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ª Aula do Amor de Perdição


Sumário - A construção do herói romântico e o amor paixão.
O amor paizão e o seu carácter fatal, a força transgressora, que vai ser a força motriz,
e que vai fazer com que o conflito se desenrole.
Nota Bem: o amor é uma força transgressora, porque vai ser o amor que vai
estabelecer o contraste entre estas personagens e a sociedade em que se
movimentam e que os transforma em heróis e, em contraste com a sociedade, em
anti-heróis.
O carácter fatal do amor acontece, porque vai conduzir as personagens Simão e
Teresa para um destino irremediável, que as vai conduzir à tragédia.

A obra Amor de Perdição – mostra-nos o herói romântico marcado pelo



Sentimentalismo
Intimismo
Egocentrismo
A força motriz de todo o conflito, de toda a intriga é o amor, um amor absoluto. É a
convicção neste amor que transforma Simão num herói rebelde, num herói focado em
si mesmo, que lhe dá uma tal marca de egocentrismo, do sentido de individualismo, do
desejo de liberdade, de modo a viver o amor absoluto partilhado por Teresa
Albuquerque.
Três Polos de Conflito
Honra

Conflito
Amor Sociedade
Honra, para Simão, é a dignidade ou pundonor.
Tadeu de Albuquerque – honra está relacionada com as convenções sociais, com amor
próprio face à sua relação com a sociedade e a instituições como a família, a igreja, a
sociedade.
É um conflito irresolúvel, porque não há possibilidade de compromisso entre as
personagens Simão e Teresa de Albuquerque e a sociedade. Daí estas personagens se

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transformarem em heróis, porque a sociedade não compactua com os seus valores.
Simão não cede aos valores sociais da época que condenam o seu amor por Teresa.
Assim, a morte é o regresso

Noção de herói – quais são os contornos que o definem?



Na sua dimensão absoluta, num espaço metafísico – o céu, espaço de vivência deste
amor idealizado.

Subjacente um sentimento trágico de vida
Definição de herói romântico – Trata-se de uma personagem de exceção, dotada de
grande força vital, nobreza de carácter, bem como de uma grande sensibilidade
romântica (no sentido de expressão livre das emoções, porque são essas que
assinalam a particularidade do indivíduo).
É uma figura que se idealiza a si mesmo e idealiza o próprio amor, um mundo melhor.
Defende inflexivelmente os valores morais: liberdade, amor, justiça
O início do século XIX é marcado por essa fratura entre uma cosmovisão do mundo
absolutista e uma outra cosmovisão do mundo ligada ao liberalismo, aos valores
liberais da Revolução Francesa.
O herói romântico exclui-se da comunidade por não aceitar as regras e valores. Fica à
margem e transforma-se num anti-herói, porque não está inserido nas convenções
sociais da época.
Torna-se uma figura rebelde, melancólica e introspetiva.
Como não realiza os seus sonhos, os seus sentimentos, cai numa insatisfação
existencial e morre tragicamente, porque não se desvincula do compromisso assumido
com aquilo em que acredita, o amor. Sendo assim, Simão Botelho constitui-se um
herói romântico.
Genealogia – A sua força vital aparece logo através da sua genealogia.

Capítulo I
“O Corregedor admirava a bravura do seu filho Simão e dizia à consternada mãe que o
rapaz é a figura e o génio do seu bisavô, Paulo Botelho Carriço, o mais valente fidalgo
que dera Trás- Os -Montes.”

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A propósito das ameaças que Baltasar Coutinho faz a Teresa de Albuquerque, esta
escreve uma carta a Simão Botelho.
“O académico, chegado ao período das ameaças, já não tinha luz nos olhos para
decifrar o restante das cartas. Tremia de sazões e as artérias centrais arfavam-lhe
entumescidas. Não era sobressalto de coração apaixonado. Era a índole arrogante que
lhe escaldava o sangue. Defesa da sua dignidade que lhe provém de uma força interior
muito grande e que o define desde o início.”

Capítulo VI - Evidencia a nobreza de carácter de Simão Botelho


Simão e o ferrador João da Cruz, pai de Mariana.
“Simão estendeu a mão ao ferrador, e disse, comovido:
- Dê cá a sua mão; quero na minha a mão de um homem honrado.”

A honra surge relacionada com as figuras do povo. João da Cruz é um homem do povo.

É uma ideia romântica.
(Após o segundo encontro com Teresa, junto dos muros da casa dela, Simão é
perseguido por dois criados de Baltasar Coutinho e um deles escapa e fica magoado,
mas João da Cruz é implacável e acaba por matá-lo. E, nesse momento, Simão Botelho
mostra-se indignado e não aceita essa situação.
“- Não mate o homem, senhor João - disse o filho do Corregedor.”

Simão teve um momento de horror do homicida e de arrependimento de se ter ligado
a tal homem…” (cap.VI)

Carta de simão a Teresa, Capítulo VIII


Os ideais de amor, liberdade, justiça. Oposição à sociedade, às convenções sociais da
época, não aceita as regras, nem os valores da época. Um anti-herói daquele tempo,
mas, ao mesmo tempo, um herói, porque não abdica das suas convenções.
“É necessário arrancar-te daí – dizia a carta de Simão (…) Não sei de que me serve a
vida , o não sacrificar a salvar-te. Creio em ti, Teresa, creio. Ser-me-ás fiel na vida e na
morte. Não sofras com paciência, luta com heroísmo.

Rebelde acredita no seu poder enquanto indivíduo, enquanto força transformadora
da sociedade .

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“A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma afronta.”
↓ ↓
Vergonha subjacente a crítica à autoridade paterna.
Não aceita as regras e os valores.

Convento de Viseu - recado de Teresa entregue por Mariana a Simão – Capítulo X


“- O primo Baltasar! – murmurou ele com um sorriso sinistro. Sempre este primo
Baltasar cavando a sua sepultura e a minha.

Aqui outra vez a sua raiva, a sua rebeldia, a sua impossibilidade de aceitar o que está
estabelecido
“ A minha paixão não se conforma com a desgraça. Se tens força para uma agonia
lenta, eu não posso com ele (…) Tu deras-me com o amor uma religião . Ainda creio,
não se apaga a luz que é tua, mas a providência divina desamparou-me…”

A entrega absoluta a este sentimento, que não vai ser possível de concretizar, dada a
inimizade existente entre as duas famílias.
Há uma idealização de si, do amor, do mundo, e da possibilidade de concretizar esse
amor em sociedade.
Este conceito de amor, assumido por Simão Botelho, baseia-se na dignidade.
Para o casal apaixonado, a liberdade corresponde à vivência desse amor. Associa-se a
esperança a um mundo no além, onde a perfeição do amor vence inexoravelmente as
correntes sociais e dilui os valores desse amor.
“Lembra-te de mim. Vive para explicares ao mundo com a tua lealdade uma sombra, a
razão por que me atraíste ao abismo. Escutarás com glória a voz do mundo, dizendo
que eras digna de mim.” ↓
Entrega ao mundo individual, porque esta sociedade é pautada pela
desumanidade e pela intransigência, tendo como farol de conduta não o ser
humano, o amor, mas sim a convenção social, que se pauta por um egoísmo e por
valores próprios, que não são os defendidos por Simão Botelho.
Encontro fatal – Convento de Viseu, onde Teresa fora encarcerada por seu pai numa
fase transitória – Capítulo X
“É incrível que este infame aqui viesse! - exclamou o de Castro D’Aire.
(…)

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- É parvo este homem! – disse o académico. Eu não discuto com sua Senhoria… Minha
Senhora - disse ele a Teresa com a voz comovida e o semblante alterado unicamente
pelos afetos do coração.- Sofra com resignação da qual eu lhe estou dando um
exemplo
(A vivência do amor) Leve a sua cruz, sem amaldiçoar a violência e bem poder ser que a
meio caminho do seu calvário a misericórdia divina lhe redobre as forças.”

Amor
Sofrimento
Resignação
Rebeldia face à sociedade
Neste momento, dá-se aquela peripécia terrível que é a morte de Baltasar Coutinho.
Simão vai matar Baltasar, nessa luta que ambos estabelecem um com o outro e vai
mostrar a sua nobreza de carácter e a sua honra, uma vez que não foge. É-lhe
proposta a fuga. Mas Simão não aceita.
(…)
Baltasar tinha o alto do crâneo aberto por uma bala (…). Os liteireiros e os criadores
rodearam Simão que conservava o dedo no gatilho da outra pistola (…)
- Fuja, que a égua está ao cabo da rua – disse o ferrador ao seu hóspede.
- Não fuja… salve-se e depressa – respondeu Simão.
- Fuja, que se ajunta o povo e não tardam aí soldados.
- Já lhe disse que não fujo - replicou o amante de Teresa, com os olhos postos nela,
que caíra desfalecida nas escadas da igreja.
- Está perdido! – tornou João da Cruz.
- Já o estava. Vá-se embora, meu amigo. Por sua filha lhe rogo. Olhe que pode ser-me
útil. Fuja.
capítulo XII

Nobreza de carácter e sentido de honra de Simão Botelho. Não foge.
Condenado à forca,

O Meirinho Mor propõe-lhe a hipótese de fuga.



Subjacente a crítica à corrupção da justiça (…)

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“- Vossa Senhoria! – disse o Meirinho espantado e, aproximando-se, acrescentou a
meia voz – Venha que eu deixo-o fugir.
- Eu não fujo – tornou Simão. Estou preso. Aqui tem as minhas armas. E entregou as
pistolas …
(…)
“Simão Botelho vira imperturbável o seu julgamento.”
(…)
Ouviu o réu a sentença de morte natural para sempre na forca arvorada no local do
delito,
- Ides ter um belo espetáculo, senhores. A forca é a única festa do povo.”

Simão mostra-se desdenhoso dos valores desta sociedade, nos quais não se
reconhece.
Mantém a sua integridade e condena os valores da época.
Carta de Tersa a Simão no Convento de Monchique - Porto, capítulo XIII
“Simão, meu esposo, sei tudo. Está connosco a morte…
(:..) Ouvi a notícia da tua própria morte, e então compreendi porque estou morrendo
hora a hora
Aqui está o nosso fim, Simão (…)
Ver-nos-emos num outro mundo, Simão?

Misticismo cristão – consolo e crença numa vida eterna, mas não dentro desta
sociedade, não na vida terrena.
Dá-se mais tarde a possibilidade de comutação da pena da forca para a pena do
degredo. E Tadeu Albuquerque, o pai de Teresa, vai interferir, para que a pena não seja
comutada, para que Simão seja condenado.
Capítulo XIV – O Desembargador diz a Tadeu Albuquerque que se não se tivesse
oposto a esta relação amorosa, nada disto teria acontecido. O Desembargador tem
consciência da figura de exceção de Simão Botelho, que tem tudo para ser um
desgraçado, é um desgraçado e, no entanto, não pede clemência.
Simão Botelho idealiza um mundo melhor. É o indivíduo em oposição à sociedade.
“ Esse infeliz moço contra quem o senhor solicita desvairadas violências, conserva
honra na altura da sua imensa desgraça.”

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Há um reconhecimento por parte da figura do Desembargador da figura de exceção de
Simão.
“Disse-me que não pedia nada a quem consentiu que os delitos do seu coração e da
sua dignidade e do pundanor do seu nome fossem expiados num patíbulo (local da
forca). Há uma grandeza nesse homem de 18 anos, Sr. Albuquerque.

Revela grande força vital, nobreza de carácter, assume uma rebeldia, porque é
impossível aceitar, subjugar-se às convenções sociais com as quais não se identifica.
“- Fique o que quiser, mas vá na certeza, se isso lhe serve de alguma coisa, que Simão
Botelho não vai à forca.”
“Quando intimaram Simão Botelho, a decisão do recurso e a graça do Príncipe Regente
(cumprir a sua sentença na prisão de Vila Real) o preso respondeu que não queria, que
não aceitava a graça , que queria a liberdade do degredo (…) não vai à forca . “Cap.
XVIII

Simão rege a sua vida pelo valor da liberdade.

Excerto final do Amor de Perdição do filme de Manuel de Oliveira, em que se dá a


morte de Teresa no Convento do Porto, por causa da tuberculose.
Momento de união entre os dois amantes no patamar do céu.
Simão morre no quarto dia da viagem rumo ao degredo na Índia. Morre de uma febre
maligna que contraiu.
Mariana suicida-se logo depois, quando vê o corpo de Simão ser lançado ao mar.
Logo no início do excerto, vemos a incompreensão do Desembargador que pergunta a
Simão se ele está louco por não aceitar o dinheiro que sua mãe lhe enviara.
Produção Escrita
Redige um texto expositivo em que demonstres que Simão Botelho revela
características do herói romântico.
Os valores, as ideias e os caprichos de Simão Botelho permitem-nos associar a
personagem ao modelo do herói romântico.
Como outras figuras deste arquétipo, Simão é um ser de exceção, que norteia a sua
existência por grandes ideais como o amor, a liberdade, a justiça . Os seus princípios e
valores inquebrantáveis não se coadunam com as convenções e regras da sociedade
de viragem do século XVIII para o século XIX.

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Por esse motivo, Simão entra em conflito com os seus pais e com aqueles que são um
obstáculo à realização dos seus ideais e dos seus princípios. Consequentemente, o
académico compreende que não pode (nem pretende) integrar-se na sua comunidade.
Como resultado, o seu projeto de vida naufraga e a personagem, que se mantém fiel
aos seus compromissos e aos seus códigos de conduta, mergulha numa profunda
angústia e num isolamento existencial, que nem as cartas nem a presença de Mariana
rompem.
Concluindo, como sucede com outros heróis românticos, a ideia de fracasso acaba por
conduzir Simão a um final trágico.

Síntese
Figuras de exceção que rompem com o que está instituído, que assumem desafios e
que os levam até ao fim

Simão procura o amor idealizado, absoluto e sem limites



Entra em conflito com a autoridade dos pais.
Neste conflito revela coragem
determinação
honra
respeito por outros de condição social inferior
“Já lhe disse que não fuja”
Simão (capítulo X)

. Simão vive no seu mundo – isolamento existencial


. Opõe-se às regras impostas pela sociedade.

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