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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Aluno:

EaD - Educação a Distância Portal Educação

AN02FREV001/REV 3.0
CURSO DE
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

MÓDULO IV

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são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

AN02FREV001/REV 3.0
MÓDULO IV

4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E OS FUNDAMENTOS SUBSIDIÁRIOS AO


TRABALHO DO PROFESSOR

Neste curso, há o objetivo de apresentar uma reflexão sobre a prática


pedagógica do professor, principalmente dos que trabalham com alunos com
deficiência, especialmente nos dias atuais, quando no contexto das políticas
educacionais, a educação especial, que tradicionalmente dispensava atendimento
exclusivo a esses alunos como modalidade, vem sofrendo modificações por força do
movimento da educação inclusiva instituída no Brasil.

O cenário do Mundo Atual evidencia um movimento em direção a um


sentido de inclusão social: o sujeito com deficiência passa a dividir a cena
com sujeitos sem deficiência, coabitando os diversos espaços sociais. Nota-
se, pois, um grande dinamismo experimentado pelos sujeitos e, em
particular, pelos sujeitos com deficiência [...] (MARQUES, 2001, p. 53).

Como resultado dos eventos que direcionam esses propósitos, os alunos


com deficiência devem ser matriculados e estudarem na escola comum da rede
regular de ensino e não mais em classes ou em escolas especiais. Todavia,
apresentamos a primeira provocação com apoio naquilo que nos dizem Tunes e
Bartholo (2008, p. 142):

[...] dadas à variedade e o antagonismo de concepções sobre a deficiência,


é preciso saber de que inclusão se está falando. A noção de diversidade-
singularidade é um marcador importante para se compreender o
antagonismo entre as visões fatalistas e as eussêmicas. Vista como fruto do
pecado, um castigo (concepção sobrenatural), ou de um erro da natureza
(concepção naturalista), a deficiência deve ser eliminada. Não se trata é
claro, de eliminar a pessoa, mas sim o mal que ela porta. Se o mal for
decorrente de um desígnio divino, aplicam-se as preces, orações,
expectativa de milagres, exorcismos. Se resultar de um erro da natureza,
cabem as orientações e os procedimentos oriundos da ciência. Em qualquer
desses dois casos, a deficiência é o foco da ação, devendo a inclusão
favorecer a entrada e a permanência da pessoa no fluxo da normalidade,
seja o que for o que se denomine de normalidade. Vista como um conceito

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ou uma espécie de sentimento que emerge das relações sociais que se
estabelecem entre as pessoas com deficiência e as demais, a deficiência
deixa de ser o foco da ação inclusiva, que se volta para as relações sociais.
O que interessa não é o que ocorre na pessoa, mas entre as pessoas.

O marco fundamental para a implementação dessa discussão, deu-se a


partir de evento mundial originário de uma reunião de Salamanca Espanha (1994), a
qual resultou na Declaração de Salamanca, conclamada no mesmo ano. Esse
movimento tem, com foco principal, a transformação dos sistemas de ensino em
sistemas educacionais inclusivos com repercussões na reorganização das escolas,
as quais deverão voltar-se ao acolhimento de:

[...] todas as crianças, independentemente de suas condições físicas,


intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. [...] crianças com
deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que
trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de
minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou
zonas desfavorecidos ou marginalizados (BRASIL, 1997, p. 17-18).

Os sistemas de ensino foram desafiados a se reorganizarem para que a


educação tivesse êxito, inclusive sem restrição às crianças com deficiências mesmo
aquelas consideradas complexas. Foi, então, que surgiu o conceito de necessidades
educativas especiais e, também, o conceito de escola integradora, no Brasil
chamado de escola inclusiva, modificação constante em publicações oficiais,
conforme consta em Bueno (2008). Para as respostas adequadas a essas
necessidades, além de serem referenciados programas de formação profissional,
serviços de apoio, e, em síntese, organização da escola, a qual, nas suas
finalidades:

[...] pode ser considerada como um dos espaços mais privilegiados das
expressões culturais, exigindo, por parte de quem executa as práticas
pedagógicas, desenvolver projetos de construção de saberes, envolvendo a
concretude democrática nas decisões e adequação dos temas que atendam
aos interesses dos atores do processo, contestando sujeitos de dominação
da história, a partir de vincular práticas de sala de aula às questões de
políticas maiores (GIROUX apud PLETSCH, 2010, p. 157).

Por causa das mudanças sugeridas para que tais propostas se


concretizassem, as escolas e os professores foram e estão sendo invocados a
receberem os alunos com deficiência nas unidades escolares comuns e a
participarem dos processos de mudanças com atuação que comungue com os

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pressupostos básicos desses eventos, assegurando aos alunos na escola, acesso,
permanência e qualidade. São elementos comprometedores e comprometidos com
toda uma história e trama construída nas escolas ao longo dos anos, as quais, em
sua maioria, sequer haviam visto um aluno com deficiência e, nem mesmo
acreditavam que pudessem aprender e dar as respostas cognitivas da forma que a
escola espera. Por isso, as indagações:
Com quais condições ou princípios norteadores poderemos nos orientar para
que isso ocorra? Uma reflexão com apoio em Vygotsky (2003, p. 303).

O processo pedagógico é a vida social ativa, é a troca de vivências


combativas, é uma tensa luta em que o professor, no melhor dos casos,
personifica uma pequena parte da classe – com frequência, ele está só.
Todos os seus elementos pessoais, toda a experiência de sentimentos e
pensamentos, além da vontade, são utilizados sem cessar, nessa atmosfera
de tensa luta social denominada trabalho pedagógico interno. Sua rede de
insatisfações pessoais, de incômodos, de esforços para se adiantar e sua
sinceridade pedagógica, as lições educativas derivadas disso, constituem a
mesma rede da criação artística que acabamos de descrever. Um
pedagogo-educador não pode deixar de ser um artista. Em um pedagogo, a
total objetividade é um absurdo. O educador racionalista não educa
ninguém.

A sala de aula, pelo que pudemos apreender, deve ser a instância


propulsora da luta pela superação, pela criação, pela inventividade, pelas ações,
enfim, pela mobilização de esforços para a construção do novo, da aprendizagem,
onde tudo deve ser desvelado.

A educação, assim, não deveria ocultar nem velar as duras trações da


tragédia, mas permitir, que na luta, a vida se revele como criação, como
permanente tensão, superação e criação de novas formas de ação,
liberando-se das formas sociais que a deformam e mutilam (TUNES E
BARTHOLO, 2008, p. 14).

Há que se entender a necessidade de atuação da equipe escolar, da


pedagogia retomando seu importante papel no encaminhamento da aprendizagem
com práticas pedagógicas, que devem ser, de tal forma planejadas, a fim de
contribuírem para a desconstrução de atitudes excludentes presentes no imaginário
da escola.

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[...] o aluno é excluído do ensino regular com a justificativa de não possuir
condições para se beneficiar dessa modalidade de ensino devido a
problemas pessoais (distúrbios de aprendizagem, problemas emocionais,
entre outros), problemas de ordem familiar como a desagregação,
desorganização, falta de interesse e por ser proveniente de um meio social
pobre (carente cultural) (OLIVEIRA, 2008, p. 166).

Com isso, promover rupturas com a dominação dos saberes dos diversos
campos de atuação profissional, pelos quais foram legitimadas práticas tradicionais
cuja deficiência era olhada pelo viés das faltas, das impossibilidades, do deficit, e
pelas políticas educacionais resumidos na categoria necessidades educacionais
especiais. Na ausência de outros critérios que permitam uma definição mais precisa
da população considerada especial, surge uma ampla categoria que não nos auxilia
a resolver o impasse (JANNUZZI, 1997 apud PADILHA, 2001)

Somos seres multideterminados, dependendo das condições concretas de


vida social para nos desenvolvermos e a educação é uma destas condições.
É muito importante... É preciso descobrir a “promessa que reside em cada
criança [ou jovem, ou adulto]. Promessa de potencialidade para as quais até
o momento não se encontrou instrumentos adequados de avaliação [...]”
(PADILHA, 2001, p. 219).

Sem contar com uma realidade escolar em que persistia o ensino para o
qual o professor era o dono do saber absoluto e o aluno o sujeito passivo à espera
dos conteúdos, sobre o que deveria manter o pleno domínio. Do contrário, o aluno
passaria a fazer parte do grupo dos alunos que não aprendiam, engrossando fileiras
do fracasso escolar, assunto que não os ajudou nas necessárias superações para o
próprio funcionamento na escola, na qual sempre foi visto como um aluno que não
demonstra, conforme as exigências da escola, condições de aprender.

A questão do fracasso escolar remete para muitos debates: sobre o


aprendizado [...], mas também sobre a eficácia dos docentes, sobre o
serviço público, sobre a igualdade “das chances”, sobre os modos de vida e
o trabalho na sociedade de amanhã, sobre as formas de cidadania, etc.
(CHARLOT, 2000, p. 14).

A escola convive com essas questões, sobre as quais precisa redimensionar


seu trabalho e, ao mesmo tempo, vive situações em que as buscas dos alunos com
deficiência, em equacionar suas necessidades básicas de aprendizagem em muitos
casos não contempladas, não lhes são de todo exclusivas.

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Se olharmos as análises sobre os indicadores sociais referentes ao ano de
2007 e divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
setembro de 2008, oito de dez crianças que não sabem ler e escrever estão na
escola, o que equivale a 84,5% das crianças de oito a 14 anos que não sabem ler e
escrever frequentando a escola, algo correspondente a 1,1 milhões de crianças. Os
indicadores mostram que 745,9 mil vivem no nordeste. Pletsch (2010, p. 75)
comenta tal situação:

Isto mostra que, se antes a exclusão era gerada pela falta de acesso à
escola e pelas múltiplas reprovações, agora ela se funda sobre o
aprendizado ou pelo aprendizado insuficiente, o que mostra a fragilidade da
educação brasileira.
Assim, podemos afirmar que o “sentimento de inclusão” provocado pela
quase universalização da Educação Básica – 97% dos brasileiros entre 7 a
14 anos estão na escola (IBGE, 2008) – não garantiu condições para a
mobilidade social e integração no processo econômico das classes
populares, que continuam sendo excluídas do acesso aos saberes e bens
culturais historicamente produzidos, agora dentro da própria escola.

Convêm refletirmos com Ferreira e Ferreira (2004, p. 36), quando falam da


forte presença do fracasso escolar nas escolas, de uma forma bem peculiar, e como
uma questão ainda não superada:

Os estudos sobre a realidade social da escola evidenciam que ela ainda


não conseguiu equacionar um de seus mais sérios problemas, conhecido
como o fenômeno do fracasso escolar. [...] temos ainda hoje uma escola
regular que não sabe bem como ensinar seus alunos “tradicionais”.

E a prática pedagógica do professor? O que esse assunto tem a ver com


tudo isso? A grande questão que nos impulsionou a mais uma vez falar do tema no
contexto da escola que se quer inclusiva, diz respeito à curiosidade de saber: como
essa prática ocorre? Ao mesmo tempo, pesquisar sobre os fundamentos que
direcionam essas práticas.
Começamos pelos professores, que, em sua atuação, direcionam seu
trabalho, em sala de aula, conforme Marques (2001), calcados numa prática
pedagógica influenciada por correntes diversas. Apoiadas em teorias da
aprendizagem, que no entendimento de Moreira (1999) podem ser explicadas da
seguinte forma:

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No caso das teorias da aprendizagem são três as filosofias subjacentes – a
comportamentalista (behaviorismo), a humanista e a cognitivista
(construtivismo) – embora nem sempre se possa enquadrar claramente
determinada teoria de aprendizagem em apenas uma corrente filosófica
(MOREIRA, 1999, p. 13-14, grifos do autor).

Na lógica, comportamentalismo define-se como:

As aprendizagens desejadas [...] aquilo que os alunos deveriam aprender,


eram expressas em termos de comportamentos observáveis. Os objetivos
comportamentais definiam, da maneira mais clara possível, aquilo que os
alunos deveriam ser capazes de fazer, em quanto tempo e sob que
condições, após a instrução. A avaliação consistia em verificar se as
condutas definidas nos objetivos comportamentais eram, de fato,
apresentadas ao final da instrução. Se isso acontecia, admitia-se
implicitamente, que havia ocorrido aprendizagem (MOREIRA, 1999, p. 14).

Enquanto que o construtivismo:

[...] é uma posição filosófica cognitivista interpretacionista. Cognitivista


porque se ocupa da cognição, de como o indivíduo conhece, de como ele
constrói sua estrutura cognitiva. Interpretacionista porque supõe que os
eventos e objetos do universo são interpretados pelo sujeito cognoscente. O
ser humano tem a capacidade criativa de interpretar e representar o mundo,
não somente de responder a ele (MOREIRA, 1999, p. 15).

O humanismo, por sua vez, é uma filosofia que:

[...] vê o ser que aprende, primordialmente, como pessoa. O importante é a


autorrealização da pessoa, seu crescimento pessoal. O aprendiz é visto
como um todo – sentimentos, pensamentos e ações – não só o intelecto.
Neste enfoque, a aprendizagem não se limita a um aumento de
conhecimentos. Ela é penetrante, visceral, e influi nas escolhas e nas
atitudes do indivíduo. Pensamentos, sentimentos e ações estão integrados,
para bem ou para mal. Não tem sentido falar do comportamento da
cognição sem considerar o domínio afetivo, os sentimentos do aprendiz. Ele
é pessoa e as pessoas pensam, sentem e fazem coisas integradamente
(MOREIRA, 1999, p. 16).

Até os dias atuais, vivenciamos a ocorrência de debates que retratam o


pensamento do século XX, período que marcou fortemente a estruturação das
escolas no País.

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As reformas educacionais ocorridas a partir da década de noventa
modificaram a legislação educacional nos marcos do processo mais amplo
1
da reforma neoliberal do Estado . Esta última pode ser caracterizada como
um processo pelo qual se buscou reformar o Estado brasileiro por meio do
redirecionamento e da remodelagem do gasto público e do papel do estado
na economia, com implicações diretas no financiamento e no desenho das
políticas sociais – entre elas, a educação – e na definição de novos
“ganhadores” e “perdedores” na apropriação da riqueza e da renda nacional
(PLETSCH, 2010, p. 45).

Nessa época, viveram-se embates teóricos sob a influência de várias


abordagens que influenciaram investigações acerca dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem, dentre elas a corrente behaviorista, que teve
Skinner (1904-1990) como um dos principais autores. Skinner defendeu a psicologia
como o estudo do comportamento, pelo qual, depreende-se que a maioria do nosso
comportamento é aprendido e condicionado.
Para suas constatações, Skinner realizou pesquisas com alguns animais,
tais como ratos e pombos e, posteriormente, com seres humanos, fazendo estudos
sobre o sistema de reforços no condicionamento operante, com o objetivo de
modelar o comportamento. Esses estudos beneficiaram a educação, na medida em
que trouxeram como pressuposto a importância do planejamento organizado,
sequencial e com os objetivos bem-definidos. Inspirou a graduação do ensino, com
base no ritmo e na capacidade dos alunos.
A teoria do desenvolvimento cognitivo tem como expoente Piaget. Sua
ascensão marcou a decadência do behaviorismo, em termos de influência no
ensino-aprendizagem e na pesquisa nessa área. “Piaget é mais conhecido pelos
quatro períodos de desenvolvimento cognitivo. O ‘núcleo duro’ da teoria de Piaget
está na assimilação, na acomodação e na equilibração, não nos famosos períodos
de desenvolvimento mental” (MOREIRA, 1999, p. 95-96).
Essa forma de pensar o desenvolvimento predominou e ainda orienta
pesquisas por parte de psicólogos e educadores na busca de conseguir alcançar a
melhor forma de trabalhar o processo ensino-aprendizagem, para o qual deve ficar
esclarecido que o construtivismo não se constitui numa metodologia, muito pelo
contrário é uma teoria. Para sua aplicação ou utilização como fundamento ao

1
Essas reformas foram propostas no Plano Diretor da Reforma do Estado em 1995 (apud PLETSCH,
2010, p. 45).

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trabalho pedagógico, por exemplo, o que importa aos pesquisadores envolvidos com
o entendimento dos estudos de Piaget é a compreensão de alguns termos que a
sustentam, tais como, a assimilação, a qual:

[...] designa o fato de que a iniciativa na interação do sujeito com o objeto é


do organismo. O indivíduo constrói esquemas de assimilação mentais para
abordar a realidade. Todo esquema de assimilação é construído e toda
abordagem à realidade supõe esquema de assimilação. Quando o
organismo (a mente) assimila, ele incorpora a realidade a seus esquemas
de ação, impondo-se ao meio (MOREIRA, 1999, p. 100).

Em algumas situações, quando a criança não consegue realizar uma ação,


tanto poderá ocorrer a desistência como a modificação na criança e é a essa
modificação que Piaget denomina de acomodação:

É por meio das acomodações (que, por sua vez, levam à construção de
novos esquemas de assimilação) que se dá o desenvolvimento cognitivo.
Se o meio não apresenta problemas, dificuldades, a atividade da mente é,
apenas, de assimilação, porém, diante deles, ela se reestrutura
(acomodação) e se desenvolve (MOREIRA, 1999, p. 100).

Podemos apreender dos postulados de Piaget que o crescimento cognitivo


da criança ocorre pela intrínseca relação entre assimilação e acomodação, a qual
não ocorre sem a assimilação. Sem contar que, nessa teoria, é discutido o equilíbrio
existente entre a assimilação e a acomodação, que resulta na adaptação. E, dessa
forma:

Experiências acomodadas dão origem, posteriormente, a novos esquemas


de assimilação e um novo estado de equilíbrio é atingido. Novas
experiências, não assimiláveis, levarão a novas acomodações e a novos
equilíbrios (adaptações) cognitivos. Este processo de equilibração
prossegue até o período das operações formais e continua, na idade adulta,
em algumas áreas de experiência do indivíduo (MOREIRA, 1999, p. 100).

Certo é que, dessa teoria decorre o entendimento de que a estrutura


cognitiva de um indivíduo se constrói na complexidade de esquemas de assimilação
e, ainda, que as ações humanas são a base do comportamento humano, resultando
de tais constatações, Piaget considera que todo o comportamento parte da ação,
enquanto que a percepção resulta de uma atividade, já a imagem mental é uma
imitação interior do objeto e o “pensamento é, simplesmente, a interiorização da
ação [...]” (MOREIRA, 1999, p.101).

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De maneira diferente, Vygotsky (apud MOREIRA, 1999, p. 109) trata das
aquisições para o desenvolvimento cognitivo:

Parte da premissa que esse desenvolvimento não pode ser entendido sem
referência ao contexto social, histórico e cultural. Além disso, Vygotsky
focaliza os mecanismos por meio dos quais se dá o desenvolvimento,
cognitivo, não produtos do tipo estágios de desenvolvimento como propõem
Piaget e Bruner. Para ele, tais mecanismos são de origem e natureza
sociais, e peculiares ao ser humano.

Um dos principais destaques dados à teoria de Vygotsky diz respeito aos


processos mentais superiores do sujeito que, para ele têm origem em processos
sociais e sua compreensão só se efetiva caso haja entendimento dos instrumentos e
signos mediadores desses processos mentais.

[...] instrumentos e signos são construções sócio-históricas e culturais


através da apropriação (internalização) destas construções, via interação
social, o sujeito se desenvolve cognitivamente. Quanto mais o indivíduo vai
utilizando signos, tanto mais vão se modificando, fundamentalmente, as
operações psicológicas das quais ele é capaz. Da mesma forma, quanto
mais instrumentos ele vai aprendendo a usar, tanto mais se amplia, de
modo quase ilimitado, a gama de atividades nas quais pode aplicar suas
novas funções psicológicas (MOREIRA, 1999, p. 111).

Sobre os signos, Padilha (2001, p. 52), referindo-se aos estudos de


Vygotsky, nos diz o seguinte:

A palavra, signo por excelência, constitui a consciência: a consciência


semiótica. O signo modifica as relações interfuncionais, [...], e o significado
não é igual à palavra, nem igual ao pensamento [...]. Mas não existe signo
sem significado, nem significado sem relação dialógica.

Esses instrumentos e signos são prerrogativas dos seres humanos e são


construções consideradas sócio-históricas e culturais, construções essas que
internalizadas, por meio da interação social, resultam no desenvolvimento cognitivo
do sujeito. A interação social é, “na perspectiva vygotskyana, o veículo fundamental
para a transmissão dinâmica (de inter para intrapessoal) do conhecimento social,
histórica e culturalmente construída” (MOREIRA, 1999, p. 112) Esse autor, ainda
nos diz que, para Vygotsky:

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[...] os processos mentais superiores (pensamento, linguagem,
comportamento volitivo) têm origem em processos sociais; o
desenvolvimento cognitivo do ser humano não pode ser entendido sem
referência ao meio social. Contudo, não se trata apenas de considerar o
meio social como uma variável importante no desenvolvimento cognitivo.
Para ela, desenvolvimento cognitivo é a conversão de relações sociais em
funções mentais. Não é por meio do desenvolvimento cognitivo que o
indivíduo se torna capaz de socializar, é na socialização que se dá o
desenvolvimento dos processos mentais superiores (MOREIRA, 1999,
p.110).

Mas como podemos definir interação social?

Uma definição de interação social implica um mínimo de duas pessoas


intercambiando informações (o par, ou díade, é o menor microcosmo de
interação social). Implica também certo grau de reciprocidade e
biredicionalidade entre os participantes, ou seja, a interação social supõe
envolvimento ativo (embora não necessariamente no mesmo nível) de
ambos os participantes desse intercâmbio, trazendo a eles diferentes
experiências e conhecimentos, tanto em termos qualitativos como
quantitativos (MOREIRA, 1999, p. 112).

E sobre as teorias que fundamentam a prática pedagógica do professor? As


teorias que influenciam as práticas pedagógicas do professor também foram
identificadas por Marques (2001), cujas pesquisas apontam Kohlberg e Mayer
(1972) como subsidiários de tais práticas. Sobre a teoria, convém destacarmos sua
essencialidade na organização do trabalho pedagógico, visto que “o aporte teórico
torna possível que as situações de ensino e aprendizagem tenham sentido e sejam
preparadas, modificadas, interrompidas [...]” (PADILHA, 2001, p. 82).
A escolha dos objetivos e práticas que são utilizados pelos professores em
seu trabalho pedagógico, fundamenta-se em três ideologias educacionais,
ancoradas em abordagens psicológicas, afirmativa que mais uma vez nos leva a
buscar apoio em Marques (2001). Essa autora refere-se, para isso, ao romanticismo,
vertente inspirada em Rousseau e que defendia como pressuposto, o respeito à
espontaneidade da criança e a necessidade de um ambiente pedagógico propício
“às manifestações da criança, devendo o ambiente pedagógico permitir que a
bondade interior se revele e a maldade fique sob controle” (MARQUES, 2001, p. 12).
Como segunda ideologia apontada em tais estudos, identificamos a
Transmissão Cultural, apoiada no Mecanicismo, no Ambientalismo e no
Associacionismo, envolvendo Locke, Thorndike e Skiner. No contexto dessa

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abordagem, “as estruturas cognitivas são reflexos das estruturas existentes, fora da
criança, no mundo físico e social, requerendo a educação uma cuidadosa exposição
a padrões desejáveis de comportamento” (MARQUES, 2001, p. 12).
E como terceira vertente o Progressivismo veio fundamentado em Dewey e
Piaget, os quais despontaram em defesa de uma educação propícia à interação da
criança com o meio, recomendando para isso, dentre outros, a apresentação de
desafios à criança, no sentido de que essa seja estimulada ativamente em seu
desenvolvimento cognitivo e moral.
Vygotsky, por outro lado, acrescentou ao sujeito e ao meio, o outro, como
elemento constitutivo das relações, das interações sociais e primordial na
construção do conhecimento (MARQUES, 2001).

Vygotsky insiste que a validade social é a finalidade da educação. E para


ele, o que é cultural é social, os signos são sociais, as ferramentas são
sociais, todas as funções superiores desenvolvem-se de modo social, as
significações são sociais – a base da estrutura da personalidade é social. A
natureza, a gênese e a função da personalidade são sociais (PADILHA,
2001, p. 109).

Por meio dessas leituras, pudemos identificar que a formação e a prática


pedagógica dos professores vêm herdando fragmentos das concepções citadas. E,
juntamente com isso, a partir de suas vivências, relações profissionais e pessoais,
os professores de alunos com deficiência constroem seu trabalho e manifestam seu
modo de agir e de pensar a respeito desses alunos, dentre os quais existem os que
apresentam deficiências mais complexas, cujas necessidades merecem profunda
reflexão e prudência.

Educar com êxito a todas as crianças, inclusive as que apresentam


deficiências graves, implica o professor e sua formação profissional, pois é
quem atua diretamente com os alunos na sala de aula. Ele deverá favorecer
o estabelecimento de interações sociais visando o aprendizado desses
sujeitos, para que as ações já desencadeadas em favor da inclusão e as
metas estabelecidas pelas políticas educacionais alcancem êxito almejado.
Assim, a questão da formação dos professores precisa ser discutida de
forma ampla e englobar tanto a formação do professor que atua na
educação especial quanto no ensino comum. A dicotomia que foi
estabelecida entre educação especial e educação regular acabou refletindo
na formação dos professores e, consequentemente, nas suas ações no
âmbito escolar (OLIVEIRA, 2008, p. 168).

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Por sua vez, as construções pedagógicas, e a aprendizagem dos alunos
com deficiência requerem reflexão e ação calcadas em práticas inclusivas, que
apontem para outras possibilidades que levem a todos, professores e demais
profissionais que trabalham com pessoas com deficiência, criança, adolescente,
adulto e até com o idoso, a enxergarem pistas e não obstáculos, a vislumbrarem
caminhos para superações, a privilegiarem o sucesso e não o fracasso desses
alunos. Precisamos entender o que fazem as palavras na vida dos alunos com
deficiência, e evitá-las, uma vez que:

Palavras como “deficit”, “incapacidade”, “imaturidade”, “transtornos”,


“portadores de deficiências”, “anormais”, “carência”, “retardo”, “síndromes”
etc., marcam os encaminhamentos de crianças e jovens para tratamentos
especiais, atribuindo-lhes problemas como sendo apenas individuais e de
origem biológica. Os “desvios” estão neles (PADILHA, 2001, p. 30).

O autor explica sobre as mudanças necessárias nas escolas especiais, as


quais nós entendemos que devem ser extensivas a todas as escolas.

[...] antes de tudo, definir-se quanto a sua concepção de sujeito, de mundo,


também sobre a sociedade, sobre deficiência e eficiência, concepção de
desenvolvimento e aprendizagem, para poder conhecer mais e melhor
sobre as características das crianças e jovens que nela estão e dela
esperam um papel crucial no desenvolvimento cognitivo em todas as
esferas do simbólico. E isso só é possível com base em um projeto político-
pedagógico que defina, com clareza, seu papel de conhecer, reconhecer e
programar a sua tarefa de criação positiva de formas de trabalho, que
respondam às particularidades de seus educandos; tanto as
particularidades pessoais de gênese biológica quanto as que são
construídas na vida social, nas relações concretas de vida de cada um
(PADILHA, 2001, p. 108).

Com base em tais pressupostos, fica evidente que precisamos evoluir no


sentido de perceber esses alunos diferentemente do ideário que apontava para
diferenças como algo vinculado às faltas, aos impedimentos, às incapacidades.
Padilha (2001, p. 108) reproduzindo uma expressão de Vygotsky, acrescenta que
precisamos de “um novo ponto de vista” (VYGOTSKY, 1989, p. 33). Vygotsky ao
mesmo tempo, diz: “Que verdade – libertadora para o pedagogo! [...] o mais
importante é que a educação se apoie não só nas forças naturais do
desenvolvimento, senão também no ponto especial e final sobre o qual deve
orientar-se”.

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Por sua vez, Caiado (2007, p. 211) chama nossa atenção para a seguinte
constatação:

Em nosso país nos acostumamos com pessoas deficientes caladas, sem


voz. Impossibilitadas de sair de casa por barreiras materiais ou por uma
visão de mundo hegemônica que as intitula incapazes e culpadas pela
condição em que se encontram vítimas.

Precisa-se construir outra maneira de pensar a pessoa com deficiência sob a


ótica das possibilidades, de seu funcionamento como pessoa, de tal forma, que seja
requisitada a participar do processo de aprendizagem e, ao mesmo tempo,
beneficiar-se desse processo, por um lado, em nome de seus direitos e, por outro,
em nome de suas próprias necessidades escolares, de aquisição do conhecimento,
especialmente daquele que é exigido pela escola, sem o qual é um aluno reprovado
na escola e até na vida. Modificar essa situação não é tão simples de acontecer, no
momento em que:

A escola cria realidades. Ao instituir a ideia de aluno como um ser em


preparação para a vida, criar o currículo padronizado, seriado, baseado em
pré-requisitos e linearmente organizado, forja e oficializa uma estrutura
padrão do desenvolvimento intelectual. Na sua missão de qualificar
competências, elabora mecanismos e procedimentos de avaliação que
legitimem sua ação – daí, sua obstinação por métodos quantitativos,
presumidamente detentores de objetividade – e acaba por criar condições
que favorecem a emergência da ideia de patologias do desenvolvimento
intelectual, como um desvio da norma que ela própria impôs. Na ocultação
dessa imposição que, certamente, limitaria o seu escopo de ação, afirma,
ideologicamente, o caráter natural da estrutura de desenvolvimento que
inventou. E nesse círculo vicioso, ainda se apresenta como solução para o
desvio que pontifica. A escola que exclui pode incluir fazendo-nos reféns
(TUNES e BARTHOLO, 2008, p. 143-144).

É evidente que precisamos evoluir, calcados numa visão proativa, reiterando


aspectos anteriormente citados, com vistas ao posicionamento dos sujeitos com
deficiência nas mesmas condições de vida que são disponibilizadas às demais
pessoas sem deficiência, garantindo-lhes dignidade, respeito e oportunidades de
conviver e participar. É ainda Tunes e Bartholo (2008, p. 147) que nos falam da
educação convivencial como necessária para se repensar às avessas formas da
escola conduzir esse processo, pois a consideram como:

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118
[...] aquela genuinamente inclusiva. Requer uma pedagogia criadora,
exercida por todos e por cada um, quando se decide caminhar com os
próprios pés. Nessa perspectiva, incluir não significa apenas colocar no
ninho o estranho que vem de fora, sequestrando-o de sua vida plena; ao
contrário, requer um sair de si e ir ao seu encontro, ofertando-lhe aquilo de
que efetivamente, necessita. Incluir significa ouvir e responder àquilo que
outro pede pela sua própria voz. Como seres humanos [...].

Além do mais, esse trecho nos induz a destacar que as concepções atuais
sobre deficiência introduzem novas reflexões que não condizem com a imobilidade
com que as pessoas com deficiência eram tratadas, especialmente no que diz
respeito à participação plena na vida comunitária, assim como, ao direito de ser
diferente. E com isso, viver como um aluno na escola que o promova e o alimente de
conhecimentos, da mesma forma como conduz o processo ensino-aprendizagem
aos demais alunos. Pletsch (2010, p. 167), alicerçada em seus estudos, os quais
foram conciliados com as observações fundamentadas nas escolas públicas no Rio
de Janeiro, nos afirma o seguinte:

A partir dos diferentes argumentos apresentados e levando em


consideração as realidades observadas, defendemos ser necessário
implementar alternativas e/ou mudanças nas práticas curriculares para que
os alunos com necessidades especiais possam participar das atividades
escolares. Entretanto, essas mudanças devem constituir caminhos
pedagógicos alternativos para atingir os mesmos objetivos. Isto é, os alunos
com necessidades educacionais especiais, por meio de metodologias e
processos educacionais diferenciados, teriam acesso a conhecimentos
significativos, assim como seus colegas.

4.1 O SIGNIFICADO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Outros pesquisadores, além de Marques (2001), mencionada anteriormente,


foram buscar na literatura, fundamentos para subsidiar seus conhecimentos acerca
da prática pedagógica dos professores, bem como para alicerçar as pesquisas
desenvolvidas nas escolas, nas quais se encontram matriculados alunos com
deficiência nas classes comuns.

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119
Fortemente marcada pelo embate teórico-metodológico das matrizes
epistemológicas do objetivismo e do subjetivismo do período pós-
renascentista, a prática pedagógica adentrou o século vinte mergulhada
num oceano de investigações sobre os processos de desenvolvimento e de
aprendizagem (MARQUES, 2001, p. 11).

Dentre esses, podemos citar Sacristan (1999) Ferreira (2004), Garcia (2005),
Mendes (2008), Oliveira (2008) e Pletsch (2010). Com apoio nos estudos desses
pesquisadores, então podemos dizer que as práticas pedagógicas, pauta de estudos
deste curso, são identificadas com as seguintes definições:

A prática educativa é algo mais do que expressão do ofício dos professores,


é algo que não lhes pertencem por inteiro, mas um traço cultural
compartilhado, assim como o médico não possui o domínio de todas as
ações para favorecer a saúde, mas as compartilha com outros agentes,
algumas vezes em relação de complementariedade e de colaboração, e, em
outras, em relação de atribuições. A prática educativa tem sua gênese em
outras práticas que interagem com o sistema escolar e, além disso, é
devedora de si mesma, de seu passado. São características que podem
ajudar-nos a entender as razões das transformações que são produzidas e
não chegam a acontecer (SACRISTÁN, 1999, p. 91).

Na escola, diante de um aluno com deficiência que, como os demais, vive


num mundo em constante evolução, com as dinâmicas e complexidades de um
sujeito em desenvolvimento, com características únicas, implicados, sobretudo, com
as tramas relacionais, num contexto social em que convivem família e comunidade,
influenciadas pelo meio social, por valores pessoais, e um ambiente físico,
geográfico e histórico que não podem ser dissociados de sua existência. Os pais e
seus filhos com deficiência convivem em um mundo social, permeado de exigências
de toda ordem, da mesma forma os alunos na escola.
Garcia nos diz o seguinte sobre práticas pedagógicas:

[...] a prática pedagógica pode ser dividida em “práticas de caráter


antropológico” e “práticas pedagógicas institucionalizadas”. A autora explica
que a primeira diz respeito à perspectiva social pela qual se compreende a
educação escolar como um espaço cultural compartilhado, não exclusivo de
uma classe profissional concreta, ainda que conceda certa legitimidade
técnica à ação docente. Já a segunda se refere à atividade docente
realizada nos sistemas educacionais e às organizações escolares em que
estão inseridos. Neste sentido, “a prática profissional depende das decisões
individuais, que não estão isentas da influência de normas coletivas e de
regulações organizacionais”. Portanto, o conceito de prática pedagógica não
se limita apenas às ações dos professores em sala de aula (GARCIA, 2005
apud PLETSCH, 2010, p. 158).

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120
Ferreira, por sua vez, apresenta significativas recomendações à maneira de
atuar na escola com vistas à aprendizagem e desenvolvimento dos alunos:

Pensando na educação dos sujeitos com deficiência, a busca de códigos


pedagógicos apropriados é necessária, mas não suficiente se não
ressignificarmos as relações de existência concreta destes alunos no âmbito
da prática e dos discursos da e na escola. Por esse ponto de vista, torna-se
pouco provável que possamos simplesmente recorrer à ajuda do
conhecimento e da prática tradicionalmente acumulados em educação
especial, uma vez que trazem uma perspectiva da educação especial que
se constitui sob a égide de outras concepções e outras referências teóricas
(2004, p. 44).

No entendimento de Mendes (2008, p. 118):

[...] as práticas curriculares são entendidas como as ações envolvidas na


elaboração e implementação do currículo. São práticas nas quais convivem
ações teóricas e práticas, refletidas e mecânicas, normativas, orientadoras,
reguladoras, cotidianas. Desde a proposição de currículos pelos órgãos
governamentais, à recontextualização feita desses discursos pela escola e
pelos seus sujeitos, tudo é entendido aqui como práticas curriculares.
No currículo produzido pelas práticas curriculares se expressa o que a
escola entende como conhecimento, o que prioriza, que saberes privilegia e
transmite, assim como que sujeito pretende formar e que sujeito de fato
forma.

Essa autora reforça seu ponto de vista sobre práticas curriculares, dizendo:

[...] quando estudamos a escola estamos diante de práticas curriculares que


são o exercício característico da escola na organização e desenvolvimento
do currículo, ou seja, dos conteúdos e das formas de sua transmissão, o
que inclui atividades e tarefas propostas, bem como acompanhamento dos
alunos no processe ensino-aprendizagem. São aquelas implementadas e
recontextualizadas nos condicionantes escolares (tempo-espaço)
envolvendo as práticas de seleção e distribuição dos conhecimentos
escolares (Mendes, 2008, p. 118).

Enquanto isso, Oliveira (2008, p. 174) assim se posiciona:

As ações dos professores nas salas de aulas não se desenvolvem


isoladamente, não são resultados apenas de suas características pessoais
(suas crenças, valores, expectativas), mas refletem o tipo de cultura da
instituição, considerada no contexto mais amplo das políticas de reformas e
mudanças educacionais que exercem influências no cotidiano da escola e,
consequentemente, nas práticas dos professores.

Finalmente, sobre práticas pedagógicas, acrescentamos mais uma


contribuição Pletsch (2010, p. 158-159):

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121
Tomando como base as diferentes relações e ações presentes no interior
da escola e a influência que recebe das práticas externas a ela, usaremos o
termo prática associado ao currículo. Entendemos que as práticas
curriculares são ações que envolvem a elaboração e a implementação do
currículo em suas diferentes dimensões (planejamento, metodologias,
estratégias de ensino, avaliação, tempo e espaço de aprendizagem).

A seguir, seguem alguns apontamentos sobre as pesquisas realizadas:

a) Sobre a pesquisa de Mendes (2008)

Partindo de sua tese de doutorado, Mendes (2008) nos diz que as práticas
curriculares são fundamentais para “a análise do trabalho da escola diante da
deficiência”, embora nesse mesmo trabalho tenha descoberto que haveria
necessidade de compreender, concomitantemente “como de fato se estabelecem
tais práticas para todos os alunos” (2008, p. 110-111).
Da mesma forma, foi um trabalho que a ajudou a ressignificar a
compreensão da deficiência, assunto que deixou prioritário para dar lugar ao estudo
e à compreensão das “práticas curriculares diante das diferentes formas de
aprender” (MENDES, 2008, p. 112). Dessa forma, privilegiou explicitar o conceito de
prática curricular, com a finalidade de entender o trabalho desenvolvido em sala de
aula em face da diferença e do movimento de exclusão/inclusão.
Ao mesmo tempo, além do aspecto teórico que a levou à compreensão do
termo práticas curriculares, desenvolveu o estudo de campo em uma única escola,
onde realizou um estudo exploratório, tendo como critério primordial, turmas mais
heterogêneas, após o qual, foi iniciada a observação como instrumento de coletas
de dados, por meio da qual, pôde analisar o trabalho realizado em sala de aula.
Além disso, foram analisados os diversos documentos escolares, dentre eles, o
Projeto Pedagógico da Escola, bem como Planos dos Professores e outros.
As práticas curriculares, condicionadas pelo tempo e espaço de sala de aula,
agem na produção da identidade dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem e na produção dos saberes trabalhados em sala de aula (MENDES,
2008, p. 131).
Para essa reflexão, apresentam-se alguns elementos resultantes da análise
realizada pela referida pesquisadora, tais como: o tempo na sala de aula,

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122
demarcado por disciplinas específicas, ministradas por professores das diversas
áreas de conhecimento, exceto Educação Física e Artes, embora fossem turmas de
primeira, segunda e terceira séries. Língua Portuguesa era a disciplina mais
trabalhada, seguida de Matemática e Ciências, as demais em menor escala de
prioridade.
Foi observado o isolamento e a solidão do professor nas séries iniciais e em
suas decisões curriculares, desprovido de acompanhamento pedagógico na escola,
sugerindo uma aparente autonomia ao professor, muito mais ligado em conteúdos
conceituais relacionados com as áreas consideradas clássicas do currículo,
conforme já apontado.
Em síntese, uma importante constatação:

Os conteúdos escolares, na verdade, nas primeiras e segundas séries, são


um meio para promover um fim que é a leitura e a escrita e nas terceiras e
quarta séries é um fim em si mesmo. Não importa o sentido e o significado
para os alunos, importa é a tarefa, a atividade de mantê-los ocupados de
uma forma que lhes possibilite aprender a ler e escrever (MENDES,
2008, p. 143.).

Isso com uma forte constatação por parte dessa autora, ou seja, as práticas
realizadas contribuem para que o aluno abandone a leitura como prática social, ao
mesmo tempo em que, os conteúdos trabalhados são apresentados com base em
uma seleção de natureza pobre, desconexa, descontextualizada e sem o real
significado para os alunos, o conhecimento trabalhado em sala de aula é deslocado
do tempo e do espaço, em suma, “empobrecido, destituído de sentido, deslocado,
fragmentado e, principalmente, [...] incapaz de auxiliar na constituição de uma leitura
de mundo” (MENDES, 2008, p. 143).
O trabalho ora refletido contém infindáveis dados para serem estudados,
porém, não cabem aqui maiores aprofundamentos sobre o estudo em pauta,
todavia, ainda destacam-se o que disse a própria pesquisadora, ao constatar na
escola práticas curriculares fundamentadas em princípios homogeneizadores:

[...] há uma concepção intrínseca de que o processo de aprendizagem é


igual e ocorre da mesma forma para todos os sujeitos. Talvez, o mais
adequado fosse afirmar que, na escola estudada, como o foco é exclusivo
no ensino, o princípio da homogeneização faz constituir práticas de ensino
centradas no coletivo: um único modelo válido de ensino, um padrão de

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123
tarefas a serem solicitadas, um modelo invariante de sequências didáticas
(MENDES, 2008, p. 146).

Em decorrência, tais práticas observadas configuravam-se pela definição de


um modelo fixo de aluno, pelo qual, as diferenças tanto do tipo de capacidade
superior como inferior para a aprendizagem constituíam-se em empecilhos para o
bom andamento das aulas, sob o ponto de vista das práticas então
institucionalizadas para atender a tal modelo, inclusive a forma de ensino e
aprendizagem respectivamente determinada pelo professor.

[...] dessa forma tudo que fugia a esse modelo era visto como diferente,
sendo o diferente, nesse caso, sinônimo de inadequado, de dificuldades ou
até mesmo de incapacidade.
Nesse sentido, a atenção voltada para essa diferença que emergia, já partia
do pressuposto de enxergar nela o menos, o obstáculo, o erro, a
impossibilidade. No entanto, na observação minuciosa, fomos percebendo
que umas “atrapalhavam” menos que as outras. Percebemos, então, que,
ainda que de forma pouco sistematizada, o professor realizava um
diagnóstico sobre os alunos e sobre a turma e esse diagnóstico o ajudava a
constituir um processo de triagem das diferenças, ou seja, existiam
diferenças que importavam segundo a lógica curricular instituída e existiam
as diferenças que não importavam (MENDES, 2008, p. 146-147).

Ao enxergar as diferenças por essa lógica, comprometidas ficavam as


práticas curriculares na sala de aula, onde, além de tudo, as diferenças puderam ser
identificadas por algumas características, sintetizadas em três grupos, como:
diferença pelas dificuldades de aprendizagem na alfabetização, matemática, leitura e
interpretação de textos e que não ultrapassavam aquilo que era passado como
matéria de ensino pelo professor; enquanto outros alunos eram considerados
diferentes pelos comportamentos inadequados na sala de aula e a terceira diferença
caracterizada pelas deficiências de alguns alunos. Tudo isso era visto pelo
professor, como o motivo para o insucesso em suas aulas, para as quais o professor
não conseguia admitir que pudesse cometer equívoco, pois com outros alunos sem
tais características obtivera sucesso, sendo assim, o problema pela não
aprendizagem era focado no próprio aluno. Resultado, para prejuízo desse aluno: “o
professor continua buscando investir em quem consegue acompanhar esse
processo” (MENDES, 2008, p. 148).
Sem entrar em maiores detalhamentos, identifica-se que 47% dos alunos da
primeira série frequentavam o reforço escolar para sanar as dificuldades de leitura e

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124
escrita. Não menos significativo era o número de reprovados que equivalia a 33% de
uma turma de 116 crianças.
De certa forma, o aluno teria que se enquadrar no que era determinante para
a escola: aprender a ler e escrever. E, no meio desses alunos, existiam aqueles
identificados pelo diagnóstico como deficientes mentais leves, os quais
apresentavam dificuldades semelhantes àqueles sem deficiência.
O que se considera mais preocupante com relação ao trabalho pedagógico
voltado a esses últimos alunos mencionados, diz respeito à maneira como eram
tratados na sala de aula pelos professores com algum tipo de compaixão, pois
raramente eram punidos ou corrigidos em classe, assim como pareciam estar
alijados do processo.

Se quisessem copiar, copiavam, se quisessem fazer, faziam, se quisessem


ir, iam. Muitas vezes, ouviam-se os professores afirmando sobre esses
alunos, ‘queria ter uma sala cheia de alunos como o..., ele não me
incomoda’. Essa ausência, esse incômodo refletia que, no contexto da sala
de aula, esses alunos eram completamente invisíveis para os professores
(MENDES, 2008, p. 156).

Os professores, então, não envidavam esforços para ensinar a esses


alunos, cujas diferenças eram encaradas de forma negativa, o que permite à
pesquisadora acima mencionada problematizar aspectos relacionados com a
dificuldade de entrarem na escola práticas mais democráticas, inovadoras, uma vez
que ali tinha lugar para um trabalho realizado sem objetividade, com conteúdos
desprovidos de significados, de abandono do trabalho com o conhecimento de tal
forma empobrecido, sem sentido, descontextualizado, enfim, um foco extremo na
padronização do aluno e das práticas conformadas ao modo como o aluno é visto.
Práticas desprovidas de grandes ousadias ou de criatividade para promover as
necessárias superações das dificuldades porventura identificadas na sala de aula.
Como disse Mendes (2008, p. 160) “estamos diante de práticas que geram práticas”.

b) Sobre a pesquisa de Oliveira (2008)

De maneira geral, de acordo com as pesquisas realizadas nas salas de aula,


especificamente por Oliveira (2008), as atividades “desses professores estão
baseadas na crença de que o aluno surdo é incapaz de aprender”.

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125
Essa pesquisa foi realizada em uma escola, segundo a referida
pesquisadora, com perspectivas tradicionais, no que diz respeito à formação das
turmas, da seguinte maneira: classes formadas por alunos normais (ensino
fundamental) e classes formadas por alunos surdos (classe especial/sala de
recursos). Resultado de aparente esforço para a superação do modelo tradicional de
organização, ao procurar implementar as Novas Diretrizes da Educação Especial do
Estado de São Paulo.
Foi mencionado pela pesquisadora que a sala de recursos, que deveria ser
destinada aos alunos surdos ou que apresentassem outra deficiência, eram
frequentadas por alunos com outros tipos de necessidades, e tinham como
pressuposto a homogeneização, uma vez que atendiam, separadamente, “ouvintes
com ouvintes e surdos com surdos”. Quanto a essa prática, Oliveira (2008, p. 177)
afirma que a escola reinterpreta o discurso oficial, procurando criar ações
alternativas que não desestabilizem nem a sua cultura, nem a cultura dos
professores, isto é, continua pautada no princípio da homogeneização.
Outra constatação foi quanto ao descrédito sobre a aprendizagem dos
alunos surdos nas classes regulares, o que era entendido como perda de tempo,
pois acreditavam que esses alunos sairiam do ensino fundamental sem a real
concretização das aprendizagens, especialmente porque os professores não se
consideravam preparados para ensiná-los. Sobre a inclusão do aluno surdo no
ensino regular, mostravam-se totalmente contrários. A preocupação maior
manifestada pelos professores era com a possibilidade de socialização desses
alunos.

As condições sociais vividas por esses professores vêm continuamente


reiterando a ideia de que esse é o objetivo central, ou seja, a partir da
segregação, educá-los para serem inseridos ou integrados de modo
adequado ao convívio social. Nesse sentido, a maioria dos professores do
ensino regular pareceu favorável à inclusão, mas enfatizando como
contribuição da escola o favorecimento da socialização desses alunos
(OLIVEIRA, 2008, p. 178).

Importante constatação foi apresentada pela referida pesquisadora:

Considerar o estar junto na classe como contribuição da escola é muito


pouco quando se pensa no conceito real da inclusão e evidencia claramente
o desencontro entre o que se manifestava e as ações que se realizavam.
Verifiquei que, mesmo quando apareceu a oportunidade de interação entre

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126
surdos e ouvintes, em uma das aulas, ela foi retirada pelo próprio professor
da classe. Não há neutralidade nem acaso nessas ações, pois elas revelam
baixa expectativa real em relação a esses alunos, até mesmo nesse ponto,
apesar de reproduzirem, quase que mecanicamente o que veiculam. Na
própria escola e fora dela, [...] uma das professoras considerou que os
alunos da 6ª série (apesar dos 17 e 21 anos) eram incapazes de participar
da festa do folclore, servindo pratos típicos cujas receitas foram copiadas na
aula (OLIVEIRA, 2008, p. 179).

A descrença relativa à capacidade dos alunos aprenderem os conteúdos


próprios da etapa de ensino fundamental era evidenciada na fala dos professores,
quando esses diziam que os alunos surdos só aprenderiam nas classes regulares
Português, Matemática e Artes, enquanto que outras áreas de conhecimento só
aprenderiam nas classes especiais, uma vez que lá ministravam aulas, professores
especializados. Sem contar que, aqueles professores consideravam a gramática
desnecessária aos alunos surdos, cujos textos a eles oferecidos eram desprovidos
de linguagem escrita e, em sua maioria, eram apresentados em forma de desenho,
diferentemente do que era praticado e aplicado aos alunos ouvintes.
Outro aspecto relevante apontado por Oliveira (2008) diz respeito ao tempo
e espaço escolar destinado aos alunos surdos. Sobre esse assunto, destaca o
seguinte:

Considerando que o tempo normal para se cursar o ensino fundamental é


de oito anos, e considerando a idade de acesso à escola, que, segundo as
informações obtidas, era efetuada por volta dos dez anos, verifica-se a
defasagem significativa na vida escolar desses alunos, como o caso de uma
aluna que, com 23 anos, estava cursando a 7ª série do ensino fundamental.
Esse aspecto está relacionado com o que foi dito antes, a respeito da
inserção parcial e total dos alunos surdos no âmbito da escola, ou seja, há
uma imprecisão que leva às ambiguidades e à indeterminação quanto aos
espaços a serem ocupados pelos surdos (OLIVEIRA, 2008, p. 184).

A atuação dos professores observados por Oliveira (2008) era comprometida


com o ensino tradicional, evidenciado pela comunicação na sala de aula, uma vez
constatado que os conteúdos eram ensinados, por meio de aulas expositivas, de
maneira oral e/ou escrita na lousa.

Percebe-se que alguns professores parecem estar diante de dilemas frente


à inserção de alunos surdos nas classes comuns, uma situação complexa
que exige tomada de decisões que tendem a romper a conexão
pensamento e ação tradicional [...]. Diante da impossibilidade de tomar uma
decisão adequada à situação que se lhe apresenta, muitas vezes, os

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127
professores são invadidos por uma sensação de fracasso ou dúvida, como
muitos se manifestaram (OLIVEIRA, 2008, p. 191).

Destaca-se que muitos foram os dados encontrados pela referida


pesquisadora, no entanto, só alguns foram destacados como os principais aspectos
da prática pedagógica dos professores observados, dentre os já citados:

Vários professores comentaram sobre as necessidades sentidas por eles


em alterar algo de seu padrão de atuação. Ir mais devagar, adequando-se
ao ritmo dos surdos; passar texto na lousa, coisa que não fazem quando
não há aluno surdo na classe; preocupar-se com filme legendado, e não
apenas com o dublado; preocupação com o desenho, para explicar ainda
melhor o que já explicaram, foram algumas das manifestações de
professores as quais podem ser creditadas à alteração provocada pela
inserção desses alunos nas classes regulares. Além disso, a relação
interpessoal com as professoras da classe especial, apesar de incipiente,
passou a ocorrer principalmente por causa da LIBRAS (OLIVEIRA, 2008,
p.192).

Em suma, essa pesquisadora apontou expectativas em torno das


professoras com relação à possibilidade do aluno surdo aprender, como: escasso
apoio institucional para o trabalho com esses alunos, os professores não foram
consultados antes de os receberem em suas salas, alunos surdos apartados dos
demais alunos na escola, crença de que a surdez é impeditiva da aprendizagem,
tendência à homogeneização das turmas, atuação dos professores e organização
escolar sugestivas de um ambiente segregador dos alunos surdos.
“No entanto, foram encontrados professores que alteraram suas rotinas para
atender alunos com dificuldades, incluindo os surdos, fato que permite considerar as
possibilidades de mudança ainda que muito diminutas e parcelares” (OLIVEIRA,
2008, p. 200). Com isso, não podemos afirmar que, de todo, a escola apresenta
barreiras para a aprendizagem dos alunos surdos ou que os professores não se
comprometem com sua aprendizagem, pois algumas mudanças na escola já estão
acontecendo.

c) A pesquisa de Pletsch (2010)

Nem tudo é visto pela ótica do pessimismo, especial destaque fazemos de


alguns casos apresentados por Pletsch (2010), cujos estudos recaíram nas salas
que atendiam alunos com deficiência mental. Isto porque, para alguns, a ênfase

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128
recaiu nas possibilidades dos alunos com deficiência em aprenderem, em detrimento
das impossibilidades, na valorização e no respeito aos alunos em suas
individualidades, no bom relacionamento, no trabalho escolar desenvolvido na
perspectiva da diversidade, na rotina organizada de forma colaborativa, na troca de
conhecimentos entre as professoras de salas de recursos e de classes comuns, no
clima de afetividade.
Expectativas positivas com relação a uma aluna de sala de recursos, busca
de alternativas e conhecimentos que possibilitassem o desenvolvimento de práticas
em benefício da participação da aluna em sala de aula, proposição de atividades
criativas, adaptadas e até aceitação das “tarefas sem maiores cobranças, mesmo
que não estivessem de acordo com a proposta desenvolvida pela turma” (PLETSCH,
2010, p. 192).
Muito embora, no trabalho desenvolvido por essa pesquisadora, tenham sido
identificadas ênfase nas dificuldades, angústias e despreparo.

Todos aprendemos, mas é preciso saber como ensinar de tal forma que
para ensinar alguma coisa a alguém devemos primeiramente pensar. ‘Quais
as possíveis formas de aprender aquilo que eu quero ensinar?’ Essa
maneira de pensar é o que chamo de aprender a aprender, o que também
implica em aprender a ensinar e está relacionado não somente a um
domínio de fórmulas, os chamados modelos de capacitação, mas
principalmente vinculado com conteúdo e criatividade, essas palavras
traduzem uma das portas mais importantes da habilidade de um professor
ou de qualquer pessoa do saber ensinar (MUSTACCHI e SALMONA, 2007,
p. 14).

Observou-se, ainda, na pesquisa discorrida, um trabalho escolar calcado no


tradicionalismo, predominando a tentativa de homogeneizar a turma, a qual era
dividida por nível de conhecimento, conteúdos escolhidos conforme o nível da turma,
desenvolvimento de instruções elementares.

Desenvolvimento de conhecimentos elementares a partir de instruções


simples, e não de processos mais complexos necessários para a
elaboração de conceitos, como por exemplo, entre tantos outros, aqueles
requeridos pela compreensão do que é quantidade e sua relação com o
signo representado pelo número. Certamente práticas desse cunho não
contribuem para que os alunos superem suas dificuldades. É importante
ressaltar que a aprendizagem não ocorre de maneira espontânea, mas sim
a partir da interação e do desenvolvimento de práticas curriculares
planejadas e sistematizadas (PLETSCH, 2010, p. 187).

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Pletsch (2010, p. 203-204), em suas considerações gerais sobre a pesquisa
realizada em três salas de aula, ressalta que:

De uma maneira geral, as práticas curriculares ocorriam de diferentes


formas. Em sua maioria, as professoras levavam em consideração muito
mais suas expectativas, representações, atitudes e valores sobre o
processo ensino-aprendizagem dos alunos do que as prescrições contidas
no currículo oficial. [...] Igualmente, verificamos que as professoras não
tinham o hábito de discutir com as colegas sobre as escolhas curriculares
feitas. [...] as práticas propostas para os alunos com deficiência mental,
quando estes mostravam a existência de possibilidades das funções
superiores em assimilar formas de aprendizagem – mesmo que não fossem
aquelas sistematizadas pelas práticas curriculares oferecidas a eles –
continuavam, com exceção da aluna Andréa, sendo elementares. Não lhes
possibilitavam concretizar o aprendizado e, consequentemente, o
desenvolvimento.

Poderemos entender por tudo o que foi visto nas pesquisas mencionadas, o
envolvimento do professor com o que está posto pelos sistemas de ensino para a
organização e o funcionamento das escolas, aspectos esses que agem como
determinantes no direcionamento das ações pedagógicas, as quais devem ocorrer
consoantes com o projeto pedagógico, documento representativo das demandas de
cada unidade escolar, com a responsabilidade de intermediar a efetiva inserção e o
sucesso dos alunos na escola e, que, para isso, deve conter:

[...] em primeiro lugar, formas de gestão democrática da escola que não


estão nem constituídas nem alicerçadas. Alicerce este que demanda uma
política de mudança da cultura administrativa, concomitante a uma
capacitação e desenvolvimento profissional dos educadores para esta nova
realidade (FERREIRA e FERREIRA, 2004, p. 32).

Considera-se pertinente enfatizar que as pessoas com deficiência,


decorrente de suas interações, promovem e vivem mudanças e, ao mesmo tempo,
sofrem influências, a partir das trocas com seus pares, com os demais sujeitos em
seu entorno, e, ainda, a partir da convivência e da interatividade, o que exige da
escola, além de outras providências, um ambiente flexível, aberto e adequado as
suas necessidades, para que incidam efetivamente em sucesso na aprendizagem
dos alunos com deficiência. Mas, vale perguntarmos: Qual o sentido da educação na
vida dos alunos com deficiência?

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Essa é outra questão que não pode ser desvinculada das reflexões
anteriormente realizadas. Pensar o sentido da educação na vida desses sujeitos é
dizer, além de tudo, que a educação oferece ferramentas capazes de estimular o
desenvolvimento e criatividade individual, fazendo face à pobreza, facilitando a
mobilidade social. Nessa lógica, o sentido da educação deve superar (CARVALHO,
2002, p. 62 e 63):

O reducionismo que aprisiona professores e alunos ao conteúdo


programático repassado, tradicionalmente, nas salas de aula;
Os mecanismos de exclusão por meio de provas de seleção dos mais
capazes (os que têm mérito?);
A banalização da aprendizagem, desconsiderando-se a natural e
desejável curiosidade dos alunos;
A imagem que o professor tem de si mesmo, como profissional de
ensino, preocupado com metodologias, com sugestão de exercícios e
com a indicação de livros didáticos que, supostamente, substituam seu
diálogo com os aprendizes;
A adoção de medidas paliativas que atuam sobre os efeitos do fracasso
da educação, em vez de atingir suas origens.

E os professores? Com quais condições desenvolvem seu trabalho numa


sala de aula com alunos com e sem deficiência? Qual a formação recebida? Os
sentimentos diversificam-se, assim como os dilemas apontados, com justificativas na
falta de conhecimento para trabalharem com alunos com essa ou aquela deficiência.
Com isso, utilizam “práticas arraigadas e histórica e coletivamente disseminadas,
compondo parte do habitus docente” (OLIVEIRA, p. 187).
Para a formação docente, a Lei 9394/96 LDB foi determinante quando
destacou em seu texto que:

A formação inicial dos profissionais da educação básica deve ser


responsabilidade principalmente das instituições de ensino superior, nos
termos do art. 62 da LDB, onde as funções de pesquisa, ensino e extensão
e a relação entre teoria e prática podem garantir o patamar de qualidade
social, política e pedagógica que se considera necessário (BRASIL, 2001,
p.143).

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No artigo 59 da mesma Lei (1996), a preparação de professores para
atuarem com alunos com deficiência foi recomendada da seguinte forma:

Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades


especiais:
[...] III - professores com especialização adequada em nível médio ou
superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino
regular capacitados para a integração desses educandos em classes
comuns (BRASIL, 1996).

Os debates produzidos acerca da formação docente, tanto inicial como


continuada traz consigo dilemas da precarização dos cursos de formação, no
sentido da incompletude com que saem os professores para sua atuação
profissional, de maneira que, quando se deparam com alunos com deficiência ou
qualquer outro tipo de dificuldade, recuam ou deixam de lado esses alunos e
seguem seu trabalho educativo sem nem ao menos identificarem as necessidades
educacionais que ficam à espera das respostas educativas para que a
aprendizagem aconteça de fato.
Sem contar o desconhecimento da heterogeneidade entre os alunos com
deficiência, os quais, embora com a mesma deficiência não se constituam em um
grupo homogêneo, portanto podem apresentar maneiras diversificadas de aprender
ou de se comportar, de manifestar suas ideias, suas necessidades de apoios
pedagógicos, pessoais ou sociais, de fato, divergem nas necessidades educacionais
como nos diz Glat (2007).

Ao usar diferentes estratégias para dialogar e conhecer o processo de


pensamento do aluno, ele poderá verificar se os alunos já possuem os
conceitos básicos e aprofundar ou incluir naturalmente aqueles que ainda
mostram-se necessários. Essa atenção do professor e seu diálogo com o
pensar do aluno lhe permitirão identificar que tipo de estratégia seria
conveniente para o aluno prosseguir constituindo seu aprendizado. Muitas
vezes, o professor organiza uma situação de ensino-aprendizagem sem
verificar se determinadas formulações conceituais necessárias já fazem
parte do repertório do aluno ou, então, ele não tem clareza dos alicerces em
que o tópico em estudo exige, ou não sabe como trabalhar isso, o que vai
comprometer toda a aprendizagem (TACCA, 2008, p. 63).

Como os demais alunos da escola, requerem práticas pedagógicas que


tenham a devida clareza quanto às atividades a serem realizadas, que os levem a

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pensar, às descobertas e à criatividade. E um meio educacional que mantenha o
equilíbrio entre a afetividade e a intelectualidade, privilegiando os aspectos
motivacionais, de curiosidade e concentração para as descobertas, para aprender a
solucionar os problemas e a enfrentar os desafios que surgirem.
Devemos entender, então, a pessoa com deficiência com um
desenvolvimento qualitativamente diferente e único e que, no meio social, as
relações estabelecidas podem dificultar ou facilitar os caminhos para superação dos
deficits e para as aquisições cognitivas, pessoais e sociais.
Ao professor, cabe identificar e valorizar os diferentes caminhos percorridos
por todos os alunos, os processos pelos quais chegam às diferentes aquisições,
isso, independente de terem deficiência ou não. Não existem receitas e nem
respostas prontas para nenhum tipo de aluno e, nem ao menos iguais, para o
mesmo tipo de deficiência, pois, cada aluno é único. Assim, conforme Glat (2007,
p.89) “O professor terá que valorizar seu próprio saber e criatividade, contando,
sempre que necessário, com supervisão ou suporte para o seu trabalho”.
Da mesma forma, destacamos que:

O professor, na sua condição de sujeito, elabora representações do espaço


escolar pelas quais organiza sua ação, toma decisões, resolve conflito e
exerce intencionalmente sua ação educativa. No seu trabalho pedagógico,
experimenta vivências emocionais diversas, susceptíveis de organizar-se
em sentidos subjetivos que, surgidos na ação, também a mediatizam
participando em alguma medida na caracterização de sua ação como mais
ou menos criativa. É o professor, na sua condição de sujeito, quem planeja
e desenvolve o trabalho pedagógico a partir de suas configurações
subjetivas, das características do contexto em que atua e da subjetividade
social que o caracteriza (MARTINEZ, 2008, p. 77).

Com essas reflexões, a nossa pretensão foi apresentar estudos


desenvolvidos nas perspectivas teórico-metodológicas que inauguraram os séculos
XX e XXI, com reflexões pautadas em diversas referências e visões do passado
histórico, no que diz respeito às pessoas com deficiência e às teorias que discutem a
aprendizagem, bem como as práticas pedagógicas que as mediatizam.
Isso tudo, a fim de buscarmos aprofundamento em conhecimentos teóricos
acumulados sobre as práticas pedagógicas e seus fundamentos, a fim de
identificarmos tais práticas no interior da escola e sua influência no processo de
ensino-aprendizagem, especialmente em classes comuns em que estudam alunos

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com e sem deficiência – ação impulsionada pelo movimento da educação inclusiva
no País.

Hoje, vivemos com uma multiplicidade de concepções sobre a deficiência,


muitas delas, se não a maioria, constituindo-se como agregados sincréticos
de tantas outras que, na verdade, mais obscurecem do que desvendam a
natureza mesma do fenômeno. A visão sobrenatural e a naturalista
atravessaram o tempo e mantêm-se até hoje atualizadas, ainda que a elas
se oponham as ideias eussêmicas. Conforme vimos com o advento do
Cristianismo, foram extinguindo-se as práticas de eliminação da pessoa
deficiente, já que esta, possuidora de alma, deveria ser acolhida, ou seja, o
Cristianismo e seus desdobramentos históricos impõem de certa forma, a
necessidade de alguma inclusão (TUNES e BARTHOLO, 2008, p. 142).

Com os estudos realizados sobre a inclusão e sua naturalização evidente,


não visualizamos nada nesse sentido. Pelo menos como um princípio orientador do
sucesso do aluno com deficiência na escola comum percebemos que não há um
caminho pronto, acabado e nem mesmo único, mas que podem ser ressignificadas
práticas nesse sentido. O aluno e sua família esperam da escola, ou melhor,
dizendo, do professor, ações pedagógicas que o leve a aprender e a se desenvolver,
processo cuja complexidade nos leva a refletir com o seguinte trecho.

Não há relação pedagógica que, por si mesma, signifique a promoção do


desenvolvimento potencial do aluno. Não basta, também, fornecer-lhe a
convivência com colegas mais velhos. O desafio é descobrir os canais e
estratégias pedagógicas que poderão atuar promovendo, de fato, o
desenvolvimento. Encontrar esses canais, às vezes, torna-se bastante difícil
para o professor (TACCA, 2008, p. 65).

E, ainda com relação ao trabalho pedagógico na escola, sempre é bom


lembrarmos que os alunos não trazem para a escola um manual de instruções com
as orientações que se espera existirem.
As principais críticas com relação ao trabalho do professor recaíram na sua
formação, tanto inicial como na continuada, ou seja, a que ocorre durante o exercício
da profissão. Hoje, tais críticas podem ser consideradas sem fundamento, tendo em
vista que foi implantada a Resolução CNE/CP Nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, que
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, a
ênfase na formação de docentes com conteúdos destinados à educação de pessoas
com necessidades educacionais especiais.

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Resta sabermos se esses conteúdos citados pela Resolução são suficientes
para darem uma formação sólida ao professor, de tal forma que assegurem um
trabalho efetivo com os alunos com necessidades educacionais especiais2. Primeiro
por se tratar de uma categoria abrangente, pois além de envolver pessoas com
deficiência, altas habilidades/superdotação, ainda se refere àqueles alunos com
dificuldades acentuadas de aprendizagem. Segundo, pela complexidade do assunto
que envolve temáticas que merecem certo aprofundamento e não devem ser
tratadas na superficialidade (BRASIL, 2001). Um pouco da Resolução que trata da
referida formação pode ser observada no artigo 6º, sobre a construção do projeto
pedagógico dos cursos de formação dos docentes.
O que aprendemos com as reflexões apresentadas neste curso extrapola
tais sentidos, pois, aprendemos que precisamos buscar adequação, criatividade e
mudança de atitude em nossas práticas docentes, sobretudo no que diz respeito à
receptividade do aluno, e, aliado a isso, receptividade à pesquisa e aos estudos,
para atualização constante de saberes.

Se pensarmos na profissão docente como uma das que se encontra mais


exposta a mudanças e a compararmos com profissões semelhantes,
concluímos que para poder fazer face ao rápido avanço do conhecimento
que lhe é essencial, necessita adaptar modelos de formação em serviço ou
permanente. Sabemos que esta mudança paradigmática não é fácil. Foi
atribuído durante muito tempo à formação inicial o estatuto de “necessária e
suficiente”. Hoje, busca-se que os professores se comprometam em
processos de formação que se identifique com um modelo de
“desenvolvimento profissional” entendido como um processo contínuo, e
durante toda a vida profissional que conduza o professor a tornar-se mais
competente na resolução dos problemas com que se defronta no seu dia a
dia (AINSCOW, 2007 apud RODRIGUES, 2008, p. 9).

É o que nos orientam documentos oficiais que tratam da formação de


professores, ou seja, a formação continuada que deve ser prevista nos projetos
pedagógicos das escolas.

O professor não pode apegar-se a um currículo fixo e deve engajar-se a


modelos inovadores, com improvisação voltada a necessidades gerais do
aluno, visando proporcionar basicamente uma educação e não
necessariamente um aprendizado acadêmico. Por outro lado, a escola deve
proporcionar aos membros da comunidade, e, principalmente, aos seus
educadores, a oportunidade de propor planos estratégicos de abrangência

2
Pode ser visto na Resolução do Conselho Nacional de Educação de 11 de setembro de 2001 e no
Parecer 17 sobre as diretrizes da educação especial na educação básica, com a mesma data e teor.

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objetiva e específica, tentando desenvolver e implementar uma
programação receptiva aos alunos, com recursos proporcionados pelo
próprio ambiente, pelos professores e eventuais facilitadores, muitas vezes
chamados de mediadores (MUSTACCHI; SALMONA, 2007).
Nos dias atuais, vivenciam-se outras recomendações aos sistemas de
ensino e à escola, implicadas com a educação inclusiva e as necessárias
adequações, especialmente voltadas à acessibilidade física e organizacionais, como
às modificações nas práticas pedagógicas de tal forma que todos os alunos se
beneficiem dessas mudanças e aprendam juntos sem os traumas do preconceito e
até da própria deficiência. Durante anos, a crença na impossibilidade do aluno com
deficiência aprender gerou páginas em branco que precisam ser preenchidas na sua
história acadêmica. O que pode ser superado pela mediação do professor e o apoio
de toda a escola, pois o professor pode muito em sua sala de aula, mas não pode
tudo sozinho.

[...] toda ação humana se realiza no contexto interpessoal e social, gerando


marcas, sinais, vestígios que condicionam as próximas ações. Apesar de
ser ligada às histórias de vidas individuais, o que sempre lhes dá o caráter
de imprevisibilidade e originalidade, ela deixa pegadas e demarca roteiros,
esquemas e rotinas que acabam demarcando as ações futuras. Essas
marcas da ação geram cultura subjetiva (MENDES, 2008, p. 115).

A grande manifestação identificada nessa proposta consiste na defesa de


um espaço educacional em que não exista mais lugar para a discriminação e nem
para o preconceito e sim, competência para ensinar, com práticas pedagógicas que
resultem na efetividade do ensino-aprendizagem.

FIM DO MÓDULO IV

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