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A existência de Deus

Será que Deus existe? Esta é uma questão fundamental, uma questão que a maior parte
das pessoas já enfrentou num ou noutro período da vida. A resposta dada por cada um de nós
não afeta apenas a forma como agimos, mas também a forma como compreendemos e
interpretamos o mundo e o que esperamos do futuro. Se Deus existe, a existência humana pode
ter sentido e podemos mesmo ter esperança na vida eterna. Se não, temos de criar nós mesmos
o sentido das nossas vidas: nenhum sentido será dado a partir do exterior e a morte será
provavelmente definitiva.
Quando os filósofos voltam a sua atenção para a religião, costumam examinar os vários
argumentos que têm sido oferecidos a favor e contra a existência de Deus. Ponderam as provas
e examinam atentamente a estrutura e as implicações dos argumentos. Examinam também
conceitos tais como a fé e a crença, para ver se a maneira como as pessoas falam acerca de Deus
faz sentido.
O ponto de partida da maior parte da filosofia da religião é uma doutrina muito geral acerca da
natureza de Deus, conhecida como teísmo. Esta doutrina defende a existência de um deus
único, a sua omnipotência (capacidade para fazer tudo), omnisciência (capacidade de saber
tudo) e suprema benevolência (sumamente bom). Esta perspetiva é partilhada pela maior parte
dos cristãos, judeus e
muçulmanos.
Mas será que o Deus descrito pelos teístas existe de facto? Poderemos demonstrar que
esse Deus existe?
N. Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Gradiva, 2007, pp. 31-32

Argumento cosmológico (da causa primeira) – algumas críticas

O argumento da causa primeira é certamente o mais simples e o de mais fácil


compreensão. (Mantém que tudo o que existe no mundo tem uma causa, e que percorrendo a
cadeia de causas se chegará fatalmente à causa primeira, a que se dá o nome de Deus). Este
argumento, suponho, não pesa demasiado na nossa época, porque, entretanto, a noção de
causa não é a mesma de outrora. Os filósofos e cientistas têm estudado esse conceito e ele não
possui atualmente a força que se lhe atribuía; mas, no entanto, podereis verificar que o
argumento da causa primeira é daqueles que não possui qualquer validade. Devo dizer-vos que,
quando era jovem e debatia estes problemas muito seriamente comigo próprio, aceitei por largo
tempo o argumento da causa primeira, até que um dia, pelos meus dezoito anos, lendo a Auto-
biografia de Stuart Mill, descobri esta frase: “Meu pai ensinou-me que a pergunta «Quem me
criou?» não comporta qualquer resposta porque imediatamente ela levantaria outra
interrogação: «Quem criou Deus?»” Esta frase tão simples revelou-me, como ainda creio, a
falácia do argumento da causa primeira. Se tudo deve ter uma causa também Deus a deve
possuir; e se algo existe sem causa tanto pode ser o mundo como Deus — razão da inutilidade
desse argumento. Ocorre-me a história do indiano que afirmava estar o mundo assente num
elefante e este sobre uma tartaruga; e quando se pergunta: «E a tartaruga?» o indiano
responde: «E se mudássemos de assunto?» Na verdade o argumento não tem mais valor do que
este.
Não há razão para que o mundo não tenha nascido sem causa; nem, além disso, e por
outro lado, que não tenha existido sempre. A ideia de que as coisas devem ter um começo é
uma opinião resultante da pobreza da nossa imaginação. Assim não me parece ser necessário
ocupar mais tempo com o argumento da causa primeira.
B. Russell, Porque não sou cristão?, Brasília, s/d, pp. 14-15.
O argumento do desígnio

Um dos argumentos a favor da existência de Deus usado com mais frequência é o


argumento do desígnio, por vezes também conhecido como argumento teleológico (da palavra
grega telos, que significa finalidade). Este argumento afirma que, se observarmos a natureza,
não podemos deixar de notar como tudo é apropriado à função que desempenha: tudo mostra
sinais de ter sido concebido. Isto demonstraria a existência de um Criador. Se, por exemplo,
examinarmos o olho humano, verificaremos que todas as suas ínfimas partes se adaptam entre
si e que cada parte está judiciosamente adaptada àquilo para que aparentemente foi feita: ver.
Os defensores do argumento do desígnio, tais como William Paley (1743-1805),
defendem que a complexidade e a eficiência de objetos naturais como o olho são indícios de
que tiveram de ser concebidos por Deus. De que outra forma poderiam ter chegado a ser como
são? Tal como, ao observar um relógio, podemos ver que foi concebido por um relojoeiro,
também ao observar o olho, argumentam eles, podemos ver que foi concebido por uma espécie
de Relojoeiro Divino. É como se Deus tivesse deixado uma marca em todos os objetos que fez.
Este é um argumento que parte de um efeito e infere a sua causa: observamos o efeito
(o relógio ou o olho) e tentamos descobrir o que o causou (um relojoeiro ou um Relojoeiro
Divino) a partir do exame que fizemos. O argumento apoia-se na ideia de que um objeto que
tenha sido concebido, como acontece com um relógio, é em certos aspetos muito semelhante a
um objeto natural, como um olho. Este tipo de argumento, baseado na semelhança entre duas
coisas, é conhecido como argumento por analogia. Os argumentos por analogia baseiam-se no
princípio de que, se duas coisas são análogas em alguns aspetos, serão também, muito
possivelmente, análogas noutros. Aqueles que aceitam o argumento do desígnio afirmam que,
para onde quer que olhemos, sobretudo tratando-se da natureza – quer olhemos para árvores,
falésias, animais, estrelas, quer seja para o que for –, encontramos cada vez mais indícios que
confirmam a existência de Deus. Porque estas coisas são concebidas de formas mais engenhosas
do que um relógio, o Relojoeiro Divino deve, concomitantemente, ter sido mais inteligente do
que o relojoeiro humano. De facto, o Relojoeiro Divino deve ter sido tão poderoso e tão
inteligente que faz sentido presumir que terá sido o Deus tradicional dos teístas.
N. Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Gradiva, 2007, pp. 32-34.

O argumento ontológico

O argumento ontológico é muito diferente dos dois argumentos anteriores a favor da


existência de Deus, uma vez que não depende de quaisquer dados empíricos. O argumento do
desígnio, como vimos, depende de dados acerca da natureza do mundo e dos objetos e
organismos nele existentes; o argumento da causa primeira precisa de menos dados – baseia-se
apenas na verificação de que algo existe e não o nada. O argumento ontológico, contudo, é uma
tentativa de mostrar que a existência de Deus se segue necessariamente da definição de Deus
como o ser supremo. Porque esta conclusão pode ser retirada sem recorrer à experiência, diz-se
que é um argumento a priori.
De acordo com o argumento ontológico, Deus define-se como o ser mais perfeito que é
possível imaginar; ou, na mais famosa formulação do argumento, a de Santo Anselmo (1033-
1109), Deus define-se como «aquele ser maior do que o qual nada pode ser concebido». A
existência seria um dos aspetos desta perfeição ou grandiosidade. Um ser perfeito não seria
perfeito se não existisse.
Consequentemente, da definição de Deus seguir-se-ia que Deus existe necessariamente,
tal como da definição de um triângulo se segue que a soma dos seus ângulos internos será de
180 graus.
N. Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Gradiva, 2007, pp. 40-41.

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