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O partido politico: concepg¢ao tradicional e organica rides Mezzaroba é Doutorando em Direito na UFSC € professor no Curso de Direito da UNOESC — Joagaba-SC Brasilia a. 31 n? 122 mal.jul. 1994 ‘Oripes Mezzaropa O cidadao que tanto preza a sua independén- cia e nao se altsta num partido politico esta, re- almente, frandando a independéncia, porque abandona 0 quinhdo do poder de decisao no ni- vel primaria: a escalha do candidato. Bruce L. Felknor SUMARIO 1. Introdusao 2. Teoria tradicional do partido politico. 3. Teoria organica do partido politico. 4. Considerasées finais. L. Introdugéo Estasiologia ¢ a denominagao de uma pos- sivel ciéncia do partido politico! tal o interesse que seu estudo tem despertado como ramo fun- damental e complexo da Ciéncia Politica. O debate em torno do partido politico me- Tecen atengdo especial dos estudiosos da area, a partir da Segunda Grande Guerra. quando por iniciativa a UNESCO e da Associagao In- ternacional de Ciéncia Politica, motivadas pelo interesse no fortalecimento de instituigdes re- presentativas ¢ democriticas, 0 tema passou a ser incluido em congressos ¢ encontros do gé- nero, Desde entdo, 0 assunto partidos politicos ‘vem ocupando um lugar de destaque pela quan- tidade e variedade de obras, ensaios € artigos, destinados a sua andlise* ' Diciondrio de Ciéncias Sociais. Fundagao Getilio Vargas/Instituto de Documentagdo, Coor- denador Benedito Silva. Rio de Janeiro: Editora da Fundagdo Getilio Vargas, 1987, p. 871 ? LOPEZ, Mario Justo. Partidos Politicos — Teoria General y Régimen Legal. 3.* ed. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1982. p. 5 133 Neste estudo, concepeies do partido politico em duas subdi- visOes principais: a tradicional e a organica. A teoria tradicional visualiza 0 partido por litico a partir de uma andlise deste emtc isol So cal concentrada asicamente, na sua forma organizacional € no no modo. pelo qual se insere no contexto social’, A teoria orgiinica visualiza o partido poli- dind- procurar-se-4 classificar as um simples instrumento eleitoral, mas um ¢s- ‘pago politico em condicdes de despertar no homem a sua consciéncia histérica. Assim, a atuagdo partiddria deve ultrapassar 0 contexto organizacional ou parlamentar para, funda- mentalmente, se articular a sociedade. 2, Teoria tradicional do partido politico O perfil epistemolégico da teoria tradicio- nal do partido politico pode ser delineado par- tindo-se da andlise de duas obras catalisadoras das correntes ora embutidas nesse filo, Tor- na-se imprescindivel, entéo, a investigagdo atenta da Sociologia dos Partidos Politicos, de Robert Michels, e do livro Os Partidos Po- Hticos, de Maurice Duverget. ‘Mesmo publicadas em periodos diferentes, Michels, em 1911, ¢ Duverger, em 1951, as duas obras sintetizam perfeitamente o objeto do presente estudo, ‘Otrago comum entre 0s dois livros é a abor- dager estrutural-elitista do partido politico, na gu pati ds asa vreau igre ente fundamental para a consolida¢ao de ins- interesses dos seus dirigentes*. Feitas essas observagtes, passar-se-d a0 ‘exame das obras jé mencionadas, além das de ‘outros autores como Giovanni Sartori, Jean Charlot ¢ Paulo Bonavides, que trazem algu- ma contribuigo para o entendimento dessa teoria. + ZANARIZE, Denize Moreira Schwantes. O Bipartidarismo Brasileiro (1965-1979). Disserta- go de Mestrado. Florianépolis: Universidade Fe- deral de Sarta Catarina/CPGD, 1987, p. 12. + BAQUERO, Marcello. A Estrutura Elitista dos Partidos Politicos na América Latina ¢ a Ques- tio da Democracia. In: Democracia, Partidas ¢ Cud- tura Politica na América Latina, Porto Alegre: NU- PESAL/Kuarup, 1989, p. 46. 134 2.1. O partido politico em Robert Micheles* Para Michels, em sua principal obra Soci- ologia dos Partides Politicos, publicada ori« ‘ginalmente na Alemanha, em 1911 (Zur Sozi- ‘ologie der Partiewesens in der Modernen De- smokratie), © surgimento do partido politico moderna, aquele oxganizado ¢-estraturade em torno de uma doutrina politica, representa a expresso méxima da democracia®, Assim, 0 partido politic p passa a ser come cebido como um apéndice da democracia, ¢ esta, como o pior de todos os regimes burgue- Ses, uma Vez que 0 Seu objetivo é dar continui- dade a exploragdo das massas produtoras, atra- -vés de uma elite previamente preparad’. ‘Conforme expressou Michels “A democracia produz 0 dilema da oligarquia. A oligarquia € necessdria ¢ fatal. Em toda parte onde vivem as mas- ‘sas organizadas, impde-se a necessida- de de intervir através de delegagdes. Quem diz organizacio, diz. diferencia- gio, diz um grupo de chefes que falam agem em nome de todos”, Desta forma, a democracia e, conseqiien- temente, seu apéndice o partido politico, pas- ‘sam a ser os alvos principais das criticas de Michels. Como qualquer outro modelo de organi- 7a. © partido paliticn ¢infalivelmente urna oligarquia burocratica, caracterizada pela exi téncia na sua cipula de um circulo itemo & fechado de dirigentes profissiohais, pratica- mente inamoviveis, que controlam e condu- ituigdo conforme os seus interesses + Para uma melhor compreenstio da concepgo do partido politico em Robert Michels, forarn uti- lizadas as seguintes obras: MICHELS, Robert, So- Partidos Politicos, Trad. Arthut Chau- iia: Editora da Universidade de Brasi- lia, 1982; ¢ MICHELS, Robert. La Sociologia del Partido Politico Nella Democrazia Moderna — Studi Sulle tendenze oligarchiche degli aggregati Politici. Traduzione dal’ originale tedesco de Al fredo Polledro. Torino, Unione Tipografico’Editri- ‘ce Torinese, 1912. . « ALBERTONI, Ettore A. Dourina da Classe Politica ¢ Teoria das Elites. Tied. Maria de Lour- es Mencaes Rio de Ineo: Imago Ed, 1990, p S. 1 MICHELS, Robert. Sociologia dos Partido Politicos, Trad. Arthur Chaudon. Brasilia: Editora da Universidade de Brasilia, 1982, pp. 206 ¢ 221. * ALBERTONI, Bttore A. Op. cit., p. 31 Revista de Informagao L particulares?, possibilitando a existéncia de ‘uma minoria dirigente e de uma maioria diri- gida. Este 6, para Michels, o traco caracteris- tico do regime democratico. ‘Com o crescimento e a solidificagao do partido politico, amplia-se a necessidade de os chefes ocasionais serem substituidos por che- fes profissionais'®. S&o as fiderangas especiali- zadas que, no entendimento de Michels, possi- bilitam a constituigéio do burocratismo hierir- quico, juntamente com a oligarquizagio parti- daria. Concretizando, com isto, o isolamento entre a cipula e as bases do partido politico": ‘Na vida partidéria, a prética democratica no se presta a0 uso doméstico, mas, t8o-so- mente, a comercializagdo; é um discurso de ‘conquista. Pois, na sua luta pelo poder, o par- tido politico preza pela liberdade de movimen- to, para poder estabelecer a estratégia mais rapida ¢ adequada". Isto, para 0 autor, exem- plifica, por si s6, a caracteristica antidemocra- tica da organizagao partidéria. Assim, para Michels, “é indiscutivel que a tendéncia oli- garquica ¢ burocratica da oranizacdo do partido ¢ uma questdo de necessidades técnicas e préticas”®. Além desse fator, 0 encantamento das mas- sas por encontrar alguém interessado em cul- dar da vontade geral, contribui como um ele- mento decisivo para a manutengo da oligar- quia partiddria’. Esse encantamento possibi- litou uma certa vencra¢do, convertendo-se, Thuitas vezes, em idotatria. Segundo Michels, ¢ isso que faz com que 0 partido politico moderno passe a identificar- se freqiientemente com os seus chefes, a ponto deo denominarem de partidos de classes, comma se fossem coisas que Ihes pertencessemis, ° CHARLOT, Jean, Curso de Introdugio a Ci- éncia Politica. ead. Carlos Alberto Lomback. 2 ed. Brasilia: Editora da Universidade de Brasilia, 1984, p. 15. \ MICHELS, Robert. Op. cit, p. 23. \ MICHELS, Robert. 4 Tendéncia Burocriti- ca dos Partidas Politicos. In: Sociologia da Buro- cracia, Trad. Edmundo Campos. 3.* ed. Rio de Jae nciro. Zahar Editores, 1976, p. 101. "= MICHELS, Robert. Op. cit, p. 28. » MICHELS. Robert. Op. cit., p. 104 1 MICHELS. Robert. Op. cit, p. 35. 48 Ibid, p. 41. Desta forma, a participagio das massas na vida partidaria da-se somente na qualidade de outorgantes sem a minima manifestagao de contrariedade diante das deliberagdes dos di- rigentes, ou seja, ocorre uma delegagao de po- deres eminentemente passiva ‘© que mais caracteriza a democracia, no entendimento de Michels, ¢ a facilidade com. que ela sucumbe & magia do vesbo. pois verifi~ ca-se que nos regimes democraticos os chefes so sempre oradores ¢ jornalistas. 0 que vem fortalecer a convicgdo de que s6 0 dom da pa- lavra pode tornar alguém apto para adminis- trar 0s assuntos publicos*. Pela sua tendéncia oligarquista. 0 partido politico jamais conseguir representar a maio- ria dos sus membros. Com o passar do tem- o, tal situagdo proporcionard o isolamento do partido. transformando-o em um fim em si mesmo. Desta forma, a historia do partido po- litico moderno acaba aprescntando fenémenos andlogos ao bonapartismo. ou seja, uma preo- cupagdo com a dominagao individual, origi- nada na vontade coletiva. mas que tende aeman- cipar-se e tornar-se independente por sua vez!". Para Michels, a imaturidade das massas nao 6 somente um fendmeno transitério que desa- parece com o avango da democracia. Essa con- digdo ¢ a propria natureza das massas que, mesmo organizadas, esto afligidas por uma incompeténcia incurdvel para resolver todos ‘0s problemas que se apresentarem. AS massas sdo em si amorfas ¢ necessitam de educagao, especializagao e, principalmente, diregao. Por fim, pelas préprias circunstancias da vida, 0 homem esta consagrada ser guiado, ¢ quanto mais as suas fungdes forem divididas e subdivididas. mais ¢ mais ele precisara de comando'*. Uma das alternativas apresentadas por Michels para substituir © partido politico, o qual sempre resulta em uma organizacio anti- democritica, seria um sistema de associago temporaria que sé se articularia para um fim determinado, dissolvendo-se logo em seguida". Enfim, historicamente, partido politico é *...como a rebenten¢do continua das vagas; clas sempre quebram sobre um. escolho, mas sao incessantemente subs- Wibid, p. 45, "Ibid. pp. 124 ¢ 234. 8 Ubid, pp. 234, 239-40, ° Ibid, p. 243, Brasilia a. 31 n? 122 mal.jul, 1994 135 tituldas por outras. O espeticulo que ofe~ Tecem é ao mesmo tempo arrebatador ¢ triste. Apés ter atingido uma ceria etapa de sua evolucdo, sio submetidas a uma. ‘espécie de processo de degeneracdo: as- sumem 0 espirito e as formas aristocré- ticas contra as quais havia lutado. Esse jogo cruel entre o incuravel idealismo ‘dos jovens ¢ a incuravel sede de domina- ‘¢40 dos velhos ndo ferminard sunca””. Entretanto, 0 ideal absoluto, para solucio- nar 0 problema do oligarquismo partidério, bem como o da constante instabilidade politi ‘ca. ambos proporcionados pela democracia, segundo Michels, scria a constituig4o de uma aristocracia de homens moralmente bons ¢ fecnicamente eficientes, Pois somente essa elite teria tempo € meios para dar direglo ¢ uma boa educagao as massas. Isto garantiria acon- servagio das tradigdes culturais, politicas € econdmicas de um Estado 0 que ndo seria pos- sivel no regime democratico* Em resumo, 0 partido politico, para Mi- chels, é uma poténcia oligarquica, repousada sobre uma base democratica que possibilita a dominagao das elites sobre os eleitores, dos mandatérios sobre os mandantes, dos delega- dos sobre os que delegam. Finalmente, quem diz organizagao partidaria, diz oligarquia®, 2.2. O partido politico em Maurice Du- verger Em sua obra Os Partidos Politicos, Du- -verger estabelace como objeto principal de ¢s- tudo a influéncia das doutrinas sobre as estru- turas partidarias. O partido politico, num pi meiro momento, é visualizado como ente aglu- tinador de individuos politicamente dispersos. Em seguida, mediante persuasdo ¢ disciplina impostas pelos dirigentes partidérios, 0 papel daqueles individuos torna-se secundario 4 vida intrapartidéria®. Com isso, consolida-se um modelo de organizagdo centralizada ¢ absoluta. O partido politico constitui-se, assim, em ‘uma organizagao autocratica e oligdrquica. Os chefes formam uma classe dirigente isolada da militncia, casta mais ou menos fechada sobre si mesma, %® ALBERTONI., Ettore A. Op. cit, pp. 31-2 % MICHELS, Robert. Op. eit, p. 243. % Ibid, p. 238. ® DUVERGER, Maurice. Os Partidas Politicos. ™ Ibid, p. 455. Trad. Cristiano Monteiro Oiti- cica. 3! ed. Rio de Janeiro: Fd. Guanabara, 1987, 136 Accrenga na infalibilidade do partido ¢ dos dirigentes partidarios, desenvolvida pela pro- paganda ¢ pela persuasio, possibilita 0 recuo do espirito critico em relagdo a0 éspirito de adoragio. Desta forma, “Os partidos tornam-se totalitérios, ‘exigindo dos seus membros uma adeso mais intima, Constituindo sistemas com- pletos ¢ fechados ¢ explicac4o do mun- do. O ardor, a fé, o cntusiasmo ¢ a into- lerfncia reinam nessas igrejas dos tem ‘posmodernos: as lutas partidérias trans- formam-se em guerras religiosas”®. Sob o dominio de uma clite. a organizag#o partidéria repousa essencialmente em praticas ¢ hdbitos ndo-escritos*. Enquantoo programa Politico e 0 estatuto pouco ou nada correspon- dem com a realidade. Partindo dessa premissa, mesmo que Du- verger procure demonstrar que existam dife- rengas de estrutura entre partidos. tem-se & impress0 de que todas organizagdes partida- rias sho elitistas e oligérquicas, independente- mente da ideologia subjacente. E, sto “as massas, por uma ou outra raz4o, sempre vistas como apaticas, pouco politizadas, o que leva a0 ‘Giabelectmen to de estruturas que, apesar da tentativa de diferencié-las. se assemelham subs- tancialmente"”. © nascimento do partido politico, para ‘Duverger, est4 relacionado ao surgimento dos grupos parlamentaes cao ‘comités eleitorais. medida que o parlamento foi conquistando novas prerrogativas, os seus membros pressen- tiram a necessidade de se agruparem por al- ‘gum tipo de afinidade para atuarem em comum acordo. Surge, dessa forma, para esse autor. 0 partido politico, com objetivos especificos de atuar no interior do parlamento*. Coma ampliago do direito a0 voto, sen- tiu-se a necessidade de enquadrar os éleitores em comités, de acordo com cada programa partidario, como forma de divulgar candida- tos € canalizar os sufrégios™. Foi este 0 con pp. 14.6 € 456. 3 Ibid, p. 456. % Ibid, p, 26. 2 BAQUERO, Marcelio. Op. cit., p. 46. 3 DUVERGER, Maurice. Op. cit., p. 20. » Ibid, p. 20. Revista de informacao Legislative texto que. de acordo com Duverger. impuisio- nou definitivamente a estruturagdo de parti- dos. Assim, a organizagdo partidaria nao se presenta somente como uma comunidade, mas ‘como um conjunto de comunidades. uma reu- nido de pequenos grupos (segdes. comités. as- sociagdes...) disseminados em um Estado. Mas que, a0 mesmo tempo. esto ligados por um ‘orgao coordenador®. per Para Duverger, além dos partidos politicos que nascem a partir do Parlamento, existem aqueles que teriam origem externa, isto &, aque- les que por algum motivo surgem através de instituigdes pré-existentes (sindicatos. clubes, igreja...), cuja atuacdo nao estd situada no con- texto parlamentar?!, Qs partidos politicos com origem externa ‘apresentam caracteristicas opostas aos nasci- dos fo Ambito parlamentar. Os primeiros sur- ‘gem a partir da base, da militdncia, e stio me- nos centralizados. isso, pelo menos inicialmen- te: enquanto que os segundos so formados pela capula e sto muito mais centralizadores®. Em tese, para Duverger*0 modelo parla- mentar adapta-se, preferencialmente, em locais ‘onde no existem sistemas partidarios plena- mente organizados. O modelo externo. aa con- trario. desenvolve-se em locais com institui ges politicas mais estabilizadas. No entanto, para Duverger ndo interessa a forma como o partido se introduz. no contexto social. No decorrer de sua obra. Os Partidos Politicos, as atengSes esto muito mais volta- das a estrutura do partido politico do que aos Pfessupostos necessdrios para a sua existén- cia, Por fim, a visto cstrutural-clitista do parti do politico de Duverger pode ser caracterizada da seguinte forma “os militantes dirigem os adeptos, es- tes dirigem os simpatizantes, estes. 05 eleitores™>. % CHARLOT, Jean. Op. cit, p. 52. 2 ZAVARIZE, Denize Moreira Schwantes. Op, sit, p. 17. 2 DUVERGER, Maurice. Op. cit. p31 % Ibid, pp. 33. ZAVARIZE. Denize Moreica Schwantes, Op cit, pp. 15-7. 38 CHARLOT. Jean. Op. cit. p. 151 2.3. O partido politico em Sartori, Char- lot e Bonavides 2.3.1. Giovanni Sartori ‘A questo fundamental para esse autor, tratada em seu livro Partido ¢ Sistemas Par- tidarios, esté ligada a diferenciagaio concei- tual entre partido politico ¢ facgao. Para ele, o partido concebido como um instrumento funcional para cumprir objtivos © desem- penhar papéis. E um todo que procura ser~ Vit aos propésitos desse todo. Ao passo que a facgéio & apenas parte de si mesma. sem nenhuma visdo do todo. além de ser negati- va e degenerativa’s, Historicamente, a expresso facedo foi gra- dualmente sendo substituida pela palavra par- tido, Isto, A medida que se passava a aceitar a idéia de que ele. o partido, ndo era necessaria- mente um mal. constituido para desagregar a sociedade, mas um instrumento de representa- do ¢ de reivindicagdes”. ‘Apés estabelecer 0 que partida politico nao €, e pata que serve em esséncia, 0 autor passa a defini-lo como “qualquer grupo politico identifica- do por um rétulo oficial que apresente ‘emeleicdes. e seja capar.de colocar atra- vés de eleigées (livres ou nao) candida- tos a cargos piblicos™* 2.3.2. Jean Charlot Charlot, por sua vez, apresenta quatro cri- térios indispensaveis que diferenciam o parti- do politico moderno dos protopartides — fac- 96es, clubes, grupos parlamentares ¢ associa- des — do final do século XVIII ¢ do inicio do XIX. Sao eles: 1.° uma organizagao duravel. cuja esperan- ga de vida politica seja superior a de seus diri- gentes, 2.9 uma organizagao completa. com uma interligagdo entre 0 centro-nacional ¢ as uni- dades de base, 3.° uma yontade deliberada de exercer di- retamente 0 poder. individualmente ou atra- vés de aliangas, % SARTORI, Giovanni, Partidos e Sistemas Partidirios. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: ZahariBrasilia: Ed. Universidade de Brasilia, 1982, pp. 46-7. * Ihid, pp. 23 ¢ 48. % Ibid. pp. 85- Brasilia a. 31 n® 122 mai./jul. 1994 137 4° uma vontade de buscar 0 apoio popu- lar A partir desses critérios, 0 autor conclui que © partido politico, “implica a continuidade, a extensio ao nivel local ¢ a de um sistema de organizagao, de um lado, ¢, de outro, a vontade manifesta ¢ efetiva de exercer diretamente 0 poder, apoian- do-se em uma audiéncia elitista ou po- pular, militante ou eleitoral, w4o ampla quanto possivel”®., 2.3.3, Paulo Bonavides Segundo Bonavides, a elaborago concei- ‘tual do partido politico necessita de algunsele- mentos indispensaveis, como: a) um grupo social; 'b) uma organizagao interna; 6) um acervo de idéias e principios que ins- pire sua agdo; ) um interesse na tomada do poder; e ‘¢) um sentimento de autoconservagéo quan- do chegar ao poder." ‘Com base nesses requisitos basicos, o par- tido politico passa a ser definido, como: “uma organizagao de pessoas que, inspiradas por idéias ou movidas por teresse, busca tomar 0 poder, normal- mente pelo emprego de meios legais, ¢ nele conservar-se para realizagaio dos fins propugnados”®. 3. Teoria orgdnica do partido politico Na teoria orginica, o partido politico ex- trapola sua condicao liberal de instrumento da atua;do da representago. O parimetro eleito- ral e parlamentar é superado de tal modo que © partido constitui-se num espago de luta € conscientizacao politica. A organizacao parti- daria deve almejar mais que 0s efeitos repre- sentativos ¢ eleitorais. O partido é um forma- dor de consciéncias. A partir dessa tcoria, com a utilizagto de algumas s oferecidas por Marx € Engels, em seguida por Rosa Luxemburgo ¢ Lenin, ¢, por fim, mais no dmbito do dever- 3 CHARLOT, Jean. Op. cit, pp. 6-7. “© Bbid, pT. “ BONAVIDES, Paulo. Ciéneia Polifitea, 2* ed. Rio de Janeiro: Fundagdo Gettilio Varges, 1974, p. 429. Ibid, p. 429. 738 ser, por Gramsci ¢ Cerroni, procurarse-k (rejestruturar aigumas categorias principais Ciéncia Politica que justificam a nenesidade a importincia, na sociedade contemporiinea, do partido politico. Primeiramente, cabe esclarecer que Marx ndo desenvolveu uma teoria do partido politi- co. No entanto, a sua preocupagdo com esse modelo organizativode pode ser ‘encontrada em varios trechos de sua obra, Por intermédio da Liga dos Justos, desen- volvida em 1847, convertendo-se em seguida ‘em Liga dos Comunistas, surge 0 Manifesto Comunista, que teve como principal objetivo resgatar a do proletariado alemso no que diz respeito ao seu papel na transfor- magao da historia. Num sentido mais amplo, 0 ‘Manifesto visava organizar 0 operariado no sentido de garantir a conquista dos meios de producdo, juntamente com o aparelho de Esta~ do, Para Marx, a organizagdo partidaria nada mais representa do que um momento eminen- temente pritico, um instrumento flexivel ¢ mutdvel capaz de promover a revolugao®, uma ‘vez que a classe operdria somente adquire cons ciéncia de seu ser social, na pritica, no pro- ccesso de luta. Nesse sentido, a consciéncia no pode ser vista como um simples produto de um saber, mas de um ser em movimento, em trans- formagao, de uma relagio ativa ¢ criativa com a natureza ¢ com a Dessa forma, com a gradativa tomada de consciéncia dos trabalhadores. 0 modélo sé- cio-politico-econdmico passa a ser negado, possibilitando © desenvolvimento das condi- ‘g0es revoluciondrias objetivas. E neste momen- ‘to que, para Marx, o partido politico passa a ser concebido como uma alternativa politica vidvel e transitoria em favor do operat Com o aniquilamento do aparelho de Esta- do vigente, exemplificado na Comuna, de 1871, ‘no haveria qualquer outro motivo para Marx desenvolver uma teoria ou um modelo especi- al de partido, pois, sendo transitério, com 0 advento da revolugao, se autodissolveria. Por fim, no entendimento de Marx, a onga- nizagdo politica dos operdrios deveria estar sempre de acordo com as circunsténcias que thes fossem peculiares, sendo que uma de suas “ ROSSANDA, Rossana. “De Marx a Marx. Classe y Partido”. dn Teoria Marxista det Partido Politico. Trad Néstor Miguez. 5." ed. México: Edi- ciones Pasado y Presente, 1987, p. 2. “Tid principais prescrigdes foi de que essa organi- zagdo jamais viesse a se transformar em uma seita, isolada do apoio popular, ¢ de conspira- dores profissionais, os quais foram denomina- dos de alquimistas de revolugdest Nesse particular, as preocupagies de Marx foram compantihadas por Engels, o qual nao deixou, igualmente, de expressar uma inquie- tagdo constante com a dindmica partidaria. Para Engels, 0 proletariado necessita de uma ‘organizagdo que possiblite ampla liberdade de critica, combinada com a unidade de acdo, ja que é isto 0 que constitui a forma de ser do partido. Em suas correspondéncias, que marcaram a Critica ao Programa de Gotha, Engels re- gistra com grande severidade questionamen- tos ao centralismo burocratico da organizagdo Partidiria, E 0 caso, por exemplo, da carta re- metida a Kautski, em 11.2.1891, onde afirmou que: O povo deve cessar de uma vez por ‘todas de curvar-se diante dos funciona- ios do partido, seus priprios servido- tes, Deve-se abandonar essa atitude sub- missa que se adota diante deles, como ‘s¢ se tratassem de burocratas infaliveis. Também ¢ necessario que os critique- mos” Noutra catta, dirigida a Babel, em 1-5- 1891, Engels expressa claramente qual 0 mo- delo de organizacao partidtéria que ndo desefa- ‘va quando escreve que “nenhym partido em nenhum pais pode condenar-me ao siléncio se ‘estou decidido a falar”, Pois um partido ndo conseguira “Viver se no houver liberdade de movimento””, ‘No entanto, mesmo com estas observagdes mais especificas, ndo se pode categoricamente afirmar que exista uma teoria marxista de par- tido politico, bem como uma tipologia ideal ‘ou uma Ici universal sobre o mesmo. A primeira tentativa de construcao de uma teoria marxista do partido ocorreu por inter- 45 MILIBAND, Ralph. Marxismo e Politica. ‘Trad. Nathensel C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 112. “FAY, Victor. Del Partido como Instrumento de Lucha por el Poder al Partido Como Prefiguraci- 46n de una Sociedad Socialista. In: Teoria Marxisia del Partido Politicoi 3. Trad. Maria Teresa Poyra- qian, $. Ed. México, Ediciones Pasado y Presente 1987, p. 35, © Ibid, médio de Lenin em 1902, registrada em sua ‘obra Que fazer? No entanto. as idéias desen- volvidas por Lenin, de uma forma geral, ndo coincidem com 0 que haviam pregado Marx e Engels, os quais estavam muito mais proxi- mos do Partide Processo, de Rosa Luxembur- 0, do que do Partido de Quadros, de Lenit Para Lenin, papel do partido politico, no caso 0 Partido de Quadros, deveria ser, acima de tudo, de vanguarda, com capacidade de in- trojetar nos individuos os seus princfpios poti- ticos. Segundo cle, somente uma organizacao centralizada, que aplicasse firmememte 0 seu programa, podetia preservar movimentos de atuques irreflexivos ¢ preparar ataques que Pro metessem Exitos, A partir dessa visdo, Lenin desenvolve a teoria do centralismo democrdtico na organi- zagde partidéria, que, ao entender de Rosa Luxemburgo, néo passava de um centralismo burceratico”s. Pois, segundo Rosa Luxemburgo, “Liberdade somente para os partidd- rios do govern, para os membros de um partido, por numerosos que sejam, nao é liberdade, Liberdade ¢ sempre a fiber- dade daquele que pensa de modo dife- rente”®, A rejeigdo de Lenin a ago autonoma e es- ponténea do operariado foi muito grande. Para 0 autor, em uma socicade complexa, a classe ‘operdria sozinha niio possuiria condiges para tomada de consciéncia global”. J4 Rosa Luxemburgo pregava o partido proceso, € era, por isso, taxada de espontane- ista, pois acreditava que o desenvolvimento da consciéncia de Classe deveria brotar do interi- or de si mesma— por um processo natural de libertagao. jamais sob a diregdo de uma van- guarda iJuminada, conforme pregava Lenin. Para Rosa Luxemburgo “a proliferagdo de uma burocracia ndo pode ser eliminada com um golpe devarinfia magica, porque nfo ¢ efa pro- duto especifico do subdesenvolvimento, “'GARCIA. Femando Coutinho, Partidas Poli- ticos e Teoria da Organizagéo. Sto Paulo: Cortez, & Moraes, 1979, pp. 37, 39 € 41 © Ibid. p.11 » LECLERCQ, Yves. Teorias do Estado. Trad. J. A, Ponte Fernandes. Lisboa: Ediges 70-1977, p. 88. sensi do atraso historico da prépria clas- se trabalhadora aos pales capitalisas ayangados. (...) a classe trabalhadora esti sempre retraida em relagdo aos aconte- ‘cimentos, ¢ el. os recupera rapidamente no momento em que & onda revolucio- néria aumenta”s! debate entre Lenin ¢ Rosa Luxembuttgo a organizacso zida'a um papel subalterno de correia de trans- ‘missdo do poder, como também ngo deveria submeter-se a0 controle de uma minoria de ilu- mminados”*. Gramsci, eco tedrico das crises revolucio- narias da década de 20, foi quem efetuou as primeiras reflexdes, no caso concreto, sobre a “complexidade da telagio entre espontaneis- mo ¢ organizagao”®. ‘Nas constatagdes de Gramsci, a historia de ‘um partido politico nao deixa de ser a historia de um grupo social. O que vale afirmar que escrever a historia de um partido significa, nada mais nada menos, escrever a historia de um pals. Desta forma, a importincia politica do partido est4 diretamente relacionada com a de- terminagao historica do pais. Em sintese, um partido politico nunca estard pronto e acaba- do. pois, com a evolucao politica da socieda- de, novas tarefas ¢ encargos lhe sero atribui- dos, sob pena, se isso nfo ocorrer, de tornar-se. historicamente inatil**. O partido politico, segundo Gramsci, tor- 1.° um elemento difuso, ou seja, individu- 0s que se submetam a uma disciplina partidé~ ria. Caso contrario, preponderd a dispersdoe a anulagéo reciproca; 2° um elemento de coesto, capaz. de tor- nar eficiente e potente um conjunto de forgas, que, se isoladas, pouco ou nada fariam, 3.° um elemento médio que consiga articu- #1 FAY, Vietor. Op. cit, p. 49. bid, p. 50. Vide também FRANCO, Augusto de, Autonomia & Partido Revolucionério, Goitnia: Ferramenta, 1985, p.S . 3 ROSSANDA, Rossana. Op. cit., p. 11. 4 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Politica ¢ 0 Estado Moderno. Trad. Luis Mirio Gazzanco. 62 ed. Rio de Janeiro: Civilizagio Brasileira, 1988, pp. 287-9. lar o primeiro com o segundo elemento, que ‘5 coloque em contato nifo sé fisico, mas mo- ral ¢ intelectualmente**. Com a devida articulaglo desses elemen- tos, a organizacdo partidaria resistiria com forga ou coeredo, wn sua existéncia estaria vinculada as condigdes onglnicas de uma determinado segmente social. past polio seb dust formas: progress politico : a progressi- va ea regressiva. O partido politico seré pro- gressivo & medida que sua organizagio funci- onar democraticamente, tanto no dmbito in- do a um centralismo burocratico””. Neste atti- mo caso, 0 partido transformar-se-4 em um simples executor de tarefas corriqueiras. Papa Gramsci. a burocracia representa a forma conservadora mais perigosa. E, 4 medi- da que ela, a burocracia, constituir-se em um corpo solidério a parte ¢ independente, acaba- 14 por gerar o anacronismo partidario, sendo que nes momentos de crise aguda estaré vazio inteudo social, ficando como que assenta~ do no ar®. Em Gramsci, a burocracia _“encobre um regime de anton da pior espécie, que atuam ocultamente, ‘sem controle; os partidos so substitui- dos por camarilhas ¢ influéncias pesso- ais i sem contar que res- tringem as possibilidades de opgiio ¢ embotam a sensibilidade politica ¢ a clasticidade tatica”», Enfim, segundo a perspectiva gramsciana, na luta pela hegemonia politica, 0 partido po- litico torna-se um elemento decisivo, pois é ele ‘que unifica a agdo ¢ 0 pensamento, a filosofia instintiva com a filosofia consciente. possibi- itando, a partir disso. uma visdo conjuntural. 3S SADER, Emir. Org. Gramsci: Sobre Poder, Politica ¢ Partido, Trad, Eliana Aguiar. Obras Es- colhidas, Sto Paulo: Brasiliense, 1990, pp. 20-1 5 Ibid, pp. 20-1. Vide também Gramsci, Anto- nio. Maguiavel, a Politica e 0 Estado Moderna. Op. cit, p. 291. 3” GRAMSCI, Antonio. Obras Escothidas. Trad. Manuel Cruz. Lisboa: Editorial Estampa, 1974, v. I p.295. 5 SADER, Emir. Org. Op. cit, p. 58. 3 GRAMSCI, Antonio. Maguiavel, a Politica ¢ 0 Estado Moderna. Op. cit, p. 158. 440 sta de Intorm: Leg! A este modelo de partido, Gramsci denomina de principe moderno. em alusio ao Principe, de Maquiavel. O principe moderno representa ‘uma inteligéncia ¢ uma vontade coletiva, onde todos os membros so considerados intclectu- ais, cabendo a organizacao partidaria ampliar ‘0s horizontes educativos ¢ politicos”. Nas patavras de Gramsci, “O principe modemo, o mito-prin- cipe, ndo pode ser uma pessoa real, um individuo concreto, sO pode ser um or- ganismo: um elemento complexo de so- ciedade no qual ja tenha se iniciado a concretizagdo de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcial- mente na ago, Esse organismo ja € de- terminado pelo desenvolvimento hist6- ico, é 0 partido politico: a primeira cé- lula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais®. As teflexdes acerca do principe maderno gramsciano foram retomadas pelo também ita- liano Umberto Cerroni em sua obra Teoria do Partido Politico, endo por paradigma Gra- msci, Cerroni procura (re)articular novas de- terminagdes conceituais, a fim de conduzir 4 elaboragdo de uma teoria marxista do partido politico, considerada por ele. até entao, ine- Nistente. Inicialmentc, a atengdo de Ccrroni esta voltada ao paradoxo entre partido e parte, “_ndo podemos reduzir a nogio de partido potitico a nogaio genérica de“ par- te politica” sem perder 0 vator caracte- ristico e diferencial que o partido politi- co moderno apresenta com respeito a qualquer formagdo que sempre ocorre em politica em decorréncia desta ou da- quela opgao pratica”™. Desta forma, o que diferencia o partido GRUPPI, Luciano. Tudo Comegon com Ma- quiavel. Trad. Dario Canali, 9.* ed. Porto Ale- gre: L. & PM Editores Lida. 1980. p. 86. © PORTELLI, Huges. Gramsci ¢ 0 Bloco Hise torico. ‘Trad. Angelina Peralva, Rio de Janeiro: Paz © Terra, 1977, p. 98. ©GRAMSCI. Antonio. Op. vit. p. 6. CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Poli- fico, Trad. Marco Aurélio Nogueira ¢ Silvia Anetie Kneip. Sdo Paulo: Livratia Editora Cigncias Huma nas, 1982, p, 74, # Ibid, p. 64. politico moderno dos comités. clubes ¢ agre- gagdes cleitorais. que sempre existiram na po- litica, é, justamente. 0 momento em que surge uma organizagio composta por um programa politico, estruturado e articulado. Ou seja. 0 que basicamente caracteriza o partido politico moderno ¢ a combinagao de uma organizagao territorial difusa, tendencialmente nacional, com uma linha progtamatica ¢ ideoldgica de- ‘vidamente discutida ¢ compartilhada pelos seus membros. Assim, cmbora sendo uma parte, 0 partido politico deve comportar-se como um todo’. O que significa dizer que o partido deve conseguir dirigir a sociedade, sem dispor da forga monopolizada pelo Estado, devendo co- mandar ¢ fazer-se obedocer sem precisar re- corer aos Meios coercitivos. ‘Segundo os paradigmas utilizados por Cer- roni, 0 surgimento do partido politico nao esta condicionado ao do Parlamento, uma vez. que aquele pode vir a constituir-se antes desse. bem como para teivindicd-lo ou propor a sua cria~ gio. Com isso. fica evidente que o modelo par- tidario desenvolvido por Cerroni nao esta ex- clusivamente interessado na conquista de vo- tos ou com os preparativos cleitorais, conside- rando que ele poder desenvolver-se nos limi- tes de um espago politico totalmente hostil 2 participacdo popular. Conclui-se, portanto. que a existéncia do partido politico ndo esta diretamente relacio- nada com 4 do Parlamento, mas com a vonta- de de individuos que desejam transformar as, relagdes socio-politico-econémicas. Afinal, 0 papel do partido politico ¢ o de servir de pro- 16lipo. € 0 de prefigurar a sociedade futura, de servit de ponto de feencontro ¢ de confronta- gdo entre as diferentes correntes de pensamen- to. © desenvolvimento da organizacio parti- daria, de acordo com Cerroni. distingue-se em. trés fases principais: 1. fase — pré-politica: ocorre no momen- to em que um segmento social comega a assu- mir sua autonomia e consciéncia de agregacsio corporativa num sentido de autodefesa drante de algum tipo de exploragéo. Nesta fase. surge uma série de instrumentos ¢ organizagoes de defesa dos interesses imediatos € praticos, As- sim. o partido politico passa a revelar-se como © Ibid, pp. 11-2 € 26 & FAY, Vietor. Op. cit, p. 50. Brasilia a, 31 n° 122 mal.fjul. 1994 144 um mecanismo politico estreilamente articu- Jado com a probiematica, 2° fase — intea-uterina: ocorre quando o nivel de agregagao supra Os interesses econd- micos ou corporativos, comecando, entdo, por avangar sobre © horizome politico da convi- ‘véncia estatal, E 0 momento da caiarse grams- ciana. Esta fase proporciona a realizagio de encontros mais gerais, mas, ainda, débeis em relagdo a propostas de transformagdes profun- das na sociedade. Ou seja, meste momento o partido politico ainda se encontra numa rela- ao de contraposigao radical. configurando-se muito mais como uma scita, como uma parte, que ainda nio & capaz de se propor como um. todo: 3° fase — extra-uterina nesta fase, Omen- cionado segmento social exprime a sua capa- cidade de direg&o fhegemOmica em relagdo a0 conjunto da sociedade, no mais de uma par- cela. Essa nova forga se comtrapde ao bloco he- gemédnico existente, denunciando a sua parci- alidade, no s6 como uma parte a ser substitu- ida, mas também como uma parte-todo. As- sim. substitui-se por inteiro um Estado faccio- ‘so pata introduzit-se um modelo unitario, me~ diante a combinacao de interesses entre a for- ¢a impulsionadora da transformagao, com os dos demais segmentos sociais”. Feita esta prescricda histética do partido Politico, fica evidente que reduzir a sua inves- Tgacto a nascimento dos clubes © comités eleitorais, simples mecanismos de forga poli- tica, dotados de alguma unidade propagandis- fica, torna-se una tarefa um tanto quanto defi- cada ¢ complexa, porque, acima de tudo, 0 partido politico nao representa “apenas uma forma de agregacao ide- olégica, mas uma forma de agregagao ideologica para defender uma condigao humana, para remover determinadas cir- cunstancias hist6ricas que a defor- mam”6, A rigor. 0 partido politico deve ser analisa- do sob uma ética politica. ¢ n&o a partir de um ceticismo organizative, 0 qual entende que a separagdo entre dirigentes ¢ dirigidos ¢ um “mal necessirio” de toda forma de organiza- do. O processo de desenvolvimento partida- Tio. cxige muita criatividade e flexibilidade. O seu programa deve ser vivo ¢ operativo, capaz, © CERRONI, Umberto. Op. cit, p. 50. Ibid, p. 17. 142 de captar a esséncia das transformagées prati- cas €. por isso, também da prépria organiza ao. A simples importagao de modelos organi- zativos ndo contribui em nada para 0 fortale- cimento do partido, beneficiando somente a partidocracia®, isto é, a reprodugao de siste- ‘mas politicos frdgeis e a conseqiiente despoli- tizagao popular. O partido politico encama, emt si mesmo. a necessidade de uma mediagao orgdnica entre © politico ¢ 0 social. o que exige a presenca de um elemento de reelaboragao teérica para cor- responder aos anscios da sociedade, ¢ de um elemento de atuagdo sécio-politica. ja que a otganizacao partidaria n3o pode ficar distan- ciada do seu contexto social, pois, para quem deseja ser 0 principe moderno, mediar a poli- tica, a economia ¢ a ciéncia parece ser a sua grande tarefa” Isto quer dizer, para Cerroni, que partido politico deve ser capaz de. a0 mesmo tempo, claborar ¢ agir. ele deve elaborar Tes & nilo apenas idéias, deve realizar na prética pro- {fotos ideol6gicos ¢ ng meros esquemas de co- mando, 0 que s6 serd possivel por intermédio de um partido orginico, sinctétion ¢ em ple mas condigses de reavaliar os velhos diagnds- ticos ¢ terapias sociais”. Enfim, compreende Cerroni que: “O partido politico deve ser ambici- 050 ¢ modesto come 0 cientista. ¢ como ‘bom intelectual coletivo, de descobrir a virtude da ciéncia, a davida metédica na corajosa pesquisa da verdade, a persis- tente finalizagao das menores operagdes, a fantasia criadora e a disponibilidade antidogmatica para a experimentagao””. Na sociedade contemporanea, o partido politico apresenta-se como 0 canalizador das nécessidades, solicitagdes e esperangas de wni- vyersalizar a vida de todos os homens, ndo ape nas de seus membros, ou de um determinado segmento social. Nesse contexte. o pluratismo torna-se uma necessidade fundamenta) para a instituigdo que queira desenvolver-se com base ‘na liberdade politica. O confronto ideolégico surge como garantia da plena integracaio de- mocritica, no havendo qualquer espago para oaniquilamento coercitive”. © Ibid, pp. 36 € 70. 9 fbid, p30. 1 (bid, pp. 50-1 Ibid, p. 53. ® Ibid, p, 58. Revista de Informagio Legisi Por fim, para Cerroni, numa perspectiva histérica. o partido politico tem dois caminhos a seguir: 1° ou se toma o intermedisrio da autodire- a0 universal; € 2.° se reduz a ser o chefe burocritico de ‘uma organizagao autoritaria. oligarquica, mor- tificante da vida social. 4. Consideragdes finais © pensamento tradicional coneebe 0 parti- do como um instrumento legal de conquista do poder. A preocupagdo centrada no sistema Tepresentativo, nessa abordagem estrutural-eli- tista. caracteriza 0 partido como um fim em sim mesmo, distanciado do contexto social. O partido representa uma oligarquia burocrati- ca, constituida por uma elite dirigente, que se utiliza de sua estrutura com vistas (40-somen- te ao processo eleitoral. Na teoria organica. 0 partido politico ex- trapola sua condicao liberal de instrument da atuacdo da representagdo. © parimetro eleito- ral parlamentar € superado de tal modo que opartido se constitui num espago de futa e cons- cientizagao potitica. A organizagdo partidéria deve almejar mais que os efeitos representati- vos ¢ eleitorais. O partido torna-se um forma- dor de conscigncia A partir do momento que o partido deixar de ser analisado sob a dtica do ceticismo orga- nizativo, ou seja, como um simples ente da ccorreia de transmissio do poder. ele poder ser transformado em um mediador organico ca- paz de atuar entre o politico ¢ o social, com condigdes plenas de ser criativo ¢ receptivo as transformagdes sociais. 443,

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