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Atuação Profissional
Autor: Prof. Lupércio Aparecido Rizzo
Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado
Prof. Nonato Assis de Miranda
Professor conteudista: Lupércio Aparecido Rizzo
Meu nome é Lupércio Aparecido Rizzo e moro na cidade de São Caetano do Sul, no estado de São Paulo. Minha
formação não obedece àquele antigo padrão estabelecido como exemplar para um profissional acadêmico; em outras
palavras, não tenho uma caminhada de estudos sem interrupções e dentro de uma lógica de excelência estudantil.
Sabe que isso até me ajuda no que diz respeito ao tema e aos assuntos que trataremos nesse material?
Em minha caminhada acadêmica e pessoal, atuei em inúmeras funções, fui metalúrgico – o que era natural para
quem nascia da década de 1970 e 1980 no ABC paulista – trabalhei como vendedor autônomo, fui proprietário de um
comércio do ramo alimentício (malsucedido, diga-se de passagem), caminhoneiro, entre outros.
Meu ingresso na universidade para cursar Pedagogia se deu quando eu já tinha uma idade bem avançada em
relação ao perfil do universitário; em seguida, fiz pós-graduação em Didática e mestrado em Educação. Hoje, sou
professor licenciado da UNIP porque estou atuando em outros projetos, o que mostra que nossa atuação é bastante
ampla e permite a busca e o trabalho em diversas áreas e por meio de vários modelos. Embora minha formação inicial
seja em Pedagogia, trabalho nos cursos de graduação em Turismo, Pedagogia e Administração, além da pós-graduação.
CDU 316.343.657
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permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Janandréa do Espírito Santo
Amanda Casale
Sumário
Tópicos de Atuação Profissional
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 CULTURA...............................................................................................................................................................11
1.1 Valoração da cultura............................................................................................................................ 14
1.1.1 Evolucionismo social e cultural......................................................................................................... 14
1.1.2 Determinismo geográfico e biológico............................................................................................. 16
1.1.3 Relativismo cultural................................................................................................................................ 17
1.2 Tipos de cultura...................................................................................................................................... 18
1.2.1 Cultura erudita.......................................................................................................................................... 18
1.2.2 Cultura popular........................................................................................................................................ 19
1.2.3 Cultura de massa..................................................................................................................................... 19
2 EDUCAÇÃO EM AMBIENTES DIVERSOS................................................................................................... 25
2.1 Qualidade de vida x Pedagogia Hospitalar................................................................................. 26
2.1.1 Como tudo começou.............................................................................................................................. 28
2.2 Legislação e direitos da criança hospitalizada.......................................................................... 34
2.2.1 Determinação legal................................................................................................................................. 35
3 A PEDAGOGIA HOSPITALAR......................................................................................................................... 43
3.1 O professor hospitalar......................................................................................................................... 44
3.2 Interdisciplinaridade e autoestima................................................................................................ 46
3.2.1 As múltiplas inteligências..................................................................................................................... 48
4 ESTRATÉGIAS E A CLASSE HOSPITALAR.................................................................................................. 49
4.1 Atendimentos lúdicos integrados em hospitais....................................................................... 50
4.1.1 A sala de espera........................................................................................................................................ 52
4.1.2 Brinquedoteca........................................................................................................................................... 53
4.1.3 Contadores de histórias........................................................................................................................ 55
4.1.4 ONGs – Doutores da Alegria e Criança Segura............................................................................ 57
4.2 Classe hospitalar: exemplos de sucesso....................................................................................... 58
4.2.1 Hospital Municipal Dr. Mario Gatti.................................................................................................. 58
4.2.2 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)....................... 59
4.2.3 O Centro Infantil Boldrini..................................................................................................................... 60
4.2.4 Graacc........................................................................................................................................................... 61
4.3 Atuação e objetivos do professor hospitalar............................................................................. 61
Unidade II
5 EDUCAÇÃO SOCIAL.......................................................................................................................................... 68
5.1 Breve histórico........................................................................................................................................ 68
5.1.1 A iniciativa das ONGs............................................................................................................................. 69
5.2 Pedagogia Social.....................................................................................................................................71
5.2.1 Pedagogia Social e espaços não escolares.................................................................................... 72
5.2.2 O pedagogo em programas assistenciais....................................................................................... 74
6 PEDAGOGIA EMPRESARIAL.......................................................................................................................... 76
6.1 Histórico e base legal........................................................................................................................... 76
6.1.1 O papel do pedagogo............................................................................................................................. 78
6.2 O conhecimento e o mundo atual................................................................................................. 79
6.2.1 Capital intelectual................................................................................................................................... 82
7 O PEDAGOGO NAS EMPRESAS................................................................................................................... 85
7.1 Atuação do pedagogo nas empresas............................................................................................ 87
7.2 Terceiro setor........................................................................................................................................... 98
7.2.1 Organização do terceiro setor..........................................................................................................101
7.2.2 Organizações não governamentais................................................................................................ 110
8 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL.......................................................................................................................... 112
8.1 Pedagogia Social.................................................................................................................................. 112
8.1.1 Construção histórica da Pedagogia Social.................................................................................. 112
8.2 O curso de Pedagogia........................................................................................................................ 114
8.3 O pedagogo nas ONGs...................................................................................................................... 115
8.3.1 Atuação como orientador educacional........................................................................................116
8.3.2 Atuação junto à elaboração e/ou coordenação de projetos................................................ 119
8.3.3 Atuação como coordenador pedagógico.................................................................................... 120
8.3.4 Atuação em assessoria educacional...............................................................................................121
APRESENTAÇÃO
A disciplina Tópicos de Atuação Profissional tem como objetivo apontar possíveis áreas de atuação
do pedagogo. Tendo isso como premissa, esse trabalho buscou explicitar alguns conceitos-chave na área
da educação, quais sejam: a cultura e suas derivações, a educação formal e informal e a sociedade, na
qual essa atividade está inserida e na qual atua em suas diversas vertentes. Entende-se aqui que esses
temas são de especial relevância na trajetória dos profissionais que se dedicam a esse tema.
A cultura, que aparece nesse trabalho em primeiro lugar, é o conjunto de ações e costumes de um
grupo de pessoas construído historicamente ao longo do tempo, intencionalmente ou não. Claro que
esse conceito é demais superficial e, portanto, essa disciplina tem início exatamente aí, ou seja, abordar o
que é cultura e a forma como ela é tratada. Embora não pareça o cerne da disciplina, abordar o conceito
de cultura, suas derivações e implicações, é importante porque a transposição da educação para dentro
de um hospital ou de uma empresa, assim como a atuação pedagógica em causas sociais, é, antes de
qualquer coisa, uma questão cultural. Não no sentido erudito do termo, mas no propósito de retirar o
conhecimento formal e intencional dos intramuros que a escola, na maior parte das vezes, representa.
Por outro lado, compreender que aqueles com os quais trabalhamos têm uma cultura própria que deve
ser valorizada e que o espaço deve ser tratado levando em conta suas peculiaridades é fundamental.
Para isso, novamente proponho sair do lugar comum: é importante para o profissional da educação o
trabalho com conceitos. Nesse sentido, iniciamos tratando do que é, conceitualmente, o produto do
nosso trabalho, a cultura.
O trabalho de quem se dedica à educação, formal ou não, é, em última análise, o esforço na manutenção
da cultura de uma dada sociedade. Fazer com que ela aconteça sem ter noção e compreensão das
implicações que representa é, sem dúvida, um equívoco. Por conta disso é que, como já dito, começamos
exatamente por aí. Trabalhar no ensino é atuar no sentido de modelar comportamentos, produzir e
reproduzir conceitos e saberes. Essa função é muito importante para a sociedade e para os indivíduos
porque norteia a forma de organização de uma sociedade, de uma empresa ou de um indivíduo, daí a
importância e a necessidade de conhecermos o que é cultura, quais foram as etapas percorridas pela
humanidade até o atual conceito dela.
Ainda nesse tópico, lembramos que a educação nunca deixa de ser política e que tem sempre uma
intencionalidade intrínseca a ela mesma, alheia muitas vezes à vontade do professor; nesse sentido,
percorreremos um trajeto que mostrará como a educação foi e ainda é usada para determinados fins.
A proposta é entender que a educação tem a função de preservar a cultura de uma comunidade e que
isso tem início assim que há uma junção de pessoas, ou seja, no momento da formação de grupos. Esse
movimento já traz em si o embrião do que entendemos como educação. A perpetuação de costumes,
a introdução aos costumes do grupo, enfim, tudo isso já se configura em ensino e tem seu começo no
mesmo instante em que o homem surge na Terra.
O direito à educação e o dever do Estado de levá-la a todas as pessoas é uma regulamentação que
vem fazer frente ao processo cultural que nasceu na sociedade com vistas a oferecer educação a todos.
O mesmo movimento se dá com a Pedagogia Empresarial, embora não como obrigatoriedade legal, mas
como imposição de mercado e fruto do processo que obriga as organizações a terem em seus quadros
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profissionais capacitados, oferecendo treinamento e aprendizado dentro das suas instalações ou em
locais vinculados a elas.
Como se vê, todo o movimento que expande a atuação do pedagogo para diversas áreas tem
fundo na visão de uma sociedade que busca respeitar seus cidadãos e torná-los mais aptos para
o mercado de trabalho. No limite, trata-se de uma questão cultural, o que justifica mais uma
vez nosso início. Historicamente falando, esse processo de expansão da atuação docente foi se
modificando à medida que a sociedade tornava-se mais complexa. Esse conhecimento é importante,
pois assumimos que a educação cresceu e institucionalizou-se para atender aos interesses dos
governos, que estendiam seus domínios e necessitavam doutrinar novos povos. Essa é a raiz da
educação formal.
Qual a relevância desse conhecimento? Entender que, em um primeiro momento, a educação não
tinha por objetivo a felicidade e crescimento da população; tinha outro, sim: o de estender os domínios
dos poderosos e fazer com que leis, regras e costumes dos senhores fossem assimilados. Mesmo com
essa intencionalidade, a educação não era para todos, ao contrário, poucos tinham acesso a ela. Na
Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, a educação era restrita aos nobres, apenas homens, e ainda
assim aos que podiam pagar. A figura do professor não existia, o aluno era deixado aos cuidados de um
preceptor, homem que ficava com a guarda do estudante até julgar que o processo havia terminado.
Isso só se modifica com a expansão do Império Romano. Seu domínio impõe a necessidade de tornar sua
cultura comum aos novos territórios, mas note que em nenhum momento se fala em educação voltada
para o bem do aluno, sempre no sentido de doutriná-lo.
Esse relato histórico tem a função de possibilitar a criação de um cenário no qual se vislumbre
claramente que o profissional da educação, ou seja, o pedagogo, é uma figura historicamente nova. A
educação esteve nas mãos dos padres jesuítas por muito tempo. Após esse período, considerava-se um
dom ser professor: ser docente era uma dádiva divina, não apenas restrito aos padres, mas reservado a
quem foi abençoado para isso. Assim, essa atividade não deveria ser remunerada, uma vez que o que se
recebe por dom não deve ser cobrado. Ao menos, era essa a forma de pensar construída naquela época,
estamos falando dos séculos XVIIII, XIX e boa parte do século XX. Ainda considerando a educação um
dom e tendo a principal função de cuidar das crianças, nada melhor do que essa função ficar a cargo
das mulheres. Decorre daí que a professora passa a ser a “tia”, não precisando ser remunerada e tendo
como principal tarefa cuidar dos pequenos.
Nesse momento, a educação já é vista como um direito de todos e aqui caminhamos em ritmo
acelerado para a nossa disciplina. Uma vez que é um direito de todos e as pessoas evidentemente não
são iguais e em estão em condições de igualdade, cria-se o isolamento educacional. Muitas pessoas
ficam impedidas ou impossibilitadas de receber educação adequada. O profissional da educação vai
sendo preparado em cursos de magistério e depois em graduação de Pedagogia e passa a atuar nas
escolas, espalhadas por todos os lugares e cheias de gente carecendo de educação.
Por muito tempo, esse foi o único lócus de atuação do pedagogo e aqueles asilados da educação assim
permaneceram. Com a crescente especialização do pedagogo, crianças e alunos com alguma dificuldade
passaram a ser atendidos particularmente, dando origem ao trabalho de orientação pedagógica, ou seja,
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cria-se aqui um ramo de atuação para o pedagogo, que pode, a partir de cursos de especialização, atuar
também como psicopedagogo.
Entretanto, a grande mudança e expansão do trabalho desse profissional acontece quando deixa de
esperar na escola pelos que desejam ou precisam de educação e, em vez disso, passa a ser portador de
cultura e conhecimento, começando a atuar junto àqueles que não podem frequentar a escola ou que
estão em seus locais de trabalho. Hospitais passam a receber em seu interior o processo educativo, uma
vez que se assume que a educação é direito de todos. Cria-se assim a Pedagogia Hospitalar, gerando um
importante campo de atuação para o pedagogo. Outra frente que se abre é o campo empresarial, isso
se dá à medida que as organizações se atentam para o potencial e a necessidade que tem de treinarem
e prepararem seus profissionais para a atuação na organização em face a um contexto de concorrência
e globalização.
É com esse intuito que elaboramos esse material: tratar do conceito de cultura e da forma como ela
se coloca no âmbito da educação, abordar o trabalho hospitalar da educação, da sua importância nas
empresas, além do trabalho em projetos sociais voltados ao resgate ou ao auxílio aos menos favorecidos,
que vem tomando corpo e forma mais consistente em tempos de responsabilidade social. Se pensarmos
em um mundo mais humano e menos desigual, constataremos que a presença do pedagogo é vital em
todas as áreas nas quais há concentração humana. Compreender isso é relevante porque evidentemente
esse material não engloba todos os campos possíveis de atuação do pedagogo, apenas aborda os
principais e oferece ferramentas para a prospecção por parte do pedagogo para novas e infinitas
possibilidades de atuação.
INTRODUÇÃO
É com satisfação que introduzimos a disciplina Tópicos de Atuação Profissional. Nesse espaço,
estudaremos e discutiremos as possibilidades de atuação do profissional da educação e apresentaremos
alguns exemplos bem-sucedidos de expansão da educação para além dos muros da escola.
Esse é o momento propício para essa disciplina, uma vez que o conceito e algumas teorias sobre
educação já estão assimilados e compreendidos. Dessa forma, você já deve ser capaz de pensar sobre
a educação de forma a construir e planejar modelos e estratégias educativas para as mais diversas
situações e com diferentes públicos, levando em conta as especificidades de cada cultura e sendo
capacitado para fomentar a criação de espaços educativos.
Os alunos dos cursos superiores têm, em geral, grande expectativa quanto ao mercado de trabalho,
o que, se por um lado é positivo, por outro faz com que eles direcionem seus esforços para uma área de
atuação mais comum ou esperada no que diz respeito à sua formação. Com os cursos de Educação não
é diferente, os alunos concluem a faculdade pensando em atuar em escolas e, como a concorrência por
uma vaga no mercado de trabalho é grande, surgem frustrações.
9
Unidade I
É exatamente nesse contexto que essa disciplina é relevante, ao possibilitar a você, aluno(a), uma visão
mais ampla acerca das possibilidades profissionais resultantes da sua formação, além, evidentemente,
de outras atividades que possam, eventualmente, trazer-lhe satisfação pessoal e profissional.
Unidade I: apresenta uma análise do conceito de cultura tendo como pressuposto algumas
abordagens sociológicas e antropológicas, abordando temas como relativismo cultural, determinismo e
diversidade da cultura. Em seguida, trata-se da educação implementada em ambientes diversos tendo
como objetivo, nesse momento, sair daquela visão estritamente escolar quando se pensa em educação.
A unidade em questão contempla também a Pedagogia Hospitalar, que atualmente representa um
espaço interessante para o trabalho do profissional de Educação.
Unidade II: aborda a educação social. Nesse sentido, pode-se afirmar que há o retorno à função
primeira da Educação, que é a inclusão social aliada à possibilidade de apropriação das produções culturais
levadas a públicos em condições desfavoráveis. A Pedagogia Empresarial também está contemplada
nessa unidade, uma vez que as corporações vêm buscando cada vez mais os profissionais da educação
para atuarem em setores como recrutamento, treinamento, planejamento e integração e cabe a você,
aluno (a), fazer frente a essa demanda, tirando dela o maior proveito possível. Essa unidade termina com
a prática da educação não formal, procurando refletir sobre a necessidade de encarar a educação como
processo que se dá em todos os espaços e das mais diversas maneiras.
Resumidamente, o que estudaremos nessa disciplina diz respeito a uma ampliação e alargamento
da visão do profissional em relação à educação e, consequentemente, à sua atuação e possibilidades de
sucesso, quer seja como profissional, quer seja enquanto pessoa.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Unidade I
1 CULTURA
André Malraux
A cada conceito ou relação que nos referirmos ao longo desse trabalho ou disciplina, procederemos,
sempre que possível, a uma retomada histórica. Isso porque as coisas, os pensamentos, os fatos não
são eventos soltos no tempo e no espaço. Quando contextualizamos, damos sentido e significado ao
conhecimento.
A palavra “cultura” tem origem latina, deriva de “colo”, ou seja, cultivo. De certa forma,
poderíamos relacionar com aquilo que deve ou pode ser cultivado. Posteriormente, com o advento
do pensamento grego, a palavra foi adotada como algo a ser aprendido por meio da educação
formal, substituindo assim a palavra paideia, até então usada pelos gregos como simbolismo
de algo ou de conjuntos de conhecimentos que deveriam ser transmitidos às crianças. Quando
traçamos ou estabelecemos um paralelo entre o desenvolvimento do conceito de cultura e a
evolução da humanidade, visualizamos o quanto o conceito de cultura sofreu variações com o
tempo.
Cabe uma ressalva nesse momento: o termo evolução vai ser utilizado aqui no sentido temporal,
ou seja, mudanças ocorridas no ser humano no curso da História através de séculos de adaptação à
natureza e de convivência entre os seres. Essa ressalva explica-se pelo fato de que a palavra “evolução”,
tomada ao pé da letra, pode nos remeter a melhorias ou a condições mais confortáveis e justas na
vida das pessoas e no relacionamento delas com o mundo. Entretanto, não é possível afirmar que
sempre existem melhorias, são inúmeros os exemplos de deterioração na qualidade de vida de milhões
de pessoas decorrentes de supostos avanços da ciência.
A dominação de um povo sobre outro é uma característica que marcou e marca a espécie humana,
e o conhecimento que determinados grupos possuem é, sem dúvida, um fator determinante para isso.
Claro que alguns podem afirmar que o motivo de domínio ou superioridade de um povo sobre outro
está atrelado a questões materiais ou de propriedade de certos bens naturais, como o petróleo em certos
países, os minerais em outros, recursos hídricos, enfim, a cada momento histórico um ou outro recurso
parece mais importante. Mas a questão ainda é o conhecimento, isso porque todos os outros recursos
precisam ser modificados, extraídos, produzidos, isto é, o conhecimento é a chave ou instrumento de
poder e dominação.
11
Unidade I
Saiba mais
A posse e a construção dos mais diversos conhecimentos sempre ocorreram em tempos e condições
desiguais; o que é natural, posto que as respostas às necessidades e às adaptações também são diferentes.
Por conta disso tudo, já podemos partir para uma primeira definição do conceito de cultura, que seria:
tudo aquilo que não nasce junto com o ser humano, em outras palavras, tudo o que é construído pelo
ser humano, quer individualmente, quer coletivamente.
A superação das barreiras, indo além do orgânico, possibilitou ao homem, de certa forma, libertar-se
da natureza e espalhar-se pelo mundo. O ser humano é o único animal a conseguir tal feito.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
No curso da História, como é do seu conhecimento, grupos de povos ou nações foram se desenvolvendo
diferentemente e adquirindo poder e influência sobre outros povos. Uma vez que todos nascem iguais,
podemos afirmar que a cultura faz com que uns sejam pretensamente mais desenvolvidos que outros,
mas como isso se deu?
Ainda na busca de uma conceituação mais apurada para o conceito de cultura, poderíamos afirmar
que ela compreende e é tudo aquilo que pensamos, nossa maneira de nos vestirmos, a forma como
organizamos nossos laços de amizade e de família, o que escolhemos como lazer, como trabalhamos,
enfim, absolutamente tudo o que nos torna humanos e sociais. Em última fala, pode-se dizer que é o
conjunto de conhecimentos e procedimentos que faz com sejamos aceitos e pertencentes a um grupo
social ou uma sociedade.
Lembrete
Contudo, o que leva um grupo de pessoas ou um indivíduo a julgar que sua cultura ou outra qualquer
é superior, melhor ou mais correta? A resposta a essa questão é fundamental para compreendermos
algumas relações de poder que existem entre os diferentes povos ou dentro de uma mesma comunidade.
Essas relações atenuam-se quando levamos educação de qualidade para fora da escola, justificando
assim a presença do pedagogo em várias localidades nas mais diversas condições.
13
Unidade I
Outros conceitos são importantes para o entendimento da cultura, são eles: o etnocentrismo, o
evolucionismo social e cultural, o determinismo geográfico e o determinismo biológico. Eles são
fundamentais para o processo de reflexão pelo qual passa esse início da disciplina que estamos estudando.
Isso porque são condições e concepções de cultura e sociedade que, por longos períodos, explicaram e
justificaram as relações de poder que persistem entre os povos e, com isso, restringiram a educação ao
espaço da escola, frequentado por poucos, e mantendo o profissional da educação em uma área muito
restrita, de acesso a raros afortunados. Além disso, há inúmeras manifestações de intolerância entre
os povos e mesmo dentro de uma mesma sociedade, que têm origem nos conceitos que foram citados
acima. O rompimento desse paradigma de intolerância, incompreensão e elitismo cultural caminha lado
a lado com a inserção do pedagogo nas mais diversas áreas da sociedade, formando um movimento
relativamente linear, ou seja, quando mais relativizada a cultura, mais espaços para atuação daqueles
que se ocupam da disseminação da cultura formal, os pedagogos. Assim sendo, vamos esclarecer esses
conceitos um de cada vez, iniciando pelo evolucionismo social e cultural.
Por muito tempo, a origem do mundo e a evolução dos seres vivos, sejam eles humanos ou não,
pautaram‑se pela explicação religiosa, as teorias dogmáticas que colocavam em Deus as respostas para
todas as perguntas prevaleciam1. Essa corrente de pensamento justificava inclusive a dominação entre
os povos e casos de violação de direitos: a justificativa aqui era divina, logo, diferenças de cultura eram
tidas como erradas, uma vez que certos grupos ou povos postavam-se frente ao mundo de forma
diversa, fora dos padrões seguidos por grupos que acreditavam ter a benção divina. Historicamente
falando, Estado e Igreja caminhavam muito próximos, e toda forma de poder era validada e justificada
pela religião.
1
Não cabe nessa disciplina a discussão sobre a origem do mundo, não se trata de desconsiderar crenças e tradições
sejam elas quais forem, contudo, nesse momento estamos restritos ao âmbito da ciência e o dogmatismo impediria o
aprofundamento das nossas reflexões, tornando inclusive, este estudo sem efeito.
14
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Note que, até esse momento, existia uma explicação religiosa para justificar a crença de
que uma cultura é mais avançada ou melhor do que outra, mas as relações de dominação entre
os povos não deixam de existir, as desigualdades e preconceitos continuam tão fortes quanto
antes e por vezes até maiores. Historicamente, esse ambiente se dá por volta dos séculos XII
e XIII, ou seja, em plena expansão europeia e com intenso movimento de colonização. Logo,
as relações de poder estavam em plena efervescência, com culturas sendo dizimadas e com a
imposição de culturas mais antigas ou pertencentes aos países mais ricos sendo impostas em
todo o mundo.
Quando colocamos nossa cultura ou sociedade como referência de modelo a ser seguido por
julgá-la mais correta estamos sendo etnocentristas. O que isso significa? Etnocentrismo é a postura
ou pensamento que se coloca no centro das reflexões e se percebe como modelo padrão, a partir daí
15
Unidade I
avaliando os demais. Importante notar que as relações de poder passam por essa condição à medida
que se estabelece sempre o melhor e o superior. Essa teoria colocava os povos europeus como mais
avançados na linha evolutiva. Note que, nesse raciocínio, todos os povos evoluem, mas como o processo
não cessa, a cultura que está no topo ou na ponta da linha da evolução sempre estará à frente das
demais. Esse raciocínio não durou muito tempo, as respostas dadas por ele não justificavam as relações
de poder e os estudiosos da cultura e das sociedades o questionavam, daí a necessidade de buscar outras
explicações para as diferenças culturais.
Lembrete
Dessa forma, ainda seguindo na linha do tempo na busca de um conceito mais apurado de cultura
e do entendimento de que todas as culturas são igualmente importantes, passamos agora a dois outros
conceitos já citados: o determinismo geográfico e o determinismo biológico.
O determinismo geográfico é uma concepção teórica acerca das diferenças culturais que
justificam dominações de um povo sobre outro, inferioridades culturais por meio da tese de que
pessoas nascidas em certos lugares estão predeterminadas a serem de um jeito ou de outro. Em
outras palavras, uma criança nascida na Europa, por exemplo, seria mais inteligente e melhor
ser humano do que uma criança nascida na África; sendo assim, o lugar de nascimento é que
determinaria se um povo era melhor ou não. Ainda temos, nessa visão, uma Europa no centro do
pensamento e na ponta do desenvolvimento, mas é importante notar que essa forma de ver as
pessoas e os povos de uma forma geral existe até hoje, são conhecidas teses que defendem que
certos povos árabes são mais econômicos, que os orientais seriam mais aptos para os números e
assim por diante.
Com o passar do tempo e com o aumento das colonizações, conseguidas e aprimoradas com
as melhorias nas navegações, os representantes dos países se estabelecem cada vez mais nos locais
colonizados. Então, surge um problema para a teoria do determinismo geográfico: afinal, o que seria dos
filhos de colonizadores que nascessem nos locais mais distantes? A resposta a essa questão se dá com
o advento do determinismo biológico, ou seja, os aspectos genéticos e hereditários seriam o marco e o
balizamento para o desenvolvimento da personalidade, da capacidade intelectual, enfim, a cultura seria
uma herança biológica.
O leitor está acompanhando, creio eu, o caminho pelo qual o conceito de cultura percorreu até
hoje, ou seja, os estudos sociológicos sempre estiveram relacionados e conectados com o pensamento
de determinadas épocas. Não é diferente do que se faz em educação, importante ressaltar. O que estou
afirmando é que ensinamos aquilo que acreditamos e isso não existe sem intencionalidade; assim
16
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
chegamos à afirmação presente logo no início desse material: a educação é uma prática eminentemente
política.
Lembrete
Voltando ao determinismo biológico. Sua tese não se confirma quando analisamos aspectos culturais,
e os exemplos para refutar essa teoria são inúmeros. Vários são os casos conhecidos de jogadores de
futebol que investiram na carreira dos filhos e esses não possuem as mesmas habilidades que seus
pais, casos de pessoas adotadas e que incorporam os costumes da nova família, isso quando não há
mudança de país. Talvez a maior prova disso esteja na maioria das nossas famílias: quantos de nós
possuímos irmãos e irmãs que são absolutamente diferentes entre si embora descendam dos mesmos
pais e tenham sido criados da mesma forma?
Lembrete
Por conta dessas questões e das inconsistências apontadas nas mais diversas correntes de pensamento,
chega-se ao que chamamos de relativismo cultural. Trata-se de uma visão mais abrangente, pois, de
acordo com essa linha de pensamento, não há culturas mais evoluídas, deixam de existir conhecimentos
ou tradições mais importantes. É relevante perceber que não se pode nem ao menos ter a crença de que
certas pessoas são mais cultas do que outras: o que existe são diferentes saberes e caminhos pelos quais
as pessoas e os povos trilham suas vidas.
Nas palavras de José Luiz dos Santos, podemos constatar o quanto é importante o conhecimento e
a valorização e respeito das mais diversas formas de cultura:
Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar
conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções
e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade
de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As
variações nas formas de família, por exemplo, ou nas maneiras de habitar, de
se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem
sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de
sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência.
Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos,
oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações
humanas. (SANTOS, 1987, p. 8).
Lembrete
Embora devamos não fazer grandes distinções entre as culturas sob o risco de sermos preconceituosos,
podemos estabelecer três divisões: cultura erudita, cultura popular e cultura de massa.
O que a faz ser erudita é o rigor com que é produzida e, por isso mesmo, ser acessível a um público
restrito tanto na produção quanto na fruição. Por conta disso, supõe-se que é incompreensível para
a maioria da população, por não ser capaz de produzi-la ou compreendê-la. A crítica às sociedades
muito dividas ou àqueles que valorizam em demasia essa cultura é a possibilidade e até a tendência a
desvalorizar outras manifestações culturais e as pessoas que, em geral, não tem acesso a ela.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Trata-se um conceito complexo por ser oriundo de diversas camadas e manifestações, populares ou
não. O risco desse enfoque deriva da concepção de folclore como realidade pronta e acabada, quando
na verdade toda cultura é dinâmica, em constante transformação. Aliás, a vitalidade da cultura popular
absorve e reelabora as inúmeras influências de outros costumes, como as que resultam do contato do
mundo rural com o urbano, ou do impacto da tecnologia e da cultura de massa.
A cultura de massa resulta dos meios de comunicação de massa, ou seja, a mídia. Podem ser tidos
como meios de comunicação de massa: o cinema, a televisão, o rádio, a imprensa escrita, as revistas de
19
Unidade I
grande circulação, enfim, tudo aquilo que atinge uma grande quantidade de pessoas pertencentes a
todas as classes sociais e de diversas formações culturais.
Essa cultura, distinta da erudita e da popular, teve início principalmente com a evolução da
burguesia e com evolução da complexidade do cotidiano das grandes cidades, que se deu no período da
revolução industrial. É nesse momento que surge uma produção cultural produzida por grandes grupos
profissionais que vinculam informações e ideias com grande penetração popular, abordando diversos
temas e formando opiniões nas diferentes classes sociais, dando início a massificação das ideias.
Note que isso não nos leva a um mundo ideal, mas nos fornece a concepção e o embasamento
teórico para que possamos trabalhar com a diversidade de indivíduos, tradições e histórias que marcam
nossos alunos e, de forma mais ampla, com o mundo em que vivemos. As relações de poder existem
20
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
e são muito fortes; entretanto, esse poder e essas relações são hoje estabelecidos por meio de vários
instrumentos, cabendo a nós, educadores, entender toda a complexidade com que o poder se estabelece.
Para embasar ainda mais nossas reflexões, convido você a ler o texto fornecido na íntegra logo a
seguir, intitulado “Ritos corporais dos Nacirema”, do antropólogo norte americano Horace R. Miner.
Tomando o texto como referência, percebemos o quanto nossa visão em relação ao outro é de
estranhamento; por mais que estudemos sobre diversidade cultural, ainda mantemos em nós uma visão
bastante egocêntrica. Após a leitura, analise com calma o nome do próprio texto.
Desse ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam aspectos
tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a que pode
chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a chamar a
atenção dos antropólogos para os rituais dos Nacirema, mas a cultura desse povo permanece
insuficientemente compreendida ainda hoje.
21
Unidade I
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano
é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado
em tal corpo, a única esperança do homem é desviar essas características através do
uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais
santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos dessa sociedade
têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito
frequentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas
casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de culto das mais
ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas, aplicando placas de
cerâmica às paredes de seu santuário.
O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal. Apesar
de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que choca o
estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o ritual
consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente com
certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente formalizados.
Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o sacerdote da boca uma ou duas vezes
ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo
de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios
bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote abre a
boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a
degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias
mágicas. Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais
dentes são extirpadas para que a substância natural possa ser aplicada. Do ponto de vista
do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter
extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem
ao sacerdote da boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes continuarem a
degenerar.
Esperemos que, quando for realizado um estudo completo dos Nacirema, haja um
inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas. Basta observar o
fulgor nos olhos de um sacerdote da boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto,
para se suspeitar que este rito envolva certa dose de sadismo. Se isto puder ser provado,
teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências
masoquistas bem definidas.
22
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Foi a essas tendências que o Prof. Linton (1936) referiu-se na discussão de uma
parte específica dos ritos corporais que é desempenhada apenas por homens. Essa parte
do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos
especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o
que lhes falta em frequência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as
mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto
teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista
tenha desenvolvido especialistas sádicos.
As cerimônias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de
nativos realmente doentes que entram no templo se recuperem. Sabe-se que as crianças
pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao templo,
porque “é lá que se vai para morrer”. Apesar disso, adultos doentes não apenas querem, mas
anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para
tanto. Não importa quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os
guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva
valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido
às cerimônias, os guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer
outra doação.
Resta ainda outro tipo de profissional, conhecido como um “ouvinte”. Esse “doutor-
bruxo” tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas
enfeitiçadas. Os Nacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos;
particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto
lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contramagia do doutor-bruxo é inusitada por
sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “ouvinte” todos os seus problemas
23
Unidade I
Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na estética
nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções. Existem
jejuns rituais para tornarem magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornarem
gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres
que os têm pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o
tamanho do seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de
variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário
quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo
de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa,
contemplarem-nos.
Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente demonstrou ser esse povo
dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver
por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos
quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo
relevado por Malinowski, quando escreveu:
Note o leitor que a palavra “nacirema” é “american” de traz para frente; logo, estamos nos referindo
a nós mesmos, mas usando palavras diferentes e descrevendo a partir do outro prisma os rituais que são
muito comuns para qualquer um de nós.
24
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Encerramos assim o tópico cultura, embora ele vá voltar às nossas discussões muitas vezes, nossa
abordagem específica sobre ele termina nesse ponto.
Saiba mais
Trabalhar a questão da educação atualmente, em um contexto cada vez mais marcado pela
diversidade cultural e espacial, é um desafio para qualquer educador, principalmente para o pedagogo
que trabalhará em várias dimensões. De acordo com a proposta dessa disciplina, vale uma reflexão
acerca do que Morais nos adverte:
Qualidade de vida é um assunto muito discutido atualmente pela sociedade, afinal, todos querem
viver mais e melhor. A busca pelo equilíbrio entre a saúde física e mental para viver em harmonia é desejo
de todos, não importa a que classe social pertença. Em toda parte, nos programas de TV, cursos, revistas
ou até nas conversas informais do cotidiano há sempre alguém com uma receita mágica sobre como
melhorar a sua qualidade de vida. O fato é que toda vez que nos remetemos ao termo qualidade de vidas
pensamos quase automaticamente em um padrão de vida mais elevado. Dessa forma, imaginamos que
aqueles que possuem cargos importantes, casas confortáveis, desfilam com roupas elegantes, utilizam
celulares modernos e todas outras bugigangas tecnológicas são sinônimos de qualidade de vida.
Grande engano, pois os inúmeros bens materiais ou seu acúmulo, bem como bons empregos, apenas
indicam o padrão de vida; já a qualidade de vida está relacionada à quantidade de experiências positivas
experimentadas ao longo da vida. Perceba que as experiências positivas que vivenciamos nem sempre
estão relacionadas a viver de maneira mais ou menos confortável.
26
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Dessa forma, qualidade de vida tem a ver com momentos memoráveis, superação dos desafios,
emoções positivas, perseverança, valores, entre outras questões. Mas como ter qualidade de vida em
um hospital ou vivendo em um hospital? Considere que muitas pessoas permanecem por longos
períodos hospitalizados, seja por doenças, seja por acidentes. A cada ano, no Brasil, cresce o número
de crianças que vivem hospitalizadas por conta de inúmeras enfermidades. Diante de tantos casos, a
educação precisa chegar até o interno: trata-se de um direito do cidadão e um dever do governo. Essa
sistematização educacional, com profissionais especializados, recebe o nome de Pedagogia Hospitalar.
A Pedagogia Hospitalar tem por objetivo conscientizar, discutir e ampliar as ideias dos profissionais
da educação quanto a proporcionar uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas que necessitam
de cuidado e um olhar especial para um atendimento individualizado, seja no atendimento domiciliário
ou hospitalar. Ela vem se expandindo no atendimento à criança hospitalizada, e em muitos hospitais
do Brasil tem se enfatizado como uma visão mais humanista, sendo implantada para o auxílio de
tratamentos às crianças e adolescentes com diversas doenças. Assim, o trabalho do pedagogo não
está voltado apenas para o ambiente escolar, mas também em hospitais ou trabalhos com enfermos
domiciliares, ou seja, o trabalho do pedagogo não está atrelado apenas às questões cognitivas, mas tem
uma preocupação global com o aprendiz, para as necessidades físicas, emocionais, afetivas e sociais do
indivíduo.
estar atento às questões como troca de experiências por meio da socialização entre os pacientes e os
profissionais.
Apesar dessa prática pedagógica ser fundamentada em estudos teóricos, o que acontece no
ambiente hospitalar ainda é bastante incipiente, o que faz com que essa modalidade de ensino
seja pouco conhecida em nível nacional, bem como a sua produção científica. Isso porque o
reconhecimento de uma determinada área do saber dá-se, em grande parte, pelo que ela tem
produzido cientificamente.
Embora haja falta de preparo, os hospitais devem dispor às crianças e aos adolescentes um
atendimento educacional de qualidade e igualdade de condições de desenvolvimento intelectual e
pedagógico com base na legislação vigente, que ampara e legitima o direito à educação. A preocupação
advinda do processo da doença e o aumento da ansiedade são minimizados com a presença do ambiente
escolar no período de internação, auxiliando na recuperação da saúde da criança. Assim, a educação
vem transpondo os muros escolares e desmitificando o preconceito e a ideia de que o pedagogo está
apto a exercer suas funções na sala de aula, quando na verdade, todo local em que há uma prática
educativa torna-se um espaço de atuação para o profissional da educação.
Saiba mais
Quando pensamos em hospital, automaticamente ficamos receosos, pois a ideia de ficar em um leito
hospitalar está relacionada a doenças que nos remetem ao término da vida. Quando se trata de hospital
infantil ou de uma ala infantil, o receio aumenta e vem tomado por fortes emoções. Afinal, quando
pensamos em uma criança, a ideia que nos vem à mente é de alguém correndo, brincando; quando se
trata de adolescentes, pensamos neles com seus iPods ouvindo músicas ou em bandos, falando e rindo
alto.
Hoje, os hospitais ou alas infantis encontram-se, em sua maioria, mais humanizadas. Em geral, as
alas das crianças e dos adolescentes têm paredes com cores alegres, desenhos, brinquedos, jogos, TV,
contadores de histórias, entre outras coisas que contribuem para o bem-estar. Tudo isso tem humanizado
28
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
a relação do paciente com as doenças, tornando evidente a preocupação dos profissionais da saúde com
a afetividade para a recuperação das enfermidades.
Assim, estando a escola a serviço das crianças hospitalizadas e buscando atendê-las, a Pedagogia
Hospitalar tem seu início em 1935, próximo a Paris, por Henri Sellier, que tentava melhorar a condição
de vida das crianças que não poderiam frequentar a escola. Diversos países europeus, assim como os
Estados Unidos, passaram a seguir o exemplo de Sellier, com o objetivo de suprir as dificuldades escolares
de crianças tuberculosas.
Segundo Esteves (2008), com a explosão da Segunda Guerra Mundial, cresceu o número de crianças
e adolescentes mutilados e/ou acometidos pelas mais diversas doenças e que foram impedidos de ir à
escola, assim surge a classe hospitalar. Diante dessa triste realidade, o atendimento pedagógico dos jovens
e enfermos foi uma maneira de contribuir com a melhora dos pacientes. O Centro Nacional de Estudos
e de Formação para a Infância Inadaptada de Suresnes – CNEFEI – foi criado na França, em 1939, com
29
Unidade I
o objetivo de formar professores para exercer o magistério em institutos especiais e em hospitais. Nesse
mesmo ano, o Ministério da Educação da França, percebendo a necessidade, criou o cargo de professor
hospitalar. Atualmente, o CNEFEI funciona em regime de internato para os profissionais da educação,
assistentes sociais e médicos que queiram dedicar-se aos pacientes impossibilitados de frequentar a
escola, acometidos por alguma enfermidade.
No Brasil Colonial, os doentes eram tratados com ervas, chá e os mais variados tipos de tratamentos
alternativos. Somente com o início da industrialização surge uma preocupação do governo, na
época Vargas, com o seguro social entre os diversos profissionais. De acordo com Rosen (1979), com
a crescente industrialização, o número de enfermidades advindas pelo excesso de trabalho ou pelo
trabalho realizado de forma inadequada cresceu. Com isso, a medicina social tornou-se uma resposta
aos diversos problemas nesse âmbito. Com o aumento da população, a medicina acabou influenciada
pela crescente demanda, assim, deixou de se preocupar com as questões psicológicas e passou a tratar
apenas das questões de cunho físico e biológico, o que tornou o trabalho dos profissionais da saúde
quase mecânico.
A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo foi, em 1900, a pioneira no atendimento hospitalar no
Brasil, destinando-se ao atendimento de pessoas com deficiência física. Os primeiros relatórios sobre
as classes hospitalares datam 1931, mas somente em 1997 dá-se o início à implantação de classes
hospitalares nos modelos propostos atualmente.
É apenas com o amparo legal que a classe hospitalar, bem como a educação especial, tem sua
implantação assegurada em alguns princípios e fundamentos, tais como: “A Educação é direito de
todos e dever do Estado e da família. O direito à educação se expressa como direito à aprendizagem
e à escolarização” (BRASIL, 1988). O artigo 214 da Constituição Federal afirma que as ações do Poder
Público devem conduzir à universalização do atendimento escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional assegura que o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes
níveis de ensino (art. 5º § 5º), podendo organizar-se de diferentes formas para garantir o processo de
aprendizagem (art. 23). (Brasil, 1996).
Mesmo que assegurados por lei, o número é bastante inexpressivo em relação à necessidade. Menezes
explica:
Os tratamentos oncológicos são a maioria dos casos que requerem atendimento hospitalar, seguido
dos casos de Aids, ambos obrigam a permanência mais longa no hospital. A tabela 1 apresenta a realidade
de implantação de classes hospitalares no Brasil até o ano de 1997.
Apesar de a classe hospitalar apresentar seus primeiros registros em 1931, é a partir da década
de 1980 que seu número cresce. Entretanto, como podemos observar, a adesão de hospitais é pouco
significativa. Em 2001, o Ministério da Saúde, preocupado com valores mais humanísticos, anunciou o
PNHAH – Programa Nacional de Humanização no Atendimento Hospitalar – direcionados a gestores e
profissionais da saúde. O documento é inovador na tentativa de resgatar valores não apenas científicos,
mas humanos nas relações entre profissionais da saúde e seus pacientes. Conforme podemos verificar
no documento abaixo,
31
Unidade I
O documento nasce da inatisfação do cidadão com o atendimento aos serviços de saúde como
a falta de médicos, de medicamentos e de hospitais. É notório que muito pouco se alterou, mas o
documento é inovador ao se preocupar com a relação entre o profissional e o paciente, bem como com
a formação dos profissionais da saúde em relação à humanização do atendimento, pois
Para Calegari (2003, p. 34), com o intuito de implantar e multiplicar as metas frente às redes hospitalares
públicas, estaduais ou municipais, o programa apresentou quatro planos distintos, assim definidos:
Como é possível notar, os planos têm por objetivo um trabalho articulado, pois, sendo o hospital um
local para o cidadão cuidar da saúde, é preciso que haja uma humanização em respeito aos pacientes.
Não é aceitável uma única forma em lidar com os pacientes, pois há uma heterogeneidade em relação
à doença, ou seja, os profissionais devem levar em conta o conjunto dos aspectos físicos, sociais e
subjetivos, presentes no processo de constituição e desenvolvimento de cada pessoa. Segundo Calegari
(2003), humanizar refere-se à possibilidade de assumir uma postura ética de respeito ao outro, de
acolhimento do desconhecido e de reconhecimentos dos limites.
Converter o atendimento médico em algo mecânico e considerar a doença de forma isolada, isto é, não
relacionando com outros fatores circunstanciais como sociais, emocionais, educacionais e psíquicos, tornam
o atendimento automático, o que gera inúmeras situações de mal entendidos e dificuldades no tratamento.
É determinante uma nova forma de pensar as práticas das instituições de saúde, buscando diversas
maneiras no atendimento que favoreça o contato pessoal. Não se deve tratar o doente como um objeto,
mas considerar sua fragilidade física e emocional devido à doença e as consequências dela na relação
entre o profissional e o usuário. No convívio hospitalar, são despertados sentimentos como afeição,
carinho, raiva, medo, angústia, empatia, simpatia, respeito etc., sentimentos que podem surgir em
qualquer relação pessoal. No entanto, esses aspectos precisam ser partilhados, trabalhados, refinados
para o sucesso do atendimento e tratamento do paciente.
A criação do PNHAH pelo Ministério da Saúde tem por objetivo alertar os hospitais quanto ao
tratamento mecânico em relação ao paciente, partindo da premissa de que, por meio de uma relação com
33
Unidade I
foco no respeito aos objetivos de saúde e bem-estar, os êxitos seriam alcançados. Apesar de ser crescente
o número de profissionais articulados nas mais diversas áreas do conhecimento objetivando uma melhor
qualidade de vida do indivíduo hospitalizado, os direitos de toda pessoa enferma são assegurados, mesmo
que minimamente, por um conjunto de leis e decretos que visam a garantir os cuidados em relação à
saúde, relacionando-a com a educação. Portanto, a ciência evolui por conta da necessidade da sociedade,
por meios de suas inquietações, dúvidas, necessidades e busca de bem-estar. Em outras palavras, a ciência
evolui ou trabalha no sentido a dar ao homem a maior qualidade de vida possível.
Saiba mais
Como já vimos quando e como tudo começou, agora é hora de entendermos um pouco mais sobre
a legislação que favorece o atendimento a crianças e adolescentes hospitalizados.
Sendo a criança hospitalizada retirada do seio da família, sua exclusão, a falta de socialização com
colegas de sua idade e do ambiente escolar frequentemente tornam a criança mais deprimida, o que
colabora determinantemente com a queda da autoestima. Assim, a intervenção pedagógica já é uma
realidade no ambiente hospitalar, graças à iniciativa de grupos voluntários e algumas instituições e
universidades preocupadas com o afastamento da escola. Em alguns casos de doenças graves, esses
jovens passam meses, até anos, sem frequentar a escola, longe do processo de escolarização.
34
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Diante da preocupação com o distanciamento dessas crianças com o universo escolar, a classe
hospitalar tem a função de socializar a criança por um processo de inclusão, dando continuidade à sua
aprendizagem. A inclusão social é o resultado do processo educativo, pois a escola passa a ser o único
vínculo existente entre a criança hospitalizada e o mundo exterior. Críticos e especialistas em inclusão
apontam para o fato de que se está alcançando apenas uma inserção; não se trata de questionar a prática
em si, mas de conceituá-la adequadamente. O fato é que inclusão ou inserção são nomes e conceitos, ao
passo que a alegria e satisfação das crianças e de seus familiares são muito mais significativas.
Somente a partir de 1988 a Constituição Federal institui que a educação é direito de todos e dever
do Estado e da família, com o intuito de que o ser humano se desenvolva como um todo, ou seja,
como indivíduo, cidadão e trabalhador. Assim, a formação escolar deve atender a todos em quaisquer
ambientes, tendo a criança hospitalizada o seu direito assegurado. Com base nesse princípio, vamos nos
deter, ainda que brevemente, nas principais leis que defendem esse direito.
Somente após 15 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei 8069 de 13 de
julho de 1990, assegura os direitos das crianças e adolescentes em condições de hospitalização. Vejamos
alguns artigos desta lei.
Se, até o momento, não se tinha claro que as crianças e adolescentes acabavam excluídas do universo
escolar por conta de enfermidade, o artigo 57 traz luz à questão. Assim, a legislação passa a assegurar
o direito das crianças e adolescentes que, por motivo de doença, fiquem impossibilitados a frequentar
o ambiente escolar.
Já o artigo 53 é ainda mais específico, enfatizando que: “a criança e o adolescente têm direito à
educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: [...] igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola” (BRASIL, 1990). Então, fica a discussão sobre como isso pode ser possível quando o aluno tem
algum problema de saúde.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, por meio da resolução 41, publicada
em 13 de outubro de 1995, chancelada pelo Ministério da Justiça, trata dos direitos da criança e do
adolescente hospitalizados. Segundo Calegari, (apud Ceccim e Carvalho, 2003), tais direitos são descritos
da seguinte forma:
36
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Entre os direitos elencados no documento citado acima, destaca-se o 9º, que assegura à criança
e ao adolescente o direito de usufruir do acompanhamento escolar ou recreativo, de acordo com a
necessidade e sua enfermidade durante todo o período de sua internação.
As diretrizes e bases da educação nacional, de acordo com a Lei 9.394 de 1996, artigo 58, estabelece
que educação especial é modalidade da educação escolar oferecida na rede regular de ensino para
educandos portadores de necessidades especiais. No parágrafo segundo deste artigo, fica assegurado
que esse serviço poderá se configurar em outros ambientes caso não seja possível sua integração nas
classes comuns do ensino regular, a saber:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
§2º. Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de frequência deve ser
realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que
atende o aluno. (BRASIL, 2001a).
Esse mesmo documento apresenta estratégias e orientações para o atendimento nas classes
hospitalares, assegurando o acesso à educação básica e traz orientações de informações como os dados
pessoais do aluno, de hospitalização e da escola de origem. O professor deve manter os registros em
uma ficha com os conteúdos que foram trabalhados e outras informações que se fizerem necessários.
Em casos que o estudante frequente por mais de três dias a classe hospitalar, a escola deve ser avisada
por contato telefônico, informando a participação nas aulas e obtendo informações referentes aos
conteúdos que estão sendo trabalhados, no momento, em sua turma. Após alta hospitalar, é enviado
relatório descritivo das atividades realizadas, do seu desempenho, posturas adotadas, dificuldades
39
Unidade I
Segundo a proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) é obrigação do
Estado fazer com que toda criança disponha de todas as oportunidades possíveis para que os processos
de desenvolvimento e aprendizagem não sejam suspensos. A existência de atendimento pedagógico-
educacional em hospitais em nada impede que novos conhecimentos e informações possam ser
adquiridos pela criança ou jovem e venham contribuir tanto para o desenvolvimento escolar como
pessoal.
A classe hospitalar no Brasil apresenta inúmeros problemas, ainda que existam as leis citadas
anteriormente. Mesmo com a contribuição do documento proposto pelo MEC, que estabelece orientações
para o atendimento pedagógico em ambientes não escolares, notamos que é preciso mais esclarecimento
sobre a importância desse serviço para a comunidade e secretarias de educação e saúde, a fim de que
todos se tornem conscientes de sua importância para a garantia de qualidade de vida e continuidade de
atendimento escolar. O Estado e a sociedade devem priorizar e combater todos os fatores que afastam
crianças e adolescentes do sistema escolar, e não adianta apenas conhecer o problema, é preciso ter
princípios e criar condições para que estes sejam evitados.
Como podemos perceber, apesar da legislação caminhar lentamente em nosso país, hoje as crianças
e adolescentes doentes estão amparados legalmente. Assim, aqueles que necessitam ficar por um longo
período nos quartos de hospitais podem continuar suas atividades escolares que auxiliam muitas vezes
no tratamento da enfermidade, possibilitando-lhes o sentimento de pertencimento, de realização e
fazendo-os sentirem-se vivos e com perspectivas.
A reportagem a seguir foi publicada na Revista Nova Escola em março de 2009. Segue na íntegra em
função da sua relevância, pois chama a atenção para necessidade da capacitação de mais profissionais
na área de Pedagogia Hospitalar, bem como sua importância durante o tratamento dos pequenos
pacientes.
Lecionar para estudantes internados exige preparo psicológico para lidar com as famílias,
os médicos, as escolas... e a morte
Frank é uma das 65.956 crianças que estudaram em salas adaptadas ou no próprio
leito em 2007, segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
40
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Educacionais Anísio Teixeira. Apesar do público numeroso, a modalidade ainda não é uma
realidade em todo o território nacional. O próprio Ministério da Educação (MEC) reconhece
que há carências graves pelo país – são 850 hospitais oferecendo o atendimento, em um
universo de quase 8 mil unidades.
Além disso, especialistas alegam que as experiências em curso nem sempre ocorrem num
contexto ideal. “Há o déficit de profissionais para atuar do 6º ao 9º ano. E, em muitos lugares,
o voluntário ainda atua no lugar do educador”, diz Eneida Simões da Fonseca, professora do
Departamento de Estudos em Educação Inclusiva e Continuada da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro. Na prática, é a equipe médica que deve acionar as secretarias de Educação
assim que um estudante da rede pública dá entrada com alguma doença severa (para
os oriundos da particular, é a própria escola que deve providenciar o serviço). Em alguns
Estados e municípios, já existe inclusive um quadro de docentes previamente concursados
e preparados para a função, e é junto a esses órgãos que interessados no emprego devem
procurar orientações. “Cabe aos governos locais oferecer a mão de obra e as capacitações
necessárias. Tudo para que o aluno se atrase o mínimo possível no ritmo de sua turma
original”, diz Martinha Dutra dos Santos, coordenadora-geral da Secretaria de Educação
Especial do MEC.
Apesar de ser chamada tecnicamente de classe, a aula é individual, nos leitos ou em salas
cedidas pela unidade de Saúde. Diferentemente de uma escola regular (onde é possível fazer
atividades de longa duração), cada tarefa precisa ter início, meio e fim no mesmo dia. “É
um ritmo estranho. Eu posso planejar tudo hoje e, amanhã, o estudante recebe alta. Daí eu
tenho que fazer coisas novas para outra criança que acabou de chegar”, conta a professora
Geane Yada, do Hospital Darcy Vargas, em São Paulo. A carga horária também muda. O
educador pode iniciar uma conversa e, em instantes, ter de parar devido a uma indisposição.
O indicado é que o aluno consiga ter o mesmo conteúdo e a mesma carga horária da escola.
Mas, com o sobe-e-desce do tratamento, isso nem sempre é possível.
Assim que um estudante chega para tratamento, o titular da classe hospitalar deve
chamar a família e o futuro aluno para conversar sobre sua situação. Normalmente, um
coordenador pedagógico articula essa fase. Em seguida, o docente entra em contato com a
escola para solicitar o currículo que a criança seguiria e também as atividades já realizadas.
Cabe à unidade de ensino encaminhar todas as tarefas previstas para que o aluno faça em
sua internação – inclusive as provas, que serão devolvidas para a correção pelo educador
da turma regular.
Mas, como contam os profissionais, a questão mais delicada em todo o trabalho é lidar
com a morte. Enquanto esta reportagem estava sendo feita, uma aluna do Darcy Vargas
faleceu. Para Rosemary, são coisas que acontecem. “Temos de encarar da mesma forma que
faríamos em uma turma regular”, argumenta. “E, na hora que os familiares chegam para
conversar com você, não podemos esquecer que não somos psicólogos para dar orientações.
A melhor coisa é ouvir.” Atualmente, já existem até cursos de especialização para ajudar os
professores a enfrentar e se adaptar a todas essas situações.
A volta para a escola precisa ser pensada com antecedência e levar em conta eventuais
adaptações estruturais necessárias, como a construção de rampas para os jovens que passam
a usar cadeira de rodas, o que, diga-se de passagem, deve existir independentemente da
presença de alunos com essa necessidade, é uma questão regulamentar. A montagem bem
42
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
feita de uma pasta ou arquivo, com toda a documentação sobre o período de internação,
também é essencial. Devem ser reunidos os exercícios feitos, os exames aplicados e os
relatórios com a carga horária total do atendimento, os conteúdos abordados e as principais
dificuldades encontradas, inclusive com as observações feitas pelo docente que acompanhou
o aluno durante sua internação, instrumento que é fundamental para a sequência do
trabalho.
A aplicação de provas para medir o nível do aluno em seu retorno não é defendida pelo
MEC. O ideal, para o órgão, é que a equipe pedagógica estude os materiais enviados pelo
hospital para chegar a um diagnóstico. A sensibilização da comunidade escolar também é
essencial e ajuda a evitar comentários maldosos ou qualquer outra forma de tratamento
discriminatório. Como contam os especialistas, a manutenção do vínculo com a unidade
de ensino durante o período de afastamento é a melhor arma contra os problemas, já que
todos estão cientes do processo.
Além de permitir que o aluno internado não perca tempo nos estudos e continue
acompanhando o currículo de sua escola, as atividades nas classes hospitalares são apontadas
por estudos como aliadas da recuperação clínica dos estudantes. Uma pesquisa conduzida
pela professora Izabel Cristina Silva Moura, do Instituto Helena Antipoff, vinculado à
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, acompanhou 50 crianças por um mês
em três hospitais diferentes da cidade. Ela observou que o grupo que assistia às aulas teve
níveis de estresse menores do que os que não passavam pelo atendimento, de acordo com
uma escala especial para esse tipo de análise.
Informalmente, essa também é uma constatação diária das educadoras que trabalham
com jovens doentes. Em 2000, conta a professora Rosemary Hilário, do Hospital do Câncer,
a prefeitura de São Paulo deu férias coletivas para todos os docentes, inclusive os que não
atuavam nas unidades regulares. Até então, a classe de lá ficava aberta nas férias. Durante
o recesso, os médicos que cuidavam dos estudantes internados relataram que as crianças
usaram o dobro de analgésicos. “E, quando eram perguntadas sobre as dores, elas não
sabiam responder”, lembra. “Achamos que isso foi causado pelo ócio. Os alunos precisam se
ocupar, esquecer que estão numa situação delicada”, diz. Desde então, a classe fica aberta o
ano todo, com esquema de revezamento entre os professores no período de festas.
BIBIANO, 2009.
3 A PEDAGOGIA HOSPITALAR
Como é possível notar, o surgimento de novos espaços educativos, como o hospital, enfrenta um
grave problema: a escassez de profissionais em relação à demanda. Ercília Teixeira de Paula traz reflexões
nesse sentido:
43
Unidade I
Em um ambiente tão complexo como o hospitalar, a primeira necessidade que surge na ação docente
é a mudança de paradigma. O termo paradigma aqui representado surge nos escritos de Thomas Khun
(1962) em seu livro “A estrutura das revoluções científicas” (Vasconcellos, 2002) e irá nortear a discussão
que prossegue acerca da percepção do professor que está inserido em uma classe hospitalar. A palavra
paradigma vem do grego, parádeigma, significa modelo, padrão e se define com o estabelecimento
de padrões ou conjunto de regras, regulamentos que fornecem limites dizendo como ter sucesso nas
situações problemas dentro desses mesmos limites.
Segundo Paula (2007), o professor, ao trabalhar impregnado de uma prática educativa tradicional,
deverá inicialmente compreender que mesmo amparada legalmente, a educação hospitalar oscila entre
a educação formal e informal. Dessa forma, é necessária uma visão mais ampla de sala de aula, ou seja,
que fuja dos padrões, pois o aluno requer não apenas que o professor possua conhecimentos específicos,
mas que compreenda que se trata de necessidades mais específicas. O aluno precisa de acolhimento
intelectual e emocional diante de sua condição “enferma” e nas suas crenças sobre o estar vivo.
Não estar inserido socialmente não é fácil para ninguém, ainda mais para uma criança ou
jovem. Assim, a Pedagogia Hospitalar, em termos inovadores, representa uma oportunidade social,
individual e cognitiva de inserção do educando. Vasconcellos (2002) esclareceu que a mudança
de paradigma não passará apenas pela vivência do aluno, mas do professor. A vivência de novas
experiências colocará os alunos diante de seus limites mobilizando novo saberes, práticas e uma
multiplicidade de conhecimentos. A avaliação e reavaliação do trabalho do educador, bem como o
seu emocional, são testados diariamente diante das doenças que seus alunos apresentam. Assim, o
processo pedagógico insere-se em condição de grande dificuldade e a concepção do que é educar,
no ambiente de saúde, deve ser renovada para permitir que o educador realize aquilo que é possível
diante da situação.
Devemos compreender que nem sempre essas crianças terminaram com alta, por isso conviver com
essa realidade de incertezas e medos exige o preparo didático-pedagógico, uma estrutura psicológica
sólida, equilibrada e potencializada. A definição e implementação de procedimentos de coordenação,
avaliação e controle educacional devem ocorrer na perspectiva de aprimoramento da qualidade do
processo pedagógico. A realidade das crianças que se enquadram na internação hospitalar é muito
difícil, delicada e repleta de hesitações devido à alternância de sucessos e dificuldades nos períodos de
incubação das doenças. Literalmente falando, trabalha-se com pessoas que podem vir a óbito e isso deve
ser levado em consideração, a questão psicológica e o preparo dos profissionais nesse sentido devem ser
constantes. O pedagogo deverá articular e direcionar o trabalho dos professores em sua ação educativa,
determinando conteúdos, elaborando planos de aula conjuntos e colaborando para garantir o respeito
às necessidades individuais de cada aluno.
Assim, o professor deverá desenvolver, de forma mais lúdica e prazerosa, atividades direcionadas
aos alunos. Contudo, Wiles (1987, p. 640) destaca que a função do professor de classe hospitalar não é
45
Unidade I
a de manter as crianças ocupadas, mas garantir que as atividades permeiem os aspectos psicológicos
permitindo um encontro criativo e amoroso. E não se trata de uma ação assistencialista ou compassiva,
mas solidária e humanista, além, evidentemente, do cumprimento de um dever do Estado no atendimento
ao direito do cidadão.
Para Matos e Mugiatti (2001, p. 35), a discussão em relação à educação no âmbito hospitalar não se
pautará nas questões cognitivas, mas nas questões sociais, visto que a integração de diversos profissionais
propiciará objetivos mais amplos, ou seja, a inter-relação sobre o conhecimento e o contexto permitirá
ao educador vislumbrar soluções por meio de outras fontes, assumindo o compromisso de transformação
pessoal e social. Contudo, é a presença do pedagogo que garante o direito à educação, e isso independe
de o aluno estar em outro ambiente que não a escola. Marques (2007) compreende que o trabalho do
pedagogo irá assegurar a ponte entre aluno-família-escola, sendo esse profissional indispensável ao
funcionamento adequado do ambiente hospitalar.
A interdisciplinaridade é chave para o trabalho pedagógico, pois o olhar não deve estar apenas
no aspecto biológico, mas associado à percepção dos estados biológico, psíquico, espiritual do aluno
paciente. Suas condições motoras, químicas, bem como ansiedade, frustrações, medos, estão entre os
fatores que ampliam a escutas pedagógicas e influem para uma aprendizagem mais flexível. Sobre isso,
Matos e Mugiatti esclarecem que:
Nesse sentido, cabe ao professor manter o vínculo da criança ou o adolescente hospitalizado com a
escola. Isso remete à necessidade profissional de formar, nos cursos superiores, profissionais capazes de
gerir uma nova demanda de conhecimento em relação ao ambiente hospitalar. Cinthya V. A. de Menezes
(2004, p. 23) sugere que conteúdos introdutórios sobre ambiente hospitalar; metodologia do trabalho
nesses ambientes e prática de ensino do trabalho pedagógico em hospital sejam inseridos como sugestão
em cursos de Pedagogia. A autora acrescenta a importância da introdução de informações científicas
acerca dos diferentes tipos de doenças e procedimentos na ação do educador, assim como destaca como
necessária a integração com os vários enfoques como Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise, Serviço Social
e Terapia Ocupacional.
46
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
1977). A autoestima elevada indica pensar bem de si, reconhecer o valor de suas habilidades pessoais,
transferindo-se respeito e consideração.
Bee (1977, p. 221), ainda ressalta que tão importante quanto à autoestima da criança em relação
a si para a melhora da patologia é a interação entre o emocional e o raciocínio na construção do
desenvolvimento cognitivo. Oportunizar ao enfermo a percepção de que as limitações causadas pela
doença não necessariamente influenciarão o desenvolvimento do aprendiz assegura que sua autoestima
se eleve, assim o enfermo ganha forças para que supere aquele momento difícil.
Desenvolver novas habilidades nos alunos para que enfrentem a doença de forma positiva é a
tarefa da Pedagogia Hospitalar. Educar no ambiente hospitalar é compreender a educação também
como terapia no apoio de recuperação dos alunos. É uma forma proativa perante o mundo que cerca
o indivíduo, uma capacidade de impor-se diante de um problema de modo positivo, um olhar de
consideração sobre si mesmo, ou simplesmente amor-próprio; percebe-se a importância da educação
no ambiente hospitalar demonstrando seu papel terapêutico no processo de apoio aos alunos.
Contudo, vale ressaltar que as práticas educativas não devem ficar a cargo de um único
profissional: em diversos hospitais uma equipe multidisciplinar é organizada (professores, arte-
educadores, profissionais de teatro, dança, psicologia, musicoterapia, palhaços, entre outros) com
as mais variadas funções, mas com um único objetivo: a melhora do paciente. De acordo com Paula
(2007), ao desenvolver atividades com equipes multidisciplinares, as atividades são divididas em dois
polos: práticas educacionais e práticas recreativas. As primeiras referem-se ao acompanhamento da
escolarização e demais processos vivenciados na aprendizagem, enquanto as segundas possibilitam
aos alunos diversão.
47
Unidade I
Essa proposta de trabalhar com equipes multidisciplinares é embasada à luz da Teoria das Inteligências
Múltiplas, de Howard Gardner (1999), que proporciona ferramentas no desenvolvimento cognitivo
dessas crianças em diversas vertentes. O autor redefine a inteligência como “potenciais que podem ou
não ser ativados pelas oportunidades disponíveis na cultura onde a pessoa está inserida” (GARDNER
apud TRAVASSOS, 2001, p. 43). O autor chama a atenção para as inteligências múltiplas que se inter-
relacionam:
O pedagogo é o grande destaque diante da proposta, caberá a ele estimular espaços cognitivos
e interpessoais no sentido de fomentar a busca dos alunos em classe hospitalar por sua autonomia,
autoimagem e autoestima inter-relacionadas às inteligências múltiplas. Freitas destaca sobre o projeto:
A educação não se pauta na simples transmissão de conhecimentos e teorias: o foco é o aluno, que
necessita sentir-se íntegro em relação à sua condição, sendo considerado por suas potencialidades e
não por suas dificuldades de saúde. Portanto, caberá ao pedagogo utilizar a criatividade com base nas
48
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
mais inovadoras teorias que explorem a alegria, o riso e o colorido para os alunos, respeitando seus os
limites diante do tratamento.
Dessa forma, a classe hospitalar necessita, certamente, que a visão entre saúde e humanização estejam
interligadas; os profissionais envolvidos nesse ambiente devem motivar os doentes, possibilitando que
continuem ativos socialmente. Assim, as atividades propostas pelos profissionais são extremamente
importantes para que se sintam estimulados, úteis e com perspectivas de vida normal. Portanto, a
interação entre as diversas áreas e a participação da família no tratamento das crianças e dos jovens
doentes possibilitam uma melhora na qualidade de vida do doente.
Ao trabalhar com classe hospitalar, algumas estratégias pedagógicas contribuem para a melhora do
paciente, pois permitem que ele não fique ocioso, o que contribui para sua recuperação. “A prática do
pedagogo dar-se-á através das variadas atividades lúdicas e recreativas como a arte de contar histórias,
brincadeiras, jogos, dramatização, desenhos e pinturas, a continuação dos estudos no hospital” (WOLF,
2007, p. 2). Segundo Matos e Muggiati (2001, p. 20), várias dessas práticas são asseguradas pela lei
em hospitais, outras são resultados de pesquisa e reflexões científicas de profissionais e estudiosos
envolvidos no contexto.
Como podemos perceber, algumas práticas devem ser inseridas ao cotidiano no atendimento
a crianças e adolescentes hospitalizados. No entanto, para que essas atividades sejam executadas, é
necessário que o educador esteja apto e aberto às mais variadas adversidades, devendo sempre manter
49
Unidade I
um ambiente acolhedor e humano para que o educando sinta-se à vontade e capacitado para realizar
suas tarefas.
A seguir, apresentaremos algumas práticas pedagógicas que possibilitam ao educando conviver com
a doença de forma mais humana e que permitam que as potencialidades sejam ressaltadas.
Para as autoras, a importância do brincar ganha relevância e se dissemina como nova cultura em
hospitais, principalmente a partir do trabalho do médico no filme americano Patch Adams (1999).
Algumas considerações são relatadas em outros estudos que perceberam a oportunidade salutar dessa
ferramenta quando utilizada pela equipe multidisciplinar.
50
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Diante da pergunta “O que você gostaria de fazer no hospital?”, a resposta foi brincar, segundo
pesquisa realizada por Motta e Enumo (2004). Essa resposta é resultado do desejo do paciente; a
atividade lúdica é a ponte entre o momento anterior a doença e o período em que a criança se encontra
em tratamento, muitas vezes para tratamentos penosos e longos.
Este programa visa não somente à criança, mas às relações entre ela, seus
acompanhantes e equipe de saúde, uma vez que interferem no processo de
adoecimento e no curso do tratamento (INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA/
FIOCRUZ, 2008).
O principal objetivo do Projeto Saúde e Brincar, segundo Junqueira (2003, p. 195), foi compreender
como a ferramenta lúdica favorece as relações entre a criança, a equipe e a mãe nas enfermarias
pediátricas. O foco foi a prevenção primária em populações de risco para saúde mental. Junqueira
ressalta:
51
Unidade I
O autor explica ainda a importância de brincar, pois é um facilitador ao acesso simbólico para as
crianças. Diante da realidade da enfermaria pediátrica com pacientes, na sua maioria acometidos de
doenças crônicas, foi utilizado como um dispositivo poderoso de auxílio ao fortalecimento do vínculo
entre mãe e filho. É comum nas histórias de longas internações que a mãe (ou acompanhante) se
encontre exausta em sua saúde física e mental, contaminando a relação com a criança, principalmente
com comportamentos irritadiços e inquietação. Ver os filhos brincando, como descreve Junqueira (2003)
no relato do projeto, traz à mãe um sinal de bem-estar, pois a brincadeira é entendida como sinal de
saúde.
É possível notar, mais uma vez, que a atividade lúdica é o elemento de interação social, possibilitando
tanto a família quanto ao doente um momento de comunicação que não remete a doença.
O momento de espera em um hospital, seja para uma consulta ambulatorial ou para tratamento de
doenças crônicas, gera estresse, pois esse tempo, em geral, é caracterizado pela ociosidade e impaciência,
tanto por parte do paciente como da família. Segundo Silva e Uchôa, transformar esse período em uma
atividade educativa pode ser de grande valia.
Figura 17 – Esperança
Souza (2007) explica que a simples utilização de carrinho metálico devidamente esterilizado contendo
vários materiais pedagógicos, os quais, desse modo, podem ser movimentados mais facilmente, permitem
que atividades lúdicas sejam realizadas, essas valorizam e possibilitam o desenvolvimento cognitivo e
afetivo daqueles que aguardam por atendimento hospitalar.
Com base em Jacques Delors (1998), Gadotti (2000) aponta a necessidade de uma aprendizagem
ao longo de toda a vida. Entre os quatro pilares para orientar esse tipo de educação está o aprender a
conhecer, que significa:
Portanto, fica evidente que aquela aparência de tristeza que, por vezes, permeia o ambiente
ambulatorial pode ser um espaço de conhecimento e interação entre paciente e equipe. Vista por esse
ângulo, a sala de espera pode produzir histórias mais solidárias, beneficiando assim a todos.
4.1.2 Brinquedoteca
situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata
dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação”
(VIGOTSKI, 1986, p. 110). O brincar na construção de novas teorias, na percepção de situações vividas
e como ferramenta restauradora do equilíbrio psíquico é razão que faz da brinquedoteca um lugar de
aprendizagem, pois se considera um caminho de tornar o ser mais feliz.
Observação
No Brasil, a brinquedoteca surgiu em 1971, no Centro de Habilitação da APAE, em São Paulo, com o
intuito de emprestar brinquedos às crianças hospitalizadas e rapidamente se espalharam por diversos
hospitais. Verificou-se que, ao brincar, a criança retoma um ambiente de normalidade, isso permite
resgatar a criatividade, autoestima e a alegria de viver. Assim, o espaço destinado à brinquedoteca
ameniza o sofrimento e o trauma trazido pela vida no hospital.
Ao reconhecer que o ambiente hospitalar é um lugar que traz sofrimento, a brinquedoteca possibilita
que a criança viva com mais naturalidade esse momento de tensão; é uma prática da ação pedagógica
que facilita o acesso ao universo infantil permitindo ao educador exercer função de acolhimento e
mediação. Ao verificar, mediante as mais variadas teorias, que o ambiente favorecia a melhora da criança
ou adolescente, o Congresso Nacional decretou e sancionou a Lei 11.104, de 21 de março de 2005, que
dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas em unidades de saúde:
Art. 3º. A inobservância do disposto no art. 1º. desta Lei configura infração à
legislação sanitária federal e sujeita seus infratores às penalidades previstas
no inciso ll do art. 10 da Lei n.o 6.437 de 20 de agosto de 1977.
Art. 4º. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua
publicação (BRASIL, 2005).
54
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Diante da representação simbólica que o brinquedo propicia a criança. Vigotski (1986, p. 110)
enfatiza que é no brinquedo que a criança aprende a agir em uma esfera cognitiva; afirma-se que no
brincar as crianças estabelecem laços de amizade que auxiliam o desenvolvimento afetivo, cognitivo
e social.
Figura 18 – Brinquedoteca
O desejo do homem em transmitir seu modo de vida, suas ideias, seus desejos e vontades
sempre permearam as relações humanas. Assim, por meio da tradição oral, nossas relações vão
sendo contadas há milênios e milênios, de geração em geração, com intuito de preservar o modo
de viver das pessoas.
Contar faz parte da necessidade humana e da vida cotidiana. Vani Moreira Kenski, que descreve os
tipos de linguagem e a linguagem oral, comenta:
nomeia, define e delimita o mundo a sua volta, cria também uma concepção
particular de espaço e tempo (KENSKI, 2008, p. 28).
Na continuidade de sua reflexão, Kenski (2008) afirma que a sociedade oral é também um “apelo
à afetividade” mais do que à razão. Nesse apelo afetivo, pode-se despertar o espírito criativo de uma
pessoa, mas pode-se limitá-lo também.
Observação
O pedagogo precisa ser capacitado a contar histórias, pois sua participação formal ou voluntária
propicia ao doente momento de alegria e afeto. Ao contar uma história, transmitimos valores e
sentimentos que imprimem esperança e alegria ao enfermo. Isso pode favorecer a cura ou, pelo
menos, minimizar os danos causados pela doença e medicações diante de tantos procedimentos
tão evasivos.
56
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
A contação de histórias é a junção entre a leitura de um texto e sua performance, assim, por meio
da oralidade, há troca de experiências, afeto e alegria com doente. É indiscutível que a atuação dos
contadores de história, no ambiente hospitalar, favorece a recuperação do paciente, bem como colabora
para uma visão mais positiva frente à doença.
Diante do sofrimento que a doença traz, é notório que o paciente, em geral, não esboce mais a
vontade de viver. Com base na visão mais humana em relação aos doentes, em especial ao doente infantil
ou adolescente, nascem iniciativas de organizações não governamentais com caráter solidário. Se rir
é melhor remédio para curar o sofrimento, o palhaço, figura cultivada pelo inconsciente imaginário, é
capaz de produzir o riso pelo simples fato de ser engraçado, meigo, desajeitado, permitindo despertar
frente à condição de dor e tristeza, alguns instante mágicos e felizes.
Assim, por intermédio de Wellington Nogueira, que integrou o projeto americano de Michael
Christensen, em 1988, surgem Os Doutores da Alegria em 1991. Ex-colegas que faziam parte do grupo
nos EUA tentaram o mesmo na França (Le Rire Medecin) e Alemanha (Die Klown Doktoren). No Brasil,
aconteceu por iniciativa do Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo (hoje
Hospital da Criança). A missão da organização é
A ideia dos Doutores da Alegria também se volta para a expansão da empreitada original para outros
Estados além dos quais atua (São Paulo: Hospital da Criança, Hospital do Campo Limpo, Hospital do
Grajaú, Hospital do Mandaqui, Hospital Santa Marcelina, Instituto da Criança, Instituto de Tratamento
do Câncer Infantil (Itaci) e Hospital Universitário da USP; Rio de Janeiro: Hospital Municipal Jesus,
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), Hospital Universitário Pedro Ernesto,
Hospital dos Servidores do Estado e Hospital Salgado Filho; Recife: Hospital Barão de Lucena, Hospital
da Restauração, Hospital Oswaldo Cruz e Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip);
Belo Horizonte: Santa Casa, Hospital das Clínicas da UFMG e Hospital da Baleia) e, para isso, oferece
formação por meio do Nufo (Núcleo de Formação e Pesquisa).
Ainda partindo de organizações não governamentais, foi criada a ONG Criança Segura, que “tem
como missão promover a prevenção de acidentes com crianças e adolescentes de até 14 anos” (CRIANÇA
SEGURA, 2012). Preocupados com o número crescente de crianças exposta a acidentes, a Criança Segura
expõe dados alarmantes.
57
Unidade I
Desde 2001, localizada nas cidades de São Paulo, São José dos Campos, Recife e Curitiba, a organização
atua em visita ao setor de pediatria (queimados, ortopedia e neurologia) por perceber a necessidade da
atividade preventiva, pois esses acidentes, em sua maioria, ocorrem pela negligência dos cuidados dos
adultos.
Saiba mais
Veja como algumas experiências de hospitais nacionais são bem-sucedidas e demonstram que
a classe hospitalar é vista como um importante trabalho para o hospital. Citarei brevemente alguns
exemplos para comprovar esse fato.
Em parceria com a Secretaria Municipal Educação do Estado de São Paulo, em Campinas, desde
1998 o Hospital passou a atender a enfermaria pediátrica. A sala foi montada em parceria com
a Brinquedoteca da Pontifícia Universidade de Campinas (PUCCAMP), que resolveu instalar um
espaço com jogos pedagógicos para atender as crianças que ficavam internadas. E partir desse
momento, a Educação modificou o perfil do atendimento da sala, adequando-a como “classe
58
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Inicialmente, o espaço era destinado às reuniões dos médicos da Ala de Pediatria, mas a
necessidade transformou o local em classe hospitalar. Para que esse atendimento, o ambiente
foi completamente modificado, as paredes receberam colorido e decoração com desenhos, que
propiciam uma sensação de alegria e bem-estar; o local é repleto de livros infantis, jogos educativos
e brinquedos que podem propiciar momentos de estudo, entretenimento e lazer. Dispõe de recursos
audiovisuais como televisão, videocassete, câmera fotográfica, aparelho de som e telefone com
linha externa.
As crianças internadas por longos períodos podem continuar recebendo aulas sem prejudicar o
tratamento. O atendimento também é feito na enfermaria e no quarto de isolamento quando o aluno
tem restrições por sua condição clínica ou do tratamento. Esse atendimento possibilita que o processo
de aprendizagem tenha continuidade durante a reabilitação e integra as ações de recuperação dos
pacientes.
O atendimento não se restringe apenas ao paciente, o hospital possui objetivos pedagógicos que
enfocam diferentes públicos: os pacientes/alunos, os acompanhantes/responsáveis/familiares, a escola
do paciente/aluno e o próprio Programa de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação. O
desenvolvimento do conteúdo se dá por faixa etária, assim a metodologia seguida aborda a organização
e a execução das atividades por eixos temáticos (temas centrais e transversais), utilizando recursos
didáticos como brinquedos, jogos, livros e revistas, materiais escolares diversificados e recursos
audiovisuais.
O Hospital, em parceria com a Secretaria Estadual da Educação, a partir de 1971, criou um programa de
continuidade escolar. O seu início partiu de uma experiência positiva do Serviço Social, preocupado com
a humanização do atendimento hospitalar. Criou oficialmente 2 classes hospitalares para atendimento
59
Unidade I
das crianças internadas nas enfermarias do Hospital das Clínicas. Em 2002, em razão da demanda, foi
autorizada a ampliação com a abertura da terceira classe hospitalar.
O público alvo abrange todas as crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos, matriculados
no Ensino Fundamental I e II que se encontram hospitalizados nas enfermarias do Hospital.
Em Campinas, o Centro Infantil Boldrini abriu sua classe hospitalar de acordo com a legislação
em 2003. As pedagogas orientam e ensinam as crianças internadas ou em tratamento ambulatorial.
O principal objetivo dessa classe hospitalar é fazer com que as crianças possam continuar suas vidas,
inclusive no âmbito educacional. Assim, a criança dá continuidade ao trabalho escolar e não se sente
“excluída” de seu ambiente.
60
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
São basicamente três os casos encontrados dentro do Centro Infantil Boldrini: as crianças que
precisam ficar internadas recebem aulas todos os dias durante o período da tarde; as que só estão tendo
atendimento ambulatorial, enquanto não estão ocupadas com o tratamento, ficam com as pedagogas
fazendo lição de casa ou outras atividades pedagógicas e, para as crianças que estão muito debilitadas,
as pedagogas propõem atividades no próprio leito.
4.2.4 Graacc
O Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) foi criado em 1998, na luta
contra o câncer infantil. O projeto nasceu da iniciativa do Dr. Sérgio Petrilli (chefe do setor de Oncologia
do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina), Jacinto Antonio Guidolin (engenheiro
voluntário) e Lea Della Casa Mingione. Tudo começou com a transferência do setor de oncologia
pediátrica do Hospital São Paulo para uma casa, com atendimento dentro do conceito hospital-dia, no
qual os pacientes recebiam atendimento médico e assistencial e voltavam para suas casas.
O hospital é totalmente equipado e dispõe de área de internação (enfermarias, UTI e centro cirúrgico),
laboratórios (hematologia e imunofenotipagem, citogenética, biologia molecular e criopreservação) e
de suporte (reabilitação e prótese, controle da dor, brinquedoteca terapêutica e assistência social), além
de área de nutrição, psicologia, enfermagem, odontologia e assistência social. O hospital do Graacc
possui uma brinquedoteca, uma das primeiras do país em hospitais, a Brinquedoteca Terapêutica
Senninha, na qual crianças e adolescentes aproveitam para brincar enquanto aguardam uma consulta,
um exame ou algum procedimento médico. A brinquedoteca recebe diariamente cerca de 140 pacientes
e acompanhantes.
Em 2004, o Graacc inaugurou, em parceria com a Fundação Orsa, a primeira quimioteca do Brasil,
espaço lúdico criado para garantir à criança e ao adolescente bem-estar em uma das fases mais
traumáticas do tratamento do câncer: o tratamento quimioterápico. Com 300 m2 divididos de acordo com
a faixa etária dos pacientes, o espaço disponibiliza 31 postos, garantindo atendimento individualizado,
duas salas de coleta de sangue e sala especial para pacientes transplantados.
O hospital tem um moderno Centro de Diagnóstico por Imagem, com equipamentos de alta
tecnologia como ressonância magnética, tomografia computadorizada, densitometria óssea, ultrassom
com Doppler e raios-X. Com essa estrutura, o Graacc pode oferecer a melhor qualidade em diagnóstico
para os pacientes de dentro e de fora da instituição.
O professor hospitalar deve ter a consciência dos monstros viventes na mente das crianças: o medo,
o controle, a mudança e a incerteza. No hospital, tudo é incerteza para a criança: tiram-lhe as roupas,
ela se vê igual às outras, sua mãe acompanhante se torna igual às outras mães, a criança ignora o que
vai fazer, comer, quem vai vê-la etc. Portanto, consciente dessa nova situação, a intervenção escolar
deve se tornar parte dessa rotina, com muita ética. E ser ético é ser humano, é respeitar limites, é
resgatar o lado saudável da criança, é dar-lhe singularidade. O interventor pedagógico deve assegurar
a aprendizagem que, longe das paredes da escola, forma escola no momento do contato. O número de
61
Unidade I
classes hospitalares no Brasil é ainda tímido se considerarmos a imensidão do país; mas já é um começo
bastante otimista. A classe hospitalar é um direito de toda criança, mas a experiência pode se estender
a adultos e à terceira idade.
Entre os objetivos da classe hospitalar está a possibilidade de compensar faltas e devolver um pouco
de normalidade à maneira de viver da criança. O professor hospitalar será o tutor global da criança para
que ela possa ser tratada de seu problema sem esquecer as necessidades pessoais. A intervenção faz com
que a criança mantenha rastros que a ajudem a recuperar seu caminho e garantir o reconhecimento
de sua identidade. O contato com sua escolarização faz do hospital uma agência educacional para a
criança hospitalizada desenvolver atividades que a ajudem a construir um percurso cognitivo, emocional
e social para manter uma ligação com a vida familiar e a realidade no hospital.
Leia o artigo publicado em 24 de abril de 2010, no portal R7, sobre o crescente número de estudantes
que dão continuidade aos estudos em hospitais.
Classes hospitalares são dadas em parceria com escolas; jovens não precisam perder ano
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que define as regras de ensino do país,
determina desde 1996 a atividade das chamadas classes hospitalares – salas de aula nas
clínicas e nos postos de saúde.
62
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Em 2008, 37.247 pessoas em todo o Brasil foram matriculadas em 1.570 classes desse
tipo, segundo o MEC (Ministério da Educação). O Nordeste é a região campeã, com 20.858
alunos pacientes. Os dados são os mais atualizados disponíveis. Os Estados do Rio de Janeiro
e São Paulo possuem, juntos, 16 clínicas com atendimento escolar. O número de salas de
aula, entretanto, é maior, já que o mesmo hospital pode ter mais de uma classe. A capital
paulista abriga 20 classes hospitalares; já o interior tem 13, segundo dados da Secretaria do
Estado da Educação.
Rosemary Hilário, uma das 12 professoras da escola Schwester Heine, que fica dentro do
Hospital A. C. Camargo, em São Paulo, ressalta a importância da continuidade dos estudos
pelos pacientes: “Estudar não é uma obrigação, é um direito. Não é porque o aluno está
doente que ele deve ficar afastado do conhecimento. Aprender faz a criança se sentir viva,
autora de sua vida, apesar da doença”.
Joyce Monteiro, 12, soube que tinha câncer nos ossos após sofrer uma fratura, durante
um jogo de handebol. A demora em a recuperação intrigou os médicos, que pediram novos
exames. Internada desde setembro de 2009, a garota – que é de Belém do Pará – repetiu
a sexta série do ensino básico porque sua escola não tinha informações da existência das
classes hospitalares. “Com 20 alunos na sala [como era antes de vir para a clínica], é mais
complicado tirar dúvidas”.
63
Unidade I
Resumo
64
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Exercícios
Questão 1. (Enade 2008) O pensamento pedagógico de Paulo Freire parte de alguns princípios que
marcam, de forma clara e objetiva, o seu modo de entender o ato educativo.
65
Unidade I
A) I e II.
B) II e V.
C) I, III e IV.
D) I, IV e V.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: a afirmativa I é correta, pois para Paulo Freire o ato de ensinar requer a reflexão sobre
si, numa vivência do conceito de práxis, criado por Marx, que designa a impossibilidade da dissociação
entre teoria e prática, pensamento e ação. A afirmativa II é incorreta, pois para Freire o processo
educativo é, bem ao contrário, de respeito e acolhimento da cultura originário do educando, seja ela
a mais simples ou rústica existente. Na visão freireana o professor deveria partir do senso comum, do
valor pragmático das coisas e dos fatos da vida cotidiana e de suas situações existenciais para, depois,
encaminhar-se a sua transcendência.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: as afirmativas II e V são incorretas, pois para Freire o processo educativo é, bem ao
contrário, de respeito e acolhimento da cultura originário do educando, seja ela a mais simples ou
rústica existente. Na visão freireana o professor deveria partir do senso comum, do valor pragmático
das coisas e dos fatos da vida cotidiana, de suas situações existenciais, para depois se encaminhar a sua
transcendência. Para ele não há distinção entre a cultura popular e a erudita. Privilegiar o conhecimento
universalmente reconhecido seria uma atitude de opressão contra os estudantes das classes sociais
menos privilegiadas.
C) Alternativa correta.
Justificativa: as afirmativas I, III e IV são corretas, pois para Paulo Freire o ato de ensinar
requer a reflexão sobre si, numa vivência do conceito de práxis, criado por Marx, que designa a
impossibilidade da dissociação entre teoria e prática, pensamento e ação. A afirmativa III aborda
outro aspecto do pensamento freireano que se baseia em um conceito marxista: a superação
da alienação, que é justamente a superação da consciência ingênua. Para Freire a educação era
libertação da condição de oprimido por meio do acesso ao conhecimento. A afirmativa IV completa
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
as ideias de Freire, na medida em que ele defende uma educação que parta do senso comum, do
valor pragmático das coisas e dos fatos da vida cotidiana, de suas situações existenciais. Para
ele o ato de ensinar e aprender compreende o respeito e o acolhimento da cultura originária do
educando, seja ela a mais simples ou rústica existente.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. (Enade 2005) Na ONG em que Francisco atua, quando há recebimento de verbas ou
quando se pretende avaliar um programa educacional, realiza-se uma assembleia para que todos os
profissionais participem das tomadas de decisão. Busca-se, por conseguinte, uma gestão participativa,
que se caracteriza como um modelo em que:
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