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ENR5405 – Hidrologia

Anotações de aula da disciplina ambiental, incluindo o homem e suas atividades


econômicas.
Hidrologia
A hidrologia agrícola relaciona-se com diversas outras
ciências ou disciplinas, entre as quais se pode citar
meteorologia e climatologia, geologia, hidráulica,
1. INTRODUÇÃO estatística, ciência do solo, geografia e ciência da
computação.
Costuma-se definir a hidrologia como a ciência que se
preocupa em estudar, caracterizar e avaliar as águas. Ela Como ligação à vida prática, cumpre destacar algumas
trata dos fenômenos relativos à água em todos os seus aplicações diretas da hidrologia agrícola:
estados, da sua distribuição e ocorrência na atmosfera, projeto de obras hidráulicas: pontes, bueiros,
na superfície terrestre e no solo, e do seu açudes, diques, canais, terraços, aproveitamentos
relacionamento com as diversas atividades do homem. energéticos;
De modo mais formal, pode-se utilizar o conceito projetos de abastecimento de água para
recomendado pelo United States Federal Council of atendimento da população rural;
Science e Technology, Committee for Scientific drenagem agrícola: dimensionamento das
Hidrology (1962): estruturas, recargas do lençol freático, escoamento
em meio saturado;
“Hidrologia é a ciência que trata da água da terra, irrigação: avaliação temporal e espacial das fontes
sua ocorrência, circulação e distribuição, suas de água, análise temporal das flutuações de água
propriedades físicas e químicas e suas reações com no solo, infiltração, evapotranspiração;
o ambiente, incluindo suas relações com a vida”. avaliação/controle de cheias: regularização dos
Esse conceito mostra a amplitude de abrangência dessa cursos de água, estimativa de vazões máximas,
ciência. Destaque-se que hidrologia caracteriza-se por áreas de inundação, zoneamento, análise de riscos;
ser tipicamente interdisciplinar e dessa forma deve ser avaliação/controle da emissão de resíduos
tratada, do contrário pode-se privilegiar o estudo de poluentes: vazões mínimas e capacidade de
determinados aspectos e negligenciar outros, com riscos assimilação dos corpos de água, produção de
de se perder a interligação entre fenômenos. Mesmo sedimentos, perdas de nutrientes do solo;
assim, para Tucci (1993) a hidrologia pode ser dividida
em dois grandes setores: Em qualquer disciplina curricular o tempo é o fator que
hidrologia científica, desenvolvida a partir de limita o aprofundamento de conteúdos. Portanto, o ideal
programas de observação e quantificação é que sejam selecionados temas que possam ser
sistemática dos diferentes processos que ocorrem adequadamente revisados em um semestre curricular.
no ciclo hidrológico; trata da análise dos processos Dessa forma, ao longo da disciplina serão abordados
físicos que ocorrem numa bacia hidrográfica; conteúdos que poderão atender os seguintes
hidrologia aplicada, voltada para os diferentes questionamentos:
problemas que envolvem a utilização dos recursos
hídricos, inclusive da água no solo, da preservação Qual a dinâmica do processo hidrológico?
do ambiente e ocupação da bacia. Em um estudo hidrológico, qual a porção de
espaço geográfico a ser considerada?
O desenvolvimento da hidrologia busca uma síntese É possível inferir sobre o comportamento
entre as técnicas descritivas e quantitativas dos hidrológico a partir das características do meio?
processos hidrológicos e as questões ligadas ao uso da Há necessidade de previsões do estado futuro das
água pelo homem, dos impactos sobre a bacia e os águas? Quais informações são necessárias à
efeitos globais ocasionados pelas atividades antrópicas. realização de previsões?
Apesar de haver diversas segmentações, tais como a De que maneiras podem ser quantificadas as
própria hidrologia agrícola, a hidrologia ambiental, disponibilidades hídricas em certo local?
drenagem urbana, hidrometeorologia etc., em qualquer Quais os impactos das atividades humanas às
uma, a rigor, o que se observa é que se parte de uma águas? Quais as formas de mitigação de danos?
descrição-quantificação-análise de certos processos
físicos e destina-se a uma aplicação em determinado Deve-se atentar que para estudar os processos
problema ou setor. Dentro dessa visão, portanto, a hidrológicos é necessário transitar por diversos campos
hidrologia agrícola seria aquela aplicada ao meio rural. de conhecimento, o que às vezes torna a tarefa um tanto
Contudo, esta é uma definição imperfeita, pois o “meio árdua por ensejar conhecimentos de física, matemática,
rural” é predominante na paisagem e, dessa forma, em estatística, pedologia, fisiologia vegetal, geologia e
virtude da escala empregada constituiria a própria tantas outras matérias. Mas os esforços certamente são
hidrologia na maioria das aplicações. Numa definição recompensadores, pois permitem uma melhor
mais consistente, pode-se dizer que a hidrologia agrícola compreensão do meio que nos cerca e das implicações
preocupa-se mais com as relações solo-água-planta- de nossas atividades sobre os diferentes componentes
atmosfera e os efeitos dessas relações ao sistema ambientais.

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2. CICLO HIDROLÓGICO em circulação na atmosfera. Portanto, o ciclo


hidrológico deve ser encarado como um processo que
Em termos globais, o ciclo hidrológico é um sistema proporciona redistribuição de massa (principalmente
fechado, com fluxos e armazenamentos de água na água) e energia ao longo da Terra.
superfície do terreno, em rios, lagos, mares e oceanos,
Da atmosfera, a água retorna à superfície principalmente
na atmosfera, no solo e no subsolo. Como descrição
sob a forma de chuva. Quando a água precipitada atinge
geral, observe-se pela Figura 2.1 que a água proveniente
a superfície, parte pode sofrer interceptação pela
da atmosfera (chuva, neve, granizo), também
vegetação, principalmente, ficando nela retida e de onde
denominada meteórica, precipita sobre a superfície e
estará sujeita à evaporação ou consumo por espécies
parte toma o caminho dos cursos d’água, lagos e
vegetais epífetas ou podendo re-precipitar ao solo a
oceanos, formando a denominada água superficial; a
partir da folhagem ou do tronco das árvores. A
água armazenada superficialmente pode retornar para a
interceptação pode abstrair considerável fração do total
atmosfera através da evaporação. Outra parte da água
precipitado em locais densamente vegetados, como é o
precipitada infiltra e armazena-se no solo – com retorno
caso das florestas tropicais úmidas. Aliado a maior
para a atmosfera através da evapotranspiração – ou
capacidade de infiltração de água em solos cobertos por
percola para camadas mais profundas, compondo os
florestas, esses locais possuem um alto poder de
aqüíferos. Destes, por sua vez, a água pode retornar à
atenuação de chuvas intensas e promovem forte
superfície por pontos de descarga, por meio de
amortecimento do escoamento superficial de água, com
bombeamento ou pela transferência das camadas mais
conseqüente redução de impactos decorrentes da ação
profundas para a região não saturada do solo (ascensão
erosiva dos fluxos hídricos turbulentos.
capilar).
A água que supera a interceptação e chega à superfície
ÁGUA infiltra totalmente até o momento em que a taxa de
ATMOSFÉRICA precipitação exceder a capacidade de infiltração do solo,
quando então se inicia à acumulação de água nas
irregularidades e microdepressões do terreno. Assim
que for completado esse acúmulo de água, e persistindo
a chuva, dá-se o início do escoamento superficial, que é
ÁGUA ÁGUA impulsionado pela gravidade para as partes mais baixas
SUPERFICIAL DO SOLO do terreno. Deve-se atentar que o processo é progressivo
e uma etapa não anula a outra, ou seja, a infiltração do
solo não cessa de todo mesmo quando a chuva for muito
prolongada, havendo certo momento em que a taxa de
infiltração atinge um valor mínimo e torna-se
ÁGUA praticamente constante ao longo do tempo.
SUBTERRÂNEA
Em decorrência do escoamento superficial, a água
Figura 2.1 Ciclo hidrológico. concentra-se em veios líquidos, escoa pela rede de
drenagem efêmera e converge para os cursos de água
mais estáveis, que sucessivamente irão formando cursos
Com o auxílio da Figura 2.2, obtida em MAIDMENT de maior caudal que se destinam aos locais de
(1992), pode-se iniciar a descrição do ciclo hidrológico acumulação, como oceanos, mares, lagos e
a partir da evaporação da água dos oceanos para a reservatórios. Em qualquer instante durante o trajeto e
atmosfera. Em termos quantitativos, esse componente no seu destino final, a água estará sujeita ao processo de
responde pela maior parte das transferências globais de evaporação, condicionado pelos fenômenos
água sob a forma de vapor, na ordem de 424 partes meteorológicos (radiação solar, temperatura, vento e
provenientes dos oceanos contra 61 partes da fração de umidade relativa do ar).
terras emersas. O vapor de água resultante é Da água que infiltra, parte é armazenada no perfil do
transportado pelo movimento das massas de ar e, sob solo, ficando disponível às plantas e sendo removida
certas condições, é condensado e resulta na formação de através da evapotranspiração. O excedente da
nuvens, que por sua vez originam as precipitações. capacidade de armazenamento de água no solo pode ter
Observe-se que das 424 partes de água evaporadas nos dois caminhos principais: parte da água percola além da
oceanos, somente 385 a eles retornam como camada de extração de água pelas raízes, recarregando
precipitação direta. O restante transfere-se para os os aqüíferos mais profundos, e parte flui através do solo
continentes e permite que se forme o excedente hídrico ocasionando um escoamento subsuperficial, o qual
gerador dos escoamentos em rios e no subsolo que, ao persiste muito tempo após o término da precipitação e
fim e ao cabo, faz retornar para os oceanos às águas que do escoamento superficial, gerando o que é conhecido
dele foram retiradas pela evaporação. Destaque-se que como fluxo de base – fonte de água que abastece os
para acionar o processo são requeridas grandes cursos de água permanentes. Na Figura 2.2, observe-se
quantidades de energia, naturalmente supridas pelo sol. que de 100 unidades de precipitação sobre as terras
Como resultado, juntamente com os fluxos de água emersas, 61 unidades retornam à atmosfera pela
evaporados seguem quantidades equivalentes de energia evapotranspiração e evaporação, 38 unidades formam as
que são dissipadas ao longo do globo pelas massas de ar vazões de todos os rios que descarregam nos oceanos e
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apenas 1 unidade constitui a chamada descarga propósito, um dos grandes campos de atuação da
subterrânea. Conseqüentemente, pode-se notar a hidrologia é justamente atenuar os problemas de
importância da evapotranspiração na transferência de escassez de água, principalmente através do
água para a atmosfera e o papel exercido pela vegetação dimensionamento de reservatórios e regularização de
nesse processo. vazões.
Com relação à distribuição das águas nos diversos Note-se que a Tabela 2.1 atribui um percentual irrisório
compartimentos terrestres, a Tabela 2.1 apresenta uma para as águas dos rios (0,006%), mas deve-se considerar
quantificação aproximada dos diferentes reservatórios tal percentual em um ponto de vista estático, isto é, ele
na Terra. Cabe ressaltar que as distribuições se refere à água armazenada no leito dos rios em
quantitativas não expressam uma ordem de importância determinado momento. No entanto, a disponibilidade de
tanto em relação ao ciclo hidrológico como para os água na rede hidrográfica deve ser considerada em um
interesses humanos. Por exemplo, a atmosfera retém determinado intervalo de tempo, ou seja, para obter o
uma quantidade relativamente pequena do total de água potencial hídrico deve-se computar as vazões e não o
disponível, mas o vapor d’água é um fator chave na volume armazenado no rio em dado instante.
distribuição de energia e precipitação no planeta. Por
Digno de nota também é o percentual de água doce
outro lado, grandes quantidades de água doce estão
armazenado sob a forma de gelo polar, que compreende
imobilizadas em geleiras e neves eternas, praticamente
mais de dois terços da água doce total disponível na
indisponíveis ao homem (embora de importância
Terra. Essa água pode ser considerada como
fundamental na regulação térmica planetária e no nível
imobilizada, embora estudos apontem para uma
dos oceanos). Sob o ponto de vista humano, deve-se
progressiva redução das geleiras no Ártico e na
observar que as reservas de água doce prontamente
Antártida em virtude do aquecimento global. A ser
disponíveis são relativamente pequenas, o que é
confirmado, o degelo da fração continental deverá
demonstrado pela escassez de água em muitas regiões.
alterar o nível dos oceanos e afetar no futuro vastas
Destaque-se que a água subterrânea, com expressivo
porções costeiras ao redor do mundo.
volume armazenado, está em grande parte localizada em
grandes profundidades e é de difícil aproveitamento. A

39
100
umidade sobre
precipitação
as terras
sobre as terras

385
61 Evaporação das terras precipitação
sobre o oceano

Escoamento
superficial 424
evapotranspiração e
Evaporação oceânica
evaporação
infiltração

lençol freático
38 descarga superficial

1 Escoamento
armazenamento
subterrâneo
subterrâneo

Região impermeável

Figura 2.2 Ciclo hidrológico, com volumes anuais de fluxo dados em unidades
relativas à precipitação que ocorre sobre as superfícies terrestres.
(Adaptado de Maidment, 1992).

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Tabela 2.1 Quantidades de água nas fases do ciclo hidrológico.

Item Área Volume Percentagem do Percentagem do


6 2 3
(10 km ) (km ) total de água total de água doce
Oceanos 361,3 1.338.000.000 96,500
Água Subterrânea:
Doce 134,8 10.530.000 0,7600 30,100
Salina 134,8 12.870.000 0,9300
Água do solo 82,0 16.500 0,0012 0,050
Gelo polar 16,0 24.023.500 1,7000 68,600
Outros gelos e neve 0,3 340.600 0,0250 1,000
Lagos:
Doces 1,2 91.000 0,0070 0,260
Salinos 0,8 85.400 0,0060
Pântanos 2,7 11.470 0,0008 0,030
Rios 148,8 2.120 0,0002 0,006
Água biológica 510,0 1.120 0,0001 0,003
Água atmosférica 510,0 12.900 0,0010 0,040
Água total 510,0 1.385.984.610 100,0000
Água doce 148,8 2,5000 100,000
Fonte: Maidment (1992).

BIBLIOGRAFIA

TUCCI, CARLOS E.M. Hidrologia: ciência e aplicação.


In.: Tucci, Carlos E.M. (org.). Hidrologia: ciência e
aplicação. – Porto Alegre: Ed. da Universidade:
ABRH:EDUSP, 1993. p.25-31. (Coleção ABRH de
Recursos Hídricos; v.4)

MAIDMENT, DAVID R. Hydrology. In: Maidment,


David R. (ed.). Handbook of hydrology. McGraw-Hill,
1992. p.1.1–1.15.

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