conhecimento da obra em estudo, relaciona o seu título e subtítulo.
2. Identifica a situação que levou o autor a definir o enredo da sua obra.

3. Simão Botelho é, desde logo, referido no extrato dos “assentamentos” mencionados.


3.1 Relaciona a descrição dessa personagem com o conceito de herói romântico.
4. Comenta a parcialidade do autor ao referir-se a Simão Botelho. Justifica a tua resposta com elementos textuais.

5. Numa linha, o autor resume a história de Simão: “Amou, perdeu-se, e morreu amando.”
5.1 Num breve texto, de 80 a 130 palavras, relaciona a frase em análise com a evolução da ação de
Amor de Perdição.
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GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.
Lê o texto seguinte.
Nos nossos rostos estavam já os traços deste rosto que o espelho reflete com nitidez humana. Nas nossas vozes,
antes de ilusões e desilusões, antes da erosão, estava já esta voz.
É muito fácil esquecermo-nos de quando podíamos ser tudo.
Fazíamos escolhas entre o que esperavam e o que não esperavam de nós. À nossa frente, estavam todas as
5 possibilidades, apreciávamos essa distância. Aquilo que já estava definido impedia-nos de muito pouco.
E aconteceu o que as escolhas sempre pressupõem: tivemos de responder por elas e tivemos de viver com elas. O
tempo foi marcado por esses dois tempos. Ao responder pelas escolhas que fizemos, fomos tecendo uma longa manta
de autojustificações.
Primeiro, precisámos de defender as nossas escolhas; depois, precisámos de defender o argumento que usámos para
10 justificá-las; depois, precisámos de defender o argumento que usámos para justificar esse argumento; depois, um
longo etc., tão longo que, a partir de certa altura, deixámos de ser capazes de identificar onde começou.
Por outro lado, na passagem dos dias e das estações, ao vivermos com as escolhas que fizemos, fomo-nos
convencendo de que éramos apenas aquilo, de que somos apenas isto. Fomos rejeitando possibilidades até
deixarmos de considerá-las.
15 Ainda assim, lá do fundo, há uns olhos que nunca deixaram de nos ver. Interrogam-nos em silêncio, observam-nos
com a mesma pureza do seu presente. O brilho que sustentam não se extinguiu, apenas deixámos de reparar nele.
Sem o medo de perder o que julgamos ter alcançado, ainda podemos tudo. Não é fácil voltar a acreditar depois de
todos os erros que cometemos e que, por autopreservação, atribuímos à ingratidão do mundo. Ainda assim, ao longo
destes anos, o planeta mudou muito menos do que queremos imaginar quando repetimos que não há nada a fazer.
20 Há tudo a fazer. Esta é a constatação que mais nos desanima porque, debaixo dos gestos e das palavras, temos muito
medo. Quando não suportamos sequer considerar esse medo, preferimos negá-lo. No entanto, não é dessa maneira
que conseguimos fazê-lo desaparecer.
E assim, lá do fundo, no silêncio a que o tempo os obriga, há esses olhos que continuam a ver-nos. Seguem cada
pensamento, respiram sempre que enchemos o peito de ar. No nosso rosto, na nitidez crua e fria deste espelho, estão
25 ainda os traços desses rostos, faces de pele lisa, sem rugas ou cicatrizes. Nesta voz, naquilo que tem de mais limpo,
estão ainda essas vozes que quase deixámos de reconhecer.
José Luís Peixoto. “Os olhos que nos veem lá no fundo”. In Notícias Magazine, 20-12-2015 .

1. O tema do texto “Os olhos que nos veem la do fundo” é


(A) a importância das escolhas individuais no nosso crescimento.
(B) a cobardia que nos impede de fazer as escolhas apropriadas.
(C) o impedimento social perante a liberdade de escolha individual.
(D) a ausência de responsabilidade perante as escolhas que fazemos.

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2. De acordo com a leitura do texto, o título “Os olhos que nos veem la do fundo” representa a
(A) a consciência de cada de um de nós.
(B) a forma como a sociedade nos vê.
(C) aquilo que a família espera de nós.
(D) as nossas origens.
3. Na oração “Aquilo […] impedia-nos de muito pouco” (l. 5), o pronome pessoal desempenha a função sintática de
(A) sujeito.
(B) complemento direto.
(C) complemento indireto.
(D) complemento oblíquo.
4. Na afirmação “Ao responder pelas escolhas que fizemos, fomos tecendo uma longa manta de autojustificações”
(l.6) está presente uma
(A) hipérbole.
(B) metonímia.
(C) anáfora.
(D) metáfora.
5. Os elementos linguísticos “Primeiro” (l. 8) e “depois” (ll. 8 e 9) contribuem para assegurar a coesão textual
(A) frásica.
(B) temporal.
(C) interfrásica.
(D) lexical.
6. Na frase “Quando não suportamos sequer considerar esse medo, preferimos negá-lo “(l. 20) a coesão foi assegurada pelo
processo de:
(A) sinonímia.
(B) pronominalização.
(C) antonímia.
(D) relação parte-todo.
7. Nas frases “quando repetimos que não há nada a fazer” (l. 19) e “Esta é a constatação que mais nos desanima”
(l. 20), a palavra “que” pertence, respetivamente, à classe
(A) dos pronomes relativos.
(B) das conjunções subordinativas causais e completivas.
(C) das conjunções subordinativas completivas e dos pronomes relativos.
(D) das conjunções subordinativas.
8. Identifica a função sintática do elemento “esta voz” em “antes da erosão, estava já esta voz” (l. 2).
9. Divide e classifica as orações presentes em “Quando não suportamos sequer considerar esse medo, preferimos negá-lo.”
(ll. 21 e 22).
10. Indica o antecedente do pronome pessoal que ocorre em “No entanto, não é dessa maneira que
conseguimos fazê-lo desaparecer” (l. 21).

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Proposta de Resolução da Ficha de Preparação do teste 4


Grupo I

1. 1 – Amor de Perdição (História de amor que leva à morte dos amantes) – Memórias de uma Família ( referência aos
laços familiares entre o autor e o protagonista da história, Simão Botelho, seu tio)

2. O enredo definiu-se para o autor quando teve a oportunidade de, na relação do Porto, contactar com os registos
notariais dos presos entre os anos de 1803 e 1805.

3. Simão Botelho espelha claramente a figura típica do herói romântico, com uma vivência e um desfecho trágicos.
Representa o homem que cultiva o amor ideal, mas que é alvo de uma fatalidade trágica e avassaladora. Esta
vida fatídica culmina na catástrofe da separação, da morte.

4. Simão Botelho é caracterizado pelo autor de forma parcial, pois evidenciam-se comentários, considerações. Nota-
se, claramente, a compaixão perante a vida sofrida desta personagem, perante a situação provocada pelo
degredo. Nota-se essa parcialidade nas seguintes frases: (linhas 10 e 11) e (linha 16).

5. A história de Simão Botelho centra-se na personagem principal, Simão. Que amou intensamente, perdeu-se e,
finalmente, morreu amando. Na verdade, esta estrutura tripartida resume a vida trágica de Simão, arrastando
consigo as outras faces do triângulo amoroso – Teresa e Mariana. Os contratempos familiares, a recusa das
imposições familiares, a morte e o degredo são fatores coadjuvantes da tragicidade da personagem e,
consequentemente da obra, porque é central. Por outro lado, a perdição de Simão também se relacionou com a
sua intervenção social, de profunda crítica, querendo “mudar o mundo”, denunciar os vícios e corrigi-los. Em
suma, é este conjunto de experiências perniciosas que determina a evolução catastrófica.

1. (B) a cobardia que nos impede de fazer as escolhas apropriadas.;

2. (A) a consciência de cada de um de nós.

3. (B) complemento direto.

4. (D) metáfora.

5. (B) temporal.

6 (B) pronominalização.

7. (C). das conjunções subordinativas completivas e dos pronomes relativos.

8. Sujeito.

9. Oração subordinante – “preferimos negá-lo”; oração subordinada adverbial temporal – “quando não suportamos sequer
considerar esse medo”.

10. muito medo.

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