RIO DE JANEIRO
2022
SOFIA RIBEIRO COUTO
RIO DE JANEIRO
2022
Dedico este trabalho àqueles a quem
pertenço, minha família, lugar de feridas e
cura constante, razão da minha incessante
busca pelo conhecimento e meu desejo de
estudar, de ler e, acima de tudo, ouvir!
Agradecimentos
Ao meu Pai do Céu, Pastor do meu coração, de quem sou filha amada.
À minha família, que me deu um nome, um lugar de pertencimento e uma missão.
À família objeto desse estudo, que me deu o privilégio de estudá-los com amor e
empatia.
Aos meus filhos amados, Mateus e Lorena, que acrescentam valor imensurável à
minha existência, e aos seus pais, Renato e Johdnelly, pelo amor que nos uniu.
À Alessandra Emmerick por caminhar ao meu lado e acreditar.
À Marizete Cardoso, a quem quero ser igual quando crescer.
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Fernando Pessoa
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo a discussão sobre como a baixa diferenciação
do eu no contexto sistêmico familiar reforça a fusão entre os membros em momentos
cruciais do ciclo vital familiar, podendo acarretar sintomas físicos crônicos, como o
câncer. Neste sentido, usou-se os conceitos de epigenética aplicados à teoria
Boweniana.
1 Conceituação
01Error! Bookmark not defined.
2 A identidade familiar e a sintomatologia dentro da visão natural
dos sistemas familiares ................................................................ 03
3 Apresentação do Sintoma Físico ................................................... 07
4 Histórico Geral............................................................................. 09
4.1 A Paciente Identificada ................................................................. 09
4.2 A Mãe da Paciente Identificada ....................................................... 10
4.3 O Pai da Paciente Identificada ........................................................ 12
5 Histórico Geral Do Sintoma Físico Da Paciente Identificada ........ 14
6 Embasamento Teórico e Hipótese da Causa Emocional ................ 16
7 Tarefas Práticas Aplicadas ........................................................... 20
7.1 Genograma ............................................................................. 20
7.2 Escultura ................................................................................ 22
7.3 Cartas De Despedidas ............................................................. 25
8 Resultados ................................................................................... 26
Conclusão .................................................................................... 27
Bibliografia .................................................................................. 28
1. Conceituação
Não importa o quão forte seja, se levanta poeira apenas, ou se arranca as raízes
mais profundas e destrói as estruturas emocionais, toda tempestade alardeia a angústia,
acalenta o medo e a cacofonia das dores é o que passa a guiar os passos daquele que está
engolfado pela dinâmica familiar.
A família humana segue as mesmas leis dinâmicas dos sistemas naturais, ou seja,
todos os elementos estão interconectados de modo a formar um todo organizado. Sendo
assim, não pode ser considerada como apenas a soma das partes que a compõem, já que
as interações entre seus elementos formam um todo coeso, com hierarquia de papéis e
funções determinadas por premissas e mitos que promovem modelos de repetição
reguladores da identidade singular desse sistema. Os movimentos realizados pelo
indivíduo nunca estão totalmente segregados do movimento familiar.
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maleabilidade da família, e quanto mais severo é o sintoma, mais resistente à mudança
ela é. (Carter & McGoldrick, 1989).
2
2. A Identidade Familiar e a Sintomatologia Dentro da Visão Natural dos
Sistemas Familiares
As pesquisas iniciais de Murray Bowen estavam focadas primariamente em como
uma doença acontece. Ele propôs que todos os problemas psicológicos, sociais,
comportamentais, físico-crônicos são um produto das forças emocionais que operam na
família (Kerr & Bowen, 1988; Nichols & Schwartz, 1998). Por estar ancorada nos
processos biológicos dos sistemas naturais, a teoria de Bowen integra e envolve toda a
família, e trata todo o funcionamento desta unidade emocional de forma
interdependente, de modo que todos os membros da família alimentam e são
retroalimentados pela reatividade emocional do outro. De forma simples, “cada pessoa
se torna prisioneiro emocional de como a outra pessoa funciona e nenhuma delas é
capaz de mudar seu próprio funcionamento para parar o processo” (Kerr & Bowen,
1988).
Como psiquiatra, Bowen estudou casos de esquizofrenia que deram início à sua
teoria de sistema de família. Suas pesquisas em pacientes com essa doença mostraram
que a natureza simbiótica do relacionamento mãe-filho tem origem num processo
biopsicológico profundo. Quanto mais intensa a relação simbiótica, mais o
funcionamento de uma pessoa é governado pelas emoções em seus relacionamentos. No
decorrer das gerações, dependendo do nível de intensidade dessa simbiose as partes
envolvidas nunca chegam efetivamente a desenvolver a autonomia um do outro (Kerr &
Bowen, 1988).
Veremos nesse estudo de caso que “em períodos de tensão, o processo pode
implicar toda a família nuclear, uma série de membros periféricos da família (...) Se a
tensão cresce, uma maior quantidade de pessoas se verá envolvida, já que os circuitos
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emocionais se fixam em uma série de triângulos emocionais (...) Neste conceito é
importante o processo de projeção familiar, mediante o qual os problemas dos pais se
transmite aos filhos. As modalidades deste processo foram incorporadas a um terceiro
conceito que se refere a interdependência multigeracional dos campos emocionais
e a transmissão, feita pelos pais, de graus distintos de maturidade e imaturidade através
das gerações” (Bowen, 1979).
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na evolução do sistema nervoso autônomo (responsável pelo controle da pressão
arterial, frequência cardíaca, temperatura corporal, peso, digestão, metabolismo,
equilíbrio hidroeletrolítico, sudorese, micção, evacuação, resposta sexual e outros
processos), e como a liberação repetitiva de hormônio cortisol (estresse) em estratégias
ineficazes de fuga promove o seu acúmulo no sistema nervoso central e são geralmente
experimentadas como náusea, exaustão e depressão (Hardson, 2013).
O que fazer, então, quando se vive com o “urso”? Quando o estresse agudo se
torna crônico pela convivência perene com o perigo? Quando o modo de sobrevivência é
ativado várias vezes ao dia? Quando o abuso físico e emocional é vivenciado
diariamente? O que acontece com o cérebro e com o corpo quando expostos a altas
doses de adversidades e enxurradas de hormônios em desequilíbrio? – veremos nesse
estudo de caso que a paciente identificada cresceu em um ambiente de estresse crônico.
1. Conflito conjugal;
2. Disfunção de um cônjuge;
3. Transmissão do problema a um ou mais filhos.
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Neste estudo de caso, apesar dos três mecanismos terem sido observados, focou-
se apenas no terceiro ponto, em como os problemas matrimoniais foram transferidos à
Paciente Identificada. “Neste caso, os sintomas significativos podem ficar embotados até
depois da adolescência, quando o filho cai em disfunção psicótica ou em uma grave
doença” (Bowen, 1987). Quando o grau de fusão é significativo, existe um intercâmbio
de forças entre a família nuclear e a família de origem, e em períodos de tensão, como os
observados nesse estudo de caso, a família nuclear se estabiliza mediante o contato com
a família de origem, no caso da PI, com a sua família de origem, e a mãe da PI, com a
família de origem dela.
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3. Apresentação do Sintoma Físico
Este estudo de caso analisa uma paciente com linfoma de Hodgkin. Para
entender esta doença é importante saber o que é câncer e como o sistema linfático
funciona – para ilustrar a hipótese levantada.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer dos EUA, “câncer é uma doença
em que algumas células crescem descontroladamente e se espalham para outras partes
do corpo”. Células cancerígenas diferem de células normais porque crescem sem que
tenham sido “ordenadas” a crescer, multiplicar ou morrer; elas invadem outras áreas do
corpo, já que perderam sua função principal e, entre outras coisas, se escondem do
sistema imunológico. Ao contrário das células normais, as cancerígenas não param de
crescer quando encontram outras células, ou seja, ultrapassam o limite de função e por
terem uma condição amorfa (acumulam múltiplas mudanças cromossômicas), se
locomovem pelo corpo, sendo capazes de aparecer em outras áreas (metástase).
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O linfoma desta paciente se manifestou primeiramente nos linfonodos do
pescoço e posteriormente alojou-se no mediastino, o espaço existente entre os dois
pulmões que comporta estruturas como a traqueia, o coração, o esôfago, o timo e parte
dos sistemas nervoso e linfático. No momento da descoberta do câncer, este não era
operável.
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4. Histórico Geral
Para este estudo de caso, foram entrevistadas a paciente, sua mãe e seu pai, e a tia
mais próxima, irmã da mãe. Todos os nomes foram alterados para preservar as
identidades.
Christina nasceu em 1984, e diz que sua mãe ficou muito frustrada por saber que
seu marido foi primeiro ver a filha recém-nascida ao invés de ter ido vê-la no pós-parto
traumático, e se compadece da mãe dizendo: “foi sacanagem do meu pai ter ido me ver
primeiro ao invés da minha mãe. Mulher precisa de apoio. É muito foda dar à luz”.
Esta é a primeira fala que denuncia a triangulação com sua mãe.
A PI relata que seu pai sempre foi muito autoritário e sua mãe, sempre passiva e
submissa. Além disso, “ele era instável e a mesma regra nunca funcionava para dois dias
seguidos e havia sempre muita tensão”. Ele fumava escondido e isso era visto como
hipocrisia, como alguém sem moral, pois era bastante religioso e, de acordo com suas
próprias crenças, fumar não era permitido a um cristão.
Ela relata que a mãe a esqueceu um dia na escola e ela viu o pôr do sol sentada na
calçada.
Apesar de relatar que seu irmão era bastante protetor quando criança, com o
passar dos anos o relacionamento entre eles ficou muito competitivo. Christina sempre
achou que a mãe superprotegia e favorecia o irmão e não a ela, e que esperava mais
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proteção da mãe com relação ao pai e ao irmão, mas reconhece agora que a mãe era tão
vítima quanto ela, e ainda a enxerga desta forma, e por isso se fortaleceu para proteger a
si e a mãe (segunda fala denunciante de triangulação e fusionamento). Entretanto, Luzia
tem consciência de que o filho nasceu em circunstâncias completamente diferentes da
filha e que isso pode influenciar inconscientemente os laços que possui com o filho.
A PI tentou sair de casa em 2005 quando os pais tentaram forçá-la a terminar seu
namoro com o atual marido, porque este não era cristão. Ela voltou para casa,
entretanto, e permaneceu com os pais até se casar. Comprou um apto no mesmo
condomínio que os pais e passou a concentrar em si várias responsabilidades
concernentes à vida deles, como planejamento de férias, pagamento de contas, compra
de automóveis, agendamento de compromissos médicos e legais.
Luzia é a filha mais nova de 6 filhos, temporã, nascida depois que sua mãe
passou por dois abortos, um espontâneo e outro causado por um acidente.
Ter sido amamentada no peito até os 5 anos de idade pode ser interpretado como
uma reivindicação velada da maternidade da sua mãe, que chamaremos de Maria, que,
ausente emocionalmente como mãe na vida de todos os demais filhos, colocava-se a si
mesma como “filha” do marido. Maria perdeu o pai aos 4 anos de idade e foi criada
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apenas pela mãe. Seu irmão mais velho tomou as rédeas como arrimo de família e foi
um homem muito duro, machista e abusivo com as irmãs e irmãos mais novos. Maria se
casou com José, que teve todas as irmãs abusadas sexualmente por um empregado de
seu pai que morava na casa da família. Há indícios de que José também tenha sido
abusado ou tenha presenciado o abuso.
A seu modo, Luzia foi a primeira entre seus irmãos a questionar hierarquia e
papéis dentro da família, apesar de ser muito introspectiva e não ter amizades.
Luzia conta que Bernardo foi um namorado muito romântico, mas um marido
muito exigente, crítico, manipulador, controlador e abusivo, em suas palavras. Luzia
sofreu agressão física e verbal no início do casamento, e seu pai foi até a casa deles com
uma arma de fogo para tirar satisfação. Prometeu matar o marido caso isso se repetisse.
Embora as agressões físicas fossem esporádicas e mantidas em segredo, os abusos
verbais seguiram e não era segredo para ninguém, porém, este assunto nunca era
conversado abertamente na sua família de origem e nunca procurou ajuda familiar para
resolver a situação.
Ela diz que a sua história é muito curta, sem grandes experiências, totalmente
voltada à família nuclear. Foi o filho que insistiu que ela fosse fazer faculdade. Cursou
psicologia, comenta que “não queria mais usar recursos dele”, referindo-se ao marido,
mas nunca efetivamente atuou. O casamento estava estabilizado nessa época.
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queria separação, “são 43 anos de casados em 2022. Minha a criação não ensinou que
em um relacionamento tudo é 50-50”.
Atualmente diz que “hoje a prioridade é a família nuclear” e que a terapia está
trabalhando o resgate da sua identidade.
Logo após a remissão do câncer da filha, decidiu mudar-se com o marido para
longe da filha, e admite que isso foi um movimento de diferenciação, “comecei a fazer
terapia para diminuir a fusão”.
Bernardo iniciou a entrevista com “minha infância não foi saudável. Meu pai era
alcoólatra, violento e minha mãe respondia meu pai”. Comenta que os episódios de
agressão à mãe a deixava desmaiada e desfigurada, e que o pai reviveu a própria infância
nos filhos, pois também teve um avô muito violento.
É o segundo filho de seis, dois homens e quatro mulheres. Os pais foram casados
35 anos e diz que seu pai aguentou o casamento por causa dos filhos. Depois desses
anos, se separou da mãe e casou-se com uma sobrinha. Comenta que o pai sempre teve
amantes “era chique ter amante naquela época. Meu avô teve, meu pai teve. Era pura
expressão de masculinidade”, mas diz nunca ter tido.
Em suas próprias palavras, “a vingança contra meu pai era ser o melhor aluno”,
que dizia que ser bom aluno não era mais que obrigação. Filho de eletricista, Bernardo
cursou engenharia elétrica.
Bernardo sempre foi o filho com quem a mãe e todos os demais irmãos podiam
contar (indício de triangulação com a família de origem). Converteu-se ao cristianismo e
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diz que a religião tinha o papel de superego, de podar certos comportamentos. “Procurei
não repetir com os filhos e com a minha mulher os mesmos erros do meu pai e do meu
avô”, e entende que tem resquícios da repetição.
Reconhece que o relacionamento com Luzia era de pai e filha, e que demorou
para amadurecer para marido-mulher. “Fui um pai autoritário”, diz, e que entende que a
religião exercia um reforço do autoritarismo do sacerdócio e da manipulação do
dinheiro. Percebe-se aqui a repetição de história em que Bernardo está em um papel
parentalizado com Luzia, assim como José havia parentalizado Maria.
Bernardo diz que o câncer teve o papel de unir, de ensinar a trabalhar juntos.
“minha neta foi um elemento aglutinador, fazendo com que o casamento ficasse mais
unido, de ficar mais junto em todas as demandas, nessa equipe de dois”.
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5. Histórico Geral do Sintoma Físico da Paciente Identificada
Essas coceiras coincidem com alguns meses depois da sua mãe ter sofrido
agressão física e verbal de seu marido. Christina chegou a ir com a Luzia a uma
delegacia para prestar queixa, mas devido à quantidade de pessoas à espera, não
conseguiram. No dia seguinte, Luzia voltou sozinha à delegacia e preencheu o boletim
de ocorrência. Essa situação alarmante fez com que Luzia começasse a questionar se
ainda queria continuar o casamento de 40 anos.
Nesta mesma época, Christina escreveu uma carta para o pai dizendo que o
estava “matando”, “enterrando vivo” e que não queria a filha perto de alguém como ele.
“Rompi totalmente com meu pai”, disse.
Dois anos anteriores ao diagnóstico do câncer, seu irmão mais velho, recém
divorciado, voltou para a casa dos pais e ali ficou em um processo de depressão não
diagnosticado clinicamente. Perdeu o emprego e dependia dos pais. A PI queixa-se de
que o irmão se tornou miniatura do pai, abusando da mãe nos afazeres domésticos, sem
ajudar em nada. Foi a mãe que deu um basta à situação, dando um prazo para que o
filho saísse de casa e “desse rumo à vida”. Ele achou um emprego numa cidade do
interior, mudou-se, e com a pandemia em 2020, limitou-se à distância imposta pela
situação e pela irmã, que, ao descobrir o câncer não quis convívio com ele, sob o
pretexto da baixa imunidade e risco de Covid. Os dois irmãos nunca tiveram bom
convívio depois que entraram na adolescência. Sempre houve disputa entre os dois por
atenção, brinquedos, dinheiro. A PI relata que sempre se sentiu preterida em relação ao
irmão mais velho.
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O câncer foi um elemento aglutinador de toda a família materna que, muito
religiosa, fizeram um “relógio de oração” durante os períodos mais estressantes do
tratamento e, também, uniu ainda mais “as quatro tias”, que passaram a reunir-se
diariamente para orar e prover conforto à mãe da paciente. A família paterna
aparentemente tentou algo do tipo, mas não vingou.
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6. Embasamento Teórico e Hipótese da Causa Emocional
De acordo com Pegg Pappy (Minuchin & Fishman, 1981), três conceitos básicos
devem ser entendidos:
Por causa do sintoma ser utilizado para regular a parte disfuncional do sintoma,
uma vez que seja eliminado, aquela parte disfuncional do sistema será deixado
desregulado.
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susceptíveis a aparecer quando há uma interrupção ou perturbação no ciclo de vida
familiar, seja por uma morte prematura, uma doença crônica, um divórcio, ou uma
migração que force a separar os familiares ou até porque a família não está em
condições de acolher uma criança ou tolerar a entrada de uma nova pessoa agregada,
como um cunhado, ou neto.”
Bowen ainda explica que pessoas com baixa diferenciação empregam tanta
energia para manter o sistema de relações ao seu redor (amar e ser amada), ou para
reagir frente à sensação de ter fracassado em sua maneira de receber amor, ou para
tentar melhorar, que não resta nenhuma energia para empregar em nenhuma outra
pessoa.
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termo ‘eu’ se limita a de um narcisista: exigem de mim; quero meus direitos (...) As
decisões mais importantes da vida são tomadas baseando-se unicamente no que
‘sentem’ ser justo”.
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engravidaram e se casaram ainda muito jovens. Luzia admite que casou para sair da
casa dos pais.
Thomas Fogart explana que “sempre que existe uma tensão da díade, as emoções
começam a operar de forma a trazer um terceiro para estabilizar a tensão”. Bowen
postula que “a força motora em triângulos é o apego ansioso levado ao extremo”, e
chama esse apego de fusão, uma simbiose sem limites, em que a transmissão da
ansiedade é tão tensa que ambas as pessoas se convencem de que não podem sobreviver
sem a outra.
A questão central aqui não é mais “como eliminar o sintoma?”, mas “o que
acontecerá se esse sintoma for eliminado?”. O argumento terapêutico, então, foi
reorientado a partir do “problema” (quem tem o sintoma, o que o causou e como se
livrar dele) para como a família sobreviverá sem o sintoma? Como a família manterá o
bom relacionamento desenvolvido a partir do diagnóstico de câncer se ele não existir?
Como os pais permanecerão em paz e o casamento deles subsistirá se a PI for remida
completamente? Como todos serão afetados na ausência de uma terceira entidade grave
o suficiente para que as demandas emocionais sejam tratadas?
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7. Tarefas Práticas Aplicadas
7.1 Genograma
Para descobrir quem era o mito da família da PI, foram entrevistados primos, tios
e tias, perguntando-se “quem eram as pessoas OK e as pessoas Não-OK”. A avó materna,
Dona Maria, apareceu como OK em quase todas as respostas, assim como todas as
demais mulheres abaixo dela, com exceção de 2 primas da PI. Quando questionadas as
razões que as fazem aceitáveis, foram listadas qualidades que as enaltecem como vítimas
resilientes de um sistema que as deixou órfãs, e como todas elas não sucumbiram.
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Gráfico 2 – Genograma transgeracional
Luzia nasce temporã depois de dois abortos de Maria, o que a coloca numa
posição ainda mais fragilizada e superprotegida, criando um vínculo fusionado com sua
mãe.
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Ao contrário de José, Bernardo não tem vida dupla no que tange relacionamento
extraconjugal, entretanto, por estar emaranhado com sua mãe e sua família de origem,
não se apresenta disponível para ser marido de Luzia e pai de Christina e seu irmão.
Uma das hipóteses levantadas aqui é que toda a hostilidade da PI com relação ao
seu irmão é na verdade um grito de reivindicação da maternidade de Luzia. O irmão
exerce função marginal ao problema efetivo.
7.2 Escultura
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momento em que se entende como o gatilho do câncer. Dessa forma, cada um conversou
separadamente sobre seu olhar com sua família de origem, como veremos a seguir.
“Minha mãe.”
“Lado esquerdo?”
“Meu pai.”
“Mãe com mãe, pai com pai, e as duas de mãos dadas entre si.”
“Não. Não é o seu olhar interior para si que neste momento estamos
trabalhando.”
“Ou a ideia é olhar o outro? Eu olharia se meus peitos não estão escapando do
decote?”
“Se é pra olhar pra outra pessoa seria minha mãe. E ela olharia para mim.”
“E seu pai?”
“Ixi, meu pai olharia o celular, mas não tem nenhum aí. Ele olharia minha mãe.”
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Foi pedido para que Luzia posiciona-se seus bonecos. Num primeiro momento,
todos estão alinhados horizontalmente, sem qualquer hierarquia:
“Pai, mãe do lado esquerdo do pai e do lado da mãe, eu. Todos olhando as
montanhas.”
“Enfileirados horizontalmente?”
“Se for para escolher um para olhar, quem você olharia, sua mãe ou seu pai?”
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7.3 Cartas de Despedidas
Também foi instruída a escrever cartas de agradecimentos aos pais pela vida que
recebeu deles, e libertando-os da nota promissória do que não foi possível ser dado; e
em outro momento, uma segunda carta a eles devolvendo a responsabilidade do
casamento dar certo.
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8. RESULTADOS
Após cada sessão e cada tarefa aplicada, percebeu-se uma evolução significativa,
principalmente da mãe da PI, Luzia, no sentido de diminuir a fusão e promover
distanciamento sadio.
Christina voltou a trabalhar de forma remota, mas reconhece seus limites e tem
trabalhado apenas de acordo com as suas possibilidades físicas.
Seus pais mudaram-se para a Zona Norte de São Paulo e ela mudou-se com a
família para outra cidade, no interior.
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Conclusão
A construção deste estudo de caso com um assunto tão delicado só foi possível
por causa da abrangência do conteúdo.
27
Bibliografia
Working with Relationship Triangles (Guerin, Fogarty, Fay & Kautto, 1996)
Rituals in families and family therapy (Imber-Black, Roberts & Whiting, 1988)
The Changing in Family Life cycle (Carter & McGoldrick, 1989 edition)
Family healing: tales of hope and renewal from family therapy (Minuchin & Nichols,
1993)
Paradox and Counter Paradox (Palazzoli, Boscolo, Cecchin & Prata, 1975)
5 ways working with a clinician trained in Bowen family systems theory can help you
reduce or relieve symptoms (Lorna Hecht, 2013)
Differentiation of Self, perceived stress and symptoms severity among patients with
fibromyalgia syndrome (Murray, Daniels & Murray, 2006)
Family system theory, physical health and illness (The Murray Bowen Archives Project)
28
A wider lens: Bowen Theory and a natural system view of symptoms (Harrison, 2013)
Affective Reactivity to daily stressors and long-term risk of reporting a chronic physical
health condition (Piazza, Charles, Sliwinski, Mogle & Almeida, 2012)
The effort to drive the other person crazy – an element in the aetiology and
psychotherapy of schizophrenia (Searles, 1959)
29
“Lamento se existem imprecisões nas minhas informações, mas, como em todas
as histórias familiares, estamos sempre incompletos e, muitas vezes, para lidar com
informações imprecisas e devemos fazer o melhor que pudermos com aquilo que
temos.” (McGoldric, 1995)
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