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Antropologia Heródoto que é considerado o pai da História e

A Antropologia é o estudo do homem como ser da Antropologia.


biológico, social e cultural. Sendo cada uma No entanto, foi somente com o Movimento
destas dimensões por si só muito ampla, o Iluminista no século XVIII que a Antropologia se
conhecimento antropológico geralmente é desenvolveu como ciência social, através do
organizado em áreas que indicam uma escolha aprimoramento de métodos e classificações
prévia de certos aspectos a serem privilegiados para a raça humana. Neste período, o relato de
como a “Antropologia Física ou Biológica” viajantes, missionários e comerciantes sobre os
(aspectos genéticos e biológicos do homem), hábitos dos nativos das novas terras
“Antropologia Social” (organização social e descobertas e os debates sobre a condição
política, parentesco, instituições sociais), humana, foram muito importantes para o
“Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, desenvolvimento dos estudos antropológicos.
religião, comportamento) e “Arqueologia” Estudar o ser humano e a diversidade cultural,
(condições de existência dos grupos humanos envolve a integração de diversas disciplinas
desaparecidos). Além disso podemos utilizar que procuram refletir sobre as dimensões
termos como Antropologia, Etnologia e biológicas, sociais e culturais, sendo as
Etnografia para distinguir diferentes níveis de principais áreas:
análise ou tradições acadêmicas. - Antropologia Física ou Biológica – estuda os
Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss aspectos genéticos e biológicos do homem
(1970:377) a etnografia corresponde “aos - Antropologia Social: analisa o comportamento
primeiros  estágios da pesquisa: observação e do homem em sociedade, a organização social
descrição, trabalho de campo”. A etnologia, e política, as relações sociais e instituições
com relação à etnografia, seria “um primeiro sociais
passo em direção à síntese” e a antropologia - Antropologia Cultural – investiga as culturas
“uma segunda e  última etapa da síntese, no tempo e espaço, envolvendo os costumes,
tomando por base as conclusões da etnografia mitos, valores, crenças, rituais, religião, língua.
e da etnologia”.  A Antropologia Cultural subdivide-se em outras
Qualquer que seja a definição adotada é especialidades como: Etnografia, Etnologia,
possível entender a antropologia como uma Arqueologia e Linguística.
forma de conhecimento sobre a diversidade
cultural, isto é, a busca de respostas para
entendermos o que somos a partir do espelho
fornecido pelo “Outro”; uma maneira de se Antropologia e educação: Origens de um
situar na fronteira de vários mundos sociais e diálogo
culturais, abrindo janelas entre eles, através  
das quais podemos alargar nossas Antropologia e educação parecem constituir,
possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o hoje, um campo de confrontação, em que a
que, afinal de contas, nos torna seres compartimentação do saber atribui à
singulares, humanos. antropologia a condição de ciência e à
O que é Antropologia: educação, a condição de prática. Dentro dessa
Antropologia é uma ciência que se dedica ao divergência primordial, os profissionais de
estudo aprofundado do ser humano. É um ambos os lados se acusam e se defendem com
termo de origem grega, formado por base em pré-noções, práticas reducionistas e
“anthropos” (homem, ser humano) e “ logos” muito desconhecimento. Se há muitas coisas
(conhecimento). que nos separam - antropólogos e educadores
A reflexão sobre as sociedades, o homem e o -, há muitas outras que nos unem. Neste texto,
seu comportamento social é conhecida desde a pretende-se ressaltar o que há em comum, já
Antiguidade Clássica através do pensamento que o que nos separa só pode ser
de grandes filósofos, destacando-se o grego compreendido com base nesse mesmo
patamar . O que nos une é, portanto, anterior

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ao que nos separa, e nele se inscreve o diálogo campo da educação. A razão é simples: a
do passado, tanto quanto a possibilidade do educação não tem sido um dos campos
diálogo do futuro. privilegiados pela antropologia, da mesma
O diálogo entre antropologia e educação, forma que certas abordagens teóricas, que
percebido por muitos como uma "novidade" estão na origem deste diálogo, também não se
que se instaura com as transformações da constituem em objeto de conhecimento e
década de 1970, neste século, é mais antigo análise, em particular, lembro aqui, o
que isso e reporta-se a um momento crucial da culturalismo americano, representado por
história da ciência antropológica. No âmbito Franz Boas e as gerações formadas por ele.
deste artigo, não se poderá dar conta da Poderíamos elencar um número significativo de
totalidade dessa história; pretende-se, no razões para que isto ocorra, mas importa
entanto, chamar a atenção para alguns pontos chamar atenção para uma certa distorção de
fundamentais. Antes de mais nada, é visão de que somos todos acometidos e que
necessário que se adentre no pensamento nos leva a considerar aprioris e ou críticas
antropológico, em suas bases epistemológicas insuficientes, deixando de entender a
como ciência e como ciência aplicada, com constituição da ciência de que somos
seus alinhamentos teóricos, avanços e limites. herdeiros. Ser herdeiros não nos torna
Aqui parece residir a importância do passado culturalistas, acríticos ou conservadores, mas
para nosso presente, pois somente nesse exige que reconheçamos que o conhecimento,
percurso parece ser possível vencer uma certa como ciência, não nasce e morre dentro de um
instrumentalização da antropologia pela tempo determinado, senão que se alimenta do
educação, propiciadora de muitos equívocos, e que existe antes dele e fornece alimento ao
onde, certamente, se terá, como ganho, a que lhe sucede, sem nunca deixar de existir
superação de estigmas e preconceitos que como referência. Defendo, ainda, a importância
grassam de ambos os lados dessa fronteira ou desse resgate, se quisermos cobrar alguma
desse divisor de águas - a antropologia como coerência no fazer de outros campos, quando
ciência, a pedagogia como prática. se utilizam do referencial da antropologia na
Avaliar a questão das diferenças, tão cara à abordagem de temas singulares,
antropologia e tão desafiadora no campo particularmente na educação. Essa é a razão
pedagógico justamente por sua característica pela qual esta reflexão, ainda iniciante, parte da
institucional homogeneizadora, não é uma negação imediata de um tempo mágico - a
tarefa simples. Desde sempre, a antropologia e década de 1970-,1 como referência para as
a educação têm se defrontado com universos pesquisas educacionais de tipo etnográfico e
raciais, étnicos, econômicos, sociais e de também para as pesquisas no campo das
genêro, entre tantos outros, como desafios que ciências humanas, ditas pós-modernas, que,
limitam ou impedem que se atinjam metas, negando todo o passado, tornam-se
engendrando processos mais universalizantes reificadoras de muitos limites.
e democráticos. No tempo presente, com O pioneirismo do diálogo entre antropologia e
tantas mudanças numa sociedade que se educação, relatado por Galli (1993), mostra
globaliza, estas questões não só não se que, já ao final do século XIX, a antropologia
encontram resolvidas, como renascem com tentava compreender uma possível cultura da
intensidade perante os contextos em infância e da adolescência. Eram temas de
transformação. suas pesquisas e de seus debates os
O interesse central é trazer o aluno da processos interculturais infantis e os sistemas
pedagogia para uma aproximação no campo educativos informais, dentro de uma concepção
teórico da antropologia, que lhe é inteiramente alargada de educação. Antropólogos
desconhecido. Por outro lado, o aluno de participavam em processos de revisão
ciências sociais, campo onde o antropólogo é curricular e continuaram a participar no
formado, no caso brasileiro, também transcorrer do presente século, nesse e em
desconhece o itinerário da antropologia no

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outros movimentos ligados à escola e à não desenvolviam - e não desenvolvem -
educação. mecanismos democráticos, perante
Entre os anos 20 e 50 deste século, muitos as diversidades social e cultural.
antropólogos envolvidos nesses debates A educação, nessa forma primeira, é uma
travaram celeumas com os pensamentos de modalidade de ajustamento psicossocial que
Freud e Piaget. O que se sabe ou se conhece resulta numa forma de controle social, com
desses debates no Brasil? Pouco ou nada. No base na organização social e no horizonte
entanto, entre os anos 30 e 40, os antropólogos cultural partilhado por um grupo. Um aspecto a
tiveram uma atuação importantíssima no vasto considerar é que a cultura é, aí, entendida
programa de reforma curricular promovida nos como técnica social de manipulação da
EUA. Deles não se fala nem se ouve falar entre consciência, da vontade e da ação dos
nós. No entanto, importantes aspectos para a indivíduos, com a finalidade de modelar as
compreensão de nossa visão da escola estão personalidades humanas dos membros do
aí contemplados, pelo fato de que muitos grupo social, tal como afirma Florestan
antropólogos que atuaram no processo vinham Fernandes, ao tratar da educação entre os
de uma linha tradicional, e mesmo axial, na Tupinambás (1966).
antropologia, posto que eram discípulos de Para exemplificar que todas as sociedades
Boas, tais como Margareth Mead (que dedicou possuem técnicas para estimular e corrigir seus
toda sua vida ao estudo da educação) e Ruth membros da infância à idade adulta, via
Benedict. Nomes que certamente não soam transmissão de conhecimento, valores e
estranhos aos ouvidos do estudante de normas, Melatti (1979) relata o processo
antropologia, mas que certamente nunca são educativo de uma criança marubo. Diz ele:
pronunciados nos corredores de uma "Durante o tempo em que o indivíduo é uma
Faculdade de Educação. criança de colo, sem dúvida já se inicia sua
Por que ser discípulo de Franz Boas importa? formação como marubo". Ela pressupõe desde
Antes de mais nada, por ser ele mesmo um o contato com os alimentos até outros hábitos
aluno de Morgan - outra referência axial na como amarrar os pulsos, os braços, os
antropologia -, que, rompendo com o mestre, tornozelos e as pernas para que engrossem,
abre as portas para a fecundidade e as fazendo dele um bom trabalhador no futuro. À
multiplicidades de pensamentos que orientarão medida que cresce, está sujeito a tapas,
novas abordagens teóricas que alimentam a empurrões ou ainda a punições quando faz
antropologia do século XX. Os discípulos de algo de errado. Uma punição comum é a urtiga
Boas, neste início de século, dão continuidade que é passada no corpo para que a criança
ao próprio Boas, quando este nos alertava para deixe de ter preguiça e torne-se aplicada no
o fato de que tínhamos um modelo pedagógico trabalho. Da mesma forma, quando maiores,
ocidental que iria nos conduzir a uma tomam a "injeção de sapo", uma espécie de
pedagogia da violência. queimadura em pele viva, que espanta a
Hoje, quando vemos as dificuldades das preguiça e o panema (azar) (op. cit., pp. 291-
escolas, em particular, das escolas públicas de 301).
periferia, o fato de a escola como valor não Este e outros exemplos entre grupos tribais
fazer eco entre os estudantes, a indisciplina como os Arapesh, estudados por Mead, ou os
violenta, a evasão escolar e sua face mais japoneses, estudados por Ruth Benedict,
cruel, a exclusão social, só para citar alguns revelam a existência de um sistema de
problemas de nosso tempo, cabe perguntar interpretação de um modo de vida, mas
qual a natureza dos riscos de que falava Boas. também uma pedagogia, como diz Galli, que se
Qual a natureza dos riscos de hoje? Para ele, a formaliza como técnica e ritual educativo,
realidade de seu tempo apontava um risco para criando sistemas especializados nessas
os povos do futuro e para o futuro da própria técnicas e ritos. Nesse sentido, cultura e
civilização. A razão era que, historicamente, a educação são termos que se invocam e se
nossa sociedade e a escola que lhe é própria concitam mutuamente, como afirmam Cazanga

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M. e Meza (1993). Segundo esses autores, morrer,/ deixai-nos perecer,/ pois nossos
"permanentemente envolvido no processo deuses já estão mortos" (Scevcenko op. cit., p.
educativo e pelo simples fato de estar vivendo, 53). O processo político que impõe a cultura do
o homem está aprendendo na sociedade pela outro à revelia dos sujeitos sociais conduz à
cultura; a sociedade é o meio educativo próprio violência que mata o corpo (genocídio), como
do homem, ainda que a todo momento não também mata a alma, preservando o corpo
tenha consciência disso" (p. 82). físico (etnocídio). Os indígenas não são, assim,
Isto não quer dizer que os indivíduos sejam indiferentes às condições vividas, aprendem
produtos mecânicos de uma linha de com elas, e se os espanhóis foram: "adorados
montagem. O homem como ser variável, inicialmente como deuses, temidos depois
mutável no temperamento e no como demônios e desprezados por fim apenas
comportamento, não fica à mercê de sua como bárbaros", é porque os indígenas
natureza e de sua cultura, mas sim está sujeito perceberam a "cupidez dos europeus e na sua
a condições históricas determinadas e obsessão proselitista, a raiz de todo o
determinantes do universo em que está sofrimento em que submergiram (...) esse
inserido. sentimento (...) transformou-se numa pulsação
No pano de fundo da história, os processos de resistência e é até os nossos dias revivido
culturais revelam-se arbitrários, posto que cerimonialmente como na periódica
objetivam não apenas a produção e a dramatização da morte de Atahualpa" ( idem;
reprodução da sociedade em que se está e se ibidem).
vive, mas objetivam, também, interesses e Assim, num processo inverso ao da
metas que, indo além da própria sociedade, homogeneização proposta pelo campo político
envolvem outras sociedades, outros grupos das relações entre povos e culturas distintas,
sociais, outras culturas. Tal como aconteceu renasce a diferença, celebra-se a alteridade. A
com a expansão colonial na América e, realidade vivida implica um fazer e refazer
portanto, com as relações entre europeus e constantes, via processos culturais que, no
indígenas. dizer de Lara, produzem e veiculam projetos de
É comum entre antropologia e educação, vida humana, com propostas tidas como
portanto, tal como afirma Galli, a existência real válidas e como tais transmitidas. Daí que o
e concreta de diferentes grupos humanos. Uma processo de ver-se e ver a outros homens, só
existência que, segundo Lara (1990), mostra o pode ocorrer em contextos históricos
mundo cultural marcado por uma luta de concretos, seja em termos do senso comum,
interesses, com tudo o que ela implica: a seja em termos do conhecimento científico.
dominação, a espoliação, entre outras coisas. A compreensão das diversas sociedades
Para esse autor, os caminhos da produção humanas, em seus próprios termos, através de
cultural de um povo foram, muitas vezes, questionamentos dos valores e das convicções
obstruídos, "enquanto memória negada ou de nossa sociedade, como diz Novaes (1992),
recalcada, enquanto memória distorcida ou permite o conhecimento através da crítica "ao
mesmo completamente deturpada por aqueles etnocentrismo, à intolerância e à não aceitação
que têm a força para se impor. A história da diferença" (p. 128). A superação do
cultural de um povo, na maioria dos casos, fica etnocentrismo, a apreensão do diverso para
sendo a história das dimensões hegemônicas compreendê-lo em relação,
dessa cultura" (p. 104). significa relativizar o próprio pensamento para
Retomando pois, o caso dos espanhóis e dos construir um conhecimento que é outro.
indígenas, fica clara a imposição das crenças Alargado, como diria Merleau Ponty. Um
dos valores dos conquistadores em nome de conhecimento como ciência, ou seja, a
um domínio que nega ao outro a própria realidade como realidade vivida e
existência de seu mundo. Diziam alguns sábios experimentada pela compreensão de outras
astecas: "Somos gente simples/ somos sociedades e da própria cultura.
perecíveis, somos mortais,/ deixai-nos, pois,

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Nesse movimento de tensão e compreensão referindo-se aos antropólogos, exige renovar a
reside a natureza do diálogo entre antropologia visão de mundo e das coisas (p. 20).
e educação, já que ambas são devedoras  
científicas do processo de imposição de si ao Antropologia e educação: O diálogo do
outro, posto pelo desenvolvimento do mundo passado
colonial e do colonialismo ocidental, cuja meta As origens da antropologia e do fazer
visava suprimir toda e qualquer alteridade, em antropológico como ciência, ou melhor dizendo,
nome de um modelo de vida cultural e de um modo de fazê-la, tem a ver com a
pedagógico de tipo etnocêntrico, autocentrado expansão do mundo colonial que conduz o
e homogeneizador. O diálogo revela como mundo europeu a defrontar-se com outros
ponto comum a cultura, entendida como povos e outras culturas - nas Américas e na
instrumento necessário para o homem viver a África. O defrontar-se com o diverso, com o
vida, distinguir os mundos da natureza e da desconhecido, implicou fazer perguntas, cujas
cultura e, ainda, como lugar a partir do qual o respostas permitiram a constituição de um
homem constrói um saber que envolve saber legítimo e reconhecido como ciência.
processos de socialização e aprendizagem. No Entre o século XIX e o atual século XX, as
primeiro caso trata-se de diferentes formas de perguntas e suas respectivas respostas
transmissão de conhecimento, de habilidades e organizaram-se em diferentes formas de
aspirações sociais; no segundo, trata-se das interpretação da realidade. Assim, afirma-se
formas de transmissão de herança cultural, que o "olhar antropológico" não é um único
através de gerações implicando processos de olhar, mas qualquer que seja ele, é dependente
apropriação de conhecimentos, técnicas, de pressupostos que orientam as perguntas
tradições e valores. Tudo em acordo com a que são feitas e indicam caminhos de busca
criação dos homens em situações sociais, das possíveis respostas. Isto quer dizer que,
concretas e historicamente determinadas. dependendo de onde se parte, têm-se
Situações essas, segundo Galli e outros configurados modos diversos de fazer uma
autores, tipicamente pedagógicas e diversas. mesma ciência, no caso, a ciência
Aqui seria possível citar inumeráveis exemplos antropológica com base em diferentes teorias
de diversidade social e de múltiplas situações que a sustentam.
pedagógicas que precisariam ser relativizadas A primeira dessas teorias, que nasce junto com
para ser melhor compreendidas. a própria ciência antropológica, foi o
No entanto, a dominação política e evolucionismo. As idéias de evolução e
historicamente determinada nas relações entre progresso, inspirados em princípios da biologia
diferentes grupos e, principalmente, na história e, portanto, das ciências naturais do século
do mundo ocidental, revela o colonialismo XIX, conduzem a que se pensem as diferenças
como negador da diversidade humana. entre grupos e sociedades numa escala
Centrado num modelo cultural único e na evolutiva que toma o mundo europeu como
necessidade de colocar sob controle o modelo único de humanidade. A concepção
diferente, a sociedade ocidental constrói uma etnocêntrica de mundo vê o "outro" a partir de
prática pedagógica também única e si mesma e estabelece um fazer científico de
centralizadora. O movimento deste mundo, de base discriminatória e racista, já que entende
que fazemos parte, caminha da diversidade que branco, europeu e cristão constituem a
para a homogeneidade, eixo em que também superioridade da condição humana, enquanto
se inscreve a história da antropologia, como os demais povos e culturas representam um
ciência, e da pedagogia ocidental, como atraso, uma sobrevivência do passado do
prática. Vinculadas e determinadas pela lógica homem e, como tal, uma condição inferior da
impositiva dessa história comum, defrontam-se própria humanidade. Um evolucionista
ambas com o desafio de resgatar e importante, no século XIX, foi L. Morgan,
redimensionar o universo das diferenças, da inspirador de muitos pensadores, entre eles
diversidade que, como diz Carvalho (1989), seu aluno Franz Boas.

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Franz Boas vivencia todas as descobertas de Boas revela como a diversidade do social é
seu tempo e chega ao presente século desrespeitada no modelo político de
trazendo para debate, agora, através de seus desenvolvimento americano, já que diferenças
próprios alunos, importantes antropólogos da sociais ou culturais, de gênero, raça ou etnia,
primeira metade do século XX, uma crítica são ainda pensadas a partir das idéias
contundente ao pensamento de seu mestre L. evolucionistas. Com isso, Boas influencia
Morgan. Boas considera a idéia de que cada muitos outros a pensarem a questão da
grupo, cada cultura têm uma história singular, diferença como parte de mecanismos culturais,
própria, que depende do que é a vida do grupo, referidos a pequenos grupos ou regiões, que
no aqui e agora de sua existência. Não se trata, exigem um intenso trabalho de campo junto a
portanto, de olhar as diferenças próprias do esses grupos, para que seja possível
modo de ser do "outro" como sobrevivência de compreendê-los. O fazer científico que se
um momento já superado pela evolução da instaura nessa concepçãoparticularista da
humanidade e, como tal, exemplo vivo de história humana, chamada também de história
atraso social e cultural. A possibilidade de que cultural ou culturalismo,  tem por significativo o
a história da humanidade não tenha seguido fundamental dessa ciência chamada
um único caminho e direção faz do antropologia, o trabalho de campo, e elege
pensamento de Boas uma condição como central, para pensar as sociedades
revolucionária na compreensão das realidades humanas, o conceito de cultura. Por outro lado,
humanas. Como história múltipla e variada, cabe dizer que esta é a vertente americana de
elimina o viés do pensamento evolucionista desenvolvimento da antropologia, a
etnocêntrico. Com este princípio, Boas mostra antropologia cultural. Mais centrada nos
a imensa riqueza do social humano e a conceitos de sociedade e de estrutura,
natureza da cultura como não determinada elaborada por Radcliffe-Brown e outros,
biologicamente. A cultura, e não a biologia, constitui-se a vertente da antropologia social,
torna-se referência para pensar as diferenças e na Inglaterra, da qual emergirá uma segunda e
compreendê-las em suas bases constitutivas. fundamental corrente teórica da antropologia,
O pensamento de Boas, ao investir contra o o funcionalismo, cujo representante maior será
evolucionismo de Morgan, possibilita também a B. Malinowski. Boas e Malinowski, segundo
crítica aos valores liberais e de igualdade Laplantine (1987), são os pais fundadores da
postos pelo campo político do século XIX, etnografia, na medida em que percebem e
como modelo autocentrado para as sociedades sistematizam os caminhos pelos quais "o
humanas e suas instituições, entre elas, a pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo
escola e seu modelo pedagógico ocidental. a própria pesquisa" (p. 75). Com eles, o
Boas será um crítico atuante diante do sistema trabalho de campo se torna a própria fonte de
educativo americano, denunciando, entre pesquisa e a condição modular da antropologia
outras coisas, a ideologia que lhe serve de como ciência da alteridade que, segundo
base, centrada na idéia de liberdade, e sua Laplantine, se dedica ao estudo das lógicas
prática educativa de cunho conformista e particulares de cada cultura.
coercitivo, visando criar sujeitos sociais A corrente americana terá maiores
adequados ao sistema produtivo, segundo um preocupações com a questão educacional, cuja
modelo ideologizado de cidadão. Demonstra, continuidade se fará com os alunos de Boas.
através de estudos diretos obtidos no campo Ruth Benedict e Margaret Mead dedicam-se
educacional, que a escola inexiste como aos estudos do campo educativo e trazem à
instituição independente e, como tal, não tona a questão da diversidade das culturas,
possibilita independência e autonomia dos vista por diferentes ângulos: as formas
sujeitos que aí estão. A meta da escola centra- operativas da cultura dentro dos processos
se num aluno-modelo que desconsidera a educativos nos primeiros anos de vida; os
diversidade da comunidade escolar e, para ciclos de desenvolvimento da infância à idade
contê-la, atua de forma autoritária. adulta e o papel da educação formal e informal;

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a questão do controle social e o campo das perspectiva de que o homem não apenas vive,
emoções e do sexo; as dificuldades educativas mas que, ao viver, questiona, cria sentidos,
e os relacionamentos entre grupos dentro dos valores, mitos, artes e ideologias que ordenam
estados nacionais e deles com os outros, como sua compreensão de mundo, revoluciona o
por exemplo, a América e a África, o mundo fazer etnográfico, pois impõe o trabalho
ocidental e o oriental; a adolescência e a empírico, de campo, como fundamental na
formação da personalidade, entre tantos outros compreensão de outros povos e de nós
temas que se podem elencar na produção mesmos.
culturalista do início do século até os anos 50. O trabalho de campo redimensiona o
Outros antropólogos que também discutem a conhecimento científico, na medida em que
escola e a educação nesse período são M. exige uma rigorosa e sistemática apreensão de
Herskovits, R. Redfield e C. Kluckholn, que uma dada sociedade ou grupo em seus
apontam para a questão da escolha cultural, do múltiplos aspectos, formais, institucionais,
papel da cultura e das experiências vividas que concretos, tal como se encontram relacionados
marcam e constituem um universo centrado no entre si e de acordo com a representação que
relativismo. São parte da discussão: a negação deles é feita. A cultura se torna, assim, central
dos chamados "testes de inteligência", tão em para a compreensão das práticas humanas,
voga nos anos 30/40; as dificuldades de vistas como práticas significantes que
integração cultural do diferente, em face da distinguem o homem da natureza, o homem do
visão etnocêntrica da organização escolar; a animal e que fundam diferentes sistemas de
questão da tarefa do educador perante as interpretação da vida. Nesse processo, o
experiências pessoais e a herança cultural e, antropólogo é aquele que faz a "teoria nativa"
ainda, a questão dos valores de cada grupo em da sociedade que estuda, ou seja, que busca
face dos conflitos entre grupos e perante as explicá-la em seus próprios termos. Isso exige
diferenças. A relativização dos saberes e as desde a compreensão da especificidade de
conexões entre saberes diversos só se fizeram cada cultura, já posta pelo culturalismo, como
possíveis em razão das experiências vividas e também a compreensão das partes que
da integração no mundo e na cultura de cada compõem uma dada cultura em termos de um
um. A exigência, portanto, de se pensar um todo integrado, de que fala o funcionalismo. Na
saber e uma aprendizagem diversa, porém de conjunção de ambas as teorias, torna-se
igual valor, coloca em vigência uma ética no possível o estudo de pequena parte da
fazer antropológico e lhe dá uma dimensão sociedade - um microcosmo de seu universo -
política afinada com seu tempo. para compreendê-la no seu todo. A isso, se
Por sua vez, o funcionalismo dos anos 20/30 propuseram os chamados estudos de
baseava-se no fato de que as necessidades de comunidade.
um povo, grupo ou indivíduo, dadas pela vida Os estudos de comunidade constituem a outra
em sociedade, encontram na cultura os ponta da perspectiva antropológica que hoje
caminhos de sua satisfação e conduzem às parece retornar, sem uma efetiva consciência
respostas originais, singulares e coletivas, que do fato, nas pesquisas educacionais deste fim
demarcam e estruturam formas próprias de ser de século. A proposta desses estudos conduz
e de pensar o mundo, diferentes para cada os pesquisadores a verem no âmbito de
povo ou grupo, já que são dependentes da pequenos grupos a reprodução da sociedade,
dinâmica de diversos sistemas sociais e de seu elegendo no campo da pesquisa o particular,
funcionamento. Como conseqüência, a melhor como objeto de conhecimento, e não a
forma de compreender os diferentes povos é generalização. A cultura vista nela mesma, no
estar com eles, viver em profundidade o interior do grupo e a ele referida, o contexto em
universo de suas práticas, entendendo-as si mesmo tornam-se expressão maior dessa
como práticas "encarnadas", como diria perspectiva de análise, desse fazer
Malinowski, ou seja, como práticas que científico.5 Não dão conta, porém, do fato de
possuem um sentido e um significado. A que "as relações culturais estão submersas em

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relações de poder " (Carvalho op. cit., p. 21) e, mares à la Malinowski.6 O desafio não é fácil,
como tais, dizem respeito a realidades mais nem simples.
amplas, estruturadas em torno de relações de Segundo Ruth Cardoso (1986), no campo das
classe e baseadas em mecanismos de ciências humanas o desafio atual é o de
desigualdade e dominação. conciliar a conquista do trabalho de campo,
Ainda assim, as vertentes do culturalismo e do sistematizada pelo positivismo e, ao mesmo
funcionalismo, que ao final dos anos 40 tempo, dar conta de esquemas explicativos de
começam a ser criticadas nos EUA, terão forte outra natureza, centrados na questão das
influência no Brasil, primeiro via Gilberto sociedades complexas, as sociedades de
Freyre, que estuda com Boas nos anos 30 e classe, revelada pelas teorias mais críticas e
escreve seu célebre e polêmico Casa grande e menos positivistas, tais como o estruturalismo
senzala; depois será a vez de pesquisadores e o marxismo. Diante do trabalho de campo e
americanos que, entre os anos 40 e 50, do desafio da interpretação, a antropologia e a
chegam ao Brasil através da Universidade da educação se debatem com o fato de que
Bahia, e aqui desenvolvem estudos de sempre existiu "um modelo positivista de
comunidade, que serão inspiradores, mais sociedade (...) e uma tendência interpretativa
tarde, das propostas do CBPE (Centro ou compreensiva" das mesmas (Lovisolo 1984,
Brasileiro de Pesquisas Educacionais) dirigido p. 66). Para este autor, a antropologia
por Anísio Teixeira, em termos de pesquisas e interpretativa é aquela que hoje é aceita, tanto
de programas educacionais no Rio de Janeiro, no campo das ciências humanas como na
entre os anos 50 e 60. No entanto, a crítica educação, e nisso consiste o desafio de agora.
feita a tais estudos, já a partir da década de Em debate, o questionamento das práticas
1940, parece não fazer parte da reflexão científicas e das práticas educativas no
daquele momento, como não o faz na atual tocante ao trabalho de campo e ao fazer
retomada da aplicabilidade das técnicas de etnográfico  que, desenvolvidos na trajetória da
pesquisa antropológica aos estudos das antropologia como ciência, são hoje, década de
culturas complexas, na antropologia e na 1990, campos comuns e conflitivos no diálogo
educação. entre antropologia e educação.
Segundo P. Sanchis (1996), nos anos 50 e 60 Fazendo minhas as palavras de Santos (1996)
deste século, a descolonização e a emergência e, certamente, alterando-lhes os sentidos,
de antigas colônias como nações estamos vivendo um tempo paradoxal,
independentes eliminaram a distância estrutural simultaneamente de conflito e de repetição.
entre sociedades, estabelecida de modo teórico Cabe, então, perguntar: Estamos perante uma
e diverso pelo evolucionismo e pelo situação nova? No presente, o relativismo e a
funcionalismo (p. 29). Nesta segunda metade alteridade apresentam-se de forma ambígua e
do século, não se trata mais de estudar o até antagônica (Garcia 1994, p. 135), de modo
"outro", diferente, distante, e sua cultura. A que se torna obrigatório rever a idéia de que o
questão agora é que a "etnografia deixou de passado seja reacionário, para se buscar,
ser privilégio de antropólogos desde que estes como diz Santos, energias mais progressistas,
mudaram seu campo para as cidades", diz menos conformadas no interior de um universo
Zaluar (1995, p. 85). Ao mesmo tempo, a matricial, da antropologia como ciência e da
necessidade de aplicar seus métodos, seus educação como prática.
conceitos e paradigmas às ditas sociedades
complexas instaura o desafio e a aventura que BIBLIOGRAFIA
é "conhecer outros mundos simbólicos" no ANDRADE, C. Drummond. Corpo. Rio de
interior de nosso próprio mundo. Tal desafio, Janeiro: Record: 1984. FREIRE, Paulo.
segundo Zaluar, constitui-se numa via de mão Pedagogia da autonomia: saberes necessários
dupla, em que estão em jogo a objetividade e a à prática educativa. 33ª ed. São Paulo: Paz e
teoria científica e também a sensibilidade Terra, 2006. GUSMÃ O, Neusa M. Antropologia
interpretativa de quem se propõe a singrar e educação: origens de um diálogo. Cadernos

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CEDES, n. 43, p. 8-25, 1997. ________. Os Este texto procura apontar algumas formas que
desafios da diversidade na escola. In: GUSMÃ essa contribuição assume ou pode assumir.
O, Neusa M. (Org.). Diversidade, cultura e Para tanto, inicialmente, ele leva em
educação: olhares cruzados. São Paulo: Biruta, consideração os prismas metodológicos da
2003. p. 83-105. MALINOWSKI, Bronislaw C. pesquisa antropológica, se filosófica ou
Argonautas do Pacífico Ocidental. Tradução empírica. Num segundo momento, foca a
Anton P. Carr. São Paulo: Abril Cultural, 1976. relação da Educação com a teoria
SOUZA, Maurício Rodrigues de. Por uma antropológica a partir da questão da formação
educação antropológica: comparando as idéias e do processo de socialização, sendo
de Bronislaw Malinowski e Paulo Freire. apontados aí procedimentos e cuidados
Revista Brasileira de Educação. v.11, n.33, necessários à análise antropológica, quando
set/dez, 2006. seu objeto de análise é a Educação. Na parte
subsequente, procura-se indicar temas
Antropologia e Educação relevantes da reflexão antropológica que
Antropologia e educação: breve nota acerca de podem contribuir para as ciências da educação,
uma ao estudar o ser humano e o processo de
Clélia Aparecida MARTINS2 A maneira pela qual se analisa a individuação
Carlos Willians Jaques MORAIS3 em função das variações do processo de
RESUMO: o indivíduo é definido pela socialização parece ser o problema
internalização de normas e de disposições antropológico básico da Educação. Para a
comuns de uma sociedade ou de uma classe Antropologia, é evidente que os atores da
social. Saber quais são essas normas requer educação, suas razões e suas motivações são
um olhar antropológico sobre a educação e mais o resultado de um processo de aquisição
sobre o educando. A maneira como ocorre a social que propriamente um componente não-
individuação no processo de socialização é um social da subjetividade. Daí não ser pertinente,
dos problemas antropológicos básicos da por parte de estudos sérios, no âmbito da
educação. Desse modo, tanto a antropologia, antropologia filosófica, elaborar uma imagem
como ciência empírica, quanto a antropologia do ser humano, visto o objetivo maior dessa
como reflexão filosófica, têm de contribuir com disciplina dever ser a produção de perspectivas
as ciências da educação. Este trabalho de compreensão sobre o homem,
procurou apontar as formas que essa compreensão essa que muitas vezes é
contribuição assume ou pode assumir. constituída por interpretações heterogêneas e,
PALAVRAS-CHAVE: educação; antropologia em parte, até contraditórias.
empírica; antropologia filosófica; individuação; A antropologia filosófica não pode ter por
socialização; ser humano. propósito reduzir a multiplicidade do saber
A Educação, como se sabe, pode fazer uso da antropológico sobre a individuação e a
Antropologia como uma das ciências da socialização a um estatuto a ser compreendido
educação com os propósitos de decodificar e e utilizado pelos educadores e outros
analisar valores e universos culturais profissionais; ao contrário, há necessidade
constituintes tanto da instituição escola como epistêmica de incrementar a complexidade do
das mais variadas formas de manifestação saber e pensar sobre o homem. Essa
educacional não formais. Uma rápida análise necessidade não pode ser satisfeita com o
da relação entre Antropologia e Educação, apontamento das coações a que se encontram
como áreas do saber, indica ser possível submetidas as ações educativas e a formação.
diferenciar a antropologia relativa à educação Em termos metodológicos, parece ser
de duas formas: antropologia como ciência fundamental que o pesquisador se mantenha
empírica e antropologia como reflexão consciente a respeito da tensão existente entre
filosófica. Ambas têm a contribuir com as a complexidade policêntrica da reflexão
ciências da educação. antropológica e a ação pedagógica cotidiana, e
ter presente que, para essa diferença, não se

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pode buscar solução, porque não é um determinantes dos fenômenos educacionais.
problema, mas uma característica inerente ao As ciências da educação podem ser
processo de pesquisa. Da antropologia condensadas em um repositório para o saber,
filosófica, ao ter como objeto de análise a daí que, além do processamento dos
Educação, exige-se vivenciar resultados científicos particulares, se exija uma
permanentemente a insegurança do saber e da análise conceitual das proposições empírico-
ação. Tal postura não desemboca na pedagógicas e das conclusões educativas
resignação, pois provém de energias do desejo obtidas a partir de tal condensamento. Donde,
de saber e de atuar característico do homem em se tratando de análise e estudo do
ocidental urbano, energias essas que se processo pedagógico, a antropologia empírica
transformam em estímulo à produção e poder ser complementada pela antropologia
aquisição de novos conhecimentos e de novas filosófica. Em geral, no relativo ao âmbito
formas de ação, o que, entretanto, apenas é educacional, a Antropologia tem no centro de
possível com a ajuda da insegurança adquirida sua preocupação a pergunta pela formação e
por meio da reflexão, a qual contribui para capacidade do indivíduo de ser formado
reduzir as possibilidades de auto-ilusão e auto- segundo a ideia do homo educandus e
engano, tão comuns aos que, como educabilis, porque uma das máximas
observadores, lidam com a práxis pedagógica. essenciais da Antropologia consiste em, sob
Nesse sentido, deve-se dar prioridade a uma diversas formas, associar a modernidade à
postura metodológica na qual a compreensão e emergência do indivíduo. Qualquer que seja o
a explicação não sejam momentos distintos e vocabulário escolhido, a passagem da tradição
separados do processo de pesquisa, porque a à modernidade, do holismo ao individualismo,
qualidade da análise antropológica se assegura faz sempre da formação do indivíduo um dos
pela interdependência de ambos os processos critérios essenciais das sociedades modernas.
cognitivos: a “compreensão” resulta em uma O indivíduo moderno resulta da pluralidade de
representação dos objetos, temas e seres conjuntos de ação regidos por orientações e
humanos, considerando elementos subjetivos regras cada vez mais autônomas
concretos, sem os quais não seriam possíveis (DURKHEIM, 1983b; WEBER, 1964).
as explicações, as quais, por sua vez, remetem A Antropologia, tratada nos seus âmbitos
a uma nova e melhor compreensão das empírico e filosófico, muito pode contribuir para
representações do caso ou processo em um processo de fundamentação do pensar e do
análise. Além disso, outra técnica a qual se agir educativo. A intencionalidade do educador
pode ter como recurso de pesquisa é a provido dos recursos da relação entre
analogia: junto aos procedimentos lógicos da Antropologia e Educação pode ajudar a garantir
aquisição do conhecimento, os procedimentos uma prática educativa significativa na formação
analógicos (que não excluem os procedimentos social do indivíduo. A produção e a transmissão
lógicos e sim os complementam) têm de da cultura ocorre sempre em torno de um
encontrar o seu lugar. Sem elementos processo de socialização, mas a sua aquisição
análogos, não é possível nenhum é algo que requer individuação e internalização
conhecimento lógico; eles produzem a enquanto momento de significação e
representação dos temas, objetos e tipos de decodificação da própria cultura. Isso é um
seres humanos que constituem o pressuposto movimento natural que é próprio da espécie
para as reflexões antropológicas a respeito das humana. Entretanto, é um movimento que
mais variadas manifestações pedagógicas. Já necessita do pesquisador para exercer um
a antropologia empírica deve processar os olhar antropológico sobre a educação e o
resultados das ciências relevantes ao processo educando, com vistas a sempre buscar suas
pedagógico, nos seus diversos níveis (como a melhores formas de manifestação.
biologia, a psicologia, a sociologia, a história II
etc.), a partir do ponto de vista da importância Com esse propósito, Derbolav (1980) busca um
desses saberes para a compreensão dos “projeto de uma história constitucional do

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indivíduo”, um desenvolvimento do eu ¾ um 1986). As estruturas sociais se dividem à
prisma no qual a Antropologia cuida da história proporção que se especializam e o ator é
individual que pode auxiliar a prática guiado por valores cada vez mais universais,
pedagógica. A este respeito a reflexão filosófica suscetíveis de se aplicar a uma multidão de
e o saber empírico-antropológico devem casos particulares. Os códigos são substituídos
convergir em uma síntese. Entre outras coisas, por orientações de ação
pode-se tratar de desenvolver com base nos Educação em Revista, n.6, p.83-94, 2005 87
conhecimentos antropológicos uma teoria da Antropologia e Educação internalizadas, por
competência curricular, tendo em vista não só o sentimentos e convicções. Se o educador não
ambiente e a história de vida do educando ¾ tiver a percepção da diversidade de valores e
lembremos da tese do “currículo oculto” de culturas, ele não terá condições de estabelecer
Michael Apple (1982), segundo a qual, além da a necessária empatia com o educando; na
grade curricular oficial, a história de vida do prática, ele incorrerá no conhecido engano
aluno e seu universo simbólico é um teórico que por tempos predominou na
determinante fundamental no processo de antropologia: a antropologia tradicional tendia a
aprendizagem ¾, mas também as seguintes determinar as condições do ser humano, sem
capacidades adquiridas pelo ser humano, na refletir adequadamente sobre a historicidade
infância: a de incorporar experiências, a produtora de vários e diferentes tipos de
competência sensório-motora, a competência homens, que sobrevivem em concomitância e
locomotora, a imitativa, a lúdica, a linguística, a sobre os múltiplos processos de formação
intelectual, a estética etc. O estímulo ou cultural constituídos no decorrer dessa
impulso para a aquisição dessas competências historicidade. Tal fenômeno ocorreu devido a
é a ideia de que o homem tem em si mesmo o Antropologia, quando tem por objeto de análise
desejo de poder fazer tudo sempre da melhor a educação que se processa no decorrer do
forma e que, como sujeito, o ser humano não é tempo, poder ser desenvolvida unicamente
apenas luz natural (lumen naturale), mas como antropologia histórica, porque deve partir
essencialmente desejo natural (desiderum de uma dupla perspectiva histórica:
naturale). Enquanto ser desejante, seu anseio, compreender o tema investigado, por meio da
que o caracteriza como espécie, é o de tornar historicidade do objeto de pesquisa, e
se partícipe da civilização. Esse anseio em compreender a historicidade da investigação,
participar do mundo civilizado pode ser incluindo a do planejamento e a do método. Só
estimulado ou bloqueado no decorrer do respeitando essa dupla historicidade é que se
processo de socialização pelo qual a criança pode superar as reduções da antropologia
passa, na escola. tradicional e, então, ao se tratar de análise do
A socialização é a incorporação de um espaço âmbito educacional, compreender as diferentes
social estruturado, graças ao qual a história e a formas que assumem o processo de
ação de cada agente são especificações da socialização, o de individualização, o do homo
história e das estruturas coletivas. O indivíduo, educandus e educabilis, entendendo que essas
além de sua relativa autonomia, é definido pela expressões são empregadas de forma técnica,
internalização de normas e de disposições no singular, mas que concretamente só existem
comuns à sociedade ou a uma classe social. no plural.
Perscrutar sobre quais são essas normas, E, numa perspectiva histórica, a Antropologia
como são constituídas, é tarefa de um olhar deve ainda renunciar à pretensão a fazer
antropológico sobre o processo educacional e formulações sobre o homem e sobre a
sobre o indivíduo. Educação, porque ela não pode desenvolver
Por outro lado, a socialização conduz a uma nenhuma visão prescritiva de conjunto entre
individualização crescente à medida que cada ambos. Unicamente mediante essa renúncia,
indivíduo faz parte de círculos de ação ela pode evitar o conteúdo violento da
diferentes: a individualização é então e sempre antropologia normativa tradicional, criando
um corolário direto da diferenciação (SIMMEL,

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então um espaço para as diferenças e os desse pensador: “quando nossa consciência
paradoxos, na reflexão sobre o ser humano. fala, é a sociedade que fala em nós”
Algo parecido, diga-se de passagem, vale (DURKHEIM, 1983c). Ademais, a
também para ser considerado em relação às internalização do social é também uma
duas grandes formas do pensamento subjetivação, o que supõe, a rigor, uma grande
simbólico, o mito e o logos, no processo de confiança nos valores da modernidade e acaba
socialização inerente à formação do ser por não corroborar com a tese de Habermas
humano, que não podem ser reduzidas a uma (1981) de que, no capitalismo contemporâneo,
ou a outra senão que têm uma existência as estruturas simbólicas do mundo da vida com
independente, jogando um papel muito a colonização desse mundo avançam
importante tanto na filogênese, o processo juntamente com a crise de motivação e, logo,
evolutivo da espécie humana, quanto na crise de socialização dos indivíduos.
ontogênese, o processo evolutivo do ser III
humano Os estudos e análises sobre o processo da
individual. Isso porque o percurso da civilização e as investigações de Foucault que
socialização escolar repousa sobre resultaram na obra Vigiar e punir (1977) têm
uma homologia profunda entre a filogênese e a mostrado claramente que a corporeidade do
ontogênese ser humano atual constitui um resultado de
(DURKHEIM, 1983a e 1983c; DEWEY, 1959). progressivos processos de disciplinamento,
No momento em que a criança, como indivíduo psicologização e racionalização, os quais
ainda primitivo, é potencialmente social e está começaram no final da Idade
como que hipnotizada pelo mestre, a escola a Média. A progressiva distância que se
conduz pouco a pouco para um mundo mais estabeleceu entre os seres humanos, a
complexo e mais abstrato. substituição dos sentidos que exigem o objeto
A obediência natural e o realismo moral próximo (o tato, o gosto, o olfato, o paladar)
descritos por Piaget, em seu clássico texto pelos da distância (o olfato e a visão), na
sobre a formação do juízo moral (PIAGET, relação com o mundo, deram lugar a processos
1971), são gradativamente substituídos por de racionalização e abstração, e se chegou a
uma imagem mais distributiva da justiça e da um progressivo distanciamento da vida do
reciprocidade das relações humanas. O grupo corpo com sua multiplicidade de sentidos,
dos pares sucede o laço de autoridade e a afecções, paixões e desejos e na
criança torna-se um indivíduo, à medida que desmaterialização do mesmo. Nesse processo,
domina a si mesmo, muito mais do que a perda dos sentidos de proximidade ocorre em
obedece aos mestres e ao controle do grupo e concomitância com dois outros processos:
de seus pares. Essa interpretação reforça a - o incremento do controle do outro e de si
compreensão de que ao mesmo tempo em que mesmo mediante proibições e mandatos,
a escola pode criar indivíduos e cidadãos, ela é normas e regras ;
um meio para se assegurar a integração de - a percepção cada vez mais freqüente dos
uma sociedade nacional. O caráter dessa corpos como imagens.
concepção de educação não é evidentemente REFERÊNCIAS
ingênuo, mas deposita uma grande confiança APPLE, M. Ideologia e Currículo. São Paulo:
na educação como modelo de formação dos Brasiliense, 1982.
indivíduos e como chave da integração social, ARISTÓTELES. Poética. Ed. Bilíngüe Grego-
e, por conseguinte, também na educação como Português. Trad.: Eudoro de Souza.
objeto de análise da Antropologia. São Paulo: Ars Poética, 1993.
Para Durkheim, contudo, essa perspectiva CICOUREL, A. Sociologie cognitive. Paris: Puf,
implica também uma antropologia pessimista, 1979.
já que a anomia coletiva e o instinto de morte DERBOLAV, L. Diskussion Pädagogische
individual são apenas duas faces do mesmo Anthropologie. Munique: Verlag König/
vazio social - vale ressaltar aqui a famosa frase Ramsenthaler, 1980.

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DEWEY, J. Democracia e educação. São
Paulo: Nacional, 1959.
DUBAR, C. La socialisation. Paris: Armand
Colin, 1990.
DURKHEIM, E. A educação moral. In: Émile
Durkheim. Os Pensadores. Vol.:
XXXIII. São Paulo: Abril Cultural, 1983a.
DURKHEIM, E. A divisão social do trabalho. In:
Émile Durkheim. Os Pensadores.
Vol.: XXXIII. São Paulo: Abril Cultural, 1983b.
______. As formas elementares da vida
religiosa. In: Émile Durkheim. Os
Pensadores. Vol.: XXXIII. São Paulo: Abril
Cultural, 1983c..
Educação em Revista, n.6, p.83-94, 2005 93
Antropologia e Educação
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis:
Vozes, 1977.
HABERMAS, J. Theorie des Kommunikativen
Handelns. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1981.
HONNETH, A. Kampf zum Anerkennung.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992.
KAMPER, D. e WULF, Ch. (org.) Der Andere
Körper. Berlim: Luchterhand Verlag,
1984.
______. Die Wiederkehr des Körpers. Frankfurt
a. Main: Peter Lang Verlag, 1982.
MORIN, E. La Méthode. Paris: Seuil, 1977.
PIAGET, J. El criterio moral en el niño.
Barcelona: Fontanella, 1971.
PLATÃO. A República. 4.ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbekian, 1983.
SIMMEL, G. La sociologie de l’expérience du
monde moderne. Paris: Méridiens-
Kliencksieck, 1986.
WEBER, M. Economia y sociedad. México:
Fondo de Cultura Economica, 1964.

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