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Tópicos de

Atuação Profissional
Autor: Prof. Lupércio Aparecido Rizzo
Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado
Prof. Nonato Assis de Miranda
Professor conteudista: Lupércio Aparecido Rizzo

Meu nome é Lupércio Aparecido Rizzo e moro na cidade de São Caetano do Sul, no estado de São Paulo. Minha
formação não obedece àquele antigo padrão estabelecido como exemplar para um profissional acadêmico; em outras
palavras, não tenho uma caminhada de estudos sem interrupções e dentro de uma lógica de excelência estudantil.
Sabe que isso até me ajuda no que diz respeito ao tema e aos assuntos que trataremos nesse material?

Em minha caminhada acadêmica e pessoal, atuei em inúmeras funções, fui metalúrgico – o que era natural para
quem nascia da década de 1970 e 1980 no ABC paulista – trabalhei como vendedor autônomo, fui proprietário de um
comércio do ramo alimentício (malsucedido, diga-se de passagem), caminhoneiro, entre outros.

Meu ingresso na universidade para cursar Pedagogia se deu quando eu já tinha uma idade bem avançada em
relação ao perfil do universitário; em seguida, fiz pós-graduação em Didática e mestrado em Educação. Hoje, sou
professor licenciado da UNIP porque estou atuando em outros projetos, o que mostra que nossa atuação é bastante
ampla e permite a busca e o trabalho em diversas áreas e por meio de vários modelos. Embora minha formação inicial
seja em Pedagogia, trabalho nos cursos de graduação em Turismo, Pedagogia e Administração, além da pós-graduação.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R627t Rizzo, Lupércio Aparecido

Tópicos de atuação profissional / Lupércio Aparecido Rizzo. –


São Paulo: Editora Sol, 2014.

144 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-111/14, ISSN 1517-9230

1. Profissões. 2. Atuação profissional. 3. Pedagogia. I. Título.

CDU 316.343.657

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

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Prof. Marcelo Souza
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Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Janandréa do Espírito Santo
Amanda Casale
Sumário
Tópicos de Atuação Profissional
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 CULTURA...............................................................................................................................................................11
1.1 Valoração da cultura............................................................................................................................ 14
1.1.1 Evolucionismo social e cultural......................................................................................................... 14
1.1.2 Determinismo geográfico e biológico............................................................................................. 16
1.1.3 Relativismo cultural................................................................................................................................ 17
1.2 Tipos de cultura...................................................................................................................................... 18
1.2.1 Cultura erudita.......................................................................................................................................... 18
1.2.2 Cultura popular........................................................................................................................................ 19
1.2.3 Cultura de massa..................................................................................................................................... 19
2 EDUCAÇÃO EM AMBIENTES DIVERSOS................................................................................................... 25
2.1 Qualidade de vida x Pedagogia Hospitalar................................................................................. 26
2.1.1 Como tudo começou.............................................................................................................................. 28
2.2 Legislação e direitos da criança hospitalizada.......................................................................... 34
2.2.1 Determinação legal................................................................................................................................. 35
3 A PEDAGOGIA HOSPITALAR......................................................................................................................... 43
3.1 O professor hospitalar......................................................................................................................... 44
3.2 Interdisciplinaridade e autoestima................................................................................................ 46
3.2.1 As múltiplas inteligências..................................................................................................................... 48
4 ESTRATÉGIAS E A CLASSE HOSPITALAR.................................................................................................. 49
4.1 Atendimentos lúdicos integrados em hospitais....................................................................... 50
4.1.1 A sala de espera........................................................................................................................................ 52
4.1.2 Brinquedoteca........................................................................................................................................... 53
4.1.3 Contadores de histórias........................................................................................................................ 55
4.1.4 ONGs – Doutores da Alegria e Criança Segura............................................................................ 57
4.2 Classe hospitalar: exemplos de sucesso....................................................................................... 58
4.2.1 Hospital Municipal Dr. Mario Gatti.................................................................................................. 58
4.2.2 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)....................... 59
4.2.3 O Centro Infantil Boldrini..................................................................................................................... 60
4.2.4 Graacc........................................................................................................................................................... 61
4.3 Atuação e objetivos do professor hospitalar............................................................................. 61
Unidade II
5 EDUCAÇÃO SOCIAL.......................................................................................................................................... 68
5.1 Breve histórico........................................................................................................................................ 68
5.1.1 A iniciativa das ONGs............................................................................................................................. 69
5.2 Pedagogia Social.....................................................................................................................................71
5.2.1 Pedagogia Social e espaços não escolares.................................................................................... 72
5.2.2 O pedagogo em programas assistenciais....................................................................................... 74
6 PEDAGOGIA EMPRESARIAL.......................................................................................................................... 76
6.1 Histórico e base legal........................................................................................................................... 76
6.1.1 O papel do pedagogo............................................................................................................................. 78
6.2 O conhecimento e o mundo atual................................................................................................. 79
6.2.1 Capital intelectual................................................................................................................................... 82
7 O PEDAGOGO NAS EMPRESAS................................................................................................................... 85
7.1 Atuação do pedagogo nas empresas............................................................................................ 87
7.2 Terceiro setor........................................................................................................................................... 98
7.2.1 Organização do terceiro setor..........................................................................................................101
7.2.2 Organizações não governamentais................................................................................................ 110
8 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL.......................................................................................................................... 112
8.1 Pedagogia Social.................................................................................................................................. 112
8.1.1 Construção histórica da Pedagogia Social.................................................................................. 112
8.2 O curso de Pedagogia........................................................................................................................ 114
8.3 O pedagogo nas ONGs...................................................................................................................... 115
8.3.1 Atuação como orientador educacional........................................................................................116
8.3.2 Atuação junto à elaboração e/ou coordenação de projetos................................................ 119
8.3.3 Atuação como coordenador pedagógico.................................................................................... 120
8.3.4 Atuação em assessoria educacional...............................................................................................121
APRESENTAÇÃO

A disciplina Tópicos de Atuação Profissional tem como objetivo apontar possíveis áreas de atuação
do pedagogo. Tendo isso como premissa, esse trabalho buscou explicitar alguns conceitos-chave na área
da educação, quais sejam: a cultura e suas derivações, a educação formal e informal e a sociedade, na
qual essa atividade está inserida e na qual atua em suas diversas vertentes. Entende-se aqui que esses
temas são de especial relevância na trajetória dos profissionais que se dedicam a esse tema.

A cultura, que aparece nesse trabalho em primeiro lugar, é o conjunto de ações e costumes de um
grupo de pessoas construído historicamente ao longo do tempo, intencionalmente ou não. Claro que
esse conceito é demais superficial e, portanto, essa disciplina tem início exatamente aí, ou seja, abordar o
que é cultura e a forma como ela é tratada. Embora não pareça o cerne da disciplina, abordar o conceito
de cultura, suas derivações e implicações, é importante porque a transposição da educação para dentro
de um hospital ou de uma empresa, assim como a atuação pedagógica em causas sociais, é, antes de
qualquer coisa, uma questão cultural. Não no sentido erudito do termo, mas no propósito de retirar o
conhecimento formal e intencional dos intramuros que a escola, na maior parte das vezes, representa.
Por outro lado, compreender que aqueles com os quais trabalhamos têm uma cultura própria que deve
ser valorizada e que o espaço deve ser tratado levando em conta suas peculiaridades é fundamental.
Para isso, novamente proponho sair do lugar comum: é importante para o profissional da educação o
trabalho com conceitos. Nesse sentido, iniciamos tratando do que é, conceitualmente, o produto do
nosso trabalho, a cultura.

O trabalho de quem se dedica à educação, formal ou não, é, em última análise, o esforço na manutenção
da cultura de uma dada sociedade. Fazer com que ela aconteça sem ter noção e compreensão das
implicações que representa é, sem dúvida, um equívoco. Por conta disso é que, como já dito, começamos
exatamente por aí. Trabalhar no ensino é atuar no sentido de modelar comportamentos, produzir e
reproduzir conceitos e saberes. Essa função é muito importante para a sociedade e para os indivíduos
porque norteia a forma de organização de uma sociedade, de uma empresa ou de um indivíduo, daí a
importância e a necessidade de conhecermos o que é cultura, quais foram as etapas percorridas pela
humanidade até o atual conceito dela.

Ainda nesse tópico, lembramos que a educação nunca deixa de ser política e que tem sempre uma
intencionalidade intrínseca a ela mesma, alheia muitas vezes à vontade do professor; nesse sentido,
percorreremos um trajeto que mostrará como a educação foi e ainda é usada para determinados fins.
A proposta é entender que a educação tem a função de preservar a cultura de uma comunidade e que
isso tem início assim que há uma junção de pessoas, ou seja, no momento da formação de grupos. Esse
movimento já traz em si o embrião do que entendemos como educação. A perpetuação de costumes,
a introdução aos costumes do grupo, enfim, tudo isso já se configura em ensino e tem seu começo no
mesmo instante em que o homem surge na Terra.

O direito à educação e o dever do Estado de levá-la a todas as pessoas é uma regulamentação que
vem fazer frente ao processo cultural que nasceu na sociedade com vistas a oferecer educação a todos.
O mesmo movimento se dá com a Pedagogia Empresarial, embora não como obrigatoriedade legal, mas
como imposição de mercado e fruto do processo que obriga as organizações a terem em seus quadros
7
profissionais capacitados, oferecendo treinamento e aprendizado dentro das suas instalações ou em
locais vinculados a elas.

Como se vê, todo o movimento que expande a atuação do pedagogo para diversas áreas tem
fundo na visão de uma sociedade que busca respeitar seus cidadãos e torná-los mais aptos para
o mercado de trabalho. No limite, trata-se de uma questão cultural, o que justifica mais uma
vez nosso início. Historicamente falando, esse processo de expansão da atuação docente foi se
modificando à medida que a sociedade tornava-se mais complexa. Esse conhecimento é importante,
pois assumimos que a educação cresceu e institucionalizou-se para atender aos interesses dos
governos, que estendiam seus domínios e necessitavam doutrinar novos povos. Essa é a raiz da
educação formal.

Qual a relevância desse conhecimento? Entender que, em um primeiro momento, a educação não
tinha por objetivo a felicidade e crescimento da população; tinha outro, sim: o de estender os domínios
dos poderosos e fazer com que leis, regras e costumes dos senhores fossem assimilados. Mesmo com
essa intencionalidade, a educação não era para todos, ao contrário, poucos tinham acesso a ela. Na
Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, a educação era restrita aos nobres, apenas homens, e ainda
assim aos que podiam pagar. A figura do professor não existia, o aluno era deixado aos cuidados de um
preceptor, homem que ficava com a guarda do estudante até julgar que o processo havia terminado.
Isso só se modifica com a expansão do Império Romano. Seu domínio impõe a necessidade de tornar sua
cultura comum aos novos territórios, mas note que em nenhum momento se fala em educação voltada
para o bem do aluno, sempre no sentido de doutriná-lo.

Esse relato histórico tem a função de possibilitar a criação de um cenário no qual se vislumbre
claramente que o profissional da educação, ou seja, o pedagogo, é uma figura historicamente nova. A
educação esteve nas mãos dos padres jesuítas por muito tempo. Após esse período, considerava-se um
dom ser professor: ser docente era uma dádiva divina, não apenas restrito aos padres, mas reservado a
quem foi abençoado para isso. Assim, essa atividade não deveria ser remunerada, uma vez que o que se
recebe por dom não deve ser cobrado. Ao menos, era essa a forma de pensar construída naquela época,
estamos falando dos séculos XVIIII, XIX e boa parte do século XX. Ainda considerando a educação um
dom e tendo a principal função de cuidar das crianças, nada melhor do que essa função ficar a cargo
das mulheres. Decorre daí que a professora passa a ser a “tia”, não precisando ser remunerada e tendo
como principal tarefa cuidar dos pequenos.

Nesse momento, a educação já é vista como um direito de todos e aqui caminhamos em ritmo
acelerado para a nossa disciplina. Uma vez que é um direito de todos e as pessoas evidentemente não
são iguais e em estão em condições de igualdade, cria-se o isolamento educacional. Muitas pessoas
ficam impedidas ou impossibilitadas de receber educação adequada. O profissional da educação vai
sendo preparado em cursos de magistério e depois em graduação de Pedagogia e passa a atuar nas
escolas, espalhadas por todos os lugares e cheias de gente carecendo de educação.

Por muito tempo, esse foi o único lócus de atuação do pedagogo e aqueles asilados da educação assim
permaneceram. Com a crescente especialização do pedagogo, crianças e alunos com alguma dificuldade
passaram a ser atendidos particularmente, dando origem ao trabalho de orientação pedagógica, ou seja,
8
cria-se aqui um ramo de atuação para o pedagogo, que pode, a partir de cursos de especialização, atuar
também como psicopedagogo.

Entretanto, a grande mudança e expansão do trabalho desse profissional acontece quando deixa de
esperar na escola pelos que desejam ou precisam de educação e, em vez disso, passa a ser portador de
cultura e conhecimento, começando a atuar junto àqueles que não podem frequentar a escola ou que
estão em seus locais de trabalho. Hospitais passam a receber em seu interior o processo educativo, uma
vez que se assume que a educação é direito de todos. Cria-se assim a Pedagogia Hospitalar, gerando um
importante campo de atuação para o pedagogo. Outra frente que se abre é o campo empresarial, isso
se dá à medida que as organizações se atentam para o potencial e a necessidade que tem de treinarem
e prepararem seus profissionais para a atuação na organização em face a um contexto de concorrência
e globalização.

É com esse intuito que elaboramos esse material: tratar do conceito de cultura e da forma como ela
se coloca no âmbito da educação, abordar o trabalho hospitalar da educação, da sua importância nas
empresas, além do trabalho em projetos sociais voltados ao resgate ou ao auxílio aos menos favorecidos,
que vem tomando corpo e forma mais consistente em tempos de responsabilidade social. Se pensarmos
em um mundo mais humano e menos desigual, constataremos que a presença do pedagogo é vital em
todas as áreas nas quais há concentração humana. Compreender isso é relevante porque evidentemente
esse material não engloba todos os campos possíveis de atuação do pedagogo, apenas aborda os
principais e oferece ferramentas para a prospecção por parte do pedagogo para novas e infinitas
possibilidades de atuação.

INTRODUÇÃO

Olá, caro(a) aluno(a)!

É com satisfação que introduzimos a disciplina Tópicos de Atuação Profissional. Nesse espaço,
estudaremos e discutiremos as possibilidades de atuação do profissional da educação e apresentaremos
alguns exemplos bem-sucedidos de expansão da educação para além dos muros da escola.

Esse é o momento propício para essa disciplina, uma vez que o conceito e algumas teorias sobre
educação já estão assimilados e compreendidos. Dessa forma, você já deve ser capaz de pensar sobre
a educação de forma a construir e planejar modelos e estratégias educativas para as mais diversas
situações e com diferentes públicos, levando em conta as especificidades de cada cultura e sendo
capacitado para fomentar a criação de espaços educativos.

Os alunos dos cursos superiores têm, em geral, grande expectativa quanto ao mercado de trabalho,
o que, se por um lado é positivo, por outro faz com que eles direcionem seus esforços para uma área de
atuação mais comum ou esperada no que diz respeito à sua formação. Com os cursos de Educação não
é diferente, os alunos concluem a faculdade pensando em atuar em escolas e, como a concorrência por
uma vaga no mercado de trabalho é grande, surgem frustrações.

9
Unidade I

É exatamente nesse contexto que essa disciplina é relevante, ao possibilitar a você, aluno(a), uma visão
mais ampla acerca das possibilidades profissionais resultantes da sua formação, além, evidentemente,
de outras atividades que possam, eventualmente, trazer-lhe satisfação pessoal e profissional.

O texto a seguir traz os seguintes assuntos:

Unidade I: apresenta uma análise do conceito de cultura tendo como pressuposto algumas
abordagens sociológicas e antropológicas, abordando temas como relativismo cultural, determinismo e
diversidade da cultura. Em seguida, trata-se da educação implementada em ambientes diversos tendo
como objetivo, nesse momento, sair daquela visão estritamente escolar quando se pensa em educação.
A unidade em questão contempla também a Pedagogia Hospitalar, que atualmente representa um
espaço interessante para o trabalho do profissional de Educação.

Unidade II: aborda a educação social. Nesse sentido, pode-se afirmar que há o retorno à função
primeira da Educação, que é a inclusão social aliada à possibilidade de apropriação das produções culturais
levadas a públicos em condições desfavoráveis. A Pedagogia Empresarial também está contemplada
nessa unidade, uma vez que as corporações vêm buscando cada vez mais os profissionais da educação
para atuarem em setores como recrutamento, treinamento, planejamento e integração e cabe a você,
aluno (a), fazer frente a essa demanda, tirando dela o maior proveito possível. Essa unidade termina com
a prática da educação não formal, procurando refletir sobre a necessidade de encarar a educação como
processo que se dá em todos os espaços e das mais diversas maneiras.

Resumidamente, o que estudaremos nessa disciplina diz respeito a uma ampliação e alargamento
da visão do profissional em relação à educação e, consequentemente, à sua atuação e possibilidades de
sucesso, quer seja como profissional, quer seja enquanto pessoa.

Dessa forma, nos resta desejar a você, um ótimo estudo!

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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Unidade I
1 CULTURA

A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através


dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado.

André Malraux

A cada conceito ou relação que nos referirmos ao longo desse trabalho ou disciplina, procederemos,
sempre que possível, a uma retomada histórica. Isso porque as coisas, os pensamentos, os fatos não
são eventos soltos no tempo e no espaço. Quando contextualizamos, damos sentido e significado ao
conhecimento.

A palavra “cultura” tem origem latina, deriva de “colo”, ou seja, cultivo. De certa forma,
poderíamos relacionar com aquilo que deve ou pode ser cultivado. Posteriormente, com o advento
do pensamento grego, a palavra foi adotada como algo a ser aprendido por meio da educação
formal, substituindo assim a palavra paideia, até então usada pelos gregos como simbolismo
de algo ou de conjuntos de conhecimentos que deveriam ser transmitidos às crianças. Quando
traçamos ou estabelecemos um paralelo entre o desenvolvimento do conceito de cultura e a
evolução da humanidade, visualizamos o quanto o conceito de cultura sofreu variações com o
tempo.

Cabe uma ressalva nesse momento: o termo evolução vai ser utilizado aqui no sentido temporal,
ou seja, mudanças ocorridas no ser humano no curso da História através de séculos de adaptação à
natureza e de convivência entre os seres. Essa ressalva explica-se pelo fato de que a palavra “evolução”,
tomada ao pé da letra, pode nos remeter a melhorias ou a condições mais confortáveis e justas na
vida das pessoas e no relacionamento delas com o mundo. Entretanto, não é possível afirmar que
sempre existem melhorias, são inúmeros os exemplos de deterioração na qualidade de vida de milhões
de pessoas decorrentes de supostos avanços da ciência.

A dominação de um povo sobre outro é uma característica que marcou e marca a espécie humana,
e o conhecimento que determinados grupos possuem é, sem dúvida, um fator determinante para isso.
Claro que alguns podem afirmar que o motivo de domínio ou superioridade de um povo sobre outro
está atrelado a questões materiais ou de propriedade de certos bens naturais, como o petróleo em certos
países, os minerais em outros, recursos hídricos, enfim, a cada momento histórico um ou outro recurso
parece mais importante. Mas a questão ainda é o conhecimento, isso porque todos os outros recursos
precisam ser modificados, extraídos, produzidos, isto é, o conhecimento é a chave ou instrumento de
poder e dominação.

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Unidade I

Saiba mais

Um bom exemplo para compreensão do poder do conhecimento e da


cultura é o filme A guerra do fogo, do diretor Jean-Jacques Annaud.

Neste filme, três grupos de seres humanos em diferentes estágios de


evolução disputam o conhecimento sobre o uso do fogo e demonstrando
claramente a importância do uso adequado da linguagem.

A posse e a construção dos mais diversos conhecimentos sempre ocorreram em tempos e condições
desiguais; o que é natural, posto que as respostas às necessidades e às adaptações também são diferentes.
Por conta disso tudo, já podemos partir para uma primeira definição do conceito de cultura, que seria:
tudo aquilo que não nasce junto com o ser humano, em outras palavras, tudo o que é construído pelo
ser humano, quer individualmente, quer coletivamente.

Figura 1 – Cultura e diversidade

A superação das barreiras, indo além do orgânico, possibilitou ao homem, de certa forma, libertar-se
da natureza e espalhar-se pelo mundo. O ser humano é o único animal a conseguir tal feito.

De fato, o que faz o habitante humano de latitudes inclementes não é


desenvolver um sistema digestivo peculiar, nem tampouco adquirir pelo.
Ele muda o seu ambiente e pode assim conservar inalterado o seu corpo
original. Constrói uma casa fechada, que o protege contra o vento e lhe
permite conservar o calor do corpo. Faz uma fogueira ou acende uma
lâmpada. Esfola uma foca ou um caribu, extraindo-lhe a pele com que a
seleção natural, ou outros processos de evolução orgânica, dotou esses
animais; sua mulher faz-lhe uma camisa e calças, sapatos e luvas, ou duas
peças de cada um; ele os usa, e dentro de alguns anos, ou dias, está provido

12
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

de proteção que o urso polar e a lebre ártica, a zibelina e o tetraz levam


longos anos para adquirir. Demais, o seu filho e o filho de seu filho, e seu
centésimo descendente nascerão tão nus e fisicamente tão desarmados
como ele e o seu centésimo ancestral. (KROEBER apud LARAIA, 2009, p. 41).

No curso da História, como é do seu conhecimento, grupos de povos ou nações foram se desenvolvendo
diferentemente e adquirindo poder e influência sobre outros povos. Uma vez que todos nascem iguais,
podemos afirmar que a cultura faz com que uns sejam pretensamente mais desenvolvidos que outros,
mas como isso se deu?

Figura 2 – Cultura desenvolvida?

Ainda na busca de uma conceituação mais apurada para o conceito de cultura, poderíamos afirmar
que ela compreende e é tudo aquilo que pensamos, nossa maneira de nos vestirmos, a forma como
organizamos nossos laços de amizade e de família, o que escolhemos como lazer, como trabalhamos,
enfim, absolutamente tudo o que nos torna humanos e sociais. Em última fala, pode-se dizer que é o
conjunto de conhecimentos e procedimentos que faz com sejamos aceitos e pertencentes a um grupo
social ou uma sociedade.

Lembrete

Cultura é todo o conjunto de conhecimentos, hábitos, saberes, crenças


que construímos e conhecemos ao longo da vida; em outras palavras, tudo
aquilo que não nasceu conosco.

Contudo, o que leva um grupo de pessoas ou um indivíduo a julgar que sua cultura ou outra qualquer
é superior, melhor ou mais correta? A resposta a essa questão é fundamental para compreendermos
algumas relações de poder que existem entre os diferentes povos ou dentro de uma mesma comunidade.
Essas relações atenuam-se quando levamos educação de qualidade para fora da escola, justificando
assim a presença do pedagogo em várias localidades nas mais diversas condições.

13
Unidade I

1.1 Valoração da cultura

Outros conceitos são importantes para o entendimento da cultura, são eles: o etnocentrismo, o
evolucionismo social e cultural, o determinismo geográfico e o determinismo biológico. Eles são
fundamentais para o processo de reflexão pelo qual passa esse início da disciplina que estamos estudando.
Isso porque são condições e concepções de cultura e sociedade que, por longos períodos, explicaram e
justificaram as relações de poder que persistem entre os povos e, com isso, restringiram a educação ao
espaço da escola, frequentado por poucos, e mantendo o profissional da educação em uma área muito
restrita, de acesso a raros afortunados. Além disso, há inúmeras manifestações de intolerância entre
os povos e mesmo dentro de uma mesma sociedade, que têm origem nos conceitos que foram citados
acima. O rompimento desse paradigma de intolerância, incompreensão e elitismo cultural caminha lado
a lado com a inserção do pedagogo nas mais diversas áreas da sociedade, formando um movimento
relativamente linear, ou seja, quando mais relativizada a cultura, mais espaços para atuação daqueles
que se ocupam da disseminação da cultura formal, os pedagogos. Assim sendo, vamos esclarecer esses
conceitos um de cada vez, iniciando pelo evolucionismo social e cultural.

1.1.1 Evolucionismo social e cultural

Por muito tempo, a origem do mundo e a evolução dos seres vivos, sejam eles humanos ou não,
pautaram‑se pela explicação religiosa, as teorias dogmáticas que colocavam em Deus as respostas para
todas as perguntas prevaleciam1. Essa corrente de pensamento justificava inclusive a dominação entre
os povos e casos de violação de direitos: a justificativa aqui era divina, logo, diferenças de cultura eram
tidas como erradas, uma vez que certos grupos ou povos postavam-se frente ao mundo de forma
diversa, fora dos padrões seguidos por grupos que acreditavam ter a benção divina. Historicamente
falando, Estado e Igreja caminhavam muito próximos, e toda forma de poder era validada e justificada
pela religião.

Figura 3 – Tortura na idade medieval

1 
Não cabe nessa disciplina a discussão sobre a origem do mundo, não se trata de desconsiderar crenças e tradições
sejam elas quais forem, contudo, nesse momento estamos restritos ao âmbito da ciência e o dogmatismo impediria o
aprofundamento das nossas reflexões, tornando inclusive, este estudo sem efeito.
14
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Com o advento do evolucionismo biológico e da teoria da evolução das espécies de Charles


Darwin, há uma mudança paradigmática acentuada, a religião perde um pouco de sua força e certos
procedimentos e ações de exploração de determinados povos sobre outros deixam de ser explicados por
meio da religião. Em outras palavras, cai por terra a explicação ou justificativa que coloca certas culturas
como desalinhadas com os desígnios da Igreja, bons e maus, no sentido de oposição, e de abençoados
ou não, deixam de existir.

Note que, até esse momento, existia uma explicação religiosa para justificar a crença de
que uma cultura é mais avançada ou melhor do que outra, mas as relações de dominação entre
os povos não deixam de existir, as desigualdades e preconceitos continuam tão fortes quanto
antes e por vezes até maiores. Historicamente, esse ambiente se dá por volta dos séculos XII
e XIII, ou seja, em plena expansão europeia e com intenso movimento de colonização. Logo,
as relações de poder estavam em plena efervescência, com culturas sendo dizimadas e com a
imposição de culturas mais antigas ou pertencentes aos países mais ricos sendo impostas em
todo o mundo.

O que justificaria sociológica e culturalmente a dominação e o extermínio de inúmeras culturas


mundo afora? Uma adaptação da teoria do evolucionismo e uma transferência de contextos biológicos
para situações sociológicas. A isso se dá o nome de evolucionismo cultural, entendido como o raciocínio
por meio do qual todas as sociedades passariam por um processo de evolução, algo como um avanço
ou melhoria. Logo, certas sociedades estariam em condições melhores do que outras em um movimento
linear de desenvolvimento. Segundo esse pensamento, todas as sociedades e culturas passariam pelos
mesmos processos e estágios de evolução e desenvolvimento. Percebe-se aí claramente um movimento
preconceituoso e discriminatório à medida que se toma uma determinada cultura como modelo de
desenvolvimento e correção em todos os aspectos.

Figura 4 – Evolucionismo cultural

Quando colocamos nossa cultura ou sociedade como referência de modelo a ser seguido por
julgá-la mais correta estamos sendo etnocentristas. O que isso significa? Etnocentrismo é a postura
ou pensamento que se coloca no centro das reflexões e se percebe como modelo padrão, a partir daí

15
Unidade I

avaliando os demais. Importante notar que as relações de poder passam por essa condição à medida
que se estabelece sempre o melhor e o superior. Essa teoria colocava os povos europeus como mais
avançados na linha evolutiva. Note que, nesse raciocínio, todos os povos evoluem, mas como o processo
não cessa, a cultura que está no topo ou na ponta da linha da evolução sempre estará à frente das
demais. Esse raciocínio não durou muito tempo, as respostas dadas por ele não justificavam as relações
de poder e os estudiosos da cultura e das sociedades o questionavam, daí a necessidade de buscar outras
explicações para as diferenças culturais.

Lembrete

O evolucionismo cultural defende a existência de linha evolutiva da


qual todos os povos fazem parte, todos evoluem em estágios diferentes,
sempre com os mais avançados a frente.

Dessa forma, ainda seguindo na linha do tempo na busca de um conceito mais apurado de cultura
e do entendimento de que todas as culturas são igualmente importantes, passamos agora a dois outros
conceitos já citados: o determinismo geográfico e o determinismo biológico.

1.1.2 Determinismo geográfico e biológico

O determinismo geográfico é uma concepção teórica acerca das diferenças culturais que
justificam dominações de um povo sobre outro, inferioridades culturais por meio da tese de que
pessoas nascidas em certos lugares estão predeterminadas a serem de um jeito ou de outro. Em
outras palavras, uma criança nascida na Europa, por exemplo, seria mais inteligente e melhor
ser humano do que uma criança nascida na África; sendo assim, o lugar de nascimento é que
determinaria se um povo era melhor ou não. Ainda temos, nessa visão, uma Europa no centro do
pensamento e na ponta do desenvolvimento, mas é importante notar que essa forma de ver as
pessoas e os povos de uma forma geral existe até hoje, são conhecidas teses que defendem que
certos povos árabes são mais econômicos, que os orientais seriam mais aptos para os números e
assim por diante.

Com o passar do tempo e com o aumento das colonizações, conseguidas e aprimoradas com
as melhorias nas navegações, os representantes dos países se estabelecem cada vez mais nos locais
colonizados. Então, surge um problema para a teoria do determinismo geográfico: afinal, o que seria dos
filhos de colonizadores que nascessem nos locais mais distantes? A resposta a essa questão se dá com
o advento do determinismo biológico, ou seja, os aspectos genéticos e hereditários seriam o marco e o
balizamento para o desenvolvimento da personalidade, da capacidade intelectual, enfim, a cultura seria
uma herança biológica.

O leitor está acompanhando, creio eu, o caminho pelo qual o conceito de cultura percorreu até
hoje, ou seja, os estudos sociológicos sempre estiveram relacionados e conectados com o pensamento
de determinadas épocas. Não é diferente do que se faz em educação, importante ressaltar. O que estou
afirmando é que ensinamos aquilo que acreditamos e isso não existe sem intencionalidade; assim
16
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

chegamos à afirmação presente logo no início desse material: a educação é uma prática eminentemente
política.

Lembrete

Determinismo geográfico é a teoria ou explicação segundo a qual


certas culturas e seus povos são mais desenvolvidos e melhores que outras
em decorrência da sua localidade.

Voltando ao determinismo biológico. Sua tese não se confirma quando analisamos aspectos culturais,
e os exemplos para refutar essa teoria são inúmeros. Vários são os casos conhecidos de jogadores de
futebol que investiram na carreira dos filhos e esses não possuem as mesmas habilidades que seus
pais, casos de pessoas adotadas e que incorporam os costumes da nova família, isso quando não há
mudança de país. Talvez a maior prova disso esteja na maioria das nossas famílias: quantos de nós
possuímos irmãos e irmãs que são absolutamente diferentes entre si embora descendam dos mesmos
pais e tenham sido criados da mesma forma?

Lembrete

Determinismo biológico é o pensamento que sustenta que há uma


hereditariedade nas características culturais e que isso garante superioridade
de um povo sobre outro.

1.1.3 Relativismo cultural

Por conta dessas questões e das inconsistências apontadas nas mais diversas correntes de pensamento,
chega-se ao que chamamos de relativismo cultural. Trata-se de uma visão mais abrangente, pois, de
acordo com essa linha de pensamento, não há culturas mais evoluídas, deixam de existir conhecimentos
ou tradições mais importantes. É relevante perceber que não se pode nem ao menos ter a crença de que
certas pessoas são mais cultas do que outras: o que existe são diferentes saberes e caminhos pelos quais
as pessoas e os povos trilham suas vidas.

Nas palavras de José Luiz dos Santos, podemos constatar o quanto é importante o conhecimento e
a valorização e respeito das mais diversas formas de cultura:

A cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo


a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Quando se
considera as culturas particulares que existem ou existiram, logo se constata
a sua grande variação. Saber em que medida as culturas variam e quais
as razões da variedade das culturas humanas são questões que provocam
muita discussão. Por enquanto, quero salientar que é sempre fundamental
entender os sentidos que uma realidade cultural faz para aqueles que a
17
Unidade I

vivem. De fato, a preocupação em entender isso é uma importante conquista


contemporânea.

Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar
conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções
e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade
de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As
variações nas formas de família, por exemplo, ou nas maneiras de habitar, de
se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem
sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de
sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência.
Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos,
oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações
humanas. (SANTOS, 1987, p. 8).

Lembrete

Relativismo cultural é a tese que defende que não há culturas mais


ou menos evoluídas, há sim diferentes modelos e características culturais,
apenas isso.

1.2 Tipos de cultura

Embora devamos não fazer grandes distinções entre as culturas sob o risco de sermos preconceituosos,
podemos estabelecer três divisões: cultura erudita, cultura popular e cultura de massa.

1.2.1 Cultura erudita

A cultura erudita é a produção elaborada, acadêmica, focada em sistemas educacionais,


especialmente nas universidades; é confundida com culturas de elite por ser produzida por grupos
pequenos. São produções da cultura erudita as obras-primas que revolucionam os diversos campos
do saber ou da ação, as descobertas científicas, revoluções ou mudanças no modo de pensar,
grandes produções literárias etc. Pode-se dizer que a marca fundamental dessa especificidade de
cultura é que ela produz um corte no padrão cultural, estabelecendo novos modelos, por isso se
tornam clássicos.

O que a faz ser erudita é o rigor com que é produzida e, por isso mesmo, ser acessível a um público
restrito tanto na produção quanto na fruição. Por conta disso, supõe-se que é incompreensível para
a maioria da população, por não ser capaz de produzi-la ou compreendê-la. A crítica às sociedades
muito dividas ou àqueles que valorizam em demasia essa cultura é a possibilidade e até a tendência a
desvalorizar outras manifestações culturais e as pessoas que, em geral, não tem acesso a ela.

18
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Figura 5 – Cultura erudita

1.2.2 Cultura popular

Trata-se um conceito complexo por ser oriundo de diversas camadas e manifestações, populares ou
não. O risco desse enfoque deriva da concepção de folclore como realidade pronta e acabada, quando
na verdade toda cultura é dinâmica, em constante transformação. Aliás, a vitalidade da cultura popular
absorve e reelabora as inúmeras influências de outros costumes, como as que resultam do contato do
mundo rural com o urbano, ou do impacto da tecnologia e da cultura de massa.

A visão de uma parcela considerável da sociedade em relação à cultura popular é de discriminação e


preconceito, isso porque alguns a ignoram ou desprezam, achando-a não original, monótona, repetitiva,
vulgar e, por consequência, inferior à cultura de elite. Ainda há os que podem julgá-la como sendo
manifestação pitoresca ou exótica, isso a tornaria algo próximo ao espetáculo; percebe-se isso quando
se alteram os hábitos culturais para que se adaptem ao turismo.

Figura 6 – Dança popular

1.2.3 Cultura de massa

A cultura de massa resulta dos meios de comunicação de massa, ou seja, a mídia. Podem ser tidos
como meios de comunicação de massa: o cinema, a televisão, o rádio, a imprensa escrita, as revistas de
19
Unidade I

grande circulação, enfim, tudo aquilo que atinge uma grande quantidade de pessoas pertencentes a
todas as classes sociais e de diversas formações culturais.

Figura 7 – Cultura de massa

Essa cultura, distinta da erudita e da popular, teve início principalmente com a evolução da
burguesia e com evolução da complexidade do cotidiano das grandes cidades, que se deu no período da
revolução industrial. É nesse momento que surge uma produção cultural produzida por grandes grupos
profissionais que vinculam informações e ideias com grande penetração popular, abordando diversos
temas e formando opiniões nas diferentes classes sociais, dando início a massificação das ideias.

Figura 8 – Consumismo e massificação

Note que isso não nos leva a um mundo ideal, mas nos fornece a concepção e o embasamento
teórico para que possamos trabalhar com a diversidade de indivíduos, tradições e histórias que marcam
nossos alunos e, de forma mais ampla, com o mundo em que vivemos. As relações de poder existem

20
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

e são muito fortes; entretanto, esse poder e essas relações são hoje estabelecidos por meio de vários
instrumentos, cabendo a nós, educadores, entender toda a complexidade com que o poder se estabelece.

Figura 9 – Choque cultural

Para embasar ainda mais nossas reflexões, convido você a ler o texto fornecido na íntegra logo a
seguir, intitulado “Ritos corporais dos Nacirema”, do antropólogo norte americano Horace R. Miner.
Tomando o texto como referência, percebemos o quanto nossa visão em relação ao outro é de
estranhamento; por mais que estudemos sobre diversidade cultural, ainda mantemos em nós uma visão
bastante egocêntrica. Após a leitura, analise com calma o nome do próprio texto.

Ritos corporais dos Nacirema

O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de comportamento


que diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz de surpreender-
se mesmo em face dos costumes mais exóticos. De fato, se nem todas as combinações
logicamente possíveis de comportamento foram ainda descobertas, o antropólogo bem
pode conjecturar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita.

Desse ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam aspectos
tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a que pode
chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a chamar a
atenção dos antropólogos para os rituais dos Nacirema, mas a cultura desse povo permanece
insuficientemente compreendida ainda hoje.

Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá,


os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe
sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia
dos Nacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por outro
lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de conchas, usado pelos
Nacirema como dinheiro, através do rio Po-To-Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual
residiria o Espírito da Verdade.

21
Unidade I

A cultura Nacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente


desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar de o povo dedicar muito do seu tempo
às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável
porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo
humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo.
Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia
a eles associadas são singulares.

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano
é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado
em tal corpo, a única esperança do homem é desviar essas características através do
uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais
santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos dessa sociedade
têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito
frequentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas
casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de culto das mais
ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas, aplicando placas de
cerâmica às paredes de seu santuário.

O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal. Apesar
de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que choca o
estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o ritual
consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente com
certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente formalizados.
Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o sacerdote da boca uma ou duas vezes
ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo
de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios
bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote abre a
boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a
degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias
mágicas. Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais
dentes são extirpadas para que a substância natural possa ser aplicada. Do ponto de vista
do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter
extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem
ao sacerdote da boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes continuarem a
degenerar.

Esperemos que, quando for realizado um estudo completo dos Nacirema, haja um
inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas. Basta observar o
fulgor nos olhos de um sacerdote da boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto,
para se suspeitar que este rito envolva certa dose de sadismo. Se isto puder ser provado,
teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências
masoquistas bem definidas.

22
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Foi a essas tendências que o Prof. Linton (1936) referiu-se na discussão de uma
parte específica dos ritos corporais que é desempenhada apenas por homens. Essa parte
do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos
especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o
que lhes falta em frequência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as
mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto
teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista
tenha desenvolvido especialistas sádicos.

Os médicos-feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade


de certo porte. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito
doentes, só podem ser executadas neste templo. Essas cerimônias envolvem não apenas o
taumaturgo, mas um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos,
movimentam-se serenamente pelas câmaras do templo.

As cerimônias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de
nativos realmente doentes que entram no templo se recuperem. Sabe-se que as crianças
pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao templo,
porque “é lá que se vai para morrer”. Apesar disso, adultos doentes não apenas querem, mas
anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para
tanto. Não importa quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os
guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva
valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido
às cerimônias, os guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer
outra doação.

O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas.


Na vida cotidiana, o Nacirema evita a exposição de seu corpo e de suas funções naturais.
As atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados
apenas no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando
da entrada no latipsoh, podem resultar traumas psicológicos. Um homem, cuja própria
esposa nunca o viu em um ato excretor, acha-se subitamente nu e auxiliado por uma
vestal, enquanto executa suas funções naturais num recipiente sagrado. Este tipo de
tratamento cerimonial é necessário porque os excrementos são usados por um adivinho
para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente. Clientes do sexo feminino,
por sua vez, têm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e aguilhadas dos
médicos-feiticeiros.

Resta ainda outro tipo de profissional, conhecido como um “ouvinte”. Esse “doutor-
bruxo” tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas
enfeitiçadas. Os Nacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos;
particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto
lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contramagia do doutor-bruxo é inusitada por
sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “ouvinte” todos os seus problemas
23
Unidade I

e temores, principalmente pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar. A memória


demonstrada pelos Nacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não
é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu, quando bebê, ao ser desmamado, e
uns poucos indivíduos reportam a origem de seus problemas aos feitos traumáticos de seu
próprio nascimento.

Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na estética
nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções. Existem
jejuns rituais para tornarem magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornarem
gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres
que os têm pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o
tamanho do seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de
variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário
quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo
de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa,
contemplarem-nos.

Já fizemos referência ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas, rotinizadas


e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma forma,
distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto é programado enquanto ato. São
feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela limitação
do intercurso sexual a certas fases da lua. A concepção é, na realidade, pouco frequente.
Quando grávidas, as mulheres vestem-se de modo a esconder o estado. O parto tem
lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não
amamenta seus rebentos.

Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente demonstrou ser esse povo
dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver
por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos
quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo
relevado por Malinowski, quando escreveu:

Olhando de longe e de cima de nossos altos postos de


segurança na civilização desenvolvida, é fácil perceber toda a
crueza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder de orientação,
o homem primitivo não poderia ter dominado, como o fez, suas
dificuldades práticas, nem poderia ter avançado aos estágios
mais altos da civilização.

MINER, 1976, p. 174.

Note o leitor que a palavra “nacirema” é “american” de traz para frente; logo, estamos nos referindo
a nós mesmos, mas usando palavras diferentes e descrevendo a partir do outro prisma os rituais que são
muito comuns para qualquer um de nós.
24
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Encerramos assim o tópico cultura, embora ele vá voltar às nossas discussões muitas vezes, nossa
abordagem específica sobre ele termina nesse ponto.

Figura 10 – Dia da diversidade cultural

Saiba mais

Um bom filme para melhor compreensão e reflexão acerca das


diferentes culturas e do choque entre elas é o clássico Dança com lobos,
que trata da expansão americana rumo ao oeste e o choque com os índios
locais. É interessante notar o quanto a resistência com o desconhecido é
parte marcante das nossas personalidades. Interessante também porque
mostra um tipo de educação que se dá na apropriação de culturas dos
dois modelos que se chocam, a cultura indígena e a cultura do homem da
cidade norte-americana.

2 EDUCAÇÃO EM AMBIENTES DIVERSOS

Trabalhar a questão da educação atualmente, em um contexto cada vez mais marcado pela
diversidade cultural e espacial, é um desafio para qualquer educador, principalmente para o pedagogo
que trabalhará em várias dimensões. De acordo com a proposta dessa disciplina, vale uma reflexão
acerca do que Morais nos adverte:

No Brasil, o processo de educação tem se caracterizado, desde a época


colonial, pela inserção, na criança, do estigma “educação dentro de um país de
terceiro mundo”. Critérios apenas econômicos e tecnocráticos geram rótulos
como “primeiro” ou “terceiro mundo”. Povos ditos de terceiro mundo, como
o brasileiro, têm, como quaisquer outros, riquezas incomensuráveis: formas
de canto, formas de poesia, riquezas folclóricas, tipos diversos de música e de
ritmos, instrumentos musicais, lendas e mitos, delícias culinárias, sabedoria
popular, conhecimento nativo de plantas medicinais e alimentícias, uma
enorme variedade de jeitos de ser e de viver. Nesse sentido, o Brasil, pelo seu
25
Unidade I

tamanho, pela sua variedade étnica, pelas características de sua história e de


sua geografia tropical, é um país de primeiro mundo em termos espirituais,
em termos de riquezas culturais e ecossociais. Educar também é mostrar isso
ao indivíduo. Não se trata de uma educação nacionalizante, mas de uma
educação que ajuda o indivíduo a encontrar um caminho espiritual afinado
aos contextos existentes dentro do espírito da cultura nativa. Educar é produzir
um tipo de indivíduo universal, mas revestido pela sua cultura nativa.

Assim, não se produz um alienado. Educar não é só alfabetizar. Educar é


ajudar a desabrochar as potencialidades individuais, as quais só podem ser
cultivadas pelo contato entre o indivíduo dotado de uma attention a la vie
(como viu Bergson) e outros indivíduos de seu meio, todos inseridos na sua
cultura, na sua história, no seu meio. Educar é criar um terreno fértil para a
elaboração harmoniosa e culturalmente contextualizada do indivíduo (e não
apenas fazer que ele se encaixe dentro de um papel social predeterminado
pela sociedade) (MORAIS, 2001, p. 3).

2.1 Qualidade de vida x Pedagogia Hospitalar

Qualidade de vida é um assunto muito discutido atualmente pela sociedade, afinal, todos querem
viver mais e melhor. A busca pelo equilíbrio entre a saúde física e mental para viver em harmonia é desejo
de todos, não importa a que classe social pertença. Em toda parte, nos programas de TV, cursos, revistas
ou até nas conversas informais do cotidiano há sempre alguém com uma receita mágica sobre como
melhorar a sua qualidade de vida. O fato é que toda vez que nos remetemos ao termo qualidade de vidas
pensamos quase automaticamente em um padrão de vida mais elevado. Dessa forma, imaginamos que
aqueles que possuem cargos importantes, casas confortáveis, desfilam com roupas elegantes, utilizam
celulares modernos e todas outras bugigangas tecnológicas são sinônimos de qualidade de vida.

Grande engano, pois os inúmeros bens materiais ou seu acúmulo, bem como bons empregos, apenas
indicam o padrão de vida; já a qualidade de vida está relacionada à quantidade de experiências positivas
experimentadas ao longo da vida. Perceba que as experiências positivas que vivenciamos nem sempre
estão relacionadas a viver de maneira mais ou menos confortável.

Figura 11 – Qualidade de vida

26
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Dessa forma, qualidade de vida tem a ver com momentos memoráveis, superação dos desafios,
emoções positivas, perseverança, valores, entre outras questões. Mas como ter qualidade de vida em
um hospital ou vivendo em um hospital? Considere que muitas pessoas permanecem por longos
períodos hospitalizados, seja por doenças, seja por acidentes. A cada ano, no Brasil, cresce o número
de crianças que vivem hospitalizadas por conta de inúmeras enfermidades. Diante de tantos casos, a
educação precisa chegar até o interno: trata-se de um direito do cidadão e um dever do governo. Essa
sistematização educacional, com profissionais especializados, recebe o nome de Pedagogia Hospitalar.

A Pedagogia Hospitalar tem por objetivo conscientizar, discutir e ampliar as ideias dos profissionais
da educação quanto a proporcionar uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas que necessitam
de cuidado e um olhar especial para um atendimento individualizado, seja no atendimento domiciliário
ou hospitalar. Ela vem se expandindo no atendimento à criança hospitalizada, e em muitos hospitais
do Brasil tem se enfatizado como uma visão mais humanista, sendo implantada para o auxílio de
tratamentos às crianças e adolescentes com diversas doenças. Assim, o trabalho do pedagogo não
está voltado apenas para o ambiente escolar, mas também em hospitais ou trabalhos com enfermos
domiciliares, ou seja, o trabalho do pedagogo não está atrelado apenas às questões cognitivas, mas tem
uma preocupação global com o aprendiz, para as necessidades físicas, emocionais, afetivas e sociais do
indivíduo.

No Brasil, a legislação reconheceu através do Estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado,


Resolução nº 41 de outubro e 1995, no item 9, o “Direito de desfrutar de alguma forma de recreação,
programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência
hospitalar” (BRASIL, 1995). Em 2002, o Ministério da Educação, por meio de sua Secretaria de Educação
Especial, elaborou um documento de estratégias e orientações para o atendimento nas classes
hospitalares, assegurando o acesso à educação básica. Em Santa Catarina, a SED baixou Portaria
que “Dispõe sobre a implantação de atendimento educacional na Classe Hospitalar para crianças e
adolescentes matriculados na pré-escola e no Ensino Fundamental, internados em hospitais” (SANTA
CATARINA, 2001). Todo o aluno que frequenta a classe possui um cadastro com os dados pessoais, de
hospitalização e da escola de origem. Ao final de cada aula, o professor faz os registros nesta ficha
indicando os conteúdos que foram trabalhados e outras informações que se fizerem necessárias.

Fontes esclarece-nos que:

Por uma questão pedagógica, as atividades realizadas no dia devem ter


início, meio e fim. O grupo de hoje, quase sempre, não é o mesmo grupo de
amanhã. Com isso, as crianças recém-chegadas ao hospital não se sentem
perdidas nas atividades e podem participar como as outras. É aconselhável
dar um desfecho para a atividade do dia, fazer uma avaliação junto com as
crianças e expor os trabalhos produzidos. Outro ponto que merece destaque:
o planejamento precisa ser bem feito, mas deve ser bem flexível e é regulado
pelo interesse e disposição da criança. (FONTES, 2005, p. 25).

Note que o desenvolvimento dessa modalidade educacional necessita de profissionais flexíveis,


dedicados e atenciosos às crianças e jovens que precisam permanecer hospitalizadas, pois o objetivo é
27
Unidade I

estar atento às questões como troca de experiências por meio da socialização entre os pacientes e os
profissionais.

Apesar dessa prática pedagógica ser fundamentada em estudos teóricos, o que acontece no
ambiente hospitalar ainda é bastante incipiente, o que faz com que essa modalidade de ensino
seja pouco conhecida em nível nacional, bem como a sua produção científica. Isso porque o
reconhecimento de uma determinada área do saber dá-se, em grande parte, pelo que ela tem
produzido cientificamente.

Embora haja falta de preparo, os hospitais devem dispor às crianças e aos adolescentes um
atendimento educacional de qualidade e igualdade de condições de desenvolvimento intelectual e
pedagógico com base na legislação vigente, que ampara e legitima o direito à educação. A preocupação
advinda do processo da doença e o aumento da ansiedade são minimizados com a presença do ambiente
escolar no período de internação, auxiliando na recuperação da saúde da criança. Assim, a educação
vem transpondo os muros escolares e desmitificando o preconceito e a ideia de que o pedagogo está
apto a exercer suas funções na sala de aula, quando na verdade, todo local em que há uma prática
educativa torna-se um espaço de atuação para o profissional da educação.

Saiba mais

Um bom filme para compreendermos melhor o tema é Patch Adams – O


amor é contagioso, do diretor Tom Shadayac.

Nesse filme, Hunter Adams, interpretado por Robin Williams, interna-


se em um sanatório depois de uma tentativa de suicídio. Ao ajudar outros
internos, descobre que deseja ser médico para poder ajudar as pessoas.
Seus métodos poucos convencionais causam inicialmente espanto, mas aos
poucos conquistam a todos.

2.1.1 Como tudo começou

Quando pensamos em hospital, automaticamente ficamos receosos, pois a ideia de ficar em um leito
hospitalar está relacionada a doenças que nos remetem ao término da vida. Quando se trata de hospital
infantil ou de uma ala infantil, o receio aumenta e vem tomado por fortes emoções. Afinal, quando
pensamos em uma criança, a ideia que nos vem à mente é de alguém correndo, brincando; quando se
trata de adolescentes, pensamos neles com seus iPods ouvindo músicas ou em bandos, falando e rindo
alto.

Hoje, os hospitais ou alas infantis encontram-se, em sua maioria, mais humanizadas. Em geral, as
alas das crianças e dos adolescentes têm paredes com cores alegres, desenhos, brinquedos, jogos, TV,
contadores de histórias, entre outras coisas que contribuem para o bem-estar. Tudo isso tem humanizado

28
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

a relação do paciente com as doenças, tornando evidente a preocupação dos profissionais da saúde com
a afetividade para a recuperação das enfermidades.

No entanto, a criança acometida por alguma enfermidade é distanciada do ambiente escolar,


o que gera imediatamente perda de socialização. As crianças tomadas por alguma doença grave,
como câncer ou Aids, logo são vítimas do despreparo dos colegas ou de seus familiares, que,
em alguns casos, não permitem que os colegas sadios se aproximem do doente. Isso contribui
negativamente com a saúde psíquica e física do enfermo. Em geral, esse preconceito se deve à
desinformação dos pais ou da sociedade que ainda não se relaciona com naturalidade com certos
tipos de doença.

Figura 12 – Hospital do Câncer

O objetivo primeiro da classe hospitalar é o acompanhamento pedagógico de crianças e jovens


com dificuldades graves de saúde física ou mental e que estão definitiva ou temporariamente
impedidos de frequentar a escola regular. Não se trata de educação especial. É a educação escolar
ordinária, aquela que nutre o sujeito de informações sobre o mundo dentro do currículo escolar
definido pela educação nacional. Marca-se como diferença entre a classe hospitalar e a classe
especial o fato de que a segregação das crianças não se deve à rejeição por outras classes – o que
não deve existir – mas à doença que as impede de ir à escola. Longe de rejeitá-los, a escola vai até
eles, no hospital.

Assim, estando a escola a serviço das crianças hospitalizadas e buscando atendê-las, a Pedagogia
Hospitalar tem seu início em 1935, próximo a Paris, por Henri Sellier, que tentava melhorar a condição
de vida das crianças que não poderiam frequentar a escola. Diversos países europeus, assim como os
Estados Unidos, passaram a seguir o exemplo de Sellier, com o objetivo de suprir as dificuldades escolares
de crianças tuberculosas.

Segundo Esteves (2008), com a explosão da Segunda Guerra Mundial, cresceu o número de crianças
e adolescentes mutilados e/ou acometidos pelas mais diversas doenças e que foram impedidos de ir à
escola, assim surge a classe hospitalar. Diante dessa triste realidade, o atendimento pedagógico dos jovens
e enfermos foi uma maneira de contribuir com a melhora dos pacientes. O Centro Nacional de Estudos
e de Formação para a Infância Inadaptada de Suresnes – CNEFEI – foi criado na França, em 1939, com

29
Unidade I

o objetivo de formar professores para exercer o magistério em institutos especiais e em hospitais. Nesse
mesmo ano, o Ministério da Educação da França, percebendo a necessidade, criou o cargo de professor
hospitalar. Atualmente, o CNEFEI funciona em regime de internato para os profissionais da educação,
assistentes sociais e médicos que queiram dedicar-se aos pacientes impossibilitados de frequentar a
escola, acometidos por alguma enfermidade.

No Brasil Colonial, os doentes eram tratados com ervas, chá e os mais variados tipos de tratamentos
alternativos. Somente com o início da industrialização surge uma preocupação do governo, na
época Vargas, com o seguro social entre os diversos profissionais. De acordo com Rosen (1979), com
a crescente industrialização, o número de enfermidades advindas pelo excesso de trabalho ou pelo
trabalho realizado de forma inadequada cresceu. Com isso, a medicina social tornou-se uma resposta
aos diversos problemas nesse âmbito. Com o aumento da população, a medicina acabou influenciada
pela crescente demanda, assim, deixou de se preocupar com as questões psicológicas e passou a tratar
apenas das questões de cunho físico e biológico, o que tornou o trabalho dos profissionais da saúde
quase mecânico.

A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo foi, em 1900, a pioneira no atendimento hospitalar no
Brasil, destinando-se ao atendimento de pessoas com deficiência física. Os primeiros relatórios sobre
as classes hospitalares datam 1931, mas somente em 1997 dá-se o início à implantação de classes
hospitalares nos modelos propostos atualmente.

As classes com mais tempo de atuação foram criadas no município


do Rio de Janeiro (1950 e 1953), onde existe a classe hospitalar do
Hospital Municipal de Jesus (hospital público infantil), que é a mais
antiga classe hospitalar em funcionamento no país. Suas atividades
foram iniciadas, oficialmente, em 14 de agosto de 1950 (MENEZES,
2004, p. 7).

É apenas com o amparo legal que a classe hospitalar, bem como a educação especial, tem sua
implantação assegurada em alguns princípios e fundamentos, tais como: “A Educação é direito de
todos e dever do Estado e da família. O direito à educação se expressa como direito à aprendizagem
e à escolarização” (BRASIL, 1988). O artigo 214 da Constituição Federal afirma que as ações do Poder
Público devem conduzir à universalização do atendimento escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional assegura que o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes
níveis de ensino (art. 5º § 5º), podendo organizar-se de diferentes formas para garantir o processo de
aprendizagem (art. 23). (Brasil, 1996).

Diante da condição de fragilidade da criança ou do adolescente doente, a continuidade escolar


propicia não apenas questões de ordem cognitiva, mas, concomitantemente, auxilia o paciente nas
questões afetivas e psíquicas, pois o isolamento não favorece a cura. O objetivo das classes hospitalares
é, segundo a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, permitir o acompanhamento
pedagógico-educacional e assegurar a continuidade do processo de desenvolvimento escolar de crianças
e jovens do ensino regular, garantindo a manutenção do vínculo com a escola de origem, por meio de
um currículo flexibilizado e (ou) adaptado (Brasil, 2008).
30
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Mesmo que assegurados por lei, o número é bastante inexpressivo em relação à necessidade. Menezes
explica:

Em março de 1998, havia no Brasil 30 classes hospitalares, distribuídas


em dez unidades federadas e Distrito Federal. Segundo Viktor (2003), em
agosto de 1999, esse número aumentou para 39 classes em 13 Estados.
Os últimos números indicam que 75 hospitais, aproximadamente 2% dos
quase 4 mil hospitais brasileiros, oferecem atendimento escolar, espalhados
por 15 Estados, incluindo o Distrito Federal. O total de alunos atendidos
mensalmente é de 2.100. Apenas dois hospitais são particulares e somente
quatro deles disponibilizam computadores e acesso à internet. Mesmo com
esse avanço quantitativo, há necessidade de consolidar ações voltadas
para garantir os direitos educacionais das crianças e jovens hospitalizados
(MENEZES, 2004, p. 8-9).

Os tratamentos oncológicos são a maioria dos casos que requerem atendimento hospitalar, seguido
dos casos de Aids, ambos obrigam a permanência mais longa no hospital. A tabela 1 apresenta a realidade
de implantação de classes hospitalares no Brasil até o ano de 1997.

Tabela 1 – Implantação de classes hospitalares no Brasil 1950/1997

Ano Nº de classes hospitalares


Até 1950 1
1951-1960 1
1961-1970 1
1971-1980 1
1981-1990 8
1991-1997 9
Sem referência 9
TOTAL 30

Fonte: Menezes, 2004, p. 8.

Apesar de a classe hospitalar apresentar seus primeiros registros em 1931, é a partir da década
de 1980 que seu número cresce. Entretanto, como podemos observar, a adesão de hospitais é pouco
significativa. Em 2001, o Ministério da Saúde, preocupado com valores mais humanísticos, anunciou o
PNHAH – Programa Nacional de Humanização no Atendimento Hospitalar – direcionados a gestores e
profissionais da saúde. O documento é inovador na tentativa de resgatar valores não apenas científicos,
mas humanos nas relações entre profissionais da saúde e seus pacientes. Conforme podemos verificar
no documento abaixo,

O PNHAH nasceu de uma iniciativa do Ministério da Saúde de buscar


estratégias que possibilitassem a melhoria do contato humano entre
profissional de saúde e usuário, dos profissionais entre si, e do hospital
com a comunidade, visando ao bom funcionamento do Sistema de Saúde
Brasileiro (BRASIL, 2001b).

31
Unidade I

O documento nasce da inatisfação do cidadão com o atendimento aos serviços de saúde como
a falta de médicos, de medicamentos e de hospitais. É notório que muito pouco se alterou, mas o
documento é inovador ao se preocupar com a relação entre o profissional e o paciente, bem como com
a formação dos profissionais da saúde em relação à humanização do atendimento, pois

É no processo de formação que se podem enraizar valores e atitudes de


respeito à vida humana, indispensáveis à consolidação e à sustentação de
uma nova cultura de atendimento à saúde (CALEGARI, 2003, p. 30).

Os públicos-alvo do programa seriam: secretarias municipais e estaduais de saúde e hospitais da


rede pública do Brasil. Para efetivar as ações abordadas pelo PNHAH em busca de um atendimento com
mais qualidade e melhor eficácia, são propostos os seguintes objetivos:

• Fortalecer e articular todas as iniciativas de humanização já existentes


na rede hospitalar pública.
• Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários
da rede hospitalar brasileira credenciada ao SUS.
• Modernizar as relações de trabalho no âmbito dos hospitais públicos,
tornando as instituições mais harmônicas e solidárias, de modo a
recuperar a imagem pública dessas instituições junto à comunidade.
• Capacitar os profissionais do hospital para um novo conceito de
atenção à saúde que valorize a vida humana e a cidadania.
• Conceber e implantar novas iniciativas de humanização dos hospitais
que venham a beneficiar os usuários e os profissionais de saúde.
• Estimular a realização de parcerias e intercâmbio de conhecimentos e
experiências nessa área.
• Desenvolver um conjunto de parâmetros de resultados e sistema de
incentivos ao serviço de saúde humanizado.
• Difundir uma nova cultura de humanização na rede hospitalar
credenciada ao SUS. (BRASIL, 2001b).

Para Calegari (2003, p. 34), com o intuito de implantar e multiplicar as metas frente às redes hospitalares
públicas, estaduais ou municipais, o programa apresentou quatro planos distintos, assim definidos:

• No plano pedagógico: contribuir para a educação continuada,


promoção de eventos educativos, treinamento de áreas ou
profissionais, divulgação de temas de interesse da coletividade.
• No plano político: propiciar a democratização das relações de trabalho,
concedendo voz aos setores que normalmente não teriam condições
de superar as barreiras de hierarquia e competência técnica. Para isso,
32
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

deverá manter um relacionamento estrito com cada setor, ouvindo


reclamações, sugestões e buscando soluções para problemas específicos.
• No plano subjetivo: sustentar um processo de reflexão contínua sobre
as vivências no mundo do trabalho, o como e para quê se trabalha
numa organização hospitalar.
• No plano comunicativo: criando fluxos de informações relevantes
para profissionais, dando a conhecer os projetos de humanização em
curso no hospital (CALEGARI, 2003, p. 34).

Como é possível notar, os planos têm por objetivo um trabalho articulado, pois, sendo o hospital um
local para o cidadão cuidar da saúde, é preciso que haja uma humanização em respeito aos pacientes.
Não é aceitável uma única forma em lidar com os pacientes, pois há uma heterogeneidade em relação
à doença, ou seja, os profissionais devem levar em conta o conjunto dos aspectos físicos, sociais e
subjetivos, presentes no processo de constituição e desenvolvimento de cada pessoa. Segundo Calegari
(2003), humanizar refere-se à possibilidade de assumir uma postura ética de respeito ao outro, de
acolhimento do desconhecido e de reconhecimentos dos limites.

Converter o atendimento médico em algo mecânico e considerar a doença de forma isolada, isto é, não
relacionando com outros fatores circunstanciais como sociais, emocionais, educacionais e psíquicos, tornam
o atendimento automático, o que gera inúmeras situações de mal entendidos e dificuldades no tratamento.

Figura 13 – Criança alfabetizada em classe hospitalar

É determinante uma nova forma de pensar as práticas das instituições de saúde, buscando diversas
maneiras no atendimento que favoreça o contato pessoal. Não se deve tratar o doente como um objeto,
mas considerar sua fragilidade física e emocional devido à doença e as consequências dela na relação
entre o profissional e o usuário. No convívio hospitalar, são despertados sentimentos como afeição,
carinho, raiva, medo, angústia, empatia, simpatia, respeito etc., sentimentos que podem surgir em
qualquer relação pessoal. No entanto, esses aspectos precisam ser partilhados, trabalhados, refinados
para o sucesso do atendimento e tratamento do paciente.

A criação do PNHAH pelo Ministério da Saúde tem por objetivo alertar os hospitais quanto ao
tratamento mecânico em relação ao paciente, partindo da premissa de que, por meio de uma relação com
33
Unidade I

foco no respeito aos objetivos de saúde e bem-estar, os êxitos seriam alcançados. Apesar de ser crescente
o número de profissionais articulados nas mais diversas áreas do conhecimento objetivando uma melhor
qualidade de vida do indivíduo hospitalizado, os direitos de toda pessoa enferma são assegurados, mesmo
que minimamente, por um conjunto de leis e decretos que visam a garantir os cuidados em relação à
saúde, relacionando-a com a educação. Portanto, a ciência evolui por conta da necessidade da sociedade,
por meios de suas inquietações, dúvidas, necessidades e busca de bem-estar. Em outras palavras, a ciência
evolui ou trabalha no sentido a dar ao homem a maior qualidade de vida possível.

Saiba mais

Assista ao filme Um golpe do destino, do diretor Randa Heines, que foi


baseado no livro autobiográfico do Dr. Edward Rosenbaum, A taste of my
own medicine: when the doctor becomes the patient.

A história é sobre um renomado e arrogante cirurgião que descobre


que tem câncer, mostrando a importância de enxergar o paciente e não
somente a doença que o acomete.

2.2 Legislação e direitos da criança hospitalizada

Como já vimos quando e como tudo começou, agora é hora de entendermos um pouco mais sobre
a legislação que favorece o atendimento a crianças e adolescentes hospitalizados.

Sendo a criança hospitalizada retirada do seio da família, sua exclusão, a falta de socialização com
colegas de sua idade e do ambiente escolar frequentemente tornam a criança mais deprimida, o que
colabora determinantemente com a queda da autoestima. Assim, a intervenção pedagógica já é uma
realidade no ambiente hospitalar, graças à iniciativa de grupos voluntários e algumas instituições e
universidades preocupadas com o afastamento da escola. Em alguns casos de doenças graves, esses
jovens passam meses, até anos, sem frequentar a escola, longe do processo de escolarização.

Figura 14 – Ambiente pedagógico

34
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Diante da preocupação com o distanciamento dessas crianças com o universo escolar, a classe
hospitalar tem a função de socializar a criança por um processo de inclusão, dando continuidade à sua
aprendizagem. A inclusão social é o resultado do processo educativo, pois a escola passa a ser o único
vínculo existente entre a criança hospitalizada e o mundo exterior. Críticos e especialistas em inclusão
apontam para o fato de que se está alcançando apenas uma inserção; não se trata de questionar a prática
em si, mas de conceituá-la adequadamente. O fato é que inclusão ou inserção são nomes e conceitos, ao
passo que a alegria e satisfação das crianças e de seus familiares são muito mais significativas.

2.2.1 Determinação legal

Somente a partir de 1988 a Constituição Federal institui que a educação é direito de todos e dever
do Estado e da família, com o intuito de que o ser humano se desenvolva como um todo, ou seja,
como indivíduo, cidadão e trabalhador. Assim, a formação escolar deve atender a todos em quaisquer
ambientes, tendo a criança hospitalizada o seu direito assegurado. Com base nesse princípio, vamos nos
deter, ainda que brevemente, nas principais leis que defendem esse direito.

A primeira possibilidade de atendimento educacional à criança hospitalizada surge com o


Decreto-Lei 1044/69, que assegurava aos alunos com necessidades de tratamentos especiais o direito
a exercícios domiciliares, com acompanhamento da escola, sempre que compatíveis com seu estado
de saúde e condições do estabelecimento. Com a abertura das escolas para a maioria da população,
cresce o número de estudantes gestantes e, com isso, a Lei 6.202/75 assegura o direito das gestantes, a
partir do oitavo mês de gestação e durante os três primeiros meses após o parto, de realizar exercícios
domiciliares. Garantia ainda que o tempo fosse postergado em casos que o médico observasse a
necessidade.

Somente após 15 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei 8069 de 13 de
julho de 1990, assegura os direitos das crianças e adolescentes em condições de hospitalização. Vejamos
alguns artigos desta lei.

Art. 4º. Parágrafo Único:

a) Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) Preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com


a proteção à infância e juventude.

Art. 7º. A criança e o adolescente têm o direito à proteção e à vida e à


saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitem o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas
de existência.
35
Unidade I

Art. 11º. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente,


através do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e
igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da
saúde.

Art. 57º. O Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas


propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática
e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do
ensino fundamental obrigatório. (BRASIL, 1990).

Se, até o momento, não se tinha claro que as crianças e adolescentes acabavam excluídas do universo
escolar por conta de enfermidade, o artigo 57 traz luz à questão. Assim, a legislação passa a assegurar
o direito das crianças e adolescentes que, por motivo de doença, fiquem impossibilitados a frequentar
o ambiente escolar.

Já o artigo 53 é ainda mais específico, enfatizando que: “a criança e o adolescente têm direito à
educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: [...] igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola” (BRASIL, 1990). Então, fica a discussão sobre como isso pode ser possível quando o aluno tem
algum problema de saúde.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, por meio da resolução 41, publicada
em 13 de outubro de 1995, chancelada pelo Ministério da Justiça, trata dos direitos da criança e do
adolescente hospitalizados. Segundo Calegari, (apud Ceccim e Carvalho, 2003), tais direitos são descritos
da seguinte forma:

1 – Direito à proteção à vida e à saúde, com absoluta prioridade e sem


qualquer forma de discriminação.

2 – Direito a ser hospitalizado quando for necessário ao seu tratamento,


sem distinção de classe social, condição econômica, raça ou crença religiosa.

3 – Direito a não permanecer hospitalizado desnecessariamente por qualquer


razão alheia ao melhor tratamento da sua enfermidade.

4 – Direito de ser acompanhado por sua mãe, pai ou responsável, durante


todo o período de sua hospitalização, bem como receber visitas.

5 – Direito de não ser separado de sua mãe ao nascer.

6 – Direito de receber aleitamento materno sem restrições.

7 – Direito de não sentir dor, quando existam meios para evitá-la.

36
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

8 – Direito de ter conhecimento adequado de sua enfermidade, dos cuidados


terapêuticos e diagnósticos a serem utilizados e do prognóstico, respeitando
sua fase cognitiva, além de receber amparo psicológico quando se fizer
necessário.

9 – Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de


educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua
permanência hospitalar.

10 – Direito a que seus pais, ou responsáveis, participem ativamente do


seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, recebendo informações sobre os
procedimentos a que será submetida.

11 – Direito a receber apoio espiritual/religioso, conforme a prática de sua família.

12 – Direito de não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnósticas e


terapêuticas, sem o consentimento informado de seus pais ou responsáveis
e o seu próprio, quando tiver discernimento para tal.

13 – Direito de receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para a sua


cura, reabilitação e/ou prevenção secundária e terciária.

14 – Direito à proteção contra qualquer forma de discriminação, negligência


ou maus-tratos.

15 – Direito ao respeito à sua integridade física, psíquica e moral.

16 – Direito à preservação de sua imagem, identidade, autonomia de valores,


dos espaços e objetos pessoais.

17 – Direito a não ser utilizado pelos meios de comunicação de massa, sem


a expressa vontade de seus pais ou responsáveis ou a sua própria vontade,
resguardando-se a ética.

18 – Direito à confidência de seus dados clínicos, bem como direito


a tomar conhecimento deles, arquivados na Instituição, pelo prazo
estipulado em lei.

19 – Direito a ter seus direitos constitucionais e os contidos no Estatuto da


Criança e do Adolescente respeitados pelos hospitais integralmente.

20 – Direito a ter uma morte digna, junto a seus familiares, quando


esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis (CECCIM; CARVALHO
apud CALEGARI, 2003, p. 42).
37
Unidade I

Entre os direitos elencados no documento citado acima, destaca-se o 9º, que assegura à criança
e ao adolescente o direito de usufruir do acompanhamento escolar ou recreativo, de acordo com a
necessidade e sua enfermidade durante todo o período de sua internação.

Tendo em vista que algumas enfermidades impossibilitam o estudante de comparecer à escola, o


Ministério da Educação e do Desporto, por meio da publicação da Política Nacional de Educação Especial
assegura o atendimento que se denomina classe hospitalar. Em casos em que não haja a possibilidade
de locomoção do enfermo, o documento propõe que a educação em hospital seja realizada em salas
organizadas no hospital ou mesmo no leito. Barros (1999, p. 84) define a classe hospitalar como:
“ambiente hospitalar que possibilita o atendimento educacional de crianças e jovens que necessitam de
educação especial ou que estejam em tratamento hospitalar”. Com o objetivo de envolver as pessoas em
um projeto de educação a classe hospitalar, tenta-se minimizar os problemas decorrentes das doenças
que impossibilitam o estudante a frequentar a escola.

As diretrizes e bases da educação nacional, de acordo com a Lei 9.394 de 1996, artigo 58, estabelece
que educação especial é modalidade da educação escolar oferecida na rede regular de ensino para
educandos portadores de necessidades especiais. No parágrafo segundo deste artigo, fica assegurado
que esse serviço poderá se configurar em outros ambientes caso não seja possível sua integração nas
classes comuns do ensino regular, a saber:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.

§1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola


regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

§2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços


especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos,
não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular
(SAVIANI, 2003, p. 180).

De acordo com as Diretrizes Nacionais de Educação, de 11 de setembro de 2001, a resolução nº 2


garante que os sistemas de ensino integrados ao sistema de saúde devem organizar o atendimento
educacional especializado quando o aluno está impossibilitado de frequentar as aulas, em razão de
tratamento de saúde. Cita também que a classe hospitalar é a responsável pela educação desse aluno
durante o período de afastamento das atividades escolares regulares, bem como de sua reintegração ao
sistema escolar, a saber:

Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas


de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a
alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de
saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou
permanência prolongada em domicílio.
38
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

§1º. As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar


devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo
de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação
Básica, contribuindo para o seu retorno e reintegração ao grupo escolar,
e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não
matriculados no sistema educacional local, facilitando o seu posterior
acesso à escola regular.

§2º. Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de frequência deve ser
realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que
atende o aluno. (BRASIL, 2001a).

Em 2002, o Ministério da Educação e a Secretaria de Educação Especial publicaram o documento


mais recente sobre classe hospitalar, intitulado “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar:
estratégias e orientações”. O objetivo desse documento é estimular a criação do atendimento pedagógico
em ambiente hospitalar e domiciliar, de forma a assegurar a educação básica de alunos que, por motivo
de internação ou doença, precisam permanecer por um período no hospital ou em suas casas, não
podendo frequentar a rede regular de ensino, assim designado:

Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar


elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento
pedagógico-educacional do processo de desenvolvimento e construção
do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos
sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que se encontram
impossibilitados de frequentar escola, temporária ou permanentemente, e
garantir a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo
flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada
integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de
atenção integral. (BRASIL, 2002).

O intuito desse documento é contribuir para a humanização da assistência educacional hospitalar,


tendo como base a política de inclusão. Além disso, esclarece todas as questões que permeiam a
classe hospitalar, desde como deve ser feita sua implantação até o seu funcionamento: recursos
humanos, quadro de funcionários, integração com a escola, recursos e atendimento pedagógico,
entre outros.

Esse mesmo documento apresenta estratégias e orientações para o atendimento nas classes
hospitalares, assegurando o acesso à educação básica e traz orientações de informações como os dados
pessoais do aluno, de hospitalização e da escola de origem. O professor deve manter os registros em
uma ficha com os conteúdos que foram trabalhados e outras informações que se fizerem necessários.
Em casos que o estudante frequente por mais de três dias a classe hospitalar, a escola deve ser avisada
por contato telefônico, informando a participação nas aulas e obtendo informações referentes aos
conteúdos que estão sendo trabalhados, no momento, em sua turma. Após alta hospitalar, é enviado
relatório descritivo das atividades realizadas, do seu desempenho, posturas adotadas, dificuldades
39
Unidade I

apresentadas. Para a legitimação desse documento, é necessário o carimbo e assinatura do diretor


(escola da rede regular estadual) a fim de encaminhá-lo à escola de origem.

Segundo a proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) é obrigação do
Estado fazer com que toda criança disponha de todas as oportunidades possíveis para que os processos
de desenvolvimento e aprendizagem não sejam suspensos. A existência de atendimento pedagógico-
educacional em hospitais em nada impede que novos conhecimentos e informações possam ser
adquiridos pela criança ou jovem e venham contribuir tanto para o desenvolvimento escolar como
pessoal.

A classe hospitalar no Brasil apresenta inúmeros problemas, ainda que existam as leis citadas
anteriormente. Mesmo com a contribuição do documento proposto pelo MEC, que estabelece orientações
para o atendimento pedagógico em ambientes não escolares, notamos que é preciso mais esclarecimento
sobre a importância desse serviço para a comunidade e secretarias de educação e saúde, a fim de que
todos se tornem conscientes de sua importância para a garantia de qualidade de vida e continuidade de
atendimento escolar. O Estado e a sociedade devem priorizar e combater todos os fatores que afastam
crianças e adolescentes do sistema escolar, e não adianta apenas conhecer o problema, é preciso ter
princípios e criar condições para que estes sejam evitados.

Como podemos perceber, apesar da legislação caminhar lentamente em nosso país, hoje as crianças
e adolescentes doentes estão amparados legalmente. Assim, aqueles que necessitam ficar por um longo
período nos quartos de hospitais podem continuar suas atividades escolares que auxiliam muitas vezes
no tratamento da enfermidade, possibilitando-lhes o sentimento de pertencimento, de realização e
fazendo-os sentirem-se vivos e com perspectivas.

A reportagem a seguir foi publicada na Revista Nova Escola em março de 2009. Segue na íntegra em
função da sua relevância, pois chama a atenção para necessidade da capacitação de mais profissionais
na área de Pedagogia Hospitalar, bem como sua importância durante o tratamento dos pequenos
pacientes.

Ensino nas horas difíceis

Lecionar para estudantes internados exige preparo psicológico para lidar com as famílias,
os médicos, as escolas... e a morte

Em 2007, quando entraria no Ensino Fundamental, o pequeno índio wapixana Frank


Silva ficou doente. Teve um câncer diagnosticado e precisou sair de Roraima, onde morava,
para buscar ajuda especializada. Desde o ano passado, está internado em São Paulo. Mas
não foi esse imprevisto – nem a forte medicação que vem tomando – que o deixou fora da
escola. Matriculado desde o começo do tratamento em uma classe dentro do Hospital do
Câncer, ele não só foi alfabetizado como já está na 2ª série.

Frank é uma das 65.956 crianças que estudaram em salas adaptadas ou no próprio
leito em 2007, segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
40
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Educacionais Anísio Teixeira. Apesar do público numeroso, a modalidade ainda não é uma
realidade em todo o território nacional. O próprio Ministério da Educação (MEC) reconhece
que há carências graves pelo país – são 850 hospitais oferecendo o atendimento, em um
universo de quase 8 mil unidades.

Além disso, especialistas alegam que as experiências em curso nem sempre ocorrem num
contexto ideal. “Há o déficit de profissionais para atuar do 6º ao 9º ano. E, em muitos lugares,
o voluntário ainda atua no lugar do educador”, diz Eneida Simões da Fonseca, professora do
Departamento de Estudos em Educação Inclusiva e Continuada da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro. Na prática, é a equipe médica que deve acionar as secretarias de Educação
assim que um estudante da rede pública dá entrada com alguma doença severa (para
os oriundos da particular, é a própria escola que deve providenciar o serviço). Em alguns
Estados e municípios, já existe inclusive um quadro de docentes previamente concursados
e preparados para a função, e é junto a esses órgãos que interessados no emprego devem
procurar orientações. “Cabe aos governos locais oferecer a mão de obra e as capacitações
necessárias. Tudo para que o aluno se atrase o mínimo possível no ritmo de sua turma
original”, diz Martinha Dutra dos Santos, coordenadora-geral da Secretaria de Educação
Especial do MEC.

Apesar de ser chamada tecnicamente de classe, a aula é individual, nos leitos ou em salas
cedidas pela unidade de Saúde. Diferentemente de uma escola regular (onde é possível fazer
atividades de longa duração), cada tarefa precisa ter início, meio e fim no mesmo dia. “É
um ritmo estranho. Eu posso planejar tudo hoje e, amanhã, o estudante recebe alta. Daí eu
tenho que fazer coisas novas para outra criança que acabou de chegar”, conta a professora
Geane Yada, do Hospital Darcy Vargas, em São Paulo. A carga horária também muda. O
educador pode iniciar uma conversa e, em instantes, ter de parar devido a uma indisposição.
O indicado é que o aluno consiga ter o mesmo conteúdo e a mesma carga horária da escola.
Mas, com o sobe-e-desce do tratamento, isso nem sempre é possível.

Assim que um estudante chega para tratamento, o titular da classe hospitalar deve
chamar a família e o futuro aluno para conversar sobre sua situação. Normalmente, um
coordenador pedagógico articula essa fase. Em seguida, o docente entra em contato com a
escola para solicitar o currículo que a criança seguiria e também as atividades já realizadas.
Cabe à unidade de ensino encaminhar todas as tarefas previstas para que o aluno faça em
sua internação – inclusive as provas, que serão devolvidas para a correção pelo educador
da turma regular.

A professora Célia Wiczneski, coordenadora pedagógica do Hospital do Trabalhador, em


Curitiba, conta que essa relação não é fácil e, como já aconteceu, a escola muitas vezes nem
sabe que um estudante adoeceu. “Hoje é mais fácil conversar. Mas, no início, eu precisei
bater o pé. E, quando não tinha solução, ligava para a Secretaria de Educação e contava o
que estava acontecendo.” Foi com tanto empenho que garantiu a continuidade nos estudos
de vários jovens como Felipe Eduardo Alves da Silva, 9 anos, que está na 4ª série e sofre de
osteomielite (infecção óssea) e precisa de internações sucessivas.
41
Unidade I

Para trilhar esse caminho, o MEC sugere articular a programação de atendimento em


dois momentos. No primeiro, o docente trabalha com os conteúdos definidos num currículo
próprio, geral, que tem por base os Parâmetros Curriculares Nacionais. “É para evitar atrasos
em caso de demora no envio dos materiais pela escola de origem”, explica Rosemary Hilário,
coordenadora do Hospital do Câncer. No segundo, já de posse da papelada, a equipe do
hospital adapta o trabalho pedagógico de acordo com o histórico do aluno, muitas vezes
lançando mão de uma avaliação inicial.

Uma articulação especial é necessária quando o estudante apresenta um quadro clínico


que requer idas e vindas constantes. É o caso de Eula Carla de Lima, 12 anos. Ela está na 6ª série,
sofre com displasia (anomalia) na tíbia esquerda e precisa passar por cirurgias frequentes,
também no Hospital do Trabalhador. Para ela, o ano escolar acontece simultaneamente na
unidade regular em que estava matriculada e no hospital.

Mas, como contam os profissionais, a questão mais delicada em todo o trabalho é lidar
com a morte. Enquanto esta reportagem estava sendo feita, uma aluna do Darcy Vargas
faleceu. Para Rosemary, são coisas que acontecem. “Temos de encarar da mesma forma que
faríamos em uma turma regular”, argumenta. “E, na hora que os familiares chegam para
conversar com você, não podemos esquecer que não somos psicólogos para dar orientações.
A melhor coisa é ouvir.” Atualmente, já existem até cursos de especialização para ajudar os
professores a enfrentar e se adaptar a todas essas situações.

Obrigação está na lei

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deu início à formalização


do funcionamento das classes hospitalares, determinando aos governos “garantir
atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular”. Em 2001, o Conselho Nacional de Educação, no artigo
13º da Resolução nº 2, tratou da obrigatoriedade do sistema e utilizou, pela primeira vez,
a nomenclatura “classe hospitalar”. Desde então, ficou definido que “os sistemas de ensino,
mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento
educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de
tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou
permanência prolongada em domicílio”. Com base nas regras anteriores, a Secretaria de
Educação Especial do MEC elaborou em 2002 os termos reguladores que detalham o trabalho
dentro das unidades de Saúde. Cabe aos Estados e municípios adaptar essa legislação
nacional e traçar orientações específicas para cada rede de ensino.

Os cuidados para uma boa reintegração

A volta para a escola precisa ser pensada com antecedência e levar em conta eventuais
adaptações estruturais necessárias, como a construção de rampas para os jovens que passam
a usar cadeira de rodas, o que, diga-se de passagem, deve existir independentemente da
presença de alunos com essa necessidade, é uma questão regulamentar. A montagem bem
42
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

feita de uma pasta ou arquivo, com toda a documentação sobre o período de internação,
também é essencial. Devem ser reunidos os exercícios feitos, os exames aplicados e os
relatórios com a carga horária total do atendimento, os conteúdos abordados e as principais
dificuldades encontradas, inclusive com as observações feitas pelo docente que acompanhou
o aluno durante sua internação, instrumento que é fundamental para a sequência do
trabalho.

A aplicação de provas para medir o nível do aluno em seu retorno não é defendida pelo
MEC. O ideal, para o órgão, é que a equipe pedagógica estude os materiais enviados pelo
hospital para chegar a um diagnóstico. A sensibilização da comunidade escolar também é
essencial e ajuda a evitar comentários maldosos ou qualquer outra forma de tratamento
discriminatório. Como contam os especialistas, a manutenção do vínculo com a unidade
de ensino durante o período de afastamento é a melhor arma contra os problemas, já que
todos estão cientes do processo.

Ensino que faz bem

Além de permitir que o aluno internado não perca tempo nos estudos e continue
acompanhando o currículo de sua escola, as atividades nas classes hospitalares são apontadas
por estudos como aliadas da recuperação clínica dos estudantes. Uma pesquisa conduzida
pela professora Izabel Cristina Silva Moura, do Instituto Helena Antipoff, vinculado à
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, acompanhou 50 crianças por um mês
em três hospitais diferentes da cidade. Ela observou que o grupo que assistia às aulas teve
níveis de estresse menores do que os que não passavam pelo atendimento, de acordo com
uma escala especial para esse tipo de análise.

Informalmente, essa também é uma constatação diária das educadoras que trabalham
com jovens doentes. Em 2000, conta a professora Rosemary Hilário, do Hospital do Câncer,
a prefeitura de São Paulo deu férias coletivas para todos os docentes, inclusive os que não
atuavam nas unidades regulares. Até então, a classe de lá ficava aberta nas férias. Durante
o recesso, os médicos que cuidavam dos estudantes internados relataram que as crianças
usaram o dobro de analgésicos. “E, quando eram perguntadas sobre as dores, elas não
sabiam responder”, lembra. “Achamos que isso foi causado pelo ócio. Os alunos precisam se
ocupar, esquecer que estão numa situação delicada”, diz. Desde então, a classe fica aberta o
ano todo, com esquema de revezamento entre os professores no período de festas.

BIBIANO, 2009.

3 A PEDAGOGIA HOSPITALAR

Como é possível notar, o surgimento de novos espaços educativos, como o hospital, enfrenta um
grave problema: a escassez de profissionais em relação à demanda. Ercília Teixeira de Paula traz reflexões
nesse sentido:

43
Unidade I

É preciso considerar que a construção do currículo para crianças e


adolescentes hospitalizados requer não somente conhecimento técnico e
formação pedagógica dos professores para a realização desse trabalho, mas
conhecimento das características sociais, emocionais, culturais das crianças
hospitalizadas e de suas patologias. É preciso que o professor conheça as
normas e regras hospitalares, a estrutura hospitalar, suas nuances e tenha
capacidade de adequar os seus conhecimentos a essas estruturas. Além
destes aspectos, esse profissional precisa ter clareza do papel do professor
no hospital e a metodologia de trabalho que irá adotar, pois as salas de aulas
nos hospitais são multisseriadas com crianças e adolescentes com idades,
níveis de escolarização, patologias e cidades diferentes. Elementos como a
criatividade, capacidade de resolver problemas em situações inesperadas e
de lidar com a diversidade, também precisam ser incorporadas na dinâmica
do trabalho do professor (PAULA, 2007, p. 3).

Em um ambiente tão complexo como o hospitalar, a primeira necessidade que surge na ação docente
é a mudança de paradigma. O termo paradigma aqui representado surge nos escritos de Thomas Khun
(1962) em seu livro “A estrutura das revoluções científicas” (Vasconcellos, 2002) e irá nortear a discussão
que prossegue acerca da percepção do professor que está inserido em uma classe hospitalar. A palavra
paradigma vem do grego, parádeigma, significa modelo, padrão e se define com o estabelecimento
de padrões ou conjunto de regras, regulamentos que fornecem limites dizendo como ter sucesso nas
situações problemas dentro desses mesmos limites.

Além de influir sobre nossas percepções, nossos paradigmas também


influenciam nossas ações: fazem-nos acreditar que o jeito como fazemos
as coisas é o “certo” ou “a única forma de fazer”. Assim, costumam impedir-
nos de aceitar ideias novas, tornando-nos pouco flexíveis resistentes às
mudanças (VASCONCELLOS, 2002, p. 31).

Segundo Paula (2007), o professor, ao trabalhar impregnado de uma prática educativa tradicional,
deverá inicialmente compreender que mesmo amparada legalmente, a educação hospitalar oscila entre
a educação formal e informal. Dessa forma, é necessária uma visão mais ampla de sala de aula, ou seja,
que fuja dos padrões, pois o aluno requer não apenas que o professor possua conhecimentos específicos,
mas que compreenda que se trata de necessidades mais específicas. O aluno precisa de acolhimento
intelectual e emocional diante de sua condição “enferma” e nas suas crenças sobre o estar vivo.

3.1 O professor hospitalar

Diante do estabelecimento legal, hospitais públicos passaram a incorporar projetos de escolarização


hospitalar, fato que traz uma diversidade de personagens, muitos sem contato anterior com a escola
formal e em condições sociais precárias. Vasconcellos reflete sobre estes fatos:

O professor hospitalar precisa estar atento a essas questões, pois senão


podem reproduzir no hospital práticas mecanicistas, excludentes, as quais
44
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

ocorrem em algumas escolas do ensino regular que podem levar as crianças


a se sentirem duplamente excluídas: por estarem hospitalizadas e por
não conseguirem acompanhar as aulas na escola do hospital. É preciso
considerar que muitas crianças e adolescentes que estão internados em
hospitais públicos no Brasil, em sua maioria, apresentam um quadro de
extrema miséria e exclusão social e tiveram o seu primeiro contato com
a escola dentro do hospital. Portanto, essa escola possui um significado
expressivo na vida dessas crianças, pois faz com que elas se sintam sujeitos
de direitos e que pertencem a uma sociedade que todos devem ter acesso
a escola, independente de suas condições físicas, econômicas e sociais
(VASCONCELLOS, 2002, p. 3).

Não estar inserido socialmente não é fácil para ninguém, ainda mais para uma criança ou
jovem. Assim, a Pedagogia Hospitalar, em termos inovadores, representa uma oportunidade social,
individual e cognitiva de inserção do educando. Vasconcellos (2002) esclareceu que a mudança
de paradigma não passará apenas pela vivência do aluno, mas do professor. A vivência de novas
experiências colocará os alunos diante de seus limites mobilizando novo saberes, práticas e uma
multiplicidade de conhecimentos. A avaliação e reavaliação do trabalho do educador, bem como o
seu emocional, são testados diariamente diante das doenças que seus alunos apresentam. Assim, o
processo pedagógico insere-se em condição de grande dificuldade e a concepção do que é educar,
no ambiente de saúde, deve ser renovada para permitir que o educador realize aquilo que é possível
diante da situação.

Devemos compreender que nem sempre essas crianças terminaram com alta, por isso conviver com
essa realidade de incertezas e medos exige o preparo didático-pedagógico, uma estrutura psicológica
sólida, equilibrada e potencializada. A definição e implementação de procedimentos de coordenação,
avaliação e controle educacional devem ocorrer na perspectiva de aprimoramento da qualidade do
processo pedagógico. A realidade das crianças que se enquadram na internação hospitalar é muito
difícil, delicada e repleta de hesitações devido à alternância de sucessos e dificuldades nos períodos de
incubação das doenças. Literalmente falando, trabalha-se com pessoas que podem vir a óbito e isso deve
ser levado em consideração, a questão psicológica e o preparo dos profissionais nesse sentido devem ser
constantes. O pedagogo deverá articular e direcionar o trabalho dos professores em sua ação educativa,
determinando conteúdos, elaborando planos de aula conjuntos e colaborando para garantir o respeito
às necessidades individuais de cada aluno.

O dever do pedagogo é, por conseguinte, substituir compromissos induzidos


pela ideologia dominante por uma visão crítica, que capte a realidade
como uma totalidade em um permanente movimento e faça da práxis sua
filosofia de vida. Se o compromisso só é válido quando está carregado de
humanismo, esse, por sua vez, só é consequente quando está fundamentado
cientificamente (MATOS; MUGIATTI, 2001, p. 43).

Assim, o professor deverá desenvolver, de forma mais lúdica e prazerosa, atividades direcionadas
aos alunos. Contudo, Wiles (1987, p. 640) destaca que a função do professor de classe hospitalar não é
45
Unidade I

a de manter as crianças ocupadas, mas garantir que as atividades permeiem os aspectos psicológicos
permitindo um encontro criativo e amoroso. E não se trata de uma ação assistencialista ou compassiva,
mas solidária e humanista, além, evidentemente, do cumprimento de um dever do Estado no atendimento
ao direito do cidadão.

Para Matos e Mugiatti (2001, p. 35), a discussão em relação à educação no âmbito hospitalar não se
pautará nas questões cognitivas, mas nas questões sociais, visto que a integração de diversos profissionais
propiciará objetivos mais amplos, ou seja, a inter-relação sobre o conhecimento e o contexto permitirá
ao educador vislumbrar soluções por meio de outras fontes, assumindo o compromisso de transformação
pessoal e social. Contudo, é a presença do pedagogo que garante o direito à educação, e isso independe
de o aluno estar em outro ambiente que não a escola. Marques (2007) compreende que o trabalho do
pedagogo irá assegurar a ponte entre aluno-família-escola, sendo esse profissional indispensável ao
funcionamento adequado do ambiente hospitalar.

3.2 Interdisciplinaridade e autoestima

A interdisciplinaridade é chave para o trabalho pedagógico, pois o olhar não deve estar apenas
no aspecto biológico, mas associado à percepção dos estados biológico, psíquico, espiritual do aluno
paciente. Suas condições motoras, químicas, bem como ansiedade, frustrações, medos, estão entre os
fatores que ampliam a escutas pedagógicas e influem para uma aprendizagem mais flexível. Sobre isso,
Matos e Mugiatti esclarecem que:

[...] nem seria justo que recaísse toda a responsabilidade da criança


(ou adolescente) hospitalizada somente nos ombros do médico, mas
compartilhada entre os elementos da equipe (médicos, enfermeiros,
psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e demais profissionais necessários
nesse contexto) de forma interdependente, com unicidade de objetivos e
atribuições específicas (MATOS; MUGIATTI, 2001, p. 93).

Nesse sentido, cabe ao professor manter o vínculo da criança ou o adolescente hospitalizado com a
escola. Isso remete à necessidade profissional de formar, nos cursos superiores, profissionais capazes de
gerir uma nova demanda de conhecimento em relação ao ambiente hospitalar. Cinthya V. A. de Menezes
(2004, p. 23) sugere que conteúdos introdutórios sobre ambiente hospitalar; metodologia do trabalho
nesses ambientes e prática de ensino do trabalho pedagógico em hospital sejam inseridos como sugestão
em cursos de Pedagogia. A autora acrescenta a importância da introdução de informações científicas
acerca dos diferentes tipos de doenças e procedimentos na ação do educador, assim como destaca como
necessária a integração com os vários enfoques como Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise, Serviço Social
e Terapia Ocupacional.

A hospitalização é um grande desafio para a aprendizagem, já que está diretamente relacionada à


autoestima. Principalmente em se tratando de crianças que, afastadas do seu convívio social e escolar,
precisam superar os conflitos gerados por esse quadro de isolamento. A autoestima está relacionada
com a autopercepção, isto é, o julgamento sobre si próprio, suas habilidades e capacidades (Bee,

46
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

1977). A autoestima elevada indica pensar bem de si, reconhecer o valor de suas habilidades pessoais,
transferindo-se respeito e consideração.

Mas, grande parte de seu autoconceito, o grau de autoestima, é favorecido


em sua percepção do que as outras pessoas pensam dela. Por exemplo, uma
criança pode ser considerada desajeitada porque ela foi assim chamada
ou porque sua ocasional falta de coordenação tem sido excessivamente
enfatizada (BEE, 1977, p. 221).

Bee (1977, p. 221), ainda ressalta que tão importante quanto à autoestima da criança em relação
a si para a melhora da patologia é a interação entre o emocional e o raciocínio na construção do
desenvolvimento cognitivo. Oportunizar ao enfermo a percepção de que as limitações causadas pela
doença não necessariamente influenciarão o desenvolvimento do aprendiz assegura que sua autoestima
se eleve, assim o enfermo ganha forças para que supere aquele momento difícil.

É claro que o desenvolvimento do autoconceito é um importante evento


evolutivo. O que a criança sabe e acredita que ela seja afetará todas as
suas interações com os outros e, por influência o tipo de coisas que a
criança irá tentar. O autoconceito pode ter efeitos bastante amplos sobre o
desenvolvimento de novas habilidades (BEE, 1997, p. 221).

Desenvolver novas habilidades nos alunos para que enfrentem a doença de forma positiva é a
tarefa da Pedagogia Hospitalar. Educar no ambiente hospitalar é compreender a educação também
como terapia no apoio de recuperação dos alunos. É uma forma proativa perante o mundo que cerca
o indivíduo, uma capacidade de impor-se diante de um problema de modo positivo, um olhar de
consideração sobre si mesmo, ou simplesmente amor-próprio; percebe-se a importância da educação
no ambiente hospitalar demonstrando seu papel terapêutico no processo de apoio aos alunos.

Nesse contexto, a Pedagogia Hospitalar pode contribuir para a manutenção da


reação orgânica desejável do indivíduo, pois atua reforçando indiretamente
a sua autoestima ao conferir-lhe possibilidade de continuidade de
desenvolvimento de capacidades cognitivas, psicomotoras, bem como lhe
restituir um espaço de convivência social do qual é abruptamente afastado
(MENEZES, 2004, p. 27).

Contudo, vale ressaltar que as práticas educativas não devem ficar a cargo de um único
profissional: em diversos hospitais uma equipe multidisciplinar é organizada (professores, arte-
educadores, profissionais de teatro, dança, psicologia, musicoterapia, palhaços, entre outros) com
as mais variadas funções, mas com um único objetivo: a melhora do paciente. De acordo com Paula
(2007), ao desenvolver atividades com equipes multidisciplinares, as atividades são divididas em dois
polos: práticas educacionais e práticas recreativas. As primeiras referem-se ao acompanhamento da
escolarização e demais processos vivenciados na aprendizagem, enquanto as segundas possibilitam
aos alunos diversão.

47
Unidade I

3.2.1 As múltiplas inteligências

Essa proposta de trabalhar com equipes multidisciplinares é embasada à luz da Teoria das Inteligências
Múltiplas, de Howard Gardner (1999), que proporciona ferramentas no desenvolvimento cognitivo
dessas crianças em diversas vertentes. O autor redefine a inteligência como “potenciais que podem ou
não ser ativados pelas oportunidades disponíveis na cultura onde a pessoa está inserida” (GARDNER
apud TRAVASSOS, 2001, p. 43). O autor chama a atenção para as inteligências múltiplas que se inter-
relacionam:

1. Lógico-matemática: capacidade de analisar problemas, operações.


2. Matemáticas e questões científicas.
3. Linguística: sensibilidade para a língua escrita e falada.
4. Espacial: capacidade de compreender o mundo visual de modo minucioso.
5. Musical: habilidade para tocar, compor e apreciar padrões musicais.
6. Físico-cinestésica: potencial de usar o corpo para dança, esportes.
7. Intrapessoal: capacidade de se conhecer.
8. Interpessoal: habilidade de entender as intenções, motivações e desejos dos outros.
9. Naturalista: sensibilidade para compreender e organizar os padrões da natureza.

O pedagogo é o grande destaque diante da proposta, caberá a ele estimular espaços cognitivos
e interpessoais no sentido de fomentar a busca dos alunos em classe hospitalar por sua autonomia,
autoimagem e autoestima inter-relacionadas às inteligências múltiplas. Freitas destaca sobre o projeto:

O espaço de ensino em que é veiculada a Teoria das Inteligências Múltiplas


favorece a livre circulação da aprendizagem, proporcionando a todos os
alunos a oportunidade de manejar significativamente o conhecimento. Ao
serem revisitados os fundamentos teóricos, constatou-se a veracidade das
ideias de Gardner quando defende a “visão pluralista da mente”, emprestando
sentido ao trabalho escolar que atente para o valor da alteridade, seja ele
implementado em escola ou hospital. O essencial é dar fomento para que
o aprendente aproveite, com prazer, o máximo de seu aparato intelectual.

Logo, a importância da Teoria das Inteligências Múltiplas aplicada na


educação acena para uma assistência direcionada que pretende tornar
iguais os infantis sem diferenciação dos alunos hospitalizados e alunos em
escola regular (FREITAS, 2005, p. 114).

A educação não se pauta na simples transmissão de conhecimentos e teorias: o foco é o aluno, que
necessita sentir-se íntegro em relação à sua condição, sendo considerado por suas potencialidades e
não por suas dificuldades de saúde. Portanto, caberá ao pedagogo utilizar a criatividade com base nas
48
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

mais inovadoras teorias que explorem a alegria, o riso e o colorido para os alunos, respeitando seus os
limites diante do tratamento.

Dessa forma, a classe hospitalar necessita, certamente, que a visão entre saúde e humanização estejam
interligadas; os profissionais envolvidos nesse ambiente devem motivar os doentes, possibilitando que
continuem ativos socialmente. Assim, as atividades propostas pelos profissionais são extremamente
importantes para que se sintam estimulados, úteis e com perspectivas de vida normal. Portanto, a
interação entre as diversas áreas e a participação da família no tratamento das crianças e dos jovens
doentes possibilitam uma melhora na qualidade de vida do doente.

4 ESTRATÉGIAS E A CLASSE HOSPITALAR

Ao trabalhar com classe hospitalar, algumas estratégias pedagógicas contribuem para a melhora do
paciente, pois permitem que ele não fique ocioso, o que contribui para sua recuperação. “A prática do
pedagogo dar-se-á através das variadas atividades lúdicas e recreativas como a arte de contar histórias,
brincadeiras, jogos, dramatização, desenhos e pinturas, a continuação dos estudos no hospital” (WOLF,
2007, p. 2). Segundo Matos e Muggiati (2001, p. 20), várias dessas práticas são asseguradas pela lei
em hospitais, outras são resultados de pesquisa e reflexões científicas de profissionais e estudiosos
envolvidos no contexto.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito à educação


é dever não só da escola, mas da sociedade, na qual se devem buscar
alternativas que amenizem as dificuldades encontradas em muitas situações.
Neste contexto, surge uma nova área de atuação para os profissionais
da educação: o hospital. O enfermo hospitalizado, principalmente, em se
tratando da criança e do adolescente, passa por uma experiência dolorosa
de privação de saúde e de liberdade, passa pela dor física e pelo desequilíbrio
emocional, acarretado devido à sensação de abandono no ambiente
hospitalar dificultando a cura e prolongando o tratamento. Esse quadro se
reflete na vida escolar da criança a qual, muitas vezes, acaba perdendo o
ano letivo.

A finalidade da Pedagogia Hospitalar é integrar educadores, equipe médica


e a família, num trabalho em conjunto permitindo ao enfermo, mesmo em
ambiente diferenciado, integrar por meio de ações, lúdicas, recreativas e
pedagógicas novas possibilidades, de forma a dar continuidade a sua vida
escolar, de maneira a beneficiar sua saúde física, mental e emocional. Este
trabalho deve integrar mudanças no ambiente físico hospitalar tornando-o
mais alegre e aconchegante com projetos pedagógicos adequados (MATOS;
MUGIATTI, 2001, p. 20).

Como podemos perceber, algumas práticas devem ser inseridas ao cotidiano no atendimento
a crianças e adolescentes hospitalizados. No entanto, para que essas atividades sejam executadas, é
necessário que o educador esteja apto e aberto às mais variadas adversidades, devendo sempre manter
49
Unidade I

um ambiente acolhedor e humano para que o educando sinta-se à vontade e capacitado para realizar
suas tarefas.

A seguir, apresentaremos algumas práticas pedagógicas que possibilitam ao educando conviver com
a doença de forma mais humana e que permitam que as potencialidades sejam ressaltadas.

4.1 Atendimentos lúdicos integrados em hospitais

A sensação de bem-estar e tranquilidade que atividades lúdicas podem propiciar a crianças e


adolescentes que estão em tratamento em um hospital podem diminuir o estresse produzido pelo
momento da internação. Atividades lúdicas integradas em hospitais podem trazer aconchego e
relaxamento, por exemplo, na aplicação de uma determinada medicação. No trabalho com crianças em
tratamento de câncer, durante aplicação quimioterápica, as brincadeiras colocam “a atividade lúdica
como uma estratégia cognitivo-comportamental por meio da qual a criança com câncer pode obter
certo controle sobre a situação a ser enfrentada” (MOTTA; ENUMO, 2004, p. 21).

Figura 15 – Crianças em classe hospitalar

Para as autoras, a importância do brincar ganha relevância e se dissemina como nova cultura em
hospitais, principalmente a partir do trabalho do médico no filme americano Patch Adams (1999).
Algumas considerações são relatadas em outros estudos que perceberam a oportunidade salutar dessa
ferramenta quando utilizada pela equipe multidisciplinar.

No trabalho de Lindquist (1993), por exemplo, o brinquedo é utilizado


como recurso capaz de proporcionar às crianças atividades estimulantes e
divertidas, mas que tragam calma e segurança. O brinquedo também pode
ser utilizado de forma específica, por meio do palhaço, com a função de
alegrar o ambiente e amenizar as sensações desagradáveis da hospitalização,
humanizando o contexto hospitalar. Masetti (1997) conta a experiência
positiva do grupo “Doutores da Alegria” na tarefa de levar o palhaço até as
crianças hospitalizadas.

50
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Seguindo esse mesmo caminho, Françani e cols. (1998) relatam as


transformações diárias que a introdução de palhaços por meio da
“Companhia do Riso” trouxe ao contexto hospitalar, tornando-o mais
descontraído. Em seu trabalho sobre a utilização do brincar em enfermaria
pediátrica, Saggese e Maciel (1996) discutem a questão: “Brincar – recreação
ou instrumento terapêutico?”, ressaltando que os programas hospitalares
que utilizam a recreação visam geralmente à ocupação de tempo ocioso.
Propõem, porém, que a atividade lúdica, nesse contexto, seja olhada como
instrumento terapêutico a serviço da intervenção médica (MOTTA; ENUMO,
2004, p. 19-28).

Diante da pergunta “O que você gostaria de fazer no hospital?”, a resposta foi brincar, segundo
pesquisa realizada por Motta e Enumo (2004). Essa resposta é resultado do desejo do paciente; a
atividade lúdica é a ponte entre o momento anterior a doença e o período em que a criança se encontra
em tratamento, muitas vezes para tratamentos penosos e longos.

O Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz desenvolveu interessante trabalho no Programa Saúde e


Brincar:

Implementado em 1994, o Saúde e Brincar – Programa de Atenção Integral


à Criança Hospitalizada – é um programa interdisciplinar de assistência,
pesquisa e ensino vinculado ao Departamento de Ensino do Instituto
Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Tem como
objetivo geral a discussão e investigação das questões que envolvem a
experiência do adoecimento e da hospitalização na infância e adolescência, e
promoção de ações de humanização junto a esta população em atendimento
nas enfermarias e ambulatórios deste Instituto. A assistência se dá através
da atividade lúdica que se apresenta como uma intervenção terapêutica.

Este programa visa não somente à criança, mas às relações entre ela, seus
acompanhantes e equipe de saúde, uma vez que interferem no processo de
adoecimento e no curso do tratamento (INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA/
FIOCRUZ, 2008).

O principal objetivo do Projeto Saúde e Brincar, segundo Junqueira (2003, p. 195), foi compreender
como a ferramenta lúdica favorece as relações entre a criança, a equipe e a mãe nas enfermarias
pediátricas. O foco foi a prevenção primária em populações de risco para saúde mental. Junqueira
ressalta:

[...] a hospitalização da criança leva-a a se confrontar com um estado de


desamparo, ao perceber sua fragilidade corporal que resultou no adoecimento,
originando reações diversas como regressões, estados depressivos, fobias e
transtornos de comportamento (JUNQUEIRA, 2003, p. 193).

51
Unidade I

O autor explica ainda a importância de brincar, pois é um facilitador ao acesso simbólico para as
crianças. Diante da realidade da enfermaria pediátrica com pacientes, na sua maioria acometidos de
doenças crônicas, foi utilizado como um dispositivo poderoso de auxílio ao fortalecimento do vínculo
entre mãe e filho. É comum nas histórias de longas internações que a mãe (ou acompanhante) se
encontre exausta em sua saúde física e mental, contaminando a relação com a criança, principalmente
com comportamentos irritadiços e inquietação. Ver os filhos brincando, como descreve Junqueira (2003)
no relato do projeto, traz à mãe um sinal de bem-estar, pois a brincadeira é entendida como sinal de
saúde.

É possível notar, mais uma vez, que a atividade lúdica é o elemento de interação social, possibilitando
tanto a família quanto ao doente um momento de comunicação que não remete a doença.

Figura 16 – Atividade lúdica

4.1.1 A sala de espera

O momento de espera em um hospital, seja para uma consulta ambulatorial ou para tratamento de
doenças crônicas, gera estresse, pois esse tempo, em geral, é caracterizado pela ociosidade e impaciência,
tanto por parte do paciente como da família. Segundo Silva e Uchôa, transformar esse período em uma
atividade educativa pode ser de grande valia.

O objetivo é garantir o acesso à escolarização em atendimento-dia, ou seja,


o acesso à educação a crianças impossibilitadas de frequentar a escola por
estarem em atendimento ambulatorial-dia, o que ocorre, muitas vezes, em
função de doenças crônicas. Essa modalidade de ação configura-se como
sendo o trabalho educativo realizado com crianças e/ou adolescentes que
frequentam a unidade hospitalar para tratamentos ambulatoriais (SILVA;
UCHÔA, 2007, p. 8).

A ação pedagógica no ambulatório pediátrico em uma situação de tratamento do câncer, por


exemplo, como sugere Souza (2007), pressupõe um longo acompanhamento ambulatorial e afastamentos
constantes da escola por parte dos alunos-pacientes.
52
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Figura 17 – Esperança

Souza (2007) explica que a simples utilização de carrinho metálico devidamente esterilizado contendo
vários materiais pedagógicos, os quais, desse modo, podem ser movimentados mais facilmente, permitem
que atividades lúdicas sejam realizadas, essas valorizam e possibilitam o desenvolvimento cognitivo e
afetivo daqueles que aguardam por atendimento hospitalar.

Com base em Jacques Delors (1998), Gadotti (2000) aponta a necessidade de uma aprendizagem
ao longo de toda a vida. Entre os quatro pilares para orientar esse tipo de educação está o aprender a
conhecer, que significa:

Prazer de compreender, descobrir, construir e reconstruir o conhecimento,


curiosidade, autonomia, atenção. Inútil tentar conhecer tudo. Isso supõe
uma cultura geral, o que não prejudica o domínio de certos assuntos
especializados.

Aprender a conhecer é mais do que aprender a aprender. Aprender mais


linguagens e metodologias do que conteúdos, pois estes envelhecem
rapidamente.

Não basta aprender a conhecer. É preciso aprender a pensar, a pensar a


realidade e não apenas “pensar pensamentos”, pensar o já dito, o já feito,
reproduzir o pensamento. É preciso pensar também o novo, reinventar o
pensar, pensar e reinventar o futuro (GADOTTI, 2000, p. 3-11).

Portanto, fica evidente que aquela aparência de tristeza que, por vezes, permeia o ambiente
ambulatorial pode ser um espaço de conhecimento e interação entre paciente e equipe. Vista por esse
ângulo, a sala de espera pode produzir histórias mais solidárias, beneficiando assim a todos.

4.1.2 Brinquedoteca

A brinquedoteca é lugar de socialização para estimular a criatividade, possibilitando à criança


durante o “faz de conta” externar seus sentimentos de forma lúdica. Vigotski afirma: “a ação em uma
53
Unidade I

situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata
dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação”
(VIGOTSKI, 1986, p. 110). O brincar na construção de novas teorias, na percepção de situações vividas
e como ferramenta restauradora do equilíbrio psíquico é razão que faz da brinquedoteca um lugar de
aprendizagem, pois se considera um caminho de tornar o ser mais feliz.

Observação

A utilização de brinquedos na prática educativa é comum e faz parte da


formação das crianças. Contudo, o uso desses objetos de maneira formal é
recente na prática do pedagogo.

No Brasil, a brinquedoteca surgiu em 1971, no Centro de Habilitação da APAE, em São Paulo, com o
intuito de emprestar brinquedos às crianças hospitalizadas e rapidamente se espalharam por diversos
hospitais. Verificou-se que, ao brincar, a criança retoma um ambiente de normalidade, isso permite
resgatar a criatividade, autoestima e a alegria de viver. Assim, o espaço destinado à brinquedoteca
ameniza o sofrimento e o trauma trazido pela vida no hospital.

Ao reconhecer que o ambiente hospitalar é um lugar que traz sofrimento, a brinquedoteca possibilita
que a criança viva com mais naturalidade esse momento de tensão; é uma prática da ação pedagógica
que facilita o acesso ao universo infantil permitindo ao educador exercer função de acolhimento e
mediação. Ao verificar, mediante as mais variadas teorias, que o ambiente favorecia a melhora da criança
ou adolescente, o Congresso Nacional decretou e sancionou a Lei 11.104, de 21 de março de 2005, que
dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas em unidades de saúde:

Art. 1º. Os hospitais que ofereçam atendimento pediátrico contarão,


obrigatoriamente, com brinquedotecas nas suas dependências.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se a qualquer


unidade de saúde que ofereça atendimento pediátrico em regime de
internação.

Art. 2º. Considera-se brinquedoteca, para os efeitos desta Lei, o espaço


provido de brinquedos e jogos educativos, destinado a estimular as crianças
e seus acompanhantes a brincar.

Art. 3º. A inobservância do disposto no art. 1º. desta Lei configura infração à
legislação sanitária federal e sujeita seus infratores às penalidades previstas
no inciso ll do art. 10 da Lei n.o 6.437 de 20 de agosto de 1977.

Art. 4º. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua
publicação (BRASIL, 2005).

54
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Diante da representação simbólica que o brinquedo propicia a criança. Vigotski (1986, p. 110)
enfatiza que é no brinquedo que a criança aprende a agir em uma esfera cognitiva; afirma-se que no
brincar as crianças estabelecem laços de amizade que auxiliam o desenvolvimento afetivo, cognitivo
e social.

Figura 18 – Brinquedoteca

A brinquedoteca não é apenas um amontoado de brinquedos em um lugar, mas deve ter


um brinquedista, e para ser um brinquedista, antes de tudo, deve ser um educador, pois o
conhecimento desse profissional é amplo em relação aos brinquedos, jogos e sobre tudo em
relação à criança e seu desenvolvimento. Desta forma, a brinquedoteca permite que a criança
tenha momentos de prazer, bem como propicia um regaste da alegria e vontade de viver, o que
favorece a sua recuperação.

4.1.3 Contadores de histórias

O desejo do homem em transmitir seu modo de vida, suas ideias, seus desejos e vontades
sempre permearam as relações humanas. Assim, por meio da tradição oral, nossas relações vão
sendo contadas há milênios e milênios, de geração em geração, com intuito de preservar o modo
de viver das pessoas.

Contar faz parte da necessidade humana e da vida cotidiana. Vani Moreira Kenski, que descreve os
tipos de linguagem e a linguagem oral, comenta:

A mais antiga forma de expressão, a linguagem oral, é uma construção


particular de cada agrupamento humano. Por meio de signos comuns de
voz, que eram compreendidos pelos membros de um mesmo grupo, as
pessoas se comunicavam e aprendiam. A fala possibilitou o estabelecimento
de diálogos, a transmissão de informações, avisos e notícias. A estruturação
da forma particular de fala, utilizada e entendida por um grupo social, deu
origem aos idiomas. O uso regular da fala definiu a cultura e a forma da
transmissão de conhecimentos de um povo. Essa oralidade primária, que
55
Unidade I

nomeia, define e delimita o mundo a sua volta, cria também uma concepção
particular de espaço e tempo (KENSKI, 2008, p. 28).

Na continuidade de sua reflexão, Kenski (2008) afirma que a sociedade oral é também um “apelo
à afetividade” mais do que à razão. Nesse apelo afetivo, pode-se despertar o espírito criativo de uma
pessoa, mas pode-se limitá-lo também.

Observação

Contar histórias é uma habilidade natural ou cotidiana para quem faz


uso de metáforas, que é a comparação entre objetos para criar significado
para o aluno.

Figura 19 – Contadores de histórias

O pedagogo precisa ser capacitado a contar histórias, pois sua participação formal ou voluntária
propicia ao doente momento de alegria e afeto. Ao contar uma história, transmitimos valores e
sentimentos que imprimem esperança e alegria ao enfermo. Isso pode favorecer a cura ou, pelo
menos, minimizar os danos causados pela doença e medicações diante de tantos procedimentos
tão evasivos.

Cinthya V. A. de Menezes afirma que:

[...] o pedagogo constitui-se no grande responsável pela transmissão de


forma ativa do conhecimento das coisas, dos acontecimentos, do mundo e do
próprio ‘eu’ de cada um, levando em consideração as percepções individuais
dos envolvidos, já que essa inclui identificação, discriminação, reconhecimento
e julgamento de objetos (coisas, acontecimentos e pessoas) por meio da
informação sensorial e cognitiva. O contexto hospitalar, enquanto ambiente de
conhecimento de vários acontecimentos novos, possui características muito
peculiares. Todos que se encontram inseridos nesse meio ou são profissionais

56
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

da saúde ou são pacientes em tratamento de saúde. Esses últimos, alheios


ao novo contexto, necessitam e muito de novos conhecimentos, sejam eles a
respeito da própria doença, do ambiente hospitalar em si, ou desse novo ‘eu’
portador de uma patologia (MENEZES, 2004, p. 30).

A contação de histórias é a junção entre a leitura de um texto e sua performance, assim, por meio
da oralidade, há troca de experiências, afeto e alegria com doente. É indiscutível que a atuação dos
contadores de história, no ambiente hospitalar, favorece a recuperação do paciente, bem como colabora
para uma visão mais positiva frente à doença.

4.1.4 ONGs – Doutores da Alegria e Criança Segura

Diante do sofrimento que a doença traz, é notório que o paciente, em geral, não esboce mais a
vontade de viver. Com base na visão mais humana em relação aos doentes, em especial ao doente infantil
ou adolescente, nascem iniciativas de organizações não governamentais com caráter solidário. Se rir
é melhor remédio para curar o sofrimento, o palhaço, figura cultivada pelo inconsciente imaginário, é
capaz de produzir o riso pelo simples fato de ser engraçado, meigo, desajeitado, permitindo despertar
frente à condição de dor e tristeza, alguns instante mágicos e felizes.

Assim, por intermédio de Wellington Nogueira, que integrou o projeto americano de Michael
Christensen, em 1988, surgem Os Doutores da Alegria em 1991. Ex-colegas que faziam parte do grupo
nos EUA tentaram o mesmo na França (Le Rire Medecin) e Alemanha (Die Klown Doktoren). No Brasil,
aconteceu por iniciativa do Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo (hoje
Hospital da Criança). A missão da organização é

Ser uma organização proeminentemente dedicada a levar alegria a crianças


hospitalizadas, seus pais e profissionais de saúde, através da arte do
palhaço, nutrindo esta forma de expressão como meio de enriquecimento
da experiência humana (DOUTORES DA ALEGRIA, 2012).

A ideia dos Doutores da Alegria também se volta para a expansão da empreitada original para outros
Estados além dos quais atua (São Paulo: Hospital da Criança, Hospital do Campo Limpo, Hospital do
Grajaú, Hospital do Mandaqui, Hospital Santa Marcelina, Instituto da Criança, Instituto de Tratamento
do Câncer Infantil (Itaci) e Hospital Universitário da USP; Rio de Janeiro: Hospital Municipal Jesus,
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), Hospital Universitário Pedro Ernesto,
Hospital dos Servidores do Estado e Hospital Salgado Filho; Recife: Hospital Barão de Lucena, Hospital
da Restauração, Hospital Oswaldo Cruz e Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip);
Belo Horizonte: Santa Casa, Hospital das Clínicas da UFMG e Hospital da Baleia) e, para isso, oferece
formação por meio do Nufo (Núcleo de Formação e Pesquisa).

Ainda partindo de organizações não governamentais, foi criada a ONG Criança Segura, que “tem
como missão promover a prevenção de acidentes com crianças e adolescentes de até 14 anos” (CRIANÇA
SEGURA, 2012). Preocupados com o número crescente de crianças exposta a acidentes, a Criança Segura
expõe dados alarmantes.
57
Unidade I

Os acidentes, ou lesões não intencionais, representam a principal causa


de morte de crianças de 1 a 14 anos no Brasil. No total, cerca de 6 mil
crianças até 14 anos morrem e 140 mil são hospitalizadas anualmente
segundo dados do Ministério da Saúde, configurando-se como uma
séria questão de saúde pública. Estimativas mostram que a cada morte,
outras quatro crianças ficam com sequelas permanentes que irá gerar,
provavelmente, consequências emocionais, sociais e financeiras à essa
família e à sociedade. De acordo com o governo brasileiro, cerca de R$ 63
milhões são gastos na rede do SUS – Sistema Único de Saúde (CRIANÇA
SEGURA, 2012).

Desde 2001, localizada nas cidades de São Paulo, São José dos Campos, Recife e Curitiba, a organização
atua em visita ao setor de pediatria (queimados, ortopedia e neurologia) por perceber a necessidade da
atividade preventiva, pois esses acidentes, em sua maioria, ocorrem pela negligência dos cuidados dos
adultos.

Saiba mais

Com duração de 98 minutos, direção e roteiro de Mara Mourão, o filme


Os Doutores da Alegria é sensível, bem-humorado e resgata a importância
da figura do palhaço, um ser irreverente, sábio e generoso, capaz de
provocar verdadeiras transformações com sua capacidade de olhar a vida
por novos ângulos.

Considerado pela Unesco uma obra que promove a Cultura de Paz,


recebeu vários prêmios no Brasil e exterior. Muito mais que um filme, uma
lição de vida!

4.2 Classe hospitalar: exemplos de sucesso

Veja como algumas experiências de hospitais nacionais são bem-sucedidas e demonstram que
a classe hospitalar é vista como um importante trabalho para o hospital. Citarei brevemente alguns
exemplos para comprovar esse fato.

4.2.1 Hospital Municipal Dr. Mario Gatti

Em parceria com a Secretaria Municipal Educação do Estado de São Paulo, em Campinas, desde
1998 o Hospital passou a atender a enfermaria pediátrica. A sala foi montada em parceria com
a Brinquedoteca da Pontifícia Universidade de Campinas (PUCCAMP), que resolveu instalar um
espaço com jogos pedagógicos para atender as crianças que ficavam internadas. E partir desse
momento, a Educação modificou o perfil do atendimento da sala, adequando-a como “classe

58
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

hospitalar”, dando acompanhamento pedagógico para evitar perda de conteúdos e atrasos de


aprendizagem.

Inicialmente, o espaço era destinado às reuniões dos médicos da Ala de Pediatria, mas a
necessidade transformou o local em classe hospitalar. Para que esse atendimento, o ambiente
foi completamente modificado, as paredes receberam colorido e decoração com desenhos, que
propiciam uma sensação de alegria e bem-estar; o local é repleto de livros infantis, jogos educativos
e brinquedos que podem propiciar momentos de estudo, entretenimento e lazer. Dispõe de recursos
audiovisuais como televisão, videocassete, câmera fotográfica, aparelho de som e telefone com
linha externa.

Figura 20 – Criança no hospital Mario Gatti

As crianças internadas por longos períodos podem continuar recebendo aulas sem prejudicar o
tratamento. O atendimento também é feito na enfermaria e no quarto de isolamento quando o aluno
tem restrições por sua condição clínica ou do tratamento. Esse atendimento possibilita que o processo
de aprendizagem tenha continuidade durante a reabilitação e integra as ações de recuperação dos
pacientes.

O atendimento não se restringe apenas ao paciente, o hospital possui objetivos pedagógicos que
enfocam diferentes públicos: os pacientes/alunos, os acompanhantes/responsáveis/familiares, a escola
do paciente/aluno e o próprio Programa de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação. O
desenvolvimento do conteúdo se dá por faixa etária, assim a metodologia seguida aborda a organização
e a execução das atividades por eixos temáticos (temas centrais e transversais), utilizando recursos
didáticos como brinquedos, jogos, livros e revistas, materiais escolares diversificados e recursos
audiovisuais.

4.2.2 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)

O Hospital, em parceria com a Secretaria Estadual da Educação, a partir de 1971, criou um programa de
continuidade escolar. O seu início partiu de uma experiência positiva do Serviço Social, preocupado com
a humanização do atendimento hospitalar. Criou oficialmente 2 classes hospitalares para atendimento

59
Unidade I

das crianças internadas nas enfermarias do Hospital das Clínicas. Em 2002, em razão da demanda, foi
autorizada a ampliação com a abertura da terceira classe hospitalar.

Figura 21 – Hospital das Clínicas

O trabalho pedagógico é desenvolvido por pedagogas habilitadas em Educação Especial. O conteúdo


é desenvolvido de acordo com a série em que a criança ou adolescente estão inseridos. Dessa forma, os
conteúdos são abordados de forma significativa para os alunos. As atividades são planejadas de acordo
com o projeto pedagógico da escola vinculadora e também com os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Além do atendimento nos leitos para os alunos impedidos de se locomoverem, o hospital disponibilizou
três salas com recursos pedagógicos diversos, constituindo-se em um ambiente facilitador do ensino-
aprendizagem para os alunos em condições de locomoção.

O público alvo abrange todas as crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos, matriculados
no Ensino Fundamental I e II que se encontram hospitalizados nas enfermarias do Hospital.

4.2.3 O Centro Infantil Boldrini

Em Campinas, o Centro Infantil Boldrini abriu sua classe hospitalar de acordo com a legislação
em 2003. As pedagogas orientam e ensinam as crianças internadas ou em tratamento ambulatorial.
O principal objetivo dessa classe hospitalar é fazer com que as crianças possam continuar suas vidas,
inclusive no âmbito educacional. Assim, a criança dá continuidade ao trabalho escolar e não se sente
“excluída” de seu ambiente.

Figura 22 – Centro Infantil Boldrini

60
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

São basicamente três os casos encontrados dentro do Centro Infantil Boldrini: as crianças que
precisam ficar internadas recebem aulas todos os dias durante o período da tarde; as que só estão tendo
atendimento ambulatorial, enquanto não estão ocupadas com o tratamento, ficam com as pedagogas
fazendo lição de casa ou outras atividades pedagógicas e, para as crianças que estão muito debilitadas,
as pedagogas propõem atividades no próprio leito.

4.2.4 Graacc

O Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) foi criado em 1998, na luta
contra o câncer infantil. O projeto nasceu da iniciativa do Dr. Sérgio Petrilli (chefe do setor de Oncologia
do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina), Jacinto Antonio Guidolin (engenheiro
voluntário) e Lea Della Casa Mingione. Tudo começou com a transferência do setor de oncologia
pediátrica do Hospital São Paulo para uma casa, com atendimento dentro do conceito hospital-dia, no
qual os pacientes recebiam atendimento médico e assistencial e voltavam para suas casas.

O hospital é totalmente equipado e dispõe de área de internação (enfermarias, UTI e centro cirúrgico),
laboratórios (hematologia e imunofenotipagem, citogenética, biologia molecular e criopreservação) e
de suporte (reabilitação e prótese, controle da dor, brinquedoteca terapêutica e assistência social), além
de área de nutrição, psicologia, enfermagem, odontologia e assistência social. O hospital do Graacc
possui uma brinquedoteca, uma das primeiras do país em hospitais, a Brinquedoteca Terapêutica
Senninha, na qual crianças e adolescentes aproveitam para brincar enquanto aguardam uma consulta,
um exame ou algum procedimento médico. A brinquedoteca recebe diariamente cerca de 140 pacientes
e acompanhantes.

Em 2004, o Graacc inaugurou, em parceria com a Fundação Orsa, a primeira quimioteca do Brasil,
espaço lúdico criado para garantir à criança e ao adolescente bem-estar em uma das fases mais
traumáticas do tratamento do câncer: o tratamento quimioterápico. Com 300 m2 divididos de acordo com
a faixa etária dos pacientes, o espaço disponibiliza 31 postos, garantindo atendimento individualizado,
duas salas de coleta de sangue e sala especial para pacientes transplantados.

O hospital tem um moderno Centro de Diagnóstico por Imagem, com equipamentos de alta
tecnologia como ressonância magnética, tomografia computadorizada, densitometria óssea, ultrassom
com Doppler e raios-X. Com essa estrutura, o Graacc pode oferecer a melhor qualidade em diagnóstico
para os pacientes de dentro e de fora da instituição.

4.3 Atuação e objetivos do professor hospitalar

O professor hospitalar deve ter a consciência dos monstros viventes na mente das crianças: o medo,
o controle, a mudança e a incerteza. No hospital, tudo é incerteza para a criança: tiram-lhe as roupas,
ela se vê igual às outras, sua mãe acompanhante se torna igual às outras mães, a criança ignora o que
vai fazer, comer, quem vai vê-la etc. Portanto, consciente dessa nova situação, a intervenção escolar
deve se tornar parte dessa rotina, com muita ética. E ser ético é ser humano, é respeitar limites, é
resgatar o lado saudável da criança, é dar-lhe singularidade. O interventor pedagógico deve assegurar
a aprendizagem que, longe das paredes da escola, forma escola no momento do contato. O número de
61
Unidade I

classes hospitalares no Brasil é ainda tímido se considerarmos a imensidão do país; mas já é um começo
bastante otimista. A classe hospitalar é um direito de toda criança, mas a experiência pode se estender
a adultos e à terceira idade.

Entre os objetivos da classe hospitalar está a possibilidade de compensar faltas e devolver um pouco
de normalidade à maneira de viver da criança. O professor hospitalar será o tutor global da criança para
que ela possa ser tratada de seu problema sem esquecer as necessidades pessoais. A intervenção faz com
que a criança mantenha rastros que a ajudem a recuperar seu caminho e garantir o reconhecimento
de sua identidade. O contato com sua escolarização faz do hospital uma agência educacional para a
criança hospitalizada desenvolver atividades que a ajudem a construir um percurso cognitivo, emocional
e social para manter uma ligação com a vida familiar e a realidade no hospital.

Em termos de estratégias de crescimento cognitivo e intelectual, a classe hospitalar vem oferecer à


criança ferramentas de comunicação com sua realidade familiar, com outras pessoas de sua idade e com
outros pacientes; oferecer situações de jogos e entretenimentos; garantir a continuidade didática com
a escola de origem além de ajudar a criança e a família a apreender os novos ritmos e novos projetos,
quando o projeto de antes se tornou impossível.

No Brasil, a legislação reconheceu por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado,


através da Resolução nº 41 de outubro de 1995, no item 9, o “Direito de desfrutar de alguma forma de
recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua
permanência hospitalar” (BRASIL, 1995). A classe hospitalar constitui uma necessidade para o hospital.
A criação de classes hospitalares é uma questão social e deve ser vista com a mesma seriedade e o
mesmo engajamento que a promoção da segurança nas ruas. A classe hospitalar se dirige às crianças,
mas deve se estender às famílias, sobretudo àquelas que não acham pertinente falar sobre doenças com
seus filhos. A intenção grandiosa nesse projeto deve ser a humanização do hospital para o contato com
as possibilidades da criança vítima de algum tipo de patologia.

Leia o artigo publicado em 24 de abril de 2010, no portal R7, sobre o crescente número de estudantes
que dão continuidade aos estudos em hospitais.

Brasil tem 37 mil pessoas estudando em hospitais

Classes hospitalares são dadas em parceria com escolas; jovens não precisam perder ano

Os alunos em tratamento de saúde podem terminar os estudos mesmo afastados da


escola, internados ou não em hospitais. Lições de casa, aulas e provas podem ser realizadas
no leito, caso o estudante esteja hospitalizado, ou em casa, se não puder frequentar seu
colégio.

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que define as regras de ensino do país,
determina desde 1996 a atividade das chamadas classes hospitalares – salas de aula nas
clínicas e nos postos de saúde.

62
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Em 2008, 37.247 pessoas em todo o Brasil foram matriculadas em 1.570 classes desse
tipo, segundo o MEC (Ministério da Educação). O Nordeste é a região campeã, com 20.858
alunos pacientes. Os dados são os mais atualizados disponíveis. Os Estados do Rio de Janeiro
e São Paulo possuem, juntos, 16 clínicas com atendimento escolar. O número de salas de
aula, entretanto, é maior, já que o mesmo hospital pode ter mais de uma classe. A capital
paulista abriga 20 classes hospitalares; já o interior tem 13, segundo dados da Secretaria do
Estado da Educação.

Como são as aulas

As aulas são dadas por professores de escolas estaduais ou municipais, dependendo


de onde o jovem estuda. Uma pedagoga faz o primeiro contato com a família assim que o
estudante chega ao hospital, para saber o colégio e o ano em que ele está matriculado. Uma
parceria é fechada entre os novos educadores do hospital e os professores convencionais,
em conjunto com os novos estudos do paciente.

As aulas são individuais e não passam de 40 minutos, em média – tudo depende do


estado físico e emocional do aluno. O currículo é flexível, ou seja, não é necessário cumprir
todas as matérias do calendário regular. As notas obtidas durante o tempo de internação
são enviadas à escola junto com observações sobre a saúde do estudante. As disciplinas
assistidas longe das cadeiras do colégio possuem o mesmo valor no currículo do que as
convencionais.

Rosemary Hilário, uma das 12 professoras da escola Schwester Heine, que fica dentro do
Hospital A. C. Camargo, em São Paulo, ressalta a importância da continuidade dos estudos
pelos pacientes: “Estudar não é uma obrigação, é um direito. Não é porque o aluno está
doente que ele deve ficar afastado do conhecimento. Aprender faz a criança se sentir viva,
autora de sua vida, apesar da doença”.

A equipe de educadores da clínica, situada no bairro da Liberdade (região central de SP),


faz 11 mil atendimentos por ano, para cerca de 700 pacientes. Eles atuam no hospital desde
1987.

Garota com câncer

Joyce Monteiro, 12, soube que tinha câncer nos ossos após sofrer uma fratura, durante
um jogo de handebol. A demora em a recuperação intrigou os médicos, que pediram novos
exames. Internada desde setembro de 2009, a garota – que é de Belém do Pará – repetiu
a sexta série do ensino básico porque sua escola não tinha informações da existência das
classes hospitalares. “Com 20 alunos na sala [como era antes de vir para a clínica], é mais
complicado tirar dúvidas”.

OLIVEIRA, 2010 (adaptado).

63
Unidade I

Resumo

Nesta primeira unidade, o objetivo principal foi abordar a ampla atuação


do profissional de Educação, entendendo que ele pode e deve atuar em
diversos espaços não se restringindo, apenas, a sala de aula. Contudo,
tratar de Educação hoje é tratar das questões culturais que permeiam a
vida e das suas manifestações que influenciam a educação do indivíduo,
utilizadas como instrumento de poder em sociedade. Desta forma,
tornou‑se inevitável tratar a questão cultural como objeto de estudo no
espaço educacional, pois o educador, a todo o momento, deverá considerar
as questões culturais para compreender os mais diversos comportamentos
humanos e educacionais.

Toda essa ideia de cultura como a reunião entre os saberes e as


vivências é extremamente contemporânea. Porém, é indispensável
para compreender o motivo de se acreditar que uma cultura é superior
à outra. Essa questão foi aprofundada no primeiro tópico, pois
compreender que nos primórdios a dominação se dava pela Igreja e
pelo Estado é fundamental para entendermos a questão de educação
e poder. Além disso, não podemos deixar de ressaltar o quanto a figura
do pedagogo é inovadora, pois durante muito tempo o conhecimento
pautava-se apenas na transmissão do conhecimento familiar. É de suma
importância que o educador conheça as questões que permeiam a sua
profissão, pois não se trata apenas a transmissão do conhecimento,
mas de questões culturais, políticas, filosóficas que perpassam pela
educação formal.

No mundo contemporâneo, diversas crianças são acometidas por


doenças graves que não as permite desfrutar do ambiente familiar e escolar.
Com isso, surge uma possibilidade para a atuação ao pedagogo hospitalar.
Porém, a atuação do pedagogo, apesar de ser amparada por lei, ainda
é bastante incipiente e minimamente divulgada. Assim, nessa primeira
unidade, consideramos extremamente importante aprofundarmos o
conhecimento sobre a atuação do educador no ambiente hospitalar, visto
que se trata de um espaço pouco explorado pelos profissionais da área
e em extrema ascensão, uma vez que a prática educativa, em ambientes
hospitalares, cria um espaço mais humanizado e acolhedor às crianças,
bem como as faz sentir-se próximas ao ambiente do qual estão sendo
cerceadas.

Outro ponto de destaque, nesse tópico, foi a reconstrução histórica


como nasceu a classe hospitalar. Henri Sellier, na Europa, na tentativa de

64
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

criar um ambiente harmonioso para as crianças tuberculosas e acometidas


pela guerra, inovou reproduzindo o ambiente escolar nos hospitais. No
Brasil, a questão andou a passos lentos, pois só foi compreendida como
uma necessidade após o advento da industrialização, que trouxe inúmeras
doenças em função do excesso de trabalho. Entretanto, poucas mudanças
foram observadas durante os 81 anos que separam a criação das classes
hospitalares, sua implantação e execução. É notória a inexpressividade dos
números de hospitais e profissionais, apesar da regulamentação das classes
hospitalares.

O educador na classe hospitalar precisa não apenas dominar os


conteúdos, mas assegurar atividades que possibilitem a criança desenvolver-
se psicologicamente e emocionalmente, assim permitindo uma melhora
significativa no quadro ou mesmo uma qualidade de vida do paciente.
Para que isso aconteça, várias estratégias foram associadas ao ensino no
ambiente hospitalar como: briquedotecas, sala de espera e contadores
de histórias, que colaboram para a harmonia e o desenvolvimento da
aprendizagem.

Por fim, apresentamos os Doutores da Alegria e hospitais que


apresentam experiências positivas com classes hospitalares, mostrando
como utilizam de estratégias que possibilitam não só o desenvolvimento
cognitivo e intelectual dos pacientes, mas psicológico e social, que antes
eram impossíveis de ser pensados neste ambiente.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2008) O pensamento pedagógico de Paulo Freire parte de alguns princípios que
marcam, de forma clara e objetiva, o seu modo de entender o ato educativo.

Considerando as características do pensamento desse autor, analise as afirmações que se seguem:

I – Ensinar é um ato que envolve a reflexão sobre a própria prática.

II – Modificar a cultura originária é parte do processo educativo.

III – Superar a consciência ingênua é tarefa da ação educativa.

IV – Educar é um ato que acontece em todos os espaços da vida.

V – Educar é transmitir o conhecimento erudito e universalmente reconhecido.

65
Unidade I

Estão de acordo com o pensamento de Paulo Freire apenas as afirmações:

A) I e II.

B) II e V.

C) I, III e IV.

D) I, IV e V.

E) I, II, III e IV.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a afirmativa I é correta, pois para Paulo Freire o ato de ensinar requer a reflexão sobre
si, numa vivência do conceito de práxis, criado por Marx, que designa a impossibilidade da dissociação
entre teoria e prática, pensamento e ação. A afirmativa II é incorreta, pois para Freire o processo
educativo é, bem ao contrário, de respeito e acolhimento da cultura originário do educando, seja ela
a mais simples ou rústica existente. Na visão freireana o professor deveria partir do senso comum, do
valor pragmático das coisas e dos fatos da vida cotidiana e de suas situações existenciais para, depois,
encaminhar-se a sua transcendência.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: as afirmativas II e V são incorretas, pois para Freire o processo educativo é, bem ao
contrário, de respeito e acolhimento da cultura originário do educando, seja ela a mais simples ou
rústica existente. Na visão freireana o professor deveria partir do senso comum, do valor pragmático
das coisas e dos fatos da vida cotidiana, de suas situações existenciais, para depois se encaminhar a sua
transcendência. Para ele não há distinção entre a cultura popular e a erudita. Privilegiar o conhecimento
universalmente reconhecido seria uma atitude de opressão contra os estudantes das classes sociais
menos privilegiadas.

C) Alternativa correta.

Justificativa: as afirmativas I, III e IV são corretas, pois para Paulo Freire o ato de ensinar
requer a reflexão sobre si, numa vivência do conceito de práxis, criado por Marx, que designa a
impossibilidade da dissociação entre teoria e prática, pensamento e ação. A afirmativa III aborda
outro aspecto do pensamento freireano que se baseia em um conceito marxista: a superação
da alienação, que é justamente a superação da consciência ingênua. Para Freire a educação era
libertação da condição de oprimido por meio do acesso ao conhecimento. A afirmativa IV completa
66
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

as ideias de Freire, na medida em que ele defende uma educação que parta do senso comum, do
valor pragmático das coisas e dos fatos da vida cotidiana, de suas situações existenciais. Para
ele o ato de ensinar e aprender compreende o respeito e o acolhimento da cultura originária do
educando, seja ela a mais simples ou rústica existente.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: as afirmativas I e IV são corretas, conforme explicado acima. A afirmativa V é inversa ao


que acreditava Paulo Freire, pois a educação para ele não era a transmissão do conhecimento erudito e
universalmente reconhecido, mas justamente o contrário.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: as afirmativas I, III e IV são corretas, conforme explicado acima. A afirmativa II


é incorreta porque a pedagogia freireana não tem o intuito de modificar a cultura originária no
processo educativo, mas sim o de acolhê-la como parte ativa e integrante do processo de ensino-
aprendizagem.

Questão 2. (Enade 2005) Na ONG em que Francisco atua, quando há recebimento de verbas ou
quando se pretende avaliar um programa educacional, realiza-se uma assembleia para que todos os
profissionais participem das tomadas de decisão. Busca-se, por conseguinte, uma gestão participativa,
que se caracteriza como um modelo em que:

A) as metas são estabelecidas visando ao aumento de produtividade, comprometendo cada


profissional com o sucesso empresarial.

B) a forma como os processos de decisão se desenvolvem leva a se prescindir da presença de cargos


de direção.

C) a burocracia é afastada, eliminando-se os processos de planejamento, por estarem identificados


com modelos centralizadores.

D) a autonomia é exercida por cada membro da instituição, segmentando iniciativas, interesses e


decisões.

E) a formação dos membros da instituição se processa no exercício da autonomia, sendo compartilhada


a tomada de decisões.

Resolução desta questão na plataforma.

67

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