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CURSO:

Prescrifar
MÓDULO 2
Semiologia, fisiopatologia
e farmacoterapia
da febre e da dor

Autoras:
Mariana Martins Gonzaga do Nascimento
Raissa Carolina Fonseca Cândido
Sandra Regina dos Santos
SUMÁRIO

1 ESTUDO DIRIGIDO ................................................................................................................................ 4


2 SEMIOLOGIA CLÍNICA E ANAMNESE FARMACÊUTICA.......................................................................... 5
3 O PROCESSO DE EXAME CLÍNICO ......................................................................................................... 6
3.1 Identificação do paciente (ID) ....................................................................................................... 6
3.2 Queixa principal (QP) e história da moléstia atual (HMA) ............................................................ 7
3.3 Avaliação do histórico pessoal e familiar ...................................................................................... 8
3.4 Sinais e sintomas gerais e exame geral ......................................................................................... 8
3.5 Exame setorial e avaliação de sinais e sintomas específicos ........................................................ 8
4 FEBRE .................................................................................................................................................... 9
4.1 Febre e avaliação da temperatura ................................................................................................ 9
4.2 Manejo da febre .......................................................................................................................... 11
4.2.1 Terapia farmacológica.......................................................................................................... 11
4.2.2 Terapia não-farmacológica .................................................................................................. 13
4.3 Situações de alerta para encaminhamento ................................................................................ 13
5 DOR AGUDA E CRÔNICA ..................................................................................................................... 15
5.1 Fisiopatologia da dor ................................................................................................................... 15
5.1.1 Dor e inflamação .................................................................................................................. 15
5.2 Semiologia da dor ........................................................................................................................ 16
5.3 Farmacoterapia da dor ................................................................................................................ 17
5.3.1 Anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e Inibidores da COX2 ......................................... 17
5.3.2 Paracetamol ......................................................................................................................... 20
5.3.3 Dipirona ................................................................................................................................ 20
5.3.4 Opioides ................................................................................................................................ 20
5.3.5 Anticonvulsivantes................................................................................................................ 22
5.3.6 Antidepressivos..................................................................................................................... 22
5.3.7 Terapias específicas .............................................................................................................. 23
5.4 Manejo não farmacológico da dor .............................................................................................. 23
1 ESTUDO DIRIGIDO

Este estudo dirigido tem como objetivo apontar aquilo que é mais relevante entre os conhecimentos
sobre a semiologia, fisiopatologia e farmacoterapia da febre e dor. Por isso, ao final desse módulo,
após assistir a aula, proceder com a leitura da presente apostila e das leituras complementares, você
deverá ser capaz de responder as questões a seguir:

1) Quais as diferenças entre sinais e sintomas?

2) Quais são as etapas do exame clínico?

3) Quais são os possíveis estados térmicos do paciente?

4) Quais são os fatores que podem influenciar na medida de temperatura corporal?

5) Quais medidas, farmacológicas e não farmacológicas, podem ser instituídas para manejo da
febre?

6) Alguns quadros associados a febre demandam encaminhamento por apresentarem sinais de


alerta, quais são eles?

7) Como ocorre o processo de dor e inflamação?

8) A dor pode ser subdividida em quatro importantes tipos de acordo com critérios
semiológicos como: local, tempo e características da dor. Quais são eles?

9) Quais são os medicamentos indicados para a farmacoterapia da dor e quais são seus
parâmetros de segurança?

10) Quais são as medidas não farmacológicas que podem ser instituídas para manejo da dor?

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2 SEMIOLOGIA CLÍNICA E ANAMNESE FARMACÊUTICA

Semiologia é a ciência geral dos signos ou sinais. Estuda todos os fenômenos culturais como se
fossem sistemas de signos (ex.: imagens, gestos, vestuários, ritos, etc.) e propõe sistemas de
significação. A semiologia clínica, por sua vez, é o estudo do conjunto de sinais e sintomas com a
finalidade de realizar o diagnóstico ou diagnósticos clínicos. Neste âmbito é importante destacar as
diferenças entre sinais e sintomas:

SINTOMAS É O QUE O PACIENTE RELATA


 São individuais
 Não são absolutos
 Sofrem influência de múltiplos fatores, como: cultura,
comunicabilidade, desenvolvimento intelectual, vivência, etc.
 Exemplos: dor – diferentes limiares individuais.
SINAIS É O QUE O EXAMINADOR ENCONTRA
 Podem ser observados, como aspectos da pele, apresentando maior
variabilidade na avaliação individual.
 Podem ser aferidos e/ou quantificados, com ou sem auxílio de
instrumentos de mensuração.
 Exemplos: pele corada, sons, pressão arterial, saturação de O2.

A semiologia clínica é aplicada durante a anamnese, que é a entrevista clínica que visa a obtenção de
informações pertinentes às condições que levaram o paciente a procurar o atendimento, de forma
organizada e reprodutível. Em nosso âmbito, a anamnese farmacêutica, seria o procedimento de
coleta de dados sobre o paciente, realizada pelo farmacêutico por meio de entrevista, com a
finalidade de conhecer sua história de saúde, elaborar o perfil farmacoterapêutico e identificar suas
necessidades relacionadas à saúde.

A anamnese farmacêutica deve ser iniciada com o devido acolhimento do paciente, que, alinhado
com sua percepção interdisciplinar, é um processo construtivo que implica na responsabilização do
trabalhador e da equipe pelo paciente, desde a sua chegada até a sua saída do estabelecimento de
saúde. O destaque proposital da palavra “responsabilização”, tem como objetivo estabelecer que o
farmacêutico, assim como a equipe, é responsável pelo paciente, sua vida e suas necessidades em
saúde. O farmacêutico deve, então, ouvir a queixa do paciente, considerar suas preocupações e
angústias, utilizando escuta qualificada que possibilite analisar a demanda, colocar os limites
necessários, garantir atenção integral, resolutiva e responsável.

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3 O PROCESSO DE EXAME CLÍNICO

O exame clínico deve seguir algumas etapas essenciais, conforme detalhado na figura a seguir, que
devem ser desenvolvidas conforme a habilidade individual:

Exame setorial
e avaliação de
sinais e Identificação
sintomas
específicos

Avaliação de
sinais e Avaliação da
sintomas gerais queixa principal
e exame geral

Avaliação do
Avaliação da
histórico
história da
pessoal e
moléstia atual
familiar

3.1 Identificação do paciente (ID)

A identificação do paciente possibilita ao farmacêutico saber quem é o paciente e documentar seus


dados, garantindo a continuidade do cuidado e o desenvolvimento de uma relação terapêutica e de
confiança. São itens importantes para identificação:
 nome;
 data de nascimento;
 gênero;
 estado civil;
 cor/etnia;
 nome dos pais: importante para a identificação do paciente, diferenciando pessoas
homônimas ou com nomes semelhantes;
 encaminhamento: quem o encaminhou ou se houve busca espontânea de atendimento;
 procedência: cidade ou local de onde está vindo no momento ou nos últimos meses e
anos;
 naturalidade: local aonde nasceu;

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 residência: local aonde reside;
 profissão e ocupação: pode sinalizar situações de risco no ambiente de trabalho;
 perfil socioeconômico: permite identificação e avaliação de vulnerabilidades e
determinantes sociais em saúde.

3.2 Queixa principal (QP) e história da moléstia atual (HMA)

A queixa principal (QP) é o motivo que leva o paciente à consulta, seja por demanda espontânea ou
encaminhamento. Geralmente, ela orienta a atenção ao sistema acometido e deve prover um
registro curto por parte do farmacêutico, usando, se possível, as palavras do próprio paciente
(registrado com a sigla “SIC”, que representa “segundo informações colhidas” ou, do latim SICUT
”exatamente dessa forma”). Na avaliação da QP, deve-se proceder com a avaliação dos seguintes
fatores descritos na figura a seguir:

A caracterização do sinal ou sintoma referido na QP (ex.: dor, tosse) irá variar de acordo com o que é
esperado para tal na literatura, e, mais uma vez, dependerá dos conhecimentos semiológicos e
clínicos prévios do farmacêutico. Tais dados detalhados deverão ser colhidos e relatados em um
texto um pouco mais extenso para a história da moléstia atual (HMA), também denominada história
da doença atual (HDA), que deve trazer a descrição da evolução da queixa principal, com
apresentação de dados acerca de como e quando a queixa e sinas/sintomas associados se iniciaram,
como variaram ao longo do tempo, sua característica, intensidade, agravantes e sinais e sintomas
associados.

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3.3 Avaliação do histórico pessoal e familiar

Na avaliação da história médica pregressa (HMP), história familiar (HF) e história pessoal e social
(HPS), deve-se avaliar e documentar todos os problemas de saúde e todos os medicamentos
utilizados. Além disso, alguns fatores devem sempre ser questionados como: estado de gestação,
hábitos de vida, histórico de cirurgias e histórico familiar de doenças. Para doenças cardiovasculares,
o histórico familiar, principalmente de primeiro grau, com hipertensão, diabetes ou histórico de
doenças coronarianas, aneurisma ou acidente vascular cerebral (AVC) são especialmente relevantes.

3.4 Sinais e sintomas gerais e exame geral

Alguns sinais e sintomas gerais devem sempre ser avaliados em todos os pacientes nos quais
procede-se com o exame clínico. Destacamos alguns deles:
 avaliação da presença e histórico de febre, sudorese e calafrios;
 alterações no apetite e no peso;
 presença de fraqueza e fadiga;
 presença de tristeza e ansiedade;
 padrão de sono.
O exame geral quantitativo e qualitativo permite a avaliação de sinais e sintomas gerais
inespecíficos, mas relevantes para caracterização do quadro clínico. Alguns parâmetros serão
abordados nas seções de sinais e sintomas relacionados a cada queixa principal abordada nos
módulos desse curso.

3.5 Exame setorial e avaliação de sinais e sintomas específicos

Durante o exame clínico, procede-se também com:


 A revisão de sistemas: no qual, geralmente, usa-se um formulário com sinais e sintomas
referentes a cada sistema e que permite o questionamento rápido sobre sua ocorrência;
 O exame clínico setorial: realizado por meio da avaliação dos setores do corpo (ex.: cabeça e
pescoço; tórax; abdome; membros) com inspeção, palpação, percussão e ausculta para
identificação de alterações;
 O exame por sistemas: permite a identificação de sinais e sintomas mais específicos por
meio do exame dos sistemas humanos.

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4 FEBRE

4.1 Febre e avaliação da temperatura


A temperatura do paciente deve ser avaliada em toda avaliação clínica por meio de questionamentos
sobre o histórico de febre, bem como por sua mensuração direta. A mensuração da temperatura
corporal é fundamental frente a uma queixa de febre para estabelecer o estado térmico do paciente
e com isso definir qual a melhor conduta para o caso.

Quadro 1 - Classificação da temperatura


Classificação Temperatura (°C) Conduta
Hipotermia < 35 Realizar encaminhamento médico
Se não identificada nenhum sinal de alerta para
Febre (ver Quadro 2) encaminhando, iniciar tratamento não farmacológico
e farmacológico
Realizar encaminhamento para serviço de saúde de
Hiperperexia > 41,1
urgência/emergência

Apesar de inespecífico, a avaliação do estado febril é de importância elevada, sobretudo no cenário


pandêmico atual da COVID-19, e o farmacêutico clínico deve saber mensurá-la e avaliá-la, levando
em consideração que diferentes termômetros (ex.: termômetro digital, termômetro com sensor
infravermelho), locais de mensuração (ex.: boca, axila, ânus) e faixas etárias podem definir limiares
diferenciados para caracterização de febre. Entretanto, o termômetro digital infravermelho sem
contato é o instrumento recomendado para aferição de temperatura atualmente no cenário
pandêmico. Recomendamos, portanto, a leitura do documento do Conselho Federal de Farmácia
disponibilizado na biblioteca do curso que aborda sua técnica de uso e de higiene.

Quadro 2 - Mensuração de Temperatura


Local de medição Temperatura normal (°C) Febre (°C)
Retal 36,6 – 38 > 38
Oral 35,5 – 37,5 > 37,5
Axilar 34,7 – 37,4 > 37,4
Timpânica 35,7 – 37,8 > 37,8
 0-2 meses > 38,1
Temporal 36,6 - 37,8  3-47 meses > 37,9
 > 4 anos > 37,8

Quando realizada a avaliação da febre, também deve-se proceder com o questionamento sobre uso
de medicamentos para seu controle, uso de medicamentos em geral e práticas para controle da
febre. Tais informações são importantes para identificar:

 se é um quadro febril de fácil controle com agentes antipiréticos;


 se o medicamento utilizado para o controle da febre no quadro apresentado pelo paciente é
o mais indicado, efetivo e seguro;

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 preferências do paciente/familiar;
 se o paciente usa um medicamento que promove controle da febre, mas que ele não sabia
que tinha tal propriedade (ex.: combinações de fármacos para dores musculares);
 a adoção de práticas para controle de febre inseguras (ex.: uso de álcool nas axilas de
crianças expondo-o ao risco de queimaduras);
 medicamentos utilizados que podem causar hipertermia.

Vários medicamentos podem causar febre como reação adversa. Dessa forma, deve-se proceder com
a avaliação da causalidade de tal efeito, com destaque para a análise do histórico e temporalidade de
uso do potencial medicamento causador da febre. Nesses casos, geralmente o paciente apresenta
um quadro de hipertermia, com temperaturas mais altas, presença de bradicardia frequente e sem a
presença de sinais e sintomas comuns em quadros febris, como a sinais de defervescência (sudorese,
calor), lassidão, mialgia e mal-estar.

No Guia de Prática Clínica sobre Febre do Conselho Federal de Farmácia disponibilizado na biblioteca
do curso, você poderá acessar uma lista de medicamentos que podem causar febre. Outras
informações sobre a febre, seu manejo e avaliação e manejo de outros sinais e sintomas gerais serão
apresentadas nos próximos módulos do curso.

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4.2 Manejo da febre

4.2.1 Terapia farmacológica

Fármaco Apresentação Posologia Principais efeitos adversos Monitorização (segurança) Contraindicação


Dipirona Comprimido 400 e 1000 mg Adulto: 500-1000 mg Hipotensão, rash, - Avaliação de hemograma Hipersensibilidade a qualquer AINE;
Comprimido efervescente: no máximo de 6/6 hipernatremia, azia, - Pressão arterial discrasias sanguíneas; supressão de
1000 mg horas (4x/dia) náusea, vertigem, medula óssea; idade < 3 meses ou
Solução oral (gotas) Criança: 10 a 20 agranulocitose, anemia, peso abaixo 5Kg
500mg/mL mg/Kg neutropenia.
Solução oral: 50mg/mL
Supositório: 300 mg
Paracetamol Comprimido simples e Adulto: 500-1000mg Prurido, náusea/vomito, - Sinais e sintomas de Hipersensibilidade
revestido: 500 e 750 mg de 4/4h ou 6/6h. agitação, atelectasia, alteração hepática: icterícia, Doença hepática grave
Comprimido efervescente: Dose máxima: 4.000 Falência hepática dor abdominal,
500 mg mg/dia náusea/vômito, urina escura,
Pó para solução oral: 500 Crianças (até 11 anos alterações nas enzimas
mg ou 60kg): 15 hepáticas.
Solução oral (gotas): 200 mg/Kg/dose 4/4h ou
mg/mL 6/6h.
Suspensão oral (gotas): 32
mg/mL, 100 mg/mL e 140
mg/mL
Ibuprofeno Comprimido: 200,300 e Adulto: 200-400 mg Anemia, hemorragia - Pressão arterial Hipersensibilidade
400mg 4/4h ou 6/6h gastrointestinal, úlcera - Sinais e sintomas de eventos Úlcera gastroduodenal
Comprimido revestido: 200 Dose máxima: péptica, injúria renal, cardiovascular Risco elevado de sangramento
e 400mg 2.400mg/dia hipertensão, eventos - Efeitos sobre o TGI: 1ª trimestre ou após 30ª semana de
Cápsula mole: 200 e 400mg Criança: 5-10 mg/Kg cardiovasculares. dispepsia, fezes enegrecidas. gravidez
Suspensão oral (gotas): 50 e 6/6h ou 8/8h - Sangramento: urina, fezes, Crianças < 6 meses
100mg/mL Dose máxima: hemograma. Dengue/Chikungunya
Suspensão oral: 30mg/mL e 1.200mg/dia - Sinais e sintomas de asma
100mg/5mL

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Fármaco Apresentação Posologia Principais efeitos adversos Monitorização (segurança) Contraindicação
Naproxeno Comprimidos: 275 mg e 550 mg Adulto: 275 mg de Edema, hipertensão, Dengue/Chikungunya
12/12h ou 24/24h evento cardiovascular, Crianças < 12 anos.
ou 550 mg de hemorragia Evitado na gravidez (Risco C)
24/24h gastrointestinal, úlcera
Dose máxima: 550 péptica, injúria renal,
mg/dia prurido, rash, dor
- Pressão arterial
Crianças: maiores abdominal, constipação,
- Sinais e sintomas de
de 12 anos, vide náusea, tontura,
eventos cardiovascular
posologia de sonolência, zumbido,
- Efeitos sobre o TGI:
adultos. ototoxicidade, dispneia,
dispepsia, fezes
broncoespasmo
enegrecidas.
Ácido Comprimido: 100, 500 mg Adulto: 500 mg de Úlcera péptica, - Hipersensibilidade a salicitados ou
- Sangramento: urina, fezes,
acetilsalicílico Comprimido efervecente: 500 4/4h ou 6/6h. hemorragia, degeneração outro compontente
hemograma.
mg Dose máxima: macular, zumbido, - Histórico de asma induzida por
- Sinais e sintomas de asma
4.000 mg/dia broncoespasmo, salicilatos ou outro AINE
angioedema, síndrome de - Úlceras gastrintestinais agudas;
Reye - Diátese hemorrágica;
- Crianças com suspeita de infecção
viral (risco de síndrome de Reye)
Dengue/Chikungunya Gravidez (risco
C)

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4.2.2 Terapia não-farmacológica
Medidas não-farmacológicas podem ser recomendadas em conjunto com o uso de medicamentos,
especialmente durante o período entre a administração e pico de ação dos antipiréticos. O objetivo
dessas medidas é diminuir o desconforto causado pela febre, além de contribuir para a redução da
temperatura corporal por meio da perda de calor.

São exemplos de medidas não-farmacológicas para o controle da febre:

 Uso de vestimentas mais leves;


 Imersão em água morna (10-20 min ~32ºC) e uso de mantas finas;
 Manter o ambiente fresco, com temperatura menor que a temperatura corporal (~20°C);
 Realizar compressas de água morna (~32ºC); e
 Ingerir líquidos para evitar a desidratação.

IMPORTANTE!

Embora já tenham sido empregados no passado, o uso de banhos ou compressas com álcool e
a aplicação de gelo em pontos específicos (ex.: axilas, virilha e pescoço) não são mais
recomendados devido ao risco elevado de causarem eventos adversos graves, incluindo
queimaduras e intoxicação.

4.3 Situações de alerta para encaminhamento

Em algumas situações, é necessário encaminhamento do paciente ao médico para diagnóstico e/ou


tratamento específico do quadro associado a febre. De forma geral, deverá ser encaminhado ao
médico todo paciente que apresentar um quadro de febre por mais de três dias, que não responder
ao uso de antipiréticos, ou nos casos em que houver dúvida na identificação do problema de saúde.
Além disso, são considerados situações de alerta para o encaminhamento do paciente:

 Sinais e sintomas de infecções que não são autolimitadas;


 Suspeita de hipertermia;
 Quadro alérgico associado;
 Pacientes com algum dos seguintes sintomas:
 Mialgia grave (leptospirose, sepse);
 Erupções cutâneas;
 Exantema;
 Dispneia e taquipneia;
 Dor de cabeça, dor intensa no pescoço ou rigidez na nuca;
 Convulsões ou confusão mental;
 Letargia ou sonolência;

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 Vômitos ou diarreia, especialmente em crianças;
 Dor intensa na barriga, nas costas, ou
 Hemorragia, icterícia ou palidez marcada;
 Presença sinal/sintoma que não seja comum e gere preocupação;
 Utilização de oxigênio comprometida (ex.: doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) grave,
alterações na respiração, insuficiência cardíaca descompensada);
 Sistema imune comprometido (ex.: pessoas vivendo com HIV, paciente com câncer sob
tratamento imunossupressor);
 Possível lesão no sistema nervoso central (ex.: tumores ou danos no sistema nervoso central
pré-existente);
 Crianças menores de dois meses com febre;
 Crianças não imunizadas, entre 3 e 36 meses com febre ≥ 39°C;
 Pacientes com <6 meses de idade, com temperatura retal ≥38ºC ou equivalente;
 Pacientes com >6 meses de idade, com temperatura retal ≥40ºC ou equivalente;
 Crianças que se recusam a ingerir qualquer líquido e que, por isso, não conseguem fazer o
tratamento antipirético por via oral;
 Gravidez com febre persistente;
 Mulheres no puerpério;
 Pacientes com sinais/sintomas sugestivos de dengue, chicungunha ou infecção pelo vírus da
zika.

ATENÇÃO

Febre e dor são alguns dos primeiros e mais frequentes sinais/sintomas presentes na COVID-19!

Apesar de comuns e inespecíficos, febre, mialgia, fadiga e dor podem ser considerados
sinais/sintomas de alerta para COVID-19 e demandam anamnese criteriosa.

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5 DOR AGUDA E CRÔNICA

5.1 Fisiopatologia da dor


A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável. Ocorre em decorrência da percepção
final do processamento neural de determinada informação sensorial. Por sua vez, a via percorrida
pelo estímulo para seu processamento e percepção final é denominada de via nociceptiva.

A via nociceptiva é iniciada na etapa de transdução periférica, quando um dado estímulo ativa
receptores periféricos de dor denominados nociceptores. Caso o estímulo seja intenso o bastante,
ocorre a despolarização da membrana do neurônio primário e a geração de um potencial de ação
que percorrerá toda a extensão da fibra na etapa da via nociceptiva denominada condução.

Após a condução completa no neurônio primário, é estimulada a liberação de neurotransmissores na


fenda sináptica que, por sua vez, ativam os neurônios secundários, ou de segunda ordem, que se
localizam no corno dorsal da medula. Após o processo de transmissão se efetivar e o potencial de
ação deflagrado percorrer o neurônio secundário, o impulso é transmitido a neurônios terciários que
se ligam ao córtex somatossensorial primário, onde a dor será decodificada na etapa de percepção
do estímulo.

Paralelamente aos processos de transdução, condução, transmissão e percepção, são ativados


mecanismos endógenos de analgesia para impedir que o estímulo inicial alcance o córtex
somatossensorial ou para minimizar sua intensidade. A este sistema se dá o nome de portão da dor
ou sistema de controle de comporta. Todos estes complexos processos de estímulo e modulação
moldam a percepção da dor de forma individual, sendo alvo importante para o controle da dor,
sobretudo em circunstâncias nos quais o estímulo doloroso é muito intenso ou amplificado por
alterações patológicas. É o caso do processo de lesão e inflamação.

5.1.1 Dor e inflamação


O processo inflamatório, presente em grande parte dos processos álgicos patológicos, é
caracterizado pelos sintomas de calor, rubor, tumor, dor e perda de função em um dado sítio ou de
forma disseminada. A presença de inflamação ocasiona sensibilização dos receptores periféricos e
redução do limiar da dor, potencializando um estímulo nociceptivo por meio da hiperalgesia, ou até
mesmo proporcionando alodinia, quando um estímulo que naturalmente não é doloroso é percebido
como tal.

Este processo é mediado por múltiplas substâncias sensibilizadoras, denominadas mediadores


inflamatórios, que são liberadas no local da inflamação por plaquetas circulantes, pelas células do
endotélio vascular, por células imunes e por células do tecido nervoso periférico. São exemplos de
mediadores inflamatórios: a bradicinina, serotonina, produtos da cascata do ácido araquidônico com
destaque para as prostaglandinas, adenosina, substância P, PRGC, e algumas substâncias liberadas

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pelas células imunes como a IL-1 e histamina, fator de necrose tumoral e fator de crescimento do
nervo. Os mediadores inflamatórios promovem de forma sinérgica uma alteração no mecanismo de
transdução periférica do estímulo nociceptivo aumentando a sensibilidade nociceptores ao reduzir
seu limiar de ativação.

5.2 Semiologia da dor


A dor é um sintoma inespecífico que pode estar associado a diversos quadros clínicos. Para
estabelecer seu tratamento adequado, deve-se, primeiramente, proceder com a caracterização
semiológica da dor, definindo seu tipo, intensidade e causa.

Para a definição da intensidade da dor, utiliza-se escalas, sendo a Escala Analógica Visual (EVA) e suas
adaptações, apresentadas no vídeo do curso, a mais utilizada. Ela associa a avaliação das expressões
faciais com a intensidade autorreferida da dor pelo paciente dentro de uma escala de 1 a 10. Escalas
estritamente visuais podem ser aplicadas para avaliar pacientes pediátricos, e escalas estritamente
analógicas para avaliar pacientes adultos, sendo que pontuações de 1 a 3 se refeririam à dor leve; de
4 a 6 dor moderada e de 7 a 10 dor intensa. Em pacientes sedados e/ou ventilados, é mais comum a
aplicação da escala de dor comportamental, que avalia a expressão facial, movimentos dos membros
superiores e a profundidade da ventilação mecânica.

Outro aspecto importante da dor que deve ser avaliado é o quanto a dor limita as atividades do
indivíduo, sendo classificada como sem limitação; com limitação leve, se o paciente realiza a
atividade mas apresenta dor moderada a grave; ou com limitação significante, quando o paciente
não consegue completar a atividade devido à dor ou efeitos adversos do tratamento instituído pelo
controle da dor.

A dor também pode ser classificada como aguda ou crônica de acordo com seu tempo para
desencadeamento e de duração. Geralmente, dores crônicas possuem considerável componente
psicológico e não apresentam uma causa orgânica específica. É comum a detecção concomitante de
depressão e o quadro tende a cursar com dependência e tolerância a medicamentos. Dores agudas
geralmente apresentam causa específica e cursam com cura após estabelecido tratamento
adequado.

Agrupando critérios semiológicos como local, tempo e características da dor, podemos subdividir a
dor em quatro importantes tipos:

 Dor somática superficial ou cutânea: que é a sensação localizada de picada, pontada,


laceração, queimação que é decorrente de um trauma, queimadura ou processo inflamatório
superficial;
 Dor somática profunda: quando há uma ativação nociceptiva dos músculos, fáscias, tendões,
ligamentos e articulação. Geralmente essa dor se apresenta difusa e é descrita como
dolorimento, dor profunda ou cãibra;

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 Dor visceral: quando são ativados nociceptores viscerais. Possui características de dor
somática profunda podendo acentuar-se medicante palpação do órgão acometido;
 Dor referida: quando a dor é sentida à distância de sua origem (local da lesão), em estruturas
inervadas pela mesma raiz nervosa.

Após definição do tipo e intensidade da dor, é importante identificar os fatores atenuantes e


agravantes álgicos. Processos de dor abdominal associada à diarreia, por exemplo, geralmente são
atenuados com massagem ou pressão no abdômen. Processos álgicos associados ao refluxo
gastroesofágico, por outro lado, podem ser agravados quando o paciente se deita. Sinais e sintomas
associados também devem ser levantados. É comum, por exemplo detectar sinais flogísticos
associados às dores somáticas superficiais ou profundas, que indicam o processo inflamatório que,
conforme explicitado anteriormente, potencializam o processo álgico.

Após cumpridos todos os passos semiológicos da avaliação da dor, geralmente consegue-se


aproximar do diagnóstico da sua causa e, portanto, estabelecer terapia mais adequada para tal. Uma
forma de recordar a avaliação de todos estes critérios é por meio do mnemônico PQRST, no qual as
letras se referem à:

 P: para provocativo, piora e paliativo;


 Q: para a qualidade da dor (se é em pontada, contínua, ao respirar, por exemplo);
 R: para radiada;
 S: do inglês “severity”, propõe a avaliação da intensidade da dor;
 T: para avaliação de fatores temporais como duração ou se a intensidade se altera com o
tempo.

5.3 Farmacoterapia da dor

5.3.1 Anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e Inibidores da COX2


Os estados inflamatórios estão associados à mobilização do ácido araquidônico do folheto interno da
membrana plasmática de muitas células diretamente por processo lesivo ou por ação de citocinas e
do complemento. O aumento da sua disponibilidade faz com que haja mais produção de PG por ação
da ciclooxigenase (COX). As PG, por sua vez, são importantes mediadores inflamatórios, conforme
descrito anteriormente. Por esta razão, os AINES possuem importante papel no tratamento da dor,
com destaque nas dores com perfil inflamatório como osteoartrite e lesões de sítio cirúrgico, uma
vez que estes atuam inibindo a enzima COX.

A enzima COX apresenta duas isoformas, a COX1 e COX2, que são sintetizadas por genes diferentes
localizados em cromossomos diferentes e também possuem perfil genético, celular, fisiológico,
patológico e farmacológico diferentes. Desta forma, as isoformas produzem conjuntos distintos de
eicosanoides, envolvidos em diferentes vias e funções. Acredita-se que a COX1, expressa de modo
constitutivo, atue em atividades fisiológicas ou de manutenção, como homeostasia vascular,

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manutenção do fluxo sanguíneo renal e do trato gastrointestinal, função renal, proliferação da
mucosa intestinal, função plaquetária e antitrombogênese. Já a COX2 possuiria funções
especializadas que poderiam ser ativadas quando necessário, incluindo atividades em inflamação,
febre, dor, mitogênese, adaptação renal a estresses, deposição de osso trabercular, ovulação,
placentação e contrações uterinas. Desta forma, acredita-se até o momento que grande parte dos
efeitos anti-inflamatórios e analgésicos dos AINES decorra da inibição da COX2.

No caso dos inibidores da COX2, destaca-se sua seletividade para inibição dessa isoformas da
ciclooxigenase. Seus representantes disponíveis no Brasil são o celecoxibe, parecoxibe e etoricoxibe.
Para os demais AINES, o grau de seletividade para COX1 ou COX2 é variado, mas não há atividade
seletiva para um subtipo. O grau de seletividade não aumenta a eficácia dos agentes anti-
inflamatórios, mas pode afetar seu perfil de segurança.

Por exemplo, agentes como o AAS ou naproxeno, com maior seletividade para COX1 que para COX2,
possuem elevado potencial de causar dano ao trato gastrointestinal alto e baixo. Isso porque a
prostaglandina E2, sintetizada pela COX1, reduz a produção de ácido estomacal basal e estimulada,
aumentam a produção de muco e bicarbonato pelas células epiteliais, aumentam a renovação celular
e o fluxo sanguíneo do TGI. Neste caso, é recomendada a associação de AINES com inibidores de
bomba de próton para prevenir a formação de úlceras induzidas pelo uso de AINES, sobretudo entre
pacientes com maior risco de sangramento gastrointestinal com indivíduos com mais de 65 anos,
com histórico de úlcera com sangramento, usuários de altas doses de AINES, usuários concomitantes
de glicocorticoides, AAS e/ou anticoagulantes.

A troca por agentes seletivos para COX2, que apresentam menos potencial de dano no TGI, também
é uma opção entre pacientes com alto risco de sangramento quando não é possível suspende o uso
de anti-inflamatórios. O uso de agentes tamponados não reduz o risco gastrointestinal
proporcionado pelos AINES. Por outro lado, o uso de anti-inflamatórios tópicos, como o diclofenaco
spray, estão associados a incidências consideravelmente menores de distúrbios gastrointestinais,
devendo seu uso ser incentivado substituir agentes orais em dores miofasciais, ou para minimizar o
uso de agentes orais na osteoartrite de joelho ou mão. Não foi demonstrada eficácia de agentes
tópicos no tratamento da osteoartrite de quadril ou coluna.

Outra importante questão de segurança no uso de anti-inflamatórios é o risco de dano cardíaco.


Acreditava-se que a inibição da COX2 de forma mais seletiva estaria mais associada a danos cardíacos
até recentemente. Entretanto, novos estudos farmacológicos e farmacoepidemiológicos lançados em
2016 e 2017 vieram levantar críticas a esta noção. Primeiramente foi detectado equivalente
potencial de lesão de miócitos frente ao uso de anti-inflamatórios seletivos e não seletivos,
levantando a teoria de que a ação deletéria cardíaca de ambos grupos de agentes estaria associada à
produção equivalente de espécies reativas de oxigênio (ROS) e não ao bloqueio da produção de
prostaglandinas específicas. Tais suspeitas ganharam novas forças quando o estudo PRECISION
(Prospective Randomized Evaluation of Celecoxib Integrated Safety Versus Ibuprofen or Naproxen),
com mais de 24.000 pacientes demonstrou não inferioridade do celecoxibe em relação ao
ibuprofeno ou naproxeno quanto aos desfechos infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular

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encefálico (AVE) ou morte cardiovascular. Em 2017, dois novos estudos, uma metanálise de 26
estudos com mais de 228 mil indivíduos e uma coorte com mais de 446 mil indivíduos, inluindo
aqueles com histórico de IAM, comparam inibidores seletivos da COX2 com AINES não seletivos e
não detectaram diferença nos desfechos infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico ou
morte por doenças cardiovasculares. No estudo de coorte, destacou-se também o fato do risco de
IAM estar aumentado inclusive entre indivíduos que utilizaram anti-inflamatórios pelo período de 1 a
7 dias. Nestes três grandes estudos, o naproxeno, agente anteriormente preferido para indivíduos
com alto risco cardiovascular, não foi o agente mais seguro. Estas novas evidências colocam o uso de
AINES sob uma nova ótica de avaliação de segurança, devendo o farmacêutico clínico estar atento e
qualificado para avaliar novas evidências e levá-las à equipe de saúde auxiliando no processo de
escolha de agentes terapêuticos.

Outra questão que demanda atualização constante é o potencial dos AINES interagirem com o AAS
de baixa dose e anticoagulantes orais. Pouco se sabe sobre as interações com os novos
anticoagulantes, mas tanto para a varfarina quanto para o AAS, já é mais consolidada o potencial de
interação com o ibuprofeno, naproxeno e indometacina. Por outro lado, ainda não foram detectadas
evidências de interação com o diclofenaco ou celecoxibe. A interação pode reduzir o potencial de
proteção cardiovascular e, ao mesmo tempo, expor os pacientes a um maior risco de sangramento.
Sempre que possível, esta interação deve ser evitada, visto seu potencial fatal e a baixa sensibilidade
de monitorização de parâmetros de segurança para sangramento (ex.: muitos indivíduos apresentam
hemorragia digestiva alta sem que antes seja detectado sangue oculto nas fezes ou sinais cutâneos
como petéquias e hematomas). Se realmente indispensável, é necessário avaliar o risco de
sangramento individual, propondo orientações farmacêuticas mais reforçadas e monitorização mais
frequente.

Outro efeito adverso associado ao uso de AINES é a lesão renal aguda (LRA), uma vez que a
prostaglandina possui papel vasodilatador da arteríola glomerular aferente. O risco de LRA entre
usuários de AINES é três vezes maior que na população geral, sendo que pode estar ainda mais
aumentado se há interação com outros agentes causadores deste evento, como a furosemida e/ou
agentes da classe inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA). Por esta razão, usuários de
AINES, com interações presentes ou não, devem ser monitorados quanto à sua função renal e níveis
de potássio sérico. No caso de aumento de mais de 30% na função renal, deve-se suspender os
agentes nefrotóxicos. Reposição volêmica e suspensão do medicamento geralmente restauram a
função renal.

No caso dos salicilatos, também existe o risco de desenvolvimento da síndrome de Reye, uma
encefalopatia metabólica progressiva que pode ocasionar falência de múltiplos órgãos e óbito,
sobretudo entre crianças, que geralmente é desencadeada por quadros virais.

19
5.3.2 Paracetamol
O paracetamol, ou acetaminofeno, é um analgésico e antipirético cujo mecanismo teórico seria a
inibição da COX3, presente no sistema nervoso central. Enquanto a forma de ação do fármaco ainda
não está bem definida, sabe-se, por outro lado que o efeito adverso mais comum associado ao seu
uso é a lesão hepática, frequente sobretudo em doses elevadas (> 4 g em adultos) e em indivíduos
com disfunção hepática estabelecida. Neste caso, o metabólito do paracetamol produzido por
oxidação, o NAPQI teria potencial hepatotóxico direto. A reversão da intoxicação por paracetamol
deve ser realizada com a administração de acetilcisteína.

O paracetamol deve ser utilizado para dor de leve a moderada, como agente único ou adjuvante para
minimizar a dose ou frequência de utilização de outros agentes como AINES e opioides. Deve ser
agente de escolha, por exemplo, no manejo de dor em osteoartrite, devendo-se lançar mão do uso
de AINES somente quando o paracetamol não controlar a dor adequadamente.

5.3.3 Dipirona
Suspeita-se que a dipirona, ou metamizol, atue reduzindo a síntese de PGE1 e PGE2, mas seu
mecanismo ainda não foi elucidado. Possui potência analgésica similar ao AAS e, apesar de muito
utilizada no Brasil, foi suspensa há algumas décadas em vários países do mundo devido a estudos que
demonstraram a ocorrência elevada de discrasias sanguíneas.

Porém, uma metanálise publicada em 2015, demonstrou que a dipirona não seria menos segura que
paracetamol ou AINES mediante uso de curta duração. Entretanto, a qualidade dos estudos
analisados foi baixa e os resultados devem ser analisados criticamente. Também há carência de
estudos que avaliem as interações medicamentosas potenciais envolvendo a dipirona, devendo seu
uso ser realizado preferencialmente em dose única para manejo de dores agudas entre pacientes
com baixo risco para reações hematológicas.

5.3.4 Opioides

Os opioides atuam inibindo a etapa de transmissão da via nociceptiva ao ativarem receptores do tipo
µ tanto pré-sinápticos em neurônios primários, quanto pós-sinápticos em neurônios secundários. Na
terminação pré-sináptica, a ativação do receptor diminui o influxo de cálcio em resposta a um
potencial de ação e, consequentemente, reduz a liberação de glutamato e outras substâncias
excitatórias. No neurônio pós-sináptico, ocorre o aumento do efluxo de potássio, diminuindo assim a
resposta pós-sináptica à neurotransmissão excitatória.

Esses agentes possuem papel importante no controle de dores graves, incluindo dores malignas
associadas ao câncer. Para guiar o uso de opioides e outros agentes analgésicos nestas situações, foi
criada pela OMS a “pain ladder” ou “escada da dor”. Esta, apresenta três degraus, sendo o primeiro

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representado pela dor de leve a moderada, para a qual pode ser utilizados analgésicos não opioides;
o segundo seria a dor moderada para o qual deve-se associar opioides fracos como a codeína; no
terceiro e último, representando a dor intensa, é demandado o uso de opioides fortes como a
morfina, fentanil e metadona. O uso desta escada também foi ampliado pela própria OMS para dores
crônicas de difícil manejo, cada vez mais prevalentes na população.

Além da indicação terapêutica conforme sua potência analgésica, diferentes opioides apresentam
diferentes perfis farmacocinéticos, favorecendo o uso de um ou outro agente, ou até mesmo a
associação. No caso do fentanil, por exemplo, observa-se início de ação rápido (cerca de 5 minutos) e
tempo de ação curto (de 15 a 30 minutos), sendo um bom agente de ataque para controle de dor
crônica agudizada. A morfina representa um agente intermediário, apresentando tempo de início de
ação de cerca de 20 minutos e tempo de ação total de até 4 horas, servindo como opioides de
manutenção, sendo administrado em horários fixos ao longo do dia em pacientes com dor crônica ou
após procedimentos cirúrgicos com elevado potencial doloroso, por exemplo. Uma opção posológica
interessante é o uso da morfina de liberação prolongada ou da metadona, que possui tempo de ação
de até 8 horas.

Apesar de possuírem elevada eficácia analgésica, os agentes opioides apresentam perfil de segurança
preocupante. Provocam, sobretudo no início do tratamento, náusea, sedação, urticária e depressão
respiratória; ao longo de todo o tratamento, também são esperados quadros de retenção urinária e
constipação. A depressão respiratória seria o evento mais grave e potencialmente fatal dentre esses,
devendo ser monitorado e revertido com o uso do antídoto naloxona caso se instale. A sedação
causa preocupação considerável entre idosos com histórico de quedas, colocando os agentes
opioides como medicamentos potencialmente inadequados segundo o critério de Beers para idosos
com tal histórico. A constipação geralmente apresenta perfil progressivo e deve ser manejada com
medidas não farmacológicas e farmacológicas, sobretudo em pacientes neutropênicos, entre os
quais o quadro pode levar à translocação bacteriana e bacteremia.

Também é comum observar o desenvolvimento de tolerância entre usuários de opioides bem como a
dependência física, que leva ao risco de síndrome de abstinência e à necessidade de retirada com
desmame progressivo no caso de suspensão de tratamento. Entretanto, não se deve confundir a
pseudo-adição com a adição ou vício, que também podem ser detectados com o uso de opioides. A
pseudo-adição envolve a súplica pelo medicamento geralmente desencadeada por dor não
controlada por posologias e doses inadequadas. Já a adição real o vício são mais raros e envolvem
dependência psicológica, quadro de compulsão e uso para prazer e autogratificação.

Também é importante destacar que opioides são medicamentos potencialmente perigosos segundo
listagem do ISMP Brasil; ou seja, erros envolvendo estes medicamentos possuem potencial elevado
de ocasionar dano, inclusive morte ao paciente. Erros com opioides geralmente envolvem
sobredosagem e falta de orientação ao usuário, colocando esses medicamentos entre as quatro
classes terapêuticas mais associadas a eventos adversos graves nos EUA, junto aos anticoagulantes,
insulinas e antimicrobianos.

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Desta forma, é necessário instituir barreiras diversas para prevenção de erros com estes agentes.
Deve-se, por exemplo, colocar etiquetas nas doses unitárias destes medicamentos, destacando-os
enquanto medicamentos potencialmente perigosos. Além, disso, sua dispensação, preparo e
administração devem ser antecedidos de dupla checagem independente. No uso ambulatorial,
orientação adequada e educação em saúde quanto à dose e frequência de uso, e estratégias para
identificação de eventos adversos, são de extrema importância para a promoção da segurança do
paciente usuário de opioides. Estas estratégias são algumas das múltiplas estratégias de prevenção
de erros que devem ser colocadas em prática para o alcance da meta global proposta pela
Organização Mundial da Saúde em 2017 para reduzir em 50% a ocorrência de danos graves evitáveis
relacionados ao uso de medicamentos em 5 anos.

5.3.5 Anticonvulsivantes
Anticonvulsivantes vêm sendo cada vez mais utilizados na farmacoterapia da dor, uma vez que são
cada vez mais prevalentes doenças associadas a dor crônica. Esses agentes, de uma forma geral,
lentificam as etapas de condução e transmissão. Seus mecanismos de ação são variados, mas
destaca-se mecanismos de bloqueio de canais de sódio, detectado na lamotrigina, carbamazepina,
lidocaína e fenitoína. Agentes com outros mecanismos de ação, como a gabapentina e Pregabalina,
são constantemente utilizados no tratamento da fibromialgia, relativamente seguros, mas
apresentam elevado potencial de sedação.

5.3.6 Antidepressivos
Antidepressivos também possuem crescente aplicabilidade no manejo de dores crônicas como a
fibromialgia, neuropatia diabética e neuropatia associada à herpes zoster. A eficácia em diferentes
quadros álgicos varia, mas, de uma forma geral, os agentes mais estudados são a amitriptilina,
imipramina, venlafaxina e duloxetina, que atuam inibindo a recaptação de norepinefrina e
serotonina; e a fluoxetina, paroxetina e citalopram, que são inibidores seletivos da recaptação de
serotonina. O uso desses agentes para essa finalidade terapêutica tem como base o importante
efeito modulador que as vias descendentes de monoaminas exercem sobre a dor.

A escolha desses agentes deve levar em consideração a presença de outras comorbidades


associadas, psiquiátricas e não psiquiátricas, e o perfil de segurança de cada um deles. Amitriptilina e
imipramina, por exemplo, por serem antidepressivos tricíclicos, possuem elevado potencial de
sedação e de precipitar efeitos anticolinérgicos, como constipação, retenção urinária e bradicardia.

Já os ISRS possuem como principais eventos adverso a inquietação, insônia, cefaleia, disfunção
sexual, anorexia e outras alterações gastrointestinais. Geralmente esses efeitos cedem após algumas
semanas de tratamento. ISRS também podem exacerbar ou causar a síndrome da secreção
inadequada de hormônio antidiurético, sobretudo em idosos, devendo ser utilizados com cautela
nesta faixa etária segundo o Critério de Beers. Além disso, o critério também aponta que esses

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agentes são medicamentos potencialmente inadequados para idosos com histórico de quedas ou
fraturas. Os inibidores da recaptação de norepinefrina e sertralina são mais bem tolerados, com
destaque para a duloxetina.

5.3.7 Terapias específicas


No caso de síndromes álgicas específicas, pode ser possível lançar mão de alguns outros agentes
específicos. É o caso do uso da colchicina no manejo da artrite gotosa, de relaxantes musculares para
dores miofasciais, ou triptanos para cefaleia enxaquecosa. O uso destes agentes, entretanto, deve
ser limitado à dor arresponsiva aos agentes usuais para outros tipos de dores agudas e crônicas,
tendo em vista seu perfil de segurança duvidoso:

 a colchicina, é um fármaco com baixo índice terapêutico e tende a ocasionar náusea, diarreia
e vômito em cerca de 80% dos seus usuários;
 os triptanos, por serem agonistas dos receptores de serotonina, podem ocasionar eventos
adverso similares àqueles já citados para os ISRS;
 os relaxantes musculares apresentam potencial sedativo elevado, podendo expor indivíduos
ao risco de quedas e acidentes, sobretudo se pacientes idosos, conforme ressaltado no
critério de Beers, que classifica todos os medicamentos desta classe como potencialmente
inadequados para idosos.

5.4 Manejo não farmacológico da dor


A dor e a tolerância a ela são fenômenos individuais e com determinação biopsicossocial. Por esta
razão, é cada vez mais bem estabelecido que o manejo da dor não deve limitar-se a estratégias
farmacológicas. Para dores crônicas associadas a lesões específicas, como quadros osteoartriticos ou
lesões miofasciais, são eficazes as técnicas de estimulação elétrica transcutânea ou com ultrassom,
fisioterapia e uso de órteses. Também podem ser utilizadas técnicas de massagem, termoterapia,
relaxamento e acupuntura.

Para todos os tipos de dores crônicas, mas com destaque para a fibromialgia, a psicoterapia é um
importante adjuvante terapêutico, uma vez que é frequente a associação de transtornos depressivos
e históricos traumáticos no desenvolvimento deste quadro. Ensaios clínicos com exercícios de baixo
impacto, como hidroterapia, também demonstram elevada eficácia no manjo da dor da fibromialgia.
Além disso, o fortalecimento das redes de suporte, ajustes nas rotinas laborais e domésticas e
controle do sono e de outras comorbidades também possuem importante papel no manejo da dor.

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