1. Introdução
O presente trabalho procura, de modo geral, analisar as condições sociais que
fundamentam as relações de ensino-aprendizagem dos conteúdos da disciplina de Sociologia
em escolas da Educação Básica pública da cidade de Uberlândia, Minas Gerais, especificamente
entre o período de 2018 até 2020. Trata-se, na realidade, de um excerto da pesquisa de mestrado
desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Uberlândia (PPGCS/UFU), sob orientação da prof.a dr.a Marili Peres Junqueira.
A pesquisa em questão considera a multidimensionalidade do fenômeno investigado e
busca abarcar, tanto empiricamente quanto analiticamente, certo conjunto de variáveis que
compõem o Ensino de Ciências Sociais na Educação Básica do espaço delimitado. Entre esses
elementos pode-se destacar os processos de institucionalização dessa disciplina, as origens
sociais do corpo docente, o perfil geral dessa população, as condições de trabalho desses
profissionais, o perfil discente e as representações que as juventudes estudantis mobilizam em
relação à Sociologia. Portanto, devido ao amplo volume de fatores que condicionam o objeto
analisado, destacar-se-ão aqui apenas alguns dados e indícios acerca das variáveis consideradas
A escolha do referido recorte empírico justifica-se pela constituição privilegiada do
Ensino de Ciências Sociais em Uberlândia, que desenvolveu-se desde 1989 a partir da inclusão
da Sociologia como disciplina obrigatória da Educação Básica segundo delimitação da
Constituição Mineira, como indica Guimarães (2004, p. 181 - 190). Por conseguinte, enquanto
a região, desde tal período, contava com a Sociologia como parte obrigatória do currículo da
Educação Básica, outros estados passaram pelo mesmo processo ao menos duas décadas depois.
Além disso, considera-se a introdução da disciplina enquanto conteúdo componente das
avaliações de vestibular da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e como temática
integrante do Programa Alternativo de Ingresso no Ensino Superior (PAIES) 2 dessa mesma
universidade. Assim, tem-se alguns elementos que corroboraram para o desenvolvimento local
do ensino dessa ciência à nível básico (GUIMARÃES, 2004, p. 192 – 193). Portanto, o processo
1
44º Encontro Anual da ANPOCS, GT15: Ensino de Ciências Sociais.
2
O PAIES foi um programa institucional de ingresso à UFU alternativo ao vestibular instituído em 1998 e
caracterizava-se por uma avaliação progressiva durante os três anos do Ensino Médio, contudo foi extinto em 2008
pela resolução nº19/2008ª do Conselho Universitário da referida universidade.
1
de institucionalização das Ciências Sociais na região é particular em comparação com a
trajetória nacional, e cabe à presente pesquisa investigar os desdobramentos contemporâneos
desse fenômeno.
2. Metodologia
Tomando como referência as particularidades do objeto aqui tratado, a presente
investigação necessita, fundamentalmente, de bases metodológicas sólidas. Apesar de tratar-se
de um fenômeno local, o Ensino de Ciências Sociais em Uberlândia envolve uma ampla gama
de agentes e instituições, bem como de processos históricos micro e macrossociais que influem
sobre as dinâmicas dessa prática. Como tratar sociologicamente qualquer fenômeno
educacional também significa abranger vários campos, será necessário empregar instrumentos
metodológicos variados capazes de recolherem dados indicativos acerca das nuances do objeto.
Por se tratar de uma análise sobre agentes específicos, primordialmente os docentes de
Sociologia e discentes do Ensino Médio, interagindo em espaços circunscritos, essencialmente
as escolas, inseridos em um espaço sócio-geográfico comum, a cidade de Uberlândia, busca-se
aqui, uma pesquisa de teor qualitativo e quantitativo, simultaneamente.
Parte-se, portanto, do axioma que, frente o objeto tratado, uma investigação de cunho
qualitativo e quantitativo não só é possível, como garante uma compreensão multidimensional
do fenômeno. Um exame sobre as características gerais dos alunos e docentes analisados, por
meio de instrumentos de recolhimento de dados quantitativos, em consonância com dados
qualitativos sobre os mesmos agentes, garante não só uma riqueza maior de dados como permite
a validação científica mais aprofundada das inferências construídas.
Desse modo, admite-se que, frente determinadas especificidades dos fatos sociais
tratados, os métodos devem adaptar-se às particularidades dos mesmos, respeitando sempre as
normas sociológicas gerais de investigação e teorização. Entra-se aqui em convergência teórica
com Becker (1999), que, ao analisar um distanciamento entre teoria e metodologia no campo
sociológico norte-americano, aponta como frente a problemas, objetos e objetivos específicos,
enfrentados por cada pesquisador, deve-se ter a liberdade de manipular os instrumentos que
julgam-se necessários para o desenvolvimento da pesquisa sociológica em questão. Por essa
razão que é preciso “incentivar os pesquisadores a formular seus próprios métodos de maneira
que se adequem a seus próprios problemas e ambientes” (BECKER, 1999, p. 15).
Tendo como base a manipulação relativamente livre dos métodos de análise pelo
sociólogo defendida por Becker, tem-se uma convergência desta perspectiva com a literatura
especializada sobre a metodologia nas Ciências Sociais. Autores como Richardson (1985, p.
2
29), Martins (2004, p. 293), Mills (2009) e Ramos (2013, p. 59) evidenciam como a
metodologia de uma pesquisa define-se pelo objeto e pelos problemas de pesquisas colocados.
No tocante ao corpo docente investigado, o Censo Escolar de 2018 (MEC/INEP) indica
a existência de 83 professores de Sociologia residentes em Uberlândia. Entretanto, segundo um
levantamento realizado localmente acerca do número desses agentes nas escolas públicas de
Uberlândia, tem-se 33 professores. O Censo não particulariza se esses professores atuam em
Uberlândia ou nas cidades vizinhas, apenas o seu último endereço fornecido. Assim, a presente
pesquisa, tomando como referência este número de 33 docentes, devido à precisão da definição
dessa categoria em comparação àquela estabelecida pelo Censo Escolar (2018), indica que a
investigação quantitativa sobre o perfil dos docentes de Sociologia nessa cidade abrange uma
amostra de 51,5% do universo delimitado.
Sobre os mecanismos de levantamento de dados sobre a referida amostra, os mesmos
foram recolhidos por meio de questionários online enviados aos docentes que lecionam nesse
município durante os meses de maio e junho de 2020. Os questionários estiveram hospedados
na plataforma Google Docs e as respostas forma preenchidas pelos próprios agentes.
Em relação aos dados qualitativos sobre os docentes de Sociologia dessa região, optou-
se pela realização de entrevistas semiestruturadas com 8 agentes componentes dessa população,
contabilizando 24% da totalidade dos professores. Tais encontros foram efetuados de modo
online, a partir da plataforma digital Google Meet, de modo que o uso de tal ferramenta justifica-
se pelo contexto sócio epidemiológico no qual a pesquisa inseriu-se. A referida situação é fruto,
sobretudo, da disseminação da doença infeciosa gerada pelo coronavírus, nominalizado “covid-
19”, e gerado pelo vírus SARS-CoV-2, como categorizado por Gorbalenya et al. (2020).
Portanto, tal contexto exigiu por parte da população, sob orientação da Organização Mundial
da Saúde (OMS), algumas medidas sanitárias de prevenção, incluído aqui, o distanciamento
social, impossibilitando o desenvolvimento de entrevistas presenciais com os docentes.
Em referência aos dados estatísticos acerca do corpo discente das instituições de ensino
públicas da cidade em questão, seu levantamento é fruto de um projeto de pesquisa coletivo,
fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig),
denominado “Jovens em trânsito: novos desafios para o Ensino de Sociologia”. Tal iniciativa
foi formada por docentes e discentes do Instituto de Ciências Sociais (INCIS) e por técnicos do
campo estatístico da Universidade Federal de Uberlândia.
As informações sobre essa população foram levantadas presencialmente em 2018 em
cinco escolas estaduais, cada uma representante de uma das regiões geográficas da cidade:
norte, sul, leste, oeste e centro. Desse modo, nestas escolas, foram aplicados 463 questionários
3
com estudantes do primeiro e do terceiro ano do Ensino Médio, contendo questões quantitativas
visando captar dados acerca da idade, sexo, etnia, renda e religião do corpo discente.
Por fim, a base empírica qualitativa acerca dos estudantes dessa cidade foi construída a
partir de entrevistas semi-estruturadas realizadas presencialmente entre os meses de novembro
de dezembro de 2019. No total foram entrevistados nove estudantes de escolas estaduais da
cidade e, com a permissão dos pais dos estudantes via termo de consentimento escrito, os
encontros tiveram seus áudios gravados e posteriormente transcritos para análise posterior.
Assim, essas entrevistas visaram aprofundar algumas informações levantadas
quantitativamente sobre essa população.
Portanto, observa-se como, em níveis práticos e teóricos, a pesquisa qualitativa e
quantitativa aproximam-se, e de que modo sua aplicação na análise do fenômeno educacional
aqui tratado pode fornecer dados de naturezas distintas sobre a realidade social. Pela
combinação destas perspectivas complementares sobre o fenômeno, a imaginação sociológica
é alimentada por um substrato valioso e diverso de referências sobre a realidade empírica.
Confirmando assim, uma explicação científica do Ensino de Ciências Sociais na Educação
Básica com caráter dinâmico e amplo, que atenda indagações estruturais e interacionais.
3.1 Os Docentes de Sociologia da Educação Básica de Uberlândia
Desse modo, estabelecidos os objetivos e instrumentos metodológicos empregados na
pesquisa, faz-se necessário a apresentação e análise de alguns elementos centrais que
constituem o corpo docente da região investigada. Novamente, destaca-se aqui que as variáveis
consideradas pela pesquisa de mestrado, de cujo este artigo é um desdobramento, são amplas,
contudo, devido ao espaço reduzido deste trabalho, destacar-se-ão apenas algumas delas.
Tabela 1 - Distribuição de Docentes de Sociologia por Sexo - Uberlândia - 2020
Sexo Valor(%)
Masculino 47,1%
Feminino 52,9%
Total 100%
Fonte: Dados Levantados e analisados pelo autor (2020).
Em relação aos dados referentes ao processo de distribuição sexual do trabalho docente
recolhidos em Uberlândia, Minas Gerais, tem-se que as professoras representam 52,9% do
universo à medida que os docentes contabilizam 47,1%. Portanto, Uberlândia demonstra um
desenvolvimento rumo à distribuição igualitária entre os sexos que ocupam posições laborais
relativas ao Ensino de Ciências Sociais no Ensino Médio. Assim, o cenário local apresenta
convergências com o processo nacional de diminuição da feminização do trabalho docente nesta
categoria, como identificado por Bodart e Silva (2016, p. 220-221).
4
Gráfico 1 - Distribuição dos Professores de
Sociologia por Religião - Uberlândia - 2020
52,9%
17,6%
5
Assim, tomando como base a distribuição religiosa da população analisada, os processos
socioculturais que marcaram o campo religioso brasileiro nas últimas décadas, como o
decréscimo no número de católicos e o crescimento na porcentagem de indivíduos evangélicos
e sem religião (NOVAES, 2004, p. 321), verificam-se em certa medida entre os docentes aqui
investigados.
Sobre o primeiro elemento evidenciado por Novaes (2004, p. 321-322), em referência
ao decréscimo no número de católicos no país, observa-se entre os docentes de Sociologia uma
porcentagem relativamente baixa de praticantes ou crentes dessa religião, tomando como
referência as tendências nacionais. Contudo, trata-se da religião institucionalizada mais
representativa no universo, sendo a segunda resposta mais demarcada no questionário aplicado.
Além disso, o baixo número de católicos relaciona-se diretamente com o perfil desses agentes,
marcado majoritariamente por sujeitos sem religião.
Sobre esta última categoria e o processo de crescimento de indivíduos sem religião no
Brasil a partir da década de 2000, Antoniazzi (2017) analisa os diversos sentidos e dimensões
que tal categoria possui, a partir de investigações quantitativas e qualitativas sobre sujeitos
autodeclarados “sem religião”. Segundo este autor (2017, p. 78), este conceito não indica,
necessariamente, a constatação de indivíduos ateus, visto que a maior parcela dos que
identificam-se enquanto tal acreditam em Deus ou em alguma Força Superior. Cabe, portanto,
identificar quais os sentidos sócio-culturais desta auto categorização, de modo que
A declaração “sem religião” parece indicar mais uma “des-
institucionalização” da religião e a emergência da chamada “religião
invisível” [...] O indivíduo não adere mais a uma religião institucionalizada,
mas reduz a religião a um sentimento pessoal, íntimo, não acompanhado pela
participação em comunidades ou instituições religiosas. Mas não deixa de
rezar (ao menos ocasionalmente) e de acreditar em Deus, quase sempre
(ANTONIAZZI, 2003, p. 77 – 78).
Tal interpretação vai ao encontro das análises de Camurça (2017) sobre o mesmo
fenômeno, visto que, segundo este último autor, o crescimento de cidadãos “sem religião” no
Brasil é marcado por processos de desenvolvimento de uma subjetividade individualista,
entendida aqui sob um sentido de liberdade de autodeterminação, desinstitucionalização das
práticas religiosas, múltipla pertença religiosa e indiferentismo religioso.
Desse modo, a partir de ambos autores, verfica-se que, apesar da constatação da
ampliação de sujeitos enquadrados em tal categoria estatística, o Brasil ainda não perde sua
“tradição religiosa”, sendo esta ainda presente em representações sociais e práticas individuais
dos sujeitos. Por conseguinte, a constatação que entre docentes de Sociologia da Educação
6
Básica existem altos níveis de indivíduos sem religião, não implica, necessariamente, que o
ateísmo, por exemplo, seja predominante entre essa população.
Por fim, outras religiões como o Espiritismo, Evangelismo e Espiritualismo somam
23,3% do universo estabelecido, evidenciando uma distribuição igualitária de crenças não
católicas entre os docentes. Avulta-se também o fato de que religiões de matriz africana não
tiveram nenhuma representatividade entre esses agentes.
Tabela 2 - Distribuição dos Docentes de Sociologia por Curso de Formação Superior -
Uberlândia - 2020
Curso de Graduação Valor (%)
Ciências Sociais Lic. 88,4%
Direito Bac. 5,8%
Biomedicina- - Bac. 5,8%
Total 100%
Fonte: Dados Levantados e analisados pelo autor (2020).
Retomando uma das questões centrais do subcampo do Ensino de Ciências Sociais, a
formação docente em nível superior, constata-se, em Uberlândia, a seguinte distribuição: 88,4%
dos docentes de Sociologia dessa cidade são licenciados em Ciências Sociais, 5,8% graduaram-
se em Direito (bacharelado) e outros 5,8% são bacharéis em Biomedicina. Entretanto, a partir
de uma análise do banco de dados, observa-se que os professores de Sociologia que assinalaram
sua primeira graduação como Direito e Biomedicina, indicaram as Ciências Sociais como sua
segunda graduação superior. Dessa forma, tais dados indicam que a totalidade dos docentes de
Sociologia da Educação Básica em Uberlândia são habilitados para tal função.
Consequentemente, comparando os dados nacionais sobre essa variável, como visto em Silva e
Vicente (2014) e Bodart e Silva (2016), com esses levantados localmente sobre o perfil dos
docentes de Sociologia, observa-se um grande contraste. Assim, Uberlândia apresenta níveis
altos de adequação entre formação superior dos docentes e disciplina de atuação.
Como indicado anteriormente, a adequação entre área de atuação e campo de formação
dos docentes de Sociologia do Ensino Médio ainda é um dos problemas primários para a
consolidação e legitimação dessa disciplina no Brasil. Alguns fatores como a intermitência da
presença das Ciências Sociais em forma disciplinar na Educação Básica (OLIVEIRA, 2013), o
distanciamento dos cursos de Ciências Sociais com relação à licenciatura e à formação de
professores (MORAES, 2003, p. 9) e a clivagem entre o bacharelado e a licenciatura nos cursos
de graduação da área (FILHO, 2014, p. 77) convergem para os baixos níveis de ajustamento
entre formação e esfera de atuação da disciplina de Sociologia na Educação Básica.
Desse modo, tem-se alguns elementos institucionais, econômicos e históricos que
convergem diretamente para os baixos níveis de adequação entre função docente e área de
7
formação na disciplina de Sociologia do Ensino Médio no Brasil. Constata-se, contudo, que o
caso de Uberlândia diferencia-se profundamente das tendências nacional e estadual observadas
acerca dos níveis de correspondência entre campo de formação em nível superior e área de
atuação dos docentes de Sociologia do Ensino Médio.
O fator determinante dessa ampla discrepância entre docentes de Sociologia da
Educação Básica de Uberlândia que possuem formação na área e os dados nacionais, reside no
próprio desenvolvimento histórico dessa disciplina em Minas Gerais e na cidade em questão.
Como indicado por Guimarães e Tomazini (2009, p. 13), a Sociologia é institucionalizada
enquanto disciplina obrigatória em Minas Gerais em 1989, 19 anos antes da deliberação
nacional que inclui essa matéria no currículo de toda Educação Básica do país. Além disso, no
caso de Uberlândia, a inclusão dos conhecimentos sociológicos, antropológicos e políticos
como conteúdos obrigatórios do vestibular e do PAIES da UFU, em 1997 e 1998,
respectivamente, influenciaram diretamente o desenvolvimento do Ensino de Ciências Sociais
nessa cidade (GUIMARÃES, 2004, p. 193-194). Além disso, a implementação do curso de
graduação em Ciências Sociais (licenciatura e bacharelado) pela UFU em 1997 é um fator
determinante para o nível de desenvolvimento da Sociologia escolar na cidade.
Desse modo, para além do fortalecimento institucional da disciplina, nota-se, a partir do
relato de alguns docentes, como o contato prévio com os conteúdos das Ciências Sociais desde
a Educação Básica influiu sobre a trajetória acadêmica e profissional dos atuais professores de
Sociologia da região. Como indica um dos entrevistados
prestei a primeira vez [o vestibular da UFU], não passei, cheguei pra segunda
fase mas não passei, aí da segunda vez eu parei e pensei, ‘ah eu tenho um
professor massa de Sociologia’. Eu curtia demais, eu olhava o professor assim,
e falava, ‘cara eu quero dar aula igual ele’, e eu sempre gostei de cultura, desde
pequeno, apesar de pobre, minha casa sempre teve muito livro, meu pai
viajava muito a trabalho, nas viagens de ônibus ele sempre comprava livros,
então sempre fui um bom leitor, e de vários assuntos, de cultura, civilizações
antigas, então as Ciências Sociais, a antropologia principalmente, já era uma
coisa que eu gostava, assim, sempre me atraiu bastante, falei, ah, cara, eu vou
prestar isso, né? Aí prestei pra Ciências Sociais (Professor de Sociologia, 19
de maio de 2020).
Por conseguinte, o contato desse docente com as Ciências Sociais durante sua trajetória
enquanto estudante do Ensino Médio o direcionou à docência de Sociologia à nível básico, tanto
pela área ter aprofundado interesses prévios quanto por sugerir uma ocupação profissional
viável. Assim, o relato em questão é representativo da trajetória pessoal de vários docentes
entrevistados, cuja proximidade com a disciplina de Sociologia durante a Educação Básica
familiarizou-os com os autores, teorias e temas da área e teve influência fundamental na escolha
pelo curso de graduação em Ciências Sociais. Portanto, constata-se, ao menos na região
8
investigada, como o desenvolvimento do Ensino de Ciências Sociais no Ensino Médio não só
é responsável pela circulação dos saberes da área em espaços não acadêmicos, como também
atua diretamente no próprio fortalecimento de cursos de graduação desse campo.
Além disso, o convívio destes agentes com determinados mecanismos didáticos
envolvendo a disciplina de Sociologia desde sua formação em nível básico garante alguns
subsídios empíricos e teóricos para o desenvolvimento de uma prática docente autônoma. O
trecho em que o entrevistado indica “eu quero dar aula igual ele”, em referência ao seu antigo
professor de Sociologia do Ensino Médio, sugere exatamente esse processo e aponta como esse
agente já era dotado de referências pedagógicas específicas ao campo mesmo antes de cursar
Ciências Sociais. Desse modo, em um subcampo3 marcado pela escassez de experiências
didáticas acumuladas (MORAES, 2003, p. 10 – 11), o contato dos futuros professores de
Sociologia com os mecanismos pedagógicos da área desde a Educação Básica pode ser um dos
caminhos para consolidar-se tanto uma identidade geral desses profissionais quanto demarcar
determinadas opções teórico-metodológicas de mediação dos conteúdos sociológicos,
antropológicos e políticos em sala de aula.
Um outro desdobramento teórico-didático das formas de desenvolvimento e
organização da Sociologia na Educação Básica de Minas Gerais reside nos objetivos atribuídos
à disciplina pelo corpo docente. Por se tratar de uma temática relativamente constante em
investigações deste subcampo, como visto em trabalhos de Santos (2002) e Ferreira e Lima
(2014), trata-se de uma variável central para a compreensão do fenômeno em questão.
De modo geral, existem dois sentidos centrais para a disciplina mobilizados pelos
docentes dessa região e que, em certa medida, complementam-se e configuram-se enquanto
objetivo primeiro da Sociologia na Educação Básica. O primeiro deles liga-se diretamente com
a necessidade do reconhecimento e explicação teórica das dimensões sociais da realidade,
principalmente em que medida as distintas condições sociais de existência influem sobre a
trajetória individual dos estudantes. O seguinte relato exprime fundamentalmente esse sentido:
[o papel da Sociologia na Educação Básica é] Compreender como funciona o
mundo social, explicar as principais leis de funcionamento, as principais
lógicas, compreender quais são as questões que regem o mundo e que estão
ligados com os problemas dos alunos do Ensino Médio (Professor de
Sociologia, 7 de maio de 2020).
De modo complementar, o segundo objetivo da disciplina indicado pelos entrevistados
relaciona-se diretamente com o desenvolvimento, entre o corpo discente, de uma perspectiva
científica sobre a realidade. Por conseguinte, a disciplina de Sociologia, segundo os docentes,
3
Entende-se o domínio científico relativo ao Ensino de Ciências Sociais como sub-campo a partir de indicações
feitas por Moraes (2003), Ferreira e Oliveira (2015) e Caravalho e Handfas (2019).
9
deve garantir aos alunos a compreensão e domínio sobre o funcionamento e os instrumentos de
análise para uma interpretação racional não apenas da realidade social, mas também como
perspectiva central de pensamento. Como sugere um agente
[a disciplina de Sociologia] é a mais preocupada em dar formação científica,
porque os alunos não têm formação racional, científica, técnica, aprender a
pensar, aprender a aprender eles não aprenderam, então é muito difícil
(Professor de Sociologia, 19 de maio de 2020).
Dessa forma, constata-se em Uberlândia o predomínio, entre os agentes educacionais
responsáveis pela área de Sociologia, da representação de uma disciplina que deva mobilizar
entre os alunos uma perspectiva científico-racional sobre a realidade, destacando-se uma
atenção específica para o caráter sui generis dos fenômenos sociais e suas influências sobre as
trajetórias individuais.
A partir dos modelos teóricos de Santos (2002, p. 156), pode-se enquadrar a perspectiva
desses docentes em uma categoria clássica e disciplinar, caracterizada por valores e sentidos
majoritariamente acadêmicos. Tal delimitação é possível justamente porque, os agentes que
mobilizam essa forma de gestão da disciplina de Sociologia são aqueles com formação
específica na área, em comparação com uma abordagem interdisciplinar por parte de docentes
oriundos de outros campos. Por conseguinte, devido ao arranjo da formação desses agentes ser,
sobretudo, do campo das Ciências Sociais, especificamente na modalidade de Licenciatura,
como indica a tabela 3, pode-se constatar que o objetivo estabelecido por esses agentes para a
disciplina é fundamentalmente clássico-disciplinar.
52,9%
35,2%
11,7%
10
menos, duas instituições de ensino distintas. Tal elemento influencia diretamente as condições
laborais desses agentes e dá indícios acerca das características da jornada de trabalho desses
profissionais.
Portanto, em um contexto econômico-político marcado pelo contrato temporário, e dada
a tendência à ampliação desta forma de contratação em detrimento à realização de concursos
públicos, como sugerem Bodart e Silva (2016, p. 208 – 209), a precarização torna-se o elemento
definidor da condição de trabalho específica dos docentes de Sociologia. Assim, aliam-se às
estruturas econômicas gerais de flexibilização e precarização do mundo do trabalho, as
condições institucionais particulares nas quais a disciplina de Sociologia insere-se, convergindo
em um fenômeno de fragilização do trabalho docente voltado às Ciências Sociais.
Como consequência, e, simultaneamente, fundamento dessa condição de trabalho, o alto
número de horas/aula ministradas por esses profissionais, a necessidade de complementarem a
renda com disciplinas extras e lecionarem em várias escolas convergem para a ampliação da
transitoriedade do trabalho desses docentes. Como indicado por Lennert (2011, p. 397), a partir
das categorias analíticas de Sennet (2000), os docentes de Sociologia da Educação Básica
tendem a circular por um grande escopo de escolas e turmas, o que torna o reconhecimento de
sua presença nessas instituições e a realização de uma docência continuada inviável. Assim, a
construção de uma forma de trabalho progressiva, previsível e planejável pelo sujeito ao longo
de sua vida ficam impossibilitadas justamente pelo caráter transitório do trabalho docente na
contemporaneidade (SENNET, 2000 apud LENNERT, 2011, p. 397).
Sobre tal fenômeno de precarização e desvalorização do trabalho docente direcionado à
disciplina de Sociologia, nota-se algumas consequências sobre a rotina de trabalho dos agentes
em questão. Entre os relatos recolhidos constata-se que a baixa carga horária destinada para a
disciplina é um dos elementos centrais de deterioração das relações de ensino-aprendizagem
envolvendo os conteúdos sociológicos, antropológicos e políticos. Como indica um dos agentes
sobre a rotina de trabalho docente relativa à disciplina de Sociologia:
Eu acho que o que eu menos gosto é a péssima condição de trabalho assim,
pra dar uma aula de verdade, sabe? Porque a gente tem tanto turma, mas tanta
turma [...]a impressão é assim, é pra não aprender nada mesmo, fora todas as
outras condições dos alunos e enfim, ‘n’ fatores que eu acho que o menos
gosto é ter pouco tempo pra orientar os meus alunos, de fato, pra aprenderem
alguma coisa que seja (Professor de Sociologia, 7 de maio de 2020).
Desse modo, avultam-se alguns elementos marcantes da jornada de trabalho desses
profissionais, para além dos 50 minutos semanais destinados à disciplina, que como indicam os
docentes são insuficientes para uma aprendizagem profunda dos conteúdos, como o amplo
número de turmas, de estudantes, de escolas e as condições materiais nas quais esses elementos
11
inserem-se. Em consonância, essas variáveis conjugam-se para o estabelecimento de um
cenário de precarização das relações de ensino-aprendizagem geridas por esses agentes durante
as aulas de Sociologia.
Além disso, sugere uma das entrevistadas, “Por um contexto salarial, por uma estrutura
que não é oferecida a esses professores para que eles possam de fato dar uma boa aula, então
acredito que esses elementos interfiram sim, atrapalham na nossa carreira docente” (Professora
de Sociologia, 6 de maio de 2020). Por conseguinte, constata-se a aliança de estruturas materiais
e políticas de precarização que influem diretamente sobre a condição de trabalho dos docentes
investigados
Ainda, é importante indicar como tais condições reforçam processos de
desconhecimento e ilegitimidade em relação aos próprios conteúdos de Ciências Sociais
lecionados na Educação Básica. Dado que a incompreensão de uma relevante quantidade de
gestores e docentes de outras áreas em relação à disciplina de Sociologia e suas funções e
objetivos deve-se, justamente, à transitoriedade dessa matéria e seus conteúdos nos ambientes
escolares (GUERINO; NUNES, 2015, p. 68). Desse modo, impede-se a criação de condições
institucionais mínimas para o desenvolvimento da identidade desses docentes bem como das
relações de ensino-aprendizagem contínuas propostas por esses profissionais.
Dessa forma, é indicativo o relato de um dos docentes entrevistados quando questionado
acerca de sua rotina de tralho, em que apontou que: “Os planejamentos, quando eu tô animado
eu faço de madrugada, [...] então é 24/7 assim, aí o dia que eu não trabalho, sei lá, no sábado e
no domingo eu planejo algo, vida de professor é isso, a gente não para” (Professor de
Sociologia, 19 de maio). Portanto, como consequência do alto número de escolas, turmas e
discentes pelas quais os professores de Sociologia são geralmente responsáveis, constata-se
entre os mesmos jornadas de trabalho exauríveis, com um grande volume de tarefas
burocráticas, de planejamento, avaliação e correção relativas à função docente. Nesse contexto,
o tempo dedicado às atividades pessoais de descanso, lazer, tempo para si e para a família são
reduzidos drasticamente em detrimento do amplo volume de trabalho, com possíveis
consequências para a saúde física e subjetiva desses agentes, como sugere Lennert (2011, p.
394 – 395).
Portanto, observa-se como estão estabelecidas algumas das tendências quantitativas e
qualitativas em relação à diversos elementos constituintes do perfil e das práticas dos docentes
aqui investigados. Assim, nota-se entre essa população uma distribuição sexual do trabalho
relativamente igualitária, cujos membros não participam de religiões organizadas
institucionalmente, graduados em cursos de Ciências Sociais na modalidade de licenciatura e
12
lecionam em um amplo número de escolas e turmas.
3.2 Os Discentes do Ensino Médio em Instituições Escolares Públicas de
Uberlândia
Para além do estabelecimento de algumas variáveis que fundamentam a composição e
a prática dos docentes de Sociologia da referida região, faz-se necessário apontar alguns dos
elementos que compõem o corpo discente de Uberlândia, Minas Gerais. Como já evidenciado
em alguns trabalhos anteriores de Silva et al (2020) e Silva, Silva e Junqueira (2019)4, as
juventudes estudantis dessa cidade possuem determinados pontos em comum, contudo, em uma
análise regional comparativa notam-se algumas diferenciações.
De modo geral, serão aqui destacados alguns dos fatores sócio-culturais que compõem
essa população, tais como sexo, etnia, renda e religião, tanto de uma perspectiva geral quanto
regional, atentando-se para as diferenças entre as cinco áreas geográficas do município. Além
disso, levantar-se-ão algumas das representações sociais juvenis mais comuns frente à
disciplina de Sociologia, principalmente no tocante a seu objetivo e contribuições para a
formação intelectual dos entrevistados.
A partir do referencial teórico de Pais (1990) e Dayrell e Reis (2007) busca-se observar
essa população enquanto formada por segmentos de jovens, dotados de, simultaneamente,
características comuns e diferenciais. Desse modo, para além de uma representação
homogeneizante desses grupos, faz-se necessário considerar que
a juventude ora se nos apresenta como um conjunto aparentemente
homogéneo, ora se nos apresenta como um conjunto heterogéneo: homogéneo
se comparamos a geração dos jovens com outras gerações; heterogéneo logo
que a geração dos jovens é examinada como um conjunto social com atributos
sociais que diferenciam os jovens uns dos outros (PAIS, 1990, p. 150 – 151).
Tal posição teórica vai ao encontro das propostas de Dayrell e Reis (2007, p. 114),
principalmente em suas definições do aspecto dual das juventudes contemporâneas definidas
tanto por uma dimensão histórico-geracional quanto por uma situação social, fragmentada por
diversos marcadores como as distinções de gênero, classe, etnia e práticas culturais. Por
conseguinte, os dados aqui apresentados buscarão, em certa medida, revelar esses aspectos
constituintes dos grupos juvenis.
Portanto, de uma perspectiva geral, como indicado por Silva, Silva e Junqueira (2019),
nota-se em Uberlândia a seguinte composição sócio-cultural do corpo discente das escolas
públicas: a maior parte dos estudantes possui uma renda familiar que varia entre 1 e 2 salários
4
Tratam-se de trabalhos cujo objeto, o corpo discente das escolas públicas da cidade de Uberlândia, são
investigados quantitativamente, além disso estas investigações são de co-autoria do autor do presente artigo.
13
mínimos, cujos valores, em 2020, correspondem à uma variação entre R$ 1045,00 e R$
2090,00. Ainda, constatou-se que a escolaridade dos pais e mães dessa população tende a se
finalizar no Ensino Médio. Por fim, a maior parte dos estudantes atribuiu três sentidos centrais
para a frequência à escola, o primeiro indica a instituição escolar como espaço de acesso ao
Ensino Superior, posteriormente, como campo de crescimento pessoal e, por fim, como
mecanismo de introdução à postos de trabalho.
Desse modo, de um ponto de vista amplo, tem-se alguns elementos sócio-culturais
centrais constituintes do corpo discente dessa cidade. Contudo, a partir de uma análise
comparativa regional, faz-se necessário considerar algumas variações dos grupos juvenis que
frequentam essas instituições.
A escola representativa da região leste, por exemplo, apresenta, em comparação com as
demais, os maiores índices de estudantes autodeclarados negros, com uma porcentagem 22,2%
de discentes incluídos nessa categoria. Apesar disso, mesmo nessa região, quando defrontados
pela questão acerca da etnicidade, vários estudantes apresentaram dificuldades para assinalarem
uma resposta.
Tal dado pode ser interpretado como consequência dos processos históricos no Brasil
de homogeneização e dominação das populações negras, cuja uma das reações desses grupos
frente a auto identificação étnica é a negação de si, como sugere Niemeyer (2015, p. 66). Além
disso, é de fundamental importância o reconhecimento, por parte das instituições escolares,
sobre tal processo com o intuito de desenvolver práticas educativas que promovam a
valorização e as contribuições culturais e tecnológicas desses grupos para o desenvolvimento
do país.
Outro ponto de destaque da composição social dos estudantes dessa região diz respeito
à inserção de seus membros no mercado de trabalho. Apesar de não se tratar do território com
a maior porcentagem de estudantes-trabalhadores, categoria esta cunhada por Foraccchi (1977,
p. 51), verifica-se aqui o maior volume de estudantes inseridos em situação formal de labor:
26% de discentes em situação formal de trabalho, ao passo que 18% trabalham em condições
informais. Além disso, destaca-se o dado de que 55% dos estudantes não souberam responder
a pergunto, o que abre um espaço para o desenvolvimento de ações pedagógicas voltadas à
discussão de temáticas relativas ao mundo do trabalho
Sobre os discentes da zona sul, destacam-se os dados relativos à composição religiosa,
visto que se trata da região com a maior porcentagem de evangélicos, precisamente, 45,9%,
ainda, destaca-se o alto número de estudantes sem religião, precisamente, 20% da população.
Nota-se, portanto, o desenvolvimento nesta região de um processo de reconfiguração da
14
distribuição religiosa no Brasil, como sugere Novaes (2004), visto o número relativamente alto
de evangélicos e agentes sem nenhum vínculo com religiões institucionalizadas.
Ainda, destaca-se nessa região um grau elevado de estudantes cujas condições
econômicas são inferiores a um salário mínimo, especificamente, 15,3% da população desse
território. Além disso, os discentes da zona sul cuja renda familiar é superior à três salários
mínimos também é pouco significante, correspondendo a 15,3% do grupo. Destacam-se,
portanto, nesta área, estudantes em situações materiais vulneráveis.
Em relação aos estudantes da zona oeste, tem-se uma distribuição religiosa equitativa
entre os evangélicos e os católicos, correspondendo, cada grupo, à 30,4% da população. Faz-se
necessário considerar também que se trata do território não central cuja representatividade de
estudantes sem religião é a maior, cuja percentual representativo é de 23,9%. Outro dado que
avulta-se nesse território diz respeito à composição étnica da população, visto que trata-se do
espaço com a maior porcentagem de estudantes indígenas, nomeadamente, 6,5%.
No tocante aos estudantes da zona norte, tem-se uma ampla maioria de mulheres, 57,1%,
em detrimento dos homens, 42%, de modo que trata-se da escola não-central de maior corpo
discente feminino. Além disso, essa região destaca-se como aquela que possui a maior
porcentagem de estudantes-trabalhadores, visto que estes representam 45,4% da população,
sendo a maior parte destes, incluídos em postos de trabalho informais.
Por fim, a escola central apresenta aspectos particulares em sua composição quando
comparada com as instituições das demais regiões. Trata-se da zona com a maior porcentagem
de estudantes mulheres, precisamente, 58,8% da população; o maior volume de discentes
brancos, nomeadamente, 43%; e a maior representatividade de católicos, no caso, 38,6% da
população. Ainda, a escola da zona central apresenta os maiores índices de rendimentos
econômicos superiores, visto que 21,1% dos estudantes possuem renda familiar superior à 4
salários mínimos, um valor superior em 14,2% da média das demais escolas. Por fim, trata-se
da região com o menor índice de estudantes com renda familiar inferior à um salário mínimo,
dado que somente 10,5% dos discentes enquadram-se nessa categoria.
Tais dados permitem a constatação de que, apesar de existirem algumas características
gerais compartilhadas pelos estudantes das escolas públicas de Uberlândia, como as variáveis
relativas à escolaridade dos pais e representações sobre a escola, outros fatores como a renda
familiar, a distribuição sexual, composição étnica, as práticas religiosas, a inserção no mercado
de trabalho e a forma dessa participação variam regionalmente.
Sobre as representações mobilizadas pelos estudantes frente à área de Sociologia,
buscou-se levantar tais informações a partir de dois indicadores empíricos distintos (ABRAMO,
15
1979, p. 65), fundamentados pelos objetivos da disciplina segundo esses agentes e as prováveis
contribuições que a disciplina alcançou na formação intelectual ou trajetória pessoal desses
estudantes. Desse modo, a constatação de representações recorrentes entre estes estudantes em
relação a estes dados permitirá a compreensão dos reais sentidos que a Sociologia possui no
Ensino Médio para os estudantes envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem dessas
instituições escolares.
Em relação ao primeiro elemento, as razões e propósitos da disciplina de Sociologia no
Ensino Médio, a maioria dos estudantes elencou duas finalidades principais para essa disciplina:
a mesma garante a formação de uma visão distinta sobre a sociedade, no sentido de que fornece
instrumentos compreensivos para além do senso comum para o entendimento de fenômenos
como a cultura e a política, e por dar explicações científicas á práticas, pensamentos e interações
vividos pelos estudantes em seu cotidiano. De certa forma, ambas finalidades se complementam
à medida que a interpretação dos fenômenos sociais experienciados pelos discentes a partir de
alguns conceitos trabalhados nas aulas de Sociologia garantem uma visão renovada sobre a
realidade, para além do senso comum. Como indicado por uma aluna,
Bom, Sociologia, eu ainda estou no segundo ano mas eu aprendi sobre a
sociedade, a diferença de culturas e tals...é os preconceitos, etnocentrismo,
essas coisas. E esse ano eu pude aprender...sobre Max Weber, Karl Marx, é...e
Emile Durkheim, August Comte, eu vi sobre eles esse ano e ajudou muito.
Sim, sempre consigo conectar os conceitos com os coisas que vivo (Entrevista
6, dezembro de 2019).
Ainda assim, dois dos nove discentes entrevistados indicaram não saberem ao certo qual
a finalidade da disciplina de Sociologia no Ensino Médio, sendo que a dificuldade com os
conteúdos ou uma falta de interesse em relação à disciplina acompanharam esses relatos. Desse
modo, apesar destes estudantes relatarem que a Sociologia seja importante, os mesmos não
conseguiram elaborar justificativas para tal apontamento.
No que refere-se ao terceiro elemento levantado, sobre possíveis contribuições da
disciplina para a formação intelectual ou trajetória pessoal dos estudantes, a maioria dos
estudantes indicou que a Sociologia impactou sobre a forma com que enxergam a realidade
social, especialmente na identificação e questionamentos sobre acepções oriundas do senso
comum. Um dos estudantes também apontou que as Ciências Sociais no Ensino Médio
serviriam de aporte para a compreensão de fenômenos psicológicos quando este adentrar em
um curso superior de Psicologia. Segundo este aluno, a compreensão da vida em sociedade é
fundamental para apreender os processos subjetivos vividos pelos indivíduos, de modo que
ambas áreas estão conectadas. Ainda assim, alguns estudantes não souberam responder esse
questionamento.
16
Desse modo, nota-se que a disciplina de Sociologia é enquadrada e interpretada pelos
estudantes segundo uma perspectiva relativamente próxima àquela mobilizada pelos docentes,
ou seja, é a área responsável pelo desenvolvimento de uma perspectiva racional sobre a
realidade. Contudo, os estudantes não destacaram a disciplina como esfera de desenvolvimento
de uma racionalidade predominantemente científica em um sentido mais amplo, como sugerida
pelos professores, além disso os estudantes destacaram a Sociologia como a matéria que
fundamenta uma visão sobre a realidade social que contrapõe àquelas provenientes do senso
comum.
4. Conclusão
De modo geral, tem-se aqui algumas variáveis, tanto de ordem quantitativa quanto
qualitativa, que compõem o Ensino de Ciências Sociais em Uberlândia, especificamente em
escolas públicas. Em relação ao corpo docente constatou-se uma distribuição sexual
relativamente igualitária, com um leve predomínio de mulheres em detrimento dos homens; e
apesar de apresentar um arranjo de práticas religiosas relativamente heterogênea, prevalecem
aqueles docentes sem religião.
Além disso, a totalidade dos professores de Sociologia contam com formação específica
em nível superior, de modo que o grau de adequação entre área de atuação e graduação desses
profissionais é alto, particularmente em comparação com as médias históricas nacionais
verificadas por Silva e Vicente (2014, p. 74 – 75) e Bodart e Silva (2016, p. 214). Ainda, grande
parte desses agentes lecionam em ao menos duas instituições de ensino e são responsáveis por
um grande volume de turmas e estudantes, o que dá indícios de níveis consideráveis de
precarização do trabalho docente.
Por fim, essa população indica dois sentidos centrais da Sociologia na Educação Básica,
por um lado deve garantir a formação de uma perspectiva científica e racional entre os alunos,
por outros deve garantir explicações sobre a realidade social a partir dessa concepção, visão
essa fundamentada pelas teorias, temas, autores e conceitos das Ciências Sociais. Assim, pode-
se enquadrar a representação desses docentes sobre a disciplina de Sociologia “a partir de um
modelo mais clássico, mais disciplinar, mais orientado pelos interesses e valores da academia”,
segundo categorias de Santos (2002, p. 156).
Assim, essas características do corpo docente podem ser atribuídas a dois fatores
determinantes correlacionáveis. O primeiro deles, de ordem histórica, é representado pela
institucionalização antecipada da Sociologia na Educação Básica de Minas Gerais a partir da
obrigatoriedade da disciplina na região desde 1989 e a inclusão dos conteúdos da disciplina nas
17
provas do vestibular e PAIES para ingresso na UFU, como indica Guimarães (2004, p. 192 –
193). O segundo, de caráter formativo e um dos desdobramentos do primeiro elemento,
relaciona-se com o alto grau de adequação entre área de formação e atuação dos docentes de
Sociologia da região. Desse modo, tais variáveis contribuem diretamente para a configuração
quantitativa e qualitativa do corpo docente da região.
Em relação ao corpo discente nota-se, a partir de um ponto de vista geral, o predomínio
de estudantes cujos pais finalizaram os estudos formais até o Ensino Médio, além disso os
sentidos da escola para esses agentes relacionam-se principalmente com o acesso ao Ensino
Superior, à uma forma de crescimento pessoal e de introdução ao mercado de trabalho. Ainda,
faz-se necessário reconhecer as variações na composição social desses estudantes de acordo
com a região onde estudam. Desse modo, determinados percentuais relativos às práticas
religiosas, rendas familiares, pertencimentos étnicos, distribuição sexual, inserção no mercado
de trabalho e as formas dessa inclusão desses estudantes variam entre as zonas consideradas.
Portanto, confirma-se aqui a multidimensionalidade que envolve o Ensino de Ciências
Sociais nas instituições escolares públicas de Uberlândia, Minas Gerais. Por conseguinte,
apesar da impossibilidade epistemológica de captar todas as variáveis e determinações do
objeto em questão, o levantamento de dados e sua posterior análise acerca do corpo docente e
as juventudes estudantes dessa região permite uma perspectiva científica profunda e atenta às
modulações deste fenômeno educacional.
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