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INTERPRETAÇÃO DE CONFERÊNCIAS: UM ENSAIO SOBRE OS CENÁRIOS


ATUAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Chapter · January 2022


DOI: 10.29327/573690.1-8

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1 author:

Tiago Coimbra Nogueira


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

G641d Gontijo, Túlio Adriano Alves; Marques-Santos, Lucas Eduardo; Barros, Solange Maria de (org.)
Discussões sobre os estudos de tradução e interpretação e a atuação dos TILS no Brasil /
Organizadores: Túlio Adriano Alves Gontijo, Lucas Eduardo Marques-Santos e Solange Maria de Barros;
Prefácio de Ana Regina Campello.
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2022.
figs.; gráfs.; quadros; fotografias.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-5637-493-2.

1. LIBRAS. 2. Linguagem. 3. Tradução. I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:

1. Linguagem / Línguas – Estudo e ensino. 418.007


2. Tradução e interpretação. 418.02
3. Outras linguagens que não as escritas e faladas – Linguagem de sinais. 419
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2022 - Impresso no Brasil


A percepção do desconhecido é a mais fascinante das
experiências. O homem que não tem os olhos abertos para o
misterioso passará pela vida sem ver nada.
(Albert Einsten)

SUMÁRIO
PREFÁCIO.....................................................................................................................9
Ana Regina Campello

ESTUDOS SURDOS E A TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE LÍNGUA


DE SINAIS.....................................................................................................................15
Sônia Marta de Oliveira

PROPOSTA DE REFERÊNCIAS PARA CLASSIFICAÇÃO DE NÍVEIS LINGUÍSTICOS


EM TESTES DE PROFICIÊNCIA EM LIBRAS PARA TRADUTORES E
INTÉRPRETES..............................................................................................................29
Tiago Coimbra Nogueira
Pérola Juliana de Abreu Medeiros

O QUE OS SURDOS AVALIAM SOBRE OS TRADUTORES E INTÉRPRETES


DE LÍNGUAS DE SINAIS (TILS) NO ENSINO MÉDIO? UMA ANÁLISE
BASEADA NA ATITUDE............................................................................................55
Lucas Eduardo Marques-Santos
Fabíola Aparecida Dutra Parreira Almeida
Túlio Adriano Alves Gontijo
Solange Maria de Barros

ANÁLISE DE INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA (PORTUGUÊS-LIBRAS) DE


TRECHOS DA MÚSICA SENTIMENTO LOUCO NA LIVE DA CANTORA
MARÍLIA MENDONÇA...............................................................................................77
Giovanna Magno Santos Silva
Márcia Monteiro Carvalho

ASPECTO CONCEITUAL DO SINAL-TERMO UMA IMPORTANTE


FERRAMENTA NA FORMAÇÃO DE GUIAS-INTÉRPRETES SURDOS . ............97
Ivonne Makhoul
Patricia Tuxi

GATILHOS DE PROBLEMA NA INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA LIBRAS-PARA-


PORTUGUÊS: UM ESTUDO SOBRE A INTERPRETAÇÃO DE INFORMAÇÕES
NUMÉRICAS E DE DATILOLOGIA...........................................................................113
Guilherme Lourenço
Luciene de Macedo Gomes Viana
UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS SINAIS DE PONTUAÇÃO DO
PORTUGUÊS X O PARÂMETRO EXPRESSÃO FACIAL E CORPORAL EM
UMA FÁBULA TRADUZIDA PARA LIBRAS...........................................................133
David Ferreira da Silva
Márcia Monteiro Carvalho

INTERPRETAÇÃO DE CONFERÊNCIAS: UM ENSAIO SOBRE OS CENÁRIOS


ATUAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS.....................................................................155
Tiago Coimbra Nogueira

A ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS EM LIVES MUSICAIS DURANTE


A PANDEMIA DE COVID-19: REALIDADES E PERSPECTIVAS..........................175
Isabella Maria de Oliveira Brito
Vinícius Nascimento

REFLEXÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS NO


ENSINO DE LÍNGUAS ADICIONAIS PARA SURDOS............................................193
Antonio Henrique Coutelo de Moraes
Izabelly Correia dos Santos Brayner

TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS NO CONTEXTO RELIGIOSO - UMA


ANÁLISE A PARTIR DA LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL.....................209
Osilene Maria de Sá e Silva da Cruz
Cleudes Moreira de Jesus Alves

SOBRE OS AUTORES..................................................................................................227
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

PREFÁCIO

Com respeito aos colegas Intérpretes e Tradutores com os quais


convivi há tantos anos, em caráter profissional ou em caráter de cliente
ou de amizade, fui convidada com honra para fazer este prefácio do livro
Discussões sobre os estudos de tradução e interpretação e a atuação
dos TILS no Brasil pelos autores e organizadores Túlio Adriano Alves
Gontijo, Lucas Eduardo Marques-Santos e Solange Maria de Barros. É um
trabalho que fomenta as discussões sobre políticas linguísticas, políticas
públicas, interpretação e tradução relacionadas aos direitos linguísticos
e da acessibilidade das pessoas surdas a meio social, trabalho, educação,
lazer, saúde, conhecimento, sua língua. O objetivo dos organizadores e
dos autores de cada capítulo é de oferecer subsídios e conhecimentos a
serem compartilhados para a efetiva inclusão dos surdos na sociedade,
como um todo, mais inclusiva em Libras (diferentemente do conceito
da inclusão idealista pelas pessoas inclusivistas).
Cada capítulo elaborado pelos autores merece minha admiração
e atenção pela escolha de temas interessantes, como a Estudos surdos
e a tradução e interpretação de língua de sinais, tese defendida pela
autora Sônia Marta de Oliveira que visa à importância de implementar
Estudos Surdos para sua certificação como campo promotor de conhe-
cimento e a sua relevância para a formação do tradutor e intérprete de
Libras/Português (TILSP) com a sua abordagem teórica dos campos
antropológico e sociológico que descrevem a conformidade cultural e
linguística vivenciada pelos surdos, propiciando uma interlocução neces-
sária na formação dos TILSP como base de construção de acessibilidade
atitudinal, linguística e comunicacional.

9
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O outro capítulo interessante Proposta de referências para clas-


sificação de níveis linguísticos em testes de proficiência em Libras
para tradutores e intérpretes, pelos autores Tiago Coimbra Nogueira
e Pérola Juliana de Abreu Medeiros (minha antiga orientanda de TCC
da graduação), resume a importância de compartilhar os resultados de
uma pesquisa realizada no contexto da pós-graduação em tradução e
interpretação de Língua Brasileira de Sinais – Libras – Português e versa
sobre a necessidade de construção de uma proposta de referência para
classificação de níveis linguísticos na avaliação de proficiência linguística
em tradutores e intérpretes de Libras.
No tocante à atitude assim como à acessibilidade atitudinal, não
podemos deixar de ler o capítulo O que os surdos avaliam sobre os
tradutores e intérpretes de línguas de sinais (TILS) no Ensino Médio?
uma análise baseada na atitude, pelos autores Lucas Eduardo Marques-
Santos, Fabíola Aparecida Dutra Parreira Almeida e Túlio Adriano Alves
Gontijo, que no subsistema de Atitude permite compreender a relação
desses educandos e dos profissionais (Intérprete ou professor em seu
papel em dúbio) que atuam em sala de aula.
O capítulo que analisa os trechos de música (um dos mitos a ser
discutido sobre o gosto da tradução da música pelos TILS não surdos)
com o título Análise de interpretação simultânea (português-Libras)
de trechos da música sentimento louco na live da cantora Marília
Mendonça, dos autores Giovanna Magno Santos Silva e Márcia Mon-
teiro Carvalho, objetivou uma análise interlingual de trechos da música
com as estratégias de interpretação utilizadas pela profissional na sua
manifestação artística.
Acabamos de preencher uma lacuna importante na área de tradução/
interpretação tátil pelos TILS Surdos, com o capítulo Aspecto conceitual
do sinal-termo: uma importante ferramenta na formação de guias-
intérpretes surdos, das autoras Ivonne Makhoul e Patricia Tuxi, que
oferece subsídios de sinais-termos com o objetivo de demonstrar a impor-
tância do aspecto conceitual, presente no signo linguístico do sinal-termo,
como importante ferramenta na formação de Guias-Intérpretes Surdos.

10
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Outro tema que merece ser discutido é o uso da datilologia (que


é um dos assuntos mais desafiadores na área de tradução/interpretação
devido à percepção diferenciada entre os surdos e ouvintes) com o
capítulo Gatilhos de problema na interpretação simultânea Libras-
para-português: um estudo sobre a interpretação de informações
numéricas e de datilologia, pelos autores Guilherme Lourenço e Lu-
ciene de Macedo Gomes Viana, que não podem ser deixados de refletir
pela qualidade de informação e dos aspectos teóricos que embasam
o trabalho de percepção visual, que diferencia dos ouvintes no ato de
deparar o gatilho de problema no texto de partida, cujo intérprete pode
acabar despendendo maior esforço nas atividades básicas integrantes do
processo de interpretação, tais como a compreensão e/ou a memória e/
ou a produção (na datilologia e de números).
Outro tema interessante é entender a pontuação através do parâ-
metro da Expressão Facial. Os autores David Ferreira da Silva e Márcia
Monteiro Carvalho apresentaram seu capítulo intitulado de Uma análise
comparativa entre os sinais de pontuação do português x o parâmetro
expressão facial e corporal em uma fábula traduzida para Libras e
concluíram que o uso do gênero textual fábula para a língua materna de
discentes surdas(os) pode facilitar a compreensão do funcionamento de
sinais gráficos do português como L2.
E para entendermos a discussão sobre os cenários atuais sobre a
interpretação de conferências, considerando a mediação linguística e
cultural de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) - português
no mercado de trabalho brasileiro em caráter profissional, não podemos
perder a leitura interessante do capítulo Interpretação de conferências:
um ensaio sobre os cenários atuais e perspectivas futuras, do autor
Tiago Coimbra Nogueira.
Não somente na Conferência, também houve, no período crucial e
histórico de doenças (COVID-19) que atingiu o mundo nos anos de 2019
a 2021. Os autores Isabella Maria de Oliveira Brito e Vinícius Nascimento
usaram a sua percepção dos trabalhos dos TILS em tempo de pandemia
na área de entretenimento no o seu capítulo A atuação do Intérprete de

11
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Libras em lives musicais durante a pandemia de Covid-19: realida-


des e perspectivas, que objetivou mostrar que a participação do grande
público em atividades culturais no período de distanciamento cujas lives
com equipes de intérpretes profissionais de Libras foram acessíveis à
comunidade surda e que a menção sobre um consultor surdo na equipe
enriqueceu culturalmente o processo de tradução.
Os autores Antonio Henrique Coutelo de Moraes e Izabelly Correia
dos Santos Brayner apresentaram o último capítulo: Reflexões acerca da
participação do Intérprete de Libras no ensino de Línguas Adicio-
nais para Surdos. Para suprir a carência, os pesquisadores destacaram
a importância de pesquisa que trate desse tema, já que há problema no
currículo de formação dos TILSP que desconhecem o uso de língua
estrangeira além da língua do país.
Finalmente, em Tradutor e intérprete de libras no contexto
religioso - uma análise a partir da linguística sistêmico-funcional,
a reflexão também se insere na área religiosa. Poderemos destacar a
importância do contexto religioso para a formação espiritual da pessoa
surda, pelas autoras Cleudes Moreira de Jesus Alves e Osilene Maria de
Sá e Silva da Cruz, mais especificamente, com a presença dos Tradutores
e Intérpretes de Libras – Língua Portuguesa (TILSP) como mediadores
no processo de evangelização / catecismo / espiritualismo dessas pesso-
as, contribuindo também para a formação da comunidade surda como
leitora, tradutora ou produtora de textos. Os TILSP, muitas vezes, foram
desafiados a levar mensagens religiosas e suas escolhas de terminologias,
sinais-termos e outros vocabulários religiosos durante celebrações das
missas, liturgias, sacramentos, cultos evangélicos, reuniões de cunho
espírita, cursos, entre outras atividades oferecidas pela igreja / seitas /
centro espírita, onde o objetivo é a divulgação religiosa e inclusão social,
lembrando que o protagonista em questão é a pessoa surda que escolhe
ou é influenciada pela religião.
Mas, a despeito de tudo isso, as conquistas e os espaços dos Surdos
avançaram muito rapidamente devido aos compromissos da comunidade
surda de dar a continuidade do legado dos Surdos: a cultura dos Surdos,

12
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

difusão da Libras, formação das pessoas Surdas nas diversas áreas, cuja
meta era facilitar o acesso das pessoas Surdas às diversas esferas so-
ciais, trabalhistas, educacionais e comunicacionais. Há longo caminho
para aprender e construir o respeito dos Surdos, e espero que este livro
venha provocar as reflexões no exercício do seu papel como intérpretes
e tradutores, e de “estarem” no lugar deles.

Boa leitura e reflitam bastante!

Ana Regina Campello

13
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ESTUDOS SURDOS E A TRADUÇÃO E


INTERPRETAÇÃO DE LÍNGUA DE SINAIS

Sônia Marta de Oliveira

INTRODUÇÃO

Este texto objetiva apresentar os caminhos percorridos pelos Estudos


Surdos para sua certificação como campo promotor de conhecimento
e a sua relevância para a formação do tradutor e intérprete de Libras/
Português (TILS). Uma abordagem teórica dos campos antropológicos e
sociológicos descrevem a conformidade cultural e linguística vivenciada
pelos surdos propiciando uma interlocução necessária na formação dos
TILS. Os Estudos Surdos são uma esfera incorporada na grade curricular
dos cursos de graduação de TILS1 abordando conteúdos inerentes aos
grupos sociais e às relações étnico-raciais, a identidade e as questões
teóricas que colaboram para a perspectiva contemporânea da cultura
dos surdos, o encontro surdo-surdo, a subjetividade, os artefatos cultu-
rais e a língua de sinais, introdução à literatura surda, a literatura como
um artefato cultural, o gênero poético, a expressividade no humor, nas
metáforas e outros recursos literários em línguas de sinais.
Todavia, este campo do conhecimento concebe as narrativas surdas
como linha que organiza esta seara de estudos, facultando conhecimentos
e perspectivas surdas que favorecem as escolhas lexicais e culturais no
1 OLIVEIRA, Sônia Marta de. Os artefatos culturais surdo nos currículos de graduação do
tradutor e intérprete de língua de sinais/língua portuguesa / Sônia Marta de Oliveira. Belo
Horizonte, 2020.

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

processo tradutório, pois aproxima o profissional da tradução e interpre-


tação de língua de sinais do entendimento do que concerne à cultura dos
surdos; compreendemos suas diferenças, seus valores e suas representa-
ções culturais, assim como integramos um estilo de vida incorporando
atitudes, linguagens, ideias e espaços de poder.

A DIVERSIDADE CULTURAL E OS SURDOS

A Segunda Guerra Mundial expôs a circunstância humana moderna.


A bomba atômica e os campos de concentração revelaram as organizações
e os valores, e expressaram a vulnerabilidade e a incongruência que a
sociedade insistia em acobertar. A Geração beat2 surge em resposta à
inércia dominante e à indiferença presente no contexto social. Também
ganha destaque a terminologia hipster, hoje hippie, de acordo com Nor-
man Mailer (escritor e jornalista estadunidense, importante representante
da contracultura). O enfant terrible tinha algo a dizer para si e para o
outro; queria construir sua história com outra perspectiva. São descen-
dentes que buscam conservar-se afastados dos padrões sociais impostos;
gostavam de música, de negros, criticavam a estrutura familiar e tantos
outros padrões (MAILER, 1959).
As manifestações culturais entre os anos 60 e 70 exprimiram o
pensamento de um período acentuado de refutação dos paradigmas
sociais e das interferências estrangeiras na cultura. Eram jovens que
lutavam por liberdade por meio de ideologias contra culturais, políticas
e progressistas. Mundialmente, esse período foi relevante em teor de
organização social e cultural (GROPPO, 2000). Para Maciel (1973), as
ideologias contra culturais firmaram-se como uma postura de crítica rígida
2 “Por geração beat entendo um grupo de amigos que viveram nos Estados Unidos do pós-guerra
e atuaram, principalmente, no final dos anos 1940 e no decorrer dos anos 1950, pregando um
estilo de vida desregrado, opondo-se ao padrão moral e religioso de viver, além de abusar de
drogas (não-alucinógenas), sexo e, principalmente, viagens. Esse grupo manifestou-se a partir
da literatura, mas não apenas por ela, uma vez que sua literatura é reflexo direto de experiências
reais. Assim, mais do que um movimento literário, encaro a geração beat como uma forma
de vida.” RABELO S. L. Contracultura Norte-Americana nos anos 1950: notas sobre a
proposta beat. Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa
Histórica como requisito parcial à conclusão do curso de História – Licenciatura e Bacharelado
do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Curitiba, 2012.

16
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

perante a cultura padronizada. Nessa lógica, ideologias contra culturais


são fatos que aconteceram no passado, acontecem no presente e, decerto,
acontecerão no futuro, sempre que as pessoas conseguirem esquivar-se
do alienamento social e refletirem de forma crítica. Contracultura como
comportamento é uma negativa da cultura ocidental atual; cultura que
se manifesta como inalterável e surge de uma prática fixa. É justamente
esse pensamento de uniformidade da cultura que a contracultura tenciona
romper, em razão de considerar que a cultura moderna é somente um
modo de ver a realidade e de interpretá-la. Assim, há outros caminhos a
serem percorridos alicerçados na transformação da noção de cultura que
concebemos. A contracultura teve uma relação importante de afinidade
com grupos étnicos ou culturais que se viam em posição de marginalidade
ou exclusão frente aos padrões e às regras sociais da sociedade ocidental
(HOLLANDA, 1980).

A identificação não é mais imediatamente com o “povo” ou


“proletariado revolucionário”, mas com as minorias: negros,
homossexuais, freaks, marginal de morro, pivete, Madame
Satã, cultos afro-brasileiros e escola de samba (HOLLANDA,
1980, p. 66).

Com mudanças impactantes produzidas na cultura nos anos 60,


houve uma revolução silenciosa de grande profundidade: a validação
linguística das línguas de sinais e, consequentemente, uma reescrita da
identidade surda. Os surdos iniciaram um processo para falarem de si, para
falarem dos surdos para os surdos. Essa reescrita deve-se ao sofrimento
linguístico, cultural e, consequentemente, educacional e social que os
surdos passaram por quase 100 anos.
No comum dos movimentos sociais, as diferentes culturas
emergem no emaranhado das movimentações e dos sentidos. Assim,
as minorias conquistam através de suas culturas, espaços culturais e
sociais significativos e expressivos. A cultura do reconhecimento é de
relevância fulcral para as minorias linguísticas que intentam declarar
suas tradições culturais e resgatar suas histórias opressoras (KARNOPP;
KLEIN; LUNARDI-LAZZARIN, 2011).

17
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

No ano de 1880, na cidade de Milão, foi realizado um congresso


de educação de surdos, em que foi recomendada que a metodologia de
ensino dos surdos deveria priorizar a fala em detrimento da língua de
sinais. Importante ressaltar que, até então, a educação de surdos, na
maioria das instituições de ensino de surdos, dava-se por meio da língua
de sinais. Os motivos que levaram os participantes do congresso (todos
ouvintes) a essa decisão foram de ordem filosófica, religiosa e política.

[...] a Itália ingressava num projeto geral de alfabetização e,


desse modo, se tentava eliminar um fator de desvio linguísti-
co – a Língua de Sinais – obrigando a todos; por outra parte,
o Congresso legitimava a concepção aristotélica dominante,
isto é, a ideia de superioridade do mundo das ideias, da abstra-
ção e da razão – representado pela palavra – em oposição ao
mundo do concreto e do material – representado pelos gestos;
por último, os educadores religiosos justificavam a escolha
oralista, pois se relacionava com a possibilidade confessional
dos alunos surdos (SKLIAR, 2000, p. 109).

Para Skliar (2000), com a primazia dada ao desenvolvimento da


fala, a educação de surdos ganha um olhar clínico-terapêutico sobre o
surdo e o coloca no grau de deficiente. Os artifícios elegidos para o de-
senvolvimento da fala têm a finalidade de tornar o surdo o mais próximo
à condição de ouvinte (OLIVEIRA, 2015).
A história dos surdos, como a história das mulheres, dos negros
e de tantos grupos considerados minorias, têm sido considerada
párias e deturpadas. Os surdos foram desconsiderados pela ciência
no século XIX, que desvalorizou as línguas de sinais, inferiorizou a
pessoa surda como sujeito que tem uma língua e uma cultura diferente
e o conceituou como um sujeito patológico (BAUMAN, 2008). O
momento clamava por um corpo de conhecimento sobre a história,
os valores, a literatura, as artes. A cultura dos surdos necessitava dos
Estudos Surdos para encadear, investigar e oportunizar o evento da
cultura surda para quem ouvia (os ouvintes) e para a própria comu-
nidade surda (BAUMAN, 2008).

18
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O SURGIMENTO DOS ESTUDOS SURDOS

A reescrita da identidade surda renasce nos anos 70, com as mudan-


ças culturais, com as pesquisas em torno das línguas de sinais americanas
feitas por Stokoe (1960), Baker e Padden (1978), Bahan e Supalla (1995).
No Brasil, a língua de sinais ganha espaço na academia com Brito (1995),
Quadros, (2004) e Campello (2007). As pesquisas, ao construírem o
status acadêmico das línguas de sinais, potencializam o pertencimento
da comunidade surda a uma cultura diferente.
O surgimento dos Estudos dos Surdos como tópico foi descrito por
significativos desenvolvimentos numa série de campos como a linguística,
a história, a psicologia e a cultura. Esses desenvolvimentos encaminharam
os Estudos Surdos para o território da epistemologia e das ontologias
surdas de maneira mais clara, no qual esses desenvolvimentos puderam
ser delimitados de forma integral. Assim, os Estudos Surdos tornaram-se
uma referência mais responsável da ação centralizada no surdo (LADD,
2008). A primeira referência pública ao termo “Estudos Surdos” aconte-
ceu no ano 1971, do diretor executivo da Associação Nacional de Surdos
(NAD), Frederick Schreiber.

Se os surdos quiserem avançar no nosso tempo, eles devem ter


uma imagem melhor de si mesmos e de suas capacidades. Eles
precisam de exemplos concretos do que as pessoas surdas já
fizeram para que possam projetar para si um futuro melhor. Se
podemos ter estudos sobre negros, estudos judaicos, por que
não estudos sobre os surdos? (KATZ, 1999, p. 120).

Os Estudos surdos têm objetivos que levam à compreensão e


à construção de significados sobre a comunidade surda elaborados
principalmente pelos próprios surdos. Um desses objetivos é o de ques-
tionar as bases e as ações de órgãos, instituições públicas e sistemas
nos quais a vida da comunidade surda está envolta para compreender
o raciocínio desses pilares na elaboração de suas políticas e ações
(BECHTER, 2008).

19
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O início dos Estudos Surdos retratava um grupo fracassado edu-


cacionalmente devido a ações e políticas educacionais malsucedidas e
limitado linguisticamente em sua luta com uma sociedade que não consi-
derava sua língua. Trabalhos que se distanciaram desse tópico destacaram
como a comunidade surda foi capaz de conservar, preservar sua cultura,
mesmo com o imenso desconhecimento da língua de sinais e da cultura
surda por parte da sociedade ouvinte (MURRAY, 2008).

Quando o clima cultural do século XIX mudou para tornar


a língua de sinais proibida, as pessoas que ouviam podiam
simplesmente dizer: “Afaste-se da língua de sinais”, ima-
ginando que isso poderia ser feito. Os surdos não podiam,
pois são membros de um grupo que, por natureza, busca a
comunicação visual que é a ideal por serem habitantes de um
universo sensorial no qual esse fim, não pode ser alcançado
(BAYNTON, 2008, p. 10).

Os surdos compartilharam e compartilham uma experiência coletiva


de viver como integrantes de uma comunidade visual em um universo
auditivo, um saber que ultrapassa esferas locais e limites nacionais. Essa
experiência foi respaldada por uma recusa dividida de significados equi-
vocados e concepções profissionais que homogeneizou a comunidade
surda como deficiente, desconsiderando a vida de seus membros como
diferença cultural (MURRAY, 2008).
Um dos caminhos mais eficientes que os grupos hegemônicos en-
contram de manter o controle sobre o outro é negar a esse outro o direito
de controlar o conhecimento da sua própria história (HART, 1998). Para
uma compreensão mais clara, Frantz Fanon, representante do movimento
argelino contra os franceses na década de 1950, escreveu em seu livro
Wretchedofthe Earth (Os Condenados da Terra) que “o colonialismo
não se contenta apenas em controlar um povo em suas garras..., mas por
um modelo de método imoral, que se volta para o passado de um povo
oprimido, deturpa, corrompe e destrói” (FANON, 2005, p. 170).
Os Estudos Surdos empenham-se para ser um agente promotor de
teoria, e não somente um consumidor dessa teoria, e buscam adentrar

20
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

no discurso atual de seus princípios, seja no conteúdo, seja na forma. O


surdo se apresentando, se expressando é vital para os Estudos Surdos
(BECHTER, 2008). A narrativa de histórias sobre os surdos e a poesia
em língua de sinais contribuem como fundamento para os Estudos Sur-
dos, concebendo a comunidade surda como comunidade cultural, com
conjuntos de manifestações folclóricas e outras peculiaridades inerentes
à comunidade surda, como acontece com outras comunidades culturais.
As histórias e as poesias na comunidade surda são expressas por meio
da língua de sinais e não pela escrita.
Os Estudos Surdos trazem a literatura surda como sua principal
singularidade. A existência de uma identificação imputada “ao surdo
pelo surdo”, sem a imagem do ouvinte, incumbe o desafio de registar a
história, as narrativas surdas (NICHOLS, 2016). Os Estudos Surdos são
um meio de reflexão cultural acerca do espaço ocupado pelos surdos no
mundo, com certeza, por meio das narrativas surdas, presentes na cultura
surda. Um dos fundamentais objetivos dos Estudos Surdos precisa ser a
conservação, a coleta, a classificação, a tradução feita de forma a respeitar
a estética das narrativas surdas (BECHTER, 2008).

ESTUDOS SURDOS, NARRATIVAS SURDAS E A FORMAÇÃO DE TILS

A importância das narrativas na cultura dos surdos deve ser enten-


dida sob a perspectiva da informação, como um acesso ao conhecimento
que foi negado na educação e na família pela negação ou pela exclusão
da língua de sinais. Por meio das narrativas, os surdos ensinam-se uns
aos outros (LADD, 2013).

A minha mãe, Deus a abençoe... três anos antes de ela morrer


tivemos uma tremenda discussão... Ela disse: ‘Disseram-me
que nunca devia ter comunicado contigo por gestos e tinham
razão...’ Meu Deus! ‘Pensas que tive uma boa educação só
por não gestuares comigo?! Se não tivesse gestuado com os
Surdos, não teria tido educação nenhuma! Raymond (LADD,
2013, p. 104).

21
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Ao falar das narrativas surdas, falamos de cultura surda, penetramos


nas lentes dessas narrativas vistas também como uma “visão de mundo”
particular que são descritas por meio dessas histórias. No olhar cultural
surdo do mundo, este é composto de vidas surdas. A função das narrativas
surdas, e quem sabe da cultura surda, é “ver vidas surdas” onde outras
pessoas não veem (BECHTER, 2008).

Os diferentes conceitos de cultura estão aí para se compre-


enderem as diferentes posições de cultura. Há conceitos
unitários de cultura; conceitos de alta cultura e baixa cul-
tura; conceitos referentes a múltiplas culturas. Há algumas
posições mais radicais diante das culturas, por exemplo, de
grupos que compartilham da afirmação de uma cultura uni-
versal onde legitimam a dominação das outras culturas. [...]
O que significa a cultura no espaço pós-moderno presente,
na temporalidade em que vivemos? O conceito pós-moderno
coloca o problema como sempre: diferenças culturais,
múltiplas culturas. O conceito de cultura igualmente muda
e mesmo pode oscilar, sendo entendido dentro de novas
tramas epistemológicas. Entramos, portanto, na presença de
diferenças culturais, diferentes culturas, cada uma com sua
emergência, sua história, seus usos, suas particularidades
(PERLIN, 2004, p. 74-75).

A cultura é o foco central dos Estudos Surdos e de quaisquer estudos


sobre minorias. Dar uma nova expressão surda para os surdos representa
recusar, renunciar uma identidade baseada na clínica médica e construir
uma identidade consolidada, arraigada com uma comunidade composta
por pessoas que partilham experiências e interpretações equivalentes no
mundo (BAUMAN, 2008).

A cultura é a própria identidade nascida na história, que ao


mesmo tempo nos singulariza e nos torna eternos. É índice e
reconhecimento da diversidade. É o terreno privilegiado da
criação, da transgressão, do diálogo, da crítica, do conflito, da
diferença e do entendimento (CAMPOMORI, 2008, p. 78-79).

22
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Os Estudos Surdos são uma nova maneira de narrar histórias. As


áreas da literatura, da linguística, da antropologia, da alfabetização e do
multiculturalismo são os cenários para a exposição dessas histórias e o
material de registro para os Estudos Surdos, pois, assim, a cultura surda
estará falando e não alguém falando por ela. As narrativas expressam o
que os surdos valorizam e compreendem que um rico artefato da cultura
surda é seu registro devidamente organizado e resguardado, que servirá
para estudo, pesquisa e memória (BECHTER, 2008).

Falar de surdo é também pensá-lo como sujeito plural, mul-


tifacetado, cuja experiência de ser, de estar no mundo, que é
coletiva no encontro com outros surdos, é sentida de maneiras
singulares; trata-se de uma experiência que nos surdos deixa
sinais que formam a sua condição surda de viver (MULLER;
KARNOPP, 2017, p. 124).

Os Estudos Surdos geram um espaço no qual a narrativa de vidas


surdas seja possível. O Deafhood, traduzido para a língua portuguesa
como ‘Surdidade’ (LADD, 2013) não é um estado clínico imóvel como
a surdez. De maneira oposta, retrata um período que atravessa cada
sujeito surdo para elucidar a si mesmo e ao outro sua vida no universo
e compartilhar suas experiências em comunidade, tomando para si suas
descrições para além do registro em livros. Os surdos têm na práxis do
dia a dia uma troca contínua. Essa troca reconhece a presença como
sujeito surdo e evidencia a importância de permanecer surdo, cogitando
leituras diferentes sobre a Surdidade e sobre o significado de ser surdo
em uma comunidade surda. A Surdidade afirma com segurança que há
presença de uma consciência surda em grau particular e coletivamente
(LADD, 2013).

[...] um sentido Surdo de ser, [...] como um rio correndo contra


uma barragem, não consegue descansar enquanto não encontrar
uma maneira de se espalhar por um mar de vida, onde todas
as almas humanas são passíveis de descobrir a sua máxima
expressão pessoal e de se interpenetrarem uns nos outros
(LADD, 2013, p. 4).

23
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Na diferença os surdos se encontram. Os cenários de encontros


surdo-surdo significam momentos de nutrição das raízes surdas, da língua
de sinais. Trata-se de uma forma de conscientização surda para resguar-
dar a herança surda (língua e a cultura surda) (QUADROS, 2017). No
encontro surdo-surdo, a Surdidade se constitui no crescimento coletivo,
por meio de experiência dos movimentos surdos em defesa da língua de
sinais e da educação de surdos, que impulsiona os surdos a uma men-
talidade surda coletiva e empenha para manter o coletivismo dentro da
Surdidade, dentro desse lugar (LADD, 2013).
Os Estudos Surdos representam o único espaço em que a experiên-
cia em comunidade das pessoas surdas pode formar uma ação reflexiva
organizada. Respectivamente, ser privado biologicamente do som e ter
experiências socioculturais, exemplificam os diferentes resultados da
surdez e Surdidade. Além de um lugar, Surdidade pode ser concebida
como processo, a luta de cada surdo, seja em que fase da vida for, para
se autoesclarecer, esclarecer ao outro a sua presença no mundo (LADD,
2003).
É de responsabilidade dos Estudos Surdos instituírem formalmente
epistemologias e ontologias para os surdos e para a Surdidade, tendo
como base as narrativas surdas por meio de investigações na comunidade
surda. Trata-se de um desenvolvimento epistêmico dentro dos Estudos
Surdos, em que o surdo deixa de ser objeto de pesquisa dentro dos Estu-
dos Surdos e substitui o objeto. A cultura e a língua de sinais são o cerne
epistemológico da comunidade surda. Reconhecer a língua sem validar
a cultura pode levar à decadência das concepções da comunidade surda
(LADD, 2008).
As atividades profissionais dos TILS no Brasil despontaram na
década de 1980 em organizações religiosas e nas comunidades surdas
(SANTOS, 2006). A formação desse profissional caminhou durante
muito tempo com uma visão empirista, na informalidade, sendo realizada
por instituições religiosas e associações de surdos. Nesses espaços e nos
Movimentos Surdos ainda incipientes, o tradutor intérprete era visto como
a pessoa que “quer aprender minha língua para se comunicar comigo e

24
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

colaborar com meu grupo de alguma forma”. A atividade interpretativa


surge e se institui pela ação de pessoas que experienciaram uma precisa
relação em comum com os surdos que, por necessitarem se colocar em
sua língua para a sociedade, demandaram outras pessoas que sabiam sua
língua e sua cultura para intermediaram e/ou interpretarem para o outro
o que ouvia (NASCIMENTO, 2011).
Os Estudos Surdos na formação dos TILS proporcionam o debate
e reflexão sobre o processo de tradução confirmando que traduzir não é
a disposição exclusivamente de elementos linguísticos. Há componen-
tes culturais imprescindíveis que integram o processo tradutório. Perlin
(2006) considera os TILS como pessoas qualificadas que integram as
vidas surdas. O ato tradutório oportuniza o TILS a construir um olhar
cultural e entrepor sentidos estabelecidos por situações incorpóreas (MA-
SUTTI, 2007). Discorrer sobre as narrativas surdas é pensar a cultura
surda, adentrar no universo da história cultural dos surdos e conhecer
suas histórias de vida, suas formas de ver, pensar e de se posicionar no
mundo, devendo ser um caminho de reflexão cultural em relação ao es-
paço que os surdos ocupam na sociedade e à percepção de que a tradução
e a interpretação devem estar embebidas com a estética das narrativas
surdas (BECHTER, 2008).
Para os TILS, as narrativas surdas são um caminho rico e valoroso
para apreenderem sobre a cultura dos surdos. Ver significa mais que
conhecer as narrativas. Ver vidas surdas é a abertura de uma lente de
possibilidades ilimitadas de apreender sobre a cultura dos surdos e as
suas histórias culturais, que são suas formas de se colocarem e de en-
tenderem o mundo.

25
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

REFERÊNCIAS

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KARNOPP, Lodenir Becker; KLEIN, Madalena; LUNARDI-LAZZARIN, Márcia
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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

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27
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

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28
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

PROPOSTA DE REFERÊNCIAS PARA CLASSIFICAÇÃO DE


NÍVEIS LINGUÍSTICOS EM TESTES DE PROFICIÊNCIA EM
LIBRAS PARA TRADUTORES E INTÉRPRETES

Tiago Coimbra Nogueira


Pérola Juliana de Abreu Medeiros

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é compartilhar os resultados de uma pesqui-


sa realizada no contexto da pós-graduação em tradução e interpretação
de Língua Brasileira de Sinais – Libras – Português que versa sobre a
construção de uma proposta de referência para classificação de níveis
linguístico na avaliação de proficiência linguística em tradutores e in-
térpretes de Libras.
Profissionais da área de tradução/interpretação passam, necessa-
riamente, pelo aprendizado de (pelo menos) uma segunda língua – L2.
Para chegarem ao nível mais alto de proficiência desta L2 percorrem
níveis de aprendizado até serem capazes de usá-la profissionalmente. Um
instrumento que pode atestar estas habilidades é o teste de proficiência.
Distintamente de outras línguas, ainda não é conhecido uma base
comum que possa descrever os níveis de competência linguística em Li-
bras. Tal descrição forneceria uma estrutura comum de grande interesse
para os setores de avaliação de candidatos a cargos de tradução e inter-
pretação e poderia contribuir com os processos de ensino para alcançar
elevados níveis em proficiência.

29
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

No cenário das línguas orais, grandes empresas, universidades e


governos internacionais exigem certificado de proficiência linguística
de estrangeiros aspirantes às vagas disponibilizadas por tais espaços.
Grande parte dos exames de proficiência utilizam como referência um
quadro com parâmetros linguísticos definidos em níveis: Quadro Europeu
Comum de Referência para Línguas – CEFR. Desta forma, os riscos de
resultados pautados na subjetividade dos examinadores diminuem con-
sideravelmente. Ele é dividido em seis níveis: A1 e A2 para os falantes
básicos, B1 e B2 para aqueles que alcançaram uma independência no
uso da língua e C1 e C2 para aqueles que alcançaram alta proficiência.
Os níveis são avaliados a partir das seguintes dimensões; repertório,
assertividade, fluência, interação e coerência.
No entanto, quando olhamos especificamente para os tradutores e
intérpretes de língua de sinais – TILS, as avaliações são realizadas com
regularidade para vários fins como seleção de emprego, concurso público,
ingresso em programas de pesquisas científicas entre outros. Porém, as
bancas de avaliação nem sempre possuem critérios claros sobre o que
será avaliado e tampouco sobre qual nível linguístico espera-se que o
candidato esteja.
Com isso em mente, o objetivo geral deste trabalho é apresentar
uma proposta de referência para níveis linguísticos no uso Libras que
sirva de apoio na avaliação de TILS.
Para tal, observamos os critérios usados em avaliações de TILS em
cinco concursos públicos realizados nos últimos quatro anos no estado
de São Paulo. Analisamos ainda os conteúdos programáticos comuns de
quatro cursos de Libras oferecidos em níveis, com o intuito de encontrar
um padrão na composição de cada módulo/nível que pudesse subsidiar
a proposta de critérios para níveis de proficiência na Libras como L2.

DIFERENÇA CONCEITUAL ENTRE PROFICIÊNCIA E FLUÊNCIA

A necessidade de abordar os conceitos de proficiência e fluência


deu-se a partir da percepção de um uso bastante popular, porém não

30
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

técnico, destes termos. No que concerne ao quesito proficiência e/ou


fluência, nota-se uma falta de consenso quanto aos seus significados. É
comum observar no cotidiano o uso de forma “popular” de tais vocábulos.
Scaramucci afirma que a avaliação de proficiência nem sempre é
feita de forma adequada e uma das causas deste problema é a existência
de “confusões terminológicas assim como dúvidas e divergências quanto
à conceituação, descrição e operacionalização do construto” (SCA-
RAMUCCI, 2000, p. 11). A autora explica, por exemplo, que o termo
“proficiente”, definido popularmente, é usado de forma não-técnica para
referir-se exclusivamente a alguém que chegou no estágio mais avançado
do conhecimento de uma língua, desconsiderando que os níveis iniciais
e intermediários também tiveram a necessidade de algum grau de profi-
ciência, como demonstra a figura (1) a seguir:
Figura 1 – Uso não-técnico ou amplo do termo proficiência

Fonte: Scaramucci (2000).

Todavia, é possível observar, na figura a seguir, o mesmo conceito


numa perspectiva técnica que considera a proficiência presente em todos
os níveis de aprendizado/uso da língua, considerando que a aprendizagem
é uma sucessão de tentativas bem-sucedidas que vão evoluindo em níveis
de dificuldade até que se alcance um alto nível de proficiência. Ou seja:
“A proficiência admite níveis” (SILVA, 2004, p. 10).
Figura 2 – Uso técnico ou amplo do termo proficiência

Fonte: Scaramucci (2000).

31
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Adotaremos, nesta pesquisa, o uso técnico do conceito de proficiência,


proposto por Scaramucci (2000), considerando o propósito da situação
de uso da língua. Desta forma, em vez de dizer que alguém é ou não é
proficiente na Libras, seria mais apropriado dizer que determinada pessoa
tem proficiência para se comunicar com surdos em situações elementares
e limitadas; ou que a pessoa é proficiente na Libras para estudar numa
faculdade bilíngue (Libras – português); ou que o sujeito é proficiente o
suficiente para trabalhar como TILS numa instituição de nível superior.
Sobre o termo “fluência”, concordamos com a definição de Pereira
(2008, p. 53 e 128) quando afirma que “[…] a fluência é um dos elemen-
tos que compõem a proficiência” e que é caracterizada por “[…] ritmo
e velocidades consideradas normais e com pausas aceitáveis […]”. A
autora relata que o termo fluência é mais comum em contextos relativos
à sua ausência; a disfluência. Por exemplo, para estudos de casos de
gagueira – disfemia (MILLOY, 1997; JAKUBOVICZ, 2002; MERLO,
2006 apud PEREIRA, 2008, p. 48).
No entanto, com base numa abordagem linguística, a fluência pode
ser descrita como um dos fatores de desenvolvimento de uma segunda
língua – L2. A baixa frequência de hesitações e de reformulações da fala/
sinalização, a facilidade de emissão, a habilidade gramatical e a comple-
xidade semântica são alguns dos elementos associados a uma fluência
adequada, considerados por Merlo (2006). Problemas de fluência podem
ser caracterizados por repetições exageradas de palavras (de sinais, no
caso das línguas de sinais) e frases, por exemplo (JAKUBOVIZ apud
PEREIRA, 2008).
Ao discutirmos sobre fluência ou proficiência, estamos falando
sobre uma competência que deve ser desenvolvida pelo tradutor e in-
térprete, que é a competência linguística ou bilíngue. Certamente essas
habilidades precedem a competência tradutória – CT. Nesse sentido,
Pereira (2008) afirma que a proficiência na L2 deveria, naturalmente,
ser avaliada antes da CT.
Um dos modelos de CT mais conhecidos e mais bem desenvolvi-
do para a tradução é o modelo do grupo de Processo de Aquisição da

32
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Competência Tradutória e Avaliação – PACTE (2003) da Universidade


Autônoma de Barcelona, no qual considera várias subcompetências que
operam de forma global para a produção de um conhecimento especia-
lizado.
O esquema apresentado pelo PACTE apresenta cinco subcompe-
tências: (i) a bilíngue, (ii) a instrumental, (iii) os conhecimentos sobre
tradução, (iv) a extralinguística e (v) a competência estratégica. Além
dessas subcompetências temos os componentes psicofisiológicos. O gru-
po PACTE considera a CT um conhecimento especializado, basicamente
procedimental e operativo, necessário para o saber traduzir (HURTADO
ALBIR, 2005).
Nesse sentido, a competência linguística, ou bilíngue, descrita pelo
PACTE, tem um papel importante. Para o grupo, a subcompetência bi-
língue está integrada por conhecimentos essencialmente operacionais,
necessários para a comunicação em duas línguas: conhecimentos prag-
máticos, sociolinguísticos textuais e léxico-gramaticais. Desse modo, é
salutar que o TILS continue sua caminhada profissional desenvolvendo
essa competência, tendo a possibilidade de averiguar em que nível está
e como pode avançar.
A subjetividade é bastante provável quando um exame de profici-
ência é realizado sem que haja um modelo de diretrizes para referenciar-
se. Candidatos à certificação de proficiência linguística, geralmente,
submetem-se a uma avaliação somativa cujo objetivo é verificar, ao
término do exame, se as exigências explanadas no início do processo
foram cumpridas, parcial ou totalmente (PEREIRA, 2008).
Pereira (2008) afirma ainda que um bom exame de proficiência
linguística deve ter duas características indispensáveis: Validade e con-
fiabilidade que devem estar presentes simultaneamente. Por exemplo,
um teste de proficiência em L2, num contexto de ensino superior, não
deve ser aplicado em aprendizes iniciantes desta língua. Seria inapro-
priado e, portanto, inválido. O exame deve “[…] analisar o desempenho
do candidato de acordo com os critérios estabelecidos, ou seja, avaliar,
exatamente, o que se propôs a avaliar” (PEREIRA, 2008, p. 61). A mesma

33
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

autora explica que a confiabilidade consiste na coerência entre os critérios


de avaliação, tal que, se o candidato fizer o mesmo teste duas vezes, os
resultados não apresentarão discrepâncias entre si, ou seja, serão iguais
ou muito similares.
A partir dessa perspectiva, ter diretrizes organizadas para servir de
referência para aplicação de exames que possam avaliar a proficiência
linguística, parece-nos interessante.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para alcançar os objetivos propostos, a investigação usou uma abor-


dagem qualitativa, pois os resultados não são mensurados em números,
mas sim de forma descritiva e analítica. Seu método foi bibliográfico,
explorando, portanto, materiais relacionados ao tema de estudo. Para isso,
selecionamos cinco editais de concurso público para o cargo de TILS a
fim de averiguar os critérios usados nestas seleções. Buscamos editais
mais recentes, que ocorreram no estado de São Paulo. Além disso, anali-
samos o conteúdo programático de quatro cursos de Libras – oferecidos
em módulos/níveis, com o intuito de encontrar um padrão na composição
de cada módulo/nível de proficiência na Libras como L2. Um instituto
forneceu o conteúdo via e-mail, dois o dispuseram no próprio site e um
o imprime no verso de seus certificados (usamos arquivos pessoais para
consulta).
O fruto da análise destes cursos serviu como base para a proposta
de um quadro de referências que descreva habilidades linguísticas ne-
cessárias para alcançar cada nível de proficiência na Libras. Abaixo, o
quadro dos editais selecionados e os cursos analisados.

34
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 1. Editais analisados12345

Instituição Editais
Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de Edital1 de abertura n° 118/2018 e de convoca-
São Paulo – IFSP ção para prova prática nº 356/2018;

Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Edital2 n° 105/2018


Secretaria Municipal de Educação – SME Edital3 nº5 de credenciamento de intérpretes
(e guia-intérpretes) de Libras SME/COPED/
DIEE nº 003/2018
Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR Edital4 n° 01/2018 e edital de convocação para
prova prática;
Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de Edital5 n° 160/2019 – Comunicado 11/2019 do
São Paulo – IFSP detalhamento da prova prática.

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

As quatro instituições de ensino abaixo foram selecionadas por


oferecerem seus cursos de Libras por níveis/módulos. Dessa forma, pu-
demos verificar quais conteúdos são ensinados em cada um dos níveis.

1 Disponível em: <https://concursopublico.ifsp.edu.br/editais/edital-1182018-t%C3%A9cnico-


administrativos>. Acesso em 28 mar. 2022.
2 Disponível em: <https://concurso.unifesp.br/editais/edital230-2018.htm>. Acesso em 28 mar.
2022.
3 Disponível em: <https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/noticias/edital-de-credenciamento-
deinterpretes-e-guiainterpretes-de-libras/> Acesso em 28 mar. 2022.
4 Disponível em: https://concursos.ufscar.br/detalhe.php>. Acesso em 28 mar. 2022.
5 Disponível em: <https://concursopublico.ifsp.edu.br/sites/default/files/arquivos/
comunicado_11-2019-convocacao_prova_de_desempenho_teorico-pratico_-_tradutor_e_in-
terprete_de_linguagem_de_sinais.pdf>. Acesso em 28 mar. 2022.

35
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Diagrama 1. Cursos de Libras selecionados

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

Além disso, estes locais foram escolhidos pelos seguintes motivos:


O INES é referência histórica nacional de educação de surdos; o IFSC
Palhoça é referência federal de instituição bilíngue (Libras e português);
a SDPD se justifica pelo órgão que é - uma Secretaria dos Direitos da
Pessoa com Deficiência da Prefeitura Municipal de São Paulo e, portanto,
uma vitrine política pública; por fim, o Instituto Phala já é referência na
mídia social como centro de desenvolvimento para surdos.
ANÁLISE DOS DADOS

DOS EDITAIS
A. Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo –
IFSP – Edital n° 118/2018 – Edital de convocação nº 356/2018 para
prova prática
Apesar de o edital apontar cinco itens como critérios de avaliação,
eles não são detalhados. É possível entender que as CTs foram conside-
radas nos dois primeiros critérios: nível de conhecimento teórico-prático
das interpretações e das traduções. Mas, por exemplo, o que de fato foi
avaliado no item parâmetros fonológicos da Libras? Este é um nível
básico inicial. O intérprete deve dar conta de outros níveis linguísticos
como questões semânticas e sintáticas, igualmente importantes.
O edital também não menciona as possíveis nuances existentes nas
execuções das tarefas propostas. Apenas diz que a execução delas será
avaliada.

36
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quando a publicação escolheu colocar que parâmetros fonológicos


da Libras seria um critério de avaliação, não deixou claro ao candidato o
que de fato seria esperado dele, ou seja, ficou genérico. Nesse sentido, não
há uma descrição clara dos níveis linguísticos que deveriam ser atingidos
e, consequentemente, aceitos para conquistar a vaga.

B. Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – Processo


seletivo simplificado para contratação temporária de Profissional
Técnico Especializado em Linguagem de Sinais – LIBRAS. Edital
n° 230/2018
O edital não apresenta clareza em relação ao uso da Libras na entre-
vista. A dúvida permanece nos critérios coesão e coerência: Coerência/
coesão do que será dito pelo entrevistado ou do uso da língua de sinais
em si? Há um item de avaliação descrito como “domínio prático”, mas
não fica evidente se refere-se ao comportamento profissional percebido
nas respostas da entrevista ou ao domínio da Libras. Claro que, se a
entrevista estivesse inserida na fase de prova prática, não haveria lugar
para estas dúvidas. Mas, como houve separação entre fase prática e não-
prática, não foi possível fazer mais do que inferências para tentar elucidar
as questões levantadas acima.

C. Secretaria Municipal de Educação – SME – Edital nº5 de


credenciamento de intérpretes (e guia-intérpretes) de Libras SME/
COPED/DIEE nº 003/2018
Este edital foi mais específico quanto aos critérios de avaliação. O
que tornou possível saber, com maior objetividade, no que o candidato
deveria aplicar-se para preparar-se mais especificamente.
O primeiro critério – formação de sinais – por exemplo, parece ser
um indicador de avaliação da execução correta dos sinais (pronúncia).
O aproveitamento do espaço na construção do enunciado também foi
considerado. Há ainda outros critérios que poderiam ser classificados em
níveis, como a adequação do vocabulário de acordo com o público-alvo
e a fluência, cujo vocábulo foi adotado de forma estanque.

37
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

É possível entender que não apenas o nível de conhecimento linguís-


tico da Libras foi avaliado, mas também as competências tradutórias: (i)
Interpretação de textos Português – Libras – português, (ii) Equivalência
textual e de registro entre Libras e português e vice-versa, (iii) Adequa-
ção de níveis e registro de vocabulário em função do público-alvo e (iv)
Utilização adequada do tempo de interpretação.
Invariavelmente, ficou oculta a distribuição da nota entre os critérios
de avaliação. Não foi possível ao candidato verificar no resultado onde
ficou em déficit em sua atuação no processo seletivo.

D. Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR – Edital n°


01/2018 e edital de convocação para prova prática
As quatro etapas mencionadas referem-se a uma avaliação das com-
petências tradutórias e interpretativas. Foram atribuídas notas específicas
para questões de técnicas de tradução e de interpretação. Contudo, para
avaliar estas competências, habilidades linguísticas foram consideradas
com detalhes.
O exposto no edital nos permite empreender que o termo “fluência”
foi utilizado de forma mais técnica, pois há subcritérios que permitem
admitir níveis de fluência.
Para os critérios mencionados no edital, não houve menção do modo
como as notas seriam atribuídas dentro de cada eixo, para cada critério.
Desta forma, o resultado revela ao candidato apenas sua performance nas
habilidades tradutórias, porém, não dá pistas quanto ao seu desempenho
em cada item dos critérios de conhecimento linguístico.

E. Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo –


IFSP – Edital n° 160/2019 – Comunicado 11/2019 do detalhamento
da prova prática
Semelhantemente ao edital anterior, este edital atribuiu notas às com-
petências tradutórias e interpretativas (com exceção do primeiro item que
era apenas uma apresentação pessoal) e para avaliar estas competências,
habilidades linguísticas foram consideradas com detalhes.

38
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

As notas das quatro etapas foram especificadas e ainda as notas


dos critérios que as compunham. Desta forma, foi possível ao candidato
verificar, através do resultado, exatamente em qual critério perdeu mais
pontos e em qual foi mais eficiente.
O termo fluência não foi usado nos critérios deste edital. Mas, termos
ligados a ele sim, como: prosódia, fluidez na sinalização e retomada de
discurso, conforme discorremos neste estudo.
De forma geral, todos os editais especificaram que o candidato
deveria interpretar da Libras para o Português oral e vice-versa (com
exceção do IFSP 2018 que não explicitou estas etapas).
Dos cinco editais, apenas dois (UFSCAR e IFSP 2019) avaliaram
a tradução da Libras para o Português escrito e apenas um (UFSCAR)
avaliou o inverso: português escrito para Libras.
Somente a UNIFESP mencionou a realização de uma entrevista
com critério de avaliação linguística.
Duas instituições expuseram com detalhes o valor das notas de cada
tópico a ser avaliado (UFSCAR e IFSP 2019).
O quadro a seguir (2) mostra os critérios que foram comuns entre os
editais analisados. Destacam-se as exigências das tarefas de interpretação
de Libras para o Português e vice-versa, clareza e fluência.
Quadro 2. Critérios de avaliação comuns entre dois ou mais editais

IFSP UNIFESP SME UFSCAR IFSP


2018 2018 2018 2018 2019
Critérios comuns
Adequação/equivalência de X X X
texto/discurso
Clareza X X X
Classificadores X X
Coesão e coerência X X

39
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Ética X X
Fluência em Libras X X X
Interpretação Libras – portu- X X X X
guês
Interpretação Português – X X X X
Libras
Tradução Libras – português X X
Tradução Português – Libras X
Uso adequado do espaço X X

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

O edital IFSP/2018 não dispôs de informações o suficiente que nos


permitisse afirmar se realizaram ou não as etapas mais comuns esperadas
em processos seletivos: Traduzir e/ou interpretar do Português para a
Libras e vice-versa.

DOS CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS DOS CURSOS DE LIBRAS


Com o intuito de entender o que é esperado para cada nível de um
curso de Libras, organizamos o quadro abaixo (3). Os conteúdos estão
organizados em ordem alfabética onde é possível visualizar em qual
nível/módulo dos cursos eles são ensinados.
Quadro 3. O que é ensinado em cada nível/módulo nos cursos de Libras
pesquisados?

Em qual nível um conteúdo é ensinado?


Conteúdo INES IF Palhoça SDPD PHALA
5 Parâmetros Nível I Níveis I e II Níveis I e II
Adjetivo Nível I Nível III
Advérbio Nível I Níveis I e II
Alfabeto manual Nível I Nível I Nível I Níveis I e II

40
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Alimentação Nível I Nível III


Alofone Nível III
Ambientes Nível IV Nível III
Anáfora e catáfora Nível III
Animais - insetos Nível II Nível III Nível III
Área jurídica Nível IV
Bar, restaurante e Nível III
cozinha
Batismo do sinal Nível I
Calendário Nível I Nível I Nível I
Ciências exatas Nível VI
Ciências humanas Nível VI
Ciências naturais Nível VI
Ciências sociais Nível VI
Níveis
Classificador I, III, IV Níveis I a V Nível III Níveis I e II
eV
Clima/tempo Nível III Nível I
Comércio/empresas Nível II
Comparativos Nível II
Contexto escolar Nível I Nível II
Conversação e voca- Níveis I e II
bulário
Cores Nível I Nível II Nível I
Cotidiano do Surdo Nível I
Documentos Nível II
Educação de Surdos Nível II
Esporte Nível IV

41
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Estados/capitais Nível III Nível II


Expressão corporal Nível I Níveis I e II Nível I
Expressão facial Nível I Nível III Níveis I e II Níveis I e II
Expressão idiomática Nível II
Expressões afetivas Nível II Nível IV
Expressões não Nível II Nível III
manuais
Fábulas e/ou con-
tação de histórias / Nível III, V
Nível V Nível III Níveis I a III
narração / literatura e VI
surda
Níveis I
Família Nível I Nível I
e II
Forma, informal e Nível IV Nível III
gírias
Funções dos órgãos Nível IV
Gêneros textuais Nível II
Gramática Nível I Níveis I e II
Higiene / saúde Nível IV Nível IV e VI
História do INES Nível IV
Horas Nível II Nível I
Iconicidade e arbitra- Nível V Nível II
riedade
Lendas brasileiras Nível III Nível I
Língua de sinais no Nível I
mundo
Locativos – Bairros, Níveis II Nível II e V Nível III Nível II
estados e capitais e III
Marcadores tempo- Nível V
rais

42
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Meios de comuni- Nível III Nível III


cação
Níveis I
Meios de transporte Nível III Nível III
a III
Metáfora Nível V Nível V
Mitos e crenças da Nível I
língua de sinais
Mundo dos Surdos – Níveis I Nível I Nível I Nível II
história e cultura aV
Municípios dos Nível III Nível III
arredores
Natureza Nível III Nível III
Níveis I
Números Nível I Níveis I e II
e II
Países e culturas Nível IV
Pares mínimos Nível III
Pesos e medidas Nível II Nível I
Piada Nível V Nível I
Planeta sustentável Nível IV
Poesia Nível V
Polissemia na Libras Nível II
Níveis I
Profissões Nível II
e II
Pronomes Nível I Níveis I e II Níveis I e II Nível I
Saudações / identifi- Nível I Nível I Nível I
cação
Simultaneidade da Nível III
Libras
Níveis I
Sinais soletrados a III
Tecnologia Nível VI

43
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Tempo - duração Nível III Nível I


Tipos de frases Nível II
Transcrição para
Libras / noções de Nível III Nível III
signwriting
Turismo / Lazer Nível IV Nível IV
Valores monetários Nível III Nível I Níveis I e III
Variações regionais
e/ou dialetos em Nível III Nível I Nível II
Libras
Níveis III Níveis I, III
Verbos Nível I e II
e IV e IV
Vestuários Nível II Nível II
Níveis I, II,
Vocabulário IV e V

Fonte: elaborado pelos autores (2022).

Apesar de haver diferenças entre tópicos ensinados e os momentos


adequados escolhidos pelos cursos acima, foi possível notar que ao final
do nível I é esperado que o estudante da Libras aprenda coisas concer-
nentes a um contato inicial como saudações, pronomes, apresentação
pessoal, alfabeto manual, expressão facial e corporal, números, cores,
família, calendário e conhecimento inicial da cultura surda. A gramática
já é introduzida nesta primeira etapa.
Para o nível intermediário, a tabela demonstra que é esperado que o
aprendiz se aprofunde em cultura surda, parâmetros da Libras, números/
valores monetários, classificadores, localidades, variações regionais,
profissões, vestuários e expressões idiomáticas.
Para o nível avançado, o conteúdo principal selecionado pelos cursos
foram: Classificadores, meios de transportes, lendas, poesias, metáforas,
contação de histórias, fábulas, turismo, países e culturas, expressões não
manuais dentre alguns elementos gramaticais.

44
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Alguns tópicos são ensinados unicamente por um dos quatro cursos,


como mostra o quadro 4.
Quadro 4. Tópicos ensinados unicamente por uma das instituições

TÓPICO ENSINADO CURSO NÍVEL/MÓDULO


Alofone Instituto Phala III
Anáfora e catáfora Instituto Phala III
Área jurídica IFSC Palhoça IV
Bar, restaurante e cozinha IFSC Palhoça III
Batismo do sinal Instituto Phala I
Ciências exatas IFSC Palhoça IV
Ciências humanas IFSC Palhoça IV
Ciências naturais IFSC Palhoça IV
Ciências sociais IFSC Palhoça IV
Conversação SDPD I e II
Cotidiano do Surdo SDPD I
Educação de surdos Instituto Phala II
Esporte IFSC Palhoça IV
Expressão idiomática Instituto Phala II
Expressões afetivas INES II
Funções dos órgãos INES IV
Gêneros textuais SDPD II
História do INES INES IV
Língua de sinais no mundo IFSC Palhoça I
Marcadores temporais IFSC Palhoça V
Países e culturas INES IV
Pares mínimos Instituto Phala III

45
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Planeta sustentável INES IV


Poesia INES V
Polissemia na Libras SDPD II
Simultaneidade da Libras Instituto Phala III
Sinais soletrados INES I a III
Tecnologia IFSC Palhoça VI

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

Há poucos conteúdos fora do escopo linguístico que são ensinados


apenas por um ou outro curso, como por exemplo a “História do INES”
e o “Batismo do sinal”.

RESULTADOS PRELIMINARES

Considerando que na jornada de aprendizado de uma L2 a gradu-


ação de níveis/módulos seja um “termômetro” para aferir o avanço da
proficiência na língua a que se propõe a aprender, as análises tantos dos
editais quanto dos conteúdos ensinados nos cursos de ensino de Libras
selecionados foram especialmente úteis para a definição dos descritores
que compõem a proposta apresentada, que serve de sugestão para des-
crever as habilidades linguísticas necessárias para alcançar cada nível
de proficiência na L2 (figura 3).
A proposta produzida e compartilhada nesse trabalho ainda carece de
ampla discussão com instituições e pesquisadores do campo da Linguísti-
ca e dos Estudos da Tradução, contribuições que podem ser introduzidas
na proposta. Abaixo compartilhamos a primeira versão, como resultado
da análise feita dos editais e conteúdo dos cursos.

46
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Figura 3. Proposta de quadro de referência para língua brasileira de sinais

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

Prosseguindo com a sugestão à que se propôs este trabalho, os


quadros de 5 a 10 apresentam os seguintes detalhamentos:
Quadro 5. Níveis de referência comuns para desempenho na Libras (Básico I)

Libras – Nível Básico I


REPERTÓRIO: Expressa-se utilizando contextos muito comuns do cotidiano.
O repertório de vocabulário é muito básico e gira em torno dos temas: Saudações,
família, cores, calendário, alimentos básicos, números, pronomes pessoais, escola,
vestimentas, animais, horas, locativos. Usa bastante a datilologia para substituir sinais.
ASSERTIVIDADE: Produção em Libras muito pautada na estrutura do Português.
Troca os dedos e confunde a configuração de mãos na datilologia.
FLUÊNCIA: Produz enunciados curtos e desconectados com muitas pausas para
pensar para corrigir erros. Ainda não é capaz de desenvolver uma conversa fluida.
INTERAÇÃO: É capaz de apresentar-se e responder perguntas pessoais de forma
simples, com sinais isolados, desde que seus interlocutores sinalizem pausadamente.
Tem muita dificuldade de “ler” a datilologia do interlocutor. Não faz contato visual,
pois foca o olhar nas mãos.
COERÊNCIA: Não usa muito as expressões faciais e corporais, preocupando-se
demasiadamente com a produção de sinais. Sabe alguns verbos, porém, ainda não
os conjugam de forma adequada às diferentes situações.

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

47
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 6. Níveis de referência comuns para desempenho na Libras (Básico II)

Libras – Nível Básico II


REPERTÓRIO: Expressa-se de forma simples com enunciados curtos e objetivos
sobre contextos do dia a dia como trabalho/profissão, escola, comércio, valores
monetários simples, além dos já apreendidos no nível básico I. O recurso da dati-
lologia ainda é bastante utilizado para suprir a carência de vocabulário.
ASSERTIVIDADE: Os erros na datilologia diminuem.
Confunde o uso de alguns sinais por influência do Português.
FLUÊNCIA: Produz enunciados um pouco maiores e menos desconectados, ainda
com bastante pausas para pensar para corrigir erros. Faz pausas durante o diálogo,
tanto para entender o que seu interlocutor diz quanto para responder ou interagir.
INTERAÇÃO: É capaz de manter um diálogo superficial sobre sua rotina de
trabalho, meios de transporte, estudos, estados e capitais, clima e compras. “Lê”
melhor a datilologia do interlocutor, feito pausadamente. Não faz contato visual,
pois fixa o olhar nas mãos.
COERÊNCIA: Usa poucas expressões faciais e corporais. Já sinaliza verbos
de modo mais adequado às circunstâncias, apesar de apresentar ainda algumas
inconsistências.
Fonte: elaborado pelos autores (2022)
Quadro 7. Níveis de referência comuns para desempenho na Libras
(Intermediário I)

Libras – Nível Intermediário I


REPERTÓRIO: Comunica-se satisfatoriamente sobre situações cotidianas e áreas
de seu interesse. Expressa-se afetivamente, utilizando conceitos abstratos. Com-
preende algumas variações regionais e já explora contextos jurídicos, de higiene
e de lazer, restringindo o que deseja dizer em alguns momentos.
ASSERTIVIDADE: Compreende a datilologia do interlocutor sem interrompê-lo
e não confunde as letras e números ao produzi-los.
FLUÊNCIA: As pausas para pensar e para corrigir erros são menos comuns. Estão
mais presentes em assuntos poéticos e de humor.
INTERAÇÃO: É capaz de aprofundar-se um pouco mais num diálogo sobre sua
rotina e suas particularidades como ambições, experiências e sentimentos. Mantém
um contato visual com seu interlocutor, desviando o olhar apenas em momentos de
falta de entendimento para prestar atenção às mãos de quem enuncia.
COERÊNCIA: Faz bom uso de expressões faciais e corporais e da aplicação de
verbos adequados às diversas circunstâncias, com poucas inconsistências.

Fonte: elaborado pelos autores (2022).

48
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 8. Níveis de referência comuns para desempenho na Libras


(Intermediário II)

Libras – Nível Intermediário II


REPERTÓRIO: Apresenta vocabulário mais amplo, inclusive na área da saúde,
esportes, jogos, segurança e justiça. É capaz de lidar com diversas situações em
Libras e emitir opiniões, mesmo que o assunto não seja de seu interesse. Rara-
mente restringe o que deseja dizer.
ASSERTIVIDADE: Não demonstra interferência do Português na construção
de seu enunciado, salvo exceções que são percebidas e corrigidas por ele mesmo.
FLUÊNCIA: Mantém um excelente ritmo nos diálogos, apresentando, ocasio-
nalmente, traços de disfluência em assuntos cômicos, humorísticos e poéticos.
INTERAÇÃO Segue num bom fluxo de diálogo com pausas intencionais. O
contato visual é mantido.
COERÊNCIA: Faz bom uso de expressões faciais e corporais e da aplicação de
verbos adequados às diversas circunstâncias.

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

Quadro 9. Níveis de referência comuns para desempenho na Libras (Avançado I)

Libras – Nível Avançado I


REPERTÓRIO: Compreende ideias gerais de contextos complexos e não co-
muns, sejam abstratos, concretos ou técnicos. Expressa-se com bastante detalhes
e profundidade sobre diversos assuntos, inclusive contando histórias, piadas e
declamando poesias.
ASSERTIVIDADE: Realiza classificadores de forma mais complexa e detalhada
sendo assertivo no que deseja especificar.
FLUÊNCIA: Sabe usar pausas propositalmente, sobretudo em suspenses, po-
esias e piadas.
INTERAÇÃO: Demonstra conforto tanto no papel de enunciador quanto no
de interlocutor.
COERÊNCIA: Expressa-se de forma clara, fluida e bem estruturada.

Fonte: elaborado pelos autores (2022)

49
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 10. Níveis de referência comuns para desempenho na Libras (Avançado II)

Libras – Nível Avançado II


REPERTÓRIO: Demonstra bastante especificidade em assuntos mais pontuais
e complexos, sobretudo os temas acadêmicos e técnicos. Compreende contextos
complexos e não comuns, sejam abstratos ou concretos. Defende um ponto de
vista com veemência, indicando prós e contras demonstrando bastante persuasão
em seus argumentos.
ASSERTIVIDADE: Demonstra controle linguístico mesmo quando a atenção
está dividida (por ex.: monitorando reações de outros). Faz relações dialógicas
com detalhes culturais pertinentes.
FLUÊNCIA: Demonstra espontaneidade e facilidade em estender-se em deter-
minado assunto.
INTERAÇÃO: Interage com desenvoltura captando e emitindo até mesmo
nuances não manuais.
COERÊNCIA: Expressa-se de forma clara, fluida e bem estruturada.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

A proposta acima apresentada adquiriu esta formatação devido aos


dados analisados e a duas influências durante a pesquisa. A primeira foi
o Quadro Comum Europeu, pois nos pareceu mais adequado ao que pode
ser encontrado atualmente no que diz respeito aos níveis de aprendizado
de L2. É interessante ressaltar que o curso de Libras oferecido pelo IFSC
– Palhoça foi o único dos quatro cursos pesquisados a adotar o CEFR em
sua estrutura. A segunda influência veio dos cursos de Libras analisados.
Procuramos organizar os temas abordados nos primeiros módulos/níveis
dos cursos correspondentemente aos primeiros níveis de proficiência do
nosso Quadro de Referência para Língua de Sinais e assim o fizemos até
o nível máximo de proficiência. Ou seja, os contextos de aulas de Libras
pertencentes aos módulos/níveis mais altos estão presentes também nos
níveis mais elevados da nossa proposta.

50
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa propôs como objetivo geral realizar uma proposta


inicial de referência para níveis linguísticos no uso da língua brasileira
de sinais que sirva de apoio na avaliação de TILS. Os resultados das
análises preliminares nos permitiram considerar que a maneira como
os processos seletivos e/ou concursos públicos têm ocorrido, sem uma
referência comum de níveis de proficiência entre eles, dão margem à
subjetividade dos avaliadores.
Para que nossa proposta não fosse formulada sem critérios bem
definidos, visto que verificamos ainda não haver quadro de referência
semelhante para a língua de sinais, buscamos estruturá-la com base na
organização apresentada pelos cursos de Libras analisados. Pois, se cursos
de diferentes localidades demonstrarem semelhanças nas escolhas sobre
o que ensinar em cada nível/módulo, podemos então inferir que seja este
mesmo conteúdo a compor determinado nível de proficiência.
As avaliações feitas nos concursos têm seguido uma técnica de Sta-
tus Institucional, que, segundo Scaramucci (2000, p. 13), “[…] pressupõe
uma definição do nível de proficiência dos participantes com base na
posição de algum tipo de estrutura social organizada hierarquicamente
[…]”. Os servidores públicos que já passaram por um processo seletivo
anterior avaliaram os novos candidatos a TILS da instituição.
Sobre a proposta apresentada, ela busca ressaltar que a progressão
estabelecida em cada nível descrito possui caráter cumulativo, ou seja,
cada nível assume o domínio do inferior. Além disso, os níveis estão
inter-relacionados, demonstrando uma graduação sistemática e relacional
entre eles.
Buscou-se ainda, formular descritores para cada nível de uma
maneira objetiva, simples e clara. Possibilitando contribuir e promover
seu uso em contextos avaliativos, acadêmicos e profissionais para que
seja claramente inteligível pelos possíveis usuários das escalas, sejam
eles, candidatos, estudantes, professores de tradução e interpretação ou
tradutores e intérpretes.

51
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A falta de referência para níveis linguísticos na Libras pode ser


um dos elementos responsáveis pela triste realidade de admissão/apro-
vação de pessoas que não possuem a proficiência necessária para o
cargo (alguns nem mesmo possuem a proficiência inicial para assumir
o cargo de TILS) e, consequentemente, não têm desenvolvidas as CTs.
Considerando que o teste de proficiência é um dos critérios que fazem
parte de uma prova de certificação profissional, concordamos com Pe-
reira (2008) quando afirma a extrema relevância de distinguir o teste de
proficiência da certificação profissional. Pois a proficiência linguística
tem como característica a gradação em diversos níveis e não apenas em
ser proficiente e não-proficiente.
Podemos considerar que o Quadro de Referências para o uso da
Libras proposto aqui pode contribuir para a reflexão e, posteriormente,
uma possível reestruturação nos processos seletivos de TILS em diversos
contextos como universidades, instituições públicas de educação, cursos,
ingressos em pós-graduação e políticas públicas, como já mencionado.
Desta forma, a comunidade surda não sofreria com casos recorrentes de
pessoas ocupando funções de TILS, apesar de não saberem interpretar e/
ou traduzir. São fatos que denotam, no mínimo, desrespeito com o sujeito
surdo e irresponsabilidade com a sociedade usuária dos serviços destes
profissionais. Esta realidade precisa mudar e esperamos poder contribuir
para fazer parte da solução do problema.
Estamos cientes de que a proposta elaborada não termina aqui, ainda
precisa ser validada. Tanto os descritores quanto as escalas de progressão
devem ser testadas com uma mostra significativas e representativa de
profissionais.

52
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

REFERÊNCIAS

HURTADO ALBIR, A. A aquisição da competência tradutória: aspectos teóricos


e didáticos. In: ALVES, F., MAGALHÃES, C., PAGANO, A. Competência em
Tradução: cognição e discurso. Belo Horizonte: UFMG, 2005. p.19-58;
JAKUBOVICZ, R. Psicomotricidade, Deficiência da Audição, Atraso de
Linguagem Simples e gagueira Infantil: avaliação, diagnóstico e tratamento em
fonoaudiologia. Rio de Janeiro, 2002.
MERLO, S. Hesitações na fala semi-espontânea: análise por séries temporais.
2006. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2006.
MILLOY, N. R. Distúrbios da Fala: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro:
Revinter, 1997. p.192;
PACTE (Process in the Acquisition of Translation Competence and Evaluation).
Building a Translation Competence Model. In: ALVES, F. (ed.). Triangulating 76
Translation: perspectives in process oriented research. Amsterdam: John Benjamins,
2003. p. 37-61.
PEREIRA, M. C. P. Testes de proficiência linguística em língua de sinais: as
possibilidades para os intérpretes de libras. São Leopoldo: Universidade do Vale do
Rio dos Sinos – UNISINOS, 2008.
SCARAMUCCI, M. V. R. Proficiência em LE: considerações terminológicas e
conceituais. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 36, 2012.
Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/
view/8639310. Acesso em: 14 jun. 2022.
SILVA, V. L. T. da. Competência Comunicativa em língua estrangeira (Que conceito
é esse?). SOLETRAS, UERJ, 2004.

53
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O QUE OS SURDOS AVALIAM SOBRE OS TRADUTORES E


INTÉRPRETES DE LÍNGUAS DE SINAIS (TILS) NO ENSINO
MÉDIO? UMA ANÁLISE BASEADA NA ATITUDE

Lucas Eduardo Marques-Santos


Fabíola Aparecida Dutra Parreira Almeida
Túlio Adriano Alves Gontijo
Solange Maria de Barros

INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta uma investigação à luz da Linguística


Sistêmico-Funcional (doravante LSF) acerca de como e quais elemen-
tos léxico-gramaticais os Surdos utilizam para realizar avaliações em
relação aos intérpretes de Libras no espaço escolar público. Para tanto,
descreve e classifica tais elementos relacionados à Libras, utilizando
como corpus, discursos em línguas visoespaciais valendo-se do sistema
de Avaliatividade (Appraisal System) para identificar e categorizar os
elementos avaliativos utilizados por esses participantes no contexto
de sala de aula.
Para o andamento da pesquisa, perguntas norteadoras foram uti-
lizadas: como o sistema de Avaliatividade (mais especificamente, o
subsistema de Atitude) pode evidenciar a formação acadêmica ofertada a
educandos Surdos no Ensino Médio? Quais elementos léxico-gramaticais
estes entrevistados utilizam na realização de suas avaliações ao referirem-
se aos intérpretes?

55
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Assim, este trabalho baseia-se na perspectiva da LSF ou Gramática


Sistêmico Funcional – GSF, pensada, organizada e criada por Michael
Alexander Kirkwood Halliday, que neste texto, especificamente, servirá
na investigação de línguas visoespaciais - a Libras. Torna-se, desse modo,
um ato inovador para a área dos estudos Sistêmico-Funcionais, uma
vez que focará no uso dessa língua, a partir de traduções dos elementos
léxico-gramaticais da Libras para a escrita em língua portuguesa – LP.
Enquadra-se igualmente em um aspecto léxico-gramatical, visto que
as análises serão realizadas a partir da tradução de elementos linguísti-
cos (Sinais) utilizados por educandos Surdos do Ensino Médio, com o
intuito de compreender as avaliações inerentes ao subsistema de Atitude
elaborado por Martin e White (2005).
Sobre o ofício do ato de interpretação/tradução e seus encargos,
Quadros (2004) esclarece que ele perpassa os estratos socioculturais,
sendo que estes influenciam as escolhas léxico-gramaticais dos TILS,
com o objetivo de aproximar, ‘intimamente’, das significações e equi-
valência da língua alvo.

Envolve um ato COGNITIVO-LINGÜÍSTICO, ou seja, é


um processo em que o intérprete estará diante de pessoas que
apresentam intenções comunicativas específicas e que utilizam
línguas diferentes. O intérprete está completamente envolvido
na interação comunicativa (social e cultural) com poder com-
pleto para influenciar o objeto e o produto da interpretação.
Ele processa a informação dada na língua fonte e faz escolhas
lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo
que devem se aproximar o mais apropriadamente possível da
informação dada na língua fonte (QUADROS, 2004, p. 27,
grifos da autora).

Ainda, considerando o exposto acima, para se referir ao trabalho


dos intérpretes, Quadros (2004) não compõe as características do papel
do TILS. A autora observa, ainda, que o ato tradutório que envolve a
Língua de Sinais - LS e a Língua Portuguesa - LP, ou vice-versa, perpassa
os seguintes critérios:

56
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

a) confiabilidade (sigilo profissional);


b) imparcialidade (o intérprete deve ser neutro e não interferir
com opiniões próprias);
c) discrição (o intérprete deve estabelecer limites no seu
envolvimento durante a atuação);
d) distância profissional (o profissional intérprete e sua vida
pessoal são separados);
e) fidelidade (a interpretação deve ser fiel, o intérprete não
pode alterar a informação por querer ajudar ou ter opiniões
a respeito de algum assunto, o objetivo da interpretação é
passar o que realmente foi dito) (QUADROS, 2004, p. 28,
grifos nossos).

O que referenda esta análise e traz à tona discussões que circundam,


“Muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula [que] acaba sendo
confundido com o papel do professor” (QUADROS, 2004, p. 60), em
que se torna possível fomentar debates que envolvem a ética e o papel
real desse profissional no contexto educacional.
Distinto a esses fatores, o serviço de intepretação, segundo Quadros
(2004, p. 63), “De modo geral, aos intérpretes de língua de sinais da área
da educação é recomendado redirecionar os questionamentos dos alunos
ao professor, pois desta forma o intérprete caracteriza o seu papel na
intermediação, mesmo quando este papel é alargado”.
Cabe destacar que este texto é um recorte da dissertação de mestrado
intitulada “AVALIATIVIDADE EM DISCURSOS DE SURDOS NO
ENSINO MÉDIO: uma Análise Sistêmico-Funcional”, em que foram
selecionados quatro (4) participantes, sendo eles Surdos, utentes de Lín-
gua Brasileira de Sinais (Libras), matriculados e frequentes no 3º ano do
ensino médio em escolas públicas localizadas na região metropolitana
de Goiânia, capital do estado de Goiás.
O texto está organizado da seguinte forma: inicialmente serão
mostradas considerações sobre a teoria de base, bem como o sistema de
Avaliatividade – arcabouço teórico-metodológico utilizado neste estudo.
Em seguida, as análises dos dados e, finalmente, as considerações finais.

57
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (LSF)

A Linguística Sistêmico-Funcional é sistêmica por tratar de uma


teoria que se preocupa com os tipos de significados, sendo estes per-
cebidos sob uma perspectiva funcional, cujas escolhas linguísticas são
conscientemente inter-relacionadas (HALLIDAY, 1994). Neste sentido,
o autor considera a funcionalidade linguística sob três aspetos: (1) as
formas textuais, (2) o sistema e (3) os elementos das estruturas de uma
língua, que seriam, segundo ele, intrinsecamente relacionados ao contexto
em que se insere a fala, ou seja, o uso.
É possível perceber que Halliday (1994) parte do ponto de vista de
que a linguagem é um sistema inesgotável de possibilidades, mesmo que
em si mesma apresente elementos finitos em um determinado texto, seja
escrito ou falado. E que, portanto, visto sob uma ótica funcional não se
pode estigmatizar uma possível análise como completa.
A linguagem, nessa perspectiva, deve ser entendida por meio de
três metafunções, sendo elas: a ideacional, a interpessoal e a textual que
ocorrem simultaneamente, dependendo uma da outra para desenvolver
uma gramática mais funcional e menos formal.
A metafunção ideacional ou experiencial reflete o modo como re-
presentamos a experiência (conteúdo e ideias) e a lógica (relação entre
ideias), ou seja, é a língua como reflexão: a metafunção interpessoal
reflete as relações sociais (papéis e atitudes entre os participantes do
discurso), isto é, a língua como ação, e a metafunção textual relaciona-
se com a organização das mensagens através da textura linguística, que
traz coerência a um texto oral ou escrito.
Dentro do arcabouço teórico da LSF, fazermos o recorte para a
metafunção interpessoal, mais especificamente, um dos sistemas discur-
sivos, o sistema de Avaliatividade, que por sua vez dá conta do estudo
das avaliações e opiniões expressas linguisticamente nos textos. Esse
sistema foi escolhido, pois nos interessa investigar o posicionamento dos
professores frente às atividades remotas na universidade.

58
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

SISTEMA DE AVALIATIVIDADE

A partir da visão teórica sistêmico-funcional, o estudo do sistema


de Avaliatividade - (Appraisal - termo em língua inglesa), elaborado
por Martin e White (2005), que – por questões de tradução – tornou-se
Avaliatividade (VIAN JR., 2009). O Sistema de Avaliatividade (SA)
compreende um processo comunicativo dialógico segundo os princípios
da intencionalidade, da subjetividade e de escolhas léxico-gramaticais
em que o falante/escritor expressa seus sentimentos, suas impressões,
suas opiniões, suas aprovações ou desaprovações, enfim, suas avaliações,
revelando seu papel social e suas identidades autorais. Ele subdivide
e, outros três subsistemas, a saber: (i) Engajamento, (ii) Atitude, e (iii)
Gradação.
Engajamento dá cota das origens das avaliações, Atitude descreve
todos os tipos de avaliações e Gradação refere-se à intensidade ou à força
das avaliações tanto para maior quanto para menor grau. Para este estudo
concentrar-nos-emos no subsistema de Atitude.
De acordo com a proposição elaborada por Martin e White (2005),
o subsistema de Atitude é constituído por três campos semânticos
(Afeto, Julgamento e Apreciação) que podem ser, a partir das escolhas
léxico-gramaticais dos interactantes, projetadas discursivamente, que
segundo os autores são distribuídos em “emoção, ética e estética”1
(MARTIN; WHITE, 2005, p. 42). Como pode ser observado na figura
1 a seguir:

1 Emotion, ethics and aesthetics (MARTIN; WHITE, 2005, p. 42).

59
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Figura 1. Campos Semânticos do Subsistema de Atitude

Fonte: Traduzida e adaptada de Martin e White (2005, p. 45) por Marques-Santos (2019, p. 97).

Ao olhar, portanto, para a imagem acima observa-se que a emoção,


de acordo com Martin e White (2005) é uma espécie de recursividade
linguístico-fisiológica que possibilita aos humanos externar e/ ou re-
presentar tanto o que sentem individualmente, quanto socialmente, ou
seja, os registros desse tipo de expressão em um determinado sistema
linguístico os autores nomearam Afeto (Felicidade e Infelicidade).
Além disso, é possível entender que por meio das interações so-
ciais o comportamento de um pode passar por validações e/ou restrições
internas ou externas associadas aos valores de estima social (Norma-
lidade, Capacidade e Tenacidade) ou de sanção social (Propriedade
e Veracidade) estabelecidos em uma determinada hierarquia social,
para tal feito os autores denominaram Julgamento, pois lida com as
atitudes do outro.

60
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 1. O Julgamento por sanção social e suas subcategorias

Fonte: adaptado de White (2004, p.188).

Quadro 2. O Julgamento por estima social e suas subcategorias

Fonte: adaptado de White (2004, p.188).

Já a Apreciação (Reação, Composição e Valoração) está ligada


a uma avaliação que se vincula, segundo Martin e White (2005) aos
tipos de valores que podem ser advindos da impressão que determinado
indivíduo possui em relação a objetos, coisas e fenômenos naturais entre
outros que não podem ser classificados como humanos.

61
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 3. Apreciação e suas subcategorias

Fonte: adaptado de White (2004, p.188).

Deste modo, em cada uma dessas instâncias, as escolhas léxico-


gramaticais atuam como uma espécie de quebra-cabeça em que cada peça
colocada é cuidadosamente encaixada pelo indivíduo que se propõe a
exercer esta determinada ação. Retomando, portanto, pode-se compreen-
der que a pessoa que enuncia/fala a constrói sob a tênue tessitura léxico-
gramatical que se encontra imbuída de significados sócio semióticos.

AVALIANDO OS INTÉRPRETES

Nesta seção, nos dedicamos às análises dos discursos dos partici-


pantes (alunos surdos) em relação ao que eles percebem sobre a atuação
do TILS, e as interações interpessoais baseadas no contexto escolar.
Posto isso, também procuramos investigar a constituição do papel
social destes profissionais da área de Libras. Nos excertos abaixo, ve-
remos as características e especificidades quanto ao desempenho dos
TILS junto aos Surdos matriculados no 3º ano do ensino médio que
foram entrevistados.

62
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Exemplo 01

S2: Gosto demais da intérprete, ela é uma professora legal. [Tenacidade+]

Percebe-se, portanto, que a partir do uso da nominalização (profes-


sora), em (01), há a formação de um atributo que exprime alterações das
atribuições e responsabilidades do TILS, que passa a exercer a função
de educador, e não de tradutor, o que, para Quadros (2004), não compõe
as características do papel do TILS.
Uma vez que S2 utiliza o epíteto (legal), marca um julgamento
positivo de estima social por Tenacidade, e este pode ser endossado
a partir da declaração da autora, quando aponta que “A criança2 surda
tende a estabelecer o vínculo com quem lhe dirige o olhar. No caso, o
intérprete é aquele que estabelece essa relação” (QUADROS, 2004, p.
62). Isso indica que o TILS assume um papel fulcral no sistema educa-
cional inclusivo, apesar de acumular, seja pelo desconhecimento da LS
por parte do docente, seja pelo elo linguístico que o educando estabelece
com esse profissional, outra função. Nos exemplos (02) e (03), nota-se
esse processo de identificação entre Surdos/professor (TILS).

Exemplo 02

S1: Eu amo matemática especificamente, amo (adoro) estudar muito e com a


professora de Libras especificamente é melhor. [Capacidade+]

Exemplo 03

S2: A intérprete é legal [Tenacidade+], a professora intérprete é muito boa


[Capacidade+] e me apoia [Normalidade+], é diferente. [Comp-complexi-
dade-] Eu não fico sem entender [Capacidade+], não é ruim. Interagimos, é
bom demais. [Valoração+] A intérprete ensina de forma visual e interativa,
sempre me apoiando [Reação-impacto+] nas provas e em outras áreas.

2 Por todos os excertos analisados, percebo que esta fala da autora não pode ser aplicada
apenas às crianças Surdas, mas a todo Surdo que se encontra inserido no processo de ensino-
aprendizagem que tenha a atuação do TILS. Portanto, onde Quadros (2004) utiliza o termo
(criança), subentende-se (Surdos).

63
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

No exemplo (02), ao usar o adjunto modal de intensidade (especi-


ficamente) junto com o epíteto (melhor), S1 produz um julgamento de
estima social por Capacidade que expressa o êxito comunicativo, quando
o TILS, assumindo o papel de professor, o ensina em Libras, sendo esta
sua língua de interação e interlocução social.
Muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula acaba sendo
confundido com o papel do professor. Os alunos dirigem ques-
tões diretamente ao intérprete, comentam e travam discussões
em relação aos tópicos abordados com o intérprete e não com
o professor (QUADROS, 2004, p. 60).

Ao expressar sua avaliação no excerto (03), S2 realiza um julgamen-


to de estima social de Tenacidade pelo epíteto (legal) e de Capacidade
pelo epíteto (boa), que foi intensificado pelo léxico (muito) e manifesta
o vínculo consolidado através da LS e do contato visual, como Quadros
(2004) afirma na citação acima.
Além disso, S2, ainda, produz um julgamento de estima social por
Normalidade, ao utilizar o processo mental emotivo flexionado em 1ª
pessoa (apoia) em coadunação com o epíteto (diferente�), que também
evidencia uma Apreciação de Composição complexidade. Isso explicita
a distinção metodológica ministrada aos entrevistados Surdos nas ins-
tituições de ensino públicas inclusivas em que estão matriculados, bem
como a discrepância entre o ensino executado pelo docente que usa uma
língua e uma metodologia de cunho oral, sobretudo no que concerne à
LP, em relação ao mesmo procedimento exercido pelo TILS, que utiliza
como língua de instrução a LS.
Também, mediante a produção de uma autoavaliação composta
por uma modalização probabilidade (não fico sem entender), para
deferir que S2 compreende a TILS por meio do uso da LS, propicia um
autojulgamento de estima social por Capacidade, o que, inclusive pela
utilização do adjunto modal de polaridade negativa (não) e do epíteto
(ruim), aprecia positivamente a situação a que é exposto por uma Apre-
ciação por valoração e o mesmo ocorre quando utiliza o epíteto (bom)
intensificado pelo item léxico-gramatical (demais).

64
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Ao empregar o processo mental cognitivo (ensina) e o atributo


(de forma visual e interativa), o aspecto do método usado pela TILS
para ensinar obtém uma avaliação positiva por parte da educanda, pois
implicitamente é evidenciado o uso da Libras no processo de instrução,
de interlocução e de interação social. Isso foi reforçado pelo adjunto
modal de Usualidade (sempre) associado ao processo mental emotivo
flexionado no gerúndio (apoiando) e a entrevistada realiza uma Aprecia-
ção de Reação impacto sobre o método e o serviço elaborado pela TILS,
indicando que “Crianças têm dificuldades em compreender a função do
intérprete puramente como uma pessoa mediadora da relação entre o
professor e o aluno” (QUADROS, 2004, p. 62).

Exemplo 04

S4: Principalmente sobre a língua portuguesa, ele me ensina [Capacidade+] no


dia a dia, já sobre as palavras na hora de realizar as atividades como a redação
eu tenho dúvidas e ele me ensina cada detalhe [Comp-complexidade+],
eu pergunto muito [Capacidade-] sobre o texto e também pergunto como
corrigir [...].

No exemplo (04), S4 usa o processo mental cognitivo (ensina) para


evidenciar essa relação de professorado absorvido e mantido pelo TILS,
externando a turva construção do papel social existente quando a atuação
desse profissional perpassa o ambiente educacional, culminando nas
reflexões sobre o ato de interpretar e/ou traduzir e nas implicações dessa
área específica em que o TILS está inserido, produzindo um julgamento
de estima social por Capacidade.
Esse tipo de ocorrência proclama a falta de formação desse pro-
fissional, que, na maioria dos casos, desenvolve seu trabalho de forma
experimental e envida competência e esforços pessoais para operar este
ofício, o que tem sustentado os princípios que margeiam o ato de ensinar,
uma vez que o TILS utiliza a LS como meio principal de interlocução
com este aluno Surdo.

65
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Ao empregar o pronome indefinido (cada) aliado à nominalização


(detalhe) infere-se que S4 reconhece o desenvolvimento linguístico do
TILS referente ao conhecimento das duas línguas, posto que o próprio
educando Surdo exerce com dificuldades as regras léxico-gramaticais
da LP, que, por conseguinte, é a primeira língua desenvolvida pelo
TILS enquanto ouvinte, estabelecendo uma Apreciação de Composição
complexidade, que também pode ser evidenciada através da utilização
do processo relacional possessivo (tenho) vinculado à nominalização
pluralizada (dúvidas). Já o processo verbal de semiose por indicação
(pergunto) que aprece junto ao intensificador (muito) indica uma auto-
avaliação por julgamento de estima social de Capacidade.

Exemplo 05

S1: Ela é nova em Língua de Sinais não sabe muito [Capacidade-], ela fez
curso com professores no CAS, o legal [Reação-qualidade+] é que ela já é
formada e mudou [Reação-impacto+] de área para atuar como intérprete e
ensinar Libras. [Capacidade+]

Já, no exemplo (05), o julgamento de estima social por Capacidade


é exposto pelo uso do atributo (nova em Língua de Sinais), que indica
a falta de conhecimento léxico-gramatical da língua e a inexperiência
quanto à atuação como TILS, o que é reforçado pelo emprego do adjunto
modal de polaridade (não) que se encontra vinculado ao processo mental
cognitivo (sabe) junto ao intensificador (muito). Além disso, o uso do
processo material criativo (fez) e da nominalização (curso) evidencia a
Apreciação que implicitamente indica o ato de empenhar-se em promover
a formação em Libras, o que é qualificado pelo entrevistado Surdo como
positivo, através do epíteto (legal), quando se refere a essa formação que
de forma explícita representa uma Reação qualidade.
Sob este olhar, percebe-se que o participante S1 expressa, positiva-
mente, um julgamento de estima social por Capacidade devido ao fato de
haver formação da TILS, quando usa o atributo (já é formada) e que, para
ele, como se observa, revela um determinado grau de hierarquia no que
tangencia o padrão social de autoridade entre formalismo profissional e

66
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

a informalidade inerente à profissão, já que a profissionalização do TILS


ainda se constitui escassa no estado de Goiás.
Posto isso, a busca por melhores condições profissionais ou que se
refiram ao ato tradutório tem partido dos próprios TILS e pode ser com-
preendido quando o educando expõe sua opinião, a partir do processo
material transformativo de intensificação movimento: lugar (mudou),
denunciando essa situação recorrente nesta área de trabalho. Tem-se,
portanto, uma Reação impacto. Já o processo mental cognitivo (ensinar)
indica a ambiguidade que advém dessa falta de formação, onde o pro-
fissional se apropria das responsabilidades metodológico-pedagógicas
do docente.

Exemplo 06

S3: A intérprete é uma pessoa boa [Normalidade+], mas ela tem muita
dúvida [Capacidade-] sobre os sinais, então eu a ensino [Reação-impacto+]
e ela entende [Capacidade+] claramente. [Valoração+]

Através do atributo (é uma pessoa) aliado ao epíteto (boa), S3


exprime um julgamento de estima social do tipo Normalidade, em que a
avaliação da TILS não perpassa o eixo profissional, outrossim permanece
um vínculo afetuoso que parece caracterizar um tipo de relação íntima
entre o Surdo e este profissional, que, na maioria dos casos entrevista-
dos, surge como referencial de comunicação em LSTodavia, pelo uso
da conjunção adversativa (mas) unida ao processo relacional possessivo
(tem) e pelo epíteto intensificado (muita dúvida), o entrevistado tam-
bém faz um julgamento por estima social de Capacidade, expressando
que percebe a falta do domínio linguístico da TILS, o que evidencia a
carência da formação profissional e a pujante necessidade de se elaborar
espaços, seja presencial, semipresencial e, por que não, por vias digitais,
de formação continuada.
Esse tipo de atividade tem sido uma preocupação do CAS de Goi-
ânia, desde sua fundação em 2005, como órgão estadual responsável
pela formação do aprendizado em Libras e de profissionais dessa área,

67
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

em consonância com o artigo 18 do Decreto 5.626/05, que prescreve


em seu “Parágrafo único.  A formação de tradutor e intérprete de Libras
pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas
da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma
das instituições referidas no inciso III”3.
Porém, tem avançado de forma tímida, devido à escassez dos recur-
sos financeiros repassados a esta instituição e pela falta de profissionais
que possam desempenhar o papel de formadores frente a essa atividade
de capacitação. Outro fator limitante para que esse tipo de atividade seja
insuficiente dá-se pela extensão da região metropolitana, não sendo pos-
sível atender um grande quantitativo de TILS dessa localidade.
E, reiterando o parágrafo acima, se a formação do TILS já encontra
dificuldades e barreiras em uma microrregião do estado de Goiás, torna-
se necessário, por meio de pesquisas vindouras, investigar essa situação
em outras partes do estado em que haja educandos Surdos matriculados
nas escolas e a inserção do TILS nesses outros contextos.
Além disso, em (06), ao utilizar o processo mental cognitivo (en-
sino), o educando assume o papel de docente, devido a essa falta de
formação do TILS e passa, portanto, a ensinar os léxicos de sua própria
língua a este profissional, o que interfere diretamente na interpretação
dos conceitos que estão sendo discutidos oralmente em sala de aula. Isso
propicia uma Apreciação de Reação impacto. Nessa perspectiva, Quadros
(2004, p. 85) assevera que “considera-se fundamental que o intérprete
reveja o seu processo de aquisição da língua de sinais e reflita sobre qual
o seu desempenho na tradução e interpretação de uma para outra língua”.
Para o participante Surdo, entretanto, foi reforçado este vínculo
linguístico, como se observa pelo emprego que S3 faz do processo
mental cognitivo (entende) associado ao adjunto modal de Obviedade
(claramente) e que acaba evidenciando, respectivamente, o julgamento
de estima social por Capacidade positiva nesse discurso e uma Apre-
ciação por valoração sobre a ação da TILS, indicando a facilidade de
3 O inciso terceiro do Decreto 5.626/05 relata: III - cursos de formação continuada promovidos
por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação
(BRASIL, 2005).

68
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

interlocução entre os participantes do diálogo quando a LS é utilizada


para essa finalidade.
Exemplo 07
S1: Ela é uma intérprete legal [Normalidade+], eu gosto, pois ela tem inte-
resse [Capacidade+] e nessa convivência aos poucos fomos nos conhecendo,
até mesmo para eu ter certeza se era uma boa [Tenacidade+] pessoa ou má
[Tenacidade-] e com o passar do tempo fui percebendo que ela era legal
[Normalidade+], tem muita preocupação em ajudar os Surdos, então ela
me ajuda [Reação-impacto+], eu percebi que ela é uma boa intérprete, uma
boa pessoa, ela é legal [Normalidade+] e a Libras dela é boa. [Valoração+]

Essa privação de formação e, por conseguinte, de conhecimento linguís-


tico tem resvalado, como se nota nos exemplos (84), na interlocução existente
entre educando/TILS. S1, ao usar a nominalização (intérprete), marca não
mais o TILS com a carga da docência, o que evidencia a oscilação do papel
social deste profissional, que enfrenta tênues desafios na área educacional e
acabara de receber do Ministério de Educação e Cultura – MEC a nomencla-
tura de “professor-intérprete”, como afirma Quadros (2004, p. 63),
O próprio MEC está procurando formar professores enquanto
intérpretes. Isso acontece, pois alguns professores acabam
assumindo a função de intérprete por terem um bom domínio
da língua de sinais. Nesse caso, esse profissional tem duas
profissões: a de professor e a de intérprete de língua de sinais.
A proposta do MEC em formar intérpretes selecionando pro-
fessores da rede regular de ensino objetiva abrir este campo
de atuação dentro das escolas.

Neste sentido, o MEC considera a formação de professores para atuar


como TILS. Dessa forma, o docente teria uma sala regular de ensino,
seja comum, da educação especial ou sala de recursos4, em seu turno e,
em outro período, contraturno, poderia atuar como TILS.
4 Salas que passaram a ser denominadas salas de recursos multifuncionais, mais conhecidas
como salas de AEE e que foram instituídas pelo MEC, por meio da Secretaria de Educação
Especial – SEESP, dar apoio à estruturação do atendimento oferecido ao público-alvo da edu-
cação especial pelo AEE, em instituições do ensino básico, ou seja, a escola comum (DUTRA;
SANTOS; GUEDES, 2010).

69
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Esse tipo de prática influenciou para que a carreira do TILS fosse


compreendida como adicional à função do professor, o que ocasionou
principalmente na falta de formação específica para a atuação como tal.
Por este ângulo, muitos docentes que aprenderam a Libras enveredaram-
se pela área da interpretação e da tradução apenas com o curso básico
da língua e se forjaram TILS a partir do empirismo cotidiano de sua
investidura de um outro papel social para o qual não foram formados.
Como se depreende do exemplo 07, S1, pelo uso do processo relacional
possessivo (tem) associado ao epíteto (interesse), expressa um julga-
mento de estima social por Capacidade, que destaca positivamente sua
percepção quanto ao desafio do desenvolvimento dessa profissional por
esforços pessoais, tanto no avanço e aprofundamento das habilidades
e competências desse ofício, quanto na projeção de uma relação mais
íntima com esse educando.
Isso reforça uma espécie de laço estreito que se torna quase familiar,
onde o participante não vê o TILS como um profissional, mas transfere
valores sociais primários, como se nota pelo uso do epíteto (boa) de
polaridade positiva e do epíteto (má) de polaridade negativa, que ex-
pressam um julgamento por estima social de Tenacidade, e do epíteto
(legal) pelo qual o entrevistado produz um julgamento de estima social
por Normalidade.
Porém, para os Surdos terem uma instrução em uma língua viso-
espacial, é tão significativa a presença desse profissional que estabelece,
como se observa, uma relação de clientelismo linguístico, ainda hoje. Isso
pode ser constatado no discurso de S1 pelo emprego do processo material
transformativo de operação (ajudar/ajuda). A realidade de muitos Surdos
é vinculada à falta de comunicação social e, na maioria das vezes, essa
circunstância é observada dentro do próprio ambiente familiar, quando
os pais são ouvintes e não têm o conhecimento de LS para estimular uma
língua que atenda à especificidade de seu filho Strobel (2008), sendo esta
situação inerente ao artefato cultural familiar.
Essa conjuntura resulta em um apego propiciado pela aproximação
desses educandos com os TILS, como se constata pela utilização do

70
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

processo relacional possessivo (tem) junto ao epíteto nominalizado e


intensificado (muita preocupação). Isso ocasiona uma Apreciação de
Reação impacto quanto ao ato da TILS em dar assistência ao aluno, o que
influenciou a avaliação do Surdo entrevistado quanto à fluência dessa
profissional, classificando-a positivamente pelo uso do epíteto (boa),
uma Apreciação por valoração positiva.
O Surdo, por sua vez, compreende como positiva a inserção desse
profissional na sala de aula, como se verifica pelo uso do atributo (le-
gal) indicando um julgamento por estima social de Normalidade, além
de expressar pelo processo mental emotivo (gosto) uma autoavaliação
explícita de afeto por Satisfação, assinalando uma avaliação afetivamente
positiva implícita em relação à TILS, por parte do participante.
Porém, quando o assunto circunda questões associadas à interpre-
tação de provas ou outra atividade relacionada à verificação da apren-
dizagem, o que se percebe é que os educandos Surdos ao terem contato
com a LP sentem-se na maioria dos casos temerosos quando há a falta
desse apoio pedagógico e linguístico proporcionado pela inserção do
TILS, como se verá nos exemplos (08) e (09) a seguir.

Exemplo 08

S2: [...] se eu pergunto [Capacidade-] sobre as questões da prova, ficam


calados e não me respondem. [Reação-impacto-]

Exemplo 09

S3: Pergunto e entendo [Capacidade-/+], mas se a intérprete faltar e a


professora me perguntar, eu entendo com pouca clareza. [Capacidade-]

Segundo os discursos dos entrevistados surgem dois aspectos: 1) a


incompreensão das questões elaboradas pelos professores, implicando
na falta de interpretação, como se vê pelo uso do processo verbal de
semiose por indicação (pergunto), que mostra que os educandos Surdos
entrevistados possuem não apenas incertezas relacionadas à língua, mas
que essas também perpassam os conceitos e conteúdos a eles ministrados.

71
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

S3, no exemplo (09), expõe e vincula o processo anteriormente citado ao


processo mental cognitivo (entendo), que revela o dissipar do obstáculo
conteudista a partir do uso da Libras para instrução e reflete um autojul-
gamento por estima social de Capacidade. E 2) o olhar do Surdo sobre
sua formação e o nível de familiaridade com a LP, quando lhe é retirada
a Libras, língua que, pela atuação do TILS, lhe foi ofertada para que
recebesse as informações inerentes ao conteúdo exposto pelo docente.
Porém, o que se observa é que esse tipo de episódio basicamente
acontece pelos fatores expressos por S2, em (08), segundo o epíteto
(calados) associado ao atributo (não me respondem), que externa o
comportamento do TILS quando há algum exame de verificação do
aprendizado em que esse profissional atuante entre as duas línguas
ausenta-se de sua função permitindo o contato direto da entrevistada com
a LP, o que provoca uma Reação impacto negativa, pois os Surdos não
reconhecem os sons e consequentemente as palavras em LP. De acordo
com Perlin (2003, s/p),

Tudo o que os surdos construímos e significamos pela escrita


é transformado pelo intercâmbio e ação mútua com a forma
visual. O significado escrito em português surge da ‘diferença’
entre o que visto ou que vem direto da audição de outra pessoa
ou do pensamento.

Outro fator que contribui para a incompreensão e a frustração


destes Surdo frente as estas atividades é a ausência do TILS em sala de
aula, como expresso por S3, em (09), pelo uso da conjunção adversativa
(mas) próxima ao clítico condicional (se) associado ao processo material
transformativo de intensificação movimento: lugar (faltar), onde o não-
comparecimento na função deixa uma lacuna a ser preenchida, adaptada
“muitas vezes” pelo docente, que tenta incluir o educando nas atividades
propostas. Dessa forma, o entrevistado faz um autojulgamento por estima
social de Capacidade (entendo) e também aprecia sobre sua compreensão
do que está sendo exposto pelo professor, indicando a negatividade dessa
situação pelo uso do pronome indefinido (pouca) e do epíteto (clareza).

72
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Exemplo 10

S3: então a intérprete me apoia [Segurança+] com as palavras que não


conheço [Capacidade-] e ela me explica o significado [Reação-impacto+],
assim entendo [Capacidade+] de forma clara. [Valoração+]

Ao utilizar o processo mental emotivo (apoia), S3 indica uma re-


lação de afeto por Segurança e expressa, por meio do adjunto modal de
polaridade mais o processo mental cognitivo (não conheço), uma Apre-
ciação por valoração do conhecimento das palavras em LP, que culmina
em um autojulgamento de estima social por Capacidade.
Já o uso do processo verbal de semiose por indicação (explica),
vinculado à nominalização (significado), refere-se a essa percepção de
alargamento das funções do TILS, além das atribuições como previsto no
artigo 2º da Lei 12.319/10: “Art. 2o O tradutor e intérprete terá competên-
cia para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea
ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da
Língua Portuguesa”. Isso acaba por expressar uma Apreciação da ação
da TILS, revelando uma Reação impacto positiva.
Diante do que foi discutido, esse papel social do TILS educacional
extrapola notadamente, pelos discursos analisados, as funções desses
profissionais se comparar sua atuação em outras áreas e/ou outros contex-
tos. Porém, frente aos desafios inerentes à falta de formação e à extensão
das responsabilidades, o TILS educacional tem com persistência atuado
como uma ‘ponte’ entre Surdos/ouvintes, principalmente no que tange às
práticas educacionais, projetando e dando visibilidade à LS, bem como
contribuindo para a formação dos Surdos que participaram desta pesquisa
(mesmo que com inúmeras falhas). Isso pode ser visto pela avaliação que
o entrevistado S3 faz, quando emprega o atributo (de forma clara) para
destacar a avaliação do trabalho do TILS, indicando uma Apreciação
por valoração que se vincula ao processo mental cognitivo (entendo) e
produz um autojulgamento por estima social de Capacidade.

73
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, foram apresentadas e analisadas as avaliações referentes


aos TILS que foram realizadas pelos alunos Surdos do ensino médio no
contexto escolar. Neste sentido, por meio do subsistema de Atitude foi
possível compreender a relação desses educandos e os profissionais que
atuam em sala de aula. Vale destacar que esta também se tornou uma
pesquisa inovadora ao associar o conceito teórico-metodológico da LSF
aos estudos que envolvem a surdez, o estudo da Libras e áreas a fins no
Brasil.
Para tanto, nossas análises revelaram a importância do Sistema
de Avaliatividade para ampliar o entendimento do posicionamento de
educandos Surdos na sociedade contemporânea, além de proporcionar
um direcionamento e reflexão sobre o trabalho dos TILS em um ensino
moldado à luz de uma perspectiva inclusiva. Nota-se, então, como apre-
sentado nos excertos, que a presença dos TILS proporciona um sentimento
(Afeto) de segurança devido o conhecimento linguístico tanto em LS,
quanto em LP.
Outro ponto que, também, merece atenção está ligado à Apreciação
em que a valoração da interação Surdo/TILS é sempre positiva, porém,
no que tange o desenvolvimento da interpretação a Reação - impacto e
de Composição – complexidade, é tida, respectivamente, como negativa,
quando estes educandos passam por situações avaliativas, no que se refere
ao conteúdo ministrado ou à metodologia utilizada em sala de aula. Uma
vez que eles expõem ser positivos o apoio e as explicações em momentos
de exposição de conteúdos e de conceitos em suas avaliações de Reação
- impacto e qualidade, além da composição do tipo complexidade.
A partir do exposto, vemos que o julgamento de Estima social por
Normalidade, ou seja, o TILS enquanto indivíduo a avaliação sempre será
positiva. Já a Tenacidade, só se torna negativa quando há a desconfiança
por parte de um dos entrevistados. Assim, a maioria das impressões dos
Surdos sobre os TILS se vinculam à Capacidade sendo esta positiva em
relação à LP, mas negativa quanto ao conhecimento e domínio da Libras

74
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

o que evidencia, portanto, a falta de clareza ou uma diluição da identidade


desses profissionais que assumem, na percepção dos educandos Surdos,
um papel docente.
Deste modo, observa-se que ser Surdo em um ambiente ‘inclusivo’
escolar brasileiro, sobretudo goiano, não tem perpassado sequer o prin-
cípio da igualdade e muito menos acentuado o da equidade, revelando a
real necessidade de repensar o espaço escolar e a inserção dos Surdos.
Diante das amostras coletadas, esta pesquisa expôs o lídimo empenho
dos educandos Surdos em se inserir socialmente; contudo, torna-se fun-
damental repensar a temática não apenas metodológica, mas da formação
profissional dos professores, que, na maioria, não conhecem a LS e as
práticas de ensino sob uma concepção visual, bem como a formação do
TILS, sendo que este não se constitui um profissional polivalente e que
possui o domínio de todas as áreas do conhecimento acadêmico ofertados
no ensino médio.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº


10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua brasileira de sinais – Libras,
e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 22 de dezembro
de 2005, 184º da Independência e 117º da República. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 22
fev. 2022.
BRASIL. Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de
Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Brasília, 2010.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2010/Lei/
L12319.htm. Acesso em: 22 fev. 2022.
DUTRA, C. P.; SANTOS, M. C. D.; GUEDES, M. T. Manual de Orientação:
programa de implantação de sala de recursos multifuncionais. Brasília: SEESP/
MEC, 2010.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to Functional grammar. London: Edward
Arnold, 1994.
MARTIN, J. R.; WHITE, P. The language of evaluation: appraisal in English.
Nova Iorque: Palgrave, 2005.

75
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

MARQUES-SANTOS, L. E. Avaliatividade em discursos de surdos no ensino


médio: uma análise sistêmico-funcional. 2019. Dissertação (Mestrado em Estudos
de Linguagem) – Universidade Federal de Goiás – UFG, Goiânia, 2019.
PERLIN, G. T. T. O ser e o estar sendo surdos: alteridade, diferença e identidade.
2003. 154 f. Tese (doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
QUADROS, R. M. de. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e
língua portuguesa. Secretaria de Educação Especial, Programa Nacional de Apoio
à Educação de Surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2004.
STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2. ed. rev. Florianópolis:
Ed. da UFSC, 2008.
VIAN JR., O. O sistema de avaliatividade e os recursos para gradação em língua
portuguesa: questões terminológicas e de instanciação. Revista DELTA, v. 25, n.
1. p. 99-129, 2009.
WHITE, P. Valoração: a linguagem da avaliação e da perspectiva. Trad. Débora
de Carvalho Figueiredo. In: COULTHARD, C. R. C.; FIGUEIREDO, D. C. (orgs)
Linguagem e discurso: análise crítica do discurso. V.4, número especial: 177-
205, 2004.

76
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ANÁLISE DE INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA


(PORTUGUÊS-LIBRAS) DE TRECHOS DA MÚSICA
SENTIMENTO LOUCO NA LIVE DA
CANTORA MARÍLIA MENDONÇA

Giovanna Magno Santos Silva


Márcia Monteiro Carvalho

INTRODUÇÃO

O presente artigo é um dos resultados do projeto de pesquisa


Prodoutor 2020-20211 do Campus de Abaetetuba-PA, o qual contou
com uma bolsista e três monitores, ocorreu no período da pandemia do
Coronavírus (Covid-19)2. Durante o período da pandemia a população
mundial viveu um grande isolamento social, quando a população utili-
zou com frequência e com o objetivo de amenizar o impacto causado
pela ausência de interações físicas diferentes mídias sociais, que foram
usadas como forma de comunicação, trabalho e entretenimento, sendo
uma destas o uso de Lives3 para tornar o isolamento social menos estres-
sante. As Lives são transmitidas pela internet, as quais são caracterizadas
por uma transmissão ao vivo de forma simultânea em diferentes redes
sociais. Uma das artistas que se preocupou em garantir a acessibilidade
1 Projeto coordenado pela Profa. Dra. Márcia Monteiro Carvalho, intitulado “O ensino de por-
tuguês (L2) para discentes surdas e surdos” que está no segundo ano de execução, 2021-2022.
2 A pandemia de COVID-19, também conhecida como pandemia de coronavírus, é uma pande-
mia em curso de COVID-19, uma doença respiratória causada pelo coronavírus da síndrome
respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2).
3 Em tradução livre para o português significa “ao vivo”.

77
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

da comunidade surda brasileira, por meio da interpretação simultânea


para a Língua Brasileira de Sinais (Libras)4 foi a cantora sertaneja Ma-
rília Mendonça5. Esta contratou intérpretes de Libras para que, durante
a transmissão da Live a comunidade surda pudesse ter acesso ao show.
Diante do desafio de trabalhar com duas línguas de modalidades
distintas, este estudo tem como objetivo identificar e analisar as estraté-
gias utilizada pela intérprete e compreender seu papel na interpretação de
português para Libras de trechos da música Sentimento Louco, transmitida
pela plataforma Youtube durante a primeira Live de Marília Mendonça.
Também verificar por meio da análise interlingual de trechos da música
quais foram as estratégias de interpretação utilizadas pela profissional.
Como referencial teórico acerca de estudos da língua de sinais: Quadros
(2000); e Estudos da Interpretação6, Araújo e Carvalho (2017), Carvalho
(2020), Nicoloso (2015) e outros.
Quando falamos de comunicação e sobre a comunidade surda
precisamos entender que a Libras é considerada a principal língua da
comunidade surda urbana do Brasil (SALLES, 2004). O trabalho da ou
do profissional intérprete durante a interpretação do português para a
Libras é feita de forma complexa, requer profissionalismo de quem atua
com modalidades linguísticas diferentes.

[...] o intérprete precisa não somente conhecer a língua, mas


dominar as sutilezas, nuances e especificidades da expressão
oral das línguas em que atua, ainda que não domine bem a

4 A LSB [Língua de Sinais Brasileira] é uma língua espacial-visual e existem muitas formas
criativas de explorá-la. Configuração de mão, movimento, expressões faciais gramaticais,
localização, movimento dos corpos, espaço de sinalização, classificadores, são alguns dos
recursos discursivos que tal língua oferece para serem explorados durante o desenvolvimento
da criança surda [...] (QUADROS, 2000, p. 56). A Libras é reconhecida como meio de ex-
pressão da comunidade surda pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Em consonância
com a lei Libras, há também o Decreto 5.626 de 2005, que visa assegurar o direito e o acesso
à informação de pessoas surdas nos diferentes espaços sociais.
5 A cantora Marília Mendonça morreu no dia 5 de novembro de 2021, em decorrência de um
“politraumatismo contuso”, causado pelo choque do avião em uma pedra no interior de Cara-
tinga (MG).
6 Nesta pesquisa, embora saibamos que a tradução está ligada diretamente com a prática de
interpretação, nos deteremos somente ao processo de interpretação por estar de acordo com o
objetivo do trabalho.

78
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

escrita dessas línguas. Em suma, devido à pressão de tempo,


os intérpretes deixam em segundo plano a construção da forma
do TA [Texto Alvo] em favor da comunicação do sentido da
mensagem, não podendo rever seu trabalho ou refiná-lo antes
do conhecimento do público. Além disso, não tem tempo hábil
para consultar dicionários ou outros recursos, como ocorre na
tradução, visto que eles precisam oferecer imediatamente o
texto interpretado (RODRIGUES, 2013, p. 38).

A atividade de interpretação de língua de sinais não é uma prática


recente, apesar de ser imprescindível na comunicação de pessoas. Diante
da pressão social e da alta demanda por esses profissionais em 2010 sur-
giu a Lei nº 12.319 que reconhece a profissão de Tradutor(a) e Intérprete
de Libras no Brasil. Através do serviço de interpretação interlingual é
possível viabilizar a comunicação e informação entre pessoas de línguas
diferentes. Por isso, é fundamental compreender quais estratégias são uti-
lizadas por estes profissionais durante o processo de interpretação para a
comunidade surda. Esta pesquisa está dividida em seções nas quais serão
abordados: A importância da tecnologia, A interpretação simultânea:
Libras-Português, seguido da interpretação de música para pessoas
surdas e o papel de profissionais intérpretes de Libras-português, logo
após virá a seção de procedimentos metodológicos, análise de dados,
considerações finais e referências.

A IMPORTÂNCIA DA TECNOLOGIA E MÍDIAS SOCIAIS PARA A


COMUNIDADE SURDA

Consideramos redes sociais como “[...] sites na internet que permi-


tem a criação e o compartilhamento de informações e conteúdos pelas
pessoas e para as pessoas” (TORRES, 2009, p. 113). Nesses espaços os
usuários consomem e produzem diversos tipos de informações simul-
taneamente.

Nas redes sociais a leitura passa a ser rápida e cercada de


vários “hiperlinks”, que proporcionam a exposição da in-
tertextualidade do leitor e este se vê obrigado a ser crítico,

79
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

entra em confronto com novos textos e autores de culturas


diferentes, pois fronteiras geográficas quase não existem no
mundo virtual. Ao ler, o leitor automaticamente expõe suas
ideias, sugere novos textos, analisa opiniões diferentes, como
uma teia de aprendizado e troca de conhecimento (SANTOS;
ARCHER, 2016, p. 5).

As redes sociais podem contribuir de maneira positiva para que o


acesso às informações ocorra de maneira eficaz, ampliando a participação
e a interação de pessoas em diferentes partes do mundo, possibilitando o
compartilhamento de conhecimento. Por ser de acesso prático, as redes
tornaram-se ferramentas para produção de conteúdos e entretenimentos.
Embora a rede de internet não seja acessível a toda população é bastante
utilizado em nível mundial. Com a pandemia do Coronavírus, algumas
transmissões não ficaram restritas às mídias sociais, pois muitas Lives
foram transmitidas pela TV aberta, o que possibilitou o acesso aos shows
como os da cantora Marília Mendonça por pessoas sem internet.
A tecnologia e as mídias sociais têm contribuído para dar acessibi-
lidade para as pessoas surdas, pois visa promover a comunicação entre
a comunidade surda e a ouvinte. Através do uso da tecnologia de infor-
mação, busca-se também a inclusão digital. Segundo Stumpf (2010, p.2):

Do ponto de vista dos surdos o uso do computador e da In-


ternet inaugurou uma nova dimensão às suas possibilidades
de comunicação, pois são tecnologias acessíveis visualmente.
Se, para os ouvintes, elas abriram perspectivas que levaram a
modificações profundas nos usos e costumes de toda a socie-
dade, para os surdos, essas mudanças podem ser ainda mais
significativas.

A chegada da tecnologia inseriu a comunidade surda em uma reali-


dade de maior possibilidade de comunicação, aplicativos como Facebook,
WhatsApp e Twitter, possibilitaram às surdas e aos surdos aprimorar a
escrita em português, fazendo uso social da linguagem escrita incorporada
a uma necessidade comunicativa (ARCOVERDE, 2006). A evolução
das mídias sociais, tem sido um importante instrumento de integração,

80
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

participação da comunidade surda em diversos meios “[...] em nenhum


outro momento da história da humanidade o homem disponibilizou de
ferramentas tão poderosas para a informação e para o desenvolvimento
da linguagem nas suas mais diversificadas formas” (ILLERA apud SAN-
TAROSA, 2010, p. 32). O uso de “aparatos tecnológicos” é importante
inclusive para a tradução e a interpretação entre Libras e português, como
por exemplo, a consulta em dicionários bilíngues on-line, uso de avata-
res, tablets, celulares etc. O uso de tecnologia pode melhorar o processo
ensino-aprendizagem e as relações sociais.

INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA: LIBRAS-PORTUGUÊS

A interpretação é uma modalidade de tradução que acontece entre


duas línguas diferentes, ou seja, é preciso que a mensagem seja enviada
de um código linguístico para o outro sem prejuízos. Para isso, é neces-
sário o uso de estratégias específicas segundo Jakobson (1975, p. 65):

No nível da tradução interlingual, não há comumente equi-


valência completa entre as unidades de código, ao passo que
as mensagens podem servir como interpretações adequadas
das unidades de código ou mensagens estrangeiras [...]. Mais
frequentemente, entretanto, ao traduzir de uma língua para
outra, substituem-se mensagens em uma das línguas, não por
unidades de códigos separadas, mas por mensagens inteiras
de outra língua.

Outro aspecto para se observar é que além de ser um processo entre


línguas diferentes, também há a questão das modalidades de acordo com
Nicoloso (2015, p.18):

[...] tradução intermodal é realizada entre línguas de modali-


dades diferentes como, por exemplo, a tradução do Português
Brasileiro para a Língua Brasileira de Sinais; isto é, a primeira
sendo uma língua na modalidade oral-auditiva e a segunda na
modalidade espaço-visual.

81
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Para a autora, é necessário fazer reflexões relacionadas especifica-


mente a atividade de interpretação em língua de sinais, pois se modifica
de acordo com algumas práticas, diferenciando entre si, conforme a
situação ou contexto em que acontecem. Na interpretação deve-se levar
em consideração todas as suas especificidades durante o processo, as
diferentes formas de utilizar termos para expressar o que está no texto
fonte, observando todo o complexo língua/cultura entre o emissor e
receptor da mensagem. Nicoloso (2015) afirma que é possível definir
as formas de atuação de interpretação em Libras, em dois tipos de inter-
pretação: a simultânea e consecutiva, e ambas podem se apresentar de
maneira sussurrada.

Embora não haja dúvidas de que a interpretação simultânea e


a consecutiva envolvam um processo de tradução, no sentido
mais amplo do termo – a conversão de uma mensagem de um
idioma para outro e de uma cultura para outra –, a maioria
dos teóricos e dos praticantes das duas áreas reserva o uso dos
termos mencionados acima para duas atividades diferentes [...]
(PAGURA, 2003, p. 210).

Embora sejam atividades semelhantes, apresentam-se de maneira


distintas. Na modalidade consecutiva, a ou o intérprete ouve o que é
dito, e faz suas anotações, somente quando encerra a parte de fala de
orador(a)/comunicador(a), que irá fazer a interpretação para a outra
língua, e isso leva uma demanda maior de tempo, já na interpretação
simultânea7, a ou o intérprete ouve o que foi dito e está repassando de
maneira “simultaneamente” e faz a tradução para a outra língua. Logo,
“A interpretação simultânea não ocorre, de fato, simultaneamente à fala
original, pois o intérprete tem necessidade de um espaço de tempo para
processar a informação recebida e reorganizar sua forma de expressão”
(PAGURA, 2003, p. 211-212).
Carvalho (2020) concorda com Pagura quanto ao fator tempo, pois
acredita que pode interferir na atuação profissional de intérpretes simul-
tâneos. Embora pareça que há simultaneidade, é notório a necessidade de
7 Este artigo irá focar somente na modalidade simultânea.

82
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

um curto tempo para organizar as ideias. A autora sugere como recurso


para diminuir o impacto a utilização de materiais de apoio como o acesso
antecipado ao texto fonte, ou ao vídeo sinalizado (quando em Libras)
para que possa se familiarizar com o conteúdo.

INTERPRETAÇÃO DE MÚSICA PARA PESSOAS SURDAS

Os estudos de interpretação têm apontado que o uso de interpretação


simultânea nos canais televisivos e nas mídias sociais do par Libras-
português ainda é recente. A música faz parte das inúmeras formas de
lazer do mundo e o acesso foi se modificando com o avanço da tecnologia.
Antigamente a forma que a música chegava nos lares era somente por
meio do rádio e televisão, atualmente há diversas plataformas digitais que
proporcionam essa circulação. Antes a conexão ao entretenimento por
meio da internet se dava lentamente, pois para abrir uma página da web
ou um link precisava aguardar alguns minutos. Hoje com o rápido desen-
volvimento das ferramentas de comunicação, esse tempo tem diminuído,
como nas Lives que é de transmissão ao vivo. Para Carvalho (2020), a
atividade de interpretação em rede não é comum, como foi apontado
em seu estudo sobre o uso da Libras em uma análise do Jornal Visual.

A interpretação sinalizada de um jornal em canal midiático


abordado no trabalho em questão não é comum, mesmo que
nos dias atuais se discuta com veemência a necessidade de
acesso à comunicação de pessoas surdas por meio da Libras
(CARVALHO, 2020, p. 60).

É importante discutir as identidades surda para compreender suas


manifestações artísticas, culturais e necessidades linguísticas presentes
na comunidade surda. Pois as pessoas surdas têm uma forma diferente de
adquirir conhecimentos do mundo e o avanço da internet e da tecnologia
também contribui para a sua acessibilidade. “Isto significa que abrange
a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo”
(STROBEL, 2008, p. 22).

83
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Assim como a poesia, a música é um gênero textual que possui


recursos sonoros e rítmicos, consequentemente entender a música como
uma forma de poesia é certamente compreendê-la como uma manifestação
da identidade surda e “utilizar línguas de sinais em um gênero poético é
um ato de empoderamento em si, para pessoas surdas, enquanto membros
de um grupo linguístico minoritário oprimido” (QUADROS; SPENCER,
2006, p. 329). Então, a interpretação de música é mais um recurso de
entretenimento que pode ser realizado de maneira que venha contribuir
com a conexão entre cultura surda e ouvinte.
Quando se interpreta uma música do gênero oral para o sinalizado,
um novo texto é produzido, porém a ou o intérprete de língua de sinais
deve utilizar esta língua para transmitir a mensagem do texto fonte da
música, estabelecendo uma relação de proximidade entre a língua de
partida e a língua de chegada. Então, o processo de interpretação não
está associado somente ao conhecimento das línguas envolvidas, mas
diz respeito também a fatores estratégicos e de habiliaddes para realizar
a tarefa. “Todavia, o simples conhecimento da estrutura gramatical da
língua de sinais pelo intérprete não é suficiente; este deve apreender
também os valores culturais, costumes e idiossincrasias da comunidade
surda [...]” (FILIETAZ, 2008, p. 2). O processo de interpretação de
música exige a escolha de boas estratégias linguísticas e corporais por
parte da ou do intérprete a fim de favorecer a compreensão. Araújo e
Carvalho (2017), exemplificam a utilização do uso da sinonímia como
uma estratégia de tradução.

A sinonímia é comum em línguas naturais, e assim como em


Língua Portuguesa, se tem a preocupação de escolher a melhor
palavra para expressar o sentido desejado, na Libras também
há essa atenção em relação ao sinal escolhido (ARAÚJO;
CARVALHO, 2017, p. 213).

Na seção seguinte, trata-se do papel de profissionais que fazem


interpretação interlingual, bem como sua importância para a interação
entre pessoas surdas e ouvintes.

84
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O PAPEL DE PROFISSIONAIS INTÉRPRETES DE LIBRAS-PORTUGUÊS

Pagura (2003, p. 210) afirma “[o]s intérpretes existem desde a


antiguidade, assim como os tradutores, com quem são frequentemente
confundidos; o tradutor trabalha com a palavra escrita, o intérprete com
a palavra falada”. Intérpretes de Libras possuem um papel fundamental
na sociedade, pois realiza operações que aproximam culturas, diminuem
distâncias físicas e culturais. Segundo Araújo e Carvalho (2017) é neces-
sário compreender o trabalho deste profissional de língua de sinais, pois
através dele se oportuniza a comunicação entre as diferentes modalidades
de línguas. De acordo com Rosa (2008, p. 115),
O trabalho do intérprete de língua de sinais consiste em pronun-
ciar, na língua de sinais, um discurso equivalente ao discurso
pronunciado no português oral (ou vice-versa). O ILS trabalha
em variadas circunstâncias, precisando ser capaz de adaptar-se
a uma ampla gama de situações e necessidades de interpretação
da comunidade surda, situações às vezes tão íntimas quanto
uma terapia, sigilosa como delegacias e tribunais, ou tão ex-
postas como salas de aulas e congressos.

Profissionais tradutores e ou intérpretes de Libras — TILS, tiveram a


profissão regulamentada em setembro de 2010 por meio da Lei nº 12.319.
Esta é uma atividade antiga socialmente, mas com um reconhecimento
jurídico relativamente novo como afirma Lacerda (2010). “O tradutor/
intérprete é um parceiro legítimo de toda interação de usuários de línguas
diferentes e interfere necessariamente na tradução, como mediador-
participante” (SOBRAL, 2008, p. 89). Desta forma, a presença deste
profissional pode interferir positivamente na vida das pessoas surdas,
dado que através dela ou dele podem interagir com outras pessoas que
não sabem Libras para se comunicar, divertir ou se entreter, como pode
ser visto na Live da cantora Marília Mendonça. A atividade de interpre-
tação pode trazer benefícios para a comunidade surda proporcionando
seu desenvolvimento intelectual através do acesso às informações, ao
entretenimento, às mais diferentes formas artísticas — artes plásticas,
música, arquitetura, poesia, dança, esporte etc.

85
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A seguir os procedimentos: metodológicos, de coleta de dados,


análise e considerações finais seguido das referências.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa é de cunho bibliográfico e tem caráter descritivo de


abordagem qualitativa de acordo Minayo (2008). Para a realização, do
trabalho foi necessário seguir alguns percursos metodológicos tais como:
fazer uma pesquisa bibliográfica acerca da importância da tecnologia
e das redes sociais para inclusão de pessoas com surdez na sociedade.
Selecionar e recortar o vídeo da Live da cantora Marília Mendonça para
3min e 28s. A Live foi transmitida no dia 08 de abril de 2020, cujo título
é Live Marília Mendonça — #LiveLocalMariliaMendonca com duração
de quase três horas e meia. O vídeo da música Sentimento Louco está
disponível na plataforma digital Youtube8 na versão oral do português
com uma janela de interpretação para Libras. A música analisada está
presente no vídeo a partir do minuto 13 e 25 segundos e termina no minuto
16 e 07segundos. Os compositores da letra em português são: Elcio Di
Carvalho, Juliano Tchula e Marília Mendonça.
A Live contou com a participação de dois intérpretes de Libras:
Gessilma Dias9 ; é quem aparece nos prints analisados. Fonoaudióloga,
tem 41 anos, trabalha como intérprete de Libras há 21 anos e foi na
Live da Marília Mendonça que fez sua estreia em um evento musical.
O intérprete Vinicius Santos não aparece durante a música analisada.
Para a análise de dados dispomos somente de alguns trechos da música
Sentimento Louco, por motivos didáticos não será possível apresentar
uma análise na íntegra. Veja a imagem da cantora, a janela de Libras
com a presença da intérprete.

8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s-aScZtOfbM. Acesso em 2021.


9 Entramos em contato via sua rede pessoal do Instagram @gessilma_dias para informar acerca
do uso de sua imagem para este estudo, no qual mostrou-se acessível e disponível a colaborar
com a pesquisa. Por se tratar de um vídeo disponível em rede social de livre acesso não con-
tatamos a cantora Marília Mendonça.

86
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Figura 1. Cantora Marília Mendonça

Fonte: Live no YouTube (2021).

Após este momento, foi feita a transcrição da glosa da Libras


adaptado de Felipe et al. (2001)10 e a transcrição da fala da cantora de
acordo com as Normas para Transcrição de entrevistas gravadas. Se-
gundo Preti (1999) devemos levar em consideração as características
que são pertencentes à fala, como por exemplo: entonação, pausas, uso
de alongamentos, silabação etc. Não há neste corpus a versão escrita da
letra da música, pois o objetivo é justamente comparar as duas versões
cantadas: a versão oral do português com a oral/sinalizada da Libras, sua
transcrição para Glosa11 e os prints sinalizados. E, último, printamos a
versão em Libras e a seleção foi de acordo com o maior número de estra-
tégias interpretativas. A análise comparativa de trechos transcritos com
a interpretação para Libras tem como objetivo identificar as estratégias
da intérprete na transmissão da canção Sentimento Louco. Acompanhe
a análise dos dados.

10 Utilizamos esse sistema para transcrever as glosas de Libras. Disponível em Salles (2004. p. 17).
11 “Sendo assim, a fim de facilitar a leitura dos sinais de uma língua de sinais, é muito comum o
uso do sistema de transcrição por glosas. Glosas são palavras de uma determinada língua oral
grafadas com letras maiúsculas que representam sinais manuais de sentido próximo. Wilcox,
S. e Wilcox, P. P. (1997) definem glosa como sendo uma tradução simplificada de morfemas
da língua sinalizada para morfemas de uma língua oral” (PAIVA; MARTINO; BARBOSA;
BENETTI; SILVA, 2016, p. 13).

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ANÁLISE DE DADOS

Veja os trechos de glosa e os classificadores12 seguidos de quadros


de análises com as transcrições mais os prints da versão em Libras.
Glosa da Libras: EU SABER VOCÊS-JUNT@S + classificador
(VOCÊS ESCONDID@S) PORQUE. MAS, CARINHO, TRISTEZA,
SOZINH@ + classificador (VEM JUNTAR EU) NÓS-2 SEXO (expres-
são facial de prazer) 2ªDIZER1ª (pronome pessoal VOCÊ direcionado
para o pronome EU) AMAR (expressão de satisfação, apaixonada). EU
AMAR VOCÊ, VOCÊ AMAR EU (sinal de EU-TE-AMO um em frente
ao outro). ACABAR MADRUGADA + classificador (expressão corporal
com movimento de saída dizendo VOCÊ IR EMBORA) + classificador
(POXA! Expressão facial de tristeza com movimentação de mão para
lamentação).
Análise 1

Quadro 1. Análise comparativa 1

Trecho 1 transcrição: português oral Trecho 1: Transcrição em Glosa-Libras


eu sei que tá com ela pra manter as apa- EU SABER VOCÊS JUNT@S+
rências... classificador
mas nas suas horas de carência... você (VOCÊS ESCONDID@S) PORQUE.
vem me MAS,
CARINHO, TRISTEZA, SOZINH@ + clas-
ve:::... sificador
(VEM JUNTAR EU).
Fonte: Autoras (2021).

12 “Na LIBRAS, os classificadores são configurações de mãos que, relacionadas a coisa, pessoa
e animal, funcionam como marcadores de concordância.”
“Assim, na LIBRAS, os classificadores são formas que, substituindo o nome que as precedem,
podem vir junto ao verbo para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo.
Portanto os classificadores na LIBRAS são marcadores de concordância de gênero: PESSOA,
ANIMAL, COISA” (FERREIRA BRITO, 1997, p. 93).

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Trecho 1. Estratégias com sinais e classificadores

Fonte: Autoras (2021)

No Quadro 1, há transcrições do trecho em português oral, a glosa


da Libras sinalizada seguida do Trecho 1, os prints, em que a intérprete
está sinalizando. É possível perceber que a mensagem transmitida para
a comunidade surda chega de forma eficiente, pois há uma relação direta
com a informação que a cantora Marília Mendonça está falando para seu
público através da música Sentimento Louco ratificando o que diz Jako-
bson (1975) acerca da tradução envolver duas mensagens equivalentes
em dois códigos diferentes.
A intérprete utiliza várias estratégias de interpretação para dar conta
da mensagem presente no texto fonte. Ela utilizou como estratégia a si-
nonímia entre as orações como pode ser visto nos trechos “eu sei que tá
com ela pra manter as aparências” em português que foi interpretado como
“EU SABER VOCÊS JUNT@ + classificador (VOCÊS ESCONDID@S)
PORQUE.”, prints 1,2,3,4. Comprovando o que apontou Araújo e Car-
valho (2017), acerca da sinonímia ser comum em línguas naturais. Além
disso, usou também os classificadores e sinais próprios da Libras.
Ela utilizou muito bem o classificador “(VOCÊS ESCONDID@s)”
veja no print 3, para o que está no trecho em português oral “manter as
aparências...”. É interessante apontar o fato de a intérprete ter dito “MAS,

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

CARINHO, TRISTEZA, SOZINH@ + classificador (VEM JUNTAR


EU)”, como pode ser visto nos prints 5, 6, 7, 8 e 9 para o trecho em
português “... mas nas suas horas de carência... você vem me ve:::...” em
que utiliza os sinais próprios da Libras juntamente com a o Parâmetro
Expressão Facial e Corporal para transmitir a mensagem que está no
texto fonte. Observe que não houve perda de conteúdo semântico para a
comunidade surda. A seguir apresenta-se o Quadro 2 com as transcrições.
Quadro 2. Análise comparativa 2

Trecho 2 transcrição: português oral Trecho 1: Transcrição em Glosa-Libras


e a gente faz amo:::… vai... NÓS-2 SEXO ( e x p r e s s ã o
facial de prazer)
me diz que eu sou o seu amo::: 2ªDIZER1ª (pronome pessoal VOCÊ
direcionado
para o pronome EU) AMAR (expressão de
satisfação,
apaixonada). EU AMAR VOCÊ, VOCÊ
AMAR EU
(sinal de EU TE AMO um em frete ao outro).
Fonte: Autoras (2021).
Trecho 2. Estratégias com Expressão facial, Corporal, Movimento com acréscimo de
informação

Fonte: Autoras (2021).

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Acompanhe o Quadro 2, o Trecho 2 e os prints de 10 a 15, onde é


possível perceber que a mensagem transmitida para a comunidade surda
chegou bastante expressiva e com a entrega corporal da intérprete. A
profissional utilizou como estratégia os sinais da Libras, o Parâmetro
Expressão Facial, Corporal, e Movimento para transmitir no texto alvo
a mensagem presente no texto fonte. Há todo um jogo de mudança de
movimentação de tronco para demarcar as falas das pessoas do discurso
e deixar evidente para o público quem está falando e para quem como
pode ser visto nos prints 10 e 11, ao dizer “NÓS-2 SEXO (expressão
facial de prazer) e nos prints 12 e 13 quando diz “Você me disse” na
glosa “2ªDIZER1ª”. Toda essa construção semântica foi explorada pela
intérprete para compor a mensagem visualmente para o público surdo
como apontou o trecho analisado.
Entende-se que estas estratégias de interpretação envolvendo a
exploração do Parâmetro Expressão Facial, Corporal, e Movimento
de tronco, provavelmente são exclusivas de interpretação interlingual
envolvendo línguas de sinais e línguas orais/vocais. Outro aspecto que
chamou bastante atenção foi o fato de a intérprete utilizar como estratégia
o acréscimo de informação por meio de sinais afim de intensificar e ex-
plicitar a mensagem sobre a relação amorosa presente na música quando
fez “EU AMAR VOCÊ, VOCÊ AMAR EU (sinal de EU TE AMO um
em frente ao outro)” no print 15, esta informação não está presente no
trecho em português oral.
Diante disso, aponta-se que há uma escolha interpretativa que expli-
cita para a pessoa surda espectadora que a relação amorosa é composta
por duas pessoas que se gostam, mas que vivem um triângulo amoroso.
Entende-se que as escolhas interpretativas não trouxeram prejuízos e nem
perdas de conteúdo semântico para a comunidade surda. Constatamos
que a musicalidade está presente na interpretação interlingual e a análise
de uma língua de sinais na Live evidenciou o que Quadros e Spencer
(2006) chamou de um ato de empoderamento em si, para pessoas surdas
a partir de sua língua de sinais. A seguir, o último trecho que explora os
classificadores como estratégia interpretativa.

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 3. Análise comparativa 3

Trecho 3 transcrição: português oral Trecho 1: Transcrição em Glosa-Libras

e vai embora antes do dia amanhece:::::... ACABAR MADRUGADA + classificador


(expressão corporal com movimento de saída
dizendo VOCÊ IR EMBORA) + classificador
(POXA! Expressão facial de tristeza, com mo-
vimentação de mão para lamentação).

Fonte: Autoras (2021).

Trecho 3. Estratégias com classificadores

Fonte: Autoras (2021)

Como pode ser visto no Quadro 3, nos prints do Trecho 3, a in-


térprete utilizou como estratégia interpretativa vários classificadores
para dar conta da mensagem que estava no texto fonte. É interessante
frisar que apesar de na Libras ter sinais próprios para o correspondente
em português “e vai embora antes do dia amanhece:::::...” ela preferiu
recorrer à construção de todo um recurso visual por meio de sinais da
Libras e classificadores como mostram os prints 16, 17 e 18 ao dizer
“ACABAR MADRUGADA + classificador (expressão corporal com
movimento de saída dizendo VOCÊ IR EMBORA)”. Depreende-se que
houve explicitação da mensagem para a comunidade surda do que estava

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

no texto fonte, como se ver nos prints 19, 20 e 21, pois utilizou alguns
sinais seguidos de classificadores ao dizer “ACABAR MADRUGADA
+ classificador (expressão corporal com movimento de saída dizendo
VOCÊ IR EMBORA)” ao pinçar com o indicador e polegar o que seria
a pessoa amada mantendo-a distante do tronco demarcando essa ausên-
cia, veja em “+ classificador (POXA! Expressão facial de tristeza com
movimento de mãos para cima e baixo para expressar lamentação)”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objetivo identificar e analisar as estra-


tégias utilizada pela intérprete e compreender seu papel na interpretação
de português para Libras de trechos da música Sentimento Louco na Live
de Marília Mendonça. A investigação demonstrou a importância da
tecnologia e das mídias sociais como instrumentos de acessibilidade e
interação entre a comunidade surda e ouvinte por meio da interpretação
simultânea envolvendo profissionais da interpretação do par Libras Por-
tuguês. Estes estão cada vez mais presentes no cotidiano e ressaltamos
sua relevância para garantir a acessibilidade de pessoas surdas.
Percebemos nos trechos analisados da música Sentimento Louco que
o processo de interpretação simultânea, se mostrou eficaz assim como
as escolhas tradutórias que a intérprete fez não apresentaram prejuízos
semânticos. Além disso, foram identificadas algumas estratégias interpre-
tativas como uso do Parâmetro Expressão Facial e Corporal, Movimento,
além da exploração de classificadores que foram fundamentais para o
contexto de interpretação de música.
Este estudo apontou que a tecnologia é um recurso cultural para a
comunidade surda, pois embora se apresente de maneira diferente que
para ouvintes não é menos importante, o que significa afirmar que a mú-
sica não é exclusiva para ouvintes. É possível que a comunidade surda
tenha acesso às diversas manifestações artísticas por meio da interpretação
interlingual unindo a comunidade surda à ouvinte por meio da conexão
com intérpretes de Libras.

93
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

REFERÊNCIAS

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discussões sobre os estudos de tradução e
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95
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ASPECTO CONCEITUAL DO SINAL-TERMO UMA


IMPORTANTE FERRAMENTA NA FORMAÇÃO
DE GUIAS-INTÉRPRETES SURDOS

Ivonne Makhoul
Patricia Tuxi

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o seu tema na linha de pesquisa Tradução e Práticas


Sociodiscursivas do Programa dos Estudos da Tradução - POSTRAD da
Universidade de Brasília - UnB. O objeto de estudo são os sinais-termo
que constituem o universo terminológico dos Guias-Intérpretes Surdos.
O objetivo é demonstrar a importância do aspecto conceitual, presente
no signo linguístico do sinal-termo, como importante ferramenta na
formação de Guias-Intérpretes Surdos. Para atingir a este objetivo ire-
mos apresentar uma proposta de glossário visual monolíngue (Língua
Brasileira de Sinais – Libras).
Entendemos glossário como um conjunto de termos de uma mesma
área, ou similar, composto por macroestrutura e microestrutura (FAULS-
TICH, 2010). Assim, propomos o registro, bem como, a organização de
uma língua constitui o glossário. Para tanto repertoriamos os termos e
os sinais-termo seguindo o modelo de Ficha Terminológica de Faulstich
(1995a, 1995b, 2010, 2014), seguindo a metodologia proposta por Tuxi
(2017).

97
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O percurso metodológico utilizado foi o de mapeamento de termos


e definições, e de criação, registro e edição dos sinais-termo na Língua
de Sinais Brasileira. Neste trabalho que é um recorte da dissertação
elaborada por Makhoul (2021) apresentamos cinco sinais-termo. Todos
os sinais-termo foram filmados, colocado online e acessíveis através de
QR code, que foi impresso junto com cada ficha terminológica, geran-
do uma nova ferramenta de acesso aos sinais-termo, aos professores e
tradutores e intérpretes de Línguas de Sinais (TILS), aos profissionais
Surdos, tanto da área de pessoa com surdocegueira e Comunidade Surda
e Surdocegueira em geral.

CURSOS DE FORMAÇÃO NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA


CRONOLÓGICA

Para Makhoul (2021) as referências históricas sobre a Guia-interpre-


tação são ainda escassas, senão inexistentes no caso de Guias-Intérpretes
Surdos. No Brasil, em especial, há poucos registros sobre o início da
profissão, tornando assim difícil apontar quando tenha ocorrido e quem
tenha participado dos primeiros processos de comunicação em Língua
Brasileira de Sinais - Libras com Surdocegos.
Para uma melhor compreensão sobre os Guias-Intérpretes no Brasil,
iremos apresentar, por meio de uma organização cronológica, cursos que
tinham por objetivo a formação de GI para atuarem junto a Surdocegos
em diversos contextos sociais.
O primeiro registro de formação ocorreu em 1999. Um curso rea-
lizado entre a Federação Nacional de Surdos da Colômbia (Fenascol),
o Programa para a Criação de Associação de Pessoas Surdocegas em
América Latina (Poscal) e a Associação de Surdocegos Suecos (FSDB).
Segundo Araújo (2019), o curso teve a duração de uma semana, com
carga horária de 48 horas e realizada na cidade paulista de São Caetano
do Sul - SP. Contou com a participação de 13 convidados ligados às ins-
tituições que atendiam pessoas com Surdocegueira. O curso, intitulado de
“Formação de Guias-Intérpretes”, também foi realizado com participantes

98
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

do Peru, do Equador e da própria Colômbia. Dentre as 13 pessoas, duas


foram representantes brasileiras e que passaram a ser multiplicadores,
com a função de formar novos Guias-Intérpretes. Como resultado do
curso, no ano de 2004 foi criado uma rede de suporte online que tinha
como objetivo apoiar a formação de profissionais para a capacitação.
Um longo intervalo separa o primeiro curso do segundo, que ocorreu
apenas no ano de 2011, oferecido pela Associação Brasileira de Sur-
docegos – ABRASC1 e pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao
Múltiplo Deficiente Sensorial2 intitulado “Curso para formação de guia-
intérprete no Brasil”. Segundo Makhoul (2021) foram onze anos sem
qualquer material de formação, no entanto nesse mesmo período houve
um grande desenvolvimento da Libras e dos Tradutores e Intérpretes da
Língua de Sinais – TILS no Brasil. Fica então a dúvida do porquê de
tanto tempo sem uma formação efetiva e nacional.
O curso citado acima é atualmente oferecido pelo Grupo Brasil,
em conjunto com a Associação Educacional para Múltipla Deficiência-
Ahimsa. Ocorre duas vezes ao ano, a forma de inscrição é por e-mail e o
pré-requisito é ter conhecimento de Libras a partir do nível intermediário.
Após as análises feitas nos cursos que vêm sendo oferecidos nas
últimas duas décadas, fica clara a falta de formação com foco nos Estudos
da Tradução e Estudos da Interpretação, que são pré-requisitos básicos
para a base de um bom Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais e para
os Guias-Intérpretes.
Como resultado das análises feitas nos programas dos cursos foi
possível constatar por Makhoul (2021) que grande parte mostra um
conteúdo significativo sobre Orientação e Mobilidade, tipos de Comu-
nicação e o Braille e códigos. Mas não há quase nada sobre a língua de
sinais na forma de processos tradutórios ou interpretativos ou mesmo
sobre os sinais-termo da área. Isso nos leva a um pensamento se já uma
1 A ABRASC não possui um site, mas pode ser contatada através do e-mail abrascsofia@hotmail.
com e contato pelo Facebook.
2 Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial é uma ONG criada em
1997 para unir as entidades que atendem pessoas com surdo cegueira. Em seu site, é possível
consultar as instituições filiadas em cada região do país, conhecer as ações realizadas por elas,
as publicações da organização e suas campanhas. - https://apoioaosurdocego.com.br/

99
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

real compreensão dos conceitos da área em língua de sinais e se esse


aspecto conceitual já foi internalizado nos sinais hoje utilizados na
área. Para melhor compreender essa questão conceitual, abordaremos
a seguir o conceito do signo linguístico na perspectiva de constituição
do sinal-termo.

O SIGNO LINGUÍSTICO NA FORMAÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

De acordo com Tuxi (2017), quando pensamos em signos linguís-


ticos, lembramos de unidades lexicais e do que elas representam. Em
síntese, são unidades linguísticas, que compõem o léxico de uma língua.
Nas línguas de Sinais - LS, essa unidade é representada pelo sinal que,
normalmente, é signo advindo da língua de modalidade visual e espacial,
por meio do qual o usuário estabelece relação comunicativa com o mundo.
Além disso, é pela língua que as estruturas, compostas de palavras ou de
sinais, representam as ideias.
Na visão funcionalista, que as autoras do presente texto, adotam,
a estrutura lexical, assim como a estrutura gramatical, contém variáveis
dependentes que possuem características motivacionais relacionadas ao
meio, ou seja, no contexto de uso (TUXI, 2017).
Entre os teóricos que reconhecem o valor do meio na elaboração
da concepção do objeto real, está o meio e o interpretante dinâmico
– conexão esta que se realiza dentro da mente de uma pessoa. Peirce
(1839-1914), um lógico matemático, foi um dos autores que concebeu
a mais elaborada e decidida explicação alusiva aos sinais e seus signifi-
cados. Com base no pressuposto teórico de signo linguístico de Peirce,
Faulstich (2007) apresenta, no artigo “Modalidade oral-auditiva versus
modalidade visuoespacial sob a perspectiva de dicionários na área da
surdez”, o pensamento conceitual necessário para elaborar um dicionário
em conformidade com seu público-alvo, no caso, os usuários de Língua
de Sinais com base no significado.

[...] é preciso que um dicionário seja elaborado em conformi-


dade com o público-alvo, no intuito de informar com clareza

100
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

o significado das palavras. É sabido que um significado fica


prejudicado se as propriedades e as características dos objetos
descritos omitirem traços básicos (FAULSTICH, 2007, p. 143).

Fica claro, então, que o signo linguístico do sinal-termo não pode


ser compreendido como a tradução do termo originário da Língua Oral.
É preciso compreender que a constituição do signo linguístico do sinal-
termo em Libras representa uma estrutura distinta do que seria de uma
equivalência do termo, pois, pelo aspecto conceitual, ressignificado pelo
interpretante, no caso o indivíduo surdo, este aspecto irá incidir sobre a
organização e estrutura deste sinal-termo.
Para Tuxi (2017), é possível depreender o termo e o sinal-termo
como unidades terminológicas específicas que apresentam formas de
registro e organização específicas. Para isso, consideramos como hipótese
a possibilidade de o sinal-termo resultar da elaboração do conceito do
termo, porque a concepção do sinal-termo é passível de ocorrer a partir
da captação das características estruturais da própria definição do objeto.
Como já afirmamos anteriormente, os sinais da língua de sinais - LS
foram considerados cópias das formas dos objetos do mundo real – íco-
nes com base no conteúdo da forma. Não obstante isso, algumas teorias
entendiam, inicialmente, que a iconicidade na LS era o único mecanismo
de criação de sinais. Em cursos de formação de Libras, por exemplo,
era comum os alunos de nível básico, leigos de formação, perguntarem
a origem do sinal: “Por que o sinal de vermelho é assim?”, “Por que o
sinal de pão é desse jeito?”. E, normalmente, o professor ou o instrutor
respondia com um movimento ou gesto que remetesse ao objeto real.
Desta feita, a iconicidade não deriva da forma pura ou do conteúdo.
A iconicidade deve ser entendida, na Libras, como o pensamento
abstrato, comum a todos os usuários da língua, que possibilita a com-
preensão do fato e do conceito pela ideia que o objeto representa para
o interpretante.
Felten e Faulstich (2014) descrevem a importância da iconicidade
como elemento de formação de conceitos, a partir do trabalho de criação

101
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

de sinais-termo fundamentados em imagens históricas. Na pesquisa, a


concepção de sinais-termo evidenciou erros que podem ocorrer quando a
forma e o conteúdo são considerados prioritariamente na forma icônica,
em vez de considerar o conceito. Que deve ter início no ponto de vista do
signo linguístico, de acordo com a informação conceitual nas diversas áreas.
A imagem, a seguir, exemplifica a influência da forma e do conteúdo
na criação do sinal.
Figura 1. Sinal INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Fonte: Felten (2016, p. 33).

Figura 2. Imagem da obra O Grito do Ipiranga

Fonte: Pedro Américo: Óleo sobre tela. 415cm x 760cm. Museu Paulista da USP (1888)

102
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Como podemos perceber, o sinal, na figura 1, não tem um fundo


conceitual. Na situação em questão, apenas a imagem do quadro foi
levada em consideração nesse processo.
Na pesquisa de mestrado realizada por Felten (2016), sob a orienta-
ção de Enilde Faulstich, o evento histórico foi analisado pela definição do
termo, ou seja, pelo processo da Metalexicografia, que analisa o termo,
bem como sua função ou aplicabilidade um novo signo linguístico foi
gerado. Isso quer dizer que a percepção do conceito do objeto dinâmico
passa por um processo de insatisfação no que diz respeito à concepção
do interpretante. No entanto, essa formulação só se concretiza quando
o interpretante tem conhecimento do conceito estrutural e funcionalista
do termo. Desse modo, o movimento contínuo determinado por Peirce
reinicia o processo de criação do signo, antes mesmo de ser formalizado,
por não satisfazer a contemplação do fenômeno em si.
Figura 3. Sinal-termo INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Fonte: FELTEN (2016, p. 33).

A figura 3 mostra a iconicidade mental do momento histórico. Nela,


é possível comunicar aos usuários da língua o conceito de “O que é?” e
“Para que serve?”. Por meio do questionamento é possível afirmar que
a constituição do signo linguístico do sinal-termo em Libras tem sua
base na abstração mental do conceito que o objeto representa na mente
do interpretante e que, por isso, o termo e o sinal-termo são unidades
terminológicas específicas que apresentam formas de registro e organi-
zação distintas (TUXI, 2017).

103
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Destacamos também que o sinal-termo, por resultar de um conceito


elaborado, apresenta características vinculadas ao processo de criação.
Essas particularidades nos permitiram estruturar as seguintes categorias:
i) iconicidade mental (FAULSTICH, 2007); ii) representação processual
e iii) abstração conceitual.
Essas três proposições se baseiam na Teoria dos estudos Termino-
lógicos do sinal-termo desenvolvido por Faulstich (2016). Vale lembrar
que esse modelo pressupõe a existência distintiva, na língua de sinais,
entre sinais usados na linguagem comum e os empregados nas linguagens
de especialidade, razão pela qual a autora criou a designação sinal-termo
para responder às necessidades contextuais e cotextuais em que o léxico
é empregado nas Línguas de Sinais (FAULSTICH, 2016, p. 4).
Dessa forma uma obra terminográfica deve registrar o aspecto
conceitual que é a base de significado do sinal-termo. Com base neste
pressuposto teórico terminológico apresentaremos a seguir o nosso per-
curso metodológico.

PERCURSO METODOLÓGICO

A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa, de natureza descritiva.


Segundo Flick (2010) e Gil (1999). Com base na abordagem, na natureza
e nos procedimentos, apresentamos as etapas metodológicas da pesqui-
sa terminológica. Utilizaremos o percurso metodológico instituído por
Tuxi (2017), a qual registra três etapas principais e seus procedimentos
específicos. São elas:

Primeira etapa. Consiste em definir o objetivo e o público-alvo da


pesquisa. O objetivo é demonstrar a importância do aspecto conceitual,
presente no signo linguístico do sinal-termo, como importante ferramenta
na formação de Guias-Intérpretes Surdos e o público-alvo são profissio-
nais que atuam de maneira formal ou informal, como Guias-Intérpretes
com pessoas com surdocegueira pós-linguística, usuárias da Língua
Brasileira de Sinais - Libras.

104
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Segunda etapa. Denominada “Recolha dos Termos”, consistiu em três


fases que ocorreram em espaços e momentos específicos: i) busca de
livros publicados na área da Guia-Interpretação; ii) leitura dos livros
em busca de termos que tenham uma forte influência na formação dos
Guias-Intérpretes e na sua atuação e iii) análise de palestras realizadas
por Surdocegos e Guias-Intérpretes, por meio de vídeos publicados nas
redes sociais, para contrastar com os termos retirados dos livros.

A terceira e última fase da segunda etapa foi a coleta dos sinais-termo


em Libras, nas lives que ocorreram durante a pandemia e que tinham
como tema a formação de Guias Intérpretes – GI. Como resultado de
todo o percurso metodológico foi possível constatar os seguintes termos:

Quadro 01. Termos finais

ABRAPASCEM  GUIA-VIDENTE
ABRASC HÁPTICA
AHIMSA INSTRUTOR MEDIADOR
ALFABETO LORM LIBRAS EM CAMPO REDUZIDO
ALFABETO MANUAL COM DUAS MÃOS LIBRAS TÁTIL
ALFABETO MANUAL TÁTIL MALOSSI
BRAILISTA ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE
DEDO COMO LAPÍS PLACA DE COMUNICAÇÃO
ESCRITA AMPLIADA PRÓ-TATIL
ESCRITA PALMA DA MÃO RETINOSE PIGMENTAR
FALA AMPLIADA SÍNDROME USHER
FEBRAPILS SISTEMA BRAILLE MANUAL TÁTIL
FENEIS SURDOCEGO
GRUPO BRASIL SURDOCEGO COM BAIXA VISÃO
GUIA-INTÉRPRETE SURDOCEGO ADQUIRIDO
GUIA-INTÉRPRETE AMBIENTES COMUNITÁRIOS SURDOCEGO CONGÊNITO
GUIA-INTÉRPRETE ARTÍSTICO TADOMA
GUIA-INTÉRPRETE CONFERÊNCIA TECNOLOGIA ASSISTIVA
GUIA-TRADUTOR

Fonte: MAKHOUL (2021).

105
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Com o fim da Recolha dos Termos, passamos à elaboração da ter-


ceira etapa, que, seguindo o modelo proposto acima (TUXI, 2017), dá
início à organização e à elaboração das fichas terminológicas. É preciso
registrar que as Fichas Terminológicas são a base da organização do
verbete e, portanto, uma fase importante.

ORGANIZAÇÃO E ELABORAÇÃO DAS FICHAS TERMINOLÓGICAS

No modelo utilizado por Makhoul (2021), a ficha possui seis (6)


partes, conforme a imagem abaixo:
Figura 10. Ficha Terminológica

ORDEM (1) ENTRADA (2)


LIBRAS (4) QR CODE (5)
ENTRADA e DEFINI-
ÇÃO
(3)

ILUSTRAÇÃO (6)

O campo de número um significa a ordem da Ficha Terminológica,


que, nesse caso, vai de 1 a 38. O segundo campo é a entrada em Língua
Portuguesa. O terceiro campo é muito importante para nós, pois traz a
entrada em Língua de Sinais e a definição, ou seja, dá o conceito do termo
em Libras. O quarto campo é o sinal-termo, ou seja, o termo em Língua
de Sinais com todo o significado conceitual que o sinal-termo deve ter.
O quinto campo é o QR Code, adotado em toda a pesquisa e que segue
o sistema de Tuxi (2017), no qual todos os registros devem oferecer ao
consulente o sinal-termo com todos os seus aspectos de constituição
gramatical. E o sexto campo é uma indicação por meio da imagem do

106
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

significado que é o sinal-termo, seguindo modelo da ficha terminográfica


de Andrade (2019).
Definida a estrutura da ficha apresentaremos a seguir um modelo
da ficha pronta.
Figura 11. Ficha terminológica

Fonte: MAKHOUL (2021).

A ESTRUTURA DO GLOSSÁRIO MONOLÍNGUE DE SINAIS-TERMO

A macroestrutura do Glossário monolíngue de sinais-termo da área


da guia-interpretação traz as informações gerais da obra.

107
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Figura 12. Apresentação do Glossário em Libras

Fonte: MAKHOUL (2021).

Na apresentação, aparece em Língua de Sinais e em Língua Portu-


guesa o título do glossário e a logo, adotada pela própria pesquisadora,
desenvolvida pelo arquiteto e comunicador Ademar Júnior. Destacamos
que a logo representa os Glossários de Sinais-Termo desenvolvidos pela
própria autora na Universidade de Brasília. Abaixo, segue a explicação
do logotipo.
Figura 13. Apresentação do logo

Fonte: MAKHOUL (2021).

108
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Descrição de logotipo na tabela abaixo:

Desenho Descrição
Formato de pessoa, designando GUIA-PRO-
FISSIONAL (contemplando guia-intérprete,
guia-vidente, guia-tradutor e instrutor-me-
diador), tendo em vista as suas várias formas
de comunicação e tecnologias assistivas.
O sinal COMUNICAÇÃO está escrito em
signwriting .

Formato de pessoa, designando indivíduo


com Surdocegueira ou Pessoa Surdocega,
geralmente identificada pelo símbolo da sua
condição única: bengala com listras vermelha
e branca.

Ligação entre Guia-Profissional e pessoa sur-


docega remonta ao Guia-vidente, com técnica
de Orientação e Mobilidade, identificada pelo
contato no ombro do guia, que fica em frente.

Fonte: MAKHOUL (2021).3

3 Própria Autora

109
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Por fim, apresentamos abaixo uma proposta do verbete do glossário.


Figura 14. imagem ilustrativa do verbete

Fonte: MAKHOUL (2021)

Para maiores detalhes sobre os demais sinais-termos desta área


indicamos a dissertação de Makhoul (2021)4 onde os demais sinais-termo
estão registrados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que esta, com esta ferramenta de glossário monolíngue,


sempre em constante dinâmica, propõe-se a discriminação de Guia-
Profissional para/de/com surdocegos (guia-intérprete, guia-vidente,
instrutor-mediador e guia-tradutor), contrastando esses agentes Surdos
na área de surdocegueira, visando facilitar a compreensão de suas
funções/responsabilidades assim como a sua adequada formação, para
melhor atendimento à clientela surdocega. Propicia assim a ampliação
do mercado de trabalho para nossos iguais Surdos-Surdos. Contudo essa
organização só foi possível a partir da constatação do signo linguístico
que está presente no processo conceitual do sinal-termo.
4 https://repositorio.unb.br/handle/10482/41888

110
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

REFERÊNCIAS

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multilíngue de sinais-termo na área de nutrição e alimentação. 2018. Tese (Doutorado
em Estudos de Tradução) – Universidade de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.
ARAUJO, H. F. Práticas de Interpretação Tátil e Comunicação Háptica para
pessoa com Surdocegueira. 1 ed. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2019.
EQUIPE DE ELABORAÇÃO. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em
Letras - Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Montes Claros: Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais, 2017. Disponível em:
<http://documento.ifnmg.edu.br/action.php?kt_path_info= ktcore.actions.document.
view & documentId=20757>. Acesso em: 20 abr. 2020.
FAULSTICH, E. Socioterminologia, mais que um método de pesquisa, uma
disciplina. Ciência da Informação, Brasília, v.24, n.3, p.281-288, 1995.
FAULSTICH, E. Base metodológica para pesquisa em socioterminologia: termo
e variação. Brasília: Universidade de Brasília/LIV, 1995a.
FAULSTICH, E. Socioterminologia: mais que um método de pesquisa, uma
disciplina. Ciência da Informação (artigos), [S.I.: s.n.], vol. 24, nº 3, 1995b.
FAULSTICH, E. Modalidade oral-auditiva versus modalidade vísuo-espacial sob a
perspectiva de dicionários na área da surdez. In: SALLES, H. M. M. Lima (org.).
Bilinguismo dos surdos: questões linguísticas e educacionais. cap. 6. Goiânia:
Cânone, 2007. p.119-142.
FAULSTICH, E. Para gostar de ler um dicionário. In: RAMOS, Conceição de Maria
de Araujo et al. (Org.). Pelos caminhos da dialetologia e da sociolinguística:
entrelaçando saberes e vida – homenagem a Socorro Aragão. São Luís, MA:
EDUFMA, 2010. p. 166 – 185.
FAULSTICH, E. Características conceituais que distinguem o que é de para que
serve nas definições de terminologias científica e técnica. In: ISQUERDO, A. N;
DAL CORNO, G. O. M. (Orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia,
terminologia, Vol. VII. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2014.
FAULSTICH, E. Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias
nº1.060/2013 e nº91/2013, contendo subsídios para a Política Linguística de
Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa - MEC/
SECADI – 2014.
FAULSTICH, E. Procedimentos básicos para glossário sistêmico de léxico
terminológico: uma proposta para pesquisadores de língua de sinas. In: ISQUERDO,
A. N.; dal CORNO, G. O.M. (Orgs.) As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia
e terminologia, volume VIII, 2016, 13p.

111
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

FAULSTICH, E. Especificidades semânticas e lexicais: a criação de sinais-termo


na língua de sinais brasileira. In: Léxico e suas Interfaces: Descrição, Reflexão e
Ensino. 1. ed. Araraquara/SP: Cultura Acadêmica, 2016.
FERREIRA, J. G. D. Os Intérpretes Surdos e o Processo Interpretativo Interlíngua
Intramodal Gestual-visual da ASL para Libras. 2019. Dissertação (Mestrado em
Estudos de Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.
Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/214607> Acesso em:
10 mar. 2021.
FLICK, A. Introdução à Metodologia da Pesquisa Científica. Fortaleza: UEC,
2010. Apostila
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MAKHOUL, I. A. Glossário monolíngue em Língua de Sinais Brasileira:
Uma importante ferramenta na formação de Guias-Intérpretes Surdos. 2021.
Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) – Universidade de Brasília, Brasília,
2021.
TUXI, P. A Terminologia na língua de sinais brasileira: proposta de organização
e de registro de termos técnicos e administrativos no meio acadêmico em
glossário bilíngue. 2017. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de
Brasília, Brasília, 2017.

112
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

GATILHOS DE PROBLEMA NA INTERPRETAÇÃO


SIMULTÂNEA LIBRAS-PARA-PORTUGUÊS:
UM ESTUDO SOBRE A INTERPRETAÇÃO DE
INFORMAÇÕES NUMÉRICAS E DE DATILOLOGIA

Guilherme Lourenço
Luciene de Macedo Gomes Viana

INTRODUÇÃO

Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) lidam diariamente


com a tarefa de reformular mensagens entre uma língua oral e uma lín-
gua de sinais. Essa tarefa de interpretação ocorre, na maioria das vezes,
de modo simultâneo, de forma que o intérprete precisa compreender a
mensagem na língua de partida a partir de uma única exibição (seja ela
auditiva ou visual), armazenar e produzi-la na língua de chegada em um
curto período de tempo (GILE, 2009).
Além das características comuns a uma tarefa de interpretação
simultânea, o intérprete de Libras se depara também com o desafio par-
ticular de interpretar entre línguas de modalidades diferentes. Enquanto
a língua oral - o português, por exemplo - é uma língua de modalidade
oral-auditiva, a Libras é uma língua de sinais e, portanto, de modalida-
de gestual-visual. Línguas oral-auditivas são línguas produzidas pela
articulação oral/vocal e percebidas pela audição. Já línguas gestual-
visuais são produzidas por movimentos corporais, principalmente das
mãos, e percebidas pela visão. Além disso, línguas orais “fazem uso de

113
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

um sistema linear de encadeamento de informações no fluxo de fala”,


enquanto línguas sinalizadas utilizam-se do “espaço de sinalização e de
movimentos com as mãos e com o corpo para veicular informações de
maneira quadridimensional” (LOURENÇO, 2015, p. 321).
A interpretação simultânea entre línguas de modalidades diferentes,
também conhecida como interpretação intermodal, tem sido objeto de
estudo de diferentes investigações que tratam, dentre outros temas, das
questões que envolvem os efeitos da modalidade das línguas na tarefa
de interpretação simultânea intermodal (JANZEN, 2005; LOURENÇO,
2015; 2018; METZGER; QUADROS, 2012; RODRIGUES, 2012; inter
alia). Adicionalmente, tem-se discutido questões relacionadas à dire-
cionalidade da tarefa. Em outras palavras, investiga-se quais os efeitos
de se interpretar da língua oral para a língua de sinais - interpretação-
sinalizada - e de se interpretar da língua de sinais para a língua oral -
interpretação-voz (LOURENÇO, 2018; NICODEMUS; EMMOREY,
2013; 2015; VAN DEN BOGAERDE, 2010; VAN DIJK et al., 2011).
Apesar de haver trabalhos que discutem a tarefa de interpretação-
voz, esta é consideravelmente menos investigada do que a interpretação-
sinalizada. É justamente essa direção de interpretação que tomamos como
objeto de estudo desta investigação. Apropriando-nos do conceito de
gatilho de problema na interpretação simultânea (GILE, 2009; 2011),
propomos investigar esse fenômeno em tarefas de interpretação(-voz)
simultânea Libras-para-português. Mais especificamente, discutiremos
como informações numéricas e a datilologia podem ser gatilhos de pro-
blemas nesta direção e ter efeitos negativos na entrega da interpretação.
Para isso, recorreremos a interpretações produzidas por profissionais
intérpretes de Libras de dois textos construídos em Libras e que foram
interpretados para a língua portuguesa de forma simultânea. A partir des-
ses dados, analisaremos a presença de erros e omissões nesses produtos,
de modo a verificar os efeitos desses elementos de língua na tarefa de
interpretação simultânea.
O presente capítulo está organizado em cinco seções, sendo a pri-
meira delas aberta por esta introdução. Na segunda seção, apresentamos

114
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

brevemente o conceito de gatilhos de problema e como eles têm sido


classificados na literatura dos estudos da interpretação. A terceira seção
discorre sobre a interpretação na direção Libras-português. Na quarta
seção, discutiremos a presença de informações numéricas e de datilologia
na interpretação simultânea a partir de dados coletados de interpretações
realizadas por profissionais intérpretes de Libras. Nossas considerações
finais são apresentadas na quinta seção.

GATILHOS DE PROBLEMA NA INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA

Gatilho de problema pode ser entendido como algum elemento


presente no texto de partida que aumenta a demanda de processamento
do intérprete ou ainda que resulta em uma vulnerabilidade do sinal/
mensagem (GILE, 2009; 2011; MANKAUSKIENĖ, 2016). Assim, ao
se deparar com um gatilho de problema no texto de partida, o intérprete
pode acabar despendendo maior esforço nas atividades básicas integrantes
do processo de interpretação, tais como a compreensão e/ou a memória
e/ou a produção. É isso que nos relata Gile (2009):

Na estrutura do Modelo dos Esforços, os gatilhos de problemas


estão associados ao aumento da demanda de capacidade de
processamento, que podem exceder a capacidade disponível
ou causar problemas de gerenciamento de atenção ou vulnera-
bilidade a um lapso momentâneo de atenção em determinados
segmentos da fala [texto de partida] (GILE, 2009, p. 171)

Considerando que o intérprete atua já em limiares próximos da


saturação, a presença de gatilhos de problema no texto de partida pode
ocasionar a desestabilização dos recursos atencionais do intérprete,
resultando em um risco maior de saturação da capacidade cognitiva
do intérprete e ainda na produção de mensagens que contenham erros,
omissões e/ou infelicidades, as chamadas EOIs (GILE, 2011).
Gile (2009) pontua que a origem dos gatilhos de problema pode
ser de natureza crônica ou de natureza ocasional. A primeira delas, de
origem crônica, é quando as habilidades cognitivas e/ou o conhecimento

115
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

declarativo, seja de natureza conhecimento extralinguístico, lexical e/ou


gramatical, do intérprete não são suficientes. Nesse caso, o intérprete
não consegue coordenar os esforços dispendidos na tarefa e nem realizar
tomadas de decisões para resolver os problemas encontrados. A segunda,
de natureza ocasional, é quando o intérprete possui os conhecimentos
necessários para a realização da tarefa, mas questões pontuais presen-
tes no texto de partida levam o intérprete a cometer erros, omissões ou
infelicidades. Esses itens pontuais podem ser de diferentes ordens, tais
como: linguística, semântica, física, da fala de origem, do ambiente de
comunicação, dentre outras.
Neste estudo, interessam-nos aqueles problemas que Gile (2009)
classifica como sendo decorrentes de uma maior vulnerabilidade do
sinal linguístico. Ou seja, são itens que não necessariamente requerem
uma maior capacidade de processamento, mas que, dada a situação de
recursos já limitados durante a tarefa de interpretação, tornam-se mais
vulneráveis em seu processamento pelo intérprete. Como exemplo, Gile
(2009) cita números, nomes próprios e acrônimos. Assim, diferentes estu-
dos corroboram a visão de que números e nomes próprios, por exemplo,
constituem desafios para uma tarefa de interpretação simultânea (GILE,
2009; 1984; KORPAL; STACHOWIAK-SZYMCZAK, 2018; MEYER,
2008; PINOCHI, 2009; SHANMUGALINGAM, 2018; VIANNA, 2005).
É a partir dessa constatação que nos interessa investigar como intérpre-
tes de Libras lidam com informações numéricas e com a datilologia em
tarefas de interpretação Libras-português.

A INTERPRETAÇÃO SIMULTÂNEA LIBRAS-PORTUGUÊS

A interpretação de uma língua de sinais para uma língua oral é co-


mumente chamada de interpretação-voz (HURWITZ, 1986; LOUREN-
ÇO, 2018; VAN DEN BOGAERDE, 2010) ou ainda de interpretação
vocalizada/vocalização (RODRIGUES, 2018). Diferentes pesquisadores
vêm discutindo questões concernentes à tarefa de interpretação-voz. Es-
sas pesquisas abordam os efeitos que interpretar de uma língua de sinais
para uma língua oral tem sobre a tarefa de interpretação simultânea, e

116
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

consequentemente, no texto de chegada. Apresentaremos três desses


estudos de modo a ilustrar as discussões que têm sido apresentadas sobre
os efeitos das línguas na tarefa de interpretação-voz.
Van den Bogaerde (2010) chama a atenção para o fato de que as
tarefas de interpretação-voz têm, de maneira geral, deixado a desejar
em termos de qualidade.1 A autora relaciona esse fato principalmente
aos níveis de proficiência dos intérpretes na língua de sinais. Segundo
Van den Bogaerde, nem mesmo a carga-horária de ensino de língua de
sinais como segunda língua para esses intérpretes tem sido suficiente para
formar usuários proficientes nessa língua. Além disso, outros fatores são
levantados, como: i) maior experiência desses profissionais na interpreta-
ção-sinalizada do que na interpretação-voz; ii) os intérpretes apresentam
grande dificuldade em compreender a língua de sinais; iii) pessoas surdas
tendem a ser mais tolerantes a uma interpretação-sinalizada ruim do que
pessoas ouvintes toleram uma interpretação-voz de baixa qualidade; e
iv) intérpretes conseguem monitorar melhor sua produção em língua
oral do que em língua de sinais. Van den Bogaerde (2010) conclui que é
necessário oferecer uma melhor qualidade no ensino de língua de sinais
para novos profissionais e também que sejam produzidas mais pesquisas
sobre essa direção de atuação.
Lourenço (2018) discute a direcionalidade na tarefa de interpretação
simultânea ao considerar as diferenças morfossintáticas entre a Libras e
a Língua Portuguesa, e os possíveis efeitos dessas diferenças na tarefa de
interpretação-voz. A partir da análise da interpretação de algumas constru-
ções linguísticas (gênero gramatical, tempo, aspecto e sintaxe espacial),
Lourenço (2018) conclui que as diferenças gramaticais da Libras e do
português, de fato, trazem problemas para a tarefa de interpretação-voz.
E acrescenta que identificar os efeitos dessas diferenças morfossintáticas
pode contribuir com a formação de novos profissionais.

1 Lourenço e Ferreira (2019) também trazem a mesma observação ao analisarem a percepção


de docentes surdos que atuam em instituições de ensino superior. De acordo com os autores,
a percepção de qualidade desses docentes sobre a interpretação-voz é bastante baixa, sendo a
categoria mais mal avaliada por esses professores.

117
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quintos-Pozos et al. (2019) investigaram como é realizada a refor-


mulação dos pronomes em uma tarefa de interpretação-voz da American
Sign Language (ASL) para o inglês. Para tanto, fizeram um levantamento
dos pronomes produzidos nas duas línguas e verificaram se havia ou
não correspondência semântica entre os pronomes. Quintos-Pozos et al.
(2019) concluem que as diferenças gramaticais dos pronomes produzidos
em ASL e em inglês podem impactar a tarefa de interpretação-voz, mesmo
quando ocorre a equivalência semântica na reformulação do enunciado.
Em alguns casos, quando não é possível produzir a correspondência no
texto de chegada, o intérprete vê a necessidade de ajustes para adequar a
regra gramatical do texto de chegada ou ainda comete erros/e ou omissões.
De maneira geral, os estudos apresentados e demais discussões
presentes na literatura indicam para a importância de se discutir a tare-
fa de interpretação-voz e apontam algumas questões para o debate: i)
é preciso fomentar pesquisas sobre esse tema; ii) ofertar formação de
qualidade em que se discute com maior profundidade as propriedades
linguísticas das línguas de sinais com os intérpretes aprendizes; iii) pro-
mover momentos de prática na tarefa de interpretação-voz, e iv) discutir
as possíveis estratégias de interpretação que são específicas para tarefas
de interpretação-voz.
A partir desse breve panorama sobre os gatilhos de problema na
interpretação simultânea e da tarefa de interpretação-voz, passemos
agora a discutir a presença de informações numéricas e de datilologia
na interpretação libras-português.

INFORMAÇÕES NUMÉRICAS E DATILOLOGIA NA


INTERPRETAÇÃO LIBRAS-PORTUGUÊS

As línguas de sinais fazem um uso extensivo do movimento das


mãos (e dos dedos) para a produção das palavras dessas línguas - também
chamadas de sinais (ZESHAN, 2003). Esses sinais formam o repertório
lexical das línguas de sinais. Contudo, além desses sinais, muito fre-
quentemente as línguas sinalizadas possuem em seu léxico formas para
representar o alfabeto (ou sistema de escrita equivalente) comumente

118
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

utilizado nas sociedades em que essas línguas estão inseridas. Dessa


forma, para cada letra do alfabeto é atribuída uma combinação de uma
forma de mão, uma orientação da palma da mão e, em alguns casos, um
movimento de trajetória (geralmente um movimento de pulso, no caso
da Libras) (KEANE; BRENTARI; RIGGLE, 2012; WILCOX, 1992). O
alfabeto manual, também chamado de datilologia, acaba, portanto, por
espelhar a língua escrita, de modo que cada letra do alfabeto manual
em sequência reproduz as letras presentes em uma palavra escrita. Um
exemplo de datilologia é fornecido na Figura 1.
Figura 1. Datilologia C-O-D-I-G-O

Fonte: extraída de um dos vídeos utilizados neste estudo.

Contudo, a datilologia não é simplesmente uma forma de soletrar


palavras nas línguas de sinais. Por se tratar de formas que integram o lé-
xico dessas línguas, diferentes processos fonéticos e fonológicos incidem
sobre a datilologia (BRENTARI, 1998; KEANE; BRENTARI, 2015;
KEANE; BRENTARI; RIGGLE, 2012; WILCOX, 1992). As palavras
reproduzidas em datilologia podem adquirir movimentos próprios da
estrutura fonológica dessas línguas e ainda apresentar uma quantidade
grande de movimentos transacionais (entre cada letra manual) (WIL-
COX, 1992), diferenças na duração de produção de cada letra manual, a
depender do tipo de letra manual, sua posição na palavra datilológica e
ainda do estilo individual do sinalizante (KEANE, 2014).
Vale apontar ainda que frequentemente a datilologia é descrita como
sendo utilizada como um recurso linguístico nas línguas de sinais para
indicar nomes próprios, termos técnicos e até mesmo em lacunas lexicais
nessas línguas. Essa é, contudo, uma descrição bastante limitada desse
recurso linguístico. Além desses usos frequentemente atestados, a datilo-
logia possui funções sentenciais e pragmáticas, inclusive como estratégia

119
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

enfática nas línguas de sinais (MONTEMURRO; BRENTARI, 2018).


Afinal, a visão de que a datilologia é utilizada para “palavras que não
possuem sinal” é certamente refutada ao nos depararmos com ocorrências
de datilologia nos discursos sinalizados que possuem sinais equivalentes
e que, por esse motivo, poderiam ser substituídas por esses sinais. Para
uma melhor compreensão da função da datilologia nas línguas de sinais
é preciso nos atentarmos também para a estrutura informacional dessas
línguas e para os diferentes usos desse recurso linguístico (KEANE;
BRENTARI, 2015; MONTEMURRO; BRENTARI, 2018).
Todos esses fatores fazem com que a datilologia seja um enorme
desafio para aprendizes de uma língua de sinais como segunda língua
(WILCOX, 1992) e também para intérpretes de línguas de sinais (GO-
MES, 2020; MCDERMID; FINTON; CHASNEY, 2016; NICODEMUS
et al., 2017).
O outro elemento de língua analisado por nós são as informações
numéricas. Os sinais numerais em Libras são produzidos apenas com
uma única mão, sendo que há configurações de mão específicas para
cada sinal numeral de 0 a 9. Ao contrário do que se observa em muitas
línguas de sinais, em que os dígitos são utilizados para contagens de
1 a 9, em Libras apenas os sinais numerais de 1 a 4 possuem relação
com a quantidade de dígitos presentes na mão selecionada. A partir do
sinal numeral correspondente a 5, configurações de mão específicas são
selecionadas para cada sinal numeral de 5 a 9. Ademais, em Libras não
há a função de sinais numerais operadores, como em outras línguas de
sinais. Por exemplo, em Língua de Sinais Espanhola (LSE), o sinal nu-
meral 10 funciona como operador nas construções numerais de 16 a 19.
Assim, nessa língua, 16 é sinalizado com os sinais correspondentes a 10
e a 6 (bimanualmente) (VIADER; FUENTES, 2008). Em Libras, como
não há operadores numerais em seu sistema numérico, cardinalidades
são expressas por meio da composição dos sinais numerais em dígitos
correspondentes à posição das unidades, das dezenas e das centenas.
Assim, 21 é sinalizado como DOIS-UM, 135 é sinalizado UM-TRÊS-
CINCO etc. Há ainda sinais específicos para mil, milhão e bilhão. Assim
como no caso da datilologia, esses sinais numerais sofrem diferentes

120
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

processos fonéticos e fonológicos próprios da língua, desde modulação


do movimento até efeitos de coarticulação. Um exemplo de informação
numérica é fornecido na Figura 2.
Figura 2. Informação numérica 1964

Fonte: extraída de um dos vídeos utilizados neste estudo.

Após esta breve apresentação da datilologia e dos sinais numerais em


Libras, passemos então a analisar os dados de interpretação simultânea
Libras-português, com o objetivo de verificar se esses tipos de construções
linguísticas também se constituem como gatilhos de problema na tarefa.

ORIGEM DOS DADOS

O material a ser analisado foi cedido pelo ProTILS2 que é um


Projeto de Extensão Universitária da Faculdade de Letras da UFMG. O
ProTILS tem como proposta capacitar profissionais que atuam na área
da tradução e da interpretação, que visa também fomentar discussões do
fazer tradutório-interpretativo.
Os dados a serem analisados constituem atividades produzidas in-
dividualmente por 34 alunos do curso de interpretação-voz do ProTILS,
nas turmas de 2018. As atividades consistiam em realizar a interpretação
simultânea (ao vivo) a partir da primeira exibição de um vídeo sinalizado
em Libras para o português oral (interpretação-voz). Os cursistas foram
expostos ao tema e texto sinalizado apenas no momento da interpretação,
sem nenhuma etapa de pré-interpretação. Os cursistas assistiram aos
2 ProTILS – Projeto de Capacitação de Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais. <http://
www.letras.ufmg.br/protils/>.

121
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

vídeos em uma tela de computador e de maneira autogerida, reprodu-


ziam os arquivos de vídeo e produziam a respectiva interpretação para o
português oral. Não lhes era permitido pausar, interromper ou reiniciar a
interpretação depois do início dos vídeos. O áudio da interpretação para o
português oral foi gravado em um gravador de marca Sony modelo Sony
Px-470. O local da realização da tarefa ocorreu em uma sala reservada
no prédio da Faculdade de Letras/UFMG e os alunos realizaram a tarefa
individualmente sem ter acesso às atividades uns dos outros.

MATERIAL

A turma A, com o total de 15 alunos, realizou a interpretação-voz


do Vídeo 1 (duração de 3min4s) sinalizado em Libras por um surdo e
que tem como como tema “Ditadura militar”. Já os cursistas da turma B,
com o total de 14 alunos, interpretaram o Vídeo 2 (duração de 3min38s)
sinalizado em Libras por outro surdo e que tinha como tema “Imposto
de Renda”. Para nossa análise, selecionamos as sentenças em Libras que
continham informações numéricas ou datilologia.
No Vídeo 1, foram selecionadas quatro sentenças com datilologia,
sendo que duas delas apresentavam datilologia de nomes próprios e duas
apresentavam datilologia de substantivos comuns. O Vídeo 1 continha
também sete ocorrências de informações numéricas, sendo seis ocor-
rências de informação temporal de ano (ex. 1964, sendo que três datas
tiveram duas ocorrências cada) e uma ocorrência de informação cardinal
simples (21).
Já o Vídeo 2 continha seis ocorrências de sentenças com datilolo-
gia. Quatro ocorrências são de substantivos comuns, uma ocorrência de
nome próprio e uma ocorrência de acrônimo (ex. INSS). Além disso,
o vídeo continha quatro ocorrências de informações numéricas, assim
distribuídas: uma ocorrência de informação temporal de ano; uma in-
formação cardinal simples; uma ocorrência de informação numérica
de valor monetário com real e centavos; e uma ocorrência de número
ordinal.

122
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A tabela a seguir sumariza as informações numéricas e as datilolo-


gias selecionadas para a análise.
Tabela 1. Ocorrências de informações numéricas e de datilologia analisadas

[J-O-Ã-O G-O-U-L-A-R-T]
Nomes próprios
[C-A-S-T-E-L-O B-R-A-N-C-O]
Datilologia
Substantivos [C-O-M-U-N-I-S-T-A]
comuns [C-Ó-D-I-G-O]
2018 (1ª ocorrência)
2018 (2ª ocorrência)
Vídeo 1 1964 (1ª ocorrência)
Informação
temporal de ano 1964 (2ª ocorrência)
Informações
numéricas 1985 (1ª ocorrência)
1985 (2ª ocorrência)

Informação
21
cardinal simples

[S-A-L-Á-R-I-O]
Substantivos [F-O-R-M-U-L-Á-R-I-O]
comuns [D-I-A]
Datilologia
[A-B-R-I-L]
Nome próprio [R-E-C-E-I-T-A-N-E-T]
Vídeo 2 Acrônimo [I-N-S-S]
Informação
2012
temporal de ano
Informação
Informações 30
cardinal simples
numéricas Informação de
24.556,65
valor monetário
Número ordinal 13º

Fonte: os autores.

123
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

RESULTADOS

As interpretações em língua portuguesa foram transcritas para cada uma


das ocorrências selecionadas. Assim foi verificado se no produto das interpre-
tações, os profissionais produziam essas expressões de maneira equivalente,
se elas continham erros ou ainda se elas eram omitidas. Os resultados das
ocorrências de datilologia são apresentados nos gráficos a seguir.
Gráfico 1. Interpretações das ocorrências de datilologia presentes no Vídeo 1.

Fonte: os autores

Gráfico 2. Interpretações das ocorrências de datilologia presentes no Vídeo 2.

Fonte: os autores

124
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Os resultados acima confirmam que a datilologia se constitui um


desafio na interpretação Libras-português. Além dos erros observados,
principalmente nas interpretações do Vídeo 1, chama a atenção a quan-
tidade grande de omissões dessas informações nas produções de ambos
os vídeos. Ademais, é interessante observar que essas omissões não estão
presentes apenas nas datilologias referentes a nomes próprios, mas tam-
bém naquelas que se referem a substantivos comuns. Isso é importante
frisar, já que nomes próprios são sabidamente difíceis na interpretação
simultânea (GILE, 1984; VIANNA, 2005), mas o fato de que até mesmo
a datilologia de substantivos comuns pode impor desafios para o intér-
prete de Libras deve ser considerado importante, especialmente para as
iniciativas de formação.
Um segundo ponto a ser observado é a natureza dos erros. Assim
como previsto para línguas orais, os erros apresentados pelos intérpretes
possuem algum tipo de semelhança fonéticas com o item alvo, de modo
que é possível levantarmos a hipótese de que esses intérpretes compre-
enderam parcialmente, mas não suficientemente, a datilologia apresen-
tada. Como, por exemplo, a produção de “Carlos” ao invés de “Castelo
Branco”. Por fim, o fato de esses intérpretes optarem por omitir essas
informações apresentadas na forma de datilologia pode revelar algum
tipo de componente estratégico, também observado por Gomes (2020)
em seu trabalho sobre interpretação de nomes próprios da Libras para o
português. Uma vez que houve dificuldades de se compreender o que foi
apresentado na forma de datilologia, esses profissionais preferem omitir
a informação do que apresentá-la de forma incorreta - o que também
justifica a quantidade pequena de erros observada nos dados.
Passemos agora para a discussão dos dados de informações numé-
ricas, apresentados nos gráficos a seguir.

125
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Gráfico 3. Interpretações das ocorrências de informações numéricas presentes no Vídeo 1.

Fonte: os autores

Gráfico 4. Interpretações das ocorrências de informações numéricas presentes no Vídeo 2.

Fonte: os autores

Assim como constatado nos dados de datilologia, a interpretação


de informações numéricas também parecem ser um claro gatilho de pro-
blema na interpretação Libras-português. Novamente, observa-se uma
quantidade grande de omissões na interpretação de ambos os vídeos.
Ainda, observa-se que não há apenas um tipo de informação numérica
que seja um gatilho de problema. Todos os tipos - sejam informações

126
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

cardinais ou até mesmo numéricas de referência temporal - apresentam-


se como desafiadoras para o intérprete, resultando em erros e omissões
no desempenho da tarefa. Novamente, uma análise dos erros cometidos
revela que esses erros geralmente podem ter algum componente de dis-
criminação fonética envolvido. Por exemplo, um erro encontrado nos
dados foi a produção de 1994 ao invés do alvo 1964. Vale lembrar que
os sinais numerais 9 e 6 são foneticamente semelhantes em Libras (ver
novamente Figura 2) e, portanto, apresentam-se mais vulneráveis a um
possível erro de compreensão por parte do intérprete.
Vale observar também que o fato de a informação numérica aparecer
mais de uma vez no Vídeo 2 (primeira ocorrência versus segunda ocor-
rência) não parece ter um efeito facilitador para a produção do intérprete.
Ou seja, uma expectativa possível seria a de que a segunda ocorrência
da informação numérica fosse mais corretamente interpretada, já que é
a segunda vez que o intérprete se depara com essa informação. Contudo,
isso não se confirma. O primeiro ponto a destacarmos sobre a comparação
das ocorrências é o de que, em nossos dados, quando o intérprete erra a
primeira ocorrência da informação numérica, ele comete o mesmo erro
na segunda ocorrência. Por exemplo, o profissional que produziu 1994
ao invés de 1964 na primeira ocorrência dessa informação numérica,
volta a errar e a produzir 1994 novamente na segunda ocorrência. O
segundo ponto que chama a atenção é o fato de que há casos em que o
intérprete apresenta uma produção equivalente na primeira ocorrência
da informação numérica, mas erra na segunda ocorrência – ou a omite.
Isso parece estar de acordo com o que se postula na Hipótese da Corda-
Bamba (GILE, 2009; 1999).
No estudo de Gile (1999), profissionais intérpretes foram solicitados
a interpretar duas vezes uma mesma passagem texto de forma simultânea.
Gile observa que alguns erros ou omissões presentes na primeira interpre-
tação do texto realmente desaparecem na segunda vez que os intérpretes
realizam a tarefa. Mas, interessantemente, trechos e informações que
foram interpretados corretamente na primeira interpretação passam a ser
omitidos ou então produzidos de maneira errada na segunda tentativa
desses intérpretes. A explicação dada por Gile é a de que os intérpretes

127
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

trabalham quase sempre sob uma demanda cognitiva extrema, imposta


pela natureza da tarefa. Essa situação e quase-saturação constante dos
recursos cognitivos faz com que intérpretes estejam mais suscetíveis a
cometer falhas no processo da interpretação. Assim, os erros cometidos
da segunda vez pelos intérpretes não poderiam ser explicados pelo fato
de eles terem alguma limitação linguística ou extralinguística. O que o
resultado mostra é que os erros e as omissões podem ser resultados de
uma limitação na capacidade de processamento desses profissionais. Em
outras palavras, utilizando-se da metáfora do autor, o intérprete encontra-
se sempre caminhando em uma corda-bamba no que tange os recursos
cognitivos disponíveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo investigamos se a datilologia e as informações numé-


ricas podem se constituir como gatilhos de problemas na interpretação-
voz Libras-português. Nossos dados revelam que essas informações são
realmente vulneráveis e que, portanto, estão sujeitas a sofrerem erros e/ou
omissões ao serem interpretadas da Libras para o português. Esse achado
vai ao encontro do que se tem sido reportado na literatura para línguas
orais (GILE, 2009; 1984; KORPAL; STACHOWIAK-SZYMCZAK,
2018; MEYER, 2008; PINOCHI, 2009; SHANMUGALINGAM, 2018;
VIANNA, 2005).
Além disso, nosso trabalho contribui para uma crescente compre-
ensão sobre a tarefa de interpretação-voz e sobre a interpretação entre
línguas de modalidades diferentes. Esperamos, por fim, que esta breve
investigação possa também trazer contribuições para as inciativas de
formação de novos intérpretes de línguas de sinais.

128
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

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.

131
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS SINAIS


DE PONTUAÇÃO DO PORTUGUÊS X O PARÂMETRO
EXPRESSÃO FACIAL E CORPORAL EM UMA FÁBULA
TRADUZIDA PARA LIBRAS

David Ferreira da Silva


Márcia Monteiro Carvalho

INTRODUÇÃO

O ensino do português na modalidade escrita tem ganhado destaque


nos últimos anos por ser um desafio para professores de discentes surdas
(os), assim como se tem pensado em transformações fundamentais no
que diz respeito à educação da comunidade surda. Uma importante mu-
dança foi a aprovação do Decreto Federal nº 5.626 de 22 de dezembro
de 2005, que estabelece a obrigatoriedade de as escolas disponibilizarem
às pessoas surdas uma educação Bilíngue, ou seja, a Língua Brasileira
de Sinais - Libras -, considerada como primeira língua (L1), e a Língua
Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua (L2).
O uso de sinais de pontuação, por exemplo, é um aspecto em
que é possível observar essa diferença linguística. Quando se trata de
compreensão e emprego de sinais de pontuação, percebemos que estu-
dantes, independentemente de serem surdas(os) ou ouvintes, não têm
tanta compreensão sobre as funções e uso desse recurso. Diante disso,
surgiu a pergunta da pesquisa: Como o uso de fábulas em Libras pode
colaborar para aprendizagem dos sinais gráficos de pontuação do Por-

133
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

tuguês escrito para discentes surdas e surdos? O objetivo é verificar se a


tradução para Libras do gênero fábula contribui com a aprendizagem dos
sinais gráficos de pontuação do português escrito para discentes surdas e
surdos do ensino Fundamental Maior. Para alcançar esse objetivo, será
necessário: compreender o funcionamento dos sinais de pontuação em
português escrito e em Libras por meio do Parâmetro Expressão Facial
e Corporal; identificar as possíveis similaridades e as diferenças de
pontuação entre as línguas que são de modalidades diferentes; analisar
quais sinais de pontuação gráfica de português foram traduzidos para
a fábula em Libras; e, por fim, discernir as contribuições que o gênero
fábula traz para o ensino de português escrito para pessoas surdas do
ensino Fundamental Maior.
O aporte teórico conta com os estudos de Santiago e Lacerda (2016),
Araújo e Carvalho (2017), Jakobson (1969), Segala e Quadros (2015),
entre outros, sobre a tradução interlingual entre Libras e português; Qua-
dros (1997), Carvalho (2017) e Pereira (2009) a respeito da compreensão
da proposta de ensino bilíngue para discentes surdas(os); Bagno (2006) e
Santos (2016) acerca do gênero textual fábula; Soares (2017) e Bechara
(2019), no que concerne aos sinais de pontuação do português, e Brito
(1997), no que tange ao Parâmetro Expressão Facial e Corporal da Libras.
Adotamos a perspectiva Bilíngue, que será conduzida por meio do uso
do gênero textual fábula, em Libras e em português, por intermédio do
estudo da obra da autora Uendy Feitosa E quem disse...que não falo?,
escrita em português e traduzida para a Libras na modalidade sinalizada. A
pesquisa foi dividida em etapas que serão apreciadas ao longo da leitura.

A TRADUÇÃO INTERLINGUAL DO PAR LIBRAS-PORTUGUÊS NA


EDUCAÇÃO DE SURDAS(OS)

Jakobson (1969, p. 64-65) foi o grande nome que definiu primaria-


mente os três tipos de tradução: a tradução intralingual, que acontece
quando os “signos verbais são interpretados por outros signos da mesma
língua”; a tradução interlingual, que “consiste na interpretação dos signos
verbais por meio de alguma outra língua”; e a tradução intersemiótica,

134
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

que “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas


de signos não-verbais”. Segala (2010), um pesquisador e artista surdo,
muito conhecido na comunidade surda, propõe ainda uma outra classi-
ficação de tradução para o par Libras-português, a tradução intermodal,
que se trata de diferentes modalidades de língua.
Entretanto, segundo o autor, esse termo não é reconhecido nas pes-
quisas da comunidade surda por ainda ser recente. Além disso, Segala
(2010, p. 28) assevera que “A tradução de Língua Portuguesa escrita,
como língua-fonte, para a Língua Brasileira de Sinais, como língua-alvo,
não pode considerar apenas a tradução intermodal”, isso porque esse
trabalho utiliza a imagem. Portanto, para Quadros e Segala (2015), é
interessante pontuar que a tradução do português para Libras é interlin-
gual, intermodal e intersemiótica também. Dessa maneira, temos que a
tradução entre o par Libras-português, por envolver múltiplas caracterís-
ticas, abrange aspectos presentes em várias tipologias (ou classificações)
de tradução. Para Carvalho (2020), é fato que a tradução tem um papel
crucial na vida das pessoas.
Entendemos a tradução, nesse primeiro momento, não como um
processo, mas como uma atividade que abrange também a interpre-
tação, que parte de um significado presente em um texto (oral/vocal/
sinalizado ou escrito), ou seja, uma língua (o texto fonte) e a produção
de um novo texto (oral/vocal/sinalizado ou escrito) em outra língua (o
texto alvo). É por meio da tradução que as pessoas surdas têm acesso à
educação. Colaborando com essa perspectiva, Araújo e Carvalho (2017,
p. 214) afirmam que “No contexto acadêmico a prática tradutória escrita
é denominada ‘tradução’, enquanto o termo ‘interpretação’ é utilizado
para a referência à prática tradutória oral”. Essas definições se aplicam
às línguas de maneira geral, mas aqui especificaremos a tradução entre
a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o português, que se tornam um
caso diferente por se tratarem de línguas com modalidades distintas, uma
gestual-visual e a outra oral/vocal-auditiva. Nesta pesquisa, fazemos uso
de uma tradução interlingual de uma fábula em português para a Libras.

135
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

BILINGUISMO: LIBRAS E O PORTUGUÊS ESCRITO PARA


ALUNAS(OS) SURDAS(OS)

A proposta bilíngue, de acordo com Quadros (1997, p. 27), “[...] é


uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem tornar acessível
à criança duas línguas no contexto escolar”, o que contribui para o desen-
volvimento de discentes surdas(os). No caso de pessoas surdas brasileiras
que reconhecem a Libras como sua primeira língua (L1), será uma media-
dora para aprender o português na modalidade escrita, a qual será a sua
segunda língua (L2). Carvalho (2017) afirma que há escolas que atuam
com a sugestão bilíngue, mas que não realizam esse trabalho de fato, pois
o ideal seria ver as crianças surdas utilizando a língua de sinais e a língua
portuguesa no ambiente escolar de maneira confortável, entre as pessoas
que compõem a escola: colegas, professores, intérpretes para intermediar
a comunicação com a professora ou o professor durante as aulas, contudo,
isso não acontece. Então, pensa-se que na escola o que ainda há, infeliz-
mente, é um bilinguismo incipiente. Kubaski e Moraes (2009) defendem
a importância da Educação Bilíngue para pessoas surdas.
Para Carvalho (2017), há diferentes pessoas bilingues e discorrer a
respeito do grande desafio que a escola enfrenta, que é conseguir fazer
com que as pessoas surdas, cheguem a ser membros plenos da comuni-
dade de leitores e escritores justamente por apresentar níveis de aquisição
de línguas tão distintas. Kubaski e Moraes (2009) consideram que o
bilinguismo permite, se houver certa relação entre adultos e crianças, a
construção de uma autoimagem positiva como sujeito surdo na sociedade,
ao mesmo tempo que consente que se integre em uma comunidade ou-
vinte. Para elas, “As línguas de sinais são um tipo de sistema linguístico
usado para a comunicação entre pessoas surdas” (KUBASKI; MORAES,
2009, p. 3416). Por ser uma língua visual-espacial, é realizada por meio
da visão e utilização do espaço. Partindo do ponto em que a Libras já foi
adquirida pela pessoa surda, considera-se também que ela terá um papel
imprescindível na aquisição da leitura e da escrita, porque possibilitará
a constituição de conhecimento de mundo. Pereira (2009) considera que
a maior contribuição que a Libras oferece para que discentes surdas(os)

136
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

adquiram a escrita é o conhecimento de mundo possibilitado pela língua


materna, visto que surdas(os), como qualquer criança, precisam desse
conhecimento como ponto de partida para criar e recriar sentido.

O GÊNERO FÁBULA PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS ESCRITO


PARA PESSOAS SURDAS

De acordo com Antunes (2003), a prática de ensino de português


infelizmente é direcionada para uma escrita sem função, sem estabelecer
uma relação entre mundo e linguagem. Em vista disso, a introdução do
uso de textos para o ensino da língua escrita tem ganhado muito espaço,
com manifestações reais de comunicação linguística. Schneuwly e Dolz
(2004 p. 75 apud SANTOS, 2016, p. 30) reconhecem a importância dos
gêneros para o ensino e aprendizagem de língua, ao versar que. “Os
gêneros textuais, por seu caráter genérico, são um termo de referência
intermediário para a aprendizagem”.
Contudo, a seleção do gênero adequado é muito importante para
que cause interesse no público alvo, levando em consideração especifi-
cidades locais como faixa etária, série, cultura etc. Para Bagno (2006,
p. 52), o gênero textual fábula tem sido utilizado em muitos trabalhos
pedagógicos, visto que pode ser “[...] um importante aliado, tanto para o
trabalho pedagógico com a língua oral, a leitura e a língua escrita, quanto
para um trabalho numa perspectiva sociológica e antropológica”. É um
gênero lúdico que desperta a imaginação discente. O autor descreve a
fábula como “[...] uma pequena narrativa que serve para ilustrar algum
vício ou alguma virtude, e termina, invariavelmente, com uma lição de
moral” (BAGNO, 2006, p. 51). A fábula é usada, portanto, para transmi-
tir, por meio de alegoria com animais, conhecimentos antropológicos a
respeito dos seres humanos e da sociedade na qual estão inseridos; traços
culturais, comportamentais e modo de pensar.
Então, considera-se que é um ótimo recurso didático para fomentar
o estudo do português escrito, focalizando o ensino e a aprendizagem dos
sinais de pontuação a partir de uma tradução para a Libras. Docente “[...]
dispõe de um material bastante rico, não somente do ponto de vista da

137
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

exploração de competência de leitura e escrita, mas também no que diz


respeito à promoção da discussão sobre ética e moral” (SANTOS, 2016,
p. 34). A utilização de uma metodologia que privilegie o visual atende
a cultura surda, agregando um valor social bem maior do que apenas
a utilização do gênero fábula em português escrito, além de ajudar na
compreensão e aprendizagem das duas línguas.
Acredita-se que o uso de tradução interlingual de fábulas para a
Libras auxilia na compreensão da utilização de sinais de pontuação do
português, tornando-se um importantíssimo recurso didático que pode
possibilitar um melhor entendimento das regras da gramática, uma vez
que para que discentes surdas(os) adquiram uma L2 necessitam refletir
a partir de sua língua materna. Pereira (2009) concorda que essa é a
contribuição mais importante da Libras para a aquisição da escrita por
pessoas com surdez. Na próxima seção, iremos explorar acerca do funcio-
namento dos sinais de pontuação do português e a função do Parâmetro
Expressões Facial e Corporal utilizadas na Libras.

OS SINAIS DE PONTUAÇÃO DO PORTUGUÊS X O PARÂMETRO


EXPRESSÃO FACIAL E CORPORAL NA LIBRAS

Os sinais de pontuação são indispensáveis para uma boa compre-


ensão da escrita do português. É um recurso que auxilia a ligação entre
elementos das frases e dos textos, tão importantes que o uso equivocado
de um sinal de pontuação pode mudar totalmente a mensagem ou o sentido
pretendido. No entanto, esse entendimento e uso dos sinais de pontuação
são um tanto recentes, visto que a história da pontuação mostra que na
antiguidade a escrita era apenas vista como reprodução da fala (SOARES,
2017). Hoje, a importância dos sinais de pontuação é reconhecida por
seus papéis como elementos imprescindíveis de coesão textual, propor-
cionando uma boa assimilação para usuários da língua. De acordo com
a autora, a pontuação é considerada como um recurso da fala por vários
autores, por isso que há o uso de exclamação ou interrogação na escrita,
por exemplo, como forma de marcar a entonação da fala. Para conceituar
a função de cada ponto, iremos nos basear em Bechara (2019).

138
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 1. Sinais gráficos de pontuação do português

Símbolo Nome Função


. Ponto simples final Serve para marcar maior pausa e encerrar períodos.
? Ponto de interrogação Usa-se no final de orações com entonação interrogativa
ou de incerteza, real ou fingida.
! Ponto de exclamação Usa-se no fim da oração enunciada com entonação
exclamativa.
, Vírgula Serve para separar vários tipos de vocábulos em uma
oração, como termos ordenados, pleonasmos e repetições,
vocativos etc.
: Dois pontos Serve para enumerar e explicar; também é usado nas
expressões que se seguem aos verbos dizer, retrucar,
responder e semelhantes.
— Travessão Pode substituir vírgulas, parênteses, colchetes, para assi-
nalar uma expressão intercalada.
“” Aspas Usadas para certa expressão no sentido particular, para
ressaltar uma expressão dentro do contexto ou para apon-
tar uma palavra como estrangeirismo ou gíria.
… Reticências Utilizadas para indicar interrupção ou incompletude do
pensamento; para mostrar fatos que ocorrem com um
intervalo de tempo.
* Asterisco Colocado depois ou em cima de uma palavra do trecho;
serve para se fazer uma citação ou comentário qualquer
sobre o termo ou o que é tratado no trecho.

Fonte: com base em Bechara (2019).

Segundo Brito (1997), assim como as línguas orais, a Libras não é


universal. Há muitos idiomas de sinais ao redor do planeta, como a língua
de sinais americana, a japonesa, a argentina, dentre outras. A Libras é a
língua de sinais usada no Brasil e, apesar de ser uma língua de modalidade
diferente do português, apresenta as características universais presentes
em todas as línguas, sendo comparável com ela mesma e qualquer outra
língua, pois permite que ideias simples ou complexas sejam expressas
por meio dela; possui os níveis linguísticos fonológico, morfológico,

139
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

sintático, semântico e o pragmático. Além disso, a Libras também possui


marcas e variações regionais e culturais. Todos esses aspectos propor-
cionam à Libras o status de língua. Quanto à sua estrutura, o léxico da
Libras é composto pelos sinais (palavras).
Esses sinais são, conforme Ferreira Brito (1997, p. 84), resultado
da “combinação de movimentos das mãos com um determinado formato
em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou
um espaço em frente ao corpo”. De acordo com a autora, essas articula-
ções das mãos são chamadas de parâmetros e podemos relacioná-las aos
fonemas e morfemas das línguas orais. Ao todo, há cinco parâmetros:
configuração de mãos; ponto de articulação; movimento; orientação/
direcionalidade; expressão facial e corporal. Neste trabalho, nosso
interesse está no quinto parâmetro, Expressão Facial e Corporal, pois
é por intermédio dele que as pessoas usuárias de língua de sinais con-
seguem ter a compreensão de textos em geral, podendo ser relacionado
aos sinais de pontuação que há no português, uma vez que por meio da
Expressão Facial e Corporal podemos extrair sentidos mais específicos em
determinado contexto, como, por exemplo, a intensidade do que se fala.
Os parâmetros das línguas de sinais, assim como nas línguas orais,
permitem distinguir uma pergunta de uma afirmação, indicando se o
que está sendo dito é expresso de maneira explicativa, animada e/ou
exclamativa. No caso da Expressão Corporal, a posição do corpo pode
indicar uma fala, um diálogo, e, neste, quem está falando em determi-
nado momento. Tudo isso é determinante para a compreensão de textos,
visto que essas expressões, assim como alguns sinais de pontuação no
português, podem mudar completamente o sentido da mensagem. As
Expressões Faciais e Corporais, também conhecidas por Expressões
Não Manuais (ENMs), incluem alguns componentes não manuais que
auxiliam a formação de tipos de frases, como as entonações na Língua
Portuguesa (BRITO, 1997). São elementos que podem aparecer sozinhos
ou combinados, completando o sentido dos sinais da Libras. Veja alguns
desses itens listados no Quadro 2.

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Quadro 2. Exemplos de componentes não manuais

Expressões Não Manuais


Rosto Parte superior: sobrancelhas franzidas; olhos arregalados; lance de
olhos; sobrancelhas levantadas.
Parte inferior: bochechas infladas; bochechas contraídas; lábios.
Cabeça Movimento de assentimento (sim); movimento de negação; inclinação
para frente; inclinação para o lado; inclinação para trás.
Rosto e cabeça Cabeça projetada para frente; olhos levemente cerrados, sobrancelhas
franzidas; cabeça projetada para trás e olhos arregalados.
Tronco Para frente; para trás; balanceamento alternado (ou simultâneo) dos
ombros.

Fonte: Com base em Paiva et al. (2018).

As Expressões Faciais na Libras podem ser divididas em expressões


afetivas e expressões gramaticais. A primeira está relacionada à manifes-
tação de sentimentos, como alegria e tristeza; já a segunda faz parte das
estruturas morfológicas e sintáticas dessa língua. As Expressões Faciais
gramaticais morfológicas correspondem geralmente ao grau de intensi-
dade e tamanho. No caso das Expressões Faciais de nível sintático, há
relação com certos tipos de construção de sentenças, como as negativas,
interrogativas e afirmativas (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2008).

Quadro 3. Expressões Faciais na Libras

Tipos de sentenças
São realizados movimentos para cima e para baixo com a cabeça
Afirmação indicando afirmação. Geralmente, a marcação não-manual de afir-
mação está relacionada a construções com foco.
Há uma pequena elevação da cabeça, acompanhada do franzir da
Interrogativa QU
testa.
Há um leve abaixamento da cabeça, acompanhado da elevação das
Interrogativa S/N
sobrancelhas.
Direcionar a cabeça e os olhos para uma localização específica
Direção do olhar simultaneamente com um e/ou mais sinais, para estabelecer a
concordância.

Fonte: Com base em QUADROS; PIZZIO; REZENDE (2008).

141
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Segundo Figueiredo e Lourenço (2019, p. 81), “As expressões faciais


podem ser classificadas a partir do nível de representação linguística a
qual elas se aderem. De modo que é possível identificarmos expressões
faciais lexicais, morfológicas e sintáticas”. De acordo com Brito, é impor-
tante ficar atento às Expressões Faciais e Corporais “para perceber se uma
frase em LIBRAS está na forma afirmativa, exclamativa, interrogativa,
negativa ou imperativa”, e se elas podem ser realizadas “simultaneamente
com certos sinais ou com toda a frase” (BRITO, 1997, p. 106).
Quadro 4. Expressões Faciais e Corporais de tipos de sentenças na Libras

Tipo de sentença Expressão Facial e Corporal


Forma Afirmativa A expressão facial é neutra.
Forma Interrogativa Sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça
inclinando-se para cima.
Forma Exclamativa Sobrancelhas levantadas e um ligeiro movimento da cabeça
inclinando-se para cima e para baixo. Pode ainda vir também
com um intensificador representado pela boca fechada com
um movimento para baixo.
Forma Negativa A negação pode ser feita por meio de três processos:
a) com o acréscimo do sinal NÃO à frase afirmativa;
b) com a incorporação de um movimento contrário ao do
sinal negado;
c) com um aceno de cabeça que pode ser feito simultanea-
mente com a ação que está sendo negada ou juntamente com
os processos acima.

Fonte: Com base em Brito (1997).

Dessa maneira, conseguimos entender que o Parâmetro Expressão


Facial e Corporal das línguas de sinais é muito importante para a com-
preensão do que está sendo dito, o que evidencia a mesma funcionalidade
dos sinais de pontuação, que são no português. Portanto, quando se fala
sobre o entendimento de um gênero textual, como a fábula, por pessoas
surdas, é indispensável saber identificar e relacionar as funcionalidades
das Expressões Faciais e Corporais aos sinais de pontuação.

142
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta é uma pesquisa qualitativa e nessa abordagem, o objetivo cen-


tral da investigação é entender a explicação de algum fenômeno. Como
procedimento, faremos uso da pesquisa bibliográfica e utilizaremos
uma obra em português escrito e uma tradução para a Libras, em vídeo.
Segundo Boccato (2006, p. 266), nesse tipo de trabalho científico é ne-
cessário fazer um planejamento sistemático. No primeiro momento foram
feitos o levantamento bibliográfico e a seleção das obras analisadas, a
fim de verificar se o uso de traduções envolvendo gêneros textuais em
Libras pode auxiliar no ensino e aprendizagem dos sinais de pontuação
do português escrito.
No segundo momento foi feita apresentação da obra analisa. Pos-
teriormente, selecionados alguns trechos em que há o uso de diferentes
tipos de sinais de pontuação no português escrito para comparar com os
Parâmetros Expressões Faciais e Corporais presentes na tradução em
língua de sinais. No terceiro momento foram feitas análises compara-
das entre as duas versões da fábula. No quarto e último momento serão
apresentadas as considerações finais e as referências.

ANÁLISES E RESULTADOS

A obra é E quem disse… que não falo? Narra a história de um Papagaio


surdo. Ela foi selecionada porque apresenta uma visão muito positiva
acerca da surdez. Outros dois aspectos que potencializam a escolha são
as ilustrações presentes no livro impresso, como os personagens fazendo
sinais em Libras; e o segundo é porque há no final do livro impresso um
código QR que direciona a leitor(a) para a versão traduzida em Libras,
disponível on-line no YouTube.

AUTORA E OBRA

A autora do livro E quem disse… que não falo? é Uendy Feitosa.


Especialista em Educação Especial com ênfase na Inclusão. Seu obje-

143
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

tivo de contar histórias, como deste livro é ajudar crianças a refletir e


tornar o mundo um lugar melhor, livre de preconceitos, individualismo
e intolerância. O livro conta com a tradução de Márcia Carvalho para a
Língua Brasileira de Sinais/Libras. Professora da Universidade Federal
do Pará/UFPA, Especialista em Docência de Libras e Doutora em Estu-
dos da Tradução. O livro E quem disse… que não falo? é uma fábula que
narra a história de um Papagaio Surdo que aprendeu na escola a falar
com as mãos.

ANÁLISE COMPARATIVA DE TRECHOS DA OBRA EM PORTUGUÊS


ESCRITO COM IMAGENS DA TRADUÇÃO EM LIBRAS
Imagem 1. Sinal Sol: levantamento de sobrancelhas, franzimento da testa,
contração dos lábios

Fonte: Autor (2022).

Na tradução, a intérprete faz uso do Parâmetro Expressão Facial por


meio do levantamento de sobrancelhas, franzimento da testa e contração
dos lábios dando um ar de superioridade, como pode ser visto no sinal
Sol, na Imagem 1. Observe que no texto em português há presença dos
seguintes sinais de pontuação: vírgula, ponto seguida e ponto final.
De acordo com Soares (2017), os sinais de pontuação são recursos da
fala. O uso de exclamação ou interrogação na escrita, por exemplo, é
uma forma de marcar a entonação da fala oral. Perceba que esses sinais
de pontuação foram traduzidos para a Libras por meio do Parâmetro
Expressão Facial e Corporal, por meio do sutil deslocamento do tronco
da intérprete virado para a frente, ao fazer o sinal de Sol, como visto na
Imagem 1. Já o sinal de Vaidoso, expresso na Imagem 2, evidencia
um ar de satisfação, seguido do movimento do tronco e levantamento

144
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

da cabeça como sinônimo de contentamento, oferecendo uma entonação


de superioridade.
Imagem 2. Sinal VAIDADE: levantamento de sobrancelhas, franzimento da testa e
levantamento da cabeça e olhar (sinalizando uma exclamação)

Fonte: Autor (2022).

Concordamos com Brito (1997) ao afirmar que esses componentes


não manuais auxiliam a formação de tipos de frases, como as entonações
na língua portuguesa, por exemplo. O uso do Parâmetro Expressão
Facial e Corporal com o levantamento das sobrancelhas, franzimento
da testa e arqueamento da cabeça nos aponta que para as crianças sur-
das que estão aprendendo o português escrito é possível identificar a
funcionalidade dos sinais de pontuação do português, como a vírgula,
por exemplo, quando faz uso da pausa na troca de projeção de cabeça
e movimento do tronco utilizado na tradução para a Libras, por inter-
médio da intérprete. Harmonizamos com Segala (2010), ao corroborar
que a tradução é indispensável na educação de pessoas surdas. O uso
de literatura infantil traduzida para sua língua materna favorece seu
conhecimento linguístico nas duas línguas. A seguir, veja outro trecho
em português no qual pode-se observar o uso dos sinais de pontuação:
travessão, interrogação e exclamação, seguido das imagens 3, 4, 5, que
contêm o Parâmetro Expressão Facial e Corporal: olhar direcionado
para cima, franzimento de sobrancelhas, movimento negativo com
a cabeça, inclinação do tronco e cabeça.

– Mas onde já se viu papagaio sem falar? Era só o que me faltava!

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Imagem 3. Franzimento de sobrancelha, olhar para cima e inclinação de cabeça para cima
(questionamento reflexivo)

Fonte: Autor (2022).

Imagem 4. Sinal COMO: franzimento de sobrancelha, olhar para frente, tronco para frente
(uma pergunta)

Fonte: Autor (2022).

Imagem 5. Sinal NÃO-PODER: franzimento de sobrancelha, olhar para frente,


movimentação da cabeça para direita e esquerda, tronco virado para frente (exclamação
na negativa)

Fonte: Autor (2022).

146
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A intérprete, ao sinalizar, incorporou a fala da personagem Dona


Papagaio utilizando o Parâmetro Expressão Corporal para demarcar
que a fala é da personagem e não da narradora, como pode ser visto na
Imagem 3, ao olhar e inclinar a cabeça para cima, assumindo a postura
do personagem. Além disso, por meio da inclinação sutil do tronco
para o lado esquerdo e as mãos em repouso frente ao corpo, expôs
um momento de questionamento reflexivo. O Parâmetro Expressão
Facial foi expresso quando a intérprete fez o levantamento de cabeça,
franzimento de sobrancelhas, direcionamento do olhar para cima e a
inclinação da cabeça configurando um questionamento. Na Imagem
4, o uso do Parâmetro Expressão Facial e Corporal evidenciou a
utilização do sinal de interrogação na Libras, o qual foi indispensável
para demonstrar a dúvida da personagem, o que pode ser visto na
realização de pergunta ao trazer as sobrancelhas franzidas e lábios
cerrados, seguidos pelo sinal COMO. De acordo com Brito (1997), o
Parâmetro Expressões Faciais e Corporais deve ser bem observado
para que se consiga distinguir o sentido correto do que foi dito. Na
Imagem 5, há constatação de uma frase exclamativa, em que a mar-
cação de intensidade é estabelecida na Libras por meio da expressão
facial de indignação no olhar sério da intérprete, pois pela intensidade
de negação, com o auxílio do movimento da cabeça de um lado para o
outro e do sinal NÃO-PODER, ficou claro o uso do sinal de pontuação
expresso no texto que estava em português “Era só o que me faltava!”.
Veja, na oração seguinte, o uso dos sinais de pontuação: ponto de
interrogação e travessão, e seu correspondente na Libras por meio
das Imagens 6, 7 e 8, capturadas do vídeo traduzido.

– Por que você está triste?


– Vocês sabem Libras?

147
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Imagem 6. Sinal VOCÊ: franzimento de sobrancelhas, tronco virado para o lado e olhar
na direção do sinal

Fonte: Autor (2022).

Observe que no diálogo em português entre o Papagaio surdo e


os Amigos, em que ele pergunta “– Vocês sabem Libras?”, a intérprete
tem o posicionamento do tronco inclinado e o seu olhar direcionado
para a esquerda, demonstrando a fala do personagem surdo para seus
amigos. A posição do tronco muda de acordo com a vez de quem está
falando, quando é o personagem surdo ou quando são seus interlo-
cutores. Esse jogo de movimentação é conhecido como Role-Play,
muito usado em narrativas na Libras, em que a (o) intérprete “assume
a posição dos personagens referidos na narrativa, alternando com
cada um deles em situações de diálogo ou ação”, (DIAS JÚNIOR;
SOUSA, 2017, p. 19). No contexto desse trecho, isso é utilizado
para mostrar quando é o Papagaio Surdo quem pergunta e quando
seus Amigos respondem; o giro do tronco, cabeça e olhar da direita
para a esquerda mostram que o Parâmetro Expressão e Corporal
corresponde na Libras ao que seria o travessão no Português. Como
apontava Brito (1997) na Imagem 7 é possível observar tanto o uso
do Parâmetro Expressão Facial para a interrogativa quanto o uso
do próprio sinal POR QUE.

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Imagem 7. Sinal POR QUE: franzimento de sobrancelha e direcionamento do olhar

Fonte: Autor (2022).

Na oração em Libras, em que há interrogação por meio do sinal


POR QUE, a intérprete expressou a dúvida através das sobrancelhas
franzidas, lábios cerrados e contraídos. E na Imagem 8, a intérprete fez
alternância de turnos de fala entre o Papagaio surdo e seus Amigos,
supõe-se que o travessão na Libras está sendo demarcado pela pausa,
posicionamento das mãos em frente ao corpo virado para frente e uso de
expressão neutra, veja abaixo.
Imagem 8. Expressão neutra, tronco para frente e mãos em repouso em frente ao corpo

Fonte: Autor (2022).

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Na Imagem 9, a intérprete incorporou a posição de fala da perso-


nagem surda ao utilizar o Parâmetro Expressão Facial e Corporal na
frase — Sim!.
Imagem 9. Sinal SIM!: sobrancelha levantada, tronco virado para o lado esquerdo

Fonte: Autor (2022).

A resposta com o sinal SIM, feita pelo Papagaio surdo também é


percebida pelo Parâmetro Expressão Corporal, manifestado por meio
do posicionamento corporal da intérprete, que virou o corpo e o olhar
para a esquerda, evidenciando a troca de personagem. Há também o
tom exclamativo presente na Expressão Facial com olhos arregalados,
mandíbula contraída, a boca levemente aberta e as sobrancelhas arque-
adas, expondo o sim contundente da personagem surda, realizada pela
intérprete. É interessante notar que na versão em português há a presença
do sinal de pontuação reticências, mas não foi observado na tradução
para a Libras; talvez precise de um estudo mais aprofundado acerca das
reticências nas línguas de sinais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi investigar se o uso do gênero textual


fábula traduzido para a Libras pode contribuir para o ensino de sinais
gráficos de pontuação do português na modalidade escrita de discentes
surdas (os) do Ensino Fundamental Maior. Este estudo apontou que o
trabalho com o gênero fábula pode ser um grande aliado docente para o
ensino de crianças surdas que estão aprendendo o português na modali-

150
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

dade escrita, pois, de acordo com Bagno (2006), esse gênero textual deve
ser utilizado como um recurso pedagógico indispensável para o ensino
da língua oral para crianças ouvintes, bem como fomentar a leitura e a
língua escrita para crianças surdas, haja vista que é um gênero lúdico
que desperta a imaginação discente.
Elencamos os sinais recorrentes do português que foram identi-
ficados e traduzidos para a Libras: vírgula, interrogação, exclamação,
travessão, ponto seguida e ponto final, que foram traduzidos pelo Parâ-
metro Expressão Facial e Corporal, por intermédio de: franzimento de
sobrancelhas, olhar para cima e inclinação de cabeça para cima, olhar para
frente, movimentação da cabeça para direita e esquerda, tronco virado
para frente, expressão neutra e mãos em repouso em frente ao corpo etc.
Concluímos que a tradução de fábula para a língua materna de
discentes surdas (os) pode facilitar a compreensão do funcionamento
desses sinais gráficos do português como L2.

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português escrito para a língua de sinais. 2010. Dissertação (Mestrado em Estudos
da Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina. 2010.
SOARES, Francielly Rodrigues. Uso da pontuação em textos narrativos de alunos
do sétimo ano do ensino fundamental. 2017. Dissertação (Mestrado em Linguística)
– Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017.

153
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

INTERPRETAÇÃO DE CONFERÊNCIAS:
UM ENSAIO SOBRE OS CENÁRIOS ATUAIS E
PERSPECTIVAS FUTURAS

Tiago Coimbra Nogueira

INTRODUÇÃO

Esse capítulo visa discutir os cenários atuais sobre a interpretação


de conferências, considerando a mediação linguística e cultural de intér-
pretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) – português no mercado de
trabalho brasileiro. Abordarei essa temática a partir de duas perspectivas,
primeiro, enquanto intérprete com experiência na atuação de conferências
acadêmicas e corporativas e, segundo, enquanto professor e pesquisador
do campo da interpretação de conferência.
A Associação de Internacional de Intérpretes de Conferência - AIIC
apresenta em seus documentos que a interpretação de conferência consis-
tiria na transmissão de uma mensagem falada em um idioma para outro.
Eles também descrevem que normalmente é realizada em cúpulas inter-
nacionais, seminários profissionais e reuniões bilaterais ou multilaterais
de chefes de Estado e de governo. Percebe-se nessa descrição, que o que
caracterizaria o trabalho em conferência seria o alto nível dos eventos,
poderíamos pensar que são situações diplomáticas com um elevado grau
de complexidade e densidade nos discursos.
No entanto, ao pensarmos na atuação de intérpretes de línguas de
sinais, nem sempre as conferências envolvem o alto escalão de governo.

155
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Frequentemente, são eventos nacionais ou regionais, de cunho acadêmi-


co ou técnico que contam com a participação de usuários da língua de
sinais. Todavia, a atuação de intérpretes em conferências não se pauta
apenas pelas línguas, fatores sociais, culturais, as pessoas envolvidas,
os conhecimentos referenciais e gerais devem ser considerados (NO-
GUEIRA, 2016).
Ao olharmos a interpretação de conferência a partir de uma visão
mais ampla, três aspectos me parecem relevantes: influenciam na prática,
podem ajudar a entender a realidade, e a pensar em perspectivas futuras
para a interpretação de conferência para intérpretes de Libras-português.
As três dimensões selecionadas, que destacarei nesse texto, são: I) avanço
da tecnologia; II) o trabalho em equipe; e III) as línguas de trabalho dos
intérpretes e os eventos multilíngues;
A fim de ilustrarmos essa temática, a seguir, apresentaremos uma
discussão referente a interpretação de conferência realizada por intérpre-
tes, mais especificamente os intérpretes de Libras-português, dialogando
com as diversas demandas profissionais existentes. Em seguida, abor-
daremos três dimensões da interpretação de conferência, descrevendo
alguns fatores que surgem como tendencias na prática profissional dos
intérpretes ao desempenhar a sua atividade.
Para tanto, o presente estudo coaduna com o aos apontamentos de-
senvolvidos por Hoza (2010), De Wit (2010), Firmino (2014), Nogueira
(2016; 2020; 2021), Silva-Aguiar (2020) e Nascimento e Nogueira (2021)
entre outros, refletindo sobre a atividade de interpretação de conferência,
os cenários atuais e as perspectivas futuras.

O AVANÇO DA TECNOLOGIA NO TRABALHO DE INTÉRPRETES


DE CONFERÊNCIA

A primeira dimensão que gostaria de abordar diz respeito à relação


entre a tecnologia e os intérpretes. Ao observarmos a história da interpre-
tação de conferência, alguns momentos se destacam e demonstram como
o uso da tecnologia influenciou nos processos e na entrega da interpre-

156
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

tação. Um dos marcos para mudança é o julgamento de Nuremberg em


1945, pois inicia-se efetivamente a prática da interpretação simultânea,
ocupando um lugar em que até então majoritariamente era da interpre-
tação consecutiva. Pagura (2003) descreve que:

A modalidade simultânea é a mais amplamente utilizada hoje


em dia, embora só tenha se firmado no pós-guerra, com as
necessidades surgidas no Julgamento de Nüremberg, em que
se utilizaram quatro idiomas (inglês, francês, russo e alemão) e,
quase que imediatamente a seguir, com a criação da Organiza-
ção das Nações Unidas, onde se utilizam seis idiomas oficiais
(inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe) (PAGURA,
2003, p. 211).

A opção pela modalidade simultânea não foi tranquila, como explica


Pagura (2003), surgiu, contudo, da total necessidade e desde então, a
interpretação simultânea tem um destaque na atuação de intérpretes em
geral. A partir de Pochhacker (2004), Pagura (2010; 2015) e Rodrigues
(2018), algumas características definem essa forma de atuação: (a) a
relação face-a-face; (b) o imediatismo; (c) Impossibilidade de consultar
outros materiais paralelos; (d) a diversidade de temas, contextos e pú-
blicos que o intérprete pode atuar.
A Interpretação Simultânea é uma habilidade cognitiva complexa
usada para servir de comunicação entre falantes de diferentes línguas
e culturas. Russo (2010) descreve que a interpretação simultânea da
seguinte forma:

Ela [interpretação simultânea] implica na transposição oral de


uma mensagem em um idioma de origem para uma língua-alvo,
enquanto a mensagem está a ser entregue. Por isso, o intérprete
tem que ouvir o orador e ao mesmo tempo produzir sua própria
fala (RUSSO, 2010, p. 333).

A normativa ABNT NBR ISO 18841:2021 sobre “Serviços de


interpretação - Requisitos e recomendações gerais” apresenta uma tabela
que descreve as modalidades de interpretação.

157
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Tabela 1. Modalidades de interpretação de conferências

Fonte: ABNT NBR ISO 18841:2021 (web).

A normativa condiciona a interpretação simultânea e atuação ao uso


de equipamentos. E, ao fazer isso, considera a atuação da interpretação
entre línguas orais. Nesse contexto, Nogueira (2021) diz que a “cabine é
utilizada para que não se tenha a sobreposição de vozes”. Sem o uso de
equipamentos, provavelmente, a compreensão do público ficaria preju-
dica, ou em determinado contexto seria impossível escutar o intérprete.
Em situações em que não há o uso do equipamento, a interpretação é
chamada de sussurrada e conforme apresentado na tabela, ela deve ser
realizada para um grupo pequeno de pessoas.
A tecnologia possibilita que a interpretação simultânea aconteça
para uma infinidade de pessoas. Os intérpretes se isolam em uma cabine,
que deve ser à prova de som, recebem o áudio do palestrante por meio
de fones de ouvido, à medida que ouvem o discurso na língua-fonte vão
interpretando e produzindo o discurso na língua-alvo que, captada pelo
microfone, é encaminhada ao público – por meio de ondas de rádio – com
seus receptores sem fio e fones de ouvido individuais para que acessem
a interpretação produzida (NOGUEIRA, 2021).

158
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A cabine possibilita uma boa comunicação entre os intérpretes, os


conferencistas e o público, impedindo que interferências entre os idiomas
aconteçam. Além disso, permite um espaço de trabalho confortável e de
concentração, algo importante para lidar com uma vasta gama de variáveis
controláveis e não controláveis que afetam o processo (RUSSO, 2010).
A motivação do uso da cabine� quando há uma língua de sinais são
de outra ordem. Nogueira (2021) ao analisar os dados da pesquisa que
realizou com intérpretes de Libras-Português descreve que a “cabine
endossa a língua de sinais como língua oficial, isto é, o espaço linguís-
tico da língua de sinais fica mais evidente, visto que a língua oral não
está interferindo na atenção do público ouvinte-bilíngue” (NOGUEIRA,
2021, p. 149).
Apesar de ainda não ser uma prática comum em todos os eventos,
cada vez mais, os eventos estão optando em também incluir os intérpretes
que atuam com língua de sinais na cabine. Normalmente, isso ocorre
quando a direção da interpretação acontece da Libras para o português.
No entanto, uma possibilidade de cabine para quando a interpretação é do
português para a Libras, ou seja, da língua oral para uma língua de sinais
seria os intérpretes realizarem sua atuação em um estúdio de gravação,
em que a imagem é transmitida ao público por meio de telões. Para isso,
seria necessário um espaço preparado com iluminação, câmera, fundo
liso e retorno de áudio e imagem.
Ao tratarmos dessa realidade estamos falando de eventos presen-
ciais, porém, nos últimos anos, principalmente devido a pandemia cau-
sada pela SARS-CoV-2, os intérpretes precisaram se adaptar, buscando
formas de continuar oferecendo seus serviços. Sobre essa nova realidade
Nascimento e Nogueira (2021) descrevem que

A fim de continuar a garantir o acesso da comunidade sur-


da aos diferentes contextos sociais, bem como a canais de
comunicação sobre a própria pandemia, os intérpretes de
Libras-português transformaram suas residências, impelidos
tanto pelas instituições em que atuam quanto pela realidade
autônoma de atuação, em verdadeiros estúdios de imagem

159
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

em som para permitir a interpretação de aulas, atividades


artístico-culturais, reuniões, cultos religiosos e conferências
de diferentes tipos. Como profissionais da comunicação que
lidam com línguas de diferentes modalidades (gesto-visual e
vocal-auditiva) (RODRIGUES, 2018), a adaptação de home
office desses intérpretes envolveu estruturas mais complexas
do que um espaço reservado com ponto de internet, mesa e um
computador (NASCIMENTO; NOGUEIRA, 2021, p. 6002).

Novamente, a tecnologia possibilitou que o serviço continuasse a ser


prestado. As conferências, por exemplo, passaram a ser majoritariamente
em formatos virtuais, exigindo o uso manuseio de novos equipamentos.

A visibilidade das transmissões de conferências na internet


escancarou, também, a questão da acessibilidade para surdos,
o que demandou dos organizadores desses eventos uma busca
mais significativa pela interpretação simultânea remota do
par Libras-português (NASCIMENTO; NOGUEIRA, 2021,
p. 6003).

Dessa forma, os intérpretes precisaram não apenas adquirir equipa-


mentos, mas, principalmente, aprender a manusear esses equipamentos.
Com a emergência da situação, muitas soluções caseiras e improvisa-
das foram a solução para entrega da interpretação. No entanto, com o
passar do tempo, ficou cada vez mais evidente que a compra de novos
equipamentos era um investimento que poderia ampliar a prestação de
serviços. A possibilidade de você prestar um serviço de qualquer lugar
para qualquer outro lugar contribuiu, significativamente, para que os
intérpretes percebessem que tanto a compra de equipamentos, quanto
aprender a lidar com novos equipamentos possibilitaria a expansão do
serviço ofertado.
Ainda no contexto pandêmico, a Federação Brasileira das Associa-
ções de Tradutores, Intérpretes e Guias-intérpretes da Língua de Sinais
(FEBRAPILS, 2020) emitiu a Nota Técnica (NT) 04/2020 para orientar
os profissionais sobre interpretação simultânea remota que possibilitou
aos profissionais uma referência prática de como proceder na interpre-

160
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

tação. A nota orienta aspectos específicos do uso da tecnologia, seja o


distanciamento de câmera, fundo, iluminação ou sobre organização do
setup para o oferecimento do serviço de interpretação.
Esses aspectos levam a compreender novas competências que devem
ser desenvolvidas pelos intérpretes. Segundo Sacristán (2011, p. 36), “a
competência é uma qualidade que não apenas se tem ou se adquire, mas
que também se mostra, e se demonstra, que é operacional para responder
as demandas que num determinado momento [...]”. Nos últimos anos,
desenvolver habilidades operacionais relacionadas ao uso da tecnologia
foi essencial para realizar o trabalho de interpretação remota.
Ao publicar a nota e produzir lives explicitavas, a FEBRAPILS
buscou contribuir com o desenvolvimento de conhecimentos declarativos,
que consiste em “saber o quê”. Esse tipo de conhecimento, pode se ad-
quirir através dessas informações, pois se adquire por meio da exposição
“e seu processamento é essencialmente controlado”. Por outro lado, é
necessário que os intérpretes desenvolvam um conhecimento operacional,
ou também chamado de procedimental, que “consiste em saber como”, é
adquirido por meio da prática e “se processa essencialmente de maneira
automática” (HURTADO ALBIR, 2005 p.21), ou seja, é importante que
o intérprete vivencie situações que o expõe a lidar com o conhecimento
que precisa ser desenvolvido.
No processo de desenvolvimento de novas competências, as deman-
dadas do contexto social e dos aspectos interpessoais geram experiencias
que possibilitam a construção da expertise do intérprete (KIRALY, 2017;
COSTA, 2020). E, nesse sentido, o intérprete em atuação de forma re-
mota precisa desenvolver competências para com o uso da tecnologia,
seja na interação de plataformas de transmissão por onde a interpretação
ocorre, ou por meio do uso de equipamentos que auxiliam na geração
de áudio e imagem.
Alguns formatos de eventos são distintos. Descrevemos algu-
mas das configurações e demandas que podem ser geradas para com os
intérpretes de uma determinada sessão.

161
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Tabela 2. Formatos e demandas de interpretação em contexto remoto.

Organização dos intérpretes O que é demandado?


Os intérpretes estão na mesma sala É demandado menos interações e uso da plataforma. Os in-
virtual que os participantes e há térpretes frequentemente combinam com os técnicos a for-
uma equipe técnica que controla o ma de avisar quando será a troca de turno. Pode acontecer
enquadramento e troca de turno dos pelo chat da própria plataforma, ou por um outro aplicativo
intérpretes. de envio de mensagens externo, ou até a combinação de
algum gesto eu seja identificado pela equipe técnica. Os
intérpretes devem testar áudio e vídeo, e ligam e desligam
seu equipamento na hora do turno de intepretação. Os
intérpretes frequentemente utilizam uma outra plataforma
para interação da equipe durante a interpretação.
Os intérpretes estão na mesma sala É demandado menos interações e uso da plataforma. Os
virtual que os participantes e os pró- intérpretes são colocados como coanfitriões o que possi-
prios intérpretes controlam a troca de bilita que eles controlem o destaque de sua câmera. Os
turno, o enquadramento é definido intérpretes devem testar áudio e vídeo, e ligam e desligam
pela plataforma. seu equipamento na hora do turno de intepretação. Os
intérpretes frequentemente utilizam uma outra plataforma
para interação da equipe durante a interpretação.
Os intérpretes estão em sala virtual É demandado menos interações e uso da plataforma. Os
separada dos participantes e há intérpretes frequentemente combinam com os técnicos
uma equipe técnica que controla o a forma de avisar quando será a troca de turno. Pode
enquadramento e a troca de turnos acontecer pelo chat da própria plataforma, ou por um
dos intérpretes. outro aplicativo de envio de mensagens externo, ou até a
combinação de algum gesto eu seja identificado pela equipe
técnica. Os intérpretes devem testar áudio e vídeo, e ligam
e seus equipamentos vídeo ficam ligados o tempo todo.
Por estarem sozinhos na plataforma, utilizam esse mesmo
espaço para interação da equipe durante a interpretação.

Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Os três formatos descritos acima apresentam demandas e organi-


zações distintas no uso da tecnologia, interpelando a prática do trabalho
da interpretação. Compreendendo a diversidade de plataformas que
possibilitam a realização de eventos virtuais, muitos outros aspectos
precisam ser considerados. As plataformas não foram projetadas consi-
derando a presença de intérpretes e assim, outros aspectos podem ainda
ser demandados.

162
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Nos momentos em que os intérpretes estão atuando em equipe, o


que estiver na função de apoio1 pode ainda utilizar alguma outra tec-
nologia que possibilite uma pesquisa para confirmar ou tirar dúvida de
algum aspecto apresentado durante a fala que está sendo interpretada
pelo intérprete do turno.
Essa possibilidade de fazer uma busca na internet ou em alguma
anotação realizada no período de preparação pelo intérprete de apoio, é
algo que nem sempre seria possível fora desse contexto remoto de inter-
pretação por intérpretes de Libras-português. Apesar de ser algo comum
entre intérpretes de línguas orais, por estarem em um ambiente protegido
da visão do público geral, essa consulta é possível com mais tranquilidade.
Nogueira (2021) relata que esse espaço seguro para a interpretação
possibilita que o trabalho em equipe ocorra de forma mais efetiva, que
fatores emocionais não interfiram diretamente e que recursos externos
sejam utilizados. “Obviamente, existe uma limitação para o acesso aos
materiais, principalmente como intérpretes de língua de sinais que depen-
dem da visão para acessar o discurso do palestrante” (NOGUEIRA, 2021
p.154). Por isso, é recomendado que o intérprete de apoio, esteja atento e
atuando de forma colaborativa e interdependente, oferecendo apoios que
possam tanto corrigir quanto melhorar a interpretação (HOZA, 2010).
Essa configuração de trabalho em que temos um intérprete no
turno da interpretação e o outro assumindo uma função também ativa,
que é a de apoiar e monitorar a interpretação que está sendo realizada,
se constitui com um trabalho em equipe (SILVA, 2013; NOGUEIRA,
2016; SANTOS, 2020). Aborda-se mais sobre essa realidade na próxima
sessão, no entanto, destaca-se o conhecimento a utilização de ferramentas
tecnológicas auliam e proporcionam mais qualidade, agilidade e produti-
vidade à atividade de interpretação, sendo, imprescindível para a atuação.
Firmino (2014), ao abordar a realidade dos intérpretes, apresenta algu-
mas tabelas que descrevem a relação da interpretação em quatro dimensões:
1 Aqui seguimos com a compreensão descrita em Nogueira (2016) em que os intérpretes atuam
em equipe modificando as funções, enquanto um está no turno da interpretação, produzindo
o discurso para o público, o outro intérprete está na função de apoio, atento para monitorar,
sugerir ou corrigir algo na interpretação que está sendo realizada.

163
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

a) tecnologia para melhorar a performance do intérprete; b) Tecnologia nos


trabalhos de interpretação; c) tecnologia para interpretação remota; e d) tec-
nologia para substituir o intérprete. Ao pensarmos na realidade atual, e nas
especificidades dos intérpretes de línguas de sinais, atualizações certamente
seriam necessárias. Sobre o uso da Tecnologia nos trabalhos de interpretação
a autora descreve os seguintes itens que damos destaque na tabela 2.
Tabela 3. Tecnologia nos trabalhos de interpretação por Firmino (2014).

Dicionários on-line Derivados de livros tradicionais, como por exemplo Oxford Dictio-
nary ou Merraim-Webster (2009d), ou especialmente feitos para uso
na internet. Podem incluir pronúncia, imagens e gramática.

Enciclopédias on-line Traz informações gerais e atualizadas, porém não são muito confiá-
veis academicamente. Dentre as mais populares, temos a Wikipedia.
Algumas são baseadas em livros, como a Enciclopédia Britânica
(2009).
Banco de dados on-line Ferramenta linguística de busca que pode ser salva de acordo com as
preferências do usuário. Contextualiza quando necessário.
Textos paralelos on-line Textos traduzidos sobre um mesmo assunto.
Glossário Próprio Pode ser feito no Word, que é um editor de textos. Muitos intérpretes
utilizam duas colunas, uma para o vocábulo e outra ao lado para a
tradução. Podem-se usar, ainda, cores diferentes para as duas colunas,
facilitando, desta forma, a visualização quando se está na cabine
Sites de busca Pode ser encontrada uma gama enorme de informações sobre o
assunto ou sobre o cliente. Dentre os mais usados, podemos listar o
Google, o Yahoo e o Alta Vista.
CD-Rom de dicionário Dicionários parecidos com os de papel, porém com a vantagem de
serem mais facilmente transportados. Além de conterem ferramentas
de busca e indexação, o que facilita e agiliza o trabalho do usuário.
Programas de reconheci- PureVoice, IBM Via Voice e Dragon Naturally Speaking são alguns
mento de voz dos recursos tecnológicos de reconhecimento de voz. Eles ouvem a
fala e repetem, através de som, o que foi falado, como uma espécie
de shadowing. A seguir, produzem o rascunho de uma transcrição.
A pessoa que foi treinada para usar este sistema produz uma nova
fala, condensando a transcrição, e o programa volta a produzir as
legendas na tela. São muito usados para legendagem ao vivo, tais
como noticiários e programas de esportes.

Fonte: elaborado pelo autor e adaptado de Firmino (2014).

164
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Firmino (2014) afirma que os intérpretes mais jovens, ao responde-


rem a sua pesquisa eram intérpretes de Libras, é que os “sites de busca”
eram a ferramenta tecnológica mais usada por esse grupo, visto que, não
possuem tanto material tecnológico para consulta quanto os intérpretes
de outros idiomas. A autora ainda conclui que a substituição total do
intérprete humano pela tecnologia não constitui fator de preocupação
para os intérpretes profissionais, e que o foco principal está na tecnologia
voltada para a interpretação oferecida em contexto remoto realidade que
já estava no radar dos intérpretes no ano de 2014.

O TRABALHO EM EQUIPE ENTRE INTÉRPRETES DE CONFERÊNCIA

A segunda dimensão que abordaremos é o trabalho em equipe, de


forma muito geral, podemos dizer que o trabalho de interpretação em
duplas consiste em um trabalho de equipe onde um intérprete apoia o
outro quando necessário. Enquanto um dos profissionais realiza a inter-
pretação o outro, na função de apoio, continua atento ao discurso proferido
e ao colega, apoiando-o caso tenha dúvidas em relação à interpretação
de algum termo por desconhecido, retomando uma informação que foi
perdida ou confirmando que a interpretação que está sendo apresentada
é adequada.
Ao considerarmos a interpretação remota, os intérpretes são depen-
dentes da energia elétrica e da internet, caso não atuem em equipe, onde
o outro colega pode assumir a interpretação caso uma intercorrência
aconteça, podem prejudicar a realização do evento.
Na relação entre os intérpretes de uma equipe demandas relacio-
nadas a competências interpessoais são exigidas e ativadas (DEAN,
POLLARD 2001), tanto relacionados a compreensão dos papeis de cada
um, quanto, da adesão dos intérpretes envolvidos quanto ao seus papeis,
a comunicação clara e o controle na troca dos turnos.
Kelly (2010) descreve que a competência interpessoal no tradutor,
e aqui expandindo para o intérprete, envolve a habilidade de trabalhar
com outros profissionais envolvidos no processo, isso está relacionado

165
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

a habilidades de negociação e liderança. Nesse sentido, o intérprete deve


desenvolver uma capacidade de se relacionar com todos os agentes en-
volvidos no processo, antes do evento, como: (i) contratantes e clientes;
e durante (ii) clientes, equipe técnica e colegas intérpretes da equipe de
trabalho.
Hoza (2010) apresenta quatro fatores que influenciam no trabalho
das equipes de intérpretes, o autor descreve que: (1) características e
habilidades pessoais; (2) esquema filosófico compartilhado do proces-
so; (3) relacionamento interpessoal e habilidades de comunicação; e (4)
nível de confiança e comprometimento; são aspectos que interferem no
trabalho em equipe realizado pelos intérpretes.
O autor apresenta, a partir dos seus dados, que os intérpretes tra-
balham melhor quando os membros da equipe são acessíveis, fáceis
de conversar e sentem um respeito mútuo (HOZA, 2010). Além disso,
quando os intérpretes estão confiantes, mas não arrogantes durante o
trabalho. A respeito da relação interpessoal, Hoza (2010) descreve que
para uma equipe ter boas relações interpessoais os membros da equipe
precisam: (1) ter uma comunicação clara e aberta; (2) não deixar o ego
(ou seja, o egoísmo) atrapalhar e não se sentir intimidado por um mem-
bro da equipe; (3) é melhor trabalhar com alguém que tenha habilidades
de interpretação comparáveis ou complementares; (4) estar aberto a dar
e receber feedback e discutir sobre o processo de interpretação após a
interpretação.
É nesse sentido que o trabalho em equipe exige uma comunicação
aberta entre os membros, os intérpretes devem se sentir confiantes para
discutir formas de dar e receber apoio, e compartilhar sobre os seus estilos
de interpretação, que demonstrem um compromisso com a mensagem
interpretada, compartilhando de uma visão que a mensagem proferida
pelo intérprete é de responsabilidade de ambos. É nesse sentido que os
intérpretes entrevistados por Hoza (2010, p. 38) afirmam que “a razão
de monitorar o trabalho em equipe é porque ambos os intérpretes criam
a mensagem juntos”.

166
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Porém, para além dessas questões que envolvem posturas pessoais,


Hoza (2010) pontua que é importante o intérprete esteja disponível tanto
antes do evento para a preparação, quanto posteriormente para a avalição
do trabalho realizado. Por isso, Hoza (2010), Nogueira (2016) e Nogueira
e Gesser (2018) referenciam três períodos que compõem a intepretação.
Abaixo descrevo sobre algumas das atribuições nesses períodos.
Diagrama 1. Fluxo do processo de interpretação.

Fonte: elaborado pelo autor (2022).

É nesse sentido que o trabalho em equipe é imprescindível durante


a interpretação simultânea, pois, conforme Gomes (2019, p. 129), “sabe-
se que esta evoca elementos de ordem física, linguística e cognitiva.
Todos eles, alinhados e integrados, corroboram para efetiva tendência
de qualidade do produto entregue”.
Por fim, é preciso entender que o trabalho em equipe é um ganho
para realização da interpretação de conferência, se bem aproveitado,
é muito mais que a troca de turno entre os intérpretes. Obviamente, o
intérprete que está no turno, produzindo o discurso tem uma respon-
sabilidade nas escolhas lexicais e terminológicas visando o sentido do
discurso proferido, pode acatar ou não o apoio sugerido pelo colega de
trabalho (NOGUEIRA,2016; GOMES, 2019). Sendo assim, o resultado
da interpretação é somatório das fases de trabalho bem realizadas.

167
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

EVENTOS MULTILÍNGUES E A INTERPRETAÇÃO

A terceira dimensão aqui descrita é das conferências multilíngues.


A interpretação e a demanda pela existência de falantes de línguas dis-
tintas, no entanto, como fatores como a globalização, compartilhamento
de conhecimento e cooperação internacional, impulsionam para que cada
vez mais os eventos aconteçam com uma diversidade de línguas. Nesse
sentido, temos as conferências como um espaço multilíngue, uma vez que

O multilinguismo é um produto da capacidade humana funda-


mental de se comunicar em vários idiomas. Distinções opera-
cionais podem então ser traçadas entre multilinguismo social,
institucional, discursivo e individual. O termo multilinguismo
é usado para designar um fenômeno incorporado nos - hábitos
culturais de um grupo específico, que são caracterizados por
uma significativa sensibilidade intra e intercultural (FRAN-
CESCHINI, 2009, p. 33-34, tradução SILVA-AGUIAR, 2020,
p. 20)2.

A partir das políticas de inclusão e acessibilidade, compreen-


dendo que a Libras e o português são línguas nacionais em contato, é
comum que elas estejam presentes nos mais diversos eventos do Brasil.
Nesse caso, temos um multilinguismo institucional, pois é por meio da
interpretação que os direitos linguísticos dos participantes são garantidos.
Silva-Aguiar (2020) se propõe a analisar a gestão do multilinguismo no
contexto de uma conferência, refletindo sobre a importância da formação
e da preparação da equipe de interpretação – aspectos individual e social
do multilinguismo.
Em conferências multilíngues é comum que os profissionais in-
térpretes não dominem todas as línguas presentes, nesse caso, o que
2 Traduzido do texto fonte: “The term/concept of multilingualism is to be understood as the
capacity of societies, institutions, groups and individuals to engage on a regular basis in space
and time with more than one language in everyday life. Multilingualism is a product of the
fundamental human ability to communicate in a number of languages. Operational distinctions
may then be drawn between social, institutional, discursive and individual multilingualism.
The term multilingualism is used to designate a phenomenon embedded in the cultural habits
of a specific group, which are characterised by significant inter and intra-cultural sensitivity”.

168
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ocorre o que é chamado de interpretação relay - também conhecida como


interpretação de Relê, Relais, Indireta ou Retransmissão -, o intérprete
não utiliza a língua do primeiro locutor, diretamente, ele ouve uma in-
terpretação e a partir dela realizada seu trabalho para as suas línguas de
trabalho. De Wit (2010) relata sobre essa realidade:

a mensagem de partida é interpretada pelo primeiro intér-


prete e, a partir dessa interpretação, o segundo intérprete a
transmite em uma língua diferente. A segunda interpretação
é, portanto, completamente dependente da primeira. Por esse
motivo, o primeiro intérprete pode sentir uma responsabilidade
adicional de ter que providenciar uma interpretação que seja
compreensível e siga um ritmo adequado para que o segundo
intérprete possa interpretá-la (DE WIT, 2010, p. 233, tradução
de SILVA-AGUIAR, 2020 p.49).

A autora ainda relata que esses contextos de intepretação multilín-


gue são desafiadores, devido ao aumento das línguas envolvidas, pois
demandam maior capacidade cognitiva para o processamento, além
disso, os intérpretes podem precisar trabalhar com um nível de fluência
inferior da língua apresentada na situação, e ter que interpretar falantes
não nativos nas línguas presentes (DE WIT, 2010).
Outro fator apontado pela autora é que os treinamentos de intérpre-
tes de língua de sinais costumam focar na interpretação de duas línguas
apenas, porém, em contextos de conferência é comum que discussões
técnicas-cientificas se utilizem de expressões e empréstimos linguísticos
de línguas estrangeiras, o que demanda dos intérpretes lidar com esse
vocabulário (DE WIT, 2010). Assim, destaco que se torna muito comum
em conferências a presença de línguas estrangeiras mesmo não sendo
uma língua oficial do evento, dessa maneira os intérpretes devem buscar
estratégias, “incluindo, o domínio de línguas e culturas adicionais e de
estratégias específicas da interação multilíngue” (DE WIT, 2010, p. 227;
SILVA-AGUIAR 2020).
Dessa forma, os intérpretes que atuam em conferências devem
possuir muita proficiência nas línguas de trabalho, ampla experiência

169
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

em interpretação e dominar o assunto que será interpretado, por meio


de estudo prévio da terminologia da área de especialidade que estão
interpretando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, descrevi três dimensões relacionadas a interpretação


de conferência, a saber: avanço da tecnologia, o trabalho em equipe e os
eventos multilíngues. Sendo assim, objetivando destacar aspectos atuais
demandados, além de promover o pensamento sobre como se constitui
atualmente o trabalho do intérprete de conferência, a partir de fatores
linguísticos, situacionais e interpessoais.
As três dimensões descritas aqui não encerram a discussão sobre o
cenário atual da interpretação de conferência, porém, possibilitam uma
reflexão sobre caminhos demandados aos intérpretes de Libras – portu-
guês no contexto.
A realidade de eventos multilíngues aponta para que os intérpretes
busquem formação a fim de incluir outras línguas de trabalho. Possibi-
litando uma ampliação nos eventos que possam atuar, como também,
uma tranquilidade maior em mediar discursos que se apropriam de
estrangeirismos.
A evolução tecnológica na área da interpretação demonstra que
adaptações certamente serão necessárias e novas competências preci-
sam ser desenvolvidas no uso de ferramentas tecnológicas, tanto para
a preparação do trabalho, quanto para a exibição e realização da inter-
pretação. É provável que os avanços que ocorreram durante a pandemia
quanto a realização de conferências remotas e possibilidades de entrega
da interpretação não retrocedam mais, os eventos chamados de híbridos
– ou seja, parte presencial e parte remota –, já são uma nova realidade
e fazem parte do mundo pós-pandemia influenciando o trabalho das
equipes de intérpretes.
Essas equipes devem atuar de forma colaborativa e interdependente,
ou seja, aproveitando todas as fases de uma interpretação, cooperando

170
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

na mobilização da interpretação ao lidar com a densidade de conteúdo,


atentando à duração das conferências e à termologia específica. Uma
interpretação pode se tornar complexa por vários fatores, no entanto,
verifica-se que o trabalho em equipe está consolidado como uma forma
de mitigar problemas interpretativos, visto que há pelo menos dois intér-
pretes comprometidos com o discurso que está sendo proferido.
Outras dimensões podem e devem ser alvo de investigação e re-
flexão, como por exemplo, os gêneros textuais diversos presentes nas
conferências, aspectos prosódicos, direito de imagem e autoral na gra-
vação da interpretação, além dos frutos da participação de coletivos e
associações de intérpretes, esses e outros aspectos ficam aqui como um
convite para outras pesquisas sobre a temática.

REFERÊNCIAS

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173
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS EM LIVES


MUSICAIS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19:
REALIDADES E PERSPECTIVAS

Isabella Maria de Oliveira Brito


Vinícius Nascimento

INTRODUÇÃO

Com a eclosão da pandemia de COVID-19 no início do ano de 2020 e


com as medidas de distanciamento social impostas pelos órgãos de saúde,
as atividades antes realizadas presencialmente passaram a acontecer por
meio de plataformas digitais. Em diversas instituições e contextos foi
adotado, em caráter emergencial, o formato da interação remota, que se
caracteriza por atividades realizadas simultaneamente e transmitidas ao
vivo por meio de plataformas digitais (CUNHA; SILVA; SILVA, 2020).
Dentre os gêneros que se popularizaram durante a pandemia, as
lives musicais possuem significativo destaque, pois, por se localizarem
na esfera do entretenimento, trouxeram possibilidades de participação
do grande público em atividades culturais no período de distanciamento.
Inicialmente, essas lives não contavam com equipes de intérpretes profis-
sionais de Libras e, consequentemente, não eram acessíveis à comunidade
surda. A primeira live que contou com a interpretação de português para
Libras aconteceu no dia 8 de abril de 2020 (figura 1) e foi uma iniciativa
da cantora e compositora Marília Mendonça, falecida ao final do ano de
2021. A iniciativa abriu espaço de atuação para os intérpretes de Libras

175
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

e garantiu a participação da comunidade surda em algumas atividades


culturais no período pandêmico.
Figura 1. Live da Marília Mendonça

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=s-aScZtOfbM

Com o surgimento desse novo contexto de atuação para intérpretes


de Libras, emergem questionamentos referentes aos desafios e possi-
bilidades de atuação devido às complexidades e vicissitudes da esfera
artístico-cultural. Albres (2020, p. 381), ao se dedicar ao estudo do
trabalho do intérprete e tradutor de Libras neste contexto, afirma que os
processos de tradução e de interpretação são de “extrema complexidade,
exigindo do profissional competências interpretativas e performáticas, fle-
xibilidade, sensibilidade e leveza que requerem formação especializada”.
Por uma questão de espaço, não detalharemos o desenvolvimento
das políticas públicas de acesso à arte e cultura para os surdos no Bra-
sil1. Porém, é valido destacar publicações como a Constituição Federal
(BRASIL, 1988) que, no capítulo III intitulado “Da Educação, da Cul-
tura e do Desporto”, garante este direito a todo cidadão brasileiro, e a
Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (UNESCO, 1996) que
1 Para maiores detalhes sobre as políticas públicas que promovem o acesso à cultura da comu-
nidade surda recomendamos a dissertação de Fomin (2018) e o artigo de Albres (2020).

176
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

menciona a garantia linguística aos serviços culturais. Apesar de políticas


públicas garantirem ao surdo o acesso aos mais diversos meios sociais
como o lazer, a arte e a saúde, ainda existem barreiras que permitam o
pleno exercício desse direito como, por exemplo, a falta de profissionais
mediadores. Este fator pode estar relacionado, em muitos casos, à falta
de compreensão e conhecimento sobre a cultura surda por parte dos
contratantes que não consideram o surdo como um potencial interlocutor.
Sendo assim, neste capítulo, objetivamos apresentar um recorte
do trabalho de conclusão de curso (TCC) de Brito (2021) que buscou
compreender o contexto e as práticas da interpretação do português para
Libras em lives musicais, além de descrever as relações de trabalho dos
intérpretes de Libras-português. Buscamos como objetivos específicos
examinar as questões valorativas em torno da atuação e discutir pers-
pectivas futuras da atuação neste contexto. A pesquisa foi desenvolvida
no Laboratório de Tradução Audiovisual da Língua de Sinais (LATRA-
VILIS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) entre os anos
de 2020 e 2021.

A INTERPRETAÇÃO COMO ATIVIDADE DE LINGUAGEM E DE


TRABALHO

A pesquisa aqui descrita fundamenta-se na triangulação teórica


entre o pensamento bakhtiniano, que oferece uma concepção social de
linguagem e de comunicação humana, a ergologia, que contribui com
uma visão sobre a relação do ser humano com suas atividades, em espe-
cial as de trabalho, e os estudos da tradução e interpretação de língua de
sinais, que contribuem com o delineamento, descrição e detalhamento
das atividades tradutórias e interpretativas envolvendo línguas de dife-
rentes modalidades.

177
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O PENSAMENTO BAKHTINIANO E A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM

No início do século XX, na Rússia stalinista, o chamado Círculo


de Bakhtin, constituído de intelectuais de diferentes campos do conhe-
cimento, descreveu a linguagem como o produto da atividade coletiva
humana que é produzida a partir da interação real entre sujeitos singula-
res, sociais e históricos (VOLOCHÍNOV, 2017). A língua é abordada,
nessa direção, como fruto da atividade coletiva e, portanto, é carregada
de conteúdo ideológico. Sua realização acontece por meio de enunciados
concretos e únicos que possuem uma dimensão repetível (a do sistema
abstrato) e irrepetível (o tempo, o espaço, a interação, o contexto etc.).
Segundo Volochínov (2017, p. 184), “todo enunciado, mesmo que seja
escrito e finalizado, responde a algo v e orienta-se para uma resposta.
Ele é apenas um elo na cadeia ininterrupta de discursos verbais”. Nesse
sentido, o enunciado

[...] carrega diferentes vozes resultantes de forças sociais ativas


da cadeia ininterrupta de comunicação sociodiscursiva. Sendo
assim, o enunciado é interligado às situações sociais em que
está inserido e é produzido, já que, para o autor, a estrutura
social afeta diretamente a linguagem e as interações discursivas
considerando a consciência individual de cada falante como
resultante de interconsciências dialógicas (BRITO, 2021, p. 21)

Na perspectiva bakhtiniana, o enunciado nasce na e pela intera-


ção social, o que evidencia que a centralidade desse conceito não é,
tal como na Linguística Moderna, o sistema abstrato da língua, mas
as relações interlocutivas estabelecidas no contexto da comunicação
concreta e discursiva. A alteridade, portanto, aparece como a raiz
de toda a formulação bakhtiniana de linguagem porque toda forma
de comunicação humana se organiza em torno de centros de valores
(eu-para-mim, eu-para-o-outro e o outro-para-mim) na arquitetônica
existencial dos sujeitos envolvidos na interação. A linguagem se baseia
nas relações sociais e nos constitui sujeitos, visto que necessitamos do
outro para nos fundamentarmos como eu.

178
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Segundo Oliveira (2018, p. 183), “as diferentes formas de relação


entre o eu e o outro e a apropriação da palavra alheia materializam-se
em práticas discursivas, semiotizando os atos éticos e suas relações
dialógicas [...]”. A linguagem, nessa perspectiva, é sempre social, his-
tórica, ideológica, alteritária e constitutiva do humano que se posiciona
no tempo e no espaço a partir da relação estabelecida consigo mesmo e
com os outros que com ele interagem.

A ERGOLOGIA: O TRABALHO COMO DIMENSÃO HUMANA


A Ergologia, abordagem filosófica francesa nascida na década de
1970 a partir do diálogo do filósofo Yves Schwartz com outros estudiosos
do trabalho, baseia-se na relação homem-atividade de trabalho e considera
que a perspectiva do trabalhador, com todos os seus saberes e valores, é
central na compreensão de toda atividade laboral.
Na Ergologia, o conceito de valor é definido como o “peso que se
atribui mais ou menos às coisas: uma hierarquia, uma categorização pró-
pria a cada um a propósito do que se estima, prefere, ou pelo contrário se
negligencia, rejeita” (DURRIVE; SCHWARTZ, 2008, p. 27). São estes
valores que moldam nossas escolhas e que levam às renormalizações.
Quando nossos valores pessoais se deparam com os valores provenientes
de normas antecedentes, acontece o que Schwartz (2011) denomina como
debate de normas. O autor também destaca a importância de olhar para
o trabalho a partir de saberes, que são classificados e divididos em dois
grupos: os investidos e os constituídos.
Os saberes investidos são advindos das experiências do traba-
lhador ancorado na situação do trabalho. Esses saberes são imensuráveis
porque estão armazenados no corpo do trabalhador, ao contrário dos
saberes constituídos que é todo conhecimento formalizado, disciplinar
e adquirido, geralmente, de forma sistematizada e institucionalizada.
Quando os saberes e os valores se desencontram surge, nesse entremeio,
o debate de normas. Durante esses debates, o trabalhador é atravessado
pela dramática da atividade que é, na maioria das vezes, o disparador de
questões ligadas à saúde.

179
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Dada a natureza do trabalho do tradutor e intérprete de língua de


sinais, em que o corpo constitui o próprio enunciado, as dramáticas
aparecem não apenas no conflito iminente do debate de valores, mas
também na constante relação de exposição do seu corpo durante a ati-
vidade de trabalho.

Não temos um corpo para trabalhar pela manhã e outro cor-


po para quando chegarmos em casa. Desse modo, o mesmo
corpo se depara com diversas situações e ocasiões que muitas
vezes atravessam valores, crenças e opiniões. O profissional
mediador de língua de sinais está, de certa forma vulnerável,
já que pelo caráter visual da língua, o corpo sempre estará em
evidência (BRITO, 2021, p.24)

O trabalho, na ergologia, é abordado como dimensão humana


dramática, pois o trabalhador vive no limbo da tomada de decisões que
envolve a presença e a ausência de saberes instituídos e investidos. O
mais interessante nessa abordagem é que todo trabalho é atravessado
por essas questões.

ESTUDOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS

A interpretação interlíngue e intermodal em lives musicais é aqui


considerada uma atividade profissional e é assumida

[...] como um fenômeno da tradução geral (língua A ↔ lín-


gua B), apresentado, em língua meta, na língua falada (oral,
sinalizada ou tátil), com ou sem possibilidade de preparação
e ensaio, no qual o corpo do intérprete é, além de meio de
produção, a apresentação do produto (PEREIRA, 2014, p.39)

A modalidade linguística, segundo McBurney (2004), é compreen-


dida como os sistemas biológicos e físicos em que a língua se manifesta.
Além da competência linguística que todo tradutor e intérprete necessita,
os de línguas de sinais precisam transitar entre duas línguas de modali-
dades diferentes, o que exige habilidades específicas e muita preparação

180
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

(QUADROS; SOUZA, 2008; RODRIGUES, 2013; SEGALA; QUA-


DROS, 2015). Rodrigues (2018) adiciona uma outra competência que o
profissional que atua na intermodalidade necessita: a corporal cinestésica.
Essa competência corresponde ao uso performático do corpo por ser o
corpo o próprio texto da língua mobilizado em atividades tradutórias.
O corpo do intérprete constitui o enunciado concreto de sua ativi-
dade, o que aumenta seu nível de exposição. Rodrigues (2018, p. 119)
destaca que

[...] a tradução de línguas de sinais pode envolver a escrita,


mas o que tem sido mais comum é o registro em vídeo do
corpo do tradutor como língua. Isso faz com que os tradutores
intermodais surdos e ouvintes, que têm seu texto alvo em língua
de sinais, sejam sempre visíveis ao seu público e que, muitas
vezes, sejam vistos como o único autor do texto. Além disso,
no processo de interpretação intermodal que tem como texto
alvo a língua de sinais ocorre o mesmo, já que os intérpretes
de sinais precisam estar visíveis diante do público.

No contexto específico em tela nesse capítulo, as lives musicais, as


produções ficam salvas em plataformas e disponíveis para acessos poste-
riores. A interpretação, bem como o corpo do intérprete, nesse prisma, é
visualizada quantas vezes o público achar necessário evocando memória
de uma atividade tradutória, que sempre é registrada. Todavia, apesar
do estudo prévio, do processo de tradução do material previamente e do
registro do corpo, a atividade aqui descrita corresponde a uma interpreta-
ção simultânea interlíngue e intermodal porque a realização do discurso
do intérprete, ainda que tenha havido intensa preparação, está submetido
ao que acontece ao vivo.
Diante dessas concepções, assumimos a interpretação das lives
musicais como uma atividade profissional de linguagem, de caráter
enunciativo-discursiva, produzida por sujeitos sociais, históricos e ide-
ológicos que mobilizam enunciados relativamente estáveis em dadas
esferas da atividade humana direcionadas a interlocutores também sociais,
históricos e ideológicos.

181
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Todo ato de tradução e de interpretação são constitutivamente


movimentos de encontro com o outro porque promovem a me-
diação de diferentes sujeitos, línguas, linguagens e culturas. O
tradutor e o intérprete, agentes protagonistas dessas atividades,
assumem uma posição de mediação e podem, devido ao conhe-
cimento aprofundado das línguas e culturas dos envolvidos na
interação a ser estabelecida pelo seu ato discursivo, construir
pontes entre diferentes mundos e realidades. Podemos, nessa
direção, conceber a tradução e a interpretação interlíngue como
atividades discursivas que promovem a aparição da alteridade,
ou seja, fazem aparecer, para os participantes da interação me-
diada, o outro, pela linguagem, outrora inacessível devido ao
desconhecimento total ou parcial do plano linguístico utilizado
pelo parceiro da interação (NASCIMENTO, 2018, p. 112).

A partir da articulação das três perspectivas descritas acima, descre-


veremos, a seguir, a metodologia da pesquisa e, na sequência, a análise
do corpus.

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da


UFSCar, conforme resolução n° 510 de 2016 e nº466 de 2012, sob o
protocolo CAAE (46214921.8.0000.5504), e se caracteriza como de na-
tureza qualitativa por ser um estudo de caráter analítico interpretativista.
Como instrumento para a construção do corpus� optamos por realizar
entrevistas semiestruturadas com 2 intérpretes de Libras profissionais
que tenham atuado em lives musicais durante a pandemia. A escolha da
entrevista como instrumento metodológico reside no fato da dialogicidade
da interação do pesquisador, de seu lugar socio-histórico-ideológico, com
outro sujeito possibilitando o desfiar do assunto em questão e a realização
de respostas espontâneas (TRIVIÑOS, 1987).
Inicialmente, as questões exploraram a individualidade dos partici-
pantes, como a formação e experiências profissionais em outros contex-
tos, para, em um segundo momento, aprofundar e adentrar nos aspectos
ligados à atuação nas lives musicais. Cabe destacar que os profissionais

182
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

que participaram da pesquisa são residentes do estado de Goiás tornando


este estudo um recorte da realidade da atuação neste contexto do país. A
seguir o quadro de identificação dos entrevistados, autorizado a partir do
assentimento pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Quadro 1. Identificação dos participantes

E1 E2
Nome Diego Barbosa Gessilma Dias
Sexo Masculino Feminino
Idade 35 anos 47 anos
Local Goiânia Goiânia

Fonte: Brito (2021, p. 28).

Para a análise, adotamos a metodologia proposta por Campos (2018)


que, fundamentada na perspectiva bakhtiniana, se constitui do cruza-
mento de duas dimensões, a vertical (singularidade do sujeito singular)
e horizontal (generalidade do sujeito coletivo).

Assim, serão entendidas como enunciado único, em um pri-


meiro momento da análise, as entrevistas individuais com um
só sujeito: a entrevista individual, nesse caso, é considerada
um ato-evento único, em que se colocam em contato os centros
de valor do pesquisador, do sujeito entrevistador e do sujeito
entrevistado. Em seguida, será entendido desse modo o con-
junto das entrevistas num esforço de responder às questões
dessa pesquisa a partir da análise da interação com um sujeito
coletivo (CAMPOS, 2018, p.50).

Na singularidade, ou verticalidade, as experiências, vivências,


histórias constituem o sujeito e consequentemente seu enunciado exala
essas marcas. É neste momento que nos atentaremos em analisar como
o sujeito se percebe e se narra na atividade de trabalho para que, pos-
teriormente, na horizontalidade, no cruzamento das duas entrevistas,

183
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

possamos compreender como a atividade de trabalho é narrada no âmbito


da coletividade.

VERTICALIDADE: OS TEMAS DOS SUJEITOS SINGULARES

A análise vertical dos sujeitos coloca em situação dialógica


o sujeito pesquisador, o sujeito entrevistador e o sujeito en-
trevistado. Se é verdade que os sujeitos são conduzidos por
um roteiro de questões previamente elaborado pelo sujeito
pesquisador, o sujeito entrevistador se abre à voz do sujeito
entrevistado e reage às respostas enunciadas, colocando-se ele
também, como parte do processo de produção do enunciado
que será analisado (CAMPOS, 2021, p. 5).

A seguir apresentaremos um quadro comparativo com a síntese da


análise das entrevistas verticais, inspirado em Campos (no prelo). Nele
apresentamos os principais temas e a síntese das respostas, para, em um
segundo momento, analisar horizontalmente.
Quadro 2. Síntese das análises verticais

Eixos E1 E2
Formação e Iniciou no meio comunitário de modo Formou-se em fonoaudiologia e fez
experiência voluntário; realizou o PROLIBRAS em uma pós-graduação em Libras. Ini-
2006 e passou a exercer a profissão cialmente era intérprete no meio reli-
oficialmente, onde continuou sua gioso e posteriormente começou sua
formação. Ênfase na interpretação em atuação de forma profissionalizada.
contextos comunitários na área Ênfase na interpretação educacional, e a
educacional. partir de 2020 no meio musical.
Adaptação à Destacou que muitas coisas não estão Relato de adaptação. Relatou a angús-
tecnologia na perspectiva de atender os TILS. tia pela falta do presencial e de suas
Relato de adaptação. características.
TILS no en- Deu a comunidade surda a opção de Concorda em dar a opção de acesso ao
tretenimento acesso, momento de conquista de surdo, relatou um histórico social de
espaço e visibilidade à categoria. crítica sobre o surdo e a musicalidade.
Defende a viabilização do serviço.

184
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Saberes Julgou necessário o saber de nego- Julgou necessário a habilidade musical,


necessários ciação e uma formação específica. adquirida através da formação especia-
lizada, e o convívio com a comunidade
surda.
Contratação Relatou que na maioria das vezes não Relatou um período, em que por ser
teve uma contratação de forma direta. uma referência na área, as produtoras
a chamam para o serviço.
Preparação Mencionou a falta de acesso prévio Mencionou que a preparação é feita em
ao repertório e usa como estratégia a conjunto pela equipe e que conta com a
divisão das músicas baseado no perfil presença de um consultor surdo.
do intérprete.
Imprevistos Sobre os imprevistos dividiu em Sobre os imprevistos afirma que
duas classes: os técnicos e não técni- trabalhar em equipe ajuda nestes
cos. Declarando que sobre os técnicos momentos.
há a possibilidade de resolução, já os
não-técnicos, precisa-se criar estraté-
gias no momento
Trabalho em Classificou como importante e ne- Classificou como extremamente
equipe cessário, usa estratégias de divisão necessário e disse que só trabalha com
de tarefas na equipe. uma equipe de no mínimo 3 pessoas.
Dimensão Importância do feedback dos surdos e Ressalta a importância do estudo e da
verbal salienta a importância da possi- troca com o consultor surdo no momen-
bilidade de traduzir as letras para to de preparação.
exploração dos sentidos durante a
interpretação. Também menciona
sobre o uso da corporeidade durante
as transições

Fonte: Brito (2021, p.51)

HORIZONTALIDADE: OS TEMAS DO SUJEITO COLETIVO

Com base na análise vertical dos enunciados obtidos através da


entrevista semiestruturada, apresentamos a análise horizontal as prin-
cipais temáticas.
Alguns pesquisadores afirmam a importância da formação conti-
nuada do profissional tradutor e intérprete de Libras e principalmente
a participação ativa na comunidade surda (QUADROS, 2004; NASCI-

185
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

MENTO, 2016; 2021; OLIVEIRA, 2018). Os dois entrevistados, entre-


tanto, julgaram e afirmaram como um pré-requisito fundamental para a
atuação neste meio uma formação continuada, para além do campo da
tradução, voltada à arte. Essa formação permite aos profissionais uma
melhor compreensão do contexto em que atuam e um aperfeiçoamento
de suas competências e habilidades.
Fomin (2020) menciona a crescente procura de profissionais me-
diadores no contexto artístico-cultural. Fator importante que reafirma o
direito linguístico do sujeito surdo e seu direito de escolha. O aumento
crescente de procura por profissionais tradutores e intérpretes e da par-
ticipação nos mais variados eventos, principalmente nas lives musicais,
possibilitou uma maior visibilidade à comunidade surda e sua língua. Os
entrevistados destacam esse momento de exposição como extremamente
importante para a difusão da cultura surda.
Outro ponto que ambos os participantes afirmam como processo
fundamental é o momento de preparação. O estudo sobre as letras e o
repertório aumenta a segurança no momento de atuação, além de propor-
cionar a possibilidade de uma interpretação criativa, flexível e cultural.
Porém, ambos destacam que apesar de ser fundamental, na maioria das
vezes não possuem acesso prévio ao material ou um tempo limitado de
preparação. Segundo Rigo (2013, p.51),

as letras das músicas e os roteiros dos textos dramáticos


incorporam significados diversos e podem conter informa-
ções implícitas, inclusive, fazendo com que os profissionais
precisem estudar sobre a intenção real da mensagem do texto.

A intensidade da preparação e reflexão sobre as estratégias que po-


dem utilizar para maximizar o trabalho, bem como a divisão das canções
entre os membros da equipe, foram os aspectos mencionados pelos dois
entrevistados. Ambos afirmaram a impossibilidade da realização do tra-
balho de interpretação de lives musicais sem a formação de uma equipe
com menos de 4 intérpretes. Segundo Nogueira (2016, p. 116-117), no
momento de preparação em equipe,

186
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

[...] os intérpretes se encontram e negociam sinais, palavras


ou expressões que seriam mais adequadas para determinado
contexto, ou esclarecem algo que porventura não tenha ficado
claro para eles. Além disso, se organizam quanto à formatação
e organização do trabalho que será realizado em equipe. É
necessário também que os intérpretes nesse momento com-
partilhem suas fragilidades ou como normalmente se sentem
e como frequentemente demonstram que precisam de algum
apoio durante a interpretação.

Apesar da importância do trabalho em equipe, os entrevistados rela-


tam que no cenário das lives musicais há grande dificuldade de compre-
ensão, por parte do contratante, da necessidade de se formar uma equipe
de profissionais. Os intérpretes também afirmam que os imprevistos
são minimizados, principalmente os de ordem técnica, quando estão em
equipe justamente pela possibilidade de divisão de tarefas.
Todavia, a dificuldade de contratação está diretamente relacionada
à justificativas ligadas a questões financeiras. Os contratantes, em sua
maioria, desconhecem a cultura surda e os serviços prestados pelos tradu-
tores e intérpretes profissionais e barganham o barateamento do serviço
para garantir a sua oferta. Diante desse fato, os entrevistados acentuam
a importância de uma competência específica ligada à negociação que
apresente os fatores envolvidos no processo de tradução e interpretação
e as condições de trabalho requeridas, além da apresentação de dados
que afirmem seus pontos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral do estudo aqui relatado foi o de compreender o


contexto e as práticas da interpretação do português para a Libras em
lives musicais. Por ser um contexto hodierno, destacamos a necessidade
de mais estudos e pesquisas que procurem compreender esta prática,
uma vez que observamos um espaço crescente de atuação do intérprete
de Libras em atividades culturais e artísticas como um todo.

187
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Na análise horizontal das entrevistas destaca-se a recorrente menção


de contratantes que desconhecem a comunidade surda, sua cultura e as
especificidades da profissão de tradutor e de intérprete. Essa recorrência
pode estar relacionada à pouca exploração, do ponto de vista social e
acadêmico, da atuação desses profissionais em ambientes culturais e
musicais, o que impacta de modo significativo na realização do trabalho
como, por exemplo, a dificuldade em acessar materiais e preparação de
qualidade.
Neste contexto em que as lives variam de três a seis horas de du-
ração, às vezes até mais que isso, a preparação é fundamental, além da
necessidade de um trabalho em equipe. Um exemplo de organização
apresentado pelo E1 que consideramos prático é a divisão por função.
Em seu relato, o entrevistado descreve que enquanto um intérprete assu-
me o turno e outro oferece o apoio, um terceiro fica denominado como
apoio técnico que se responsabilizará, naquele momento, de se atentar
às questões técnicas e solicitar ou solucionar possíveis imprevistos. Es-
ses combinados e dinâmicas surgem por meio de um trabalho com uma
equipe qualificada.
A formação especializada é fator fundamental para adquirir as
competências necessárias. Os atuais cursos superiores de formação de
tradutores e intérpretes ainda são generalistas (RODRIGUES, 2019) e, por
essa razão, ainda cabe ao profissional procurar uma formação continuada
a partir de diferentes contextos atrelada à vivência na comunidade surda.
Nas falas dos participantes houve, também, a menção sobre um
consultor surdo na equipe e a possibilidade de enriquecer culturalmente
o processo de tradução. Diante disso, revela-se, além dos aspectos men-
cionados, o lugar do surdo não apenas como consumidor da tradução,
mas como coconstrutor do processo tradutório e interpretativo (NASCI-
MENTO; NASCIMENTO, 2021).
O último ponto dos nossos objetivos se relacionava ao exame das
questões valorativas em torno da atuação em lives musicais. Podemos
concluir que, por ser um campo novo e emergente, não há, ainda, uma
prescrição e cada sujeito interpreta a partir de seus saberes investidos.

188
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Percebemos, também, que com o caminhar para o fim da pandemia as


lives musicais passaram a ser menos frequentes, o que torna a atuação do
intérprete de Libras nesse gênero mais esporádica. Todavia, não se sabe,
ainda, se essa forma de produção cultural se perpetuará e se consolidará
como um campo de atuação para esses profissionais.
A temática é nova e carece de estudos mais abrangentes e que
apresentem a realidade de todos os estados para que possamos com-
preender a dinâmica de serviço neste contexto de atuação. Entretanto,
temos a expectativa de que cada vez mais artistas e instituições culturais
contratem tradutores e intérpretes de Libras, pois só assim a comunidade
surda passará a ser, de fato, consumidora da cultura. Na mesma direção,
espera-se que profissionais intérpretes e tradutores que já estejam nesse
mercado possam contribuir com a formação de futuros profissionais a
fim de que, como categoria, busquemos refinamento e aperfeiçoamento
das diferentes competências demandas para a atuação nesse e em outros
contextos.

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192
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

REFLEXÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DO


INTÉRPRETE DE LIBRAS NO ENSINO DE LÍNGUAS
ADICIONAIS PARA SURDOS

Antonio Henrique Coutelo de Moraes


Izabelly Correia dos Santos Brayner

INTRODUÇÃO

A aquisição de uma língua adicional (LA) por surdos é tema re-


lativamente recente na Academia, principalmente no caso das línguas
estrangeiras, tendo alcançado mais evidência nas discussões brasileiras há
aproximadamente 20 anos como aponta Moraes (2015). A esse respeito,
o pesquisador destaca uma carência na pesquisa da área, justificando a
importância de pesquisas que tratem desse tema.
É inquestionável a importância da LA – ferramenta que permite que
as trocas e/ou relações – no mundo atual devido à abertura nos âmbitos
comercial, cultural, científico, político e até mesmo turístico (SILVA,
2005). E quanto mais línguas um sujeito domina, mais e melhor pode
acessar o mundo e suas informações. Nesse sentido, o ensino de línguas
adicionais para surdos atravessa uma grande barreira metodológica,
pois muitos professores ainda baseiam suas aulas em uma abordagem
conhecida como Gramática e Tradução, não valorizando o aspecto co-
municacional/interacional.
Além disso, preocupa-nos a questão do intérprete que, para realizar
seu trabalho, precisaria conhecer três ou mais línguas envolvidas no pro-

193
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

cesso, por exemplo. Portanto, buscamos com este capítulo refletir sobre
outras dificuldades e possibilidades na participação desse profissional
em aulas inclusivas de línguas.
Trabalhamos com a metodologia qualitativa, que dá conta de signi-
ficados, motivos, crenças, valores, empregando a pesquisa bibliográfica
conforme orienta Triviños (2010). Esse tipo de pesquisa tem como fonte
livros, artigos científicos, dissertações, teses.
Após a realização do levantamento de textos, procuramos reuni-los
por temas e orientações teórico-metodológicas que traziam conforme
orientações de Bardin (2011). Uma nova fase de leitura mais detalhada
de todos os documentos permitiu o conhecimento e análise da partici-
pação do intérprete nas aulas de língua inglesa frequentadas por surdos.
A respeito da interpretação, cabe destacar, concordamos com Qua-
dros (2004) quando afirma que envolve línguas nas modalidades orais-
auditivas e visoespaciais, podendo haver “a interpretação da língua de
sinais para a língua falada e vice-versa, da língua falada para a língua de
sinais” (QUADROS, 2004, p. 9).
Nesse sentido, a responsabilidade do intérprete vai, muitas vezes,
além de sua formação e preparo para lidar com as situações de tradução/
interpretação. O conhecimento detalhado das línguas envolvidas no pro-
cesso é de extrema importância. Dessarte, faz-se necessária a formação
de tradutores e intérpretes de Libras conforme as diretrizes do Ministério
da Educação. Não cabe mais, neste momento, essa formação emergen-
cial que temos vivenciado no contexto da educação inclusiva. Portanto,
como marca Santiago (2012), é preciso que haja no ensino superior a
formação acadêmico-científica através de trabalho investigativo visando
à transformação da realidade.
De fato, a interpretação entre duas línguas não-nativas exige maior
preparação e treinamento das habilidades. Por esse motivo, tivemos como
objetivo analisar a participação do intérprete de língua de sinais no ensino
de língua inglesa para surdos em contextos inclusivos.

194
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

SOBRE A ENTREGA DOS TEXTOS

Falar de interpretação ou do profissional intérprete implica, inicial-


mente, fazer uma distinção entre dois termos comumente confundidos na
sociedade e no espaço acadêmico: tradução e interpretação. Para tanto,
trazemos à discussão os posicionamentos com os quais concordamos
de Pagura (2003; 2015) e de Quadros (2004) no que concerne a esta
distinção.
Segundo Pagura (2003; 2015), tradução diz respeito à conversão
de um texto escrito em uma língua (língua de partida ou língua fonte)
para uma outra (língua de chegada ou língua-alvo). A interpretação, por
outro lado, diz respeito à conversão de um discurso oral de uma língua
de partida para uma língua de chegada.

O processo é semelhante, mas as próprias características de-


correntes das diferenças entre a escrita e a oralidade acarretam
uma operacionalização distinta entre os dois processos, com
consequências para discussões teóricas e para a formação de
profissionais que atuem na tradução e na interpretação, vistas
aqui como duas profissões relacionadas, mas diferentes (PA-
GURA, 2015, p. 183).

Como se percebe a partir da leitura de Pagura (2003; 2015), tradu-


ção e interpretação têm o objetivo de ressignificar uma mensagem de
um idioma para outro a fim de que se estabeleça uma interação entre
falantes de línguas distintas.
Ainda a respeito dessa distinção, Silvério et al. (2012) salientam
que os tradutores podem fazer uso de dicionários, assistentes de tradução,
livros de referência, outros tradutores e, até mesmo, adiantar-se no texto
diante de dificuldades com a tradução, enquanto o intérprete precisa
executar uma série de processos de maneira simultânea e ininterrupta.
Salientam, também, que o intérprete precisa, além de conhecer a língua,
dominar uma série de sutilezas, nuances e especificidades das línguas em
que atua, mesmo que não tenha um domínio da escrita dessas línguas.

195
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A esse respeito, Silverio et al. (2012), Pagura (2003) e Seleskovitch


(1978) defendem que a interpretação não se limita ao trabalho no nível
linguístico, uma vez que envolve também aspectos contextuais, culturais
e situacionais, ou seja, o trabalho do intérprete está relacionado à men-
sagem, ao sentido por trás do enunciado.
Seleskovitch (1978, p. 9) aponta três estágios para o processo de
interpretação, a saber:

1. Apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio


de um processo de análise e exegese;
2. Abandono imediato e intencional das palavras e retenção da
representação mental da mensagem (conceitos, idéias, etc.);
3. Produção de um novo enunciado na língua-alvo, que deve
atender a dois requisitos: deve expressar a mensagem original
completa e deve ser voltado para o destinatário.

No campo dos estudos surdos, essas noções sofrem uma pequena


alteração devido às modalidades das línguas, embora não se afastem
muito do que prega Pagura (2003; 2015). A esse respeito, Quadros (2004,
p. 9) afirma que a tradução envolve sempre uma língua escrita, ou seja:

uma tradução de uma língua de sinais para a língua escrita de


uma língua falada, da língua escrita de sinais para a língua
falada, da escrita da língua falada para a língua de sinais, da
língua de sinais para a escrita da língua falada, da escrita da
língua de sinais para a escrita da língua falada e da escrita da
língua falada para a escrita da língua de sinais.

A respeito da interpretação, Quadros (2004) afirma que envolve


línguas nas modalidades orais-auditivas e visoespaciais, podendo haver
“a interpretação da língua de sinais para a língua falada e vice-versa, da
língua falada para a língua de sinais” (QUADROS, 2004, p. 9).
Embora alguns acreditem que a área de Tradução e Interpretação
de Língua de Sinais e Português (TILSP) merece pouca atenção dos es-
tudiosos do campo de Tradução e que demanda um espaço diferenciado,

196
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

a pesquisa em TILSP pode-se beneficiar em larga escala da filiação em


um mesmo campo disciplinar (VASCONCELLOS, 2010).
Vasconcellos (2010, p. 120-121) reconhece a legitimidade da ques-
tão indentitária da pesquisa em TILSP, mas sugere que:

(i)‘Tradução’ e ‘Tradução e Interpretação de Línguas de


Sinais’ podem beneficiar-se da filiação a um mesmo campo
disciplinar – Estudos da Tradução (ET) – que, a partir de
seu estabelecimento na década de 70 (época em que a co-
munidade científica reconhece como marco fundacional do
campo disciplinar o texto escrito por Holmes, em 1972), tem
se expandido em desdobramentos amplos o suficiente para
acolher as diversidades das manifestações de estudos sobre
línguas e culturas em contato; e (ii) o campo disciplinar ET
pode acolher investigações em interfaces que exploram o
contato entre línguas de modalidades diferentes (línguas orais
e línguas de sinais), tanto em termos lingüísticos, quanto em
termos culturais e políticos.

Para ela (VASCONCELLOS, 2010), a inserção estratégica do


tradutor e do intérprete de línguas de sinais no campo de Estudos da
Tradução contribui para o fortalecimento do empoderamento desses
profissionais. Certamente, acreditamos, as trocas entre profissionais
das diversas áreas da tradução e da interpretação deverão trazer ama-
durecimento para o campo da TILSP, além oportunizar conhecimentos
necessários à boa formação desses profissionais. Por isso, buscamo-nos
fundamentar, neste trabalho, em autores que, mesmo trabalhando com
línguas de sinais, reconhecem a importância dos estudos da tradução e
interpretação e que deles se utilizam.
No campo da interpretação de línguas visoespaciais, costuma-se
trabalhar com a língua de sinais nacional e a língua oral desse mesmo
país. Entretanto, quando se trata do ensino de uma língua estrangeira,
esses profissionais são requisitados a interpretar para uma terceira língua,
a língua estrangeira (SCHOLL, 2008).

197
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A função do intérprete de Libras é processar a informação na língua


fonte e fazer escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas
na língua alvo, buscando-se aproximar o máximo possível do sentido
original. Dessa maneira, o intérprete também precisa de conhecimento
técnico para escolher apropriadamente (QUADROS, 2004).
Santiago (2012) apresenta alguns procedimentos de tradução e ca-
racteriza alguns elementos linguísticos recorrentes, ou que possam estar
relacionados, a cada procedimento. Para a pesquisadora, o intérprete
busca aproximar duas línguas de modalidades distintas: uma língua oral-
auditiva, e a outra gestual-visual.
Ela coloca pertinentemente que a aproximação dessas duas
línguas constitui tarefa difícil, uma vez que possuem estruturas
diferentes. Nas línguas de sinais, há elementos linguísticos como
expressões faciais e corporais que não se manifestam nas línguas
orais-auditivas da mesma maneira, e que, segundo a autora, não
estão gramaticalmente descritas a ponto de possibilitar uma perfeita
aproximação (SANTIAGO, 2012).
No campo dos Estudos da Tradução e da Interpretação de Línguas
de Sinais (ETILS), Rodrigues (2013) e Rodrigues e Beer (2015), embora
reconheçam o valor dos conceitos levantados pelos autores aqui discuti-
dos, reforçam ainda que os processos também precisam ser levados em
consideração para a diferenciação dos termos, indo além das modalidades
textuais fonte (TF) e alvo (TA).
Nessa perspectiva, Rodrigues chama atenção, ainda, para o fato
de que
[...] os tradutores possuem o TF escrito ou registrado em vídeo
e/ou áudio e têm certo tempo para construir e refinar o TA
sendo que eles mesmos definem o ritmo de seu trabalho; já
os intérpretes não possuem muito tempo para trabalhar o TF,
pois, como enunciação, ele está sendo proferido no momento
da interpretação, e o TA deve ser oferecido imediatamente,
sendo que quem dita o ritmo do trabalho é o orador e não o
intérprete (2013, p. 36).

198
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Assim, a diferença está, de acordo com Rodrigues e Beer (2015),


no que identificaram como “a tradução e o traduzir” e “a interpretação e
o interpretar”, sendo esses processos definidos pela forma como se dão
linguística, cognitiva e operacionalmente.
A função do TILSP é processar a informação na língua de partida
e fazer escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua
alvo, buscando-se aproximar o máximo possível do sentido do texto-
fonte. Dessa maneira, esse profissional também precisa de conhecimento
técnico para realizar escolhas apropriadas (Quadros, 2004; Rodrigues,
2015), tarefa que, como sinaliza Santiago (2012), é complexa, uma vez
que busca aproximar duas línguas de modalidades distintas e que possuem
estruturas diferentes.
A partir dessas colocações, Santiago (2012), apoiada nas ideias de
Barbosa (1990), traz alguns procedimentos para a tradução, agrupando-
os nas seguintes categorias: com convergência do sistema linguístico,
do estilo e da realidade extralinguística; com divergência do sistema
linguístico; com divergência do estilo; com divergência da realidade
extralinguística.
Na esfera da tradução/interpretação com convergência do sistema
linguístico, do estilo e da realidade extralinguística, a autora traz as
traduções/interpretações: palavra-por-palavra (sinalização da língua
oral-auditiva) – inadequada à produção de sentidos da Libras –, e lite-
ral – manutenção do sentido a partir da adequação morfossintática às
normas da Libras.
A respeito das técnicas com divergência do sistema linguístico,
aponta: transposição – mudança de categoria gramatical –; modulação
– reprodução da mensagem sob um ponto de vista diverso, implicando o
conhecimento do intérprete a respeito das possibilidades de sentido –; e
equivalência – tradução não literal de um segmento da língua portuguesa
por um funcionalmente equivalente.
Já a respeito das técnicas que envolvem divergência de estilo, San-
tiago (2012) menciona: omissão e explicitação – em que termos da língua
oral-auditiva desnecessários à Libras são omitidos, e termos omitidos

199
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

na língua oral-auditiva que são necessários à Libras são explicitados –;


melhorias – quando se evita incorrer em erros que foram cometidos no
texto original –; e reconstrução de períodos – reorganização de orações
e períodos do texto original na língua alvo.
Por fim, a respeito das técnicas com divergência da realidade
extralinguística, aponta: compensação – deslocamento de um recurso
estilístico quando não é possível reproduzir no mesmo ponto para um
outro ponto do texto, de efeito equivalente –; transferência – introdução
de material textual do português na língua de sinais, geralmente por
meio de soletração manual (datilologia) –; explicação – eliminação de
um estrangeirismo para facilitar a compreensão, substituindo pela sua
explicação –; decalque – tradução literal de sintagmas ou tipos frasais
de uma língua para a outra –; e adaptação – quando a situação a que se
refere o texto original não existe na realidade extralinguística da língua
de tradução (SANTIAGO, 2012).
A partir desse panorama, Santiago (2012) faz colocações interes-
santes a respeito do que é necessário à prática do tradutor e intérprete:

1.conhecer o sistema linguístico, a estrutura da Libras é fundamental;


2.entender que a situação do surdo não é a mesma do ouvinte;
3.estudar os procedimentos de tradução/interpretação;
4.estudar o português e a Libras e reconhecer os seus elementos linguísticos;
5.pesquisar sua prática a fim de entender qual praxis o qualifica.

A partir do exposto, é possível entender a responsabilidade do tradu-


tor e intérprete, muitas vezes além de sua formação e preparo para lidar
com as situações de tradução/interpretação. O conhecimento detalhado
das línguas envolvidas no processo é de extrema importância. Dessarte,
faz-se necessária a formação de tradutores e intérpretes de Libras con-
forme as diretrizes do Ministério da Educação. Não cabe mais, neste
momento, essa formação emergencial que temos vivenciado no contexto
da educação inclusiva. Portanto, como marca Santiago (2012), é preciso
que haja no ensino superior a formação acadêmico-científica através de
trabalho investigativo visando à transformação da realidade.

200
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Santiago (2012), podemos dizer, traz algumas informações perti-


nentes, sintetizando pontos essenciais para a compreensão de aspectos
da interpretação que precisam ser identificados pelo próprio intérprete
sobre sua atuação, além de se colocar a respeito do que é necessário para
a prática desse profissional.
Outro ponto interessante a ser comentado diz respeito à posição
desse profissional em sala de aula. Inicialmente, acreditávamos que
posicionar-se no canto da sala e agrupar os surdos ali constituiria uma
ação negativa, uma vez que parece gerar uma segregação. Entretanto,
a partir de colocações de Soares (2017), estamos abertos para tentar
compreender uma visão diferente a esse respeito, embora não tenhamos
uma nova opinião formada.
A pesquisadora comenta em seu artigo sua experiência como
intérprete, defendendo que esse posicionamento em sala de aula traz
uma aproximação tanto com o professor – pois sua mesa tende a ficar
centralizada, ou mais próxima de um dos cantos da sala –, quanto com a
lousa – promovendo maior atenção e, até mesmo, apreensão de conteúdos
trabalhados em sala de aula.
Para Soares (2017, p. 3), essa aproximação do quadro e do professor
deve ser vista como um recurso que possibilita ao aluno surdo a apreen-
são das línguas e das disciplinas. Ela acredita, ainda, que a atenção do
surdo tende a diminuir à medida em que este se afasta do intérprete, do
professor e do quadro, uma vez que o aluno surdo perceberá movimentos,
bagunças, risadas e brincadeiras que poderão fazê-lo “perder a atenção
aos conteúdos e às traduções do Intérprete de Libras”.

Essa localização nas primeiras cadeiras também propicia aos


surdos se relacionar mais com o professor de cada disciplina,
de modo a criar maior contato com o aluno surdo e, assim,
o professor regente percebe a compreensão e os modos de
aprendizagem deste aluno; seja nas perguntas, nas respostas
do caderno, nas apresentações de seminários e até nas provas
(SOARES, 2017, p. 3).

201
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Como se vê, a pesquisadora acredita numa identificação maior


entre o professor regente e aluno surdo na sala de aula, ressignificando
o olhar do profissional para esse aluno. Para ela, isso significa dizer que
o professor não precisará perguntar ao Intérprete de Libras se o aluno
compreende os conteúdos e instruções. Assim, a sua atitude “torna-se
referência naquela unidade escolar, demonstrando o respeito ao ensino
e aprendizagem do aluno surdo, dirigindo o olhar ao surdo e não ao
intérprete num diálogo” (SOARES, 2017, p. 3).
Pode-se argumentar, entretanto, e argumentamos, que é papel do
aluno buscar concentrar-se nas aulas a fim de ter uma melhor compre-
ensão do conteúdo. Assim como o aluno surdo pode distrair-se com
movimentos, bagunças, risadas e brincadeiras, o aluno ouvinte pode
distrair-se com conversas paralelas de colegas, comentários e risadas.
Seria exigir do aluno ouvinte concentração e “buscar fornecer alunos
surdos com as condições necessárias de concentração” uma forma de
conduzir uma educação inclusiva?
Entendemos que cabe ao aluno trabalhar sua concentração e o respeito
ao espaço de aula. Por outro lado, entendemos que o professor também
exerce um papel fundamental nesse quesito, uma vez que deverá auxiliar
na motivação de todos os alunos pelo aprender, além estar atento às reações
de todos ao conteúdo, independentemente de suas localizações em sala de
aula, tirando do intérprete o peso de ser também professor, de exercer duas
funções em sala de aula, como parece acontecer em diversas situações.
A esse respeito, Quadros (2004) afirma que o papel do intérprete
em sala de aula costuma ser confundido com o do professor, fazendo
com que alunos se dirijam a esse profissional para sanar suas dúvidas e
com que os professores deleguem aos intérpretes a responsabilidade de
ensinar os conteúdos aos alunos surdos.
Através das leituras realizadas e de nossa vivência em escolas,
observamos que a improvisação do intérprete/tradutor de Libras – com
relação a aspectos da interpretação e a seu papel em sala de aula – não
ajuda muito o surdo. No entanto, parece-nos que alunos e professores
estão “quase” satisfeitos.

202
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A respeito da função do intérprete, Scholl (2008, p. 332) afirma que

O intérprete determina o conteúdo do que é dito e transfere a


sintaxe e o vocabulário para uma “imagem”. Para interpretar
o sentido mais fielmente, é necessário constante referência
ao conhecimento de mundo do intérprete, ao contexto e ao
registro do discurso.

A imagem à qual Scholl (2008) se refere será, então, rapidamente


convertida em um enunciado na língua alvo. Para isso, o intérprete de-
verá tomar decisões quanto à estrutura geral: qual parte do sentido vem
primeiro e qual vem em segundo lugar. Por fim, a sintaxe e o léxico são
reformulados e enunciados.
Os tradutores e intérpretes devem estar preocupados principal-
mente em acomodar as necessidades de linguagem e comunicação dos
consumidores da mediação da linguagem e devem estar conscientes das
diferenças culturais. A natureza do trabalho de interpretação envolve
vários contextos e uma variedade de participantes, com demandas de-
correntes de diversas fontes. Portanto, para interpretar com sucesso entre
idiomas e lidar com as múltiplas exigências impostas pelo trabalho de
interpretação, é fundamental que os intérpretes permaneçam envolvidos
com a comunidade e trabalhem como membros de “equipe” com outros
profissionais (DAVIS, 2005).
Para Hensley (2011), um intérprete estuda um evento que envolve o
discurso, e deve considerar crenças e práticas culturais, posições e normas
da língua. Um intérprete profissional torna possível a comunicação entre
surdos e ouvintes. As interpretações de um bom intérprete em ambas as
direções são informadas por, e incorporam, informações culturais. Essa
incorporação é uma prática fundamental de intérpretes qualificados.
Hensley (2011) afirma ainda que intérpretes profissionais são
treinados para manter um nível de separação e anonimato que os torna
menos intrusivos à configuração de comunicação, e que qualquer tipo de
participação direta é desencorajada a menos que considerada necessária
para facilitar a comunicação.

203
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Diferentemente, Santos Paiva (2014, p. 76), em sua pesquisa de


mestrado, identificou que eles são vistos como peça-chave para o bom
funcionamento do processo de ensino-aprendizagem, isentando os pro-
fessores da necessidade de repensar sua prática docente. “Isso é muito
grave, pois, como o próprio nome diz, o papel desse profissional limita-se
ao ato de interpretar o que é dito pelo professor, a quem [...] a tarefa de
promover e mediar a busca e a construção do conhecimento”.
Silva e Oliveira (2016, p. 709) apontam quatro aspectos que que
julgam altamente relevantes:

Em primeiro lugar, nossas análises indicam que, no espaço


escolar, a interpretação se entrelaça com os processos de
ensino e de aprendizagem, conferindo à ação do intérprete
particularidades que necessitam de maior discussão e atenção
por parte dos sistemas de ensino e também de pesquisadores,
de maneira a possibilitar a realização de novos estudos acerca
de seu trabalho. O segundo aspecto refere-se à necessidade
de se repensar a formação do intérprete que atua no campo
educacional a qual, além da abordagem linguística, também
deve contemplar questões pedagógicas. O terceiro aspecto diz
respeito à importância do professor fluente em Libras surdo,
nas escolas denominadas bilíngues, bem como a relevância
desse profissional para a atuação do próprio intérprete, pois é
a partir do contato entre pares linguísticos que o aluno surdo
terá maiores subsídios para se apropriar dos conhecimentos
trabalhados na escola e, também, compreender o processo de
interpretação. Por fim, destacamos a urgência de se ampliar as
discussões acerca da política bilíngue implantada por alguns
sistemas de ensino que se centram essencialmente no trabalho
do intérprete, em detrimento de participação ativa de outros
profissionais da escola; ao mesmo tempo em que não são ofe-
recidas condições básicas de trabalho no espaço educacional.

Na sala de aula, por meio de determinadas práticas sociais, no caso


de estudantes surdos que demandam a atuação do intérprete, esse processo
adquire certas peculiaridades (SILVA; OLIVEIRA, 2016).

204
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

A esse respeito, Lacerda (2000) aponta que o trabalho do intérprete


ocorre em condições precárias de atuação se considerarmos a grande
demanda, a escassez de profissionais propriamente qualificados, a falta
de organização na escola que leve em conta a atuação do intérprete e
sua efetiva inserção na dinâmica de sala de aula. De fato, a interpretação
entre duas línguas não-nativas exige maior preparação e treinamento das
habilidades.
Por fim, Moraes (2018), a respeito da interação entre os TILSP e
professores e alunos, chama atenção para os seguintes fatos observados
em sua pesquisa:

•nem sempre a interpretação das propostas de atividades pelos professores é


entendida por todos, o que exige que o(a) TILSP explique outra vez e de outra
maneira ou peça o auxílio do professor. Entretanto, raramente os profissionais
observados recorriam aos professores.

•o(a) TILSP respeita o tempo dos alunos surdos e aguarda que terminem o
raciocínio, embora não medie, muitas vezes, a relação aluno-professor. As
informações tendem a seguir uma via de mão única, saindo do professor,
passando pelo(a) TILSP, e chegando ao aluno surdo – não há retorno, não
há troca;

•as dúvidas individuais dos alunos não são sanadas nem socializadas. Nas
realidades observadas, dúvidas não são repassadas para os professores, ou
o são com certo atraso, quando os surdos insistem, adiando e até impedindo
seu avanço;

•quando os TILSP desconhecem certo termo em uma das línguas envolvidas


na sala de aula, a interpretação é prejudicada e os alunos ficam à margem do
conhecimento na maioria dos casos.

Além disso, a “interpretação entre uma língua de sinais e uma ter-


ceira língua, que não é a língua nativa do intérprete, essa atividade parece
ser significativamente mais difícil” (SCHOLL, 2008, p. 334). Afinal, no
campo da interpretação de línguas visuais-espaciais, costuma-se trabalhar
com a língua de sinais nacional e a língua oral oficial desse mesmo país.

205
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Entretanto, quando se trata do ensino de uma língua estrangeira, esses


profissionais são requisitados a interpretar para uma terceira língua, a
língua estrangeira (Scholl, 2008), da qual, muitas vezes, esses não pos-
suem domínio (MORAES, 2018; KUPSKE, 2018).
É possível perceber que a realidade dos TILSP exige grande pre-
paração e treinamento das habilidades necessárias. Exige-se mais do
que o profissional deveria desempenhar, segundo a própria legislação.
Portanto, podemos refletir que é necessária uma melhor estruturação da
formação de tradutores e intérpretes, além de diversificação nos percursos
de formação, considerando a língua estrangeira. Assim, seria possível um
leque de profissionais especializados para o desempenho de atividades
tradutórias e interpretativas específicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma pesquisa bibliográfica, realizamos o levantamento


de textos que nos permitiriam traçar reflexões acerca de desafios e pos-
sibilidades da participação de tradutores e intérpretes de línguas de sinais
e português (TILSP) no ensino de língua inglesa em contextos inclusivos
frequentados por alunos surdos.
Chamam-nos atenção principalmente essas questões: 1) quando
se trata do ensino de uma língua estrangeira, TILSP são requisitados a
interpretar para uma terceira língua, a qual, muitas vezes, desconhecem
e para a qual não são formados; 2) embora a legislação mencione apenas
a tradução/interpretação ente língua de sinais e língua oficial do país,
ao exigir que o profissional medie relações nos diversos componentes
curriculares, a legislação os põe em situação na qual precisam conhecer
três ou mais línguas; 3) a consequência dessas situações leva o TILSP
a uma exposição e o estudante surdo a uma situação de marginalização
em sala de aula, no sentido de falta de acesso de qualidade ao conteúdo
e às interações em língua adicional.
Portanto, faz-se necessário uma melhor estruturação da formação de
tradutores e intérpretes, além de diversificação nos percursos formativos,

206
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

considerando a língua estrangeira – o que possibilitaria a formação de


profissionais para o desempenho de atividades tradutórias e interpreta-
tivas específicas.
Por fim, este capítulo não buscou esgotar reflexões acerca da parti-
cipação do TILSP nas aulas de inglês, e ressalta a necessidade de investir
em mais pesquisas sobre o tema.

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discussões sobre os estudos de tradução e
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208
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS NO CONTEXTO


RELIGIOSO - UMA ANÁLISE A PARTIR DA LINGUÍSTICA
SISTÊMICO-FUNCIONAL

Osilene Maria de Sá e Silva da Cruz


Cleudes Moreira de Jesus Alves

INTRODUÇÃO

Conforme Strobel (2009), povo surdo é o próprio surdo com a sua


história, costumes, língua, cultura e tradição. Esse povo, que outrora
fora discriminado ao ponto de serem mortos, abandonados e excluídos,
atualmente, em face a sua luta e determinação, conseguiu vencer várias
barreiras: sociais, educacionais e profissionais, ainda que muito ainda
há que se fazer para o pleno usufruto de direitos. A consolidação da
Língua Brasileira de Sinais (Libras) no Brasil, em 2002, por meio da
Lei 10.436/2002, que reconhece a Libras como “meio de comunicação
e expressão da comunidade surda” (BRASIL, 2002), é considerada um
marco que abriu espaço para as outras conquistas dos sujeitos surdos.
Vale ressaltar a importância do contexto religioso para a formação
do sujeito surdo e, mais especificamente, dos Tradutores Intérpretes de
Libras – Língua Portuguesa (TILSP) como mediadores no processo de
evangelização desses sujeitos, contribuindo também para formação da
comunidade surda como leitora e produtora de textos. Os TILSP, muitas
vezes, foram desafiados a levar mensagens religiosas durante celebrações
das missas, liturgias, sacramentos, cultos evangélicos, reuniões de cunho

209
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

espírita, cursos, entre outras atividades oferecidas pela igreja, onde o ob-
jetivo é a evangelização e inclusão social, lembrando que o protagonista
em questão é o sujeito surdo.
Assis Silva (2013) concentra sua pesquisa na importância da
atuação das Igrejas Católica, Luterana e Batista na formação do su-
jeito surdo e destaca a presença de agentes religiosos atuantes em
vários espaços, como escolas especiais e em contextos de formação
profissional e religioso frequentados por sujeitos surdos. Em um es-
tudo anterior, Assis Silva e Teixeira (2008) mostraram que as missas,
desde 1999, eram transmitidas pela TV Canção Nova com a atuação
do intérprete de língua de sinais no canto inferior da televisão e que,
a partir de 2000, o mesmo passou a acontecer com os cultos da Igreja
Internacional da Graça de Deus, mostrando, assim, marcas da Igreja
Carismática Católica e da Igreja Neopentecostal, respectivamente. A
presença do contexto religioso na formação do sujeito surdo é assim
destacada por Assis Silva (2013):

A Igreja Católica produziu em 1969, o dicionário “Lingua-


gem das mãos”, de padre Eugênio Oates. Em 1983, luteranos
juntamente com católicos, publicaram o livro Linguagem de
sinais do Brasil, que traz também uma coleção de sinais, livro
que inaugura a afirmação da surdez como particularidade
linguística. A Igreja Batista, em 1987, publicou o dicioná-
rio Comunicando com as mãos e, em 1991, o dicionário de
sinais bíblicos O clamor do silêncio. A instituição religiosa
Testemunhas de Jeová, em 1992, produziu o dicionário
“Linguagem de sinais’’, reeditado em 2008. Recentemente,
a Igreja Católica publicou um novo dicionário de sinais
religiosos, em formato virtual”. Além disso, agentes com
trajetória protestante, em âmbitos laicos, em escolas e uni-
versidades, também produziram dicionários laicos, como
exemplo, Capovilla e Raphael (2001) e Ronice Piantá (1990)
(ASSIS SILVA, 2013, p. 08).

De acordo com o pesquisador, “Historicamente ausente no meio


católico, timidamente presente no meio luterano (com as notáveis ex-

210
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ceções de Ricardo Sander, Ronice Quadros e Ely Prieto), o intérprete


em verdade é o cerne absoluto da missão batista com surdos” (ASSIS
SILVA, 2013, p. 13).
Conforme dados apresentados pelo Diretório Geral da Catequese,
a Igreja não emprega apenas uma forma ou método de evangelização,
não fica restrita a um tempo ou um espaço, ela acompanha as mudan-
ças, sem perder sua essência, com o objetivo de levar Cristo a todos
os que precisam. Com relação à evangelização do povo surdo, é ainda
mais diferenciada, se levarmos em consideração o que Campello (2007,
p.136) enfatiza sobre as estratégias e a aprendizagem do surdo que “(...)
estão relacionadas com o uso da visão, em vez da audição [...]. Esses
processos exigem uma nova forma de pensar o nível perceptivo e o
processamento visual daquilo que rodeia o sujeito surdo....”.
Nesse sentido, ao se pensar na temporalidade, nos contextos e nas
variações espaço-temporais, adequam-se os conceitos e concepções da
Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994) a este estudo, que
se dedica a mostrar variações tradutórias de um texto sensível, presente
na Bíblia Sagrada (Salmos, 90/91), que passou por reflexões e/ou (re)
textualização no momento de tradução e interpretação em Libras. As
variações se justificam por serem escolhas linguísticas que desencadeiam
outros/novos sentidos nos discursos e são decorrentes de duas caracte-
rísticas marcantes da LSF – os contextos de cultura e situação, que serão
explicados posteriormente.
Este artigo apresenta uma pesquisa de cunho bibliográfico e
descritivo-explicativo (GIL,2002) e busca analisar escolhas e estra-
tégias realizadas por uma TILSP, ao traduzir um texto religioso e
de que forma essas escolhas impactaram o significado do discurso
apresentado ao interlocutor, senso a análise baseada na perspectiva
sistêmico-funcional da linguagem, que oferece recursos e subsídios
para a análise de um texto de partida em português escrito e de chegada
(traduzido) em Libras.
Uma das dificuldades encontradas na tradução de um texto sagrado é
o estilo da linguagem utilizada, onde se encontram metáforas e parábolas,

211
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

inseridas em uma tradição e cultura de um povo em um tempo distinto


e remoto do leitor contemporâneo. Algumas indagações norteiam este
artigo: Que estratégias foram utilizadas pela TILSP para traduzir e inter-
pretar o texto bíblico? De que forma essas estratégias podem impactar o
texto de chegada para a comunidade surda?
A escolha pelo contexto religioso da Igreja Católica se justifica
por interesse pessoal e por atuação em celebrações dominicais (missas)
de uma das autoras, como intérprete de Libras na Pastoral dos Surdos,
no Rio de Janeiro, onde a referida pastoral tem um coordenador surdo
e um coordenador ouvinte, que participam da organização das leituras,
do calendário anual dos eventos da Igreja Católica, passeios, visitas mis-
sionárias, oficinas, retiros espirituais, palestras, entre outras atividades.
Além disso, as autoras têm desenvolvido outros estudos envolvendo essa
temática em um curso de Pós-Graduação oferecido pelo Instituto Nacio-
nal de Educação de Surdos, denominado Tradução de textos de língua
portuguesa para Libras. Apresentamos a seguir as principais informações
teóricas que norteiam o presente trabalho.

A IGREJA CATÓLICA E A PASTORAL DO SURDO

A igreja Católica foi a precursora na área da educação dos surdos


(ASSIS SILVA, 2013). A Pastoral dos Surdos é uma ação evangelizadora
formada por surdos de diferentes faixas etárias, assim como por parti-
cipantes ouvintes que queiram aprender a língua de sinais, sacerdotes,
religiosos, intérpretes ouvintes e surdos, procurando levar a mensagem
de Jesus Cristo a todos. Tem como objetivo levar a palavra de Deus para
todos os surdos através da Evangelização, da inclusão e do respeito à
sua cultura e história, destacando-se a língua de sinais como condição
primordial dessa comunidade para todas as manifestações, de cunho
cultural, religioso, acadêmico ou social.
A Lei de Libras ou Lei nº. 10.436/2002, publicada em 2002, reco-
nhece a língua de sinais brasileira como o meio pelo qual os surdos se
comunicam:

212
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma


de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico
de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constitui um sistema linguístico de transmissão de idéias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil
(BRASIL, 2002, s.p.).

Antes do reconhecimento da Libras, teve início a história da Pas-


toral dos Surdos no Rio de Janeiro, no Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES), em 1981, quando um grupo de jovens surdos sentiu a
necessidade de conhecer e se aprofundar na Palavra de Deus, participar
das missas e receber os Sacramentos (Batismo, Eucaristia, Crisma, Re-
conciliação ou Penitência, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio).
Mediante o apoio das religiosas da Ordem Beneditinas e de alguns pro-
fessores, foi fundado o primeiro grupo denominado Deficientes Auditivos
Jovens Unidos a Cristo - DAJUC, dando início às atividades pastorais.
O monsenhor Vicente de Paulo Penido Burnier e a professora Orquidéia
estiveram à frente das atividades pastorais.
Há que se ressaltar que a Pastoral dos Surdos teve como prota-
gonistas dois padres que contribuíram grandemente com o trabalho
religioso para os surdos: o Padre Eugênio Oates, ouvinte, americano,
pertencente à Congregação do Santíssimo Redentor, e o Monsenhor
Vicente Penido Burnier, surdo de nascença, brasileiro. O Padre Oates,
em 1969, criou e publicou um dicionário intitulado Linguagem das
mãos, onde apresentava sinais religiosos e sinais cotidianos, dando,
assim, ao leitor surdo melhores condições de apropriação da sua lín-
gua. O dicionário é apresentado por meio de fotos do próprio padre
sinalizando a descrição de cada sinal.

213
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Figura 1. Descrição do sinal referente a “ainda não”

Fonte: arquivo pessoal (OATES, 1969).

Em 1983, o padre Oates, juntamente com os agentes religiosos lu-


teranos Harry e Shirley Hoemann, editou e publicou o livro “Linguagem
dos sinais do Brasil”. Assis Silva (2013, p. 12) relata que “ainda nos
anos 1980, eles se apropriaram do livro católico de Eugênio Oates para
aprender os gestos necessários à evangelização dos surdos. Além disso,
também incorporaram muitos dos argumentos luteranos”. Em 1987, o
padre publicou o livro “Comunicando com as mãos” e, em 1991, a Junta
das Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira lançou o livro
“Clamor do Silêncio”. Em 1992, representantes da igreja Testemunhas de
Jeová publicaram o dicionário “Linguagem de Sinais”, reeditado em 2008.
A missão da pastoral dos surdos vai além do ato de interpretar e
traduzir os textos sagrados para celebrações dominicais, tanto que, ao
longo do século XX, começaram a despontar diversas pastorais no Rio
de Janeiro e em vários estados brasileiros, com o objetivo de catequizar
e cuidar do povo surdo em âmbito social e educacional. Atualmente, no
Rio de Janeiro, há paróquias em que a comunidade surda se faz presen-
te: Copacabana, Méier, Penha, Lagoa, Jacarepaguá, Riachuelo, Campo
Grande, Pavuna, Tijuca, Niterói (Icaraí), Macaé (Centro), São Gonçalo
(Columbandê), Nova Iguaçu (Centro), Campos dos Goytacazes (centro),
Volta Redonda (São João), São Pedro da Aldeia (na igreja Matriz) e São
João de Meriti.

214
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

O PAPEL DO TILSP NO CONTEXTO DA IGREJA CATÓLICA

Nas atividades paroquiais onde há a presença de um ou mais surdos,


faz-se necessária a presença de um intérprete de Libras, o que se configura
como um direito da comunidade surda, amparado por lei (BRASIL, 2002;
2005; 2015), sendo que esse direito não se restringe ao contexto escolar,
em que se julga obrigatória a presença e atuação de um profissional in-
térprete como mediador entre duas línguas semântica e estruturalmente
distintas, sendo uma língua oral auditiva (português, L2 do sujeito surdo)
e outra língua gesto visual (Libras, L1 do sujeito surdo). Na verdade, esse
profissional representa uma ponte linguística entre a língua de origem
(língua portuguesa) para a língua alvo (Libras) ou vice-versa, de modo
a garantir ao surdo a compreensão da Palavra de Deus.
A atuação do intérprete data de tempos remotos, aliás, iniciada e
praticada, na maioria das vezes, no seio familiar, compartilhado por
pessoas surdas e ouvintes, embora somente no século XXI, mais espe-
cificamente, no ano de 2005, por meio do Decreto 5.626/2005, a função
tenha sido regulamentada legalmente, no Capítulo V, da “Formação do
Tradutor e Intérprete de Libras - Língua Portuguesa”, Artigos 17 a 23, e,
no capítulo VI, “Da Garantia do Direito à Educação das Pessoas Surdas
ou com Deficiência Auditiva”. Outro avanço para a comunidade surda
com relação ao TILSP ocorre com a promulgação da Lei 12.319/2010,
que discorre sobre o “[...] exercício da profissão de Tradutor e Intérprete
da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (BRASIL, 2010), implicando a
conquista legal do TILSP por sua atuação profissional.
Cruz e colaboradoras (2021, p. 260) se debruçam sobre a atuação
do intérprete no contexto escolar/educacional e destacam que “(...) a
visibilidade do TILSP merece atenção especial, pois, por ser a Libras
uma língua de natureza visual-motora, no momento da interpretação, o
TILSP fica em evidência, ele precisa estar posicionado em local de fácil
visualização para as pessoas surdas”. Ao atuar no contexto religioso, mais
especificamente, no católico, foco desta pesquisa, o tradutor intérprete
de Libras precisa perceber que seu trabalho é de suma importância e
de altíssima responsabilidade. Por isso, é importante ter conhecimento

215
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

linguístico e cultural, de modo que viabilize em sinais os enunciados


originalmente escritos ou vocalizados, cumprindo, também, o que está
previsto na Lei do Intérprete, Art. 7o: “O intérprete deve exercer sua pro-
fissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes,
pelo respeito à pessoa humana e à cultura do surdo” (BRASIL, 2010).
Vale ressaltar uma orientação da Igreja com relação ao envolvimento
e comprometimento do intérprete em âmbito espiritual, profissional e
acadêmico, por isso, é comum a existência de cursos de Libras, antes da
formação escolarizada (inicial e continuada) em cursos de Bacharelado
e em Pós-graduação, enriquecendo e aprimorando seu conhecimento e
se capacitando para mediar com mais clareza os ensinamentos de Cristo.
De modo a atender as orientações e funções no contexto religioso,
em uma cerimônia religiosa, por exemplo, o intérprete deve chegar à
igreja, com, no mínimo, 30 minutos de antecedência, para conversar com
os surdos, repassar com eles os textos a serem sinalizados, esclarecer
dúvidas com os outros intérpretes, organizar o revezamento, checar as
músicas que serão cantadas durante a celebração. Com relação ao posi-
cionamento, deve-se manter próximo ao altar para que a audiência surda
possa visualizá-lo melhor. As mãos devem estar visíveis, mantendo-se
também a sinalização com velocidade moderada, expressões faciais e
corporais marcantes, de modo que se possam identificar e reconhecer
emoções e sentimentos.
As celebrações litúrgicas são interpretadas de forma simultânea
à língua do país de origem, Língua Portuguesa, no caso o Brasil, para
a língua de sinais brasileira. A interação entre o povo surdo e o povo
ouvinte no momento de celebração traz benefícios para ambos os lados.
Para a comunidade surda, a presença de um intérprete auxilia no desen-
volvimento de sua espiritualidade, promove o uso e aprimoramento da
língua de sinais em um contexto cultural e léxico-gramatical diferenciado.
A presença de intérpretes nas missas configura seu papel como um
agente evangelizador para os surdos, sendo a igreja responsável por inserir
o surdo em outra cultura, outra língua e outra história. Nesse sentido, é
preciso que o intérprete utilize estratégias para acolher, entrar na cultura

216
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

e história dos surdos, observando, inclusive, o conhecimento linguístico


prévio da audiência surda, pois textos sagrados ou sensíveis são ricos em
metáforas, alegorias, informações históricas que merecem ser resgatadas
no momento da tradução e interpretação.

QUESTÕES LINGUÍSTICAS E REFERENCIAL TEÓRICO PRINCIPAL

Esta pesquisa se concentra no escopo da Linguística Sistêmico-


Funcional (LSF), considerando a perspectiva idealizada e desenvolvida
por Halliday (1994) e seus seguidores, tais como Halliday e Matthiessen
(2004), Thompson (2003) e Eggins (1994). Dentre os vários amparos
teórico-metodológicos que se destinam a análise de discursos, interessa-
nos a LSF por entender que o texto é uma rede de significados, criado a
partir de escolhas, que estão inseridas em contextos: o contexto de cultura
e o contexto de situação.
Ao propor a Gramática Sistêmico-Funcional, Halliday (1994), na
década de 1960, recorreu aos estudos do antropólogo Malinowski e do
linguista Firth, precursor de Malinowski. Malinowski, ao estudar textos
traduzidos para o inglês da ilha de Trobriand, verificou que a tradução
dependia do contexto cultural, ou seja, das condições de produção desse
texto, que impactaram no texto de chegada, ou traduzido. Esse fenômeno
é chamado de contexto de cultura, ou seja, estão relacionados aos fatos
que permeiam o texto, que o rodeiam, sejam de natureza social, cultural,
histórica, entre outras. Contextualizando esse conceito com a tradução,
é importante pensar que o tradutor deve levar em consideração esses
fatores, tendo em vista o local, o momento, a circunstância de cada texto
a ser traduzido.
Com relação ao contexto de situação, com base nas pesquisas de
Firth, Halliday (1994) propõe que textos são enunciados cheios de sen-
tido e criados a partir de escolhas, as quais estão articuladas com uma
série de fatores, por exemplo, os participantes do texto e suas relações,
suas funções e suas condições de atuação. Além disso, a modalidade de
apresentação do texto, ou seja, escrito, vocalizado, interpretado em língua

217
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

de sinais, interpretado teatralmente, enfim, dependendo da modalidade e


do objetivo, serão adotadas diferentes escolhas léxico-gramaticais. Por
isso, essas variantes compõem o contexto de situação e são chamadas de
variáveis de registro: campo (assunto do texto), relações (interação entre
os participantes do texto) e modo (veículo do texto).
Uma das dificuldades encontradas na tradução de um texto sagrado,
também chamado de texto sensível, é o estilo da linguagem, diante do
rico uso de metáforas e parábolas, além de informações relacionadas ao
contexto de cultura, ou seja, a tradição e a cultura de um povo sempre
estão muito presentes nas histórias sagradas. Gohn (2001 p.147), um
estudioso sobre essa temática, chama a nossa atenção para o fato de que
“as pesquisas sobre a tradução de textos sensíveis, em sua modalidade
de textos sagrados, constituem uma área de renovado potencial para os
Estudos da Tradução”. Há que se considerar pessoas que frequentam
igrejas, entretanto, podem não compreender expressões corporais e faciais
e/ou sinalizações típicas da Libras, necessárias e que fazem parte da gra-
mática dessa língua, da sua sintaxe e morfologia, itens muito importantes
associados ao contexto de situação.
Comparativamente, um ouvinte que queira acentuar o que está
discursando altera o timbre da sua voz, deixando-se perceber se esse
interlocutor está feliz, triste, bravo ou com algum outro sentimento que
queira expressar. Para que o surdo possa identificar os sentimentos,
a sinalização, permeada pela expressão facial ou corporal, é de suma
importância. Nesse sentido, expressões marcantes e sinais têm como
principal objetivo evidenciar a um público diferenciado o que está sendo
pronunciado, lido, cantado ou recitado nas orações.
As considerações aqui apresentadas se articulam com a LSF, no
sentido de que a teoria destaca a importância dos textos, que devem fazer
sentido, devem ser ricos em potenciais de significados para os partici-
pantes de uma interação linguística. Sujeitos surdos, por não possuírem
a audição, percebem o mundo com os olhos e com as mãos.

218
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa se classifica como bibliográfica, baseada em livros


e periódicos que fomentaram a análise do corpus (texto em português
escrito e a respectiva tradução em Libras). Segundo Gil (2002, p. 44), a
pesquisa bibliográfica se baseia em material já elaborado, como livros
e artigos científicos. Soma-se a pesquisa bibliográfica uma pesquisa
documental, na medida em que documentos jurídicos foram consultados
e considerados na discussão teórico-metodológica. Gil (2002) considera
que pesquisa bibliográfica pode constituir a pesquisa documental, uma
vez que ambas podem ser baseadas em documentos impressos e arqui-
vados em locais específicos.
O corpus da pesquisa é o texto bíblico do Livro de Salmos, o Sal-
mo 90/91, escolhido pela carência de estudos sobre tradução de textos
sensíveis destinados à comunidade surda, além da atuação de uma das
autoras como intérprete de Libras em uma pastoral dos surdos. O processo
de interpretação na igreja passa por algumas fases: acesso do texto a ser
interpretado na celebração dominical, a transcrição de cada sinal, com a
observação dos movimentos e a intensidade dos olhos, das sobrancelhas,
boca e língua e a interpretação propriamente dita. De acordo com Quadros
(2016, p. 21), “A transcrição é um processo que demanda um grande
investimento de tempo e dedicação, particularmente nas pesquisas com
línguas de sinais, que não possuem um sistema de escrita convencional
e plenamente adaptado ao computador.”
Informações divulgadas no site Jovens Católicos1, sobre a autoria
do Salmo 90/91, destacam que, embora não esteja descrito quem escre-
veu esse salmo, “a tradição judaica atribui a Moisés, sendo compilado
depois por Davi”. Algumas numerações dos salmos são compostas por
dois números. Isso ocorre porque originalmente a Bíblia fora escrita na
língua hebraica, traduzida para o grego, depois para o latim e português.

1 Disponível em: https://jovenscatolicos.com.br/artigos-religiosos/salmo-91/. Acesso em: 05


abr. 2022.

219
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CORPUS

O salmo escolhido para a reflexão neste capítulo é um vídeo de


domínio público, que apresenta o Salmo 90/912�. Para facilitar a leitura
da análise, será apresentado primeiramente o versículo (em negrito) e, em
seguida, a interpretação e a análise e discussão (Análise). Não faz parte
do escopo desta pesquisa estabelecer juízo de valor sobre a qualidade da
tradução, e sim uma análise das estratégias da tradutora intérprete para
tornar o texto compreensível por um leitor surdo ou pela comunidade
surda. Por uma questão de limitação de espaço, não será apresentada a
análise do Salmo integralmente, mas outras produções sobre a mesma
temática podem ser encontradas em Cruz e Moreira (2021, no prelo).
Os termos utilizados neste capítulo seguem a perspectiva sistêmico-
funcional de Halliday (1994) cuja tradução foi baseada em Cabral e
colaboradores (2021). Passemos às análises e reflexões.

“Quem habita ao abrigo do Altíssimo”

Análise: é possível verificar que a oração é curta e tem um processo material


(habitar/morar). A interpretação mostra a estratégia de colocar em evidência
o substantivo próprio – Senhor, com a mão dominante em “R” e a mão de
apoio aponta para o item Altíssimo. Vale ressaltar a expressão corporal da
participante, ao elevar a cabeça, como uma forma de localização no espaço.
A sequência da interpretação em Libras mostra o sinal de pessoa junto ao
classificador abrigar com os olhos em direção à chegada da mão de apoio.

2 Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MlzHSJRBsZg O vídeo foi produzido


pelo grupo Effata Kairós/Pastoral dos Surdos, localizada Arapongas/PR. Data de acesso: 15
dez 2021.

220
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

“E vive à sombra do Senhor onipotente”

No versículo em tela, a intenção da intérprete é destacar e reforçar a presença


do participante “Senhor”, em dois momentos, entre eles o sinal de Poderoso/
onipotente (epíteto)

Diz ao Senhor: “Sois meu refúgio e proteção sois o meu Deus, no qual
confio inteiramente”.

O processo verbal “falar” juntamente com o participante “Senhor”, que


continua como uma referência, em ato de deferência, em elevação em rela-
ção ao corpo da intérprete. Ao utilizar o epíteto “esconderijo”, percebe-se
o ombro encolhido. Pode-se verificar no vídeo a repetição do sinal relativo
a “meu proteção” e a ênfase ao sinalizar o enunciado equivalente a “confio
plenamente”, mostrando a intensidade pela confiança em Deus.

221
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

“Nenhum mal há de chegar perto de ti, nem a desgraça baterá à tua


porta”

Nesse versículo, observa-se a estratégia da intérprete em simplificar o enun-


ciado, tornando o significado mais adequado ao público surdo. O processo
bater à tua porta foi traduzido por você não pegará. Literalmente, a sinalização
expõe o significado: Nenhum mal você pegará, em vez de manter o significado
metafórico do versículo (desgraça baterá à tua porta)

“Pois o Senhor deu uma ordem a seus anjos para em todos os


caminhos te guardarem”

Nessa tradução, após o sinal do elemento coesivo/conjunção porque, observa-


se a ordem direta da frase, colocando Deus como o participante do processo
verbal mandar, ao se referir a mandar anjos para guardar/proteger a pessoa
que tem fé. O movimento dos anjos aparece em forma de classificador, como
se estiverem em voo para proteger (processo comportamental) em vez de
utilizar o processo guardar, como no texto de partida.

222
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

“Haverão de te levar em suas mãos para o teu pé não se ferir


nalguma pedra”

Novamente, é perceptível a estratégia e a competência tradutória da intér-


prete ao ampliar a informação, tornando-a mais compreensível pelo surdo
no momento da leitura do referido Salmo. Repete-se, também, o significado
congruente referente à metáfora presente em todo o versículo, ou seja, ela
utiliza os sinais mostrando que o processo tradicionalmente classificado como
existencial haverão, na verdade, tem o significado de mostrar uma modalidade,
ou obrigação, de guiar pela mão para ajudar os pés ao longo dos passos, da
caminhada para não cair no chão e sentir dor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo teve como objetivo principal apresentar um panorama


da atuação do Intérprete de Libras no contexto religioso, já que são pou-
cos os trabalhos que tratam de textos sagrados com/para a comunidade
surda. Partimos de um levantamento bibliográfico, que revelou pequena
existência de produções acadêmicas voltadas para a atuação do intérprete
no contexto religioso, sobretudo, durante as celebrações.
Essa lacuna gera, muitas vezes, mau entendimento dos textos abor-
dados em eventos religiosos, como culto, missa, batizado, reuniões em
igrejas, entre outras. Em se tratando do texto religioso, que tem como
característica o uso de metáforas e alegorias, a atuação do agente intér-
prete torna-se um ato também de pesquisa, ao verificar os contextos de
produção (texto de partida e/ ou ambiente cultural) e de recepção dos
textos chegados.
223
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Ainda há muito o que se caminhar, pesquisar e publicar sobre a


atuação de intérpretes no campo de trabalho e, no caso desta pesquisa,
aprofundar em estudos sobre processo de tradução de textos sagrados,
estratégias que evidenciam a competência tradutória do profissional, de
modo a se manter o foco na audiência surda e oferecer-lhe condições de
leitura e compreensão de textos sensíveis.

REFERÊNCIAS

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225
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

SOBRE OS AUTORES

Antonio Henrique Coutelo de Moraes


Pós-doutorado em Estudos de Linguagem pelo Programa de Pós-gradua-
ção em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso
(PPGEL-UFMT). Doutorado e Mestrado em Ciências da Linguagem
pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Uni-
versidade Católica de Pernambuco (PPGCL-Unicap). Licenciatura em
Letras - Português e Inglês pela Unicap e em Pedagogia pela Uninter.
Atualmente, é professor adjunto do Curso de Letras - Língua Inglesa
da Universidade Federal de Rondonópolis e professor permanente do
PPGCL-Unicap e do PPGEL-UFMT. Participa dos grupos de pesquisa
NEPEL, GETTE e LDM. E-mail: antonio.moraes@ufr.edu.br

Cleudes Moreira de Jesus Alves


Pós-graduanda em Tradução de Texto de Português para Libras no
formato EAD, com previsão de término do curso em 2023. Graduada no
Curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES). Participa do grupo de pesquisa Compreensão e Pro-
dução Escrita por Alunos Surdos e do grupo de extensão com enfoque no
ensino de Língua Portuguesa como L2 para alunos surdos e elaboração
de material didático voltado para esses aprendizes. Aprovada no 7º
Prolibras - Exame Nacional de Certificação em Proficiência na Tradu-
ção e Interpretação da Libras. E-mail: cleudesmjalves@yahoo.com.br

David Ferreira da Silva


Graduado em Letras Português pela Universidade Federal do Pará/
UFPA. Curso de Extensão Aperfeiçoamento para tradutores e intérpretes
Libras-Língua Portuguesa pela UFPA (em andamento). Participa como
Monitor voluntário do Projeto de Pesquisa Prodoutor 2020-2022. E-
mail: davi.ferr.silva@gmail.com

227
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Fabíola Aparecida Dutra Parreira Almeida


Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela
PUCSP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008),
Mestrado em Letras - Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP-
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002) e possui
graduação em Letras - Português - Inglês pela ISEPI/FEI -Fundação
Educacional de Ituiutaba (1988). Atualmente é professora adjunta do
Departamento de Letras da Universidade Federal de Catalão - UFCAT
e professora permanente do Programa de Mestrado em Estudos da
Linguagem, também da UFCAT, Coordenadora do GT. Formação de
Educadores em Linguística Aplicada da ANPOLL. Atua, também, como
Consultora da Capes - Avaliação de polos UAB. Atua, também, como
coordenadora do Centro de Línguas da UFCAT. Orienta pesquisas
na área de formação de professores e análise do discurso Sistêmico-
Funcional, mais especificamente, com o foco no estudo da avaliação
na linguagem - Sistema de Avaliatividade - Appraisal System. E-mail:
fabiolasartin@gmail.com

Giovanna Magno Santos Silva


Professora da Educação Básica (Médio e Fundamental) na Prefeitura
Municipal de Abaetetuba, Pará/Brasil. Pós-Graduação em Docência da
Educação Infantil e Anos Iniciais na Faculdade Serra Geral/FSG (em
andamento). Graduada em Letras Português pela Universidade Federal
do Pará/UFPA. Bolsista Prodoutor 2020-2021. Participa como Moni-
tora voluntária do Projeto de Pesquisa Prodoutor 2021-2022. E-mail:
giovannaeva1901@gmail.com

Guilherme Lourenço
Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva pelo Programa de Pós-
graduação em Linguística da Universidade Federal de Minas Gerais,
com período sanduíche na Purdue University (IN/USA). Mestrado em
Estudos Linguísticos e licenciado em Letras/Inglês também pela Facul-
dade de Letras da UFMG. É professor da Faculdade de Letras da UFMG,
atuando principalmente no Curso de Graduação em Letras-Libras. É
membro pesquisador do Núcleo de Estudos em Libras, Surdez e Bilin-
guismo (NeLIS) e do Núcleo de Pesquisa em Interpretação e Tradução
de Línguas de Sinais (InterTrads). E-mail: guilhermelourenco@ufmg.br

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Isabella Maria de Oliveira Brito


Discente do curso de Bacharel em Tradução e Interpretação em Li-
bras/Língua portuguesa pela UFSCar. Membra do Grupo de Estudos
Discursivos da Língua de Sinais (GEDiLS/CNPq/UFSCar). E-mail:
isabellabrito304@gmail.com

Ivonne Makhoul
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos de Tradução.
Graduação em Comunicação de Surdocego - Gallaudet University
(2014) e graduação em Letras - Libras pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2016). Atualmente, é tradutora/intérprete de Libras/Por-
tuguês/ASL Voluntária e Professora de Libras do Instituto Federal Minas
Gerais, campus Ouro Branco. E-mail: ivonnemakhoul@gmail.com

Izabelly Correia dos Santos Brayner


Doutorado em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de
Pernambuco (PPGCL-Unicap). Licenciatura em Letras Libras pela Uni-
versidade Federal da Paraíba (UFPB) e Bacharelado em Fonoaudiologia
pela Unicap. Atualmente, é professora do Curso de Letras da Unicap
e possui a Proficiência para o Uso e Ensino da Libras (PROLIBRAS).
E-mail: izabelly.brayner@unicap.br

Lucas Eduardo Marques-Santos


Doutorando pelo programa de Pós-graduação Stricto sensu em Estudos
da Linguagem - PPGEL pela Universidade Federal de Catalão - UFCAT.
Mestrado pelo programa de Pós-graduação Stricto sensu em Estudos
da Linguagem - PPGEL pela Universidade Federal de Goiás Regional
Catalão – UFG/RC. Especialização Lato sensu em Educação Inclusiva
com Ênfase me Atendimento Educacional Especializado (AEE) pela
Faculdade Brasileira de Educação e Cultura (2015). Graduação em Le-
tras - Libras pela Universidade Federal de Goiás (2013). Atualmente, é
tradutor intérprete em linguagem de sinais e coordenador pró-tempore do
Núcleo de Acessibilidade da UFCAT. Além disso, participa dos Grupos
de Estudos SAL, Nepel e GEPLAEL. E-mail: lems.lucas@gmail.com

229
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Luciene de Macedo Gomes Viana


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos -
PosLin/Fale/UFMG. Graduação em História pelo Centro Universitário
UniBH (2007). Especialização em Língua Brasileira de Sinais - Libras
(FACINTER). Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/
Língua Portuguesa/Libras e Proficiência no Uso e no Ensino da Libras
(Prolibras). Atualmente, é servidora da Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG, ocupando o cargo de Tradutora e Intérprete de Língua
de Sinais. E-mail: lucienelibras@gmail.com

Márcia Monteiro Carvalho


Doutorado em Estudos da Tradução-UFSC. Mestrado em Letras
Linguística pela UFPA. Especialização em Docência de Libras pela
Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin/FTED. Especialização em
Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade de Ensino Brasil Ama-
zônia/FIBRA. Licenciatura em Letras Português pela UFPA. Intérprete
de Libras/Português pela Associação dos Tradutores/Intérpretes de
Língua de Sinais do Pará/ASTILP. Atualmente, é Professora Adjunta
da Universidade Federal do Pará/UFPA, Campus de Abaetetuba-PA/
Brasil. Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Tradução, PGET/UFSC. Líder do Grupo de Pesquisa em
Discurso e Relações de Poder/DIRE. Participa dos Grupos de Pesquisa
SAL e INTERTRAD. E-mail: mmcarvalho@ufpa.br

Osilene Maria de Sá e Silva da Cruz


Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela
PUCSP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008).
Mestrado em Letras - Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP-
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002) e possui
graduação em Letras - Português - Inglês pela ISEPI/FEI - Fundação
Educacional de Ituiutaba (1988). Atualmente, é professora adjunta do
Departamento de Letras da Universidade Federal de Catalão - UFCAT
e professora permanente do Programa de Mestrado em Estudos da
Linguagem, também da UFCAT, Coordenadora do GT. Formação de
Educadores em Linguística Aplicada da ANPOLL. Atua, também, como
Consultora da Capes - Avaliação de polos UAB. Atua, também, como
coordenadora do Centro de Línguas da UFCAT. Orienta pesquisas
na área de formação de professores e análise do discurso Sistêmico-
Funcional, mais especificamente, com o foco no estudo da avaliação
na linguagem - Sistema de Avaliatividade - Appraisal System. Email:
osilene@ines.gov.br

230
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Patricia Tuxi
Doutorado em Linguística e Mestrado em Educação pela UnB.
Tem experiência na área de Tecnologia e Linguagens, Lexicologia
e Terminografia das línguas de sinais, formação de profissionais
na área de ensino de Libras e formação e profissionalização de
Tradutores e Intérpretes de língua de sinais em contextos educacio-
nais, museológicos, institutos culturais e patrimoniais. Professora
Adjunta no Departamento de Linguística, Português e Línguas
Clássicas - LIP. Atua, ainda, no Programa de Pós-Graduação em
Linguística - PPGL no Programa de Pós-graduação em Estudos da
Tradução - POSTRAD, ambos da Universidade de Brasília (UnB).
Participa como membro do Grupo de Pesquisa Acesso Livre -
tradução audiovisual e acessibilidade cultural. Coordena o Grupo
de Pesquisa Tecnologias e Linguagens das Línguas de Sinais no
Brasil e no Mundo. E-mail: ptuxi@unb.br

Pérola Juliana de Abreu Medeiros


Especialização lato sensu em Tradução e Interpretação de Libras - Por-
tuguês pelo Instituto Singularidades. Pedagoga graduada pelo Instituto
Nacional de Educação de Surdos - INES, no Rio de Janeiro. Atualmente
é tradutora/intérprete do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tec-
nologia de São Paulo. E-mail: perolajuliana33@gmail.com

Solange Maria de Barros


Pós-doutorado na Universidade de Londres (IOE), sob a orientação de
Roy Bhaskar (2013). Doutorado em linguística aplicada e estudos da
linguagem (PUC/SP). Coordenadora do NEPEL - Núcleo de Estudos e
Pesquisa Emancipatória em Linguagem - PPGEL/UFMT. Coordenadora
do Grupo de Pesquisa Emancipatória em Linguagem do CNPq. Profes-
sora associada do Curso de Letras-Inglês da Universidade Federal de
Mato Grosso/UFMT. E-mail:solmarbarros@gmail.com

231
discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Sônia Marta de Oliveira


Doutorado (2020) e mestrado (2015) em Educação pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação da PUC Minas. Especialização em Edu-
cação Infantil (2003) pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais
de Minas Gerais. Graduada em Pedagogia (2001) pela PUC Minas.
Professora da rede municipal de BH (atualmente na educação de jovens e
adultos surdos). Membro do Movimento Bilíngue Mineiro em defesa da
Escola Bilíngue de Surdos. Tradutora e Intérprete de Libras/Português.
E-mail: soninhamarta@gmail.com

Tiago Coimbra Nogueira


Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução-
PGET pelo Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC. Mestrado
em Estudos da Tradução pelo mesmo programa (2016). Graduação em
Bacharelado em Letras Libras pela UFSC (2012). Atualmente, é Profes-
sor do Departamento de Línguas Modernas da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, atuando no curso Bacharelado em Letras – Tradutor
e Intérprete de Libras. Além disso é membro dos grupos de pesquisa
PEDITRADI e GIPES.
E-mail: tiago.coimbra@ufrgs.br

Túlio Adriano Alves Gontijo


Doutorando em Estudos da Linguagem pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em Estudos de Linguagem PPGEL/UFMT. Mestrado em Estudos da
Linguagem pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem
PPGEL/UFMT. Graduação em Letras Libras pela Universidade Federal
de Mato Grosso – UFMT (2018). Professor de Ensino Superior do
Centro Universitário de Várzea Grande - UNIVAG; Coordenador do
Núcleo de Acessibilidade e Inclusão – NAI/UFMT e Tradutor Intérprete
de Libras na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT e Coorde-
nador Acadêmico e de Tradução da ACESSA. LIBRAS. Membro do
NEPEL - Núcleo de Estudos e Pesquisa Emancipatória em Linguagem.
E-mail: tulio.libras@gmail.com

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discussões sobre os estudos de tradução e
interpretação e a atuação dos tils no brasil

Vinícius Nascimento
Pós-doutorando no Departamento de Linguística da Universidade de
São Paulo. Doutorado e Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos
da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Bacharelado em Fonoaudiologia pela mesma instituição.
Professor Adjunto III do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar) e Professor Permanente do Programa
de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Líder do Grupo de Estudos Discursivos da
Língua de Sinais (GEDiLS/CNPq), Coordenador do Laboratório de
Tradução Audiovisual da Língua de Sinais (LATRAVILIS/UFSCar)
e membro-pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Interpretação e
Tradução de Língua de Sinais (InterTrads/UFSC/CNPq).
E-mail: nascimento_v@ufscar.br

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